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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS

FACULDADE DE DIREITO

ERRO MÉDICO: sob a ótica do Direito Civil Constitucional

MARCIO TAUIL DE CARVALHO QUEIROZ

RIO DE JANEIRO
2013
MARCIO TAUIL DE CARVALHO QUEIROZ

ERRO MÉDICO: sob a ótica do Direito Civil Constitucional

Trabalho de conclusão de curso apresentado à


Faculdade de Direito da Universidade Federal do
Rio de Janeiro como requisito parcial para
obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Fabiano Soares Gomes ­ Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e


Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

RIO DE JANEIRO
2013
MARCIO TAUIL DE CARVALHO QUEIROZ

TÍTULO DO TRABALHO: ERRO MÉDICO: sob a ótica do Direito Civil Constitucional.

Trabalho de conclusão de curso apresentado à


Faculdade de Direito da Universidade Federal do
Rio de Janeiro como requisito parcial para
obtenção do título de Bacharel em Direito.

Data de aprovação: ____/ ____/ _____

Banca Examinadora:

________________________________________________
Presidente da Banca Examinadora
Prof. Fabiano Soares Gomes ­ Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Orientador

________________________________________________
2º Examinador (Título de Mestre ou Doutor)
Prof. _______________________________________________________

________________________________________________
3º Examinador
Prof. _______________________________________________________
Ao meu professor de direito administrativo e
amigo virtual Matheus Carvalho.
A meu Prof. Nelson Massini, pelos conselhos sempre úteis e precisos com que,
sabiamente, orientou­me na escolha do tema deste trabalho.
"O relativismo não passa de uma grande moda da contemporaneidade, que iguala tudo
e todos. É por isso que estamos vivendo também uma grande crise de criatividades."

Émilien Vilas Boas Reis


RESUMO

Erro médico​
QUEIROZ, M. T. C. ​ : sob a ótica do direito civil constitucional. 2013. 85 f.
Monografia (Graduação em Direito) – UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE
JANEIRO, Rio de Janeiro, 2013.

Este trabalho avaliou o erro médico, conceituando­o e avaliando sua aplicação jurisprudencial
pelo TJRJ. Na análise, percebeu­se uma erosão dos filtros de reparação civil como: culpa, nexo
causal, conduta, figurando o dano como único fator de responsabilização na análise da
responsabilidade em um dos casos. Este trabalho sugere um ​
iter para a avaliação do erro
médico. Avalia­se a existência do dano. Em caso de mau resultado, analisa­se a conduta do
médico de forma retrospectiva e conjectural, de acordo com todos os dados colhidos. Se a
conduta for tida como má conduta, caracteriza­se o erro médico. Analisa­se se a conduta teve
justificativa razoável de acordo com os conhecimentos fáticos do médico no momento de sua
decisão. Se razoável, não há culpa, caso contrário, sim. Os erros médicos culposos geram os
danos como ressarcíveis, pois o interesse lesivo não justifica o interesse lesado (saúde do
paciente). Os erros não culposos geram danos não ressarcíveis, pois o interesse lesado (saúde
do paciente) não pode se sobrepor ao interesse lesivo: a dignidade do médico (acesso ao
mercado de trabalho e ética de suas condutas), da relação médico­paciente (acesso à relação
médico­paciente e confiança), e à finalidade de todas estas dignidades de caráter plurilateral,
qual seja: a promoção da saúde.

Palavras­Chave: Erro Médico, Dano Ressarcível, Responsabilidade Civil, Dignidade Humana,


Dignidade das relações humanas, Técnica do Sopesamento de Direitos.
ABSTRACT

QUEIROZ, M. T. C. ​ Erro médico​ : sob a ótica do direito civil constitucional. 2013. 85 f.


Monografia (Graduação em Direito) – UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO, Rio
de Janeiro, 2013.

