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Copyright © 2019 Olívia Molinari

Capa e Diagramação: Olívia Molinari


Revisão: Barbara Pinheiro

Molinari, Olívia – 1ª Edição – Publicação Independente, 2019.


Romance Contemporâneo

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens e acontecimentos


descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer
semelhança é mera coincidência

Todos os direitos reservados.


Proibida a cópia e reprodução, por quaisquer meios, sem a prévia
autorização por escrito da autora.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela lei nº
9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Aviso:
Agradecimentos:
Dedicatória:
Epígrafe
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Epílogo
Recadinho da Autora
Sobre a autora
Outras obras
Esta história é uma “novela”. Um gênero literário, que consiste em
uma narrativa direta, explorando os acontecimentos que envolvem o
casal principal, sem se aprofundar nos secundários.
Espero que lhe agrade!

Boa leitura <3


A Deus, meu amor maior. Às minhas queridas leitoras, minhas
amigas literárias, aos meus pais e, principalmente, ao meu marido
que não mede esforços para me ver feliz. Mesmo que isso seja ver os
filmes do Henry Cavill.
Para todos os que não querem um amor de “apenas uma noite”.
“Eu procurei em outros corpos
Encontrar você
Eu procurei um bom motivo
Pra não falar
Procurei me manter afastado
Mas você me conhece
Eu faço tudo errado”

Só por uma noite – Charlie Brown Jr.


O despertador toca pela milésima vez, antes que eu tenha a
consciência de que estou completamente atrasada. Com desespero,
travo o relógio e levanto em um pulo, ciente de que vou ter que fazer
das tripas coração para chegar à faculdade dentro do horário.
Corro até o banheiro e tento escovar os dentes, enquanto
penteio o cabelo. É óbvio que isso não dá certo e, com frustração,
jogo a escova de cabelo de lado e me concentro nos dentes. Um
hálito bom, pelo menos, já que a cara amassada diz muito sobre eu
ter perdido a hora.
Saio do banheiro e visto a primeira calça jeans que encontro no
caminho. Para completar, uma blusinha branca e pego um casaco no
guarda-roupa para não passar frio, afinal, tratando-se de São Paulo, o
tempo nunca é generoso.
Me aproximo do espelho e dou uma olhadinha. Sou a definição
da verdadeira bagunça humana, nem de longe a mocinha que adora
passar uma boa maquiagem antes de ir para a faculdade, mas não
posso me dar ao luxo de perder mais tempo, mesmo que hoje seja o
último dia de aula antes das férias.
Diferente dos meus amigos, que moram nas proximidades, eu
preciso pegar ônibus e metrô até chegar lá.
― Fiz um lanche pra você ― mamãe diz, assim que aponto na
escada.
― Sinto muito, mãe... mas estou muito muito, muito atrasada. Dê
para o Pedro.
― Ah, tudo bem. ― Minha mãe dá um sorrisinho que faz meu
coração se entristecer.
Paro na sua frente e, pelo menos para um beijo, ainda há tempo.
― Te amo, mãe.
― Também te amo. Vá com Deus, filha.
Sorrimos uma para a outra e, saio correndo pela porta, com
minha mochila pesada de cadernos e folhas impressas.
Quando fecho o portão, sinto meu celular vibrando. É Vanessa,
minha melhor amiga, mas não há tempo de respondê-la. O ônibus
que preciso pegar está parado no ponto.
Enfio o celular no bolso traseiro e corro que nem uma louca
acenando para o motorista me esperar. Por um milagre de Deus, ele
espera e quando entro no ônibus, com meu coração quase saindo
pela boca, o motorista me olha com pena.
Ok, senhor motorista, eu também sinto pena de mim a maior
parte do tempo.
O fundo do ônibus sempre parece o local mais apropriado para
quem quer pensar na própria vida, por isso, me sento no último
banco, onde as pessoas nem vão perder tempo em puxar conversa
comigo.
Minha vida não está sendo muito fácil, ainda mais depois que
descobri a traição do meu namorado, há um mês praticamente.
Marlon achou que eu não era suficiente e se meteu com algumas
garotas da faculdade.
Foram três, pelo que me contaram.
Marlon foi meu primeiro namorado. Namorado sério. O conheci
quando comecei a faculdade. Achei que ele não iria olhar para mim,
afinal, relacionamento entre um homem negro e uma mulher branca
ainda é um tabu para algumas pessoas. Sem falar em nossas classes
sociais. Ele rico e eu, pobre.
Mas conosco foi diferente. Todos apoiaram e nos apaixonamos
logo de cara. Ele foi gentil e atencioso, me dando um lindo anel
prateado e chegou até cogitar um “casamento”, após a faculdade.
Marlon foi o primeiro cara que eu amei de verdade.
E então a punhalada veio.
Dois anos depois.
Foi complicado seguir com a vida, agindo como se nada tivesse
acontecido, mas por sorte, meus amigos — que também são amigos
dele — ficaram ao meu lado e me apoiaram.
Vanessa; Gustavo, seu namorado; Fernanda e Ricardo, que é
irmão da Vanessa.
Bem, Ricardo não entra muito nessa conta, porque tenho quase
certeza de que ele foi o influenciador de Marlon, afinal, os dois são
grandes amigos de infância e Ricardo tem a pior fama que um
homem poderia ter.
Ricardo Alencar é o tipo de cara que eu não gosto nem de ficar
perto por muito tempo. Ele sempre joga seu charme para cima de
todas as meninas e a maioria cai. É o famoso babaca que se acha a
última bolacha do pacote. Nunca namorou sério, porque parece que
nenhuma garota é boa o suficiente para ele.
Ou talvez ele só goste de brincar com os sentimentos alheios.
“Ele não merece as suas lágrimas, Mari.”
Foi o que Ricardo disse assim que soube do que Marlon andava
aprontando. Foi engraçado o choque em seu rosto, porque ele jurou
que não sabia de nada.
Nunca pesei na balança se acreditava mesmo ou não em sua
ignorância no assunto. Mas então, depois de muito choro, decidi que
não valia a pena.
E simplesmente ignorei.
Depois do ônibus, entro no metrô e sigo viagem com meus fones
de ouvido. Meus gostos para música são peculiares, por isso, dou
graças a Deus pela inteligência do ser humano que criou esse
pequeno acessório.
Afinal, quem aguentaria uma viagem de metrô ouvindo Sandy e
Junior?
Minha mãe costuma dizer que só um apaixonado incurável ouve
esse tipo de música. Não sei dizer se é verdade, afinal, só me
apaixonei uma vez. Vez que eu gostaria de enterrar a sete palmos
abaixo da terra.

“Nem estou dormindo mais


Já não saio com os amigos
Sinto falta dessa paz
Que encontrei no seu sorriso
Qualquer coisa entre nós
Vem crescendo pouco a pouco
E já não nos deixa sós
1
Isso vai nos deixar loucos”

Preciso urgentemente mudar meu gosto musical. Essas músicas


fazem me lembrar de Marlon e isso não é bom. É péssimo!
Abro o Spotify e busco algumas playlists. O que pode ser
totalmente oposto disso que eu gosto?
Rock’n Roll.
Céus.
Eu odeio rock.
Vamos lá, pelo menos, essa música chamada “Psychosocial” de
um tal de Slipknot não me lembra do Marlon.
Até que a música não é tão ruim assim.
E assim eu chego à faculdade. Depois de um longo tempo.
É cansativo? Sem dúvidas...
Mas a perspectiva de um futuro melhor para mim e a minha
família é o combustível para me encorajar todas as manhãs, nessa
rotina louca. Mesmo agora que, para ajudar, tenho um par de chifres
para exibir nos corredores.
Tento passar pelas pessoas sem encará-las. Sei que elas riem
de mim. Claro que agora tento não me importar com isso, mas no
começo quase cogitei abandonar os estudos, mesmo sendo sortuda
por ter uma bolsa.
A maioria dessas pessoas têm condições de pagar uma
faculdade. Eu não. E talvez seja por isso que virei motivo de piada,
afinal, qual sujeito bem de vida ia olhar para uma garota tão simples
como eu?
Não gosto de pensar nisso, mas às vezes concordo com essas
pessoas. Marlon só me quis por um tempo. Um tempo prolongado
até. Depois que enjoou, partiu para outra do mesmo nível social que o
seu.
Apresso o passo para chegar até a sala de aula, mas, então, de
repente, sinto meu braço sendo capturado por alguém.
Abro a boca para gritar, achando que é Marlon, mas levo um
susto ao encarar a muralha humana à minha frente.
Ricardo Alencar, com seus quase dois metros de altura, usando
uma camisa apertada de gola V, que deixa bem à mostra seus
músculos esculpidos pacientemente na melhor academia da cidade.
― Mas o que pensa que está fazendo? ― consigo perguntar,
após alguns segundos me recuperando do susto.
Ricardo abre um sorrisinho e cruza os braços.
― Te assustei, é?
― Não, claro que não ― disfarço, olhando para os lados. Não
quero que as pessoas saiam cochichando que me viram conversando
sozinha com Ricardo. ― Apenas me pegou desprevenida.
― Sei... ― Ele me analisa dos pés à cabeça e sinto um
desconforto. Ricardo sabe como me deixar assim. ― Você está
diferente hoje. Não está usando nenhuma maquiagem... Seu cabelo
está bagunçado. Perdeu a hora ou passou a noite em claro?
Entendo perfeitamente o que ele quer dizer com “passar a noite
em claro” pelo tom de sua voz. Que cretino!
― Se passei a noite em claro ou não, não é da sua conta ―
digo, ao dar um passo para me afastar, mas Ricardo é mais rápido e
se coloca à minha frente, bloqueando a minha passagem.
― Por que você é sempre arisca comigo? ― ele pergunta, se
fingindo de ofendido. ― Nunca fiz nenhum mal a você, Mariana. Pelo
contrário, sempre tentei ser seu amigo.
― Eu estou atrasada. Você pode me dar licença?
Ricardo não sai do lugar.
― Você não respondeu a minha pergunta.
Respiro fundo e percebo que o corredor já está praticamente
vazio. Estou perdendo a aula e Ricardo não vai dar o braço a torcer.
― Eu não gosto da sua fama ― digo, sabendo que é verdade.
― E tenho quase certeza de que foi você que instigou o Marlon a me
trair.
Ricardo arregala os olhos.
― Você tem como provar essa acusação?
― Não tenho que provar nada. Nem quero saber. Pouco me
importa o que vocês fazem por aí.
Ricardo fica em silêncio por alguns instantes, provavelmente,
pensando no que acabei de dizer.
― A Van pediu para te avisar que não virá hoje. Mas que no final
da aula ela vai vir te pegar para fazer alguma coisa, que não sei o que
é.
― E por que ela mandaria você me dar o recado?
Ricardo inclina um pouco a cabeça de lado.
― Será que é porque você não abre o Whatsapp?
Droga. Eu sou uma péssima amiga. Daquelas que deixa uma
pessoa no vácuo por uma semana.
― Tudo bem. Posso ir?
Ele sai do caminho e estende a mão.
Só que a minha felicidade não dura muito tempo, porque Ricardo
também é da minha turma.

A aula acaba, nos despedimos uns dos outros, desejando boas


férias. Fico um tempo a mais conversando com meu professor,
procurando meios de melhorar as minhas notas que caíram neste
último semestre.
Então, meu celular vibra.

“Estou aqui fora te esperando, vaca.”

Minha amiga linda, com sua gentileza de sempre. Me despeço


do professor, pego minha mochila e saio da sala, enquanto digito uma
resposta à altura:

“Já estou saindo, cretina.”

Por sorte, o corredor já está vazio e eu consigo caminhar


tranquilamente, sem me preocupar se meus chifres estão batendo no
teto ou não. Mas como a felicidade de pobre dura pouco, quando
chego à saída, dou de cara com a última pessoa que gostaria de ver
no mundo.
Marlon está encostado no carro de Ricardo, com a sua nova
namorada, enquanto eles conversam com Gustavo, namorado de
Vanessa. Do outro lado, em outro carro, Vanessa e Fernanda acenam
para mim.
Fazia dias que eu não via Marlon e estava feliz pensando que
ele havia desistido do curso. No momento, não sei se aceno para
minhas amigas, se olho para Marlon e lhe mostro o dedo do meio ou
se saio correndo.
Graças a Deus as férias chegaram e posso me livrar de tudo
isso. Mesmo que seja apenas por algum tempo.
Sair correndo não é uma opção. Apesar de tudo, não quero que
Marlon pense que sou fraca. Sei lidar com a situação.
Levanto a cabeça, abraço meus cadernos e dou alguns passos,
quando vejo Vanessa saindo do carro.
― Desculpa por isso ― ela diz, ao se aproximar. ― Eu falei para
o imbecil do meu irmão cortar a amizade com esse traste, mas você
sabe como o Ricardo não me ouve.
― Não precisa fazer isso. ― Abraço-a. ― Ele é amigo de vocês
muito antes de me conhecerem. Fiquem em paz.
Fernanda se aproxima de nós e me cumprimenta com um
abraço.
― É, mas ele poderia ao menos deixar para conversar com o
traidor em outra ocasião. Enfim... ― Vanessa suspira. ― Como foi a
aula? Sentiram a minha falta?
― Acredito que sentiram mais a minha falta do que a sua ―
Fernanda resmunga.
Dou uma risadinha.
― Ah... não teve muita coisa. Ficamos conversando por horas.
Depois o professor falou algumas coisas que virão no próximo
semestre. Essas coisas...
― Ah, então ainda bem que faltei. ― Vanessa sorri. ― Eu vim
aqui para buscar você. Vamos passar o dia juntas.
Não acho que seja uma boa ideia. Primeiro porque não acho
justo deixar meu irmão na casa da vizinha até sabe-se lá que horas.
Ele fica com ela enquanto estou na faculdade e depois cuido dele, até
nossa mãe chegar na parte da noite.
― Não dá... Meu irmão...
― Não adianta vir com a desculpa do seu irmão ― Vanessa
retruca. ― Já falei com a sua mãe e ela já autorizou. Você não pode
fazer isso comigo. Preparei todo um dia especial para nós, poxa.
Há várias coisas que consigo nesta vida, mas dizer “não” para
Vanessa não é uma delas.
― Para aonde vamos?
Vanessa e Fernanda trocam olhares, animadas.
― É assim que se fala! Vem, vamos logo que o rapaz do Uber já
deve estar nervoso de tanto esperar.
Acompanho as meninas até o carro estacionado do outro lado e
enquanto caminhamos, sinto o olhar de Marlon em nós. Será que ele
não sente nem um pingo de vergonha?
Não olho de volta. Não quero lhe dar esse gostinho de saber que
eu ainda sinto seus olhares.
― Onde está o seu carro? ― pergunto, assim que entramos no
automóvel.
― Deu problema no motor. Tá no mecânico.
Vanessa começa a tagarelar sobre a noite maravilhosa que teve
com Gustavo, que a levou para jantar em um novo restaurante
badalado na cidade e terminou no apartamento que eles estão
querendo comprar juntos.
― Não sei se vamos esperar terminar o curso ― Vanessa diz,
enquanto mexe no celular. ― Na verdade, eu nem queria estar na
facul. Queria ter ido viajar, mas meu pai praticamente me obrigou a
isso.
Sorrio, pensando em como a minha vida seria mais fácil se eu
pudesse escolher entre fazer faculdade ou não. Mas, no fim das
contas, eu não posso reclamar. A minha vida é simples, mas eu sou
feliz. Tenho uma mãe que me ama e um irmão que completa o meu
lado infantil.
Como de costume, a primeira parada é um restaurante no
Jardins. Abro a boca para reclamar, afinal, ele não tem cara de ser
barato, mas antes que eu diga alguma coisa, Vanessa levanta um
cartão de crédito.
― Estou com o cartão do papai. ― Ela abre um sorrisinho
malicioso. ― Fique calma. Você merece, depois de tudo o que
passou. Sem falar que...
Ah não...
Não acredito que ela se lembrou de que meu aniversário está
chegando.
― Seu aniversário está chegando. É um presente.
Vanessa me puxa para fora do carro e sou embalada em uma
conversa sobre comidas, roupas e passeios.

Depois de comermos até ser preciso abrir o botão da calça,


penso que estou livre para ir embora. No entanto, quando estou
saindo do restaurante, Vanessa me puxa pelo braço.
― Nem pensar. Nosso passeio ainda não acabou.
Vanessa chama outro Uber que nos leva para o seu salão de
beleza favorito. Chegando lá, ela já pede para os cabeleireiros me
deixarem uma verdadeira deusa.
Só consigo me lembrar da música: “Uma deusa, uma louca, uma
feiticeira...”
Oh, Deus. Me ajude.
― Você precisa ficar bonita para esfregar na cara do Marlon o
que ele perdeu.
― Mas eu sou bonita.
― Claro que é. Eu disse no sentido de ficar “ainda mais” bonita.
Balanço a cabeça e rio quando vejo a animação das duas ao ver
o que a cabeleireira propôs.
Tento aproveitar o momento, sem pensar no quanto isso vai
custar.
Já está escurecendo quando ficamos prontas.
Fizeram um corte repicado em meus cabelos loiros e finalizaram
com uma escova modelada. Vanessa apenas retocou o vermelho
escuro de seus cabelos e Fernanda escovou o cabelo e fez as unhas.
Para completar, também fizeram as minhas unhas e limpeza de
pele.
― Estou me sentindo naquele quadro do Netinho, lembra? O
“Dia de Princesa”. Só falta a limusine e um vestido para combinar ―
digo, ao me olhar no espelho.
― Você está um arraso. ― Vanessa sorri. ― Encare como um
dia de princesa mesmo.
― Você merece, depois de tudo ― Fernanda concorda. ― E...
falando nisso, acho que o nosso Uber já chegou.
Está escuro, mas consigo ver um carro preto estacionado em
frente ao salão.
― Não pensem que vocês vão me levar para casa... ― digo,
constrangida. ― Já fizeram demais por mim!
― Que isso, boba. ― Vanessa me puxa pelo ombro. ― Eu
prometi para a sua mãe que a levaria em paz e em segurança até o
seu lar. E é isso o que vou fazer.
Balanço a cabeça, sem saber como agradecer por toda a
atenção que elas estão tendo comigo. Tudo isso é muito caro, muito
absurdo. Fora da minha realidade. Eu jamais teria dinheiro para
gastar assim.
O que eu poderia fazer para agradecê-las?
Espero perto da porta de vidro, enquanto Vanessa vai até o
caixa para pagar o salão. Meu celular vibra com uma mensagem de
um número desconhecido.

“Você está linda.”


Olho para os lados, procurando quem poderia ter enviado isso.
Mas não consigo detectar ninguém. A maioria ali são mulheres.
Digito rapidamente uma mensagem de volta:

“Quem é?”

Se bem que eu deveria ter perguntado como essa pessoa


conseguiu meu número.
Vanessa e Fernanda se aproximam de mim.
― Vamos? ― pergunta Vanessa.
― Sim, vamos. ― Guardo o celular no bolso traseiro e as
acompanho até o carro.
Antes que eu diga alguma coisa, Vanessa e Fernanda já abrem
a porta traseira e entram no carro, restando para mim, apenas o
banco da frente.
Abro a porta e meu coração dá um pulo ao ver Ricardo Alencar e
seu sorrisinho sacana.
― Você deveria vir na frente, Vanessa. ― Olho para trás, mas
Vanessa já está distraída com o celular.
― Ah, não. Pode sentar aí. Preciso resolver umas coisinhas aqui
atrás com a Fernanda.
Encaro Ricardo e ele arqueia a sobrancelha.
Entro lentamente e me sento, mas tento fazer de conta que ele
não está me encarando.
Deve ter sido esse idiota que me mandou essa mensagem.
Como sempre, despejando seu charme por aí...
― Eu não mordo, gatinha.
Ricardo liga o carro e sai em disparada, sem me dar tempo para
retrucar sua ousadia. Mergulho em meu próprio mundo, mas não
consigo deixar de me perguntar por que me sinto tão incomodada
perto dele.
Sempre foi assim, mas parece que agora é pior.
Bem, é só manter a distância e está tudo certo, não é?
Depois de um tempo, Ricardo entra na minha rua e estaciona em
frente ao portão de casa. Antes que eu tire o cinto, Vanessa e
Fernanda pulam do carro e entram na minha casa, assim, do nada.
― Perdi alguma coisa? ― pergunto, um pouco assustada. Elas
não são de fazer isso e o portão nunca fica aberto.
Ele dá uma risadinha.
― Essas duas são animadas com tudo, você devia saber.
Só percebo que Ricardo já saiu do carro, quando ele abre a
porta para mim.
― Ehn... ― Tento não encarar muito seu peitoral. ― Com
licença.
― Oui ― Ricardo brinca, falando a palavra em francês e
estendendo a mão para que eu siga em frente.
Não sei se é coisa da minha cabeça, mas todos estão muito
estranhos hoje.
Entro no quintal, mas então olho para trás.
― Quer... entrar?
Também não posso ser mal educada, né?
Ricardo olha para dentro, depois olha de volta para mim. Pensa
um pouco e assente calmamente.
― Achei que não me convidaria.
“Nem eu” quase retruco, mas engulo em seco.
Fecho o portão com o cadeado e faço sinal com a cabeça para
que ele entre.
― Não repare a bagunça. Não tive tempo de arrumar a casa
esta semana. Foi muito corrido.
Ricardo entra na sala, mas ao contrário do que pedi, analisa
cada centímetro do cômodo.
― Pedi para não reparar na bagunça, Ricardo.
― Não ligo para essas coisas, Mariana.
Jogo minha mochila do sofá e olho ao redor. A casa está
silenciosa, a cozinha está com a luz apagada.
Será que elas foram para o meu quarto?
― Meninas? Cadê vocês?
― Será que elas não estão na cozinha? ― Ricardo sugere.
A casa está vazia, essa hora minha mãe nem chegou ainda.
Pedro está na vizinha, então que diabos elas iriam fazer na cozinha?
Mas, como elas são um saco sem fundo quando a questão é
comer, sigo a sugestão de Ricardo e atravesso o corredor escuro até
a cozinha. Quando coloco os pés no cômodo, a luz se acende de
repente e eu vejo minha mãe, Pedro, Vanessa e Fernanda cantando
“Parabéns” enquanto acendem a velinha em cima do bolo.
Um misto de vergonha e surpresa se apossam de mim e eu não
sei o que fazer. Não sei se rio, se choro ou se abraço essas pessoas.
Viro para trás e Ricardo está atrás de mim também cantando e
sorrindo.
Com tudo o que aconteceu, a minha vontade de comemorar um
aniversário foi por água abaixo. Mas essas pessoas sabem como me
animar.
― Tem que fazer um pedido! ― Vanessa diz, quando a música
acaba.
Me aproximo do bolo, emocionada.
― Ah, gente... ― digo, baixinho. ― Não precisava disso.
― Precisava, sim ― Fernanda retruca. ― Anda! Faz um pedido
antes que a vela apague.
Olho para o bolo simples, desses que se compra em padaria,
mas que é delicioso. Tenho tantos sonhos, bobos até, que se eu
dissesse em voz alta, certamente ririam de mim.
Sei que só posso fazer um pedido. Por isso, seguro meus
cabelos e desço o rosto até perto da velinha. Fecho os olhos e
assopro, enquanto mentalizo apenas uma coisa:

“Uma oportunidade para ser feliz.”


Neste momento, me dou conta de que não estou envelhecendo.
Estou amadurecendo, o que é bem diferente. Envelhecer é mais
relacionado com o corpo, em si. Amadurecer, é ver a vida sob uma
perspectiva diferente. É “fazer do limão, uma limonada.”
E, assim, a vida se torna melhor.
Minha mãe é a primeira a me abraçar, é claro. Em seguida,
Pedro com seu jeitinho meio nerd. Depois as minhas amigas.
― Poxa, foi difícil te enrolar o dia todo ― Vanessa diz, nos
separamos do abraço. ― Ainda bem que deu tempo da sua mãe
terminar o bolo.
― Na verdade, não deu tempo ― mamãe diz, enquanto corta o
bolo. ― O primeiro queimou e eu tive que correr até a padaria.
― Pensei que você estaria no trabalho.
― Ahh... eu consegui dar um jeito ― ela diz, mas suas
bochechas ficam vermelhas.
Sua voz não é muito convincente.
Penso em perguntar mais alguma coisa, mas Ricardo dá um
passo à frente.
― Parabéns, Mari ― ele me parabeniza, mantendo a pose de
pessoa séria, mas sei que quer me abraçar também.
“É apenas um abraço, Mariana.”
Abro os braços e ele se aproxima mais, envolvendo seus braços
envolta da minha cintura. Não é muito forte e nem frouxo. É um
abraço quente e, sei lá, parece que ele também sente receio ao estar
perto de mim.
Loucura.
Ricardo é e sempre foi uma incógnita para mim. Apesar do seu
jeito “sedutor” com as mulheres, algumas vezes já o peguei olhando
para mim de uma maneira estranha. Como se quisesse dizer algo
mais... como se precisasse falar comigo.
Ele nunca me humilhou ou me rebaixou por ser de família
humilde. Não o considero um amigo, mas também não posso declarar
maldades a seu respeito. Exceto pelo seu comportamento com as
mulheres...
Mas isso é algo que não me interessa.
Percebo que nosso abraço está demorando mais do que
deveria, quando Fernanda tosse ao nosso lado. Nos separamos e
vamos para lados opostos.
― O bolo, né? Tenho que dar o primeiro pedaço ― digo,
pegando a faca em seguida. ― Gente, eu estou tremendo.
Por sorte, minha mãe vem me ajudar.
― Deixa que eu te ajudo.
Mamãe coloca um pedaço em um pratinho descartável e me
entrega, que já devolvo logo em seguida. É claro que o primeiro
pedaço é para ela. Márcia Fernandes sempre foi meu porto seguro.
Nada mais justo.
O segundo pedaço vai para Pedro e para os outros.
Enquanto eles se deliciam no bolo de padaria, me dou conta de
que falta uma pessoa.
― Cadê o Guga? ― pergunto à Vanessa.
― Ele estava resolvendo algumas coisas, por isso não pôde vir.
Mas ele disse que depois te dá um abraço.
Balanço a cabeça afirmativamente e entramos em um assunto
aleatório. Vanessa conta sobre a sua última festa de aniversário, que
foi a de 15 anos. O sonhado baile de debutante, que eu não tive por
falta de condições.
Fernanda diz que trocou sua festa por uma viagem à Disney e
que não se arrepende disso.
Enquanto conversamos, olho para o final do corredor e vejo
Pedro conversando com Ricardo. Ambos estão sentados no sofá e
acho que meu irmão está mostrando seu novo brinquedo.
Noto a maneira que Ricardo conversa com meu irmão e acho
bem legal. Diferente da maneira que Marlon o tratava. Marlon nunca
gostou de crianças.
Dou alguns passos na direção deles, para pedir que Pedro deixe
Ricardo em paz, mas estaco quando ouço ele dizer:
― Você devia vir aqui mais vezes.
Ricardo sorri e afaga a sua cabeça.
― Quem sabe.
Ricardo vira o rosto e nossos olhos se encontram. Minhas
bochechas se esquentam no mesmo instante e argh, não queria que
ele tivesse visto que eu ouvi.
― Pedro, não amola o Ricardo.
― Ele não está me amolando ― Ricardo o defende. ― Eu gosto
de garotos inteligentes.
― Van ― Ricardo a chama. ― Acho que já pode entregar
aquele presente pra Mariana.
Mais um presente?
Vanessa, Fernanda e minha mãe vêm correndo para a sala.
― Ai, meu Deus, gente... ― Deixo o pratinho com o bolo em
cima da mesa de centro. ― Não precisa! Vocês já fizeram demais
hoje!
― O Rick tem razão. Acho que você vai adorar o presente. ―
Vanessa nem me dá atenção e corre até a sua bolsa. Pega um
envelope pardo, se aproxima e me estende.
― Vamos, abra. Espero que você goste da surpresa.
Hesito alguns instantes olhando para o envelope. Não posso
aceitar mais nada. Já basta o almoço, o salão e essa surpresa do
bolo.
― Não posso aceitar. ― Balanço a cabeça negativamente. ―
Não tenho nem como te pagar o salão de beleza.
Vanessa bate a ponta do pé, impaciente.
― Eu não vou aceitar de volta. Você não faz ideia de como fiquei
feliz depois que isso deu certo. Eu sei que você vai curtir, você
precisa, afinal.
Vanessa e seus enigmas.
― Abre logo, Mariana ― Fernanda incentiva. ― Você vai gostar.
― Não é nada de outro mundo ― Ricardo diz.
Abro o envelope lentamente e enfio a minha mão. Puxo o papel
branco e começo a correr meus olhos pelas palavras.
É um itinerário.

Ida: 17/12 – Guarulhos, SP (GRU) – Paris, França (CDG)


Volta: 23/12 – Paris, França (CDG) – Guarulhos, SP (GRU)
E ali, há o MEU nome.
Mariana Castilho Fernandes.
Não. Pode. Ser.
― Você vai com a gente! ― Vanessa diz, assim que levanto o
olhar. ― Sua mãe deixou!
Olho para eles, procurando por um sinal de que isso é uma
grande piada, mas eles estão sorrindo. Olho, então, para a pessoa
que pode confirmar se isso é verdade ou não.
E ali está ela, secando os olhos.
― É sério isso? ― pergunto, vacilando nas palavras. ― Eu não
posso aceitar! Eu não tenho... condições pra isso.
― Não se preocupe quanto a isso. ― Ricardo dá um passo e
coloca a mão em meu ombro. ― É um presente nosso pra você ―
ele diz, tentando me acalmar. ― Não podíamos tirar essas férias e
deixar você aqui, sofrendo por causa do... ah, você sabe.
Derramo as lágrimas de uma só vez. Nunca imaginei que um dia
eu poderia ganhar uma viagem como essa. Jamais imaginei que
meus amigos se preocupariam tanto assim comigo.
Percebo, então, que o desejo de quando assoprei as velas, está
começando a acontecer.
Eles me abraçam novamente.
― Mas gente, é sério ― me separo deles ―, eu não tenho
dinheiro. Não tenho como bancar isso.
Vanessa tira o cartão do pai do bolso e o levanta, como se fosse
um grande troféu.
― Preciso falar do poder do cartão de crédito do senhor
Alencar?
― Ahhh, mas tem uma coisa. O Marlon também vai?
Encaro Ricardo.
― Não. ― Ele balança a cabeça negativamente. ― Me
certifiquei disso, antes de comprar a sua passagem.
― Você comprou? ― Arregalo os olhos.
― Digo, as passagens. Eu fui à agência ver isso.
Respiro, aliviada.
― Meu Deus. Falta pouco tempo e eu não tenho nem uma mala
― digo, um pouco nervosa.
Vanessa ri, animada.
― Relaxa. Vamos sair pra comprar essas coisas.

Estou tão feliz, que não consigo acreditar que isso vai mesmo
acontecer. Depois que eles se foram, subi correndo para o meu
quarto e fiquei mais de meia hora debaixo do chuveiro, tentando
assimilar a notícia.
PARIS.
Quem diria que eu teria essa oportunidade tão cedo?
Saio do banho, visto uma calça e uma camisa velha. Sento na
cama e esfrego meus cabelos com a toalha. Será que a ansiedade
vai me deixar dormir?
Será uma viagem curta, mas quero aproveitar cada segundo.
Longe de memórias ruins de um relacionamento que foi trágico.
Aberta à novas possibilidades.
O que será que me aguarda?
Isso tudo é um sonho.
Só pode ser.
Alguns dias depois...

