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Pro-Posições

A escrita de notas como artesanato intelectual: Niklas


Luhmann e a escrita acadêmica como processo

Journal: Pro-Posições

Manuscript ID PP-2021-0123.R1

Manuscript Type: Original Article


Fo
escrita acadêmica, letramento acadêmico, Niklas Luhmann, metodologia
Keyword:
de pesquisa
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On
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5 A escrita de notas como artesanato intelectual: Niklas Luhmann e a
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7 escrita acadêmica como processo
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Robson Nascimento da Cruz
12
13 Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
14
15
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17 Junio Vieira Rezende
18 Universidade Federal de Minas Gerais
19
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22
23 Resumo: A despeito dos inúmeros indícios de que a escrita acadêmica é um meio
24
de descoberta intelectual e não apenas uma representação do pensamento, no
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25
26 contexto brasileiro tal prática tem sido conceituada mais como produto de pesquisas
27
28 e disciplinas do que como parte integrante da formação universitária. O objetivo
ev

29
30 neste artigo é apresentar a tomada de notas, uma atividade aparentemente simples e
31
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supostamente arcaica, como um artifício no qual o exercício da escrita acadêmica é


32
33 orientado eminentemente para o processo de construção de um pensamento autoral.
34
35 Para tanto, discutimos os recentes achados na historiografia da escrita que expõem
36
a tomada de notas como uma prática essencial no desenvolvimento da
On

37
38 intelectualidade moderna, e, em seguida, apresentamos um caso emblemático, no
39
40 século XX, do profícuo uso de um sistema de tomada de notas do sociólogo alemão
ly

41
42 Niklas Luhmann. Por fim, apontamos que o valor da tomada de notas vai além da
43
44
mera curiosidade histórica, constituindo-se como ferramenta auxiliar para um
45 cotidiano no qual a satisfação e o senso de desenvolvimento intelectual estejam no
46
47 centro da vida acadêmica.
48
49 Palavras-chave: escrita acadêmica; letramento acadêmico; Niklas Luhmann;
50 metodologia de pesquisa
51
52
53
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56
57
58 Note-writing as an Intellectual Craft: Niklas Luhmann and Academic
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60 Writing as a Process

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6 Abstract: Despite numerous indications that academic writing is a means of
7
8 intellectual discovery and not just a representation of thought, in the Brazilian
9
context this practice has been conceptualized more as a product of research and
10
11 disciplines than as an integral part of university education. The aim of this article is
12
13 to present note-taking, an apparently simple and supposedly archaic activity, as an
14
15 artifice in which the exercise of academic writing is eminently oriented towards the
16 process of constructing an authorial thought. To this end, we discuss recent findings
17
18 in the historiography of writing that expose note-taking as an essential practice in
19
20 the development of modern intellectuality, and then present an emblematic case, in
21
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the 20th century, of the fruitful use of a note-taking system. prepared by German
23 sociologist Niklas Luhmann. Finally, we point out that the value of note taking goes
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25 beyond mere historical curiosity, constituting an auxiliary tool for a daily life in
26
27 which satisfaction and a sense of intellectual development are at the center of
28
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academic life.
29
30 Keywords: academic writing; academic literacy; Niklas Luhmann; Research
31
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32 Methodology;
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A escrita como processo de descoberta
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37
38
39 Uma afirmação perpassa os debates acerca do ensino de escrita acadêmica
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41 há quase meio século: a escrita acadêmica é um complexo processo de descoberta,


42
43 e não um mero produto da etapa final de disciplinas e pesquisas (Murray, 1972;
44
Kellog, 1994; 2016; Peary, 2016; Elbow, 1998; Boice, 1994; Rose, 1980; Flower &
45
46 Hayes, 1984; Wrigley, 2019; Pinto, 2016). Nesse cenário, o caráter processual da
47
48 escrita acadêmica é interpretado como parte inseparável da formação intelectual,
49
50 uma vez que a escrita não é mera forma de dizer o que se sabe, mas é, sobretudo,
51 um dos meios mais efetivos para se descobrir o que se tem a dizer. Como sugere
52
53 Baker (1985): "Escrever, na verdade, cria o pensamento e gera a capacidade de
54
55 pensar: com a escrita você descobre pensamentos que mal sabia que tinha" (p. 2-3).
56
57
Tal perspectiva acerca do papel da escrita é igualmente identificada nos
58 discursos de renomados intelectuais, das mais diferentes áreas do conhecimento,
59
60 quando estes se prestam a explicar os processos de composição de seus textos. A

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3 título de exemplo, nomes como o do antropólogo Clifford Geertz (Olson, 1991), do
4
5 filósofo Slavoj Žižek (Taylor, 2005), do físico Richard Feynman (Gleick, 2011), e
6
7 do filósofo e historiador Michel Foucault (2010) figuram entre aqueles que
8
convergem para a mesma opinião acerca da prática escrita: esta é um meio de
9
10 descoberta, e não um dispositivo a ser acionado depois que já se sabe tudo o que
11
12 deve ser dito sobre um problema de pesquisa. Ainda que subteorizada, tal visão
13
14 sobre o papel da escrita difere-se radicalmente da postura da maior parte da
15 população acadêmica que experimenta dificuldades para escrever. Ou seja, os
16
17 escritores e escritoras fluentes e renomados, tendem a se envolver com estratégias
18
19 prévias de escrita durante todo o processo da pesquisa, por exemplo, por meio da
20
21
tomada e organização de notas, que serão utilizadas posteriormente em seus textos
Fo

22 a serem publicados, enquanto os acadêmicos e acadêmicas que experimentam


23
24 constantes dificuldades para escrever, pouco recorrem a estratégias de pré-escrita,
rR

25
26 assim como insistem em escrever seus textos, mesmo quando ainda possuem
27
incipiente conhecimento acerca do tema que investigam (Boice, 1994; Hjortshoj,
28
ev

29 2001; Peary, 2016). Sobre essa diferença marcante entre aqueles que escrevem de
30
31 forma fluente e aqueles que sofrem de bloqueio da escrita, Murray (1972) afirma,
iew

32
33 em artigo clássico no campo da teoria da composição, que os escritores e escritoras
34 mais profícuos, em qualquer gênero textual, tendem a gastar por volta de 80% do
35
36 tempo pré-escrevendo, 15% do tempo revisando, e apenas 5% do tempo gerando o
On

37
38 texto que virá a público.
39
Apesar de tais constatações, a escrita, enquanto processo e meio de
40
ly

41 descoberta intelectual, raramente tem sido tema de preocupação no ensino superior