This study evaluated the medical error, conceptualising and evaluating the application
of jurisprudence by TJRJ. In the analysis, we perceived an erosion of reparations filters
of responsability: guilt, causation, conduct, figuring the damage as the sole factor in the
iter ​
analysis of accountability in one case. This work suggests one ​ for the evaluation of
medical error. We analyze the existence of damage. In case of bad results, we analyze
the medical treatment retrospectively and conjecturaly, according to all data available. If
the conduct is regarded as misconduct, characterized medical error. Examines whether
the conduct was reasonable justificated according to the factual knowledge of the
physician at the time of his decision. If reasonable, there is no guilty, otherwise yes.
Guilty Medical errors generate ressarcible damage because the lesive interest does not
justify damaging the interests injured (patient health). Non guilty medical erros do not
generate ressarcible damages because the injured interest (patient health) can not
override the interest lesive interest: the dignity of the physician (access to the labor
market and its ethical conduct), the dignity of the physician­patient relationship (access
to the doctor­patient relationship and confidence), and the finality of all these dignities
plurilateraly analised, namely, the promotion of health.

Keywords: Medical Error, compensatable Damage, Liability, Human Dignity, Dignity of


Human Relations, Weigh of Rights Technic
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
1­ UNIVERSIDADES
UFRJ ­ Universidade Federal do Rio de Janeiro
USP ­ Universidade de São Paulo
2­ TRIBUNAIS
STF ­ Supremo Tribunal Federal
STJ ­ Superior Tribunal de Justiça
TJRJ ­ Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
3­ ÓRGÃOS, ASSOCIAÇÕES E FUNDAÇÕES
CFM ­ Conselho Federal de Medicina
CREMESC ­ Conselho Estadual de Medicina de Santa Catarina
SUS ­ sistema único de saúde
4­ LEGISLAÇÃO
CC/16 ­ Código civil de 1916
CC/02 ­ Código Civil de 2002
CDC ­ Código de Defesa do Consumidor
CPC ­ Código de Processo Civil
CRFB ­ Constituição da República Federativa Brasileira
Art ­ artigo

LISTA DE SÍMBOLOS
§ ­ parágrafo
% ­ porcentagem
SUMÁRIO

1​
INTRODUÇÃO 13
1.1 ​
O novo direito civil
16
1.2​
A pessoalização das relações humanas 25
1.3 ​
Eficácia horizontal dos direitos fundamentais 26
1.4 ​
Ponderação de princípios 27
1.5​
Análise final 28
2​
ERRO MÉDICO: CONSTRUÇÃO DOUTRINÁRIA 31
2.1​
Definição semântica de erro 31
2.2​
Conceito de erro no Direito Penal
32
2.2.1 ​
Erro de tipo 33
2.2.1.1 ​
Erro de tipo essencial 34
2.2.1.2 ​
Erro de tipo acidental 35
2.2.1.2.1 Erro de tipo acidental acerca do objeto 35
2.2.1.2.2 Erro de tipo acidental acerca da pessoa 35
2.2.1.2.3 Erro de execução 36
​berratio criminis
2.2.1.2.4 Erro em relação ao bem jurídico protegido: a 37
​berratio causae
2.2.1.2.5 Erro sobre o nexo causal: a 38
2.2.2 ​
Erro de proibição 38
2.2.3 ​
Conclusão sobre o conceito de erro no direito penal 39
2.3 ​
Conceito de erro no Direito Civil 40
2.3.1 ​
Erro como defeito do negócio jurídico 40
2.4​
Conceito de erro médico
44
2.4.1 ​
Iatrogenia 45
2.4.2 ​
Mau resultado 45
2.4.3 ​
A complicação 47
2.4.4 ​
O efeito colateral 48
2.4.5 ​
A história natural da doença 49
2.4.6 ​
Erro médico 49
2.4.6.1 ​
O ato médico 50
2.4.6.1.1 Formação do ato médico 53
2.4.6.2 ​
O conhecimento médico 54
2.4.6.2.1 O conhecimento fático no caso concreto 56
2.4.6.2.2 Análise da imperícia médica 58
2.4.6.3 ​
Definição de boa conduta 58
2.4.7 ​
O dano decorrente do erro médico 65
2.4.7.1 ​
Erro médico evitável ou inevitável 65
2.4.7.2 ​
Tipos de dano 67
2.4.8 ​
O erro médico em relação à culpa 72
2.4.9 ​
O erro médico em relação ao dolo 73
2.5​
Erro médico e responsabilidade 73
2.5.1 ​
A "faute" no sistema de responsabilização Francês
73
2.5.2 ​
O "Trust", instituto do Direito Anglo­Saxão 75
2.5.3 ​
A responsabilidade no Direito Brasileiro 77
2.5.3.1 ​
Responsabilidade civil subjetiva 77
2.5.3.1.1 O artigo 14 do CDC e as intervenções estéticas 78
2.5.3.2 ​
A responsabilidade objetiva 83
2.5.3.3 ​
Os atores na relação médico­paciente e suas responsabilidades 86
2.6 ​
Conceito de dignidade humana 87
2.6.1 ​
Erro médico e dignidade humana 93
3​
ANÁLISE DE CINCO ACÓRDÃOS DO TJ/RJ SOBRE O TEMA 97
3.1​
Cirurgia negada por motivos exclusivamente administrativos 97
3.2 ​
Responsabilidades subjetiva e objetiva nos procedimentos estéticos 98
3.3 Imprudência e negligência em atos médicos sucessivos em setor de emergências 99
3.4 ​
Falha dos quesitos e erosão dos filtros da reparação 101
3.5​
Perda de uma chance de defesa 106
4​
CONCLUSÃO
109