Deito na cama do apartamento — emprestado — do meu pai e


fecho os olhos. Respiro fundo, pensando em como sou um verdadeiro
idiota.
Dias atrás quase deixei escapar para Mariana que fui eu que
paguei pela sua ida à França conosco. A única que sabe disso é
minha irmã, que jurou jamais contar para ela.
O motivo disso é porque eu simplesmente quero evitar que
Mariana pense que tem uma dívida comigo. Por outro lado, depois do
que Marlon fez, eu sabia que precisava fazer alguma coisa para
devolver o lindo sorriso ao seu rosto.
Não consigo acreditar como Marlon foi idiota e deixou uma
garota como ela escapar. Senti vontade de matá-lo, afinal, eu nunca
soube que ele estava traindo-a.
Marlon e eu somos amigos, é verdade, mas confesso que desde
que ele começou a namorar com Mariana, nossa amizade murchou
um pouco. Talvez ele tenha percebido que eu coloquei os olhos nela
desde a primeira vez que a vi na faculdade, mas ele nunca falou
nada. E eu também não.
Esse é um segredo que carrego comigo por esses anos, em que
venho tentando preencher o vazio na companhia de outras mulheres.
Mariana me acusara de incentivar Marlon a traí-la. Confesso que
gostei de ver o relacionamento deles chegar ao fim, mas eu jamais
faria uma coisa dessas.
Não por Marlon.
Por Mariana.
Céus, o que preciso fazer para tirá-la da minha cabeça?
Este último mês tem sido um inferno em minha vida. Todos os
dias acordo com a vontade de me aproximar mais ainda. De ligar, de
mandar mensagens. De convidá-la para sair.
A cada dia que passa, parece que esse sentimento, que eu
jurava que havia enterrado, se torna mais forte.
Mas eu não posso.
Mariana jamais se interessaria por um cara como eu, que saiu
com metade das garotas da faculdade. Ela jamais olharia para mim,
como olhou para Marlon.
Nessa jogada eu já perdi faz tempo.
A campainha toca e me levanto de uma só vez. Vou até a sala e,
sem hesitar, abro a porta, porque já sei quem é. Nos últimos meses
nossos encontros têm sido aqui, apesar de ser uma péssima ideia.
Se alguém descobrir quem ela é...
― Oi, Ricardo.
Meu corpo endurece no instante que a vejo. Ela usa um vestido
preto, até os joelhos, cabelos castanhos soltos pelos ombros e óculos
de armação preta.
O pior de tudo é que essa mulher é minha professora.
Abro espaço para ela entrar e, assim que fecho a porta, não lhe
dou tempo para cumprimentos ou qualquer outra coisa.
Assalto-a com um beijo profundo.
― Uau... ― Ela se afasta, procurando por ar. ― Está sedento
hoje, hein?
Não é que eu esteja sedento.
Meu corpo inteiro grita por Mariana e ah como eu gostaria que
fosse ela aqui. Mas não. E o que posso fazer?
A solução para esquecer a autora das minhas noites sem dormir
está aqui e eu não posso perder a oportunidade.
― Não acho que você está aqui para conversar ― digo,
guiando-a pelo corredor. ― Ou está?
Luzia sabe que não sou de palavras. Algumas vezes, ela tenta
puxar conversa comigo, mas nossos encontros sempre são rápidos,
exceto o último que extrapolei um pouco.
Não podemos nos dar ao luxo de arriscar seu emprego e a
minha vaga na faculdade.
Sempre deixei claro para ela que é só sexo. Um bom sexo e
nada mais.
― Não, não estou.
Quando alcançamos o quarto, ela me empurra na cama.
― Da última vez, você ficou um pouco mais comigo ― diz ela,
fazendo uma pose de manhosa. ― Hoje você vai ficar de novo?
― Quem sabe. ― Abro um sorriso travesso, enquanto ela puxa
o vestido para cima, revelando sua lingerie da mesma cor. ― Se você
for uma boa garota...
Ela tira o vestido e sobe em cima da cama, engatinhando até
mim.
― Talvez eu seja uma boa garota.
Ela se abaixa e me beija, com vontade. Deslizo minhas mãos
pelo seu corpo esguio, sentindo-a cada vez mais quente sob o meu
toque.
Ainda beijando-a, alcanço o fecho do sutiã e o abro com
facilidade, deixando livre um generoso par de seios, que eu não vejo
a hora de colocar em minha boca.
Então, quando estou prestes a fazer isso...
Um toque baixo, seguido de uma vibração do aparelho que está
em cima do criado-mudo, tira totalmente a minha concentração.
Penso em não atender esse inferno de celular. Diabos, quem em
pleno sábado, às 11 horas da manhã, está a fim de atrapalhar a
minha transa?
― Deixa pra lá ― Luzia sussurra em meu ouvido.
Penso em deixar, porém, aparelho continua tocando e algo me
diz que devo, ao menos, ver quem é.
― É rápido.
Ela murmura algo e estendo o braço para pegar o aparelho.
Luzia aproveita para abrir o zíper da minha calça e puxá-la para
baixo, revelando meu membro endurecido.
Ela o envolve com a boca e, céus, a sensação é ótima. Fecho os
olhos por alguns instantes, mas o celular continua tocando.
Olho no visor e meu coração quase para.
Essa não.
Atendo a ligação, mesmo sendo uma péssima hora.
― Oi, Mari... ― tento afastar a cabeça de Luzia. ― O que
houve?
― Oi, Ricardo. Desculpa te ligar essas horas... ― ela diz, sua
voz parece preocupada.
Diabos! Luzia é insistente e não quer parar.
Me remexo na cama e resmungo, nervoso.
― Você está ocupado?
― Não, não. ― Tento soar calmo. ― Oh, céus! ― Deixo escapar
um gemido quando Luzia passa a língua em um lugar certeiro. ―
Mariana. No que posso te ajudar?
Ela fica em silêncio por alguns instantes.
― Eu só queria saber se a Vanessa está com você. Estou
tentando falar com ela, mas o celular só dá caixa-postal.
Luzia consegue fazer outra façanha com a língua que me leva
até os céus.
Ela.
Precisa.
Parar.
Agora.
― Não. Não está.
Ela faz mais uma vez, só que desta vez empurro-a com força, o
que a faz cair no chão e o grito feminino é inevitável.
Misericórdia!
― Ricardo??? ― Mariana grita do outro lado. ― Você está
acompanhado??? Ai, meu Deus, que nojento que você é.
Me levanto em um pulo e não sei se falo com Mariana ou se
ajudo a professora.
― Mari... não... eu...
― Aff! Tchau!
Ela desliga o telefone e eu fico parado por vários minutos, sem
saber o que fazer.
― Nossa, Ricardo! Você poderia me ajudar! ― Luzia esbraveja,
enquanto se levanta.
Olho para ela e o tesão de antes já foi embora.
O pior é que Mariana sabe o que eu estava fazendo.
Que grande desgraçado eu sou.

Encerro a ligação com uma cara horrorizada. Como Ricardo


pode fazer uma coisa dessas? Não que eu ligue se ele está com uma
mulher ou não, mas por que atendeu a ligação em uma situação tão
constrangedora?
― Conseguiu falar com ela? ― mamãe grita da cozinha.
― Não, mãe! Eu vou tentar de novo.
Disposta a esquecer o incidente, disco o número de Vanessa
novamente.
No terceiro toque ela atende.
― Aiii, desculpa! Eu estava no metrô e lá embaixo meu celular
não pega direito.
― Tudo bem, Van. Você vai vir aqui hoje?
― Vou sim. Estou chegando em casa para trocar de roupa e
pegar o carro. Ficou pronto. Creio que lá pelas 15h estarei aí.
― Ah, que ótimo. Tudo bem, eu te espero, então.
― Tá, ok. Beijos.
Deixo o celular de lado, mas então o visor se acende com três
novas mensagens.

“Mari, não é o que você está pensando.”


“Desculpa.”
“Como posso apagar isso dos seus pensamentos?”
Reviro os olhos e digito uma resposta:

“Relaxa, Ricardo. Você não precisa me explicar nada. Eu só achei


que você seria decente, não atendendo a minha ligação em uma
situação dessas.”

Deixo o celular de lado e me concentro no cheiro maravilhoso da


comida da minha mãe.
― Tá fazendo bife?
― Acebolado.
― Hummmm. Adoro!
Me levanto, vou até a cozinha e observo minha mãe fazendo
malabarismos com as panelas.
― Consegui falar com a Vanessa. Ela vai vir mais tarde.
― Ah, que ótimo. Então vou fritar mais bifes.
― Não precisa, mãe. Ela vai vir depois do almoço.
Minha mãe sorri, mas então sua expressão muda ao me encarar.
― Mari... o que houve? ― pergunta, preocupada. ― Você
deveria estar radiante. Daqui a alguns dias vai realizar um grande
sonho!
Abro um sorriso tímido.
― Eu estou feliz. Mas é que às vezes... é impossível não sentir
falta do Marlon.
Ela suspira.
― Por que não sai com outras pessoas? Você tem amigos
ótimos, eles devem ter outros amigos interessantes.
― Eles são amigos de gente rica, mãe. Gente rica é como o
Marlon, como Ricardo. Eles adoram brincar com os sentimentos das
garotas.
― O namorado da Vanessa não é assim.
Dou de ombros.
― Ela deu sorte.
― Você também vai ter sorte. É só ter paciência.
― Você já foi chifrada, mãe?
Minha mãe dá uma gargalhada alta.
― Não. E olha que seu pai era o maior garanhão quando o
conheci.
Sorrio porque adoro quando ela começa a contar sobre o
relacionamento que teve com meu pai.
― As meninas suspiravam por onde ele passava. Mas... certo
dia, ele me enxergou.
― Ah, mãe. Isso é tão lindo.
― É lindo, mas não foi fácil. A família dele não gostava muito de
mim, sabe-se lá por quê. Até que fugimos juntos e construímos nossa
família.
Eu já conheço essa história.
É inevitável sentir um pouco de asco dos meus avós, mesmo
não os conhecendo.
― Mas faz parte. Eu amei seu pai cada segundo que ele viveu.
O silêncio reina, enquanto ficamos pensativas. Eu espero ainda
encontrar um grande amor, assim como minha mãe.
― Tenho certeza de que ele também a amou.
Minha mãe sorri.
― Já que a sua amiga vai vir depois do almoço, por que não vai
lá se arrumar?
― Tem razão. Ela não tem paciência para esperar.

Abro a porta de casa, com fúria, e vou direto para as escadas,


mas antes que eu suba um degrau, uma pergunta me interrompe.
― Hey! Que pressa é essa?
― O que quer, Vanessa? ― pergunto rispidamente, olhando
para trás.
― Nossa! ― Ela pula do sofá e cruza os braços. ― Posso saber
que bicho te mordeu? É fome? O almoço já está pronto.
Respiro fundo e passo as mãos pelos meus cabelos.
― Desculpa. Não é isso. Hoje não é um bom dia.
Não espero para saber o que ela quer, por isso, viro as costas e
sigo subindo de dois em dois degraus até o andar de cima. Viro a
esquerda e vou direto para o meu quarto.
Meu humor está cada dia pior.
Tiro a camisa e a jogo em cima de uma cadeira.
― Posso saber o que está acontecendo?
Vanessa me questiona ao abrir a porta.
― Já disse que não foi nada.
― Você saiu para uma transa. Pelo jeito, ela não foi boa.
― O que disse?
Nunca vou entender como minha irmã sabe quando saio para
meus encontros.
Vanessa ri baixinho e entra no quarto. Fecha a porta e se
encosta nela.
― Eu sei que você sai com aquela professora às vezes. Devia
parar com isso. Você pode ferrar com ela e consigo mesmo.
Me sento na cama.
― Como você sabe disso?
Vanessa revira os olhos.
― Você é meu irmão. É inevitável descobrir as coisas sobre
você.
Nesse caso só pode ter sido Gustavo que contou para ela.
Aquele fofoqueiro de quinta!
Vanessa sai do lugar e se aproxima de mim, sentando-se ao
meu lado.
― A Mari ligou... ― Começo a contar de uma vez, afinal, ela vai
ficar sabendo de qualquer maneira. ― E eu estava em uma situação
delicada. Acho que ela percebeu o que era.
― Nossa...
― É.
― Não te entendo, Ricardo.
― Não entende o quê?
Vanessa me encara.
― Se você gosta dela, como eu tenho quase certeza que gosta,
por que não esquece essas outras e se aproxima dela?
― Ela é território proibido. Você sabe.
― Não é mais, desde que seu amiguinho colocou um par de
chifres nela.
Suspiro pesadamente.
Como explicar de um jeito que eu não entregue completamente
meus sentimentos, mas que ela entenda?
― Mesmo assim. Marlon, Gustavo e eu temos um pacto.
Ninguém fica com a ex do amigo.
Não existe essa regra, mas que ela pense que é verdade.
― Vocês são imbecis.
― Completamente ― concordo. ― E a Mari precisa de alguém
melhor que eu.
― Você é um cara legal. Só precisa apagar esse fogo e ficar
com uma pessoa só.
― Ela nem olha pra mim. Acha que eu sou o culpado pelo
Marlon ter a traído.
Vanessa sorri.
― No lugar dela, eu também acreditaria nisso.
― Você me ajuda muito com as suas palavras, Vanessa
Alencar.
A pentelha ri e me abraça.
― Eu te amo, mas com as coisas que você faz, fica difícil te
defender. Eu sei que você curte a Mari faz um bom tempo e acho que
deveria tentar algo, mas se for para machucá-la, é melhor deixar para
lá, mesmo.
― Eu sou um babaca.
― Completamente. ― Ela me imita e eu rio, abraçando-a de
volta.
― O que posso fazer para ela esquecer essa situação?
Vanessa pensa um pouco.
― Você quer que ela esqueça?
― Sim. Digo, não sei.
Vanessa se levanta e coloca uma mão na cintura.
― Por Deus, Ricardo! Você é muito confuso. A garota está
solteira, se você quer ficar com ela, corre atrás, meu querido. Garanto
que já tem outros caras de olho nela.
― Quem? ― Me levanto, com a fúria invadindo meu peito.
― Não vou falar. Bem, eu vou à casa dela daqui a pouco,
porque vamos ao shopping comprar uma mala e alguns acessórios
para a viagem. Por que não vem conosco?
― Não sei se é uma boa ideia.
― Se você não for, vou pegar seu carro de qualquer jeito. O meu
chegou do mecânico e estava bom, mas fui ligar agora há pouco e
não quer pegar mais.
Carros e Vanessa são combinações que nunca dão certo.
― Você usando meu carro? Nem pensar. Eu vou com vocês.
Vanessa sorri.
― Vamos sair em dez minutos!

Estou vestida com um roupão felpudo faz um bom tempo,


aguardando a mensagem de Vanessa, avisando se já está vindo ou
não. Mas... como o trânsito de São Paulo é bem complicado, duvido
que ela irá chegar aqui rapidamente.
Sento na cama e pego meu celular. Abro meu Instagram e a
primeira foto que aparece é como se uma faca atravessasse meu
peito.
Por que eu não deixei de seguir Marlon ainda?
Eu sou uma completa imbecil. Essa é a única explicação.
Abro seu perfil, tentando ignorar as suas fotos com a nova
namorada. Mas, antes de deixar de segui-lo, abro meu próprio perfil e
pesquiso meus seguidores. Por incrível que pareça, ele não deixou de
me seguir.
Ouço uma buzina alta e não acredito que Vanessa já chegou.
Meu celular acende a tela e a mensagem de “JÁ CHEGUEI” aparece
em seguida.
Droga.
Digito rapidamente uma reposta. Meus planos de me arrumar
com calma e tranquilidade são lançados ao fogo. Corro até o guarda-
roupa, pego uma calça preta, uma blusinha branca com o desenho do
Mickey. Seco meus pés e calço uma meia de bichinhos, em seguida,
coloco um tênis all star. Penteio o cabelo rapidamente e, vou ter que
deixá-lo secar naturalmente. Não há tempo para secador.
― Filha! A Vanessa já chegou! Peço para ela entrar? ― minha
mãe grita da escada.
― Não, mãe! Já tô descendo!
Me aproximo do espelho e passo um batom rosa claro, para não
ficar com cara de doente. Pego minha bolsa preta e saio do quarto.
Passo pelo quarto do Pedro e ele está entretido jogando
videogame com seu amiguinho.
Melhor deixá-lo quieto.
Desço as escadas rapidamente.
― Onde estão as chaves, mãe? ― pergunto, procurando por
elas na minha bolsa.
― No rack! ― ela responde, da cozinha.
― Tô indo, tá! Até mais tarde!
― Vá com Deus, filha!
Pego as chaves e as jogo na minha bolsa. No momento que
chego ao portão, meu sorriso se desfaz ao ver quem está ao volante.
Que diabos Ricardo Alencar está fazendo aqui?
E o pior... me olhando como se nada tivesse acontecido.
― Oi, amiga! O trânsito estava tranquilo ― Vanessa diz, ao
saltar do carro para me abraçar. ― A Fer não pôde vir e por isso que
pedi ao Rick para me trazer.
― Não foi bem assim ― Ricardo diz.
― Ahn, tudo bem ― digo, tentando fingir que não ligo se ele está
aqui ou não. ― Será só nós duas, então?
― Nós três ― Ricardo responde.
Vanessa dá uma risadinha sem graça.
― Ele não quis me emprestar o carro.
― Você não disse que o seu...
― É, estava pronto ― Vanessa me corta. ― Mas quando fui
ligar, o motor bateu de novo.
Dou de ombros. Fazer o quê, né?
Antes que Vanessa faça alguma artimanha para me fazer ir na
frente, já abro a porta de trás e entro.
Caímos em um profundo silêncio, enquanto Ricardo dirige. Ok,
confesso que no primeiro momento achei que ele havia acompanhado
Vanessa para tentar se explicar comigo sobre o que aconteceu mais
cedo. Mas... é claro que não. Por que ia importar com o que eu penso
sobre ele?
― Não vamos demorar, né?
Não sei se quero ficar muito tempo na companhia de Ricardo.
Os irmãos trocam um olhar que eu tento entender, mas não
consigo. Geralmente eu olho assim para o meu irmão, quando estou
planejando algo. Mas, tratando-se de Vanessa e Ricardo, sempre fico
em dúvida.
Algumas vezes eles se amam, em outras, se odeiam.
Será que quando Pedro crescer, também será assim conosco?
O celular da Vanessa toca e ela o atende.
― Oi, amor. Estou com a Mari e o Rick. Sim. Já estamos indo.
Espera aí.
Me seguro para não revirar os olhos.
Que legal! Agora o namorado da Vanessa vai também.
Não que eu não goste de Gustavo, mas quando Vanessa está
com ele, esquece até do próprio nome. E eu não estou de bom humor
para aguentar o Ricardo.
Nem um pouco.
Enquanto caminhamos pelo estacionamento, tento não reparar
em Ricardo, mas não há como deixar de admitir o quanto ele é bonito.
Ele está usando uma camiseta preta, um pouco colada demais ao seu
corpo. O que, eventualmente, deixa seus músculos dos braços bem à
mostra. Usa uma bermuda e suas pernas também são bem
trabalhadas com coxas e panturrilhas grossas.
Ai, Senhor.
― Nossa, estou morta de fome ― Vanessa reclama. ― Você já
comeu?
― Já sim ― respondo, desviando a atenção de Ricardo. ―
Pensei que você já tinha almoçado, por isso não convidei em casa.
― Ela já almoçou ― Ricardo diz. ― Mas você ainda não se
acostumou com a ideia de que a sua amiga é um saco sem fundo?
Vanessa olha feio para ele.
― Já dizia aquela música: “Comer, comer, é o melhor para
poder crescer”.
Dou uma risada alta e neste momento, Ricardo me encara.
― Está com fome? Pode escolher o que vamos comer.
― Não! O Guga já está na fila do Burger King ― Vanessa o
corta. ― Qual você quer?
Dou de ombros. Não estou com tanta fome assim.
― Não se preocupem comigo.
Vanessa manda alguma mensagem para Guga e diz alguma
coisa antes de sair correndo à nossa frente, me deixando sozinha
para trás com Ricardo em meu encalço.
Posso jurar que isso foi armação.
Ele parece tenso e está com aquele jeito de quem quer falar
alguma coisa. Não quero saber. Se ele foi cretino o suficiente para
atender ao telefone, enquanto estava em uma situação... delicada,
não quero nem pensar o que ele é capaz de fazer.
― Ainda não esqueci do que você me acusou ― ele diz
baixinho, mas alto o suficiente para que eu ouça.
― Sobre o que, Ricardo? ― Finjo que não sei do que ele está
falando.
― Você sabe.
― Não sei. Já te disse tantas coisas. Uma, hoje de manhã,
inclusive.
Ricardo puxa meu braço, me fazendo ficar de frente para seu
corpo.
― Eu já te pedi desculpas.
― Foi nojento, Ricardo.
― O que posso fazer para que você esqueça isso?
Ele realmente parece chateado pelo que aconteceu. Seus olhos
transmitem sinceridade. E, no final das contas, quem sou eu para
julgá-lo?
― Eu vou esquecer isso, ok? ― Puxo meu braço de volta. ―
Não precisa se atormentar com isso, afinal, nem somos nada. Você é
só o irmão da minha amiga.
Ricardo me encara por alguns instantes e quando eu penso que
ele vai dizer algo coerente, ele simplesmente balança a cabeça e
concorda, dizendo:
― Sou somente o irmão da sua amiga.
― Pois é.
― Genteeee! ― Ouço Vanessa gritar atrás de nós. ― Por que
estão enrolando aí?
Seguimos Vanessa para dentro do shopping e vamos até a
praça de alimentação atrás de Gustavo. Depois de um tempo, na fila,
conseguimos pegar nossos lanches.
― Mari, desculpa não ter ido à sua festa surpresa aquele dia. ―
Gustavo me dá um beijo no rosto. ― Parabéns, viu?!
― Tudo bem. Não se preocupe com isso.
Apesar de ser sábado e estar bem cheio, conseguimos encontrar
uma mesa para nós. Vejo Ricardo cumprimentando um casal sentado
em uma cadeira próxima e vejo os olhares das meninas que recaem
sobre ele.
Se um dia Ricardo namorar com alguém, tenho pena da pobre
moça. Vai ter que lidar com um batalhão de mulheres disputando um
pedaço do seu corpo.
― E, então? Está animada para a viagem? ― Gustavo pergunta,
atraindo a minha atenção.
― Ah, estou sim. É um sonho. Não sei nem como agradecer a
vocês.
Gustavo morde uma batata.
― Você é da turma. Fico um pouco chateado por não poder ter
protegido você da canalhice do Marlon.
Vanessa dá um cutucão nele.
― Sobre o que estão falando? ― Ricardo arrasta uma cadeira,
que diga-se de passagem, é ao meu lado.
― Do Marlon ― Vanessa responde.
Tento fugir do assunto, enchendo a boca de batatas. Por sorte,
são as que contêm cheddar e bacon por cima.
Ricardo enfia a mão dentro do saco e pega um lanche. Penso
que ele vai dizer alguma coisa, mas ele fica em silêncio, enquanto
aprecia a comida.
Embalo outra conversa, afinal, não quero falar sobre Marlon ou
sobre o quanto meu galho na cabeça ainda é grande.
Depois de comermos, andamos pelo shopping e vamos para a
loja comprar o que preciso.
Compramos uma mala média e uma pequena para levar dentro
do avião. Vejo Ricardo pegando um travesseiro de pescoço e levando
até o caixa. Vanessa também pega um para ela e uma doleira.
E assim as horas passam tão rápido que eu nem percebo.
Quando olho no relógio já são quase 18h.
Quando chegamos ao carro, Ricardo guarda as minha malas e é
neste momento que Vanessa me solta uma bomba atômica.
― Amiga, não vou poder acompanhá-la até em casa ― ela diz,
segurando as minhas mãos. ― Mas o Ricardo vai levá-la.
Arregalo os olhos de um jeito que eles poderiam ter caído no
chão.
― Sério, Van?
Ela olha para o irmão e dá um sorrisinho. Ele está conversando
com Gustavo, por isso não consegue ouvir o que estamos dizendo.
― Sério. Por quê? Algum problema com meu irmão?
― Não... nenhum ― murmuro, tentando soar convincente.
Vanessa suspira.
― Eu sei a fama do Ricardo. Eu sei que você não quer que as
pessoas te vejam ao lado dele e saiam comentando coisas. Mas... ele
só vai te levar em casa, ok? E outra, você não deve explicação da
sua vida para ninguém!
Olho para Ricardo e, no fundo, sei que ele não faria nada que eu
não quisesse. Aliás, o que eu posso temer? Ricardo nunca deixou
pistas de que tem interesse em mim.
Isso é mais uma paranoia da minha cabeça.
― Tudo bem. Me desculpa. É que as meninas falam tantas
coisas sobre seu irmão que...
― Que eu saiba, ele nunca foi desrespeitoso com você ―
Vanessa diz. ― Ou foi? Se foi, eu quero saber. Ele vai levar um tapa
daqueles!
― Não! Nunca foi. ― Sorrio. ― Ele sempre me tratou muito
bem.
Vanessa respira fundo.
― Ótimo. Agora vá. Descanse e... segunda “partiu Paris”. Tente
não ficar ansiosa, porque eu já estou comendo todas as minhas
unhas!
Abraço Vanessa e me despeço de Gustavo. Eles se vão de
mãos dadas e é impossível não sentir uma ponta da inveja do
relacionamento lindo que os dois mantêm.
Inevitavelmente me lembro de como eram os meus sábados com
Marlon. Nós íamos ao cinema, tomávamos sorvete, íamos para a sua
casa. Era tudo tão... especial.
― Vamos, Mari? ― Ricardo diz, me arrancando do meu
devaneio.
― Vamos.
Ricardo é gentil e abre a porta para mim. Entro e já coloco o
cinto de segurança.
― Se quiser colocar uma música, fique à vontade.
― Você iria rir das músicas que eu ouço ― digo, sem querer.
Ricardo me dá uma olhada.
― É mesmo? Agora quero saber o que você escuta.
Dou de ombros.
― Nada de importante.
― Ah, qual é ― ele diz, enquanto manobra o carro para sairmos
do estacionamento.
― Meus gostos são... peculiares, você não entenderia.
― Essa frase soa tão “50 tons de cinza” ― ele diz, em tom de
brincadeira. O que acaba despertando a minha curiosidade. Será que
Ricardo é ligado nessas coisas?
― Você leu o livro?
― Não. Mas assisti ao filme.
― Ah, sim. O filme não é tão bom quanto o livro.
― Isso é algo que não tenho vontade de descobrir ― ele diz e
eu acabo rindo. ― Não vai me contar quais são seus gostos
musicais?
Dou de ombros.
― Um dia, quem sabe.
― Então você vai conhecer os meus. ― Ricardo enfia o dedo no
botão que liga o som do carro e aperta alguns outros. De repente, as
músicas que eu estava ouvindo nos últimos dias começam a tocar.
Não sei quem é o cantor ou a banda, mas sei que é rock.
Pesado. E ele gosta mesmo, porque canta junto. Agora é que não
posso revelar meu singelo gosto por Sandy e Junior. Ele vai rir de
mim até a barriga doer.
Me sinto muito idiota.
Fico em silêncio, observando seu jeito. Marlon gosta de
sertanejo universitário e fui com ele em uns dois shows, nos quase
três anos de relacionamento.
― Você nunca namorou? ― pergunto, mas me arrependo no
mesmo instante. Ricardo vai pensar que quero me intrometer em sua
vida.
― Já namorei. Uma vez.
― Sério? Ela era da universidade? Nunca o vi com ela.
Ele continua atento ao trânsito.
― Ela não era da universidade. Foi no tempo de colégio, mas
quando entrei na faculdade, acabou.
― Ah, sim.
Ricardo balança a cabeça afirmativamente.
― Marlon foi meu primeiro namorado. Tipo, namoro sério, sabe.
― Sei ― ele responde, de uma forma seca, que eu até perco o
interesse em continuar falando.
Me afundo no banco e fico em silêncio. É melhor assim, afinal,
não somos amigos nem nada. É melhor cada um cuidar da sua
própria vida.
Mas, uma coisa eu devo admitir. Está sendo tão difícil os fins de
semana sozinha. Minha mãe adora a minha companhia, mas eu
queria mais.
― Por que ficou calada? ― Ricardo pergunta.
― Achei que não quisesse ouvir sobre meu relacionamento com
Marlon.
Ele respira fundo.
― Não quero mesmo. Mas gosto de ouvir sobre você.
Essa revelação me surpreende.
― O que quer ouvir, então?
― Já está de olho em alguém? Imagino que deve ser difícil
passar o fim de semana sozinha.
― No começo foi mais difícil ― confesso. ― Agora já estou me
acostumando.
― Você quer voltar para casa agora? ― Ele me olha de relance.
― Eu confesso também que é um saco ficar sozinho em casa.
― Ah tá. Ricardo Alencar sozinho em um sábado à noite? ―
Dou uma gargalhada, incrédula. ― Conta outra. Garanto que você
tem aquele caderninho cheio de números de garotas prontas para lhe
fazerem companhia.
― Eu tenho, mesmo ― ele confessa com um sorrisinho. ― Mas
às vezes cansa.
― E o que você poderia me oferecer? ― Arqueio uma
sobrancelha. ― Claro, coisas que não envolvam uma noite de sexo.
― Poxa, essa é a melhor parte! ― ele diz, decepcionado. Dou
um tapa em seu braço e ele ri. ― Ok, eu sou muito mais do que isso,
Mari.
― Será?
― Se você me der algumas horas da sua noite, posso provar
que sou um cara legal.
― Não sei, Ricardo... ― digo, pensativa. ― E se alguém da facul
nos ver juntos?
― Vão pensar que tivemos uma noite de sexo. Por que isso é
tão ruim pra você?
― Ricardo! ― Dou outro tapa em seu braço. ― Eu acabei de
sair de um relacionamento...
― Eu já sei disso. ― Ele revira os olhos. ― Mas fica tranquila.
Ninguém vai saber.
Ali há uma proposta interessante, mas não sei se aceito. O que é
uma grande tolice da minha parte. Afinal, não há nada para fazer em
casa e vou ter que ficar assistindo à televisão com a minha mãe, até a
hora de dormir. Por outro lado, há a chance de passar algum tempo
com Ricardo e ver se ele é mesmo diferente do que todo mundo diz.
― Bom, acredito que o seu silêncio seja um sim ― ele conclui,
ao virar em uma rua totalmente oposta ao caminho que deveríamos
seguir.
― Se você fizer graça, Ricardo, eu juro por Deus que dou um
tapa na sua cara! ― digo, alertando-o.
Ele ri.
― Não será preciso. Vou surpreendê-la.