42
43 brasileiro, contexto no qual se esperaria maior consciência acerca do papel da escrita
44
45 na formação acadêmica, uma vez que ela possui função central na organização da
46 ciência e na definição da identidade pessoal e profissional de pesquisadores e
47
48 pesquisadoras de todas as áreas do conhecimento. Pode-se dizer, inclusive, que a
49
50 postura é, muitas vezes, a inversa. Na universidade brasileira, é justo dizer que a
51
52
escrita tem sido mantida mais como produto a ser apenas avaliado do que um
53 processo a ser continuamente desenvolvido (Martín, 2018). Tendo em vista esse
54
55 quadro, nosso propósito neste artigo é apresentar ao público acadêmico brasileiro
56
57 uma modalidade de escrita acadêmica orientada eminentemente para o processo de
58
construção de um pensamento autoral: a tomada de notas.
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3 A tomada de notas pode ser conceituada como uma forma de pré-escrita, no
4
5 sentido que é uma escrita que garante ao autor ou à autora um espaço de segurança
6
7 para escrever de maneira aproximativa, embrionária e experimental, sem que essa
8
fase da escrita precise se tornar pública e avaliada pelos pares, sendo ao mesmo
9
10 tempo etapa essencial para posterior composição de textos acadêmicos de alta
11
12 qualidade. Desse modo, a escrita de notas diminui a pressão social e psicológica
13
14 sobre a escrita acadêmica, o que é, muitas vezes, o principal motivo pelo qual muitos
15 acadêmicos e acadêmicas experimentam dificuldades para começar, manter e
16
17 finalizar os seus textos de forma fluente, criativa e confortável (Cruz, 2020). Além
18
19 disso, ao contrário da intuição comum, a permissão para uma escrita aproximativa
20
21
tende a aumentar a qualidade da escrita formal, ao invés de diminuí-la, como muitos
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22 pensariam (Elbow, 2012).


23
24 Para introduzir o tema, assim como para discutir o valor atual da escrita
rR

25
26 acadêmica por meio de tomada de notas, nosso propósito é apresentar duas
27
dimensões de tal prática de escrita. Em primeiro lugar, uma dimensão
28
ev

29 historiográfica, na qual a escrita de notas é crescentemente localizada, a partir da


30
31 última década, como prática cultural constituinte da intelectualidade moderna,
iew

32
33 quando o aumento de informações impressas e uma nova forma de se relacionar
34 com o conhecimento demandaram esforços para a criação de tecnologias da
35
36 memória que se tornaram altamente disseminadas na Europa. Em segundo, uma
On

37
38 dimensão prática da escrita de notas ilustrada por meio da exposição de seu emprego
39
singular na segunda metade do século XX: o fichário de notas do sociólogo alemão
40
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41 Niklas Luhmann (1927-1998). Por fim, argumentamos que o interesse pelo tema
42
43 ultrapassa a mera curiosidade histórica ou adesão irrefletida ao produtivismo
44
45 acadêmico, constituindo-se em questão essencial para debates que visem a um
46 cotidiano universitário orientado para a satisfação, para o senso de descoberta e para
47
48 a formação de um pensamento autoral no qual o processo, e não o produto, seja o
49
50 foco não só da escrita, mas da vida acadêmica como um todo.
51
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A escrita de notas na modernidade: materialidade, memória
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externa e as novas possibilidades da autoria
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3 É recente o interesse pela dimensão prática, material e cotidiana da escrita
4
5 na historiografia de tal atividade (Williams, 2014). Blair (2010) afirma, por
6
7 exemplo, que a historiografia da tomada de notas se iniciou somente na última
8
década, quando essa prática deixa de ser vista como simples estratégia de estudo
9
10 individual, ou "prótese da memória", e começa a ser desvelada enquanto artifício
11
12 fundamental na formação da mentalidade moderna. Esses fatos sugerem o quanto o
13
14 exercício da escrita se manteve imune a análises voltadas para a explicitação de suas
15 condições sociais e materiais de produção, assim como imune a análises voltadas
16
17 para o papel das mais diversas modalidades de escrita nos rumos da produção do
18
19 conhecimento moderno.
20
21
De modo geral, a historiografia da escrita de notas tem revelado os impactos
Fo

22 das tensões entre a cultura oral e a emergente cultura tipográfica no ambiente


23
24 intelectual moderno do século XVI como central para a compreensão daquele
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25
26 fenômeno histórico. Naquele período, os valores predominantes da Retórica
27
Clássica, na qual a oralidade ocupava o centro da prática intelectual, são
28
ev

29 gradualmente substituídos pelos valores de uma nova cultura material, calcada em


30
31 tecnologias da escrita concebidas para suprir a demanda por formas de memórias
iew

32
33 externas, vistas como indispensáveis para um momento de crescente volume de
34 informações (Cevolini, 2018; 2020; Schmidt, 2018).
35
36 A invenção da prensa móvel, em meados do século XV, figura como fator
On

37
38 determinante para a emergência da prática da escrita de notas. Nesse contexto, a
39
competência de exposição oral do conhecimento, adquirida por meio da
40
ly

41 memorização, começa a perder seu apelo como prova de capacidade intelectual. Em


42
43 seu lugar, a “arte dos excertos”, já presente entre os gregos, é retomada, inicialmente
44
45 com o emprego dos chamados cadernos de notas (commonplace books),
46 caracterizados por anotações originais e cópias de trechos de obras lidas, feitas em
47
48 ordem cronológica e temática (Cevolini, 2020). Contudo, com o crescente acúmulo
49
50 de anotações, especialmente no contexto acadêmico, surge a necessidade de
51
52
recuperação de informações e, com ela, a criação de técnicas e sistemas de
53 indexação cada vez mais sofisticados (Blair, 2010).
54
55 Enquanto na cultura retórica os cadernos de notas tinham a função de
56
57 memória auxiliar, à qual o erudito se voltava na busca pelo material que deveria
58
memorizar, na cultura tipográfica anotar em cadernos tem a função psicológica de
59
60 “aprimorar o esquecimento” (Cevolini, 2018). Ou seja, o caderno de anotações

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3 permitia ao estudioso retirar da mente o que lhe aparecia como interessante,
4
5 armazenando-o para uso posterior, a fim de manter a disposição suficiente para
6
7 continuar a leitura.
8
Os valores da novidade e da criação apregoados na cultura renascentista,
9
10 avessos ao colecionismo, diminuem radicalmente o apelo do conhecimento
11
12 enciclopédico e erudito, até então em voga e disseminado via os cadernos de
13
14 anotações. Além disso, nesse contexto, inovações materiais, como a produção de
15 papéis de maior duração, o uso de folhas recortadas avulsas e seu arquivamento com
16
17 base em critérios como tema, cronologia e organização alfanumérica, resultam e, ao
18
19 mesmo tempo, compatibilizam-se com os anseios de construção de um
20
21
conhecimento que vá além da busca pela coleção de informações. Essencial nesse
Fo

22 processo foi a prerrogativa, amplamente disseminada via extensa pedagogia da


23
24 escrita de notas, nos séculos XVI a XVIII, em manuais de escrita, de que cada nota
rR

25
26 deveria ter uma estrutura semântica fechada em si. Igualmente é novidade que tais
27
notas deveriam ser orientadas para os interesses de quem as escreve e para as
28
ev

29 possíveis associações com as notas existentes no arquivo pessoal (Cevolini, 2018).