1​
INTRODUÇÃO

Neste trabalho referir­se­á ao profissional médico apenas para facilitar a escrita,


aplicando­se os resultados e conclusões deste estudo a toda atividade que envolva diagnóstico
e tratamento de pessoas humanas, como, por exemplo, a odontologia.
O erro médico, a princípio, indica um defeito no serviço prestado pelo profissional, o
qual não consegue resolver o problema que aflige o paciente, vindo até mesmo a agravá­lo. Os
médicos não são operadores do Direito, desconhecendo este ramo do conhecimento estranho
às suas práticas cotidianas como se depreende das resoluções de seus conselhos
profissionais:

Vivemos em um estado democrático de direito obediente aos preceitos


constitucionais, em primeiro lugar, e aos demais dispositivos legais que seguem
a hierarquia clássica da Pirâmide de Kelsen, que é definida como 1) Constituição
Federal; 2) Leis complementares; 3) Leis ordinárias; 4) Decretos e Súmulas e 5)
Portarias e outras peças de legislação. (Exposição de Motivos da resolução
CFM nº 1.897/09)

Entretanto, o manual de orientação ética disciplinar do CREMESC (Conselho Estadual


de Medicina de Santa Catarina) assim define o erro médico:

[...] a falha do médico no exercício da profissão. É o mau resultado ou resultado