Entramos em uma rua cheia de prédios residenciais. Mas não é


a rua onde costumo visitar Vanessa.
― Ricardo... você não mora mais com sua família? ― pergunto,
antes que eu descubra que ele me trouxe até aqui só para tentar
transar comigo.
― Sim e não ― ele responde, ao desligar o motor do carro.
― Não entendi. ― Cruzo os braços e espero uma explicação.
― Eu moro lá e moro aqui. Gosto de vir aqui quando quero ficar
sozinho. Na verdade, esse apartamento é do meu pai. Mas ele deixa
a chave comigo.
― Hummm.
Ele me encara e abre um sorriso.
― Preferia que fosse na casa dos meus pais?
― Bem, sim...
― Mas se fôssemos lá, você não teria como ter provas de nada.
Ou acha que eu tentaria conquistá-la na casa dos meus pais?
Bem, nisso ele tem razão. Mas ao mesmo tempo sinto um pouco
de receio. Ainda é difícil acreditar que ele me trouxe aqui, sem
nenhuma segunda intenção.
Ele desce primeiro e depois abre a porta para mim. Espero-o
seguir na frente, então, entramos no hall do prédio e caminhamos até
o elevador. Ricardo aperta o botão e ficamos esperando ele abrir.
Tento não o encarar, mas sei que ele está me olhando e é uma
sensação estranha.
Quando a porta se abre, uma mulher bonita e elegante sai do
elevador. Ela cumprimenta Ricardo com um “Ooooi, Ricardo” meloso
e exagerado. Mais uma de suas conquistas?
É claro, né.
Entramos no elevador rapidamente e Ricardo está um pouco
sem jeito, mas não falo nada. Não tenho nada a ver com sua vida.
Ela, provavelmente, sequer me notou. Mas pudera, ela é uma
mulher elegante, como notaria alguém como eu?
― A que horas você precisa voltar pra casa? ― Ricardo
pergunta, quebrando o silêncio horrível.
― Ahn, perto das 22h.
Ele balança a cabeça afirmativamente. Não deve estar
acostumado com moças que precisam chegar cedo em casa.
― Então precisarei ser rápido.
― Com o quê?
― Você vai ver ― ele diz, neste momento o elevador se abre no
andar em que mora.
Há outras três portas, mas nos encaminhamos para o número
611. Ele abre a porta e estende a mão para que eu entre.
Assim que dou um passo, Ricardo acende a luz e eu tenho uma
visão geral do seu apartamento. Não é pequeno, mas também não é
grande. A sala é integrada com a cozinha e há um corredor que,
provavelmente, liga aos outros cômodos.
Há uma TV de 52 polegadas presa em um suporte de parede e,
embaixo, há um rack de cor mogno. De frente, há um sofá espaçoso
na cor cinza.
― Gostou? ― Ele coloca as chaves em cima de um aparador ao
meu lado.
― Sim. É muito bonito e sofisticado.
Ele sorri.
― Tento deixar um pouco a minha cara, mas também não posso
remover o estilo do meu pai.
― Entendo.
Olho para Ricardo e vejo algo que nunca percebi antes. Ele não
é um garoto mimado, como a maioria dos homens que conheci. E...
ele não está dando em cima de mim. O maior medo que eu tinha era
de que assim que abríssemos a porta, ele me levasse direto para o
seu quarto.
Não.
Ele quer alguém para conversar. E eu também preciso de
alguém assim.
― Você quer tomar alguma coisa? ― ele pergunta, ao passar as
mãos pelos cabelos. ― Vou ligar a televisão pra você.
Ricardo parece nervoso ou é impressão minha?
Ele vai até o sofá, pega o controle e liga o aparelho em um
programa qualquer da TV a cabo.
― Gosto de Discovery Home & Health ― digo, tentando quebrar
esse clima estranho.
Ricardo me encara.
― Sério? Qual programa?
― De todos. Eu acho. ― Dou uma risada. ― Principalmente
“Irmãos à Obra.”
― Esse é o meu favorito! ― Ele também ri. ― Sonho em fazer
uma casa em conceito aberto.
Nós rimos ao perceber o rumo que a conversa está tomando. E
isso é bom, não é? Viemos aqui para isso. Para que eu pudesse
conhecer o outro lado de Ricardo Alencar.
― Já está com fome?
― Um pouco ― confesso, afinal, já faz algumas horas que
comemos. ― Mas não se preocupe com isso.
― Me preocupo, sim. ― Ricardo dá mais um passo na minha
direção. ― Preciso fazer alguma coisa, porque eu prometi que não
daria em cima de você.
Abro a boca para retrucar e ele desata em uma gargalhada.
― Estou brincando. Fique tranquila.
Respiro fundo e me acalmo. Contudo, uma parte de mim fica um
pouco chateada por ele não me cogitar como mulher.
Mas que diabos.
Está ótimo assim. Ricardo Alencar é um problemão muito sério.
É melhor que ele se mantenha quieto.
Ricardo passa por mim e vai até a cozinha. Entre a cozinha e a
sala há uma bancada de mármore, com algumas banquetas. Me
sento em uma delas.
― Bebe vinho? ― Ele abre a geladeira e pega uma garrafa.
― Sim.
Ele pega duas taças no armário e coloca à minha frente. Enche
a minha e depois a dele.
― E, então. O que espera da viagem?
― Ah... estou bem animada ― digo, enquanto o observo
mexendo nos armários e pegando coisas para cozinhar. ― É um
sonho, sabe.
― Eu sei.
― Sabe? ― Arqueio uma sobrancelha.
― É. Digo, a Van vivia dizendo que você gostaria muito de
conhecer Paris.
― E, você. Está animado?
― Bastante. Eu amo viajar ― ele revela. ― Terminando a
faculdade quero fazer um mochilão pela Europa.
― Nossa! Que legal! ― Apoio meu queixo no antebraço. ―
Deve ser maravilhoso.
― Com certeza.
Ricardo põe uma panela no fogo e depois coloca outra. Observo
seu jeito com as panelas e é engraçado ver que um homem como ele
gosta de cozinhar.
― Não imaginava que você gostava de cozinhar ― digo, um
pouco maravilhada.
Ele se vira para mim.
― Uma das regras de um mochileiro é saber cozinhar. Você
sabe que em um mochilão de verdade, não há espaço para os luxos e
regalias que muita gente gosta.
― Não sabia disso.
― Pois é. Existem dois tipos de viagens. As que gastamos com
conforto e aquelas que tentamos conhecer o máximo possível, sem
gastar muito.
Sorrio.
― Um dia, se Deus quiser, também quero fazer um mochilão.
Ricardo sorri e enquanto cozinha, entramos uma conversa sobre
a faculdade. Ele diz que está com dificuldade em algumas matérias e
eu me coloco à disposição para ajudá-lo depois que voltarmos da
viagem.
Ele faz uma macarronada com molho bolonhesa. Que, de longe,
é o meu favorito, porém, isso não revelo para ele. Não quero que ele
ache que estou elogiando-o.
― Prefere comer aqui, no sofá ou na mesa de jantar? ― ele
pergunta, enquanto pega os pratos.
― Tanto faz. Onde você come geralmente?
― No sofá, assistindo à televisão. Apesar de o meu pai odiar
isso, com todas as forças.
― Bem, aqui também é legal.
Ele arruma os pratos em cima da bancada e coloca os talheres.
― Acho que é melhor você se servir. Se eu fizer isso, corro o
risco de colocar o que eu colocaria no meu próprio prato.
Pego o prato e vou até a cozinha. Neste momento, tenho um
vislumbre do restante do cômodo, que abriga uma pequena área de
serviço, separada por uma divisória de vidro.
Depois de nos servimos, nos sentamos, de frente um para o
outro e ele enche novamente nossas taças com mais vinho.
― Você quer ficar deste lado para ver a TV?
― Não precisa. ― Sorrio.
Ricardo fecha os olhos e faz uma breve oração. Isso me assusta
porque nunca imaginaria um homem como ele fazendo orações.
Ricardo Alencar orando?
Ele abre os olhos e encontra os meus, o encarando.
― Quer queijo?
Balanço a cabeça negativamente e ele parece adivinhar o que
estou pensando, porque diz:
― Minha mãe me ensinou a agradecer antes de todas as
refeições.
Ok. Ricardo agora está me parecendo ainda mais humano.
Nós comemos a macarronada, deliciosa, por sinal. Foi
impossível não repetir um segundo prato.
E, assim, as horas se passaram.
Olho no relógio e já marcam 21h30. E eu preciso ir para casa.
Ricardo está falando algo sobre arquitetura, dizendo que
gostaria de fazer esse curso.
― Nossa, Ricardo. A comida está ótima, o papo está bom...
mas, eu tenho que ir.
Ele para de falar e me olha de uma forma estranha. Como se
estivesse chateado por eu ter que ir embora.
― É, realmente. ― Ele olha no relógio em seu pulso. ― Já são
21h30.
Me levanto da banqueta.
― Posso ir ao banheiro? Onde fica?
― Primeira porta, no corredor.
Dou as costas para Ricardo e vou até o banheiro, que é simples
e pequeno.
Não sei o que está acontecendo comigo. Nem era para eu estar
aqui. Onde foi parar o meu juízo?
Tudo bem que Ricardo é irmão da minha amiga, mas algo me
diz que isso é errado. Que isso pode fugir do controle.
Abro a torneira e encho minha mão com um pouco de água.
Lavo meu rosto e depois a seco com a toalha. Olho para o meu
reflexo por algum tempo.
Para que essa paranoia? Ricardo só está sendo legal. Ele jamais
olharia para alguém como você.
É isso. Ele só está sendo legal e nada mais.
Respiro fundo e abro a porta, Ricardo está parado em frente ao
banheiro com uma cara muito séria.
― Desculpa, não sabia que você queria...
Ele não me dá tempo para falar nada, porque simplesmente me
puxa para os seus braços e prensa seus lábios nos meus, virando
meu corpo para a parede e encostando o seu contra o meu.
Tento me desvencilhar, mas então a sua boca se mexe contra a
minha e eu já não sei mais o que fazer. Ele é forte e lutar contra ele é
inevitável. Sem falar que sua boca é tão quente, tão macia.
Depois de um tempo de relutância, cedo e beijo-o de volta.
Nossas línguas se enroscam e eu sinto o gosto de vinho tinto, à
medida que minhas mãos sobem pelos seus braços.
Inferno!
Isso não pode acontecer!
Minha consciência grita comigo e eu paro o beijo, empurrando-o
com força. Nossos corpos se separam e nossas respirações estão
irregulares.
Eu sabia! Eu sabia!
Ricardo nunca vai mudar. Como eu fui idiota de ter aceitado vir
aqui com ele?
Levanto a cabeça e faço a única coisa que eu disse que faria se
ele tentasse alguma gracinha. Desfiro um tapa em seu rosto.
― Eu avisei, Ricardo! ― grito, furiosa. ― Eu avisei que te daria
um tapa se tentasse algo!
Ele não retruca. Não tenta se desculpar.
Ricardo leva a mão ao rosto e fica em silêncio, enquanto eu me
sinto estranha, praticamente humilhada.
― Por que fez isso? Quer me humilhar? Acha que eu saí com
você como as outras garotas que só querem uma noite de sexo?
Quer me enganar como Marlon fez?
Meus olhos se enchem de água e eu saio, apressada. Minhas
mãos estão tremendo e eu já nem sei o que fazer. Só sei que preciso
ir embora.
Pego a minha bolsa em cima do sofá e antes que eu possa ir
para a porta, Ricardo me segura pelo braço.
― Eu te levo, Mari. Me desculpa... eu... ― Olho para o chão
porque não quero encará-lo. ― Eu sou um imbecil.
― Eu te dei uma chance, Ricardo. Você jogou isso fora.
― Por favor. Me perdoa. Não quero que pense isso. Eu jamais
faria com você o que o Marlon fez. Mas... eu gosto de você. De
verdade. Não a chamaria aqui, se não gostasse.
Encaro Ricardo.
― Não diga essas coisas. Você não sabe o que é gostar de uma
pessoa.
Ele solta o meu braço e passa as mãos pelo rosto.
― Eu juro, Mari. Mas não vou forçá-la a acreditar, se não quiser.
Eu estraguei esta noite, que estava tão boa.
― Estragou mesmo ― resmungo, enquanto seco os meus olhos.
― Poxa, Ricardo. Você não consegue pensar em outra coisa, que
não seja levar alguém para a cama?
Ele abre a boca para dizer algo, mas pensa alguns instantes e
suspira.
― Posso ao menos levá-la até em casa?
Vai ter que ser, né. Uma, porque não sei onde estamos. Outra,
porque não faço ideia de como chegar em casa.
Agora ele já sabe que cumpro minhas promessas.
― Vamos logo.
É possível se apaixonar ainda mais por uma pessoa só por ter
passado algumas horas ao lado dela?
Não sei se isso é bom ou ruim. No meu caso, digamos que seja
ruim. Paixão... é aquele tipo de sentimento que te faz tomar umas
decisões idiotas, como a que tomei quando Mariana saiu do banheiro.
Ela tinha me dado um aviso e eu disse que não tentaria nada.
Mas como cumprir isso se ela estava ali, tão linda e tão solitária?
Me lembro, como se fosse ontem, da primeira vez que a vi
chegando à faculdade. Seus cabelos ondulados caindo pelos ombros,
seu corpo pequeno, mas bem desenhado com curvas que me fizeram
sonhar por várias noites.
No entanto, mesmo eu sendo um dos caras mais “famosos” no
quesito pegar garotas, quem disse que Mariana olhou para mim?
Seu olhar caiu diretamente em Marlon, que aproveitou a chance.
Não sei por que não tentei nada antes dele, mas acho que mesmo se
eu tivesse tentado, não teria conseguido.
Mariana adormeceu no banco do carona e enquanto dirijo é
impossível não dar uma olhada de vez em quando. Deve estar
exausta depois do dia que tivemos.
Até um tempo atrás, eu já estava conformado com o rumo que
as coisas tinham tomado. Mariana jamais seria minha. Ela era
namorada de Marlon e eu tentava de todas as maneiras esquecê-la,
me divertindo com outras garotas.
Meus sentimentos por ela estavam adormecidos.
E, então, certa manhã, cheguei à faculdade e não tinha outro
assunto que não fosse a traição de Marlon. Dias atrás, quando
Mariana me culpou pelo que ele fez, eu me senti um pouco chateado,
mas acho que se eu estivesse no lugar dela, também pensaria isso.
Eles namoraram por dois anos.
E por dois anos eu precisei olhar para ela como a namorada de
um colega.
Todavia, esse namoro chegou ao fim no mês passado e, desde
então, eu não consigo parar de pensar que eu posso tentar algo.
Porém é óbvio que não dará em nada. Mariana não gosta de
mim. E agora acho que seu ranço por mim aumentou mais um pouco.
Entro na rua dela e estaciono em frente à sua casa.
Olho-a por algum tempo e admiro seu belo rosto. Quero beijá-la
mais uma vez porque tenho certeza de que jamais vou esquecer de
como é a sensação dos seus lábios nos meus.
Eu sou um desgraçado.
― Mari ― a chamo baixinho. ― Chegamos.
Balanço-a um pouco e ela acorda. Mariana se agita no lugar e
olha para os lados.
― Onde estamos???
― Em frente à sua casa ― respondo tranquilamente. ― Você
adormeceu no caminho.
Ela me encara e acho que se lembra do que aconteceu, porque
seu olhar carrega um pouco de desprezo.
― Ah, ok. Obrigada, Ricardo. ― Mariana tira o cinto e quer sair
do carro o mais rápido possível. Porém, eu a seguro.
― Espera, Mari ― peço, com paciência. Ela me encara e então
eu pego uma sacola que está no banco de trás. ― Comprei isso aqui
pra você. Viagens de avião são muito desconfortáveis.
Mariana olha a sacola na minha mão e abre a boca, porém, não
sai som algum.
Ela estende a mão e pega a almofadinha de pescoço que
comprei na loja do shopping.
― É para mim? ― pergunta, parecendo perplexa.
― Sim. Não sou bom com estampas, mas acho que combina
com você.
Ela abre um pequeno sorriso.
A almofada é na cor vermelha.
― Obrigada, Ricardo.
Sorrio para ela e nos encaramos por alguns segundos. Deus, me
dê forças para não a beijar à força novamente, por favor!
― Minhas malas... ― ela diz e não consigo pensar em outra
coisa que não seja beijá-la. ― Estão lá atrás.
Ah. As malas.
Malditas malas.
― É verdade. ― Sorrio e coço a cabeça. ― Vamos pegar.
Tiro o cinto e saio do carro. Abro o porta-malas e tiro de lá o
conjunto que Mari ganhou da minha irmã.
Ela puxa pela alça e caminha até o portão.
― Obrigada, Ricardo. Até segunda.
― Até.
Será que peço desculpas mais uma vez?
Entro no carro, mas ela continua parada no portão, me olhando
pelo vidro do carro.
Devo pedir desculpas?
Que dilema dos infernos.
Aperto o botão e o vidro se abaixa.
― Mari... sobre o beijo...
― Beijo? Que beijo? ― ela diz, tentando parecer desentendida.
― Não vi beijo nenhum.
Sorrio.
Ela sorri também.
É melhor assim.
― Até segunda ― digo, com uma ponta de esperança na minha
voz.
― Até segunda ― ela responde e meu coração dá um salto.
O problema de ter levado Mariana até meu apartamento na noite
anterior, é que, provavelmente, nunca conseguirei trazer outra garota
para cá. A não ser que eu feche os olhos e finja que é ela.
Isso é horrível e não recomendo para ninguém.
O domingo está passando tão lentamente que começo a pensar
que o relógio parou. Olho várias vezes no celular e a vontade de
mandar uma mensagem para Mariana é forte. Mas não posso.
Preciso esquecer o que aconteceu ontem.
Recebi uma mensagem da professora gostosa, que queria me
ver, mas eu não quero e ela está chateada.
Pelos céus.
A campainha do apartamento toca e eu espero que não seja ela.
Pode ser loucura, mas não quero transar hoje.
Abro a porta, preparado para o que está por vir, mas, por sorte, é
Vanessa.
― A barra tá limpa? ― ela pergunta, dando uma olhadinha
através do meu ombro.
― Completamente. ― Saio da porta e estendo o braço para ela
entrar.
Vanessa passa por mim e olha para o apartamento, como se
estivesse procurando resquícios de um assassinato.
― Suas malas não vão se fazer sozinhas ― ela diz, virando para
me encarar. ― Por que está trancado aqui o dia todo?
Dou de ombros e vou até a cozinha pegar alguma coisa para
beber.
― Passei a noite aqui.
― Percebi. ― Vanessa se senta na bancada. ― Você está tão
estranho, Rick.
Coloco um copo em cima da bancada e viro um pouco de suco
de laranja, que ela adora.
― Acho que estou envelhecendo.
― Posso saber onde você e a Mariana ficaram até tarde?
Arregalo os olhos. Como essa baixinha sabe que ficamos juntos
até tarde?
― Eu sei de tudo. ― Ela sorri, como se tivesse lido meus
pensamentos. ― Sei que Mariana chegou depois das 22h em casa.
Sendo que nos despedimos no shopping era por volta de 18h30.
― 18 horas.
― Tanto faz. Quero saber aonde levou a minha amiga e o que
fizeram.
Respiro fundo. Sei que nunca vou conseguir esconder nada da
minha irmã.
― Viemos para cá.
Vanessa arregala os olhos.
― Não aconteceu nada ― explico, antes que ela pense qualquer
coisa. ― Cozinhei uma macarronada e conversamos um pouco. Ela
estava solitária e eu também.
― Que fofos! ― Vanessa sorri. ― Já shippei vocês juntos.
― Não é assim, Van. ― Me encosto na bancada. ― Eu dei um
beijo nela e ela me deu um tapa na cara.
― Justo.
― Justo? ― Arregalo os olhos.
― Eu teria feito o mesmo.
Respiro fundo.
― Não é assim que você vai conseguir algo com ela, querido. ―
Vanessa coloca uma mão sobre a minha.
― E quem disse que eu quero algo com ela?
Vanessa ri com deboche.
― Idiota.
― Eu não posso, Van. ― Recolho minha mão. ― Mari é ex do
meu amigo. Já te expliquei minhas razões.
― E eu só vou te dar mais um conselho. Essa viagem que você
fez questão de pagar para ela, aproveite para conquistar o amor da
sua vida. ― Abro a boca para retrucar, mas ela não deixa. ― Se a
Mariana te enxergar, duvido que ela vai ficar pensando sobre você
ser ou não amigo do Marlon. Mulher não liga para essas besteiras
que vocês machistas inventam.
Respiro fundo e passo as mãos pelos cabelos.
― Eu te odeio, Vanessa Alencar.
― Eu sei disso. ― Ela sorri. ― E é por isso que somos
inseparáveis.
Amanhã embarcaremos nessa viagem. Será que devo tentar
algo com a Mariana? Ela provavelmente vai me dar outro tapa.
O que faço, meu Deus?
“Deixa rolar...” “Deixa rolar...”
Acho que é isso. Eu sempre deixei rolar. Por que estou tão
preocupado agora?
Vou deixar rolar e vamos ver o que vai acontecer. Só espero ter
forças para não me apaixonar ainda mais.
Porque se isso acontecer e ela me rejeitar... eu estarei ferrado.
Mais ferrado que agora.
Mais ferrado do que sempre estive.
Passo o domingo em casa com minha família. Depois do
almoço, vou com Pedro tomar sorvete e andar um pouco pelo parque.
No finalzinho da tarde, voltamos para casa para eu poder
arrumar minhas malas, já que as roupas estão secas no varal. E,
enquanto as arrumo, não consigo esquecer o beijo roubado de
Ricardo.
Por vezes, quase peguei meu celular e liguei para Vanessa,
desistindo da viagem. Não é uma boa ideia, já que Ricardo também
vai, mas não posso fazer isso. Eles gastaram muito dinheiro comigo e
eu seria uma pessoa horrível se fizesse algo assim. Preciso esquecer
esse maldito beijo e fingir que nada aconteceu.
Isso não pode ser tão difícil.
Ou pode?

Termino de colocar as últimas coisas na mala, quando recebo


uma ligação da Vanessa, dizendo que irá mandar um carro me buscar
e iremos nos encontrar no aeroporto.
É melhor assim.
Quanto menos tempo eu ficar perto do Ricardo, melhor.
Respiro fundo ao conferir pela décima vez se está tudo na mala.
Por sorte, eu já tinha passaporte, porque tirei um pouco antes de
entrar na faculdade com a esperança de um dia próximo poder viajar.
E esse dia finalmente chegou.
Tenho apenas uma hora antes de o carro chegar. Corro para o
banheiro e entro debaixo da água. Ainda bem que meu cabelo já está
escovado. Aproveitei o domingo para fazer isso e pintar as unhas.
Minha roupa já está escolhida em cima da cama e, isso, facilita
todo o processo. Enquanto me visto, minha mãe abre a porta do
quarto e sei que ela quer chorar, pelo modo como me olha.
Até parece que é o dia do meu casamento.
― Pelo amor de Deus, assim que chegarem lá me avisem, por
favor! ― minha mãe dispara.
― Tá bom, mãe. Relaxa. Não fica nervosa, porque estou
tentando me manter calma.
Sento na cama, seco meus pés com a toalha e visto as meias.
― Eu sei, me desculpa é que...
― Vai ser bom, mãe. ― Calço os tênis. ― Vou te ligar assim que
colocar os pés na casa onde ficaremos hospedados.
Ela sorri.
― Acho bom, mesmo.

Tento não olhar pela janela e ver meu irmão e minha mãe
acenando do portão de casa, porque sei que vou chorar, ainda mais.
O percurso demora um pouco, mas logo chegamos ao
aeroporto. Encontro Vanessa, Ricardo, Gustavo e Fernanda me
esperando perto da entrada, cada com um com suas malas.
― Ahhhhhhh, estou tão feliz por esse momento. ― Vanessa
pula em cima de mim. ― Nem acredito que você vai com a gente.
― Nem eu estou acreditando ― digo, um pouco envergonhada.
― Sério, gente. Eu vou pagar para vocês todos os gastos da viagem,
eu juro.
Gustavo me dá um abraço.
― Relaxaaaaa, Mari. Aproveita que isso ainda é comemoração
do seu aniversário.
Abraço Fernanda e, depois vejo Ricardo. Ele me dá um sorriso
caloroso e eu retribuo.
Mas é só isso.
Será que ele ficou pensando no beijo tanto quanto eu?
Não posso pensar nisso.
Acordo do meu devaneio com a Vanessa pedindo meu
passaporte. Nós vamos até o guichê da companhia para despachar
nossas malas.
E é isso.
O sonho está começando e eu mal posso acreditar.

O voo foi tranquilo até a metade.


Como se fosse uma maneira de a vida dizer: “Mariana, sua vida
está nas minhas mãos”, ao chegarmos no meio do oceano, presenciei
turbulências que pensei que seriam a primeira e a última da minha
vida.
Isso pode não ser tão apavorante para quem já viajou alguma
vez. Mas, para mim, é assustador. Ainda mais quando tudo balança e
os meus “amigos” dormem tranquilamente.
Tento assistir a algum filme para ver se meu medo passa, mas a
cada dez minutos, o piloto emite alguma mensagem. “Senhores
passageiros, mantenham-se em seus assentos...” Se isso não é para
nos apavorar, não sei mais o que seria.
Tiro os fones de ouvido e olho para o lado esquerdo. Vanessa e
Fernanda dormem tranquilamente uma encostada na outra. Dou uma
olhada no restante dos passageiros e todos dormem.
Enquanto isso, o avião continua balançando.
Olho para o banheiro e os dois da frente estão ocupados. Por
sorte, tem outros dois atrás. Levanto, mesmo com o aviso do piloto, e
atravesso o avião tentando não olhar para ninguém.
Não sei é sorte ou azar, mas os banheiros também estão
ocupados.
Respiro fundo e cruzo os braços. O jeito é esperar a boa vontade
dessas pessoas de o usarem logo.
Ouço o barulho de uma descarga e a porta se abre. Dou de cara
com uma muralha humana.
― Sem sono, gatinha?
Levanto os olhos lentamente pelo peitoral de Ricardo e o
encontro com um sorrisinho sacana.
Meu Deus do céu. Até aqui no avião ele consegue ser cretino?
― Com licença? Preciso usar o banheiro...
Ele sai da minha frente e então, ao entrar no banheiro
minúsculo, fico me perguntando como é que os filmes fantasiam
pessoas transando em um lugar tão apertado igual a este.
O avião dá mais umas balançadas. Lavo minhas mãos e no
momento que destranco a porta, ela se abre violentamente e Ricardo
me espreme ao entrar novamente.
― Mas o que pensa que... ― Abro a boca para gritar, porém, ele
a tapa com a mão e me pressiona para cima do assento.
― Fica quieta. Não grita. Não vou te fazer mal.
Arregalo os olhos e ele me encara como se esperasse que eu
ficasse mesmo em silêncio.
Eu tenho claustrofobia e já começo a ficar desesperada. Vou
ficar sem ar e vou morrer. A culpa vai ser toda desse imbecil!
Ele parece entender o meu medo e balança a cabeça
negativamente.
― Não quero ficar acordado sozinho ― ele diz baixinho. ―
Gustavo está dormindo também.
Ele solta a minha boca e eu continuo encarando-o. Ricardo está
estranho. Não está mais com aquele sorrisinho galanteador. Ele
parece... preocupado.
― Você tem medo de avião?
― Você tem? ― ele devolve a pergunta.
Não vou me entregar de bandeja para ele. Finjo que não e jogo
meus cabelos para trás do ombro.
― Não fui eu que entrei aqui para ter companhia de outra
pessoa ― digo, me sentindo a rainha do pedaço.
― É. Já tive companhia melhor.
Abro a boca, ultrajada com sua resposta e tento pular o assento,
para sair. Mas ele me segura e ri.
― Desculpa, não quis ofendê-la. ― Ricardo respira fundo. ―
Sim, eu tenho medo de avião. Não gosto dessas turbulências dos
infernos. Mas ninguém sabe disso e gostaria que continuassem não
sabendo.
Ricardo Alencar tem um ponto fraco, afinal. Analiso-o dos pés à
cabeça e dou uma risadinha.
Outra turbulência forte nos atinge e... nos abraçamos.
― Não quero morrer, Ricardo! ― choramingo de encontro ao
seu peito. ― Pelo amor de Deus, não.
Ele me abraça forte.
― Também não quero ― ele diz. ― Ainda quero transar mais
uma vez antes de morrer.
Balanço a cabeça negativamente, pensando em como ele
consegue se preocupar com coisas tão fúteis, quando nossa vida
pode estar nos últimos momentos.
― Não fala merda, Ricardo.
A turbulência para, mas continuamos ali, abraçados.
― Eu ainda não fiquei com você.
Foi isso mesmo que ouvi?
Me afasto dele e aquele Ricardo de sempre voltou. Ele abre o
sorriso safado que eu tenho vontade de matar.
― Ficou sim!
Ricardo prensa seu corpo contra o meu e desce o rosto até o
meu ouvido.
― Não estou falando de beijos.
O quê?
Sinto uma adrenalina atravessar meu corpo e novamente estou
com falta de ar neste banheiro minúsculo.
― Do... do... que...
Ele dá uma risadinha ao ver que estou sem palavras.
― Até o final dessa viagem, você vai ficar comigo.
O olho, com raiva.
― Isso é algo que nunca vai acontecer, querido. Não gosto do
seu tipinho.
― Mas você é o meu tipo ― ele diz novamente em meu ouvido.
― Se este avião não cair hoje, é sinal de que ainda vou ficar com
você.
Meu coração parece que vai saltar pela boca. Dou um leve
empurrão em seu corpo.
― Ricardo, para com isso. Você já esqueceu o tapa que levou
no sábado?
Ele me encara e dá uma risadinha.
― Não esqueci. ― Segura a minha mão e deposita um beijo. ―
Mas sabia que eu passei o domingo inteiro pensando o que eu posso
fazer com essa mão?
Arregalo os olhos. Que diabo possuiu Ricardo?
― Saia daqui! Pelo amor de Cristo! Você bebeu alguma coisa
antes de vir?
― Bebi uns dois copos de vinho quando a aeromoça passou.
Respiro fundo.
― Fique longe de mim, Ricardo. Por favor.
Ele destranca o banheiro.
― Não adianta fugir, Mari. O que tiver que acontecer, vai
acontecer. Eu perguntei para Deus.
Esse cara está maluco, só pode.
― Perguntou o quê?
― O que eu devia fazer em relação a você.
Arqueio a sobrancelha sem entender o que ele está dizendo.
― Ele disse que é para deixar rolar.
Deixar rolar... só se for rolar um tapa no meio da cara desse
sujeito abusado.
― Volta para as suas conquistas, Ricardo. E me deixa em paz.
Ele ri.
― Eu deixo. Mas antes eu quero uma coisa.
― O que você quer? ― Respiro fundo, já estressada com isso
tudo.
― Quero mais um beijo.
― VOCÊ ESTÁ LOUCO?
― Só um pouco. E a culpa é sua.
― Minha???
― Totalmente sua. Por que aceitou sair comigo no sábado?
Ah, agora ele quer jogar a culpa em mim.
― Eu não vou te beijar. Nem agora nem depois. Nem nunca. Eu
acabei de sair de um relacionamento e estamos dentro de um
banheiro minúsculo em um avião, a não sei quantos mil pés de altura,
com turbulências que, acredito, estão mexendo com a sua cabeça.
Não dá, Ricardo.
― Guarda isso: até o final da viagem ― ele diz, convencido.
― Não vou.
― Vai sim e eu vou ter o maior prazer de atender ao seu desejo.
Primeiro, porque não sou egoísta igual a você. Segundo, porque
passei o domingo inteiro pensando naquele beijo.
― Você é desprezível.
― E você é linda, pra cacete.