30
31 Além de propiciar a produção de uma memória externa no trabalho
iew

32
33 intelectual, essa nova maneira de escrever carrega função inovadora na história da
34 prática escrita: uma nota se torna um objeto físico e intelectual destacado do
35
36 contexto no qual a nota foi concebida (Blair, 2010). Uma operação que permite a
On

37
38 sua recontextualização por meio de recombinações originais e altamente pessoais
39
(Cevolini, 2018). A externalidade e a fisicalidade das notas, assim como o empenho
40
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41 deliberado em construir relações novas entre notas que ligam diferentes temas, são
42
43 características que constituem versões embrionárias daquilo que hoje conhecemos
44
45 como Cibernética: um meio de gerar a evolução do pensamento via um aparente
46 caos de informações dispersas e via o recurso da hipertextualidade possível apenas
47
48 com o armazenamento, arquivamento e indexação das notas (Maxwell & Armen,
49
50 2013).
51
52
Esse quadro moderno de transformação da relação com o conhecimento
53 inclui a tomada de notas como artifício central na emergência de tecnologias da
54
55 escrita. Primeiro empenho, nesse sentido, foi realizado por Vincent Placcius, que
56
57 publicou, em 1689, a descrição de um complexo armário para a organização de notas
58
a ser inseridas e rearranjadas coletivamente (Cevolini, 2018). O segundo caso
59
60 documentado ocorreu em 1740, quando Thomas Harrison inventou um gabinete,

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3 com gavetas, que funcionava como arquivo para fichas de papel, organizadas
4
5 alfabeticamente. A “arca de estudos”, como Harrison a nomeou, criava inúmeras
6
7 possibilidades de combinação e recombinação de notas e foi apenas uma das
8
invenções similares daquele período, quando o manejo físico do conhecimento
9
10 acadêmico representou a dúvida crescente sobre a capacidade da memória
11
12 individual, bem como a busca incessante por novos usos e tecnologias de memória
13
14 externa (Malcolm, 2004).
15 Não só os hábitos de escrita sofrem transformações quando da crescente
16
17 adesão a sistemas de escrita de notas, no início da era moderna, mas igualmente os
18
19 hábitos de leitura. Os hábitos de leitura que acompanhavam os cadernos de
20
21
anotações, por exemplo, serviam à memorização de informações para posterior
Fo

22 exposição oral. Na cultura tipográfica, por sua vez, a escrita de notas independentes
23
24 torna a leitura uma prática cujo propósito vai além do acúmulo de conhecimento,
rR

25
26 voltando-se principalmente para a construção de conhecimento novo (Cevolini,
27
2020, p. 14). Desse modo, os hábitos de leitura tornam-se diretamente vinculados
28
ev

29 aos interesses prévios do leitor ou leitora, pois a possibilidade de combinação e


30
31 recombinação de notas cria contexto para uma leitura dirigida para suplementar
iew

32
33 linhas de raciocínio, redes de ideias e para preencher lacunas em argumentos. Os
34 hábitos de leitura são, assim, cada vez mais orientados pelos interesses do leitor ou
35
36 leitora, que busca a cada nova escrita de uma nota se tornar ele mesmo um autor ou
On

37
38 autora por meio de novas relações à medida que novas notas são acrescentadas e
39
manipuladas no fichário de notas.
40
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43 Um uso profícuo e deliberado da escrita de notas: o caso de Niklas
44
45 Luhmann
46
47
48
49 A despeito do avanço dos usos e da difusão de sistemas de escrita por notas
50
51 entre os séculos XVI e XVIII, a divulgação e a teorização sobre tal prática escrita
52 se extinguem ao longo dos séculos XIX e XX na paisagem da cultura intelectual
53
54 moderna. Isso não significa, contudo, que a escrita por sistemas de tomada de notas
55
56 tenha entrado em total desuso. O mais coerente é dizer que a tomada de notas se
57
58
tornou uma atividade privada e subteorizada no cotidiano da vida acadêmica,
59 provavelmente como resultado do avanço ideológico da divisão social entre trabalho
60

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3 manual e trabalho intelectual, divisão essa que apaga as relações entre as condições
4
5 materiais e as atitudes cotidianas da vida acadêmica (Becker, 2015; Löfgren, 2014).
6
7 Embora o valor da prática da escrita de notas esteja presente nos discursos
8
de intelectuais dos séculos XX e XXI, tal prática raramente é teorizada ou
9
10 apresentada como elemento constituinte essencial da produção de conhecimento
11
12 (Wilken, 2010). Quando mencionados, os discursos sobre a escrita de notas se fazem
13
14 presentes quase sempre em meios de comunicação informais, como entrevistas,
15 documentários ou relatos biográficos e autobiográficos (e.g. Barthes, 1977;
16
17 Benjamin, 2006; Moisés, 1999; documentário Žižek!, dirigido por Taylor e lançado
18
19 em 2005; Skinner, 1981).
20
21
Mesmo entre autores e autoras de áreas do conhecimento nas quais a escrita
Fo

22 de notas é parte essencial da atividade acadêmica, como é o caso da antropologia, o


23
24 tema tem sido subteorizado. Esse é precisamente o caso do antropólogo Clifford
rR

25
26 Geertz, que, mesmo sendo um dos principais responsáveis pela explicitação do
27
papel essencial da escrita na construção dos fenômenos sociais, não teoriza em
28
ev

29 momento algum de sua obra a função desempenhada pelas notas de campo e de


30
31 leituras (Emerson, Fretz & Shaw, 2010). Algo ainda mais surpreendente quando se
iew

32
33 constata ter o próprio Geertz afirmado que, antes de iniciar a escrita de seus mais
34 importantes livros, havia acumulado notas de leitura e de campo ao longo de quase
35
36 uma década (Olson, 1991).
On

37
38
39
Luhmann e o caso da “caixa de fichas”
40
ly

41
42
43 Niklas Luhmann (Lüneburg, Alemanha, 1927-1998) foi um dos últimos
44
45 autores do século XX a se dedicar à produção de uma grande teoria social. Luhmann
46 estudou Direito entre 1946 e 1949 e trabalhou na administração pública por cerca
47
48 de dez anos (Bechmann & Stehr, 2002). Nesse período, antes mesmo de qualquer
49
50 vinculação institucional como docente universitário, Luhmann praticava a escrita
51
52
por notas, tendo certa ciência de que aquela atividade seria útil não apenas para a
53 escrita de algum projeto pontual, mas para um programa de pesquisa de longo prazo
54
55 (Schmidt, 2018).
56
57 A carreira acadêmica de Luhmann se inicia na década de 1960, quando,
58
ainda funcionário da administração pública, se candidata ao cargo de professor na
59
60 universidade de Bielefeld. Ao assumir o cargo, em 1968, Luhmann propôs, como