adverso decorrente da ação ou da omissão do médico, por inobservância de
conduta técnica, estando o profissional no pleno exercício de suas faculdades
mentais. Excluem­se as limitações impostas pela própria natureza da doença,
bem como as lesões produzidas deliberadamente pelo médico para tratar um
mal maior. Observa­se que todos os casos de erro médico julgados nos
Conselhos de Medicina ou na Justiça, em que o médico foi condenado, o foi por
erro culposo, sem​​
intenção deliberada de cometê­lo.
O erro médico pode ocorrer como manifestação de uma conduta culposa do
médico, caracterizada pela imperícia, imprudência e negligência:
a) Imperícia é decorrente da falta de cumprimento de normas técnicas, por
despreparo prático (não aquisição de habilidades) ou por insuficiência de
conhecimentos. Considerar um médico imperito é discutível, tratando­se de um
profissional longamente treinado nas escolas médicas (internato) e nos
programas de treinamento em serviço (residências médicas), com, em total, no
mínimo de oito até um máximo de onze anos de estudos e práticas. A premissa
de “imperito”, não sendo aceita, torna­se uma circunstância agravante.
b) Imprudência é a inobservância das precauções necessárias, quando o médico
assume riscos para o paciente sem respaldo científico para seu procedimento;
c) Negligência é a falta de cuidado ou de zelo. Ocorre com frequência nos
hospitais do governo, onde o doente é um mero matriculado na instituição e não
uma pessoa doente ou paciente que necessita de cuidados individualizados e
merecedor de um bom relacionamento médico­paciente­família.
A imprudência com a negligência frequentemente se associam: induzir uma
anestesia sem ter à mão uma fonte de oxigênio e uma cânula para intubação
traqueal!
2 ­ Falha Técnica: esta depende da competência e da dedicação do médico mas
também da resposta do paciente que pode falhar, agravada por doença ou
situação desconhecida.
3 ­ Erro doloso: é aquele cometido voluntariamente, sendo inadmissível que um
médico o venha a cometer. Trata­se pois de um crime!
4 ­ Erro diagnóstico: o diagnóstico para ser exato deve ser genérico, pois são
desconhecidas as causas de cerca de 25% das doenças conhecidas.
5 ­ Erro de conduta: o médico não pode errar a conduta (imperícia!). Esta deve
ser ajustada a cada momento, seguindo a evolução clínica (diagnóstica ou
terapêutica) e de acordo com as respostas a cada momento. ​ Tudo deve ser
corrigido passo a passo, em tempo real, para que o desvio seja o menor
possível e o retorno ao caminho certo seja mais fácil, rápido e com as menores
sequelas​ .
6 ­ Erro deliberado: é aquele realizado para tratar mal maior.
7 ­ Erro profissional: a Justiça assim considera aquele decorrente de falha não
imputável ao médico, e que depende das naturais limitações da Medicina que
não possibilitam sempre e com certeza o estabelecimento de um diagnóstico
exato. A omissão de dados e informações pelo paciente também contribuem
para
este tipo de erro médico.
8 ­ Erro técnico: se refere a erro do médico procedente de falhas estruturais,
quando os meios (falta de equipamentos) ou as condições de trabalho na
instituição por ocasião do atendimento médico são insuficientes ou ineficazes
para uma resposta satisfatória. São comuns as falhas dos esfigmomanômetros,
das autoclaves, dos aparelhos de raios­X, dos aparelhos de anestesia, dos
aparelhos para ventilação mecânica, das ambulâncias, nas condições de higiene
propiciando a infecção hospitalar etc., e até mesmo a inexistência do próprio
leito para o paciente, fato lamentavelmente comum [...] (grifo nosso). (2013, p.
110 ​ et seq.)​

verbis:​
O professor Genival Veloso de França também define o erro médico, ​
[...] Em primeiro lugar, é necessário distinguir o erro médico do ​ acidente
imprevisível​e do ​
mal incontrolável.
O erro médico, quase sempre por culpa, é uma forma atípica e
inadequada de conduta profissional que supõe uma inobservância técnica,
capaz de produzir um dano à vida ou à saúde do paciente. É o dano que possa
ser caracterizado como imperícia, imprudência ou negligência do médico, no
exercício regular de suas atividades profissionais. Devem ser levados em conta
as condições do atendimento, a necessidade da ação e ou meios empregados.
(2012, p. 547)

O CFM (Conselho Federal de Medicina) utiliza a definição de erro médico do Conselho