Algumas horas depois chegamos ao aeroporto de Charles de


Gaulle. Passamos pela imigração sem nenhum problema e vamos
direto para a esteira pegar nossas malas.
Grudo em Vanessa todo o tempo, na esperança de que Ricardo
não se aproxime de mim. Depois da fatídica cena no banheiro, fiquei
até sem saber o que fazer.
Não acredito que ele esteja falando sério, mas com Ricardo tudo
é possível.
Fernanda está resmungando alguma coisa sobre dor de cabeça.
Vanessa está preocupada com sua mala, afinal, disse que já
aconteceu de ter que passar dois dias só com a mala de mão, por
culpa da companhia aérea que extraviou a outra.
Ricardo e Gustavo estão atrás de nós.
Olho para trás de relance e Ricardo abre um sorrisinho. Viro
para a frente rapidamente.
Chegamos até a esteira e Vanessa logo vê a sua, que é cor-de-
rosa florescente.
― Acho que vocês vão gostar do apartamento que nós
alugamos ― Vanessa diz, assim que a pega. ― Fica em Montmartre
e não é tão longe assim. Podemos fazer alguns passeios a pé ou
então, podemos ir de metrô.
― Eu não gosto do metrô daqui, você sabe ― Fernanda retruca.
― Vamos de táxi, pelo amor de Deus.
Continuo em silêncio, porque de Paris eu não entendo nada. No
entanto, para elas, não é a primeira vez. Elas já estiveram na cidade
antes.
― Vamos? O carro já está nos esperando! ― Gustavo diz, assim
que pega a sua mala.
A minha chega logo em seguida.
― Deixa só eu pegar a última mala! ― Fernanda diz. ― Acho
que exagerei.
Se quatro malas para apenas alguns dias é exagero, bem, sim,
ela exagerou.
Ricardo para ao meu lado e eu abaixo a cabeça. Foi
constrangedor o que aconteceu no banheiro. Aquelas coisas que ele
disse... Talvez tenha sido apenas para brincar comigo.
Mas o beijo de sábado não foi brincadeira.
― Quer ajuda com alguma mala?
O que aconteceu com esse homem que ficou educado de uma
hora para outra?
― Não precisa. ― Mostro minhas malas para ele. É apenas uma
grande e uma pequena que levei dentro do avião.
Ele me encara de uma maneira que não sei explicar. É tão...
intenso.
― Ricaaaardo, eu quero a sua ajuda! ― Fernanda grita, atraindo
nossa atenção. ― Pode vir aqui!
Ele revira os olhos e então vai até ela.
Depois de pegarmos todas as bagagens, nos encaminhamos
para a saída do aeroporto. Uma mini van já nos espera. O motorista
pega nossas bagagens e coloca no porta-malas.
Vanessa e eu vamos no banco da frente, enquanto os meninos e
Fernanda vão atrás. Eles começam a conversar, mas só ouço a voz
de Fernanda e Gustavo.
Quando nos aproximamos, é impossível não abrir a boca diante
da beleza da cidade. Suas construções antigas e cheias de detalhes.
É óbvio que quero conhecer cada pedacinho, mas estou ansiosa
mesmo para conhecer a Torre Eiffel.
O carro estaciona em uma ruazinha típica de Paris, com seus
prédios do mesmo formato, a coloração das pedras um tom de creme
escurecido pelo tempo. Quando chegamos, penso que é somente um
prédio no qual vamos ficar, mas, quando ultrapassamos a portaria,
vejo que há mais outros dois blocos. O nosso é o último.
Assim que passamos pela porta do último bloco, damos de cara
com um casal de franceses. Eles nos olham e lançamos o famoso
“Bonjour”. Eles sorriem e respondem de volta.
O apartamento fica no quinto e último andar. É um loft espaçoso
e charmoso. Do jeito que eu sempre imaginei. É todo branquinho,
com piso de madeira. Há enormes janelas que dão uma vista legal
para o outro lado da rua.
― Estou exausta! ― Fernanda se joga no espaçoso sofá branco
no meio da sala. ― Você bem que poderia fazer uma massagem nos
meus pés, não acha, Ricardo?
Ricardo está de costas, analisando o espaço, mas nem se dá ao
trabalho de se virar para ela.
― Quer que eu lhe sirva chá também?
― Não estamos na Inglaterra para beber chá ― Fernanda
retruca.
Olho para Fernanda e ela está olhando para Ricardo com um
olhar malicioso. Percebo algo que nunca reparei antes. Será que ela
gosta dele?
Pelo que sei, ela e eu — óbvio — somos as únicas amigas da
Vanessa que ele nunca arrastou as asas para cima. Bem, não sei se
posso me incluir nisso agora, já que rolou um beijo.
Argh.
Vanessa corre para os braços do namorado, que a agarra e dá
um giro com ela.
― Está mais bonito que da última vez, não acha? ― Gustavo
pergunta.
― Está sim. Acho que a proprietária fez uma reforma
recentemente ― Vanessa responde. ― O que foi, Ricardo? Não
gostou?
― Gostei, sim ― ele diz, dando de ombros. ― Meu quarto ainda
é o mesmo?
― O mesmo.
Ele parece exausto e, para falar a verdade, também estou.
Foram muitas horas que eu sequer consegui pegar no sono, com
turbulências horríveis.
― Então vou descansar um pouco. Qual a programação de
hoje?
Chegamos bem cedo, a cidade começou a clarear há pouco
tempo.
― Hoje é dia de comemorar o aniversário da Mari! ― Vanessa
diz, animada.
Arregalo os olhos e ela me puxa para um abraço. É inevitável
segurar as lágrimas diante de tanto carinho e bondade. Sinto o
abraço de Fernanda envolver a nós duas e depois Gustavo e, por fim,
Ricardo.
― Você merece isso e muito mais. ― É o que eles dizem.
Nunca pensei que um dia eu teria a oportunidade de visitar um
local tão sonhado como este. Eu, uma simples bolsista de uma
universidade, tive a sorte de encontrar amigos tão queridos.
― Chega de chorar! ― Vanessa se afasta de mim. Seco minhas
lágrimas com as costas da mão. ― É seu aniversário. Quero que seja
feliz. Hoje vamos sair para comemorar, com estilo!
Animação é o sobrenome da Vanessa, mesmo depois de horas
cansativas de voo.
― Bem... agora vou descansar um pouco. ― Ricardo dá alguns
passos para trás.
― Ahhh, espera. ― Vanessa o encara. ― Mostra para a Mari
onde é o quarto dela?
Ricardo e eu nos encaramos.
― É claro.
Essa não...
― Vou ficar aqui mais um pouquinho com o Guga e a Fernanda,
não é, queridos?
Não sei o que Vanessa está aprontando, mas espero que ela
não saiba sobre o beijo.
― Vamos, Mari?
Vou dizer que não? Não dá, né.
Puxo minhas malas e o sigo pelo corredor.
― O meu é o último do corredor ― diz Ricardo. ― O seu é este
aqui.
O quarto ao lado. Clichê, não?
― Ah, obrigada. ― Ele abre a porta e eu entro para ver meu
quarto, branquinho como a neve.
Há uma cama de madeira, uma cômoda em frente e alguns
quadros com paisagens da cidade em cima da cabeceira.
Viro para a porta e Ricardo ainda está lá, me encarando.
― Obrigada.
― Descanse bem, Mari. Hoje a noite será longa.
Sua voz está carregada de segundas intenções, assim como seu
rosto. Abro a boca para retrucar, mas ele fecha a porta, antes que eu
diga qualquer coisa.
Me sento na cama e respiro fundo.
Pelo amor de Deus. O que ele quer de mim? Apenas uma noite
de sexo? Apenas um beijo?
Droga.
O pior de tudo é que Ricardo é um cara bonito. Bonito até
demais. Daqueles caras que te deixam sem ar quando te dão aquela
encarada.
Não sei o que ele quer... se está falando sério ou se está apenas
brincando com a minha cara.
Eu preciso dormir.
Dormir muito, para colocar meus pensamentos em ordem.
Não sei bem que horas são, mas sei que dormi mais do que
havia planejado. Me levanto em um pulo e vejo pela janela que já está
escuro.
Meu Deus do céu. Que horas são?
Pego meu celular e são 19h30. Estou perdidinha com esse
negócio de fuso-horário.
Vou até o banheiro anexado ao meu quarto e lavo meu rosto. O
banheiro é pequeno, mas tem uma banheira. Pequena, mas tem.
Seco meu rosto na toalha e dou uma olhadinha no espelho.
Cara de quem dormiu além da conta.
Saio do quarto e noto o silêncio no apartamento, enquanto
atravesso o corredor. Será que estão todos dormindo também? Pelos
céus, eu dormi bem mais do que deveria.
Chego à sala e olho ao redor. Não há sinal de ninguém. Será
que saíram e me deixaram dormindo?
Ai que vergonha...
Na cozinha também não há ninguém. Coloco as mãos na cintura
e respiro fundo. Já cheguei pagando mico. Essas coisas só
acontecem comigo, mesmo.
Viro para voltar à sala, mas dou de frente com a última pessoa
que gostaria de ver e meu coração quase sai da boca.
― Ai, meu Deus! ― Dou um passo para trás, com a mão no
peito. ― Que susto, Ricardo.
Reparo que ele está usando apenas uma regata branca, muito
justa ao seu corpo musculoso.
Ele dá uma risadinha e passa por mim, indo até o armário para
pegar alguma coisa.
― Está devendo, Mari?
― Engraçadinho.
Ele abre a geladeira e pega uma garrafa de água.
― Onde estão os outros? ― pergunto, tentando desviar o olhar
de seu corpo másculo.
― Fernanda deu um chilique querendo sair um pouco e a
Vanessa e o Guga foram cumprir os desejos dela.
Meu coração dá um pulo ao perceber que estou sozinha — mais
uma vez — com Ricardo.
― E por que você não foi junto?
Ele bebe um pouco de água.
― Preferi seguir o seu exemplo e dormir o dia todo.
Fico um pouco sem jeito, mas então saio da cozinha e vou até a
sala. E, agora, o que irei fazer? Não conheço nada desta cidade.
― Mas eles disseram que horas vão voltar? ― pergunto, ao me
sentar no sofá.
― Não... Mas, vai lá se arrumar. Vamos passear.
Arregalo um pouco os olhos.
― Vai me dizer que você é tão pura, que não pode sair pela
cidade ao meu lado? ― Ele arqueia a sobrancelha.
― Ai, nada a ver, Ricardo.
Ele se senta ao meu lado.
― Então, qual o problema?
Não vou tocar no assunto de que ele tentou me beijar de novo
no avião. Não quero que ele pense que fiquei o voo inteiro com
aquela cena na minha cabeça.
― Nenhum. ― Abro um sorriso, devagar. ― Mas não acha
melhor esperarmos por eles?
― Eles não vão voltar cedo, Mari. ― Ele passa as mãos pelos
cabelos. ― Eu conheço minha irmã. E Fernanda. E sinto pena do
Gustavo que vai queimar a sola dos sapatos andando pela cidade
toda, em apenas um dia.
Rio ao imaginar a cara de frustração de Gustavo. Ricardo me
encara, sério, por alguns instantes, e eu fico novamente sem graça.
― Vai lá se arrumar. Também não vim aqui para ficar trancado
no apartamento, enquanto esta cidade é tão linda.
― Tudo bem. Não vou demorar.
Ele sorri.
― As mulheres sempre dizem isso.
Mostro a língua para ele e rapidamente vou para o quarto.
Vanessa me ensinou algumas técnicas para não passar frio. Visto
primeiro uma camisetinha térmica, depois coloco uma blusa normal.
Ela tinha várias meias calças de pelinho por dentro e me emprestou
algumas. Visto uma preta e coloco uma meia que compramos em
uma loja de camping no Brasil.
Por sorte, ela também tinha uma bota que serviu em mim, e eu a
calço. Coloco por último um casaco e pego minhas luvas e uma
touca.
Aqui dentro de casa é bem quente, por causa do aquecedor,
mas na rua está bem gelado.
Depois de algum tempo me arrumando, volto para a sala e
espero por Ricardo. Lembro que eu deveria ter avisado a minha mãe
que chegamos bem, então abro o WhatsApp e vejo milhares de
mensagens.
Envio um áudio pedindo perdão e explicando que chegamos
muito cansados, por isso, dormi o dia todo.
Espero que ela me perdoe.
― Vamos?
Meu coração dá uma batida mais forte ao ver Ricardo sexy
nessas roupas de inverno, com um cachecol enrolando seu pescoço.
― Vamos.
Ele pega a chave extra pendurada perto da porta e saímos do
apartamento. Assim que saímos, já sinto o frio nos envolver.
― Em janeiro é mais frio ainda ― Ricardo explica, enquanto
tranca o apartamento.
― Nossa, não quero nem imaginar o frio extremo.
Ele ri e nos encaminhamos para o elevador.
Descemos em silêncio, cada um em seu lugar, mas não dá para
negar que não há um clima estranho entre nós, algo que nunca houve
nesses anos que o conheço.
― Aonde você quer ir primeiro?
― Torre Eiffel! ― falo, animada demais, mas depois me sinto
envergonhada.
― Seu desejo é uma ordem, mademoiselle ― Ricardo brinca,
enquanto caminhamos até a saída do prédio.
― Como vamos até lá? A pé? ― pergunto, curiosa.
― Acho que... vamos de táxi. É melhor e mais rápido. Depois
podemos voltar andando, o que acha?
― Hum, pode ser.
A cada esquina fico ainda mais boquiaberta com a beleza da
cidade, seu charme e sua grandiosidade. Estou ansiosa para explorar
cada pedacinho durante o dia.
Então, algum tempo depois, eu a vejo. Linda e imponente. O
verdadeiro cartão postal da cidade luz, resplandecendo com suas
luzes douradas.
― Aiii, meu Deus! ― Me agito no carro. ― Não acredito que
estou aqui!
Ricardo está no banco da frente, mas vira para mim e sorri.
― Acredite, estamos aqui.
O motorista para perto de um ponto de ônibus. Descemos do
carro e eu olho para aquela grandiosidade, de boca aberta.
― Vem, Mari. Vou te levar no Trocadéro, que é o melhor lugar
para se tirar fotos dela.
Ricardo estende a mão e, instantaneamente eu a pego. Por que
fiz isso? Não sei... mas só penso nisso quando nossas mãos se
entrelaçam e começamos a andar por uma espécie de jardim.
Há muitos outros turistas passando por nós, mas a minha
animação é tão grande que eu não consigo pensar em nada. Pelos
céus.
― Eu gosto mais de ficar nesta parte do que lá embaixo da
Torre. Lá tem algumas pessoas mal-intencionadas querendo dinheiro
e, bem, hoje não estou com humor para ser furtado.
― Furto? É sério? ― pergunto, um pouco assustada.
― Não chega a ser como no Brasil, mas se não tomarmos
cuidado, um espertinho passa e nos rouba, sem que vejamos.
― Nossa. Que horror.
― Pois é. ― Ele me olha e sorri, enquanto ainda estamos
caminhando de mãos dadas.
Sorrio de volta, mas volto o meu olhar às nossas mãos unidas.
Isso é muito estranho, sem dúvidas. Desde que terminei com Marlon,
nunca mais dei a mão para nenhum outro cara.
Até que a sensação é boa.
Ricardo me explica algumas curiosidades sobre a Torre
enquanto subimos uma pequena colina até o lugar que ele diz ser
bom para fotos.
Quando estamos perto, já consigo ver turistas em cima de um
muro, tirando várias fotos.
― Pensei que teriam mais pessoas ― ele diz. ― Mas até que
está bom. Deve ser pelo horário.
― Deve ser.
Subimos alguns degraus e Ricardo solta a minha mão.
― Fica encostada aí, vou tirar uma foto. ― Ele tira o celular do
bolso. ― Um pouco pra cá.
Me arrumo e faço uma pose de pessoa feliz.
― Tira com o meu também. ― Estendo meu celular para ele, e
Ricardo tira algumas fotos.
Subimos mais degraus e então chegamos ao lugar onde
realmente dá para ter uma visão completa da Torre Eiffel.
Por sorte, há espaço no celular para boas fotografias e eu
consigo fazer mais poses. Ricardo tira uma selfie comigo em seu
celular.
Estamos animados, mas então um garoto aparece com uma
cesta de flores.
Ele diz algo em francês, mas Ricardo balança a cabeça e depois
ele fala de novo em inglês. Ricardo olha para mim e depois tira a
carteira do bolso de dentro casaco e dá uma nota para o garoto.
Enquanto eles estão nessa negociação, me viro de costas para
ele, mas de frente para a Torre, para admirá-la mais.
Meus pensamentos se encaminham até um mês atrás, quando
descobri a traição de Marlon. Foi uma das piores experiências que já
passei na minha vida e não desejo isso a ninguém.
Marlon era especial.
Ele foi o meu primeiro namorado sério, o primeiro cara que eu
amei e me traiu de uma maneira tão horrível. Mas agora estou aqui,
realizando um sonho que eu achei que só realizaria depois de muitos
anos.
Fecho os olhos, absorvendo a sensação de liberdade e, então,
sinto uma respiração quente próxima ao meu ouvido.
― Duas rosas, porque uma apenas seria muito clichê.
Abro os olhos e Ricardo está segurando as duas rosas na minha
frente. Viro rapidamente e ele está tão próximo, que não sei se
consigo resistir. Seu olhar desce dos meus olhos para os meus lábios
e eu sei o que ele quer.
Mas, o que eu quero?
― No que você está pensando? ― ele pergunta baixinho.
Respiro fundo.
― Não sei... ― digo, hipnotizada com sua proximidade. ― O que
está acontecendo, Ricardo?
― Com o quê?
― Isso tudo. ― Desvio o olhar para além dele. ― Por que você
está agindo assim?
Ricardo suspira pesadamente e deixa as duas rosas em cima da
mureta. Com delicadeza, ele puxa meu rosto para encará-lo.
― Eu quero ficar com você. Não está claro isso ainda?
― Eu não quero, Ricardo.
― Por que, não? ― Ele levanta um pouco as sobrancelhas. ―
Eu não tenho pereba. Muito menos, outras doenças, você sabe...
Rio do seu senso de humor. Não é por isso.
― Não estou pronta para outro relacionamento.
Ricardo coça a sobrancelha e se aproxima mais um pouco,
pressionando seu corpo contra o meu.
― Não estou falando de relacionamento.
― Está falando de me usar e depois jogar fora? ― pergunto,
com rispidez.
― Não é assim, Mari. ― Ele suspira pesadamente. ― Você
nunca ficou com alguém, sem compromisso? Digo, depois do Marlon.
Balanço a cabeça negativamente.
― Ah, então... o que eu quero dizer...
― Eu sei o que você quer dizer. ― O encaro novamente. ― Não
sou ingênua, Ricardo.
Ele assente.
― Você não sente nem um pouco de atração por mim?
― Eu sinto, mas não faço ideia de como você sente atração por
mim.
Ele dá uma risadinha.
― Não é difícil.
― Hey! ― Dou um soco leve em seu ombro.
Ricardo enlaça a minha cintura e encosta sua testa na minha.
― Então, o que me diz?
Ele está tão cheiroso... tão convidativo. É difícil resistir aos seus
encantos, realmente.
― Não sei ― sussurro, olhando para seus lábios.
― Quer que eu estipule um prazo? ― ele pergunta, abrindo um
meio sorriso.
― Seria melhor.
Assim, eu sei que acabando esse tempo, cada um irá para o seu
canto.
― Que tal enquanto estivermos aqui?
― Quando chegarmos ao Brasil, acabamos?
Ele balança a cabeça afirmativamente.
― Nada de se apegar um ao outro? ― pergunto, porque quero
que ele me dê certeza de que ninguém vai sair machucado disso.
― De jeito nenhum.
― Eu ainda acho que vou me arrepender disso ― falo em voz
baixa.
Ricardo sorri.
― Melhor se arrepender das coisas que fez, do que pelas que
deixou de fazer, já dizia algum sábio.
― Tudo bem. ― Suspiro, quando ele está ainda mais perto de
me beijar. ― Mas ninguém pode ficar sabendo disso.
― Será nosso segredinho.
Rimos e então ele captura meus lábios em um beijo quente e
sedento. Não sei onde estou com a cabeça de aceitar uma coisa
dessas, mas estou aqui para curtir a vida e esquecer meus
problemas.
Devolvo o beijo na mesma proporção que o sinto agarrar a
minha cintura. Nossas línguas se envolvem e eu devo admitir que a
fama de Ricardo não é à toa. Ele beija muito bem.
Não quero nem pensar no restante do que dizem...
― Nada de se apegar um ao outro? ― ela perguntou, me
olhando da maneira mais incerta que alguma garota já me olhou
antes.
― De jeito nenhum.

Eu sou um desgraçado.
Primeiro, porque estou a léguas de cumprir com isso. E, se
Mariana está agora nos meus braços, é porque já me apeguei a ela,
desde o primeiro momento que a vi.
Que Deus me ajude.
Ricardo me beijou mais algumas vezes no Trocadéro e tiramos
mais fotos também. Segundo ele, as fotos seriam para marcar o dia
em que eu embarquei em sua loucura.
Não sei se quero me lembrar disso, no final, quando tudo
acabar. Porque até agora não sei onde estava com a minha cabeça
ao aceitar isso.
Ele estava bem animado e então recebeu uma mensagem de
Vanessa. Ela está nos esperando em um restaurante.
Saímos do Trocadéro e, quase caí no meio da rua, porque é
impossível andar por Paris e não se encantar com cada esquina.
Ricardo até riu quando me pegou impressionada ao ver uma
barraquinha de crepes.
― É um pouquinho longe para irmos a pé. Topa ir de ônibus? ―
Ricardo pergunta.
― Opa, busão em Paris, por que não?
Ele ri e então vamos até um ponto de ônibus. Ricardo vê em um
aplicativo qual temos que pegar e onde temos que descer.
― Em dez minutos ele chega. ― Ricardo guarda o celular no
bolso e me puxa para seus braços. ― Tá gostando da viagem?
Estranho um pouco essa situação, mas depois me acostumo.
― Estou sim. ― Sorrio. ― Não pensei que seria assim. Não a
viagem, mas sobre nós dois.
Ele ri. Um riso tão bonito que me rouba o fôlego.
― Paris é a cidade do amor. Coisas assim acontecem.
― Ricardo! ― Dou um tapa em seu peito e ele ri mais ainda.
Não quero pensar sobre amor e relacionamento tão cedo. Não é
que eu desacreditei do amor depois do que Marlon fez comigo, mas
sei que ainda vai demorar muito tempo para encontrar um sentimento
tão nobre como esse.
Ricardo Alencar seria o último da lista dos candidatos a saber o
que é amor verdadeiro.
O ônibus se aproxima e nos soltamos. Me sento ao lado da
janela e Ricardo senta ao meu lado. Observo um pouco do transporte
público e admiro como é limpo e bem cuidado.
― Ah, se no Brasil fosse assim... ― falo baixo, mas ele ouve e
concorda.
― Seria ótimo.
Nos olhamos e sorrimos um para o outro.
― Por que não de metrô? ― Fico curiosa, porque sei que muita
gente usa o metrô por ser fácil e bem rápido. Obrigada, Google, por
suas informações.
― Não gosto de andar de metrô aqui. Sempre tem um
engraçadinho querendo nos furtar.
Ricardo puxa a minha mão, que estava descansando em meu
colo, e a leva até os lábios.
― Precisamos esquentá-las.
Não sei como reagir a essa carícia. Ricardo parece tão...
romântico. Será que ele age assim com as outras também?
As outras...
Não quero pensar nisso agora.
Puxo minha mão de volta e a enfio no bolso da blusa.
― É, ainda bem que há aquecedor aqui dentro.
Ricardo assente e se ajeita no banco. Parece não ter gostado
muito da minha atitude, mas o que posso fazer?
Não é apenas curtição?
― Vamos. ― Ele me cutuca. ― Temos que descer no próximo.
Descemos na próxima parada e, ao começarmos a caminhar,
Ricardo segura a minha mão novamente.
― Não gosto que a puxe de mim ― ele diz, entrelaçando nossos
dedos.
― Ricardo... isso não é...
Ele não deixa eu terminar de falar, porque anuncia o restaurante
que Vanessa e os outros nos esperam. Somente quando chegamos à
porta que ele me solta.
Vanessa e os outros estão sentados em uma mesa nos fundos.
Vamos até eles, que nos recebem com a animação de sempre.
― Nossa, onde vocês estavam? ― Fernanda resmunga. ―
Demoraram tanto!
Ricardo puxa a cadeira para mim e depois se senta ao meu lado.
― Levei a Mari para ver a Torre Eiffel ― Ricardo explica.
― Hummm. ― Fernanda nos encara de um jeito estranho, como
se soubesse o que está acontecendo. Eu desvio o olhar para
Vanessa e Gustavo.
― Perdoem por ter dormido tanto!
― Imagina, Mari. ― Gustavo sorri. ― Você estava bem
cansada. Precisava mesmo dormir.
O restaurante é italiano então apostamos no de sempre.
Macarronada nunca é demais.
Começamos uma conversa sobre a cidade e coisas aleatórias.
Rimos das piadas que Gustavo gosta de contar e, depois que
comemos, continuamos conversando ainda mais.
Então, certo momento, sinto a mão de Ricardo apertando
levemente meu joelho. Olho no mesmo instante para ele, assustada,
e ele sorri. Logo depois, ele se aproxima do meu ouvido e sussurra:
― Não sei se vou conseguir cumprir aquela promessa.
Olho para Vanessa e Gustavo, mas eles estão ocupados,
perdidos em seus próprios mundos. Fernanda está procurando
alguma coisa no celular.
Arregalo os olhos para Ricardo.
― Qual pro... promessa?
― De deixar isso em segredo.
― Por quê? ― pergunto, em um tom bem baixo.
Ele se aproxima novamente do meu ouvido e sussurra:
― Porque estou louco para te beijar mais uma vez.
Meu Deus do céu. O que faço para controlar esse homem?
Olho novamente para os meus amigos e, por alguma sorte do
destino, eles estão ocupados demais para notar o clima tenso entre
Ricardo e eu.
― Por favor... ― murmuro e ele balança a cabeça
negativamente com um sorriso idiota.
― Aiiiiiiii! ― Fernanda dá um grito tão alto que assusta a todos
nós. ― Olheeeem! ― Ela vira o celular. ― Vai ter um show da minha
banda favorita da vida! Temos que ir!
Vanessa revira os olhos.
― Ahhhh, vamos! Por favor! ― Fernanda suplica, fazendo
aqueles olhos de gatinho do Shrek. ― Estamos em Paris, de férias,
pelo amor de Deus!
― Vocês estão a fim? ― Vanessa pergunta para nós.
― Sim.
― Não ― Ricardo responde por cima de mim.
― Sim ou não? ― Vanessa arqueia a sobrancelha.
― Não, na verdade ― respondo, tentando encontrar meios de
me explicar.
― A Mari quer dizer que ela não está a fim de ir em um show.
Ela quer conhecer mais da cidade. Sem falar que íamos comemorar o
aniversário dela, não é? ― Ricardo me ajuda.
Vanessa olha bem nos meus olhos e respira fundo.
― Ainnn, amiga! Você se importa se comemorarmos amanhã?
Acho que o Ricardo pode te mostrar algumas coisas bem legais hoje.
― Vanessa dá uma piscadinha para o irmão.
Ricardo dá de ombros, como se aquilo fosse totalmente natural.
― Vocês vão perder ― Fernanda retruca, mexendo no celular.
― Mas... é a sua primeira vez na cidade. Tudo é empolgante mesmo.
Olho para Ricardo e ele está encostado no assento da cadeira,
com um sorriso vitorioso.
Que Deus me ajude.

Saímos do restaurante com a barriga estufada, de tanto comer.


Fernanda pede um táxi para eles irem ao bendito show. Enquanto
esperamos o carro, Vanessa me puxa para o lado.
― O que tá rolando com você e o meu irmão? ― Vanessa é
direta, não me dando tempo de pensar em alguma desculpa.
― O quê? ― pergunto, com a voz mais fina que o normal. ―
Está louca?
Vanessa olha além de mim. Olho para trás, mas os outros estão
ocupados, conversando.
― Depois vamos conversar sobre isso. Mas... amiga, aproveita!
― Vanessa aperta as minhas bochechas. ― Meu irmão estava
preocupado de tentar algo e você rejeitá-lo.
― Ah, tá ― Cruzo os braços. ― Vanessa, seu irmão tem nas
mãos quem ele quer, na hora que quer. Duvido que ele ligaria se eu o
rejeitasse.
― Você não sabe nada sobre o Rick ― ela murmura, enquanto
ajeita minha touca. ― Só... aproveita. Deixa rolar.
― Vamos? O carro chegou. ― Gustavo se aproxima de nós. ―
Depois vocês fofocam.
Abraço Vanessa e eles vão para o carro. Tenho pena de
Gustavo, que parece muito cansado, mas ele sempre diz que por
Vanessa, embarca em qualquer aventura.
Quem sabe um dia eu encontro um amor como esse.
― Pronta para caminhar pela cidade comigo? ― Ouço a voz
máscula perto do meu ouvido e todo o meu corpo se arrepia.
― Você acabou de estragar a minha chance de ir a show em
Paris ― digo, fingindo decepção.
Ricardo me puxa para os seus braços.
― Posso fazer um show particular, se você quiser.
“Deixa rolar...”
Lembro-me do que Vanessa me disse. Ricardo não vale nem um
centavo, mas está aqui, me tratando bem e me fazendo sorrir como
há mais de um mês eu não sorria.
E serão apenas alguns dias. Quando voltarmos ao Brasil, tudo
isso ficará esquecido, porque cada um vai seguir a sua própria vida.
― Para aonde vamos? ― pergunto, enlaçando nossos dedos.
― Pirâmides do Louvre?
― Simmmm!
Depois de algumas horas andando por Paris e tirando milhares
de fotos, Ricardo e eu decidimos voltar para o apartamento. Está
muito frio e minha mão já está quase congelando.
Voltamos de táxi, afinal, é mais rápido do que ir andando ou ficar
esperando pelo ônibus. Tinha a opção do metrô também, mas como
Ricardo disse, Paris é uma cidade linda demais para ficar percorrendo
por debaixo da terra.
Já é quase meia-noite quando entramos no apê. O calor do
aquecedor nos abraça e é impossível não suspirar, aliviada.
― Bem frio, né. ― Ricardo tira o casaco e o coloca no suporte
atrás da porta.
― Demais. Meus dedos estão congelando, apesar da luva.
Ele ri.
― Vai lá tomar um banho, vou preparar algo para a gente comer.
Aceito a sugestão dele, sem retrucar.
Vou até meu quarto e então algo me atinge em cheio. Essa é a
primeira vez que vou dormir sozinha com Ricardo. Não sou idiota ao
pensar que ele quer ficar comigo somente com beijos e abraços.
É claro que ele quer algo mais.
Não sei se estou preparada para isso. Meu Deus, até alguns
dias atrás nós apenas trocávamos cumprimentos formais. Hoje, já
estamos andando pela cidade de mãos dadas e nos beijando a cada
cinco minutos.
Droga. Não tenho lingerie bonita para vestir, afinal, trouxe
apenas meus pijamas do Mickey. Cara nenhum vai sentir tesão ao ver
uma mulher com um pijama assim. Com Marlon as coisas eram meio
que programadas. Então, eu já sabia o que ele gostava e eu vestia.
E assim as coisas fluíam.
Pode ser também que Ricardo desista ao ver que não vim
preparada para isso. Pode ser que ao ver o meu pijama de Mickey,
ele não sinta vontade alguma de transar comigo.
Meu coração se acelera só de pensar em nós dois fazendo
isso...
Acho que vou pirar.
Mas talvez ele nem nada hoje.
Tiro minhas roupas, dobro-as e deixo em cima da mala. Entro
debaixo do chuveiro e a água quente me envolve.
Passo as mãos pelo corpo e fecho os olhos. Como será que é o
toque das mãos grandes de Ricardo? Como será que é o seu corpo
nu?
Quem é essa Mariana que chegou a Paris mesmo? Estou uma
verdadeira pervertida.
“Pare com isso, Mariana. O cara está lá, preparando algo para
vocês comerem e você aí, pensando em como será a sua
performance na cama?”
Saio da água, me seco e visto meu pijama do Mickey. Penteio
meu cabelo e o amarro em um rabo de cavalo. Preciso tentar não
pensar nisso. Se acontecer, aconteceu. Não quero forçar nada.
Volto para a sala, mas Ricardo não está mais lá, nem na
cozinha. Tem uma pizza assando no forno. Abro a geladeira, pego
uma garrafa de suco e coloco um pouco em um copo.
Levo o copo até a boca e levanto o olhar através do balcão,
porém, meu coração quase para quando vejo Ricardo se
aproximando, sem camisa, vestindo apenas uma calça de moletom
cinza. Ele traz na mão uma toalha para secar seu cabelo molhado.
Vejo-o abrindo a boca para dizer alguma coisa, mas não consigo
entender o que é. Ele se aproxima mais e um sorrisinho surge em
seus lábios.
Mas então percebo que o líquido que eu estou bebendo, já está
molhando toda a minha blusa.
― Droga! ― Dou um pulo para trás e deixo o copo em cima do
balcão.
― Hey, deixa que eu te ajudo. ― Ricardo pega um pano de
prato e se aproxima de mim.
Minhas bochechas devem estar da cor de um tomate, ele deve
saber que sua beleza me distraiu.
― Eu sou muito desastrada ― digo, tentando aliviar a tensão,
mas então sinto a mão de Ricardo puxando a minha blusa um pouco
para cima, para secar a minha barriga.
― Você não é desastrada ― ele diz, enquanto percorre com o
pano a extensão do meu abdômen. ― Apenas se distraiu.
Ele sorri e eu sinto raiva de mim.
― Deixa que eu seco. ― Tento pegar o pano da sua mão,
porém, ele não deixa e se aproxima ainda mais.
― O que será que a distraiu? ― Ricardo me prensa contra o
balcão, largando o pano de lado e abaixando o rosto até o meu
ouvido. ― Queria estar na sua mente para saber.
Minha respiração se acelera no mesmo instante que sinto a
ereção de Ricardo contra a minha barriga.
Céus, ele está... sem cueca!
― Não foi nada ― falo, com a voz entrecortada.
Por que eu tenho que ser tão previsível assim?
Ricardo dá outra risadinha.
― O seu pijama do Mickey já era... ― Ele passa os dedos pela
mancha de suco.
― Bem conveniente para você, não é? ― pergunto baixinho.
― Eu gosto de você assim, toda menininha ― Ricardo
responde. ― Mas também gosto de imaginar o que tem por baixo
dessa roupa.
Ok, já estou no inferno. Vou abraçar o capeta.
Nossas bocas se encontram e o beijo se torna quente e cheio de
desejo.
Minhas mãos começam a passear pelo seu corpo bem definido e
ele gosta, porque cada vez que eu o acaricio, ele devolve, devorando
meus lábios.
― Quer ser minha esta noite? ― ele pergunta ao parar o beijo.
― Por completo?
Eu quero. Mas não sei se devo.
Marlon foi o meu primeiro namorado sério e o primeiro homem
com quem tive relações. E não foi na primeira saída. Foi depois de
alguns bons meses de namoro, depois de tanta insistência, eu resolvi
ceder.
Ricardo deve ter mesmo o dom, porque já nem consigo pensar
em mais nada que não seja seu corpo em cima do meu.
― Ricardo... ― Suspiro alto.
Ele desce os lábios até o meu pescoço e começa a beijar cada
cantinho, enquanto suas mãos passeiam por dentro da minha blusa.
― Me diz, Mari ― ele pede. ― Se você não quiser, eu paro por
aqui.
― Me beija, por favor. ― Puxo seu rosto para o meu e ele
obedece, me beijando com todo o fervor de antes.
Não quero pensar em nada, só quero que as coisas aconteçam
como devem acontecer. E eu quero curtir cada momento.
Nosso beijo se torna voraz e, do balcão, sinto minhas costas de
encontro à geladeira. Não contente, enrosco minhas pernas na
cintura de Ricardo e ele me ergue como se eu fosse um saco de
plumas.
― A pizza! ― digo, um pouco alarmada ao me lembrar de que
ela pode queimar a qualquer momento.
Ricardo para de me beijar e, com agilidade, gira o botão do
forno, desligando-o.
― A pizza vai ficar para depois ― ele diz, enquanto me leva
para longe da cozinha.
― Vai esfriar...
― Que esfrie a pizza e não isso aqui.
Nós rimos e então ele abre a porta do meu quarto com rapidez.
Ricardo me coloca no chão e fecha a porta com o pé.
Subo minhas mãos pelo seu peito e ele fecha os olhos, como se
estivesse absorvendo o momento.
Ricardo puxa a barra da minha blusa e eu o ajudo, tirando-a logo
em seguida. Ele me olha com decepção ao ver que estou usando
sutiã.
― Eu gosto de dormir com sutiã. ― Dou de ombros.
Ele me puxa pela nuca para mais um beijo quente. Ricardo puxa
o meu prendedor de cabelo, deixando-o solto. Ele me empurra um
pouquinho até a cama e, de repente, sinto minhas costas
encontrando o colchão macio. Ricardo se coloca por cima de mim.
― Você não faz ideia de quantas noites eu sonhei com isso ―
ele diz baixinho em meu ouvido.
Seus lábios descem pelo meu pescoço, depois pelo colo e, com
uma agilidade incrível, ele consegue abrir o fecho do sutiã, revelando
meus seios.
Ele suspira alto, enquanto os admira e eu me sinto um pouco
envergonhada.
Desvio o rosto, mas ele puxa gentilmente para olhá-lo
novamente.
― Você é linda.
Abro um pequeno sorriso em resposta e Ricardo aproveita para
abocanhá-los. Enlaço minhas mãos em seus cabelos, enquanto ele
brinca com meus mamilos, beijando-os, mordiscando-os.
É uma tortura doce e sensual.
Levo minhas mãos até a barra de sua calça e a empurro. Ele
realmente está sem cueca. Não sei se isso foi proposital ou não, mas
eu gostei.
Ricardo se levanta e se livra da calça rapidamente, deixando seu
corpo inteiramente à mostra.
Ele é um homem muito bonito e está aqui, querendo ficar
comigo. Se me dissessem isso alguns dias atrás, eu certamente riria.
Ricardo se abaixa e desce beijos lentos e torturantes pelo meu
abdômen. Com sua mão livre, puxa a minha calça junto com a
calcinha.
Não tem mais volta.
Mas não quero parar e acredito que ele, muito menos.
Ricardo afasta as minhas pernas e se abaixa, deixando bem
claro o que quer fazer.
― Ricardo... não... acho que... ― Tento me afastar, mas ele me
segura.
― Eu quero te provar. Por favor.
Deito a cabeça na cama e suspiro lentamente. Marlon nunca fez
isso comigo. Eu já fiz nele, mas nunca recebi de volta.
― É que... ― Tento argumentar, mas Ricardo me corta:
― Confie em mim, Mari.
Levanto a cabeça e encaro seus olhos famintos.
― Tudo bem.
Ele sorri, satisfeito, e então começa o que tanto quer fazer.
Fecho os olhos sentindo sua língua massageando minha intimidade e
sensações que não sei explicar tomam posse do meu corpo.
Ricardo é ágil, mas é certeiro. Ele sabe onde me tocar, ele sabe
o que fazer, sem que eu precise pedir.
O prazer é inevitável.
Seguro o lençol com força, enquanto não consigo controlar meus
próprios gemidos. E Ricardo me surpreende, ao recomeçar seus
movimentos.
Sou envolvida por um prazer que nunca achei que fosse capaz
de alcançar. Não que eu nunca tenha sentido um orgasmo, mas com
ele foi diferente. Muito diferente. Ricardo percebe que algo aconteceu
comigo e se levanta, com um sorriso diabólico.
― Quer mais?
― Oi?
Ele ri e me beija com intensidade e eu sinto meu próprio gosto
em seus lábios.
E isso não é ruim, pelo contrário, me faz desejá-lo ainda mais.
Ricardo interrompe o beijo e vai até a sua calça, tira do bolso um
pacote de preservativo.
― Prevenido, hein?! ― brinco.
Ele sorri, enquanto desenrola o preservativo em seu pênis.
― Sempre — responde e se coloca entre as minhas pernas
novamente. ― Não vai ter mais volta ― ele diz, colando nossas
testas. ― Você será minha.
Suspiro.
― Só por uma noite.
Ele não responde.
Ricardo empurra seu quadril contra o meu e o sinto lentamente
entrando em mim. Ele começa com movimentos lentos, mas ao ver
que estou confortável, seus movimentos se tornam mais rápidos.
― Céus ― ele diz, ofegante em meu ouvido. ― Isso é o paraíso.
Entrego meu corpo totalmente.
Ele leva a minha sanidade, leva as minhas forças.
Ricardo leva tudo, enquanto nos satisfazemos um ao outro.
Abro os olhos lentamente, sentindo um braço pesado
circundando a minha cintura.
Olho pela janela, mas ainda está escuro.
Puxo meu celular do criado-mudo e constato que já são sete
horas e agora me lembro de que Ricardo disse que aqui o sol nasce
um pouco mais tarde do que estamos acostumados no Brasil.
Ricardo...
Viro um pouco para o seu lado e ele está dormindo
profundamente. Não o julgo, afinal, me comportei como uma
verdadeira devassa ao atacá-lo para transarmos pela segunda vez.
Céus... nem acredito que fiz isso.
O que será que ele está pensando de mim? Acho que nem vou
conseguir olhar em seu rosto novamente.
Respiro fundo e tento me levantar da cama, mas ele segura meu
braço.
― Aonde pensa que vai? ― ele diz, ao abrir somente um olho.
― Ahn... vou ao banheiro. Quero tomar banho e me arrumar
para sair.
Ricardo me puxa em direção ao seu peito.
― Vamos ficar aqui. O dia todo... ― diz, com um jeitinho
manhoso que me faz rir.
― Nãooo! ― reclamo. ― Você já conhece a cidade, eu ainda
não.
Ele suspira e me abraça fortemente.
― Não queria sair daqui. Queria ficar aqui com você o dia inteiro.
A semana inteira.
Vejo sinceridade em seu olhar. Para falar a verdade, eu também
gostaria de ficar aqui com ele para aproveitarmos a semana, afinal,
quando voltarmos ao Brasil, tudo isso irá acabar.
― Mas eu vim aqui para conhecer a cidade. Você é um
acontecimento que não estava nos meus planos.
Ele sorri.
― Coisas inusitadas são as melhores.
Sorrio de volta e ele me encara por um longo tempo.
― Você é linda demais... ― Ricardo me coloca por cima de seu
corpo e arrasta as mãos lentamente pelas minhas costas. ―
Obrigado. Obrigado mesmo.
― Pelo o quê?
― Por isso ― ele diz, mantendo a expressão séria. ― Não é
mentira se eu disser que sonhei com isso todas as noites.
― Mas eu era a namorada do seu amigo! ― Arregalo os olhos e
ele dá de ombros.
― Você era... não é mais.
Rio da cara de pau do Ricardo, mas não consigo deixar de lado
o meu ego inflado por saber que ele me desejava, mesmo sendo
proibido.
― Posso saber o que você sonhava? ― Me aproximo do seu
ouvido.
No mesmo instante, Ricardo me vira na cama e se coloca por
cima de mim. Sinto sua ereção encostar na minha perna e já o quero
dentro de mim, mais uma vez.
― Eu posso te mostrar, ao invés de falar. ― Ele abre um sorriso
malicioso.
― Não podemos. ― Levo o indicador até seus lábios e ele
deposita um beijo nele. ― Temos que dar um jeito de sair daqui, sem
que percebam que passamos a noite juntos.
― Vou precisar dar um jeito de ficar o dia todo com você, sem
minha irmã e a sua trupe.
― Mas quem disse que quero ficar com você o dia todo?
Vejo-o arquear a sobrancelha.
― Depois do que vai acontecer aqui, duvido que não vai querer.
Ele me beija como se não houvesse amanhã. Depois, abaixa a
cabeça e abocanha meu seio que já está mostrando o quanto estou
excitada.
― Era isso o que você sonhava? ― pergunto, com a respiração
acelerada.
Ricardo puxa outro preservativo de cima do criado-mudo, o abre
e o desenrola em seu pênis.
― Com isso também.
Ele se abaixa novamente e me penetra devagar, tornando o
momento lento o suficiente para me torturar.
― Você quer que eu te mostre bem lentamente ou prefere no
modo selvagem? ― ele pergunta em meu ouvido.
Não sei o que responder. Ricardo sabe como me deixar sem
palavras e eu já experimentei dos dois modos. Ambos são
arrebatadores.
― Faça como você sempre imaginou.
Ele sorri maliciosamente e então começa as suas investidas, ora
devagar, ora mais rápido, mesclando movimentos que me levam à
loucura.
Cravo minhas unhas em suas costas e ele continua, gemendo
meu nome, tornando esse o melhor sexo que já fiz em minha vida.
Não é novidade que consigo atingir o orgasmo novamente.
Porque Ricardo é assim, ele nunca pensa somente em seu próprio
prazer. Enquanto ele não vê que eu alcancei o meu, não sossega.
E isso mexe comigo.
Isso faz despertar coisas que eu não quero.