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2
3 parte do seu plano de trabalho, um programa de pesquisa com duração de 30 anos,
4
5 o qual tinha como finalidade desenvolver uma teoria geral da sociedade. Proposta
6
7 cumprida pelo sociólogo, que ainda deixou inúmeros artigos e livros a serem
8
publicados postumamente. Em sua profícua trajetória, Luhmann publicou cerca de
9
10 550 artigos e 50 livros, números que o tornam um fenômeno editorial sem
11
12 precedentes na história da sociologia do século XX (Schmidt, 2016).
13
14 Além da produtividade, o que distingue o trabalho de Luhmann é a intrínseca
15 e deliberada vinculação de seu ambicioso programa de pesquisa com seu método de
16
17 escrita e leitura. Como Luhmann (1992) afirmou, o que explicava seu pensamento
18
19 e sua produção era a sua “caixa de fichas” (zettelkasten). Mais do que um arquivo
20
21
para recuperação de memórias, para ele, o seu fichário de notas constituía um
Fo

22 poderoso “parceiro de comunicação”. Com uma perspectiva de que a escrita é uma


23
24 forma de descoberta, ele argumenta que seu fichário de notas lhe evidenciava
rR

25
26 constantemente que seria "impossível pensar sem escrever, ao menos no caso de
27
qualquer pensamento sofisticado, em rede" (1992, p. 3).
28
ev

29 A construção de um fichário de notas como o empreendido por Luhmann é


30
31 um caso raro na história intelectual do século XX, pois foi não apenas executado,
iew

32
33 mas teorizado, publicizado e assumido pelo sociólogo como central para a
34 construção de sua obra. Ao fazer isso, Luhmann se distingue da norma nas ciências
35
36 humanas e sociais do século XX, na qual a prática da escrita é, como sugere Becker
On

37
38 (2015), uma atividade eminentemente privada e cujo processo é desprovido de
39
teorizações.
40
ly

41 Luhmann explicitava a materialidade e a lógica do seu ofício de pesquisador


42
43 a quem o procurava na esperança de encontrar no seu famoso fichário de notas o
44
45 Santo Graal da escrita acadêmica (Schmidt, 2016). No entanto, como o próprio
46 Luhmann observa, quase todas as pessoas que o procuravam se mostravam
47
48 decepcionadas logo que viam um velho e simples armário de madeira, cheio de
49
50 gavetas ocupadas por notas aparentemente comuns, muitas vezes amareladas pelo
51
52
tempo, com informações que não pareciam ser capazes de explicar a sua
53 impressionante produção intelectual. "As pessoas aparecem, veem tudo e nada mais
54
55 do que isto, assim como nos filmes pornográficos; consequentemente, saem
56
57 desapontadas" (Luhmann, citado em Cevolini, 2018, p. 393). De fato, não há nada
58
de especial no método de escrita de Luhmann para além de ser um resgate, no século
59
60 XX, de um sistema de memória externa capaz de proporcionar condições para a

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2
3 geração, ao longo de décadas, de uma escrita autoral de artigos e livros coerentes
4
5 com o seu programa de pesquisa.
6
7
8
Uma caixa de notas e seus usos
9
10
11
12 Luhmann escreveu por volta de 90 mil notas ao longo de sua carreira. Esse
13
14 trabalho era feito à mão em cartões tamanho A6 e organizado em duas grandes
15 coleções. Uma primeira coleção, produzida entre 1951 e 1962, com cerca de 23 mil
16
17 notas, e uma segunda, entre 1963 e 1997, com cerca de 67 mil notas. A primeira
18
19 coleção é composta dos interesses iniciais de Luhmann no campo da ciência política,
20
21
teoria da organização, filosofia e sociologia. A segunda coleção é orientada para a
Fo

22 expansão dos seus interesses em uma tentativa de uma teoria geral da sociedade,
23
24 com temas das mais diversas ordens, como as teorias da comunicação, os processos
rR

25
26 de tomada de decisão, a cibernética, o amor, entre outros (Cevolini, 2018; Schmidt,
27
2016).
28
ev

29 No sistema de Luhmann, as notas consistem em frases ou parágrafos curtos


30
31 que expressam uma ideia, seja original, seja um comentário sobre ideias de outros
iew

32
33 autores. Luhmann é radical na proposição de que a nota deve ser escrita com as
34 próprias palavras e sintetizar ao máximo o que se busca expressar. No canto superior
35
36 esquerdo, Luhmann inseria um código de identificação para a nota. No campo
On

37
38 superior direito, escrevia uma ou duas palavras-chave. O autor redigia a ideia apenas
39
de um lado da nota, de modo a facilitar o manuseio e o processo de leitura do seu
40
ly

41 extenso arquivo. Referências bibliográficas eram adicionadas no verso de cada nota,


42
43 quando necessário. Assim, uma nota é sempre autocontida, uma unidade semântica
44
45 redigida de modo a poder ser compreendida isoladamente e a qualquer tempo no
46 futuro. Porém, uma nova nota quase sempre visa se articular com outras notas
47
48 existentes no fichário, de modo a gerar constantes formulações e reformulações de
49
50 argumentos, definições, perguntas e respostas de seu programa de pesquisa
51
52
(Schmidt, 2018). Para Luhmann (1992), esse processo implicava que suas leituras,
53 a escrita de novas notas e a organização do fichário eram atividades sempre
54
55 interdependentes. "Por isso, ao ler, sempre tenho a questão em mente de como os
56
57 livros que leio podem ser integrados ao sistema de arquivamento de notas" (p. 3).
58
59
60 A nota como pensamento materializado

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1
2
3
4
5 Para Luhmann, uma nota é a manifestação física do pensamento, um objeto
6
7 passível de ser fisicamente manipulado de modo a gerar novas ideias e ser conectado
8
com novas notas. Assim, por exemplo, uma nota acerca do tema política pode ser
9
10 conectada a uma nota do tema educação, outra do tema arquitetura e outra do tema
11
12 nutrição, sem que tais notas tenham relações explícitas entre si, pois tais relações
13
14 são estabelecidas pelo autor ou autora ao tentar dar respostas às suas questões de
15 pesquisa. Essa perspectiva, segundo Luhmann, é compatível com o conceito de
16
17 Estrutura Geral do Cérebro, formulado pelo neurologista W. R. Ashby, um dos
18
19 pioneiros no campo da Cibernética. Ashby (1970) argumenta que a capacidade do
20
21
cérebro em lidar com grandes quantidades de informações resulta não do acúmulo
Fo