de Santa Catarina, a qual define o erro médico como a falha que determina o mau resultado
alcançado, definindo logo após esta falha como derivada da inobservância técnica,
classificando­a como ato ilícito. Interpretando esta definição, conclui­se que o médico só falha
quando age com imperícia, imprudência ou negligência, cometendo o erro médico sempre
atrelado à culpa. Neste mesmo sentido a definição do professor França G. V. Há algo de errado
neste entendimento, pois é de sabença que, na responsabilidade civil clássica, necessita­se do
liame de causalidade, da ocorrência do dano e do ilícito para sua caracterização e,
intuitivamente, todos admitem a existência de erros não culpáveis. Por outro lado, confunde­se
nesta conceituação o erro com a culpa e, indo além, admite esta definição apenas a
responsabilidade subjetiva do médico. Hoje, com o fenômeno da constitucionalização do direito
civil, com a positivação de responsabilidades objetivas tanto no CC/02 (Código Civil de 2002)
quanto no CDC (Código de Defesa do Consumidor), além da elevação da dignidade humana a
princípio fundante da República, respostas mais complexas são necessárias para melhor
compreender­se a relação médico­paciente e seus erros. O magistrado e os operadores do
direito necessitam de uma melhor conceituação técnica para, mesmo não conhecendo a
medicina, identificar os casos de erro médico na perspectiva do direito civil constitucional,
reconhecendo a ocorrência de lesão a direitos constitucionalmente protegidos que porventura
deles decorra. A idéia de erro grosseiro é um conceito simplista e não pode ser o único
argumento capaz de determinar a responsabilidade do profissional. Por outro lado, o conceito
de responsabilidade independente de culpa não parece se adequar ao médico que atua como
autônomo. O sistema de responsabilização civil precisa ser repensado no âmbito de atuação
dos médicos, pois o Direito Civil, antes individualista e patrimonialista, volta­se hoje para a
proteção do indivíduo e de sua dignidade, sob a égide de uma constituição fundada no princípio
da dignidade humana. Volta­se a doutrina civilista atual na direção da pessoalização das
relações humanas. A crítica à doutrina ocorrerá quando conceitos, como a dignidade humana,
forem avaliados em bases estritamente individualistas, o que seria uma contradição; também
será criticada toda tentativa de negação, de forma absoluta, ao conceito patrimonialista do
Direito Civil. O primeiro capítulo irá tratar da constitucionalização do direito civil: patrimônio
versus dignidade humana. O segundo capítulo tratará da análise da locução erro médico e com
uma breve exposição sobre a responsabilidade civil contemporânea brasileira, terminando com
uma proposta de conceituação doutrinária. No terceiro capítulo, serão selecionados para a
analise cinco acórdãos do TJ/RJ (Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro) que
contenham a expressão erro médico, concluindo com o quarto capítulo.


1.1​
O novo direito civil

A filosofia racionalista de Descartes influenciou os primeiros códigos civis, como o


Código napoleônico em França e o CC/16 (código civil de 1916). Os sistemas dedutivos,
desenvolvidos nas ciências matemáticas, orientaram estas primeiras codificações. Foram
criados sistemas codificados de leis com a idéia de completude, que se auto­referenciavam de
modo absoluto como única fonte do direito civil. As inter­relações entre os diversos dispositivos
legais codificados derivavam exclusivamente da análise lógico­dedutiva, sem comunicação
com a realidade social ou mesmo com a ética. Felipe Raminelli Leonardi refere­se ao CC/16
nestes termos:

É um código, portanto, embora nascido no século XX, eminentemente


oitocentista. Assume a feição de sistema que se auto­referencia de modo
absoluto. O pensar é realizado por meio da lógica formal, operando por
conceitos gerais abstratos que devem ser subsumidos às hipóteses de fato. Daí
a necessária precisão das hipóteses de incidência, ofertando segurança
desejada, além da preocupação dogmática do período com a busca de
conceitos. Representativo desta perspectiva é o papel do juiz como mero
autômato, ou seja, o juiz era apenas la bouche de la loi. (2007, p. 72)

O professor Gustavo Tepedino nos exemplifica o pensamento desta doutrina civilista


hoje minoritária: "O direito público, por sua vez, não interferiria na esfera privada, assumindo o
Código Civil, portanto, o papel de estatuto único e monopolizador das relações privadas".
(2008, p. 3)
A formação desta doutrina baseada na completude de um sistema codificado teve forte
influência das idéias burguesas de igualdade (formal) e liberdade (autonomia individual), numa
visão exageradamente patrimonialista. A dicotomia bem marcada entre o direito público
(vontade estatal) e o privado (autonomia da vontade individual) provinha da necessidade da
classe burguesa em superar os entraves aos seus negócios gerados pela atuação do Estado,
então representado e gerenciado por nobres. Porém, os conflitos gerados com a ascensão da
burguesia e com o surgimento da classe trabalhadora, entre outros, geraram a necessidade
cada vez maior de intervenção do Estado na esfera privada, principalmente a partir do
pós­guerra, representada no direito pelo movimento conhecido como publicização do Direito
Civil.
Assim, extensa legislação se acumulou ao lado do CC/16, editadas conforme a
necessidade estatal em dirimir os conflitos sociais cada vez mais complexos de nossa
sociedade, mitigando o conceito de centralidade do velho código. Os estatutos da terra e da
mulher, a lei do inquilinato, entre outras leis surgiram ao lado do CC/16. A doutrina então ainda
dominante contornou este fenômeno classificando esta legislação como especial, não retirando
do velho código sua centralidade.
Na direção vertical da hermenêutica legislativa, as constituições pouco interferiam na
esfera civil, pois o pensamento cristalizado à época as entendia como meras cartas políticas
endereçadas ao legislador. Somente no final do séc. XX chega ao Brasil doutrina mais
erbis​
avançada defendendo a aplicação direta dos princípios constitucionais, v​ :