― Preciso passar em uma farmácia ― Ricardo diz, enquanto


calço meus sapatos.
― Por quê? Está passando mal?
Ele dá uma risadinha.
― Esse era meu último preservativo.
― Então você planeja fazer isso mais vezes? ― pergunto,
mantendo o humor na minha voz.
― É claro. Temos poucos dias para aproveitar.
Pego minha escova de cabelo e desembaraço meu cabelo
úmido, enquanto ele termina de se vestir.
Perdemos uma parte da manhã, mas agora precisamos colocar
o rosto para fora e desbravar esta cidade linda.
― Você quer sair primeiro? ― pergunto, olhando-o através do
espelho.
― Por quê?
― Ué. Alguém pode te ver saindo do meu quarto e...
Ricardo ri.
― Mari, não seja ingênua. É claro que eles já sabem.
― Sua irmã sabe ― o corrijo.
― Minha irmã e metade de São Paulo correspondem a mesma
coisa. E você sabe disso.
Respiro fundo, sabendo que ele tem razão.
Se Vanessa sabe, Gustavo também sabe. Como consequência,
Fernanda também sabe.
― Será que eles estão nos esperando?
Ricardo dá de ombros.
― Duvido.
Essa não era a viagem que eu estava planejando, mas de
qualquer maneira, eu estou feliz. E é isso o que importa, não é?
Uso o secador de cabelo para terminar de secá-lo, afinal, não
quero pegar uma gripe. Visto as camadas de roupas e já estou
pronta.
― Vamos?
Ricardo sai da porta onde está encostado e vem até mim,
enlaçando a minha cintura.
― Se você quiser, eu posso deixar a camisinha de lado,
também...
― Não sei, Ricardo. ― Desvio o olhar para o seu peito. ― Não
me leve a mal, mas... a sua fama.
― Eu estou saudável, Mari.
― Eu sei, mas não quero correr o risco de engravidar. Desde
que terminei com Marlon, não tomei mais pílula.
O olhar de Ricardo se acende com compreensão.
― Tudo bem. Mas saiba que... um filho nosso não seria algo tão
ruim, seria?
Bato em seu braço e ele ri.
― Nem brinca com uma coisa dessas. Sou nova demais para
pensar em ser mãe.
Ganho um selinho dele.
― Eu sei, estou brincando. Mas saiba que se isso acontecesse,
eu não hesitaria em cumprir meus deveres de pai.
― Ah, Ricardo... ― Balanço a cabeça. ― Isso eu duvido um
pouco.
― Duvida do quê? Que eu me casaria com você?
― Claro. Você é um devasso. Provavelmente avesso ao
casamento.
Ricardo muda a expressão.
― Isso é verdade, mas com você... as coisas seriam diferentes.
Dou uma risadinha e me afasto dos seus braços.
Sei que ele só está dizendo isso para tentar me acalmar. Duvido
que se uma gravidez acontecesse, Ricardo se casaria comigo. Bem,
pode até ser que sim, mas duvido que seria por amor.
E eu jamais colocaria um filho meu em um relacionamento onde
não houvesse amor.
― Vamos, porque você já me enrolou demais hoje. ― Giro a
maçaneta da porta e a abro.
Precisamos sair daqui.
Isso está ficando estranho demais.

― Para qual lugar estamos indo?


Ricardo e eu estamos caminhando por um bom tempo. Claro
que não estamos com pressa, mas ele não me disse aonde iríamos.
― A Van me mandou uma mensagem para irmos encontrá-los
no Jardim do Luxemburgo.
― Ah, sim.
Não sei o que aconteceu com ele, mas desde que saímos do
apartamento, está calado. Não sei se eu disse alguma coisa que o
chateou, mas ele está estranho.
― Tá tudo bem, Ricardo? ― pergunto, assim que paramos para
atravessar a faixa de pedestres.
― Está sim.
Esperamos o sinal de pedestres abrir e atravessamos.
Chegamos então a uma ponte e mais uma vez fico deslumbrada com
a paisagem ao meu redor.
― Meu Deus, isso é lindo demais. Olha o Sena.
― É lindo, mesmo.
Ricardo sorri e eu me aproximo da mureta. Pego meu celular do
bolso e começo a fazer várias fotos.
De repente, sinto seus braços me envolverem.
― Me desculpa ― ele sussurra em meu ouvido.
― Desculpar? Pelo o quê?
Ricardo suspira e me vira de frente para ele.
― Sinto que estou te forçando a algo que você não quer. Ou não
queria, pelo menos.
Ver essa preocupação é algo que mexe comigo. Dificilmente um
homem se importaria assim.
― Eu quero, Ricardo ― digo, tentando acalmá-lo. ― Se eu não
quisesse, teria dito não logo de cara.
― Mas você disse, quando me deu aquele tapa.
Me lembro do tapa e dou uma risadinha.
― É que eu fui pega desprevenida. Você sabe que a sua fama
nunca foi boa.
― Eu sei. ― Ele bufa. ― É complicado.
― O que é complicado? ― pergunto, encarando-o. ― Acredito
que sempre foi fácil pra você. Sempre teve as mulheres que quis.
Então começo a pensar nas inúmeras garotas que se gabavam
por terem saído com ele e algo dentro de mim não gosta nada disso.
Droga, não quero ter ciúme de Ricardo. Ele nem é nada meu.
― Com você é complicado.
― Por quê?
Nos encaramos por alguns segundos e sei que ele quer me dizer
algo, porém, somos interrompidos por vozes gritando nosso nome e
nos afastamos rapidamente, como se tivéssemos levado um choque.
― Foi isso mesmo que eu vi? ― Fernanda se aproxima, falando
bem alto. ― Vocês estavam abraçados???
Vanessa me puxa para um abraço rapidamente, enquanto
Gustavo cumprimenta Ricardo e depois a mim.
― A Mari estava com um cisco no olho ― Ricardo diz, de forma
despreocupada. ― Só tentei ajudá-la.
Fernanda desvia o olhar para mim e arqueia a sobrancelha.
― Você perdeu o show ontem.
― Ah... Eu estava bem cansada. ― Sorrio. ― Mas fica para a
próxima.
Sei que Fernanda não engoliu a história que Ricardo contou,
pela forma como ela me encara.
― Vocês não estavam no Jardim do Luxemburgo? ― Ricardo
desvia a atenção para si.
― Estávamos ― Vanessa responde. ― Mas aí resolvemos vir
dar uma volta pelas margens do Sena. E acabamos vendo vocês.
― Bem, então... vocês vão com a gente? ― Fernanda me
encara.
― Acho que a Mari quer ir conhecer o Jardim ― Ricardo diz, na
minha frente.
― É mesmo?
Fernanda está começando a me irritar com essas frases
veladas.
― Sim... e preciso ir atrás de uma farmácia. Esqueci de trazer
um remédio de dor de cabeça e agora estou precisando.
Nossa, já me enrolei toda.
― Ahhh, vai lá então ― Vanessa diz calmamente. ― Quando
vocês saírem de lá, nos encontramos por aqui. O que acham? Aí,
depois vocês vão ver o Jardim.
Vanessa sorri para Ricardo e ele a fuzila com o olhar.
― É, claro ― respondo, desfazendo o clima tenso. ― Deve ter
alguma farmácia aqui perto, não é?
― Ah, tem uma logo ali naquela esquina ― Fernanda responde.
― Por que não vão lá e nós os esperamos?
Não há meios para fugir dessa situação.
Sorrio e assinto, puxando Ricardo pelo braço. Não posso deixá-
lo entregar tudo o que está acontecendo, assim, de bandeja.
Quando já estamos um pouco afastados, ele diz:
― Eles já sabem. Para que agirmos como se nada estivesse
acontecendo?
― Você não tem certeza se eles sabem mesmo. Só a sua irmã
sabe.
Ricardo ri alto pela primeira vez desde que saímos do
apartamento.
Entramos na farmácia e ele se encarrega de conseguir o que
precisa. Como pode, um “garanhão” como ele, sair de casa só com
três camisinhas?
Ele volta com um sorriso nos lábios.
― Consegui!
Ele balança os pacotes na minha cara e eu fico desesperada
com medo de alguém ver pelos vidros da loja.
― Guarda isso!
― Então, vamos ao encontro dos nossos amiguinhos ― Ricardo
diz, em tom de deboche, enquanto guarda no bolso de seu casaco. ―
Se é o que você quer.
― Não seja dramático. ― Reviro os olhos. ― Também vim aqui
por eles. Esqueceu que eles também ajudaram a pagar a minha
parte?
Ricardo fica em silêncio e acho melhor encerrarmos o assunto
por aqui. Voltamos até onde o pessoal está nos esperando, enquanto
tiram algumas fotos.
― Conseguiu comprar o remédio? ― Fernanda pergunta, assim
que nos aproximamos.
― Consegui, sim.
Me uno ao grupo e nós finalmente tiramos uma foto com todos
juntos. Deixo minhas preocupações de lado e tento curtir o momento
ao lado das pessoas que eu tanto amo.
Gustavo está com uma sacola de mercado, vejo que comprou
vinho, bolachas e mais algumas coisas para comermos.
― Tem um lugar bem bacana onde podemos fazer um
piquenique ― ele sugere. ― Vamos?
Vanessa se enrosca em seu braço, Fernanda começa a puxar
conversa com Ricardo e eu os sigo, em silêncio, apreciando tudo ao
meu redor, só não gostando muito do jeito da Fernanda.
Enquanto caminhamos, observo os cruzeiros no rio e sinto
vontade de ir em um. Mas deve ser caríssimo.
Em certo momento, Vanessa solta o braço de Gustavo e pede
que ele vá indo na frente com Ricardo e Fernanda. Ela me puxa para
ficarmos um pouco mais para trás, enquanto os seguimos.
― Me conta! ― ela diz, tentando manter a voz baixa. ― Como
foi a noite? O que vocês fizeram?
Minhas bochechas esquentam no mesmo instante, mas não
posso esconder da Vanessa, que além de ser irmã do Ricardo, é a
minha melhor amiga.
― Nós fomos até o Louvre tirar fotos na pirâmide.
― E o que mais?
― Depois andamos mais um pouco pela cidade. Rue de Rivoli...
― Tento falar com o sotaque francês, mas é impossível e Vanessa ri.
― Não quero saber por onde andaram. Quero saber o que rolou.
Respiro fundo e observo Ricardo caminhando ao lado de
Gustavo, com Fernanda em seu encalço.
― Ele pediu para ficar comigo em frente à Torre Eiffel.
― Ownnnnn, que romântico! ― Vanessa deixa escapar mais alto
que queríamos.
― Não é romântico ― rebato. ― É estranho.
― Estranho por quê? Meu irmão está amarradão em você, e não
é de hoje.
― É isso que é estranho ― digo. ― Ele disse que já sonhava
com isso desde que eu namorava com Marlon.
Vanessa muda sua expressão e eu nem quero perguntar o que
ela sabe.
― Você gosta dele?
― Ele é legal e me trata bem, digo, no sentido de tratar alguém
com quem se está ficando. Me desculpa, Van, mas sempre achei que
seu irmão fosse meio escroto com as mulheres.
― E ele é. ― Ela ri. ― Mas acho que você mexe com ele de
uma maneira diferente.
― Hey! ― Paro na frente de Vanessa. ― Você disse o que
estou pensando que quis dizer?
― Oi? ― Vanessa franze o cenho. ― Não estou falando sobre
amor. Só quero dizer que se ele está sendo legal com você,
aproveite. Ricardo é complicado, mas é um amor de pessoa.
Respiro, aliviada.
― Agora, me diz a verdade... ― Vanessa me encara. ― Você foi
comprar pílula, não foi?
― Não... ― Suspiro. ― Seu querido irmão trouxe apenas três
preservativos. Acredita nisso?
― Céus! ― Vanessa ri. ― Isso é uma coisa boa, pelo menos.
― Por quê?
Ela olha por sobre meu ombro e se aproxima, como se quisesse
me confidenciar algo.
― Ricardo é muito cuidadoso com essas coisas. Se ele trouxe
apenas três, é porque não tinha interesse em sair com ninguém que
não fosse você.
Cruzo os braços.
― Como sabe? É adivinha, por acaso?
Ela ri.
― Ricardo e eu somos unha e carne. As dores do meu irmão
também são minhas.
― Isso é. Sei que quando meu irmão crescer, vou ficar louca
com as meninas dando em cima dele.
― É, você vai ver como é. ― Ela sorri. ― Mas, voltando ao
assunto “vocês”, estou muito feliz e espero que isso vá para a frente.
Sorrio de volta, mas não sei se concordo com isso. Não estou
pronta para um novo relacionamento, ainda mais com Ricardo
Alencar. Aqui, estamos longe de tudo e de todas que passaram em
sua cama. Mas e quando voltarmos ao Brasil?
― Agora, vamos, ele já está te caçando com o olhar.
Vanessa me puxa e nós vamos até onde eles estão. Gustavo
acha um lugar tranquilo e estende uma toalha para nos sentarmos.
Sei que Ricardo está me observando, mas não quero encará-lo.
Desvio o olhar para o rio e, apesar do frio, sinto uma paz que nunca
senti antes.
Nós conversamos e bebemos. Rimos das situações engraçadas
que já passamos desde que nos conhecemos e brindamos à nossa
amizade.
Estamos perto do Natal e não dá para deixar a celebração de
lado, mesmo que nosso voo de volta seja no dia 24.
― Um brinde à amizade! ― Gustavo levanta um copo de
plástico. Segundo ele, não quis correr o risco de trazer taças.
― Um brinde ao amor! ― Vanessa se encosta a ele e ambos
sorriem, como dois pombinhos apaixonados.
― Um brinde à prosperidade! Porque com dinheiro temos tudo o
que queremos! ― Fernanda diz.
― Um brinde ao desconhecido. ― Ricardo me encara com
intensidade e eu apenas balanço a cabeça afirmativamente.
― Ao desconhecido.

Ficamos ali por algum tempo até que o frio aumenta mais um
pouco. Gustavo recolhe nossa bagunça em uma sacolinha e Vanessa
guarda a toalha.
São 16h, mas o sol já começou a se pôr.
― Está com frio? ― Ricardo se aproxima.
― Um pouco. Não tanto quanto ontem.
Ele dá mais um passo.
― Eu posso te esquentar, se você quiser.
Abro um sorriso.
― Bem conveniente para você, não é?
― Para você também.
Neste momento, Gustavo chama Ricardo e ele vai até o amigo.
Enquanto eles conversam, Fernanda se aproxima de mim.
― Então, vocês estão ficando? ― Ela fica ao meu lado, olhando
para o rio.
― Quem?
― Não se faça de desentendida. Eu vi como vocês se olharam e
sei que ele passou a noite no seu quarto.
― Como sabe? ― pergunto, com a curiosidade me corroendo.
Fernanda ri, uma risada sem humor.
― Eu fui atrás dele. Sabe como é, né. Em viagens assim,
sempre nos sentimos solitários.
Engulo em seco ao ouvir a confissão da Fernanda. Então, ela e
Ricardo já tinham se envolvido?
Como eu nunca soube disso?
― Mas... se ele escolheu você, que seja. ― Ela dá de ombros.
― Mas sabe ― Fernanda se vira para mim ―, se quer um conselho,
aproveite enquanto pode. Ricardo não é como Marlon, que namorou
com você por tanto tempo. Ricardo é avesso a relacionamentos e sei
que isso é apenas uma distração para a viagem. Sempre foi assim e
não vai ser desta vez que será diferente.
Minha garganta está seca e não sei nem o que dizer. As
palavras de Fernanda invadem meu peito como se fossem uma faca.
Ela tem razão, é claro, mas ouvir isso, dos lábios de uma amiga, dói
mais do que posso imaginar.
Por que estou me sentindo assim? Eu sei que isso é “curtição de
viagem”. Fomos claros um com o outro.
Mas por que dói?
― Também só estou curtindo o momento ― digo, desviando o
olhar para um cruzeiro que está passando. ― Acabei de sair de um
relacionamento. Sem chances de me envolver seriamente com outra
pessoa. Ainda mais, com Ricardo, que nunca levou ninguém a sério.
Fernanda coloca uma mão sobre o meu ombro.
― Não fique chateada. Só estou dizendo isso, porque quero o
seu bem. E sei o quanto você sofreu ou está sofrendo por causa do
Marlon. Não quero que passe isso novamente.
― Não vou passar.
Respiro fundo, tentando não ficar chateada com as coisas que
ela me disse.
Ricardo Alencar é um cretino.
E isso que estamos vivendo é apenas curtição.
Não posso levar isso a sério.
Voltamos para o apartamento, exaustos, perto da meia-noite.
Paris parece uma cidade relativamente pequena, mas quando você
se dispõem a conhecê-la a pé, percebe que isso, talvez, não seja a
melhor ideia, ainda mais quando o sedentarismo está ativo em sua
vida.
Me mantive afastada de Ricardo enquanto estávamos com os
outros. Não queria comentários ou, para falar a verdade, fiquei bem
desestimulada depois das coisas que Fernanda me disse.
Então, quando chegamos ao apartamento, Ricardo me pediu
para ir até o meu quarto. E eu menti, dizendo que estava me sentindo
mal e que queria descansar.
Sento na cama, tiro minhas botas e respiro fundo.
Acho que não consigo ser assim, como Ricardo, como
Fernanda. Eles são tão liberais, se divertem com quem querem e
depois pulam para outro. Eu ainda sou aquela menina que sonha com
o amor verdadeiro, com um casamento e uma família.
E sei que Ricardo jamais poderá me oferecer isso.
Talvez eu deva acabar logo com isso. Foi apenas uma noite, que
diga-se de passagem, foi uma das melhores noites da minha vida.
Mas eu não quero correr o risco de me apegar a ele.
Ricardo Alencar é um homem perigoso, no sentido de despertar
sentimentos proibidos. E eu não posso me apaixonar.
Para não pensar nessas coisas, tiro a roupa e vou direto para o
banho. Abro o chuveiro e me enfio na água quentinha.
Ensaboo meu corpo e fecho os olhos, enquanto a água cai sobre
minha cabeça. Neste momento eu só desejo que ela leve todos esses
pensamentos ruins.
Eu preciso ser feliz.
Sinto a presença de alguém dentro do banheiro. Viro a cabeça
rapidamente para ver quem é e meu coração dá um salto ao ver
Ricardo, nu, pronto para entrar no banho comigo.
Ele não diz nada. Eu, tampouco.
Meus olhos descem pelo seu corpo e ele é simplesmente
maravilhoso.
Ricardo entra na pequena banheira e envolve a minha cintura,
puxando as minhas costas de encontro ao seu peito.
Fecho os olhos enquanto sinto seus lábios beijando meu
pescoço. Suas mãos percorrem minha barriga, meus seios, e ele
parece não se cansar disso.
― Você fugiu de mim o dia todo ― ele diz, em meu ouvido.
Não respondo.
― Por que está agindo assim?
O que vou dizer? Que fiquei chateada ao me lembrar de que ele
é apenas um cafajeste que está me usando como uma diversão?
E o pior, eu estou aceitando!
― Eu disse que não estava me sentindo bem, Ricardo ― digo,
entre um suspiro e outro. ― O que você está fazendo aqui?
Ele vira meu corpo para que eu fique de frente. A água cai entre
nós, mas não é empecilho para ele.
― Não posso passar a noite sem você.
― Está se referindo a mim, Mariana, ou a uma mulher? ― Deixo
escapar a pergunta de uma maneira ríspida, mas logo me arrependo.
Ele arqueia um pouco a sobrancelha.
― O que disse?
― Nada... ― Desvio o olhar. ― Acho que isso é um erro,
Ricardo.
Ele fica em silêncio, parece pensar no que eu acabei de dizer.
― O que a maldita Fernanda disse, que a deixou assim?
― Não foi ela! ― protesto. ― Ninguém precisa me dizer nada.
Eu fui louca quando aceitei isso. Eu não sou assim, Ricardo. Eu sou
uma garota que quer um cara legal, que quer um namoro sério.
Alguém que curte Sandy e Junior. Alguém que quer ter dois filhos,
uma menina e um menino, de preferência. Não sou como essas
garotas que passam na sua vida, que gostam do que você gosta. Que
ficam com um cara e depois ficam com outro, como se fosse apenas
uma roupa diferente. Essa não sou eu.
Faço o meu desabafo e depois fico em silêncio. Eu já deveria ter
deixado isso bem claro desde o começo.
― Você acha que eu não sei quem você é? ― Ricardo pergunta.
Suas mãos estão na minha cintura. ― Tirando a parte de você gostar
de Sandy e Junior, acha que eu não sei que você é diferente de todas
as garotas, pelo menos, a maioria, com quem me envolvi? Acha que
não sei que você quer um namorado sério e comprometido?
― Então, por que está fazendo isso comigo? ― pergunto
baixinho, ainda não consigo encarar seus olhos.
Ricardo encosta seu corpo no meu e sua testa na minha.
― Porque eu sou loucamente apaixonado por você, droga.
Desde a primeira vez que a vi entrando na universidade, com aquela
mochila da Risca que você tanto gosta. Desde aquele momento eu
fiquei como um maluco, pensando no dia em que a teria assim, nos
meus braços.
Fecho os olhos e as palavras dele invadem o meu coração. Isso
não é possível.
― Não fale mentiras, Ricardo.
― Não estou mentindo. Olhe em meus olhos ― ele ordena e eu
o obedeço. ― Eu nunca pude me aproximar, porque Marlon correu na
frente e você só teve olhos para ele. Que chance eu teria, se você
estava apaixonada por aquele imbecil?
Não sei o que dizer. Sinceramente, essas palavras me chocam.
Pensei que era brincadeira quando ele disse que já me observava
antes.
― Mas... e as outras?
Ele respira fundo e se afasta de mim.
― Eu não queria ser cretino o suficiente para torcer que o seu
namoro desse errado. Procurei em outros corpos, encontrar você.
Toco o ombro de Ricardo e ele parece envergonhado pelo o que
acabou de dizer.
― Eu... não imaginava. ― O puxo para ficar de frente a mim. ―
Jamais imaginei que você sentia isso. Nós nunca tivemos uma
amizade, apenas trocávamos cumprimentos. Como eu podia
imaginar? Achei que você estava brincando, quando disse que... bem,
quando disse que me queria, mesmo quando eu estava namorando
com Marlon.
Ele pega a minha mão e a leva até os lábios.
― Eu sempre fui amarradão em você. Sempre. Mas você
escolheu aquele idiota. Eu só podia torcer para que você fosse feliz.
Uma barreira em meu peito cai nesse momento e é como se
uma luz se acendesse. Droga, ele não está mentindo, eu vejo isso em
seu olhar. Eu vejo isso na maneira como beija minha mão, como me
olha com adoração.
Como eu nunca prestei atenção nisso antes?
Ah, sim. Eu estava cega em um relacionamento com Marlon, que
só me rendeu um par de chifres.
― E eu a quero. Quero agora, quero amanhã e quero depois. ―
Ele se aproxima, enlaçando a minha cintura. ― Eu a quero quando
acabar essa viagem. A quero pelo resto deste ano e pelo ano que
vem inteiro. Você será a minha dama e eu serei o seu cavalheiro.
Ricardo beija meu pescoço e eu não tenho mais como retroceder
diante disso. Ele me desarma de todas as maneiras possíveis. Mas,
antes que isso continue, eu preciso falar mais uma coisa:
― Ricardo.
Ele brinca com meu seio e resmunga um “humm?”
― Você precisa saber o que eu sinto. Não é assim que um
cavalheiro tira informações de uma dama.
Ele para imediatamente e me encara.
― Tem razão. Não deixei você dizer o que acha disso tudo.
― Bem, eu disse.
― Disse antes de saber que eu sou um alucinado por você.
― Tá... ― Reviro os olhos. ― Eu não sei, Ricardo...
Ele faz uma carinha triste e eu sinto vontade de rir.
― Não sei o que vai acontecer ― completo. ― Você precisa
saber que eu ainda não consigo devolver esse sentimento na mesma
proporção. Eu acabei de sair de um relacionamento de dois anos.
Ele balança a cabeça afirmativamente.
― Mas você não gosta de mim, nem um pouquinho?
Faço uma careta pensativa.
― Me acha bonito, pelo menos?
Rio da sua pergunta.
― Eu sinto alguma coisa. Não sei dizer o que é, mas desde o dia
que você me beijou, sei lá. Alguma coisa aconteceu.
Seus olhos brilham em êxtase.
― Mas calma... eu ainda tenho medo. Nós estamos em outro
país, não sabemos como será quando voltarmos ao Brasil. As garotas
que você costuma ficar, estão lá, esperando por você.
― Eu não quero nenhuma outra. ― Ele me puxa para o seu
peito. ― Tem uma música que diz:

“Foi você!
Que fez meu mundo desandar
E me perder ao te encontrar
Se conto as horas pra te convencer
Que é você
E não me importa mais ninguém
Pra te ter vou mais além
2
E nada vai tirar você de mim”

Enlaço meus braços no pescoço de Ricardo.


― Não sabia que você conseguia ser fofo, assim.
― Só com você.
Algo desponta na minha mente.
― Trouxe camisinha, né. Pelo amor de Deus!
Ricardo ri.
― Eu trouxe. Se acalme, minha dama. Um dia teremos nosso
casal de filhos, mas por enquanto, não.
Nossos lábios se unem em um beijo profundo e apaixonado.
Não sei o que irá acontecer, mas sei que agora, neste momento,
Ricardo Alencar está totalmente na minha.
E eu vou aproveitar.
Cada segundo.

― Podíamos almoçar em um restaurante italiano perto da


Champs-Élysées. O que acham? ― Vanessa pergunta, enquanto
estamos todos jogados no sofá, pensando em qual será a
programação do dia.
― Podíamos pedir comida e ficar por aqui mesmo ― Fernanda
resmunga. ― Ontem andamos demais. Estou quebrada.
― Depois de amanhã será o nosso último dia aqui. Temos que
aproveitar.
― Vamos ao Louvre ― Gustavo diz. ― A Mari ainda não
conheceu lá.
― E desde quando ela gosta dessa coisa de arte? ― Vanessa
torce o nariz para a sugestão.
― Eu gosto, sim.
Todos me encaram.
― E quem não quer tirar uma foto com a Monalisa?
Eles ponderam e assentem.
― Ricardo podia te levar lá, então ― Vanessa sugere, com um
sorrisinho. ― Não é, maninho?
― Se ela quiser ir...
― Eu quero. ― Sorrio de volta.
― Uau, acho que o amor está no ar ― Gustavo brinca. ― Então,
é sério, mesmo? Vocês estão namorando?
Ricardo e eu desviamos o olhar.
― Estamos nos conhecendo ― digo.
― Vocês já se conhecem ― Vanessa retruca. ― Pessoas que
passam a noite juntas não estão se conhecendo.
― Depende do contexto ― Gustavo diz, com um ar malicioso. ―
De alguma maneira, isso também é conhecer um ao outro.
Sinto minhas bochechas esquentarem rapidamente.
― Ah, isso é. ― Vanessa vem da cozinha e se joga no colo do
namorado. ― É um conhecimento tão... gostoso.
Eles riem e Ricardo faz uma careta.
― Vocês me enojam.
Vanessa dá um beijão em seu namorado, somente para
provocar seu irmão e eu rio. Olho para Fernanda, mas ela parece
absorta em toda a conversa, enquanto mexe em seu celular.
Tento não pensar nas coisas que ela me disse. Quero confiar em
Ricardo, porque, afinal de contas, estou começando a sentir algo por
ele. Não sei se é amor, não sei se é paixão. É aquele sentimento
gostoso, do coração dando um pulinho quando ele me encara.
Eu sou muito idiota. É claro que já estou totalmente na dele.
― Então, vamos? ― Ricardo se levanta e me estende a mão. ―
O dia escurece rápido, se não irmos logo, vamos perder a chance de
tirar algumas fotos legais durante o dia.
Aceito a sua ajuda e me levanto.
Vou para o quarto e me arrumo rapidamente. Vanessa e
Gustavo seguem com sua programação de ir almoçar no restaurante
italiano, enquanto Ricardo e eu vamos em direção ao Louvre.
Pegamos um ônibus e descemos na Rue de Rivoli, bem perto do
complexo do Museu do Louvre, que diga-se de passagem, é
gigantesco. Enquanto caminhamos, não deixo de observar que essa
rua abriga algumas das grandes marcas do mundo.
― Sabia que essa é uma das ruas mais famosas de Paris? ―
Ricardo pergunta, enquanto segura minha mão. ― Além de abrigar
algumas marcas mais elegantes do mundo, ela ostenta o nome da
primeira vitória de Napoleão, contra o exército austríaco na batalha de
Rivoli.
― Uau, sério? ― Arqueio a sobrancelha. ― Como você sabe
disso?
Ricardo sorri.
― Sempre gostei de história.
Ele me conta mais algumas curiosidades e fico ainda mais
admirada com sua inteligência. Ricardo Alencar não é só um homem
bonito, também é inteligente.
Jesus, me ajude.
Nós pegamos uma fila grandinha para comprar os ingressos do
Museu, mas em uma hora conseguimos entrar. Fico impressionada
quando descemos pela escada rolante para a parte subterrânea e
vejo que, além de museu, isso parece um shopping com várias lojas.
Ricardo pega um mapa e vamos direto ao que todo mundo quer
ver. O bendito quadro da Monalisa, do Leonardo Da Vinci.
Percorremos os corredores do museu, sem deixar de apreciar as
obras que vemos pelo caminho. Há centenas de obras de arte e
reconheço muitas que vi nos livros de história. Ricardo me conta
sobre algumas imagens e fico ainda mais impressionada.
Quando chegamos à sala de exposição do quadro, ele está
abarrotado de gente.
― Como vamos conseguir uma foto legal? ― pergunto, me
sentindo um pouco decepcionada.
― Vem comigo. ― Ricardo me puxa e nos infiltramos no meio
das pessoas.
E é assim que consigo a tão sonhada foto com o quadro do
Leonardo Da Vinci.
Quatro horas se passam sem que nós percebamos. E nessas
quatro horas, além de admirar algo que eu sempre sonhei na vida,
também passo a admirar Ricardo mais ainda pela sua inteligência.
É final da tarde quando saímos do Louvre e, assim que botamos
o pé na rua, Ricardo recebe uma mensagem no celular.
― Vamos para as pirâmides. Vanessa, Gustavo e a Fer estão lá.
Assinto e encaixo minha mão na dele. Na saída do Museu nos
perdemos e saímos no Jardim das Tulherias, um local lindo e
charmoso que ao longe dá para ver um pedacinho da Torre Eiffel.
Damos a volta no complexo e vamos até o local onde ficam as
pirâmides de vidro.
Não é difícil achá-los, mas me surpreendo ao ver que Vanessa
está com uma venda nos olhos.
― O que eles estão fazendo? ― pergunto a Ricardo e ele dá um
sorrisinho.
― Vamos descobrir agora.
― Guuuuga! ― Vanessa tenta pegá-lo, com as mãos
estendidas. ― O que você está aprontando?
― Calma, amor. ― Ele dá uma risadinha e, com o dedo, faz
sinal para que fiquemos em silêncio.
Ele segura o celular e tira algumas fotos dela.
― Por que estou vendada? ― ela pergunta. ― E onde diabos
estamos?
Fernanda fica atrás dela, para que ela não se machuque.
Gustavo enfia a mão no bolso de sua jaqueta e tira uma caixinha
vermelha de veludo. Então entendo tudo o que está acontecendo, no
momento que ele se ajoelha e Fernanda tira a venda de nossa amiga.
Acho que a surpresa dela é a mesma que a minha.
Vanessa arregala os olhos e as palavras se perdem com o vento
que bate em nossos rostos.
― Acho que não teria ocasião melhor que esta para selar algo
que já começamos há uns bons anos ― Gustavo diz, com a voz
embargada. ― Eu não quero compartilhar apenas alguns momentos
do meu dia com você. Eu quero compartilhar toda a minha vida.
Quero levar nosso relacionamento para o próximo passo, vamos
formar nossa família e construir nossos sonhos.
Vanessa leva as mãos à boca e as lágrimas começam a escorrer
em seu rosto.
O vento e o céu alaranjado de final da tarde formam uma
paisagem de tirar o fôlego.
― Com a benção de seu irmão aqui presente, Vanessa Rosane
Alencar, aceita se casar comigo?
Olho para Ricardo e ele está com o celular gravando o momento.
Fernanda também está tirando fotos.
Minha amiga está emocionada demais e eu também me
emociono por ela.
― É claro que aceito!
Gustavo se levanta e coloca o anel no dedo de Vanessa. Ela se
joga em seus braços e nós começamos a aplaudi-los.
Enquanto aplaudo, Ricardo foca seu olhar em mim e não sei
decifrar o que ele está sentindo. Será que ele pensa em algum dia...?
Acho que não.
Deve ser fantasia da minha cabeça maluca e solitária.