22 de conhecimento ponto a ponto, mas de sua capacidade de produzir relações entre


23
24 infinitas categorias (Ashby, 1970). Na atualidade, estudos, especialmente no campo
rR

25
26 da psicologia, corroboram tal perspectiva, indicando que a linguagem humana,
27
especialmente na atividade acadêmica, se desenvolve significativamente à medida
28
ev

29 que as pessoas empregam esforços deliberados de conectar conceitos, teorias,


30
31 exemplos e experiências das mais diversas ordens (Ambrose, Bridges, DiPietro,
iew

32
33 Lovett & Norman, 2010; Lang, 2016).
34 Como exposto, para desempenhar a função de propiciar conexões e não
35
36 apenas arquivar ideias, tornando-se propriamente uma memória externa, Luhmann
On

37
38 concebeu seu sistema com elementos que possibilitam efetivamente o
39
armazenamento, a conexão e a recuperação de informações. Esses três elementos
40
ly

41 são materializados a partir de um registro alfanumérico unitário em cada nota, da


42
43 criação de palavras-chave compartilhadas por diferentes notas e da criação de links
44
45 entre as notas, formando um conjunto que permite a criação de um índice, que
46 funciona como um sistema de referências e consultas.
47
48 O registro alfanumérico concede à nota uma posição fixa no fichário, de
49
50 modo a ser recuperada e associada a outra nota, a qualquer momento no futuro. As
51
52
palavras-chave estão presentes em cada nota, permitindo a recuperação das notas a
53 partir do índice e a conexão espontânea entre notas que foram escritas em momentos
54
55 diferentes, mas que compartilham de uma mesma palavra-chave. Notas recuperadas
56
57 a partir do índice com as palavras-chave são, assim, automaticamente associadas em
58
aglomerados de notas relacionadas. Adicionalmente, a conexão das notas é feita
59
60 com a criação de links entre diferentes notas, separadas espacialmente no fichário,

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1
2
3 o que é efetuado ao se escrever, em uma dada nota, o código identificador de outra
4
5 nota que se quer associar a ela.
6
7 O arquivamento de uma nota em uma posição fixa no fichário é o nível mais
8
fundamental de organização no sistema de Luhmann. Para tanto, ele organizava as
9
10 notas em uma sequência que respeitava o desenvolvimento mais adequado de um
11
12 tema, sempre atribuindo a cada nota um código alfanumérico. Assim, a princípio,
13
14 qualquer nota no arquivo estaria concretamente próxima de outras notas com
15 conteúdo relacionado pelo autor.
16
17 Por exemplo, uma primeira nota com o conteúdo acerca de um tema – a
18
19 Escrita Acadêmica – inicia-se com o código 1.1, no qual 1 identifica um tema novo
20
21
no fichário e 1.1 identifica a primeira nota daquele tema. Uma segunda nota sobre
Fo

22 o mesmo tema é numerada 1.2, com o .2 identificando que se trata da segunda nota
23
24 sobre o tema; e assim em diante. Se em dado momento, a partir da leitura de
rR

25
26 qualquer outra fonte, de um insight sobre o tema ou de uma nova ideia, é escrita
27
uma nova nota cuja posição mais adequada está entre a nota 1.1 e a nota 1.2, à nova
28
ev

29 nota se atribui o código 1.1a, e ela é inserida fisicamente no fichário após a nota 1.1.
30
31 Com esse sistema alfanumérico, Luhmann abre possibilidades intermináveis de
iew

32
33 inserções de novas notas, em qualquer momento e localização do fichário,
34 expandindo-se a profundidade dos seus pensamentos com o fichário a cada nova
35
36 inserção.
On

37
38 Para ilustrar tal possibilidade, a seguir apresentamos um breve exemplo
39
derivado do fichário de notas de um dos autores do presente artigo. Em tal exemplo,
40
ly

41 expomos como uma elaboração teórica nova surge à medida que notas redigidas
42
43 com base em diferentes leituras são conectadas e organizadas. No fichário em
44
45 questão, a seção de notas que se inicia com a nota 1.1 é dedicada à temática da
46 Escrita Acadêmica. Nas notas 1.10a e 1.10b, encontra-se o seguinte conteúdo,
47
48 organizado em sequência.
49
50
51
52
53
54
55 Nota: 1.10a
56
57
Palavras-chave: escrita acadêmica; dificuldades psicológicas
58
59
60

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1
2
3
4 É recorrente a afirmação na literatura psicológica de que as dificuldades da
5
6
escrita acadêmica resultam, entre outras coisas, do forte controle social que
7 incide sobre tal gênero literário. Em outros termos, poucos gêneros literários são
8
9 controlados por tantas sobreposições de normas descritas e não descritas como
10
11 a escrita acadêmica.
12
13
14
15
16
17
18
19
20 Nota: 1.10b
21
Fo

22 Palavras-chave: escrita acadêmica; dificuldades psicológicas


23
24
rR

25
No debate sobre o bloqueio da escrita acadêmica, a dimensão psicológica da
26
27 escrita acadêmica tem sido mencionada especialmente quando a questão é o
28
ev

29 processo criativo de tal gênero literário.


30
31
iew

32
33 No mesmo dia em que gerou e codificou as notas 1.10a e 1.10b, um dos
34
35 autores do presente artigo leu um texto relacionado, a princípio, com outra temática
36 do seu fichário: Psicologia da Criatividade. Tratava-se do texto de Freud
On

37
38 (2019/1908) "Escritores criativos e devaneios". Essa leitura resultou em uma nova
39
40 nota que o autor arquivou após a nota 1.10a. Portanto, a nova nota foi inserida
ly

41
fisicamente entre as notas 1.10a e 1.10b, recebendo o código 1.10a1:
42
43
44
45
Nota: 1.10a1
46
47 Palavras-chave: escrita criativa; Freud
48
49
50
51 Freud identifica uma característica recorrente entre escritores criativos: esses
52 sujeitos sentem-se permitidos a escrever os seus devaneios sem se preocuparem
53
54 com a qualidade da escrita, pois sabem que a qualidade formal de um texto é
55
56 alcançada com processos secundários de composição, como a revisão e a edição.
57
58
Por outro lado, Freud argumenta que escritores pouco criativos não se sentem
59
60

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1
2
3
4 permitidos a escrever seus devaneios. Com isso, conclui que escritores criativos
5
6
apresentam menores níveis de inibição do que escritores bloqueados.
7
8
9
Nessas ocasiões, é comum que uma ou mais notas novas sejam escritas como
10
11 resultado do ato de organizar o fichário. Essas notas, geralmente, expressam
12
13 desenvolvimentos de argumentos resultantes de comparações, insights e conclusões
14
15 autorais. Como foi o caso para o autor, expresso na seguinte nota:
16
17
18
19
20
Nota: 1.10a2
21
Fo

Palavras-chave: escrita acadêmica; controle social


22
23
24
rR

25 Se para a ocorrência da escrita criativa é necessário o senso psicológico de


26
permissão para expressar devaneios, que somente depois serão revisados, é
27
28
ev

muito provável que, no âmbito da escrita acadêmica, a permissão para o


29
30 devaneio teórico, por exemplo, ocorra muito pouco, uma vez que sobre tal gênero
31
iew

32 textual incide elevado nível de controle social.