Estudos de teoria geral do direito acerca da aplicação dos princípios


constitucionais e da metodologia de sua ponderação foram determinantes para
afastar definitivamente a cristalizada concepção da Constituição como mera
carta política, endereçada exclusivamente ao legislador. (Moraes M.C.B., 2006,
p. 233)

Exemplifica a autora em nota de rodapé:

Exemplifica­se apenas com os pioneiros textos de R. Dworkin, ​ Levando os


direitos a sério​
, São Paulo: Martins Fontes, 2002 [1977] e R. Alexy, ​ Teoría de
los derechos fundamentales​ , trad. de E. Garzón Valdés, Madrid: Centro de
Estudios Constitucionales, 1993 [1985]; e no Brasil, P. Bonavides, ​ Curso de
direito constitucional​ Loc. Cit.​
, 7. ed., São Paulo: Malheiros, 2000. (idem, ​ )

A supremacia constitucional, antigo princípio formado na jurisprudência da Suprema


Corte Norte Americana em decisão paradigmática proferida por seu presidente Juiz Marchal, no
caso William Marbury v. James Madison em 1803, ensina que a lei infraconstitucional não pode
verbis​
se sobrepor aos mandamentos constitucionais, ​ :

The powers of the legislature are defined and limited; and that those limits may
not be mistaken, or forgotten, the Constitution is written. To what purpose are
powers limited, and to what purpose is that limitation committed to writing, if
these limits may, at any time, be passed by those intended to be restrained?
The distinction between a government with limited and unlimited powers is
abolished if those limits do not confine the persons on whom they are imposed,
and if acts prohibited and acts allowed are of equal obligation. ​ It is a
proposition too plain to be contested, that the Constitution controls any
legislative act repugnant to it​; or, that the legislature may alter the Constitution
by an ordinary act ​ (grifo nosso)​. (Supreme Court of the United States, Marbury
v. Madison, 1803)[1]

No entanto, nossas constituições anteriores a 1988 consagravam apenas direitos


fundamentais de primeira geração (e alguns direitos sociais, principalmente no âmbito
trabalhista), como se depreende da regulamentação da propriedade na CRFB/46 (Constituição
da República Federativa do Brasil de 1946), sem muitos avanços constitucionais no período
dos governos militares, não havendo repercussões do dogma da supremacia constitucional em
relação à tese da centralidade do código de 1916, apenas restrição tímida presente em seu
artigo 147 que justificava as desapropriações de interesse estatal, vejamos:

Art 141 ­ A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes


no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a
segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
§ 16. É garantido o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por
necessidade ou utilidade pública, ou por interêsse social, mediante prévia e justa
indenização em dinheiro. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção
intestina, as autoridades competentes poderão usar da propriedade particular,
se assim o exigir o bem público, ficando, todavia, assegurado o direito a
indenização ulterior.
Art 147 ­ ​
O uso da propriedade será condicionado ao bem­estar social​ .A
lei poderá, com observância do disposto no art. 141, § 16, promover a justa
distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos (grifo nosso).