A noite já chegou e paramos em uma cafeteria para comer


alguma coisa. No frio é assim, vez ou outra precisamos parar em
algum lugar quentinho para nos aquecermos.
Vanessa e Gustavo foram comemorar seu recente noivado e
Fernanda quis andar um pouco pela cidade. Mais uma vez, só restou
Ricardo e eu.
― Você está quieta desde essa tarde. Aconteceu alguma coisa?
Levanto o olhar do meu celular.
― Não... deve ser por causa do frio.
― Hummm.
Dou um meio sorriso, mas Ricardo parece não acreditar no que
estou dizendo.
― Quer ir para casa?
― Casa? ― Ele arregala levemente os olhos. ― Pensei em
outra coisa para nós.
― Ah, é? E o que seria?
― Vamos ter que ir lá para eu te mostrar.
― Não sei... ― Suspiro. ― Estou cansada. Andamos bastante.
Ricardo se levanta e puxa a minha mão.
― Prometo que você vai gostar.
Olho para ele e não sei como recusar.
― Tá bom.
Nós saímos da cafeteria e deixo-me ser guiada por ele.
Pegamos um ônibus e vamos em direção à Torre Eiffel.
― Viemos ver a Torre? ― pergunto, enquanto ele me puxa.
― Não. Vamos fazer outra coisa.
Ele não diz o que é, então fico em silêncio e caminho ao seu
lado. Mas então, vamos pela direção do rio.
― Vamos dar uma volta de cruzeiro. Espero que não se importe
por eu não ter contado antes.
Arregalo os olhos.
― Mas... isso deve ser caríssimo!
Ele ri e vira a minha mão, depositando um beijo sobre a luva.
― Só quero que curta seu penúltimo dia aqui na cidade.
Andamos mais um pouco e então encontramos o navio. Ricardo
pega um lugar legal para nós, na parte aberta. Apesar do frio, quero
registrar tudo o que eu puder.
Ricardo me abraça por trás, enquanto tiro algumas fotos da
torre.
― Está curtindo a viagem?
Não quero, mas meu corpo relaxa em contato com o seu.
― Estou sim. É muito mais do que eu esperava.
Ele deposita um beijo em meu rosto.
― Você não sabe o quanto me deixa feliz ao dizer isso.
Viro para ele e encaro seus olhos.
O que está acontecendo conosco? O que está acontecendo
comigo? Não consigo tirá-lo dos meus pensamentos e a dor que eu
sentia quando cheguei, alguns dias atrás, parece não existir mais.
― Me beija? ― peço baixinho, mas ele se surpreende.
Ricardo desce o rosto e me beija apaixonadamente. Tento me
apegar a esse momento, sem pensar no que virá assim que essa
viagem acabar.
Não quero pensar que ao chegar lá, ele pode simplesmente
esquecer que eu existo. Não quero pensar que ele pode me trocar por
alguma das garotas com quem é acostumado a sair.
Observo Mariana dormindo tranquilamente, enquanto o dia
nasce bem devagar.
Hoje é o nosso último dia em Paris e quero que seja o dia mais
especial desta viagem. Não sei como fazer isso, mas sei que quero
prolongar este dia ao máximo que eu conseguir.
Será que é possível explicar o quanto estou feliz?
Claro que eu estaria ainda mais, se Mariana correspondesse aos
meus sentimentos integralmente. Mas... só de tê-la aqui, ao meu lado,
nesta cama, depois de termos passado uma noite extasiante, é algo
que já me enche de uma felicidade que nunca conheci.
No entanto, não consigo deixar de lado algumas preocupações.
A primeira é a de que ao entrarmos no avião, tudo isso acabe. A
segunda, se resume ao que vou dizer ao Marlon quando ele perceber
que peguei sua ex.
Para essa segunda preocupação, posso lidar com a quebra da
nossa amizade. Entretanto, a minha terceira preocupação é a maior
de todas: a professora gostosa da universidade.
Não quis deixar Mariana perceber, mas a maldita me enviou uma
mensagem fazendo um pequeno escândalo pelo fato de eu ter
viajado sem avisá-la.
Só rindo mesmo...
Para que eu iria avisá-la de algo assim? Será que ela pensa que
temos algo sério?
Eu só espero que ela desencane disso. Não posso manter essas
relações, ainda mais agora, que Mariana sabe dos meus sentimentos.
Mariana ainda está machucada. Ela ainda não confia
completamente em mim, não posso lhe dar motivos para pensar que
vou continuar agindo como se fosse um solteiro qualquer.
Pego meu celular em cima do criado-mudo e abro o Whatsapp.
Digito:

“Não entendo por que eu deveria te dar satisfações. Não temos


nenhum tipo de compromisso. Por favor, não me mande mais
mensagens.”

Não sei se fui grosso, mas espero que ela entenda que o que
aconteceu, não acontecerá mais.
A única que eu quero daqui para frente, está aqui ao meu lado,
deitada de bruços, com a respiração tranquila.
É a única que quero.
Abro os olhos, já tateando ao meu lado na cama. Viro de lado e
Ricardo não está mais aqui. Para aonde ele foi?
Me sento e instantaneamente olho para a janela. Estou
quebrada e preciso tomar algum remédio para dor no corpo. Primeiro
que, andar por esta cidade não é fácil, ainda mais para uma pessoa
sedentária como eu. Segundo, porque... Ricardo é demais e eu sinto
até vergonha de lembrar como foram essas últimas noites.
Meus olhos vão direto para uma sacola aos pés da cama. Pego-
a e encontro uma caixinha comprida lá dentro. Abro-a e encontro
aqueles docinhos franceses, que são coloridos. Os famosos
“Macarons”.
Observo-os por alguns instantes e a porta do quarto se abre, de
repente. Ricardo vem trazendo uma mesinha com o café da manhã.
― Bom dia, bela moça! ― ele diz, animado. ― Trouxe seu café
da manhã, com as especialidades de Ricardo Alencar.
Ele coloca a mesinha em cima do meu colo e se senta ao meu
lado.
― É sério que você fez tudo isso? ― pergunto, observando
todas as delícias que ele trouxe.
― Não. Eu fui até uma Boulangerie.
― E o que seria “Boulangerie”? ― pergunto, tentando imitar o
sotaque francês.
― Uma padaria, mas falando assim, em francês, é mais chique.
Rio, tentando ajeitar meu cabelo que deve estar uma bagunça.
Olho para a bandeja e há inúmeras delícias. Pães de frios, croissants,
docinhos, bolinhos. Uma perdição.
Enfio a mão e pego um bolinho. Ricardo me encara.
― Aqueles Macarons... ― digo, com a boca cheia. ― Obrigada.
― Não podíamos sair daqui sem que você experimentasse
esses doces horríveis.
― Você não gosta? ― Arregalo os olhos.
― Não. Não tem gosto de nada.
Balanço a cabeça rindo e Ricardo se junta a mim no café da
manhã. Ele diz quais são seus planos para o dia de hoje e eu assinto.
Claro que não deixo de pensar que hoje será nosso último dia na
cidade.
E depois tudo vai voltar a ser como era.
Batidas na porta tiram a nossa atenção. Ricardo se levanta e vai
até ela, abrindo-a.
― Posso entrar? ― Vanessa está em pé na porta, com os olhos
fechados. ― Vocês não estão pelados, né?
Minhas bochechas esquentam e é inevitável sentir vergonha.
― Entra logo ― Ricardo diz e ela abre os olhos.
― Ah... que bom. Não gostaria de ver vocês em uma má
situação.
Ricardo ergue uma sobrancelha, entediado.
― Pode me deixar a sós com minha amiga? ― ela pergunta,
assim que entra. ― Você já a teve por todos esses dias.
― Não começa com drama... ― ele responde. ― Acho que ela
apreciou a minha companhia, muito mais do que se estivesse com
vocês.
Vanessa semicerra os olhos.
― Sai logo daqui.
Ele ri e faz uma reverência muito engraçada antes de nos deixar
a sós.
Assim que ele fecha a porta, Vanessa passa os olhos pelo
quarto.
― Eu não tinha entrado aqui ainda. É bem legal.
― É, sim.
Vanessa se aproxima.
― Pelos céus, você está nua? Não acredito nisso.
Neste momento me lembro de que estou somente enrolada nos
lençóis.
― Oh... desculpa...
― Estou brincando, louca. ― Vanessa se senta na cama. ― Ain,
não vou mentir. Estou muito feliz por vocês. Eu sei que Ricardo
sempre foi apaixonado por você e...
De repente, ela arregala os olhos e tapa a boca, como se tivesse
falado demais.
― Você sabia? ― pergunto. ― Por que nunca me disse nada?
― Ele te contou? ― Vanessa devolve. ― Não acredito que ele
teve finalmente a coragem para confessar.
Balanço a cabeça, sem acreditar em suas palavras.
― Ainda é difícil de acreditar, você sabe.
― Eu sei que meu irmão é um cachorro. Ou, pelo menos, foi.
Mas ele era assim porque não tinha você. Sabe aquela história de
“vou me divertir com os errados até chegar ao certo”? Era tipo isso.
― Não sei...
― O que você sente por ele?
Vanessa me encara, com expectativa.
― Não vou ser hipócrita de dizer que não sinto nada por ele.
Ricardo é bonito, gentil...
― Bom de cama ― Vanessa diz.
― O quê?
― Claro que é. ― Ela revira os olhos. ― Olha pra você. Fez
sexo a viagem inteira. Vai me dizer que se ele não fosse bom, você
teria ficado assim?
― Vanessa!
Ela ri e eu não sei onde enfiar a minha cara.
― Não precisa ter vergonha. Somos amigas, esqueceu?
― Tá, é só que... é tudo muito estranho. Alguns dias atrás eu
jamais pensaria em algo assim. Sempre tive medo até de ficar
sozinha com ele em algum corredor da faculdade, devido à sua fama
nada apropriada. Agora, veja só onde estou.
― Ah, amiga... ― Vanessa pega em minha mão. ― Ricardo
gosta mesmo de você. Não estou falando isso porque você é minha
amiga e eu gostaria de tê-la como cunhada, claro que é também, mas
não é só por isso. Faz um tempão que eu vejo ele sofrendo por ver
você com aquele imbecil do Marlon.
Respiro fundo.
― Quando ele soube que o Marlon tinha te traído, quis dar uns
murros na cara dele. Eu que não deixei, falei que ficaria estranho
fazer isso, sendo que vocês nem conversavam direito.
― Eu tenho medo de como será quando voltarmos.
Olho para além de Vanessa e confesso todos os meus receios:
― Tenho medo de que ao chegar lá, ele veja que eu sou
simplesmente uma bolsista da universidade, enquanto as garotas
mais ricas se jogam aos seus pés. Tenho medo de que ele não
consiga viver em um relacionamento e acabe tudo como aconteceu
com Marlon. Eu não aguentaria mais uma traição.
― Ricardo jamais faria isso com você.
― E que garantia posso ter? ― Encaro-a. ― Até dias atrás ele
era o maior pegador de toda a universidade.
Vanessa respira fundo e aperta minha mão, mais uma vez.
― Você vai ter que confiar na palavra dele e nos gestos do dia a
dia. Ele pode ter sido um cretino, mas talvez porque ele procurava
nas outras o que só encontrou em você. Quem nunca errou?
É difícil se entregar em um relacionamento sendo que o outro
que estava acabou tão mal.
― Vamos mudar de assunto. E o noivado, está feliz?
― Ahhhhh nem me fale! ― Vanessa se joga na cama. ― Foi tão
lindo. Até agora nem acredito.
Sorrio, feliz pela felicidade da minha amiga. Gustavo sempre foi
diferente dos outros. Eles se apaixonaram e logo começou a falar
sobre casamento. Pensávamos que ele queria esperar a faculdade
terminar, mas agora, vemos que não.
― Quero ser madrinha ― digo.
― Mas é claro! ― Vanessa me encara. ― Assim que voltarmos
ao Brasil, já vamos começar a correr atrás das coisas. Pretendemos
nos casar em junho.
Vanessa me embola em suas conversas animadas, me
distraindo de todos os meus temores. Pegamos o celular e entramos
no “Pinterest” para procurar as tendências do ano para casamentos.
Depois de um tempo planejando o casamento da minha amiga,
ela me deixa a sós e vou tomar um banho. Visto as roupas de frio
porque é óbvio que quero aproveitar ao máximo o último dia na
cidade.
Ligo pelo Skype para a minha mãe e converso por um bom
tempo. Depois converso com meu irmão também, que está radiante
por ter a casa e a atenção só para ele.
Agora, próximo ao horário do almoço, Ricardo entra novamente
no quarto, totalmente arrumado e um perigo para o meu pobre
coração.
― Está com fome?
― Um pouco, mas não faz muito tempo que tomei aquele café
da manhã.
― Então, vamos, quero te levar em um local bem bacana.
Antes de sairmos do apartamento, constatamos que Fernanda
está doente. Pegou uma gripe e seu nariz está vermelho e
escorrendo. A chamamos para ir conosco, porém, ela rejeita.
Vanessa e Gustavo dizem que tem outros planos e que não querem
interferir em nosso momento.
A verdade é que eles querem ficar sozinhos.
Ricardo e eu saímos nas ruas gélidas de Paris e eu deixo que
ele me guie por onde quer ir. Passamos por várias ruas lindas. Vejo
bancas de frutas, lojas de roupas, Boulangerie, tudo no estilo francês,
que, particularmente, acho muito encantador.
― Tem fôlego? ― Ricardo me pergunta, enquanto subimos uma
pequena ladeira.
― Depende. ― Dou um meio sorriso. ― Por quê?
― Vamos ao ponto mais alto de Paris.
― Uau, sério?
― Sim, quero que conheça a Sacré Coeur ou a Basílica do
Sagrado Coração.
Gosto de igrejas, apesar de não ser uma pessoa religiosa. Gosto
de ver suas construções, analisar suas formas, a história por trás de
cada pedra. Tenho certeza de que essa será emocionante.
Enquanto caminhamos, já consigo vê-la. Uma imponente
construção que só consegue me deixar ainda mais curiosa. No
caminho há inúmeras lojas, restaurantes charmosos, bancas
vendendo acessórios.
― Sabia que esse bairro abriga o famoso “Moulin Rouge"? ―
Ricardo pergunta, ao ver que estou calada, admirando cada coisa ao
meu redor.
Moulin Rouge foi um grande cabaré, construído em 1889. E isso
eu sei porque pesquisei algumas coisas antes de vir.
― Lá ainda funciona?
― Sim, tem alguns shows
― Você já foi? ― Sinto uma pontada de ciúme ao pensar em
Ricardo em um cabaré, apreciando belas mulheres quase nuas.
Ou nuas, vai saber.
Ele ri.
― Não, não fui.
― Hummm.
Ricardo solta a minha mão e me puxa de encontro ao seu corpo.
― Está com ciúme?
― Eu não! ― Quase grito e ele ri ainda mais. ― Ciúme de você?
Poupe-me!
Ricardo dá um beijo na minha bochecha e nós continuamos
nossa caminhada.
Ao chegar em uma ruazinha, ficamos de frente com uma
escadaria gigantesca, com muitas pessoas subindo por ela.
― Jura que vamos subir essas escadas?
Ricardo ri.
― Por que não?
Suspiro alto.
― Você é fitness. Eu não.
― Vamos de funicular, então.
Me reservo a não perguntar o que é isso, porque não quero
parecer idiota.
Ricardo me guia por outro caminho e então eu vejo o que é o tal
de “funicular”. Uma espécie de bondinho que vai subir o que eu teria
que deveria usando minhas perninhas.
Dou graças a Deus quando saímos do funicular bem de cara
com a igreja. O dia está lindo, apesar de frio e não acho que teria
ocasião melhor para apreciar essa vista.
Ricardo me puxa pela mão, animado, e tira o celular do bolso,
começando a me fotografar imediatamente. Faço algumas poses
sorridentes e ele parece se animar mais ainda.
Há um cara tocando violino e uma galera sentada nas escadas.
― Quer sentar um pouco?
― Ah, seria bom. Cansei um pouco, mesmo usando esse
funicular.
Ricardo ri mais uma vez.
― Sedentarismo tá complicado aí, hein.
Dou de ombros e nós nos sentamos na escada. Observo a
cidade de Paris logo abaixo de nós e é impossível não me emocionar.
Olho para Ricardo e ele também está absorto, perdido em
pensamentos enquanto olha para a frente. Analiso seu rosto, sua tez,
seus cabelos castanhos claros, seu nariz fino e reto, seus lábios bem
desenhados.
Nunca imaginei que estaria aqui. Nunca imaginei que estaria ao
lado dele. Nunca imaginei que eu sentiria essa vontade louca de
beijá-lo, até perder os sentidos.
Suspiro pesadamente porque não quero me sentir assim.
― Está feliz?
― Claro que estou. ― Sorrio e pego em sua mão. ― Isso é
muito mais do que eu poderia sonhar.
― Inclusive, estar comigo?
Não sei bem como responder a isso, mas balanço a cabeça
afirmativamente.
Ricardo levanta a mão e toca meu rosto com a ponta dos dedos
gélidos.
― Eu já sonhei em levá-la comigo, por vários lugares deste
mundo. Um sonho que parecia tão impossível... ― Ricardo desce o
olhar até meus lábios. ― Não imaginava que um dia isso seria
possível.
― Está falando sério? ― pergunto, porque ainda é difícil
acreditar em suas palavras.
― Como nunca estive antes.
Ricardo enfia a mão no bolso de sua jaqueta e me surpreende
ao estender a mão com uma caixinha de veludo vermelho.
Meu coração se acelera no mesmo instante ao pensar que
aquilo pode ser...
Não, não pode ser.
Ricardo abre a caixinha e me mostra um lindo anel prateado com
um diamante cravejado no meio.
Ele se levanta e depois se ajoelha à minha frente. As pessoas ao
nosso redor voltam a sua atenção para nós e eu sinto um misto de
vergonha e desespero.
― Mariana, sei que pode parecer cedo para você, mas acho que
já a esperei por muito tempo. Meus sentimentos por você são os mais
genuínos e não posso deixar de lado o desejo que tenho de
denominar o que sentimentos um pelo outro.
As pessoas começam a tirar fotos, mas minha atenção está nele.
Pelos céus.
― Sei que ainda não confia em mim completamente, mas não
quero que isso acabe quando entrarmos naquele avião. Não quero
passar as noites sonhando com seus lábios, sem poder te beijar. A
trouxe até aqui, no ponto mais alto desta cidade, aos pés dessa
igreja, para que saiba que o que sinto por você tem a magnitude
deste lugar, e para você saber que eu não mentiria com Jesus me
olhando tão de perto. ― Ele ri. ― Não quero imaginar como será
meus próximos dias, se você decidir não aceitar ao meu pedido.
Meus olhos estão cheios de lágrimas. Ricardo se levanta e se
aproxima um degrau.
― Mariana, você aceita ser minha namorada?
Olho ao redor e as pessoas aguardam atentas pela minha
resposta. É tudo tão rápido, tão cedo. Mas, mesmo assim, parece tão
certo.
Em poucos dias Ricardo arrancou de mim aquela tristeza, aquele
vazio que eu estava sentindo. Ricardo trouxe de volta o meu sorriso,
a minha vontade de experimentar pelo novo.
Fico em pé e me aproximo dele. Nossos corpos ficam a
centímetros de distância, enquanto encaro seus olhos repletos de
medo. Ele tem medo que eu recuse.
Mas não vou recusá-lo.
Não posso recusar um pedido tão sincero.
Coloco minha mão sobre a dele e respiro fundo.
― Não vou mentir que não sinto medo do futuro, Ricardo ―
abaixo o olhar ―, mas também não posso mentir dizendo que não
sinto nada por você. Que não sinto vontade de beijá-lo. Acredite,
também não quero que isso acabe quando entrarmos naquele avião.
Levanto o olhar e ele sorri.
― Mas... por favor. Não quebre a minha confiança. Não quebre
o meu coração.
― Eu jamais faria isso.
Sorrio e estendo a minha mão direita para ele. As pessoas
começam a aplaudir, enquanto Ricardo desliza o belo anel pelo meu
dedo. Quando ele termina, me pega no colo e gira comigo.
Nos beijamos com alegria, com amor.
E algo dentro de mim diz que estou no caminho certo.

Algumas horas depois, Ricardo e eu passeamos por outras


partes da cidade. Tomamos café em uma cafeteria charmosa em
alguma rua que não me lembro o nome. Depois percorremos a
Champs-Élysées, tiramos muitas fotos no Arco do Triunfo e, para
finalizar o nosso dia, pegamos um ônibus que nos deixou perto do
Jardim do Trocadéro, para vermos o show de luzes da Torre Eiffel às
dezoito horas.
Parecemos dois adolescentes apaixonados, mas essa sensação
é tão boa. Quando chegamos lá no alto, encontramos Vanessa,
Gustavo e Fernanda, que diz estar um pouco melhor.
Mas então, antes que eu diga alguma coisa, seu olhar bate em
meu dedo e ela arregala os olhos.
― Vocês estão namorando?
Vanessa puxa a minha mão antes que eu possa responder.
― Ahhhhh, que lindos! ― Ela dá um pulo e me agarra. ― Meu
Deus, estou tão feliz que agora você faz parte da minha família.
Abraço Vanessa e depois Gustavo me cumprimenta, desejando
toda a felicidade do mundo.
Quando Fernanda se aproxima, ela me dá um abraço frouxo.
― Ah, seja feliz, apesar de eu não botar muita fé no que Ricardo
diz.
Me seguro para não a mandar ao inferno.
― Ele foi sincero ― digo, quando ela se afasta e me encara.
― Que bom pra você, então. Mas se quer um conselho?
Mantenha os olhos beeem abertos.
Ricardo e os outros não ouvem, porque estão animados
conversando. Engulo em seco e balanço a cabeça.
― Vou manter, pode deixar.
Por que a felicidade alheia é algo que incomoda outras pessoas?
Talvez Fernanda quisesse algo a mais com Ricardo, mas ele não.
Olho para ele e sinto um pouco de felicidade ao saber que sou sua
namorada.
Na-mo-ra-da.
Com um pedido em Paris. Com direito a um anel de prata. Aos
pés de uma igreja icônica como a Basílica do Sagrado Coração.
É felicidade que não cabe em meu peito.
― Pegou tudo? ― Vanessa me pergunta, pela milésima vez.
Levanto o olhar do meu celular e resmungo:
― Peguei.
Vanessa anda pelo apartamento como se estivéssemos prestes
a nos deparar com um meteoro, tamanho o seu desespero.
― Não podemos esquecer nada! ― ela grita do corredor. ―
Fernanda! Sai logo do banheiro e vai terminar a sua mala!
Às vezes acho que Vanessa vai ser uma mãe muito chata.
― Que Deus ajude seus futuros filhos, Guga.
Gustavo, que está sentado na poltrona de frente à minha, abre
um sorrisinho.
― Você não viu nada, ainda.
Vanessa volta até a sala com as mãos na cintura.
― Onde diabos está o Ricardo?
― Ele foi ao mercado. Tem um aqui perto ― respondo, rolando
o feed do meu Instagram.
― Pelo visto, ele foi fabricar o que queria comprar, né ― ela
resmunga.
― Por que está nervosa? Não temos que estar no aeroporto
com duas horas de antecedência?
― Duas? ― Vanessa arregala os olhos. ― Nem pensar. Três
horas, no mínimo. Nunca me esquecerei do dia em que perdemos o
voo. Adivinhem por culpa de quem.
Gustavo tosse e ela o olha ameaçadoramente.
― Não adianta disfarçar. Você e Fernanda são os mais
enrolados daqui. A mala do Ricardo já está pronta?
Balanço a cabeça afirmativamente.
― Ótimo. Fernandaaaaa!
Vanessa volta pelo corredor, gritando igual uma louca e eu
decido abrir meu Facebook. Já faz um tempo que não entro nele,
porque me acostumei mais com a outra rede social.
Meu coração dispara ao ver o número de notificações. Inúmeras
mensagens. Curtidas nas minhas fotos. Mas algo me chama a
atenção. Vejo que Ricardo me marcou em algo.

“Ricardo Alencar está em um relacionamento sério com Mariana


Fernandes”

Own. Que fofo!


Meu coração se enche de orgulho ao ver que ele quer mesmo
que todos saibam que isso é sério.
Olho para a aliança em meu dedo e me encho de felicidade.
Deus, como as coisas podem mudar assim, tão de repente?
Há vários comentários e, principalmente, emojis da carinha
boquiaberta. Alguns comentam que não acreditam, outros desejam
felicidades.
Não quero nem ver como será quando chegarmos ao Brasil.
Então lá no final, há o comentário de Pedro, meu irmão:

“EU VOU CONTAR PRA MÃE.”

Miserávelzinho.
O comentário foi feito no que era madrugada no Brasil, então,
provavelmente, ele ainda está dormindo e minha mãe não sabe de
nada. Se soubesse, meu WhatsApp estaria cheio de mensagens dela.
A porta se abre e Ricardo volta com as mãos cheias de sacolas.
― Até que enfim! ― Vanessa pega algumas para ajudá-lo. ― Já
pegou todas as suas coisas? As malas já estão prontas?
― Nossa, já começou o desespero ― ele reclama. ― Já tá tudo
pronto, Van. Relaxa que ainda temos tempo.
Ela vai para a cozinha resmungando alguma coisa e Ricardo se
senta ao meu lado, me puxando de encontro ao seu corpo.
― Muitas pessoas horrorizadas? ― ele pergunta, ao observar
que estou ainda lendo os comentários.
― Muitas.
Ele ri e deposita um beijo em meu rosto.
― Que fiquem. Não me importo.
Ricardo e eu ficamos mais um tempo assim, juntinhos. Fernanda
sai do banheiro e Gustavo ajuda Vanessa a arrumar a mesa para
tomarmos café da manhã.
― A Mari podia ajudar... ― Fernanda resmunga, então ouço
Vanessa responder:
― Para de reclamar.
Finjo que não escutei e tento me levantar, mas Ricardo me puxa
de volta.
― Não liga pra ela. Tá assim porque eu nunca quis nada sério
com ela.
― Então vocês já ficaram, mesmo?
Ricardo respira fundo, talvez se amaldiçoando por ter tocado
nesse assunto.
― Sim. Ano passado.
― Hummm.
Não gosto da ideia de saber que Fernanda provou o mesmo que
eu. Mesmo que isso tenha sido ano passado.
Ricardo dá um beijo em meu rosto.
― Passado é passado. Vamos pensar no futuro.
Ele entrelaça nossos dedos e o sentimento ruim de antes vai
embora no mesmo instante. Ricardo está certo, temos que olhar para
a frente, deixar para trás o que passou e tentar construir um
relacionamento novo.
Vanessa e Fernanda terminam de arrumar a mesa e nos
chamam para tomar o café da manhã.
Comemos tentando não fazer muita bagunça, mas é impossível,
ainda mais com as piadas que Gustavo gosta de contar. Quando
terminamos, ajeitamos tudo rapidamente, porque o carro já está lá
embaixo para nos levar até ao aeroporto.
Antes de sair do apartamento, olho ao redor e tento não ficar
melancólica. Ricardo me espera na porta com um sorriso acalentador.
― Podemos voltar outras vezes.
― Você pode voltar ― retruco. ― Eu nem deveria estar aqui.
― Você é a minha namorada. Acha que para aonde eu for vou
deixá-la para trás?
Encaro Ricardo e suspiro pesadamente.
― Eu amei a viagem. Não sei nem como pagar por isso.
― Eu sei como posso cobrá-la.
Sua voz tem um tom malicioso.
― Ah, sabe?
― Sei... ― Ele sorri. ― Na minha cama.
― RICARDO! ― Minhas bochechas esquentam no mesmo
instante.
― Oh, casalzinho aí! ― Vanessa volta para nos buscar. ― Vão
ficar morando aqui? Porque, se forem, avisem logo. Estamos indo.
Balanço a cabeça negativamente.
Puxo minha mala e os sigo.

A viagem até o Brasil é tranquila e eu consigo dormir a maior


parte do tempo, claro, desta vez, sentada ao lado do Ricardo.
Acho que quando estamos juntos conseguimos controlar nosso
medo de avião.
Isso é um sinal de que juntos somos perfeitos?
Quando chegamos em Guarulhos, passamos pela polícia federal
e depois pegamos nossas malas. Na saída já tem dois carros nos
esperando.
― Amiga ― Vanessa se vira para mim, sua feição mostrando o
quanto está cansada ―, eu vou nesse carro com a Fer e o Guga e
você vai no outro com o Rick, tá bom?
― Claro, amiga. ― Sorrio e a abraço. ― Muito obrigada mesmo.
Você não sabe como foram especiais esses dias para mim.
― Não precisa agradecer. ― Vanessa se solta do abraço e me
olha. ― Você é minha cunhadinha e, se antes já éramos
inseparáveis, imagina agora?
Nós sorrimos uma para a outra e Gustavo já está no carro, com
Fernanda.
― Boraaaa, amor. Quero tomar um banho e descansar.
Chegamos bem cedo em São Paulo, o dia ainda está
amanhecendo. Uma calorosa manhã de 24 de dezembro.
― Vai lá. ― Sorrio.
Ricardo me puxa de encontro ao seu corpo, enquanto os
observamos irem embora.
― Tem certeza de que quer ir para a sua casa? ― Ricardo
pergunta. ― Pode descansar no apartamento que fico do meu pai, se
quiser.
― Ahh, estou com saudade da minha família ― respondo. Não é
mentira, estou mesmo. E tem o fato de que preciso explicar tudo o
que aconteceu nessa viagem.
― Tudo bem, então, vamos.
Ricardo cumprimenta o motorista que trouxe seu carro e eu entro
no banco de trás.
Durante o trajeto até a minha casa não consigo deixar de pensar
no que vou dizer para minha mãe.
“Mãe, nós nos apaixonamos.”
Não.
“Mãe, nós resolvemos trocar alguns beijos.”
Muito menos.
Droga.
Cerca de quarenta minutos depois, chegamos até o meu bairro.
Confesso que senti falta disso. É como dizem: viajar é bom... mas
voltar para casa, é melhor ainda.
Quando estacionamos em frente de casa, respiro fundo. Ok,
voltei para a realidade.
Como será o futuro de agora em diante?
Ricardo desce primeiro e abre a porta para mim. O motorista tira
as minhas malas e Ricardo é cavalheiro, me ajudando com elas.
Não é preciso que eu chame pela minha mãe, porque assim que
me viro, ela já está saindo de casa, toda animada.
― Ahhhhhh, vocês chegaram! Que alegriaaaaa! ― Ela está tão
feliz que mal consegue achar a chave do portão. ― Você disse o
horário que chegaria, mas eu acreditei que poderia atrasar.
Aeroportos são complicados, ainda mais na véspera de Natal.
Ela finalmente abre o portão e me puxa para um abraço de mãe.
Ok, senti falta disso também.
Minha mãe se separa de mim depois de um tempo e olha para
Ricardo, com expectativa.
― Vocês estão com uma carinha de cansados. Venham, acabei
de preparar o café.
Antes de qualquer coisa, ele interrompe a minha mãe:
― Eu... preciso falar com a senhora.
Minha mãe olha para mim e depois para ele. Será que Pedrinho
não contou nada?
― Mas não pode ser lá dentro? Também quero tomar café ― ela
diz e nós rimos.
― Claro que pode ser lá dentro, mãe.
Ela suspira aliviada e faço sinal para que Ricardo entre. Fecho o
portão e ele puxa as minhas malas.
Quando entramos na sala, já sinto o conforto da minha casinha e
o cheiro de café recém-feito. Não há sensação melhor.
― Venham, sentem-se aí.
Minha mãe vai até a pia e eu digo apenas com gestos para que
Ricardo se sente.
Mas ele não entende.
― Senhora Márcia ― ele chama.
― Senhora? ― Ela bufa. ― Pelo amor de Deus, menino. Me
chame apenas de Márcia.
Ricardo dá um sorrisinho.
― Ok... então, Márcia. ― Ele respira fundo e passa as mãos
pelos cabelos.
Minha mãe se vira para ele, esperando o que vai dizer.
― Eu... é... bem... ― ele gagueja. ― Mariana e eu descobrimos
nessa viagem que...
― Estamos namorando ― o corto, indo direto ao ponto.
Ricardo me encara, como se eu tivesse acabado de roubar seu
brinquedo favorito e eu dou de ombros. Gosto de ser prática.
― Você estragou o meu momento, Mari ― ele reclama.
― Você nem sabia o que ia falar pra ela.
― Mas eu tinha preparado um discurso e...
Então nos lembramos de que minha mãe ainda não disse uma
palavra sequer.
Ela está encostada na pia, com os braços cruzados. Seu olhar é
sério, mas de repente um sorriso se forma em seus lábios.
― O Pedro não te contou nada?
Minha mãe nega com a cabeça.
Não estou gostando desse silêncio todo. Será que ela odiou a
ideia?
― Mãe?
Ela nos encara.
― Ah, estou tão feliz por vocês. Eu sabia que isso aconteceria.
Eu vi como esse rapazinho te olhava no dia que veio aqui. Outras
vezes também, mas ele era mais contido.
Noto um leve rubor no rosto de Ricardo.
― É a minha benção que você quer?
Ricardo assente.
― Eu disse para a Mari que quero fazer do jeito certo. Com ela
não é só um passatempo.
Minha mãe sorri e se aproxima de nós.
― Vocês têm a minha benção. Só quero que sejam felizes, mas,
por favor, cuide bem da minha filha. Ela não merece sofrer o que
sofreu com aquele sujeito.
Ricardo assente mais uma vez.
― Eu jamais vou agir daquela maneira, tenha certeza disso.
― Ótimo! ― Mamãe sorri. ― Você gosta de café com leite ou
puro?