33
34
35
36 Nota que propiciou a geração de mais outra;
On

37
38
39
40
Nota 1.10a3
ly

41 Palavras-chave: notas; escrita acadêmica; devaneios


42
43
44
45 A permissão para escrever notas nas quais qualquer pensamento ("devaneios")
46
sobre qualquer tema pode ser registrado parece ser um modo de estabelecer um
47
48 espaço de permissão psicológica para criação literária no campo da escrita
49
50 acadêmica. Aqui, a nota aparece inicialmente como uma espécie de devaneio,
51
52 como descrito por Freud. A privacidade da nota e o fato de que ela ainda não é
53 o texto formal abrem possibilidades para testar ideias e insights por meio de uma
54
55 linguagem mais informal, que somente no futuro será revisada. Assim, a
56
57 preocupação inicial é mais com a formação de um significado novo do que com
58
59
a exigência da qualidade da escrita, antes mesmo de uma ideia ser totalmente
60

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1
2
3
4 formada. Até porque a nota é útil justamente para isto: para a elaboração de uma
5
6
nova ideia sem preocupação imediata com o acerto e a precisão.
7
8
9
A inserção de novas casas alfanuméricas no código das notas representa
10
11 ramificações e aprofundamentos do pensamento que podem ser indefinidamente
12
13 desenvolvidos ao longo de extensos períodos, uma vez que a qualquer momento
14
15 uma nova nota pode ser arquivada e conectada no fichário. Com isso, no fichário de
16 notas de Luhmann é comum notas codificadas como 1.3a72b1, e que denotam a
17
18 extensão que a conexão entre notas pode adquirir no interior do fichário.
19
20
21
Fo

22
Conexões e possibilidades intermináveis de descobertas
23
24
rR

25 Em conjunto com o trabalho de organização física e de codificação das


26
27 notas, Luhmann também conectava notas por meio da criação de links entre notas
28
ev

distantes no interior do fichário. Esses links são efetuados ao se escrever, em uma


29
30 dada nota, o código identificador de outra nota que se quer associar a ela. Isso é útil
31
iew

32 porque, dada a disposição física das notas no fichário, uma nota é seguida
33
34 imediatamente apenas por uma nota. Mas, com a criação de links, uma nota pode
35 ser seguida por qualquer outra nota, podendo, assim, participar de múltiplas
36
On

37 sequências de notas, dando origem a diferentes conversas entre diferentes partes do


38
39 fichário.
40
Um tipo complementar de conexão inerente ao sistema de notas de Luhmann
ly

41
42 é a produção de um índice que traz o conjunto das palavras-chave atribuídas às
43
44 diversas notas. Nesse índice, cada palavra-chave é seguida pelo código de notas que
45
46 contém aquela palavra-chave. Tais notas atuam como ponto de entrada a uma
47 sequência de notas organizadas no fichário. Assim, se o fichário contém uma
48
49 sequência de dez notas organizadas para representar o desenvolvimento de uma
50
51 dada ideia, e todas as dez notas compartilham de uma mesma palavra-chave, o índice
52
53
associa a palavra-chave apenas à primeira nota dessa sequência. Com essa
54 estratégia, Luhmann organizava a indexação de temas existentes em seu fichário,
55
56 não de modo a catalogar com precisão cada nota, mas, sim, de modo a identificar
57
58 uma rede interna de notas relacionadas entre si. O que continuamente abria um leque
59
60

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1
2
3 de possibilidades de relações entre novas e velhas notas e entre temas a princípio
4
5 desconexos em termos de categorias conceituais.
6
7 A recuperação das notas cria contexto para conexões complexas e
8
inesperadas que não aconteceriam de outras formas. Por exemplo, enquanto a
9
10 recuperação de uma nota a partir do índice dá acesso a uma sequência de notas, uma
11
12 recuperação de duas ou mais notas organizadas sob uma mesma palavra-chave dá
13
14 ao leitor-escritor acesso a pelo menos duas sequências de notas que até aquele
15 momento não haviam sido colocadas em paralelo. Isso permite a leitura conjunta de
16
17 notas que não foram previamente relacionadas entre si pelo escritor. Esse tipo de
18
19 conexão intensifica as possibilidades de novas relações teóricas, pois conta com o
20
21
elemento da serendipidade: uma surpresa oriunda de relações até então inexistentes,
Fo

22 algo muito próximo daquilo que Roland Barthes nomeia de acidente controlado com
23
24 a escrita e organização de notas (Wilken, 2010).
rR

25
26 Por último, sobre a organização das notas e o sistema de referência de
27
Luhmann, Schmidt (2018) identifica, nos arquivos do sociólogo alemão, que todos
28
ev

29 os recursos organizados propiciavam condições para que ele gerasse expressiva


30
31 fluência nos sumários a serem utilizados para a escrita de livros e artigos. Nesses
iew

32
33 casos, a ideia era menos formar uma rede de conexões, como aquelas internas ao
34 seu fichário de notas, e mais o de estabelecer uma lógica linear e estrutural de notas,
35
36 já existentes e conectadas, de modo a gerar um texto coeso e coerente a ser escrito,
On

37
38 editado e publicizado.
39
40
ly

41 Uma breve síntese sobre o valor do fichário de notas no trabalho intelectual


42
43
44
45 Os procedimentos adotados por Luhmann evidenciam que grande parte do
46 seu tempo era dedicado à organização do seu fichário de notas. Com todo aquele
47
48 processo, Luhmann (1992) alega que sempre escrevia seus livros e artigos munido
49
50 de um senso de conhecimento e direção, salientando que, quando experimentava
51
52
dificuldades para dar continuidade a algum texto, a sua decisão era não insistir na
53 escrita, como a maioria das pessoas faz. Sua atitude imediata era de se voltar para o
54
55 fichário de modo a gerar mais notas, mais conexões, e maior organização do seu
56
57 pensamento, de forma que a retomada da escrita ocorresse o mais satisfatoriamente
58
possível.
59
60