A jurisprudência do STF explicitou então esta afirmação em relação às desapropriações



em: RE 76864/GB, RE 101331/PB e RE 114468/PR:
RE 76864 / GB
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator: Min. ALIOMAR BALEEIRO
Julgamento: 11/12/1973
Órgão Julgador: Primeira Turma
Publicação 22­11­1974
RECTES.: ZELINDA MARTINS RODRIGUES E OUTRO
ADV.; ADALBERTO SILVEIRA ROSA
RECDO.: ESTADO DE GUANABARA
ADV.: PAULO DE ALBUQUERQUE MARTINS PEREIRA
Ementa
Em princípio, não viola a Constituição Federal o acórdão que reconhece a
autoridade competente o poder de impedir novas construções em área particular
incluída no plano legalmente aprovado de urbanização. O direito de construir
deve ser exercido em harmonia com os regulamentos administrativos, até
porque a C.F. garante a propriedade, mas a erige em função social.

RE 101331 / PB
Relator: Min. CARLOS MADEIRA
Julgamento: 08/11/1985
Órgão Julgador: Segunda Turma
Publicação 29­11­1985
RECTE.: EMPRESA CONSTRUTORA LEMOS & ASFURA LTDA.
ADVS.: SEVERINO ALVES DE ANDRADE E OUTRO
RECDO.: ESTADO DA PARAÍBA
ADV.: ANTONIO DA SILVA LIMA
RECDO.:PREFEITURA MUNICIPAL DE JOÃO PESSOA
ADV.: ALDO MORAES ALVES
Ementa
LIMITAÇÕES AO DIREITO DE CONSTRUIR. A COMPETÊNCIA ESTADUAL
PARA LIGISLAR SOBRE MATÉRIA URBANISTICA QUE TRANSCENDA AO
PECULIAR INTERESSE LOCAL, NÃO CONTRARIA AS DISPOSIÇÕES
CONSTITUCIONAIS E LEGAIS SOBRE O DIREITO DE PROPRIEDADE.
PRECEDENTE DO STF​ .

RE 114468 / PR
Relator: Min. CARLOS MADEIRA
Julgamento: 31/05/1988
Órgão Julgador: Segunda Turma
Publicação 24­06­1988
RECTES.: EDGAR LINHARES FILHO E SUA MULHER
ADV.: EDGAR LINHARES FILHO
RECDA.: PREFEITURA MUNUCIPAL DE CURITIBA
ADV.: IVAN GUÉRIOS CURI E OUTROS
Ementa
LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA. PREDIO CONSIDERADO UNIDADE DE
INTERESSE DE PRESERVAÇÃO, POR DECRETO DO PREFEITO MUNICIPAL
DE CURITIBA. LIMITAÇÃO GENERICA, GRATUITA E UNILATERAL AO
EXERCÍCIO DO DIREITO DOS PROPRIETARIOS, EM PROL DA MEMORIA
DA CIDADE, QUE TEM BASE NO PARAGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 180 DA
CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA. RECUSA DE AUTORIZAÇÃO PARA
DEMOLIÇÃO QUE NÃO IMPORTA AFRONTA AO DIREITO DE
PROPRIEDADE. RECURSO NÃO CONHECIDO.

Por outro lado, o bem­estar social também justificava a repressão policial a multidões
em caso de risco de dano à propriedade, como se depreende das ementas de: ​
RE 20372 e RE
17746, abaixo:

RE 20372 /
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. MÁRIO GUIMARÃES ­ CONVOCADO
Julgamento: 21/05/1953
Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA
Publicação 07­03­1955
Ementa
SE POR NEGLIGENCIA DAS AUTORIDADES, OU MAU APARELHAMENTO
DO SERVIÇO POLICIAL, NÃO TOMOU A POLICIA AS PROVIDENCIAS
NECESSARIAS PARA EVITAR QUE A MULTIDAO AMOTINADA CAUSASSE
DANOS A PROPRIEDADE PARTICULAR, RESPONDE O ESTADO PELOS
PREJUIZOS QUE O ESTADO NÃO SOUBE OU NÃO QUIS IMPEDIR.