Depois que Ricardo toma café e come bastante, ele se levanta,


dizendo que precisa ir embora. Já estava tão acostumada com nosso
convívio nesses últimos dias, que dizer tchau dói um pouquinho.
― Fique pronta, vou passar aqui lá pelas 21h30 ― ele diz,
enquanto estamos abraçados na frente do portão.
― 21h30? ― pergunto. ― Por quê?
― Não achou que eu iria passar o Natal sozinho, não é?
Ahhhh o Natal. Céus, como pude me esquecer disso?
― Se eu disser que esqueci, você me chamaria de louca?
Ricardo ri e me dá um selinho.
― Você não é louca por esquecer o Natal. Talvez seja louca por
namorar comigo.
― Pode ser.
Ricardo arqueia as sobrancelhas.
― Mas é sério ― digo, atraindo sua atenção novamente. ― Não
posso passar o Natal com você e deixar a minha família.
― Acho nobre a sua atitude, mas não estou pedindo que deixe a
sua família ― ele explica. ― Quero todos vocês comigo, com a minha
família.
Olho para ele por alguns instantes e não consigo ainda acreditar
que esse é o mesmo Ricardo Alencar, que eu queria manter distância
por ser um verdadeiro galinha.
― O que me diz, hein?
― Claro, claro que sim. ― Sorrio. ― Nunca comemoramos
mesmo o Natal. Acredito que minha mãe ficará feliz.
― E eu ficarei feliz por vocês estarem comigo.
Ricardo abaixa o rosto um pouco e nos beijamos com carinho.
― Bem, agora vá descansar. ― Ele se afasta um pouco. ―
Preciso de você bem descansada esta noite.
Não consigo deixar de lado o tom malicioso em sua voz e dou
uma risadinha.
― Descanse também.
Ele dá um tchauzinho e fico parada no portão como uma
verdadeira idiota apaixonada.
Apaixonada? Eu disse isso mesmo?
Pois é... acho que é isso. Ricardo enlaçou meu coração de uma
maneira que não sei explicar. Só sei sentir.
Depois que ele se vai, fecho o portão e sinto o cansaço me
atingir. Preciso voltar à “vida real” agora.
Entro na sala e vou direto para as escadas, mas antes que eu
suba, minha mãe me chama.
― Sei que está cansada, mas acho que você precisa saber de
uma coisa.
Vejo preocupação em seu olhar.
― O que houve, mãe?
― O Marlon veio aqui ontem, atrás de você.
Só de ouvir seu nome, meu sangue já ferve.
― Mas o que aquele cretino queria?
Minha mãe dá de ombros.
― Fiz a mesma pergunta, mas ele disse que os assuntos dele
com você não me dizem respeito.
Passo as mãos pelo rosto, nervosa. Além de tudo, ainda é mal
educado com a minha mãe.
― O que você acha que ele quer? ― ela pergunta.
― Não sei. Deve estar sabendo do meu namoro com Ricardo e
ficou nervosinho. Mas acho que agora é um pouco tarde para isso.
Minha mãe suspira pesadamente.
― Deve ser. Vá descansar, querida. A viagem foi longa.
Balanço a cabeça afirmativamente e subo as escadas, sigo pelo
corredor e entro em meu quarto.
Penso em ligar para Marlon e falar algumas verdades, mas não.
Não quero estragar o meu dia com isso.
Minha vida estava muito perfeita até agora.
Não vai ser ele que vai estragar isso.
Acordo muitas horas depois e vejo que, realmente, dormi o dia
todo. Espreguiço-me logo depois de me sentar. Parece que um
caminhão passou por cima de mim, mas por outro lado, parece que
estou descansada.
Vai entender.
São 19h e ainda bem que tenho mais algum tempo para me
arrumar. Sempre vi Vanessa falando sobre as comemorações de
Natal da sua família, e sempre eram excepcionais. Algumas vezes fui
convidada, mas nunca tive coragem de deixar minha família sozinha,
então deixava para lá.
Preciso escolher minha roupa. Não posso fazer feio chegando lá,
vestida de qualquer maneira.
Ricardo também deve ter apagado, porque não tem nenhuma
mensagem no meu celular.
Já que ainda tenho algum tempo, é hora de ver como meu irmão
está. Levanto, abro a porta e vejo a porta do seu quarto entreaberta.
Só a luz da TV e o barulho dela já me dizem que lá está ele, naquele
bendito videogame.
― Hey, pirralho ― o chamo, assim que chego à porta.
Ele pausa o jogo e vira a cabeça para me encarar.
― Hey, pirralha.
Sorrio e vou até ele. Me sento ao seu lado e deposito um beijo
em sua cabeça.
― Sentiu a minha falta?
Ele volta ao jogo e dá de ombros.
― É mais fácil você ter sentido a minha.
Moleque ousado.
― E você não teve tempo para sentir saudade ― ele diz, ainda
encarando a TV. ― Eu acho legal você namorar com aquele cara,
apesar de ele ser bem forte e, quem sabe, irá esmagar você, quando
te abraçar.
Meu Deus! Pedro envelheceu quantos anos desde que fui viajar?
― Cadê o meu irmão fofinho que deixei quando fui viajar?
Ele ri.
― Estou brincando com você. Eu gostei mais desse seu
namorado do que do outro.
― Ah, que bom.
Sorrio, aliviada, ao perceber que minha família aprova Ricardo.
Para muitas pessoas isso não é importante, mas para mim é.
Marlon, no começo foi muito atencioso, mas depois mudou em
relação à minha família. Espero que Ricardo não seja assim.
Ele não é.
― Então, a mãe já te falou que ele virá nos buscar mais tarde?
― Falou, sim. Já até separou minha roupa.
― Ótimo.
Levanto e deixo meu irmão com esse pequeno vício chamado
Playstation.
Minha mãe está na cozinha, preparando um lanche.
― Já separou o que vai vestir? ― ela pergunta, assim que me
vê.
― Não, mas acho que já sei o que vou usar.

Estamos na sala no momento em que ouço a buzina do carro.


Meu irmão parece um pequeno lorde, vestindo um smoking e, minha
mãe, belíssima em um vestido vinho que vai até os joelhos.
Escolhi para mim um vestido azul escuro que também vai até os
joelhos, mas é trançado nas costas.
Minha mãe sai na frente e já abre o portão para Ricardo. Ele a
cumprimenta com um beijo no rosto, cumprimenta meu irmão,
dizendo que ele irá arrumar uma namorada esta noite e, quando me
vê, seus olhos ficam vidrados e um sorriso malicioso se apossa de
seu rosto.
― Você está linda! ― ele diz baixinho e meu rosto se acende no
mesmo instante.
― Obrigada. ― Reparo em suas roupas, um terno preto com a
camisa um pouco aberta. ― Você também não está nada mal.
Nada mal é apenas uma maneira de não dizer explicitamente o
quanto ele está lindo. Seria alimentar demais o ego dele.
Ricardo me dá um beijo e logo ouvimos minha mãe tossindo.
Demonstrações de afeto assim, na frente do meu irmão pequeno, é
algo que ela não curte muito.
― Ahn, desculpe. ― Ricardo se vira para ela. ― Vamos?
― Opa ― ela responde, animada.
Ricardo abre a porta traseira e minha mãe entra, acompanhada
do meu irmão. Eu vou na frente e, durante o trajeto, ele faz questão
de conversar com minha mãe sobre as coisas mais aleatórias do
mundo.
Ela pergunta a ele quais são seus planos futuros e fico um pouco
envergonhada, afinal, nem eu o questionei sobre isso. No entanto,
Ricardo não teme a pergunta e responde dizendo que, assim que
terminar a faculdade, deseja fazer um mochilão ao redor do mundo.
Minha mãe acha isso engraçado e pergunta sobre emprego.
Mas, acho que ela deve ter se esquecido de que Ricardo já é rico.
― Eu sou do tipo aventureiro ― ele diz.
Me apaixono um pouco mais por esse homem. Céus, não quero
me sentir assim, mas não há saída. O jeito com que ele fala com
minha mãe é muito fofo.
Depois de um tempo atravessando a cidade, chegamos até a
sua casa. Ricardo e Vanessa moram em um prédio luxuoso em uma
área nobre de São Paulo. Não é novidade que eles morem na
cobertura.
Quando chegamos ao apartamento, Vanessa é a primeira a nos
receber. Ela nos abraça e diz que está muito feliz por ter a nossa
presença em sua festa de Natal.
Neste momento, a senhora e o senhor Alencar se aproximam de
nós, com um sorriso que nunca vi em suas faces antes. Se bem que
quase nunca os vejo, porque sempre estão viajando.
― Mariana! ― A mãe de Ricardo me abraça. ― Estou tão feliz
por você ter conseguido amarrar esse menino ― diz ela, com tom de
censura. Ricardo revira levemente os olhos. ― Espero que sejam
muito felizes e... seja bem-vinda à família!
Abraço-a novamente, feliz pela recepção. O pai de Ricardo
também me abraça e deseja felicidades.
Minha mãe embala em uma conversa com os pais de Ricardo,
enquanto outras pessoas vêm nos cumprimentar.
Somos o assunto das festas de final de ano.
Que ironia, não é?
Fernanda também está na festa e vem me cumprimentar depois
de um tempo. Acho um pouco estranho o seu jeito, que mudou
completamente depois que comecei a me relacionar com Ricardo.
Seria inveja?
Não vejo sentido nisso. Não pedi para ficar com Ricardo, eu
sequer gostava de ficar perto dele. Foi ele que se aproximou. Foi ele
quem deu o primeiro passo.
― Cunhadinha, cunhadinha ― Vanessa cantarola, enquanto me
puxa pela mão e caminhamos para longe dos convidados, saindo
pelas portas de vidro e dando de cara com uma sacada gigantesca e
maravilhosa. ― Conseguiu descansar?
― Um pouco.
― Deveria ter aproveitado, meu irmão certamente não irá lhe dar
descanso.
Minhas bochechas esquentam e Vanessa se encosta no
parapeito, enquanto beberica uma taça de champanhe.
― Você sabe que diabos mordeu a Fernanda? ― pergunto, sem
conseguir deixar de lado esse sentimento ruim.
Vanessa revira levemente os olhos, igualzinho ao irmão.
― Você já deve saber que ela e Rick tiveram um rolo ano
passado. Mas ele não quis nada mais do que uma noite e depois que
ela viu que ele está amarradão em você, de verdade, ficou com
raivinha.
Respiro fundo. Um garçom de aproxima e eu pego uma taça
para mim.
― Acha que devo conversar com ela?
― Claro que não! ― Vanessa quase grita. ― Ela vai superar
isso. Tem alguns caras gatos atrás dela na faculdade. Ela não vai
morrer sem o Rick.
Assinto levemente e tomo um pouco de champanhe.
― Minha mãe disse que o Marlon foi me procurar ontem ― digo,
em voz baixa.
Vejo o olhar de Vanessa se tornar sério.
― É, eu sei.
― Como você sabe?
― Ele mandou uma mensagem para o Ricardo.
Arregalo os olhos.
― O que ele disse?
Vanessa faz uma careta.
― Mandou que ele se afastasse de você. Vê se pode uma coisa
dessas!
É nessas horas que se eu vejo Marlon na minha frente, não
hesitaria em quebrar esta taça de champanhe em sua cabeça.
― Não estou entendendo qual é a dele.
― Muito menos, eu.
― O que as senhoritas estão fazendo aqui, sozinhas? ―
Ricardo nos interrompe ao atravessar as portas de vidro.
― Tomando um ar e um champanhe ― Vanessa responde, com
um sorrisinho.
― Sei... ― Ele olha para mim e eu apenas sorrio.
― O dia hoje está tão gostoso, né.
― Vaza daqui, Vanessa ― ele a interrompe, sem dó nem
piedade.
Vanessa dá uma fungadinha, fingindo que está magoada e diz:
― Vou deixar o casalzinho.
Rio quando ela passa por ele e dá outra fungadinha.
Ricardo se aproxima de mim e me puxa para os seus braços.
― Senti a sua falta.
― Mas já? ― Finjo surpresa. ― Faz apenas algumas horas que
nos separamos.
Seus braços envolvem a minha cintura.
― Mas não queria que tivéssemos que nos separar.
― Ahh, isso é tão fofo, Ricardo.
Ele sorri e deposita um beijo em meus lábios.
― Você tem o dom de me fazer ser fofo.
― Sinto-me lisonjeada por ser a desbravadora do seu ser íntimo!
Nós rimos e nos beijamos novamente.
O momento é tão perfeito que me esqueço de onde estamos. Me
esqueço da conversa que tive com Vanessa, minutos antes, esqueço
as preocupações. Descubro, mais uma vez, que com Ricardo a vida
se torna mais interessante.
― Deixei sua mãe e seu irmão à vontade ― diz Ricardo. ― Eles
estavam um pouco envergonhados.
― Ah, claro, até eu ficaria se não conhecesse vocês.
― Mas ela conhece.
― Conhece de vista. Eu nunca a trouxe aqui. Aliás, só me
lembro de ter vindo aqui uma ou duas vezes, quando acompanhei
Vanessa para fazer alguma coisa que não me lembro.
Ainda estou nos braços de Ricardo, mas então nossa conversa é
interrompida quando ouvimos uma gritaria na parte de dentro do
apartamento.
― Saia daqui! ― Ouço Vanessa gritar.
Ricardo e eu saímos correndo para a frente, para saber o que
está acontecendo e, para a minha surpresa ou choque, ainda não sei
bem como definir, Marlon está no meio da sala, com a respiração
ofegante e os olhos cheios de ódio.
― Ah, então você está aqui! ― ele diz, mas direcionado a
Ricardo. ― Seu covarde!
Ricardo entra na minha frente, mas é tarde demais. Grito quando
vejo Marlon pulando em cima de Ricardo e deferindo-lhe um soco no
olho.
Ricardo não se intimida. Parte para cima e todos já estão
alvoroçados, sem saber o que fazer.
― PAREM COM ISSO! ― grito, desesperada. ― Marlon!
Os dois se pegam entre socos, empurrões e xingamentos de
baixo calão, até o momento que os seguranças do prédio adentram
pela porta principal e seguram Marlon.
― Eu disse pra você ficar longe dela ― Marlon diz. ― Você não
a merece!
Ricardo seca o canto do lábio ferido.
― E quem é você para me falar se a mereço ou não? Esqueceu
que quem é o traidor aqui é você?
Marlon tenta se desvencilhar dos seguranças, mas eles o
prendem bem forte.
― Você não é digno dela. Já contou para ela que...
― TIREM ESSE DESGRAÇADO DAQUI! ― Ricardo grita com
uma fúria que nunca vi antes.
Marlon começa a rir e eu já não sei mais o que fazer. Todos os
convidados olham para mim, porque sabem que essa briga é por
minha causa.
E então, Marlon vira o rosto para mim.
― Péssima escolha você fez, Mari. Esse cara aí não vale nem
uma moeda de 1 centavo.
Os seguranças arrastam Marlon para fora e eu corro para
Ricardo, para ver seus ferimentos.
Ele está nervoso, suas mãos tremem e eu não sei o que fazer.
Quero ajudá-lo, mas ele não deixa eu me aproximar. Sobe as
escadas e, provavelmente, irá se trancar em seu quarto.
Que ótimo Natal...
Por que eu tenho o presságio de que quando voltássemos ao
Brasil tudo ruiria?
Vanessa se aproxima de mim e segura meus ombros.
― Fica calma. Ele precisa de alguns minutos para se recompor.
Vem comigo.
Não posso fingir que nada aconteceu.
― Eu... eu já volto.
Antes que Vanessa diga alguma coisa, saio correndo para o
elevador. Ao chegar no térreo, corro até a saída e vejo Marlon saindo
do prédio.
― Marlon! ― grito. Ele para e olha para mim. ― Seu
desgraçado! ― Corro até ele e tento socar seu peito. ― Você
estragou o meu Natal! Você estragou a minha noite! Não bastava ter
metido os chifres na minha cabeça?
As lágrimas escorrem à medida que coloco tudo para fora. Não
há decoro, não há gentileza.
Quero matá-lo.
Marlon segura os meus pulsos e me encara.
― Me perdoa, Mari. Eu perdi a cabeça. Sei que é loucura, mas
você não tem ideia do quanto me arrependi do que fiz. Depois que
você foi viajar, eu senti como se a tivesse perdido.
― E VOCÊ PERDEU ― grito, com fúria. ― Você perdeu no dia
que resolveu me trair com aquela garota!
Marlon me solta e dá uns passos para trás.
― Eu aceito que a perdi, mas não aceito que seja para ele.
O quê?
― Que diabos você tem a ver com a minha vida? ― vocifero. ―
Com quem eu namoro ou não, não é problema seu!
Marlon suspira pesadamente.
― Não é problema meu, mas não posso deixar que ele brinque
com você.
Cerro os dentes.
― Você não conhece o Ricardo.
Ele ri com desânimo.
― Eu queria mesmo não conhecer. Mas, infelizmente, lembre-se
de que fui amigo dele por muitos anos. Lembre-se de que eu sei cada
um dos segredos desse hipócrita. Pergunta para ele sobre a
professora Luzia. Vamos ver se ele tem coragem de falar a verdade.
Marlon vira as costas e me deixa plantada no meio da calçada,
com o rosto em lágrimas.
O que ele quer dizer com isso? O que a professora Luzia tem a
ver com essa história? Será que Ricardo e ela...?
Ai, meu Deus.
Eu preciso saber a verdade.
Respiro fundo, volto para dentro, sabendo que a noite acabou.
Não há clima, não há alegria mais.
Quando chego ao apartamento, Pedro está me esperando perto
do elevador. Ele segura a minha mão e neste momento sei que tenho
o apoio das pessoas mais importantes: minha família.
A festa voltou ao normal, por incrível que pareça. Talvez essas
pessoas da alta sociedade sejam acostumadas com barracos. Vou
até minha mãe, que está conversando animadamente com um
senhor.
― Vamos?
Ela me olha assustada.
― Para onde?
― Embora, ué. Não vê que essa confusão começou por minha
causa?
Antes que minha mãe diga algo, Vanessa se aproxima e
cochicha em meu ouvido:
― Sobe lá. Terceira porta ao virar o corredor.
Meu coração se acelera um pouco.
Faço o que Vanessa diz. Subo as escadas e vou correndo até o
quarto. Preciso saber essa história da professora.
Dou umas batidinhas e a abro em seguida.
Ricardo está sentado na cama, iluminado apenas pela luz da
rua, afinal a janela está aberta.
― Me perdoa ― ele diz, levantando e vindo ao meu encontro.
Ricardo pega na minha mão e me leva até a sua cama.
― Me perdoa se fui grosseiro. Estava com raiva daquele imbecil
ter invadido a minha casa e estragado a nossa noite.
Suspiro pesadamente e as palavras de Marlon enchem a minha
mente.

“Eu queria mesmo não conhecer. Mas, infelizmente, lembre-se


de que fui amigo dele por muitos anos. Lembre-se de que eu sei cada
um dos segredos desse hipócrita. Pergunta para ele sobre a
professora Luzia. Vamos ver se ele tem coragem de falar a verdade.”
― Ricardo.
Ele me olha com expectativa. Sinto um aperto ao ver seu rosto
machucado.
― Tem alguma coisa que eu precise saber?
Ricardo me encara com a dúvida em seus olhos.
― O que ele te disse?
― Nada ― digo, frustrada. ― Disse apenas que sabe todos os
seus segredos. Por favor, Ricardo. Se tiver alguma coisa que eu
preciso saber, diga logo de uma vez. Eu não vou perdoá-lo se...
Ricardo se levanta e sinto seu corpo de encontro ao meu.
― Psiuu. Não há nada. Aquele imbecil está com raiva porque
estamos juntos.
Fecho os olhos e sinto os lábios de Ricardo percorrerem meu
pescoço.
― A noite ainda não está toda perdida ― ele sussurra em meu
ouvido e me estremeço em seus braços.
― Você está machucado.
― Não importa.
― Preciso cuidar de você.
― Você vai cuidar. ― Ele deposita um beijo demorado em meu
pescoço e com as mãos fortes segura a minha cintura. ― Mas
primeiro, eu quero fazê-la esquecer esse maldito incidente.
Ricardo vira meu corpo e seus lábios assaltam os meus em um
beijo feroz.
E assim todas as minhas dúvidas se vão.
Levadas como lembranças de um pequeno inconveniente.
Os dias passaram voando e janeiro chegou.
Ricardo e Mariana conseguiram, com bastante sucesso, enterrar
o incidente acontecido na noite de Natal. Não que Ricardo não
quisesse ir atrás de Marlon socar a sua cara, era óbvio que queria,
mas não podia.
Primeiro, porque prometeu à Mariana que ficaria longe de
confusão, afinal, não fora ele que invadira o apartamento de alguém,
armando todo aquele barraco e, segundo, porque Ricardo sabia
exatamente do que Marlon estava falando e não queria que aquela
história chegasse aos ouvidos de Mariana, mesmo que sua história
com a professora da universidade já tivesse se encerrado.
Fora na véspera de ano novo que ele a chamara até o
apartamento de seu pai. Ela foi toda animada, pensando que eles
teriam uma boa tarde de sexo, mas ao chegar lá, foi surpreendida
com uma face séria de um rapaz que nunca tinha falado com ela
naquele tom.
Um rapaz que agora denominava-se um homem de princípios.
“Estou apaixonado e estou namorando” foi o que ele disse
quando ela perguntou qual o motivo para que eles terminassem.
Ricardo achou engraçado ela usar o termo “terminar”, afinal,
nunca havia começado nada. Mas ele já deveria estar acostumado
com isso, não eram todas as mulheres que aceitavam apenas sexo.
A professora, engolindo seu orgulho, desejou que ele fosse feliz.
Ela seguiria seu caminho e pediu para que continuassem como antes,
ocultando as escapadas.
Ninguém precisava de um escândalo na universidade, ainda
mais ela, que havia conseguido aquele emprego por sorte, entre
milhares de outros profissionais até mais competentes.
Ricardo pediu que ela não se preocupasse. No que dependesse
dele, aquela história jamais sairia daquele apartamento.
Ela virou as costas, desceu pelo elevador e ao sair do prédio,
com lágrimas caindo de seus olhos, não prestou atenção no caminho
e bateu de frente com uma pessoa.
― Perdão ― ela diz, mas ao erguer o olhar se surpreende ao
ver uma de suas alunas.
― Professora? ― A jovem abre um pequeno sorriso. ― Oh, meu
Deus. Você estava chorando?
― Não, não... ― Ela passa as mãos pelo rosto, secando
rapidamente as lágrimas. ― Eu tenho... alergia.
― Ahn. Entendo.
A jovem olha para o prédio e sua cabeça rapidamente associa o
que estava acontecendo ali.
É óbvio que Ricardo havia terminado seu caso escroto com a
professorinha.
― Eu estava indo tomar um café, não gostaria de se juntar a
mim?
A professora olha para os lados, temendo que Ricardo saia do
prédio e a jovem os associem.
― Não sei...
― Vamos, por favor ― ela pede, docemente. ― Não vai
demorar. Olha, as pessoas nunca recusam um convite de Fernanda
Bittencourt.
Temendo que mais um segundo ali a entregasse, a professora
assente.
― Tudo bem, vamos.
No outro dia, de manhã, Fernanda foi se encontrar com Marlon,
em um restaurante em um bairro um pouco afastado de onde moram.
― Você está com uma cara péssima ― diz, assim que o homem
chegou e se sentou à sua frente.
― Olá para você também, Fernanda. Ao que devo a honra de ter
me chamado até aqui? ― pergunta, com tom de ironia.
Ela sorri presunçosamente.
― Achei que quisesse mostrar para a Mariana o segredinho
tenebroso do Ricardo.
Marlon olha para os lados.
― Quem te disse isso?
Fernanda ri.
― Ah, ninguém precisava dizer depois da ceninha que você
armou na casa dele, no Natal.
Marlon respira fundo e junta as suas mãos perto da boca.
― E por que você está interessada nisso?
Fernanda ri, enquanto adoça seu suco de laranja.
― Ah, não é nada de mais. Você sabe como eu gosto da Mari e
não acho justo o que Ricardo está fazendo. Acredito que ele terminou
o caso com a professorinha, mas quem garante que não vai começar
outro?
― Terminou?
― Sim.
Marlon pensa um pouco e respira fundo.
― Então, Mariana já deve saber. O Ricardo deve ter contado
para ela.
― Acho que não. ― Fernanda beberica um pouco do suco. ―
Ricardo sempre tentou ser bem cuidadoso, afinal, isso coloca o
emprego da professora em risco, né. Duvido que ele contou a
verdade.
― Isso é.
Fernanda suspira pesadamente.
― Mas eu não ligo para o emprego dela.
Marlon ergue uma sobrancelha.
― O que você quer dizer?
― Quero dizer que eu sei uma maneira de trazer esse assunto à
tona e fazer a Mariana enxergar que Ricardo Alencar não é o tipo de
homem para ela.
― E você quer a minha ajuda?
― Na verdade, não. Eu só quis te avisar para você ser o ombro
amigo, quando ela estiver chorando, arrasada ao ver a verdade.
Marlon assente.
― Por que você odeia tanto a Mariana?
― Não a odeio. Pelo amor de Deus. Estou tentando ser uma
amiga boa para ela.
― Sei...
Fernanda abre um sorriso.
― Então, nós temos nossos motivos para querer vê-los
separados. Agora que você está solteiro, pode voltar com ela. Ou
não. Fica a seu critério.
― E o que você vai fazer?
― Espere e verá. Só preciso de uma oportunidade. Apenas uma.

Três dias depois da conversa com Marlon, Fernanda decide


fazer uma visita aos Alencar.
Ainda não sabe como agir, mas tem consciência de que precisa
ser logo. A professorinha logo esquecerá Ricardo e o relacionamento
dele com Mariana só tende a ficar mais forte a cada dia.
Por volta das 10 horas da manhã, de uma segunda-feira
ensolarada, Vanessa a recebe. As duas amigas se cumprimentam e
se jogam no espaçoso estofado branco luxuoso que ocupa metade da
sala de estar.
― E os preparativos do casamento? ― Fernanda pergunta, após
comer uma bolachinha que a empregada havia servido.
― Uma loucura. ― Vanessa fecha os olhos. ― Já dei uma
pesquisada nos preços de salões de festa e estão um verdadeiro
absurdo.
― Ah, são caros mesmo.
Uma conversa sobre casamentos se inicia, mas logo é
interrompida por Ricardo, que desceu as escadas elegantemente.
Usando uma calça jeans escura e camisa de gola V branca.
Está cheiroso. Uma verdadeira perdição.
― Eu adoro essas bolachas! ― diz ele, ao ver a bandeja em
cima da mesinha de centro. ― Se as senhoritas...
― Ahhh, senta aqui, maninho ― Vanessa o chama. ― Fala pra
Fer quanto o Vicente disse que é o aluguel daquele salão que a
Joana casou ano passado.
Ricardo senta do outro lado do sofá, de frente para elas e coloca
seu celular ao lado da bandeja, enquanto pega algumas bolachas.
― Cem mil.
Fernanda quase se engasga.
― Tem ouro naquela merda?
― Provavelmente. ― Ricardo ri. ― Ele é bem espaçoso, é claro.
― É pra gente rico. ― Vanessa bufa. ― Sou rica, mas não vou
gastar o suado dinheirinho do meu pai com isso.
Eles ficam ali por um tempo conversando sobre coisas
aleatórias, que Ricardo até se esquece do ranço que havia
recentemente adquirido por Fernanda, desde que ela fez pouco caso
de seu namoro com Mariana.
No entanto, enquanto conversam, a mente de Fernanda não
para de trabalhar um só segundo.
― Você estava de saída? ― Vanessa pergunta, ao ver que seu
irmão não para de olhar para o celular.
― Ah, sim. Preciso resolver umas coisas com o apartamento do
papai. Ele quer vender e pediu para que eu resolva isso.
― É bom mesmo, vender aquele apartamento ― Vanessa
resmunga. ― Aquilo não passava de um prostíbulo.
― O que disse?
― Nada, não. ― Ela sorri.
Eles então são interrompidos quando o corretor e, amigo de
Ricardo, entra na sala, após ser recebido pela empregada.
― E aí, Eduardo! ― Ricardo se levanta, animado, e
cumprimenta seu amigo.
― Eduardo? ― Vanessa também se levanta. ― Nossa, como
você emagreceu!
Os dois estão tão animados com a presença do corretor ali, que
deixam Fernanda de lado. Ela, por sua vez, observa o aparelho em
cima da mesinha e abre um sorriso maquiavélico.
É a oportunidade perfeita.
Com agilidade, pega o aparelho celular e o esconde em sua
bolsa.
― Ah, mas vocês já vão? ― Vanessa resmunga. ― O Eduardo
nem comeu as bolachinhas ainda...
― Nós vamos tomar um café no caminho ― Eduardo responde.
― Estou com um pouco de pressa. Ainda tenho que ir em outro
cliente.
Ela assente.
― Vamos, Ricardo?
― Ah, vamos sim. Claro. ― Ele olha para trás, com a sensação
de que está esquecendo algo, mas apenas vê o sorrisinho de
Fernanda. ― Tchau, Fer.
Ela balança a mão.
― Até mais.
Alguns minutos depois que Ricardo se foi, ela dá uma desculpa
qualquer e vai até o banheiro. Entra no WhatsApp de Ricardo e quase
vomita ao ver Mariana como o primeiro contato cheio de
coraçõezinhos escrito “Amor”.
Procura o da professora e o encontra.
Ah, Ricardo. Como você é besta.
Digita rapidamente uma mensagem pedindo que ela vá até o
apartamento. Que quer vê-la. Que está arrependido.
Digita uma outra mensagem, desta vez, para Mariana.
Agora precisa esperar e torcer para que o encontro dê certo.
Se der...
O circo vai pegar fogo e ela espera que os bombeiros estejam
em greve.
Saio do banho com a toalha enrolada no corpo e no cabelo,
porque acordei tarde, afinal, como de costume, fiquei até de
madrugada conversando com Ricardo pelo celular.
E, falando nele, há uma mensagem não lida.

“Quero te ver. Estou com saudade. Pode me encontrar o mais rápido


possível no apartamento do meu pai?”