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1
2
3 A despeito de todos os esforços de organização interna do fichário, isso não
4
5 significa que o trabalho de geração e organização de notas acontecia de maneira
6
7 totalmente ordenada, sem percalços e sem esforços desperdiçados. Na realidade, as
8
análises do sistema de escrita de Luhmann indicam que muitas notas entravam em
9
10 "becos sem saída", uma vez que nunca mais eram recuperadas ou conectadas ao seu
11
12 sistema de referências (Schmidt, 2018). Fato que Luhmann não percebia como
13
14 prova de falibilidade ou total perda de tempo de seu trabalho, mas, sim, como
15 desperdício necessário de notas "ruminantes" ou conglomerados de notas ainda sem
16
17 destino certo, que poderiam ou não ser adequadamente conectadas no seu fichário.
18
19 A princípio, esse fenômeno pode ser visto como desperdício de tempo no
20
21
trabalho de geração de notas. Todavia, parece que esse tipo de exercício é
Fo

22 componente inevitável de atividades literárias de alto nível (Louise, 2014). Ele seria,
23
24 inclusive, muitas vezes essencial para a compreensão de conceitos, teorias e
rR

25
26 problemas de pesquisa, assim como para descobrir quais caminhos não seguir em
27
uma investigação intelectual. Por isso, esse aparente desperdício da escrita não deve
28
ev

29 ser desprezado como inútil (Schmidt, 2016).


30
31 Vale retomar, neste ponto, as implicações de um sistema de notas como o de
iew

32
33 Luhmann sobre o papel da leitura na prática da escrita acadêmica, pois a leitura
34 orientada para a tomada de notas vai além da concepção tradicional de tal atividade
35
36 como meio de acumulação de conhecimento a ser recuperado no futuro, como se a
On

37
38 leitura fosse um processo distanciado temporalmente da escrita e incorporada à
39
memória individual, tomada ingenuamente como um sistema computacional de
40
ly

41 armazenamento de informações. Na perspectiva do sistema de escrita de Luhmann,


42
43 a leitura e a escrita tornam-se processos próximos, em termos temporais e espaciais,
44
45 e se retroalimentam continuamente. Assim, a leitura orientada pela tomada de notas
46 situa o leitor e a leitora numa posição eminentemente ativa, pois em constante busca
47
48 por gerar respostas a questões de interesse de sua pesquisa.
49
50 Quando a leitura é deliberadamente orientada para se associar a outros
51
52
conteúdos previamente escritos, o efeito em termos de recuperação de memórias
53 conectadas tende a se amplificar, refletindo em grande medida a formação de um
54
55 pensamento autoral, em vez de mera repetição do pensamento de outros autores e
56
57 autoras. Sobre esse efeito, lembramos que estudos em psicologia da aprendizagem
58
têm indicado que a formação de memórias de longo prazo de conteúdos abstratos,
59
60 como é caso do conhecimento científico e filosófico, ocorre principalmente quando

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1
2
3 há o esforço deliberado, por parte dos leitores e leitoras, em produzir conexões entre
4
5 aquilo que se estuda no presente e aquilo que se estudou no passado. Ao mesmo
6
7 tempo, a literatura sobre o tema salienta que a capacidade de fazer conexões teóricas
8
é um dos principais preditores de desenvolvimento intelectual efetivo de estudantes
9
10 de qualquer área do conhecimento (Lang, 2016).
11
12 Ao ler esta síntese sobre o sistema de escrita de notas de Luhmann, muitos
13
14 leitores e leitoras podem concluir que o processo de conectar ideias já acontece
15 mentalmente e não demanda a escrita de notas. De fato, a capacidade de gerar
16
17 conexões entre pensamentos inesperados é uma característica da própria linguagem
18
19 humana (Barnes-Holmes, Barnes-Holmes, Mchugh & Hayes, 2004). Todavia, o que
20
21
o fichário de notas propicia é o aumento da capacidade de conexões não só
Fo

22 acontecerem, mas de acontecerem de forma mais frequente, sofisticada e com


23
24 ramificações típicas da construção de estruturas argumentativas complexas. E, tão
rR

25
26 relevante quanto isso, o fichário de notas permite a recuperação daquelas conexões
27
ao longo de extensos períodos. No caso de Luhmann, ao longo de décadas.
28
ev

29 Outra questão que a leitura deste artigo provavelmente suscita é a relação


30
31 entre a escrita de notas e o uso de tecnologias digitais, como processadores de texto,
iew

32
33 softwares para leitura e aplicativos para arquivamento, recuperação e organização
34 de informações conhecidos como sistemas de Gestão Pessoal do Conhecimento
35
36 (Personal Knowledge Management, PKM). Especialmente sobre estes sistemas, na
On

37
38 última década, foram desenvolvidos uma série de aplicativos com o propósito de
39
emular o sistema de escrita de Niklas Luhmann, como o The Archive e o Zkn3.
40
ly

41 Além disso, outros aplicativos como o Notion, o Roam Research e Obsidian, embora
42
43 não tenham como propósito declarado emular o fichário de notas de Luhmann,
44
45 possuem ferramentas compatíveis com muitos dos princípios do sistema de escrita
46 do intelectual alemão.
47
48 Chama atenção que o debate acerca dessas tecnologias digitais se faz mais
49
50 presente no ambiente informal da internet do que na literatura acadêmica. Assim,
51
52
tecnologias da escrita têm sido difundidas e debatidas principalmente em fóruns
53 virtuais e redes sociais, onde profissionais e estudantes das mais diversas áreas do
54
55 conhecimento compartilham informações por meio da exposição de tutoriais, dicas
56
57 e relatos de experiência. Uma análise inicial dessas fontes sugere, contudo, que
58
apesar da frequente referência ao sistema de notas de Luhmann em tais contextos,
59
60 não é possível afirmar com segurança se o uso de tecnologias computacionais

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1
2
3 reproduz em todos os aspectos aquele sistema de escrita e arquivamento de notas,
4
5 pois parte substancial das propostas de uso desses softwares está orientada mais para
6
7 o fácil armazenamento e recuperação de informações organizados em categorias
8
fechadas do que para o propósito central da escrita de notas para Luhmann: a
9
10 construção, no longo prazo, de um trabalho intelectual autoral complexo que abre
11
12 mão da lógica linear de pensamento e de categorias fechadas.
13
14
15
16
17 Considerações finais
18
19
20
21 O crescente e intenso avanço do neoliberalismo no âmbito universitário
Fo

22
23 mundial intensifica formas de relação com a vida acadêmica que transformam suas
24
atividades essenciais, como a escrita, em produtos a serem gerados o mais rápido
rR

25
26 possível (Davies & Bansel, 2005). O debate sobre a escrita de notas representa uma
27
28 posição contrária a essa lógica, uma vez que tal prática é eminentemente orientada
ev