Estranho.
Ricardo não me disse que iria para lá logo cedo. Mas como
estou com muita saudade, é claro que eu vou.
Digito uma mensagem dizendo que vou demorar um pouco.
Ainda mais para atravessar a cidade.
Ele responde dizendo que não tem problema.
Só percebo que esqueci meu celular em casa quando estamos
em uma cafeteria que eu adoro, perto do apartamento do meu pai.
Agora não há nem pretensão para ir buscá-lo.
― Então, seu pai quer mesmo vender aquele apartamento? ―
Eduardo pergunta, enquanto adoça seu café.
― Quer e eu também quero.
― Fiquei sabendo que você está namorando. É verdade?
Ele me encara, como se isso fosse um verdadeiro milagre.
― É sim. Vai, pode dizer que o mundo vai acabar, que isso é um
milagre e essas bobeiras que todo mundo diz.
Eduardo ri alto.
― Não vou dizer isso, meu amigo. Mas fico feliz em saber que
você finalmente entrou nos trilhos. Quem é a mocinha que conseguiu
essa façanha?
― Acho que você não vai se lembrar dela. É amiga da Vanessa.
Mariana.
Eduardo pensa um pouco.
― De nome, não lembro.
― Pois é.
― Então, a vida de gandaia acabou?
― Acabou ― digo, sentindo orgulho de mim mesmo. ― Ela é
uma pessoa incrível, não posso pisar na bola com ela.
― Olha só, tá apaixonadinho mesmo, hein!
Nós rimos e continuamos uma conversa sobre relacionamentos
e outras coisas sobre a vida de Eduardo.
Algum tempo depois, nós saímos da cafeteria e andamos até o
prédio. Quero que Eduardo tome conta disso, afinal, meu pai já disse
que o dinheiro que conseguir desse apartamento, poderei comprar
outro para quando Mariana e eu nos casarmos.
Casamento.
Quem diria que eu iria pensar logo nisso?
Mas é claro que vou pensar. Agora que consegui finalmente ficar
com ela, não quero perdê-la. Mariana encheu a minha vida de um
sentimento tão bom, que não posso nem pensar em perder.
Subimos pelo elevador e Eduardo já gosta do que vê logo de
cara.
― Vamos conseguir um preço bom por isso aqui.
― Ah, sempre cuidamos muito bem. E a área aqui é ótima.
Abro a porta para Eduardo e, então, meu coração quase para ao
ver a mulher sentada no sofá.
― Mas... ― As palavras somem da minha boca.
― Eu posso esperar lá embaixo, se você quiser ― Eduardo diz,
com aquele sorrisinho de “você nunca vai mudar”
Ai, meu Deus do céu. O que vou dizer agora?
― Não, digo... ― respiro fundo ―... espera um pouco lá
embaixo, por favor.
Eduardo vira as costas e se vai.
Olho para a mulher e não consigo esconder a minha frustração.
E, diabos, eu sequer lembrava que tinha dado uma chave para ela!
― O que você quer aqui? ― pergunto, rispidamente.
― Como você pergunta o que eu quero? ― Ela se levanta e vem
até mim. ― Achei que quisesse me ver.
Seguro seus braços antes que eles me toquem.
― Está ficando louca?
― Não minta para mim, Ricardo! ― ela grita. ― Você mandou
eu vir aqui. Disse que estava arrependido e que precisava me ver!
Antes que eu possa formular uma resposta, ouço uma voz atrás
de mim, chamando meu nome.
― Ricardo?
Luzia olha para a porta e meu coração congela no mesmo
instante. Viro a tempo de ver o olhar incrédulo de Mariana, que olha
de mim para a nossa professora.
― Ai, meu Deus. ― Ela leva as mãos à boca, os olhos
arregalados. ― Então era verdade?
― Mariana, não é isso... ― Dou um passo até ela, mas ela dá
dois para trás.
― Como não é? ― ela pergunta, parecendo que acabou de
levar um choque. ― Marlon tinha razão. Você e ela... ai, meu Deus.
Mariana vira as costas e sai correndo, antes que eu tenha a
chance de me explicar.
Luzia também está em choque, mas o seu medo é de que
Mariana faça um escândalo, certamente.
― Vai atrás dela, Ricardo! ― ela grita. ― Se essa menina falar
alguma coisa, minha carreira estará acabada!!!
Maldição.
― Eu não sei o que aconteceu, mas eu não te mandei
mensagem alguma. Eu sequer estou com meu celular aqui.
Luzia dá alguns passos para trás e eu saio rapidamente. O medo
de perder Mariana quer me sufocar, mas não posso pensar nisso
agora.
Isso tudo foi um mal-entendido e a vida está sendo muito sacana
comigo para me colocar em uma situação dessas. Eu tenho que me
explicar com ela.
Quando chego ao térreo, Eduardo está ao celular. Ele faz um
sinal para mim, mas balanço a mão para que ele espere. Vou até a
calçada e vejo Mariana caminhando rapidamente.
― Mariana, espera!!! ― Corro até ela e consigo puxá-la pelo
braço.
Ela vira para mim e seus olhos estão vermelhos. Seu rosto está
repleto de lágrimas.
― Você me enganou. Eu sabia. Eu sabia que não deveria
confiar em você.
― Não é isso! ― digo, desesperado. ― Eu não sei o que
aconteceu...
― Ricardo! ― ela grita, puxando seu braço de volta. ― Vai
mentir para mim, dizendo que não tem nada com a nossa professora?
― ela diz a última palavra como se estivesse pensando se deveria
mesmo pronunciá-la.
― Eu já tive. Mas não tenho mais!
― Então o que ela estava fazendo no seu apartamento?
― Eu... eu não sei!
Ela balança a cabeça negativamente, dá alguns passos para
trás.
― Resposta errada, Ricardo. Você é igualzinho ao Marlon. Só
pensam em nos usar e depois nos descartam. Me esquece!
Mariana vira as costas e sai correndo.
Passo as mãos pelos cabelos e a minha vontade é de socar o
primeiro infeliz que aparecer na minha frente.
Que inferno eu fiz para merecer isso? Certamente estou
pagando pelos meus pecados.
Ai, coração. Como você pôde ser tão tolo?
Entro no vagão do metrô e deixo as lágrimas descerem de uma
só vez. Eu sabia que isso poderia acontecer, afinal, Ricardo Alencar é
Ricardo Alencar. Eu só pensei que, pela primeira vez, ele poderia agir
com sinceridade.
Idiota!
Bastou alguns dias sem nos vermos, ele já correu para o
primeiro rabo de saia. Bem, vai saber se ela foi a primeira...
Nunca pensei que meu status de corna fosse ser levado a sério.
Será que isso é uma maldição? Será que preciso procurar uma igreja
para um exorcismo?
Não é possível!
Ricardo brincou comigo e eu caí. Acreditei naquelas palavras
doces, naquele pedido lindo aos pés da igreja. Acreditei que ele
realmente me amava.
Ah, mas ele não resistiu aos encantos da professora. Pelos
céus, a nossa professora!
Tento esconder ao máximo as lágrimas que insistem em cair,
mas as pessoas ao meu redor já notaram. Uma senhora se senta ao
meu lado e começa a me falar palavras doces.
Abro a porta com força, despejando a fúria que há em meu peito.
Não acredito que um maldito mal-entendido vai destruir o que levei
tempo para construir.
― Senhor Ricardo! ― Berenice, nossa empregada, me olha,
assustada.
― Onde está Vanessa?
― No quarto dela ― ela responde, temerosa.
Subo as escadas de dois em dois degraus. Sigo pelo corredor e
abro a porta de uma só vez.
― Hey!!! ― Vanessa grita. ― Não te ensinaram a bater antes de
entrar?
― Não estou para brincadeiras, Van. Cadê aquela sua amiga
desgraçada?
Vanessa me encara, como se eu fosse um extraterrestre.
― O quê???
Respiro fundo e fecho a porta. Me aproximo da cama.
― Só pode ter sido ela!
― Me explica o que está acontecendo! ― Vanessa se senta na
cama e eu ando de um lado para o outro.
― Quando cheguei ao apartamento, a Luzia estava lá. ― Olho
para ela e minha irmã ainda está sem entender.
― Mas você não deu um fora nela?
― Dei. Claro que dei. Mas quando cheguei com Eduardo, ela
estava lá me esperando, dizendo que eu havia mandado uma
mensagem, querendo uma reconciliação. ― Me sento na cama e
esfrego meu rosto, com frustração. ― Como se isso fosse possível e
como se tivéssemos um futuro.
Vanessa fica em silêncio.
― Nossa, Ricardo, você é muito idiota mesmo. Por que deu as
chaves do apartamento para ela?
Ignoro a pergunta porque nem sei onde eu estava com a cabeça
para fazer isso.
― Mariana chegou e a viu lá. É claro que as coisas que Marlon
disse no Natal fizeram sentido e ela juntou as peças. Agora acha que
eu a traí. Ou que já traía e continuei traindo.
― Ai, meu Deus.
Enfio meu rosto entre as mãos, sem saber o que fazer. Aliás, eu
sei exatamente.
― Mas como isso aconteceu?
― Eu esqueci meu celular em casa. Você o viu?
― Sim... ele está em cima da mesa de centro na sala. Eu ia
deixar no seu quarto, mas esqueci.
Neste momento, Vanessa para de falar e arregala os olhos. Até
parece que eu ouvi algo estalando em seu cérebro.
― Você disse que ela recebeu uma mensagem que você queria
vê-la?
Balanço a cabeça afirmativamente.
― E como Mariana chegou lá? Vocês tinham combinado algo?
― Não. Também queria saber como ela chegou lá.
― Você não comentou que iria para lá?
― Não. O único que sabia que eu estava indo para lá era o
Eduardo, que foi comigo e você.
― E Fernanda ― ela diz, acabando de confirmar o que
pressentia.
Nós suspiramos pesadamente.
― Espera um pouco.
Vanessa pula da cama e sai correndo do quarto. Alguns minutos
depois, ela volta, afobada, com meu celular em mãos.
― Vai, procura aí se tem mesmo essas mensagens.
Abro o aplicativo e elas realmente estão lá. Me amaldiçoo mil
vezes por não ter apagado o número da professora, mas agora, é
tarde demais.
― Essas mensagens foram enviadas logo depois que eu saí
com Eduardo ― digo, olhando a hora.
― Sim. Eu me lembro de ela ter ido ao banheiro. Desgraçada,
não achei que pudesse fazer algo assim.
Deixo o celular de lado e respiro fundo. O que diabos eu vou
fazer agora?
― Eu posso conversar com a Mari ― Vanessa se oferece.
― Ela vai pensar que você está tentando me defender. Preciso
arrumar um jeito de fazer a Fernanda confessar o que fez.
― Você tem um álibi. Eduardo estava ao seu lado o tempo todo
e ele pode confirmar que você saiu sem celular.
― Não sei. Mariana pode achar que... ah, você conhece a sua
amiga. Ela, provavelmente, não vai ouvir uma palavra do que eu
disser.
Vanessa coloca uma mão em meu ombro e suspira.
― Se acalme. Nós vamos resolver isso.
O que Fernanda não contava era que antes de considerar sua
amizade, Vanessa priorizava seu irmão. E, nesses casos, quando a
felicidade de Ricardo estava em jogo, ela se tornava uma fera.
Quando o porteiro avisou que Vanessa estava lá, querendo vê-
la, Fernanda sequer imaginou que a amiga já sabia de tudo.
E então, quando a campainha do apartamento tocou e a porta foi
aberta, Fernanda percebeu que estava encrencada. A julgar pela
feição de sua amiga.
Mas, então, Ricardo entrou na frente de Vanessa e cruzou os
braços, mantendo sua expressão séria.
― Ri...Ricardo? ― A alegria que Fernanda estampava, esvai-se.
― O que vocês estão fazendo aqui? Aconteceu alguma coisa?
É claro que eles sabiam o que ela tinha feito, mas não esperava
que fosse descoberta tão rápido.
Ricardo coça o queixo.
― Aconteceu, sim. Mas... podemos entrar? ― Ele olha para
dentro. ― Não gostaria de conversar conosco na porta, não é?
Fernanda abre um sorrisinho sem graça.
― Claro que não. Entrem.
Vanessa e Ricardo entram assim que ela dá espaço. Quando ela
fecha a porta, Ricardo se aproxima de um vaso de flores caríssimo e
o joga no chão.
― Não! ― ela grita, mas é tarde demais. ― Ai, meu Deus... esse
vaso é muito caro! Meu pai vai me matar.
― Nossaaaaa, desculpa. ― Ricardo finge remorso. ― Hoje
estou tão desastrado.
Os Bittencourt são família que se orgulham de suas coleções de
artigos antigos adquiridos em viagens ao exterior.
Artigos, muitas vezes, caríssimos.
Do outro lado, Vanessa derruba uma escultura de gesso.
― Nossa! Também estou, acredita?
Fernanda arregala os olhos.
― Parem! ― grita, o desespero tomando conta de seu ser. ― O
que vocês querem???
Vanessa e Ricardo se olham, como se ambos fossem do FBI.
3
Ou quem sabe, Bonnie e Clyde , prontos para cometerem o maior
dos crimes.
― Só queremos que você confesse que enviou mensagens com
o celular do Ricardo. Mensagens essas, que o prejudicaram... e
muito.
Ah, então seu plano funcionou.
Na realidade, Fernanda não esperava que desse certo, mas já
que deu, deixaria que eles pensassem o que quisessem.
― Vocês estão loucos. Eu jamais faria algo assim!
Ricardo se aproxima de outro vaso e ameaça empurrá-lo.
― Eu vou chamar os seguranças! ― Fernanda rosna. ― Não
podem invadir a minha casa e sair quebrando tudo, com acusações
infundadas.
Vanessa respira fundo e se senta no extenso sofá branco.
― Não são acusações infundadas. Só havia você em casa e
meu querido e, idiota, irmão, esqueceu o celular onde você poderia
alcançar com suas patas. Desculpa, Fer, mas eu também acho que
foi você.
Fernanda passa a andar de um lado para o outro, nervosa.
― Não fui eu! E eu, por acaso, tenho culpa se você fica
mantendo encontros com a professora da universidade?
Ricardo cruza os braços. Vanessa também.
E Fernanda, então, percebe que falou demais.
Pelos céus, como é burra!
― Digo, digo... ― Tenta remendar. ― Não sei o que aconteceu,
mas...
― Cala essa boca, sua vadia. ― Vanessa se levanta do sofá e
parte para cima dela, puxando-a pelos cabelos. ― Vamos dar uma
voltinha. Você precisa consertar essa merda toda.
Fernanda grita, esperneia, mas é tarde demais.
Quem disse que sairia ilesa ao mexer com um Alencar?
Vanessa me surpreende a cada instante.
Quando ela disse que resolveríamos essa situação, não imaginei
seu plano mirabolante. Os pais de Fernanda prezam muito sua
coleção de esculturas e vasos que eles trazem de suas viagens para
a Índia, Egito... países exóticos.
É claro que me deu uma dor no coração ter que destruí-los. Mas,
antes aqueles vasos quebrados, do que meu coração.
Eu não sei o que faria sem a minha irmã...
E é claro que antes de irmos para a casa de Mariana, Fernanda
abriu o jogo e disse que estava enciumada, por isso agiu dessa
maneira. Espero que Mariana acredite e não pense que manipulamos
Fernanda para dizer tal coisa.
Liguei para Eduardo também, afinal, ele é prova de que esqueci
meu maldito celular em casa e ele se dispôs no mesmo instante a ir
conosco e me ajudar, provando que estou dizendo a verdade.
Assim que chegamos em frente à casa da Mariana, meu coração
se afunda, porque sei que ela não irá querer me ouvir. Mas eu preciso
tentar, não posso deixar um mal-entendido destruir a nossa vida.
― Não sei o que você viu nela... ― Fernanda resmunga, na
parte de trás.
― Cala a boca ― Vanessa retruca, olhando-a pelo retrovisor. ―
Não é da sua conta se meu irmão gosta dela ou não. Você precisa
aprender a respeitar o relacionamento dos outros.
Fernanda cruza os braços, emburrada.
Essa cena seria cômica, se não fosse trágica. Fernanda está
agindo como uma criança mimada.
― Sua mãe deveria ter lhe dado uns bons tapas quando era
criança ― Vanessa diz.
― Esperem aqui ― digo, retirando o cinto e saindo do carro.
Fecho a porta e me aproximo do portão. A casa está silenciosa,
mas imagino a tempestade de fúria no peito de Mariana.
Respiro fundo.
Que Deus me ajude.
Bato palmas algumas vezes e logo ouço um: “já vai” de dona
Márcia. Minhas mãos estão tremendo e minha respiração está
irregular.
Então, é isso que é o medo de perder alguém que se ama?
― Ai, meu Deus ― a mãe dela diz assim, que sai na porta. ― O
que você quer aqui?
Então ela já sabe.
Seguro o portão com as duas mãos.
― Por favor, preciso falar com a Mariana...
― Ela não quer te ver! ― Márcia se aproxima. Está furiosa. ― É
melhor você ir embora. Eu te falei que...
― Foi tudo um mal-entendido! ― Balanço a cabeça. ― Por
favor. Eu trouxe as pessoas que vão poder provar que estou falando
a verdade.
Márcia vacila um pouco.
― Sei que é difícil acreditar no que estou dizendo, mas eu
jamais trairia a sua filha. Eu a amo e o que aconteceu foi tudo uma
armação da Fernanda, que eu achei que era nossa amiga.
― Olha... ― Ela respira fundo. ― Ela está dormindo. Chorou
muito desde que chegou e pediu que se você viesse, era para
mandá-lo embora.
Encaro a mãe dela por alguns instantes e meu olhar suplicante
parece mexer com ela.
― Não gosto de me meter nessas coisas, mas acho que vocês
precisam mesmo conversar.
Márcia pega a chave em seu avental e abre o portão para mim.
Dou sinal para minha irmã e ela sai do carro, acompanhada por
Eduardo. Fernanda reluta um pouco, mas Vanessa sussurra algo
para ela que a faz descer no mesmo instante.
A mãe de Mariana abre espaço para nós entrarmos e logo fecha
o portão.
― Esperem aqui na sala, vou chamá-la.
― Não seria melhor se eu fosse lá? ― Vanessa se coloca na
frente. ― Sabe como é, né. Eu sou amiga dela e posso convencê-la a
ouvir meu irmão.
Márcia nos olha por alguns instantes e depois suspira.
― Tudo bem, vai lá.
Vanessa abre um sorriso animado e sobe as escadas
imediatamente. Fernanda e Eduardo se sentam no sofá e eu fico
andando de um lado para o outro, impaciente.
Será que ela irá me ouvir?

Acordo com algumas batidas frenéticas na minha porta. Não sei


que horas são, apenas sei que minha cabeça dói bastante. Talvez
tenha sido pelas lágrimas que derramei durante toda a tarde.
― Esperaaa! ― grito, assim que ouço a quarta sequência de
batidas.
Me levanto e vou até a porta. Abro-a e tento fechá-la novamente,
assim que vejo quem é.
― Não fecha essa merda! ― Vanessa luta comigo, com seu
corpo empurrando para abri-la.
― Vá embora! Você veio aqui defender aquele imbecil do seu
irmão!
― Não vim! Eu juro! ― Vanessa choraminga e eu paro de
empurrar a porta.
Eu sei que ela não irá embora enquanto não disser o que veio
para dizer.
― Mari, minha amiga... ― Ela me puxa para seus braços. ― Eu
soube de tudo. Mas não vim aqui para defender meu irmão.
― Então, veio para o quê? ― Me afasto e vou em direção à
cama. ― Era tudo verdade o que o Marlon disse. Eu fui idiota. Uma
burra que acreditou que Ricardo Alencar queria algo sério comigo.
Vanessa se senta na cama.
― Amiga, eu sei que você vai achar isso estranho, mas foi tudo
um mal-entendido!
― Você disse que não veio aqui para defender aquele cretino!
― Ela não veio para me defender. ― Ouço a voz masculina e
meus olhos se direcionam à porta.
Ricardo mantém a feição séria e dá um passo para dentro do
quarto.
― O que você está fazendo aqui? ― Levanto, furiosa. ― Eu
acho que deixei claro para minha mãe que não queria você aqui!
Ricardo abre a boca para dizer algo, mas atrás de si, surge
Fernanda, acompanhada por um outro homem que não conheço.
Aliás, conheço. Ele estava esperando por Ricardo no apartamento.
― Não foi culpa dele, Mari ― Fernanda diz, sem me encarar nos
olhos. ― Fui eu que armei para vocês dois. Não pensei que daria
certo, mas deu, pelo visto.
Oi?
O choque dessas palavras me fazem dar alguns passos para
trás, como se eu tivesse levado um tapa.
― Eu posso confirmar, Mariana ― o homem estranho diz. ― Eu
estava com Ricardo desde cedo e em nenhum momento ele enviou
mensagem para ninguém. Ele tinha esquecido o celular em casa.
― Mas...
― Que horas você recebeu a mensagem? ― Vanessa pergunta.
― Era umas dez e pouco.
― Esse horário eu já tinha saído com Eduardo ― Ricardo diz,
depois de alguns minutos em silêncio.
― Mas isso não faz sentido. Por que você está dizendo que
armou para nós, Fernanda?
Ela me encara pela primeira vez e eu vejo a mesma frieza que vi
em Paris.
― Porque eu não estava nem um pouco feliz por ele estar tão
cego por você. Tem ideia de quantas vezes eu tentei fazer algo, para
que ele me quisesse para um namoro sério?
As palavras somem da minha boca e... meu Deus.
― Eu já estava pensando em fazer outra coisa, mas aí Ricardo
esqueceu o celular bem perto de mim. Uma boa oportunidade para
fazer você ver quem ele realmente é.
― Cala essa boca, Fernanda ― Vanessa ralha.
Me sento na cama, olhando para o nada. Esses acontecimentos
ainda estão embaralhados na minha cabeça.
Mas eu vi a professora lá.
― Vocês podem me deixar conversar com ela? ― Ricardo pede.
Não tenho forças para pedir que eles saiam.
Um tempo depois, Ricardo se abaixa e eu encaro seus olhos.
― Não vou mentir, dizendo que nunca tive nada com a
professora. Já tive, mas terminei, assim que assumi algo sério com
você. Você conhece o meu passado e não há como mudá-lo, mas
preciso que acredite em mim. ― Ricardo segura a minha mão. ― Eu
jamais quis magoá-la. Estaria louco se convidasse você para ir até o
apartamento, sabendo que ela estaria lá.
― Ela poderia ter ido sem você chamar...
Ricardo suspira.
― Eu sei que é difícil acreditar em um cara como eu. ― Ele se
levanta. ― Trouxe aqui as pessoas que podem confirmar que eu não
fiz nada. Eduardo foi comigo até lá. Ele é meu corretor, estamos
vendendo o apartamento... mas, vou deixá-la a sós. Depois do que
Marlon fez, sei que será difícil você acreditar em mim.
Fico em silêncio e quando Ricardo sai do quarto, derramo as
lágrimas novamente. Quero confiar nele, mas seu passado me
assusta. Marlon, que nunca foi assim, me traiu, o que eu posso
esperar de Ricardo?
Por outro lado, sei que isso pode ter sido mesmo um mal-
entendido. Desde a viagem, Fernanda começou a agir de maneira
estranha, como se não aprovasse nosso relacionamento.
Não sei o que fazer...
O pior de tudo é que sei que estou apaixonada por esse idiota.
Sei que já não consigo mais esquecê-lo. Sei que não quero viver
longe de seus braços.
A verdade é que não flagrei Ricardo fazendo nada de mais. Com
Marlon foi diferente, eu o peguei aos beijos e abraços com uma das
meninas da faculdade.
Preciso agir como uma garota madura. Não sou mais aquela
menininha que Marlon destruiu. Eu sou uma mulher forte, decidida. É
por isso que não posso abrir mão do que sinto por Ricardo, por uma
imbecil que não aceitou ver a nossa felicidade.
Seco meus olhos, me levanto, arrumo a minha postura e vou
atrás deles.
Quando desço as escadas, eles já estão no quintal.
― Ricardo! Espera.
Ele se vira lentamente.
― Você sabe o quanto eu fui machucada. Mas te dei uma
chance quando aceitei namorar com você. ― Ele balança a cabeça
minimamente. ― Não posso esperar perfeição, mas só te peço uma
coisa: se algum dia eu não for o bastante, por favor, seja sincero e
diga que acabou.
Ricardo me encara com seus olhos intensos.
― Quando eu te disse que mudei, foi porque realmente mudei.
Não posso mudar o meu passado, mas posso construir um novo
futuro e eu já disse que esse futuro eu quero construí-lo ao seu lado.
Então, como se ele tivesse um imã, corro para os seus braços e
nossos lábios se unem em um beijo que mistura saudade, tensão,
desejo, raiva, frustração. Tudo em um só.
― Vocês poderiam, ao menos, fazer isso em outro lugar. ―
Ouço a voz da pessoa mais improvável e nos separamos no mesmo
instante.
― Pedro! ― digo, constrangida.
Ele sorri, com seu jeitinho nerd.
― Eu te disse que ele era um cara legal.
Algumas semanas depois voltamos ao normal com nossas aulas
na faculdade. Como eu já esperava, algumas garotas tentaram se
aproximar de Ricardo, com segundas intenções, mas ele sempre as
afastava.
Confesso que não foi fácil lidar com isso, pois eu ficava um
pouco angustiada ao pensar que Ricardo podia fazer o mesmo que
Marlon.
A professora que mantinha um caso com Ricardo pediu
demissão antes das aulas começarem. Isso foi bom. Foi ótimo. Uma
fase que deixamos no passado.
Marlon...
Soube por algumas pessoas que ele saiu da faculdade. Acho
que eu estava tão feliz com minha nova vida, que sequer percebi que
ele não estava mais indo às aulas. Disseram que ele foi para os
Estados Unidos estudar por lá.
Apesar de tudo o que ele fez comigo, nunca desejei o seu mal.
Acredito que “tudo o que plantamos, colhemos”.
Então, para ele, só desejo o melhor.
Fernanda Bittencourt se afastou de todos nós. Pudera, depois do
que ela fez, eu jamais iria querê-la por perto. Vanessa fez o mesmo,
cortando a amizade.
E por falar em Vanessa...
Seu casamento foi o mais lindo que já vi na vida. Depois de
procurar inúmeros salões, Vanessa e Gustavo escolheram outro
cenário para sua união: a praia.
Achamos loucura, afinal, Vanessa se casou em época de frio,
mas, por incrível que pareça, o clima foi favorável e eles se casaram
em um lindo final de tarde ensolarado.
Ah, Brasil e seu clima complicado...
O tempo passou tão rápido que só consegui assimilar que hoje
completo um ano de namoro ao colocar os pés aqui novamente.
Esta cidade tão linda, onde tudo começou.
― Acho que vou chamar um bombeiro. ― Ricardo me abraça
por trás e eu inalo seu perfume amadeirado.
― Por quê?
― Está saindo fumacinha da sua cabeça. ― Ele ri. ― No que
está pensando?
Sorrio, me viro para ele e de costas para a Torre. Apoio minhas
mãos em seu peito.
― Ah, tantas coisas... ― Suspiro. ― E, principalmente, como é
engraçado que o tempo passou tão rápido e hoje já completamos um
ano de namoro.
Os olhos de Ricardo brilham de satisfação.
― Tem razão. ― Ele sorri. ― O tempo passa rápido. Mas isso é
bom, é sinal de que estamos felizes.
― Isso é.
Ricardo abaixa o rosto e me dá um beijo leve, mas cheio de
significados.
É final de tarde, mas apesar do frio, o dia está lindo com o sol se
pondo através dos prédios de Paris.
Chegamos hoje, mas Ricardo insistiu que viéssemos até o
Trocadéro, porque queria ver a Torre. Como se ele já não a tivesse
visto várias vezes.
― Por que estamos aqui? ― pergunto. ― Não quer dar uma
volta lá embaixo?
Ricardo tira o celular do bolso e dá um suspiro alto.
― Ahn... melhor esperarmos aqui. Só alguns minutos.
― Esperar o quê?
Quando ele abre a boca para responder, ouço um grito alucinado
atrás de Ricardo, chamando meu nome. Olho por sobre seu ombro e
não acredito no que vejo.
Vanessa, Gustavo, Pedro e nossos pais se aproximam, todos
juntos.
É isso mesmo?
Será que estou tendo uma visão?
― Surpresa! ― Ricardo se afasta um pouco, com um sorriso nos
lábios.
Minha mãe e Pedro são os primeiros a me abraçar. Depois
abraço meus sogros, Gustavo e, por fim, Vanessa.
― Ai, meu Deus! ― digo, emocionada. ― O que estão fazendo
aqui?
― Ahhh, não acha que perderíamos esse momento tão especial,
né?! ― Vanessa diz, mas quando Ricardo a fulmina com o olhar, ela
tapa a boca, como se tivesse dito algo errado. ― Desculpa.
Olho para Ricardo, desconfiada.
― Do que a sua irmã está falando?
― Que droga de língua grande que essa garota tem ― Ricardo
reclama e nós rimos.
Ricardo enfia a mão no bolso de sua jaqueta e tira uma caixinha
de veludo vermelho. Meu coração se acelera e eu já nem sei o que
fazer quando ele se ajoelha à minha frente.
Meu mundo fica em câmera lenta quando ele abre a caixinha e
revela um lindo anel dourado com uma pedra preciosa.
É sério, mesmo?
― Mariana Castilho Fernandes ― ele começa a falar e o frio que
eu sentia antes, se transformou em calor. Céus! ― Não sou tão
romântico quanto Gustavo foi com a Vanessa, mas acho que não há
um lugar melhor para fazer isso do que aqui, onde tudo começou,
quando fiz aquela proposta que sabemos aonde nos levou.
Meus olhos se enchem de lágrimas e um filme começa a se
passar na minha mente, enquanto me lembro do que aconteceu há
um ano.
― Não quero esperar terminar a faculdade para fazer isso. Não
quero esperar para ter você pelo resto da minha vida. Acredito que já
lhe dei provas de que sou um bom rapaz e que vou tratá-la como
minha rainha.
Ele diz a última frase em tom de brincadeira e é impossível não
rir.
― Você é um bom rapaz ― digo, emocionada.
Ricardo se levanta e seus olhos encaram os meus.
― Então, tenho uma nova proposta para você: aceita se casar
comigo e passar o resto da vida aguentando este pobre e
enlouquecido apaixonado?
Há pessoas ao nosso redor tirando fotos e filmando o pedido de
Ricardo, mas isso não importa. O que importa é vê-lo assim, tão
sincero, tão fofo.
Sei que é cedo... estamos namorando há apenas 1 ano.
Mas quem disse que para um casamento é necessário muitos
anos de namoro, se eu tenho certeza de que o quero por toda a
minha vida?
― É claro que aceito, Ricardo!
Ele suspira, aliviado.
― Ufa, fiquei com medo de ser rejeitado.
Nós rimos e Ricardo pega o anel da caixinha, se aproximando
mais ainda.
― Eu amo você, Mariana Fernandes ― ele diz, enquanto desliza
o anel em meu dedo.
― E eu amo você, Ricardo Alencar.
Fim.
Olá, querido(a) leitor(a). Tudo bem?
Espero que você tenha gostado dessa novela literária. Escrevi
“Apaixonado por ela” na tentativa de escrever algo leve, romântico,
que me fizesse dar algumas risadas e que me levasse de volta a essa
cidade linda, que é Paris.
E então esse foi o resultado.
Que tal entrar no site da Amazon e deixar uma avaliação?
Gostaria muito de saber a sua opinião :)
Vamos incentivar a literatura nacional!
Com amor,
Olívia Molinari.
Nascida e criada em Jacareí, interior do Estado de São Paulo, Olívia
é casada e mamãe de um gato laranja. Também é designer e
estudante de Jornalismo. Desde criança sempre foi apaixonada por
livros, gastando horas dentro da biblioteca da escola. Aos quinze
anos começou a escrever fanfics que conquistaram leitoras em sites
como Nyah! Fanfiction. Sempre gostou de criar personagens
femininas fortes, que apesar de seus conflitos interiores, lutam pelos
seus sonhos. Acredita que os livros transformam as pessoas.

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Minha chefe me odeia – Parte I
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“Edward Smith saiu de Londres para tentar a sorte em Nova York,


longe da pressão de sua família. Com uma nova identidade, ele
estava pronto para ser mais um cidadão comum, em uma grande
cidade. Mesmo com a dificuldade para encontrar emprego, é
surpreendido por um anúncio inusitado: uma vaga de assistente
pessoal da herdeira de um grande império.
Elizabeth Adams não é o tipo de mulher que ele está acostumado. Ela
é fria, arrogante e exigente. Noiva de um sujeito mau caráter, que não
está disposto a abrir mão de seu relacionamento.
Todos lhe dizem que não passará do primeiro mês. Entretanto,
Edward é persistente e não se deixa intimidar pelo olhar frio de sua
chefe. Aos poucos, eles se aproximam e a relação entre Chefe e
Funcionário pode se transformar na melhor experiência de suas
vidas.”
Meu sócio me odeia – Parte II
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“Edward Smith cometeu o grave erro de se apaixonar por sua chefe,


além de esconder sua verdadeira identidade. Edward James Phillips,
seu verdadeiro nome, é um membro da extensa família Real
Britânica. Alguns meses se passam até que uma reunião em Londres
pode mudar o destino de ambos. Juntos, terão que lutar para deixar
de lado o orgulho, as diferenças e mágoas. Aprendendo que para um
relacionamento dar certo, a verdade tem que estar acima de tudo e
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Será que 30 dias serão suficientes para resgatar a confiança antes
que Elizabeth se transforme na senhora Sanders?
Que comece a contagem regressiva...”
Uma rockstar em minha vida
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“Lauren Stewart sonha com o dia em que será uma estrela do Rock.
A convite de sua melhor amiga, Jessica, ela parte para a Califórnia
em busca de novas oportunidades que poderão colocá-la no caminho
do sucesso. Porém, Lauren não contava que um acidente de trânsito
mudaria sua vida, ao colocar Bruce Hastings em seu caminho.
Bruce é um empresário, apaixonado por sua única filha, mas que
carrega consigo um passado terrível e cheio de mágoas. Entretanto,
suas convicções serão colocadas em jogo quando conhecer a rebelde
Lauren, que não abaixará a cabeça mediante as suas “regras”.
Lauren e Bruce são completamente diferentes, mas, aos poucos, vão
perceber que aquela famosa lei de que “os opostos se atraem” faz
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“Alice Kaufmann teve a sorte de encontrar um pretendente na sua


primeira temporada em Londres. Lucius Oldenberg era tudo o que ela
sonhava: bonito, inteligente, herdeiro de um Condado e parecia
realmente amá-la.
Tudo era perfeito até que uma desilusão a pega desprevenida. Alice,
em seu momento de desespero sofre um acidente que resulta na
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Machucada e desacreditada do amor, Alice é enviada para ser dama
de companhia de Evelyn Thompson, irmã mais nova do Duque de
Hatfield, um homem conhecido por ser misterioso e arrogante.
Phillip e Alice tentam encontrar um no outro forças para sobreviver e
conquistar aquilo que é necessário: Curar as feridas do passado.
Entretanto, o Duque esconde um terrível segredo que pode colocar a
vida da jovem em perigo.
Agora, Alice terá que decidir: entregar-se a um novo amor ou manter
sua vida a salvo e longe de problemas.”
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“Após uma série de acontecimentos que quase destruíram sua


família, Charles Thompson resolve sair de Londres e viajar pelo
mundo, em busca de novas experiências para fazê-lo esquecer o
passado.
Obrigado a carregar o segredo de sua família, sabe que sua vida
sempre será um mar de confusões. Mortes, sangue e desejo são
apenas alguns detalhes que ficam marcados por onde ele passa.
Cansado da vida que leva, ele parte em sua última aventura: uma
temporada em um reino conhecido por suas festas e belas mulheres.
Um prato cheio de diversão, antes de retornar para casa.
No entanto, ao chegar no lugar, se depara com uma situação
incomum. A jovem e linda princesa, Susanna Von Waldstein, deseja a
sua ajuda para escapar de um casamento arranjado com o chefe do
exército de seu pai e seu irmão por consideração.
Charles sabe que pode ajudá-la, afinal, suas habilidades como
vampiro o fazem se destacar, tornando-o melhor do que vários
homens do Exército do Rei. Entretanto, as coisas podem não sair
como o planejado.
Ele tem apenas duas escolhas: ajudar a princesa e levantar um
exército contra si ou deixar que a moça sofra nas mãos de seu algoz.
O problema começa quando ele percebe que já não é capaz de
escolher a segunda opção...”
Notas

[←1]
Quando você passa – Sandy & Junior
[←2]
Aquela História – Banda Strike
[←3]
Bonnie Elizabeth Parker e Clyde Chestnut Barrow foram um casal de
criminosos americanos que viajavam pela região central dos Estados Unidos
da América com sua gangue durante a Grande Depressão, roubando e
matando pessoas quando encurralados ou confrontados. Wikipédia

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