29
30 para o processo da escrita e para a construção de um pensamento autoral no longo
31
iew

prazo. Ainda nesse sentido, é necessário dizer que o propósito de introduzir o


32
33 modelo de escrita por notas de Niklas Luhmann tem menos a função de propor um
34
35 modelo a ser rigidamente seguido e mais a função de expor como ele preserva em
36
seu uso do fichário de notas princípios da escrita fluente e criativa, presentes nos
On

37
38 primórdios da cultura material europeia moderna – mas de grande valor ainda atual
39
40 – principalmente quando constatamos que o sistema de escrita do sociólogo alemão
ly

41
42 é coerente com a massa da produção contemporânea sobre processos de
43
aprendizagem de habilidades acadêmicas complexas.
44
45 Obviamente, como já exposto, não é possível falar do uso de notas nos dias
46
47 de hoje sem considerar o papel das novas tecnologias de informação e comunicação,
48
49 como o computador, e suas possibilidades de usos para a geração e arquivamento
50 de notas. À primeira vista, a propensão é supor que tais tecnologias da escrita seriam
51
52 indiscutivelmente mais eficientes e produtivas para escrever. No entanto, assumir
53
54 sem questionamentos que ferramentas digitais levariam a um maior, melhor e mais
55
56
eficiente controle do processo de escrita é uma extrapolação que não tem encontrado
57 base totalmente segura na literatura atual sobre algumas dimensões da prática da
58
59 escrita. Blair (2010), por exemplo, levanta a hipótese de que arquivos para notas de
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1
2
3 papel, em muitos casos, podem ter sua duração no tempo mais longa do que arquivos
4
5 em computadores, os quais estariam mais suscetíveis a danos, perdas e
6
7 obsolescência. Já o manuseio físico das notas e a organização de um fichário como
8
um todo, bem como o papel da escrita à mão, têm sido identificados, nos últimos
9
10 anos, como formas mais efetivas de aprendizagem de conteúdos complexos do que
11
12 o uso da escrita digitada (Maxwell & Armen, 2013). Sobre este ponto, ainda vale
13
14 mencionar a constatação de que, diferente do presumido, a escrita digitada estaria
15 mais relacionada ao aumento das dificuldades da escrita acadêmica do que ao
16
17 aumento de sua fluência ou benefícios para a aprendizagem (James, 2017; Mueller
18
19 & Oppenheimer, 2014; Wrigley, 2019).
20
21
Ainda sobre o esforço envolvido no modo analógico de escrever, como
Fo

22 aquele presente no sistema de escrita de notas de Luhmann, é preciso notar que ele
23
24 envolve uma significativa complexidade psicomotora. Logo, escrever, organizar,
rR

25
26 arquivar, combinar e recombinar, criar links e índices são muito mais do que
27
maneiras mecânicas de lidar com o conhecimento, são formas de pensar por meio
28
ev

29 de uma maior integralidade do corpo. Sobre isso, há cada vez mais provas de que os
30
31 usos sofisticados das mãos, por exemplo, não apenas refletem os processos
iew

32
33 cognitivos do escritor ou escritora, mas igualmente produzem processos cognitivos
34 novos. Logo, as mãos são bem mais do que servas da mente ou do cérebro, são parte
35
36 ativa da possibilidade de geração de pensamentos originais (Sennett, 2009; Shapiro,
On

37
38 2019; Tallis, 2003).
39
Essas questões, no mínimo, sugerem que a prática da escrita acadêmica está
40
ly

41 permeada de pressupostos que naturalizam uma atividade tão importante que é, na


42
43 verdade, profundamente psicossocial. No caso da escrita de notas, tal fato fica
44
45 evidente quando explicitamos como tal prática é constituída por condições sociais,
46 históricas e culturais raramente tratadas como fatores relacionados à nossa
47
48 capacidade de escrever e pensar de forma inovadora. Neste sentido, o debate sobre
49
50 a escrita de notas empreendido aqui vincula-se a questões enraizadas e naturalizadas
51
52
no âmbito acadêmico desde os primórdios da modernidade, como a ideia de gênio
53 intelectual, isto é, um sujeito que seria capaz de pensar e escrever de forma criativa
54
55 e inovadora em função de alguma sensibilidade especial, desvinculada de qualquer
56
57 materialidade e domínio técnico da escrita. O papel central da escrita e o
58
arquivamento de notas como parte constituinte da emergência do pensamento
59
60 moderno denotam a impossibilidade de manutenção de tal visão romantizada da

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2
3 vida acadêmica como uma vida desvinculada das relações dos homens e mulheres
4
5 com o mundo material e sua manipulação como parte de suas capacidades de
6
7 fazerem coisas admiradas culturalmente, tal qual escrever e pensar de forma
8
aprimorada. O tratamento dessas questões neste artigo visa recuperar a imagem da
9
10 escrita acadêmica enquanto um trabalho artesanal, um processo que entrelaça a vida
11
12 de quem escreve, e seu engajamento manual com o universo da linguagem escrita
13
14 de modo a gerá-la de forma criativa, motivadora, acessível, satisfatória e
15 atraente. Foi justamente isso que buscamos ao escrever este artigo através do
16
17 emprego da escrita, arquivamento e organização de notas, claro, inspirados pelo
18
19 sistema de escrita de Niklas Luhmann.
20
21
Fo

22
23
24 Referências
rR

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26
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28 Ambrose, S., Bridges, M., DiPietro, M., Lovett, M., & Norman, M. (2010). How learning
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45 Becker, H. S. (2015). Truques da escrita: para começar e terminar teses, livros e artigos.
46
47 Rio de Janeiro: Zahar.
48
49 Benjamin, W. (2006). Walter Benjamin and the Arcades project. London: Continuum.
50 Blair, A. (2010). The rise of note-taking in Early Modern Europe. Intellectual History
51
52 Review, 20(3): 303-316. https://doi.org/10.1080/17496977.2010.492611
53
54 Boice, R. (1994). How writers journey to comfort and fluency: a psychological adventure.
55
56
Connecticut: Prager.
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10 Intellectual History Review, 1-22. https://doi.org/10.1080/17496977.2020.1791518
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12 Cruz, R. (2020). Bloqueio da escrita acadêmica: caminhos para escrever com conforto e
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14 sentido. Belo Horizonte: Editora Artesã.
15 Davies, B., & Bansel, P. (2005). The time of their lives? Academic workers in neoliberal
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22 Elbow, P. (2012). Vernacular eloquence: what speech can bring to writing. New York:
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rR

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26 Emerson, R. M., Fretz, R. I., & Shaw, L. L. (2010). Writing ethnographic fieldnotes.
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39
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57 Kellogg, R. T. (1994). The psychology of writing. New York: Oxford University Press.
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iew

32
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