RE 17746 /
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator: Min. ROCHA LAGOA
Julgamento: 28/10/1952
Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA
Publicação 13­02­1956
Ementa
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
POR DANOS CAUSADOS PELA MULTIDAO, QUANDO CARACTERIZADA A
OMISSAO CULPOSA DAQUELE, NA DEFESA DA PROPRIEDADE CONTRA
AS INVESTIDAS DE POPULARES.

No agravo regimental no agravo de instrumento ​


87831/SP, o regimento interno do
condomínio, por interpretação, impedia a entrada a trabalho de babá na piscina infantil para
acompanhar o bebê, medida contratual discriminatória não contestada pelo tribunal, fazendo
valer a norma do condomínio em face do ordenamento constitucional:
AI 87831 AgR / SP
AG. REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO
Relator: Min. NÉRI DA SILVEIRA
Julgamento: 08/06/1982
Órgão Julgador: Primeira Turma
Publicação 07­10­1983
AGTES.: MURILO RODRIGUES CALDAS E SUA MULHER
ADV.: DJALMA FORJAZ JÚNIOR
AGDO.: CONDOMÍNIO "PORT DE FRANCE" REPRESENTADO POR SÍNDICO
MÁRIO ANGELÍCOLA NETO
ADV.: FIROZSHAW KECOBADE BAPUGY RUSTOMGY
Ementa
AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE MOVIDA POR CASAL CONDOMINO,
CONTRA O CONDOMINIO DO EDIFICIO, PORQUE O SINDICO NÃO
PERMITE QUE EMPREGADA DOMESTICA DO CONDOMINO UTILIZE AS
PISCINAS DO CONDOMINIO, DO QUE RESULTARIA A INVIABILIDADE DO
USO DA PISCINA INFANTIL, PELO FILHO MENOR DO CASAL AUTOR. LEI N.
4591, DE 1964, ARTS. 19 E 22, PARAGRAFO 1., LETRA "E"; CONSTITUIÇÃO,
ART. 153, PARAGRAFO 1. E 22. CLAUSULAS CONVENCIONAIS DO
CONDOMINIO, ACERCA DO USO DAS PISCINAS, RELATIVAMENTE AOS
CONDOMINOS, SEUS FAMILIARES E EMPREGADOS. RESTRIÇÃO
IMPUGNADA CONSTANTE DE CLÁUSULA CONVENCIONAL, QUE NÃO SE
REFERE AOS CONDOMINIOS, MAS A USO DE PARTES COMUNS POR
TERCEIROS. ESTABELECENDO­SE A DISCIPLINA, NO INTERESSE DOS
CONDOMINOS, POR TODOS HÁ DE SER RESPEITADA, SEM QUE O
PROCEDIMENTO EM CONTRARIO DE QUALQUER DELES SE POSSA
AUTORIZAR, COM INVOCAÇÕES AOS PRINCÍPIOS DA IGUALDADE E DA
PROPRIEDADE. ​ QUANTO A EXTENSAO DO USO DAS PISCINAS A
TERCEIROS, INCLUSIVE VISITANTES E SERVICAIS, NADA IMPEDIRA,
DESDE QUE NISSO CONVENHAM OS CONDOMINOS, ALTERANDO, ASSIM,
CLAUSULAS DA CONVENÇÃO DE CONDOMINIO​ . NÃO CABE, EM RECURSO
EXTRAORDINÁRIO, REEXAMINAR O CONTEUDO DAS CLAUSULAS
CONVENCIONAIS, A TEOR DA SÚMULA 454. AFASTADA A QUESTÃO
CONSTITUCIONAL, O RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO PODE SER
ADMITIDO, NO CASO, EM FACE DOS OBICES DO ART. 325, INCISOS VIII E
V, LETRA "C", DO REGIMENTO DO STF. AGRAVO REGIMENTAL
DESPROVIDO (grifo nosso).

Timidamente, verifica­se mitigação mínima do direito de propriedade nas questões


locatícias, invocando a função social da propriedade nos RE de número 14263, 24065, 69360,
27377, com a proibição da retomada do imóvel locado pelo proprietário com base tão somente
no direito de propriedade, sem justificativa (reconhecendo, inclusive, o direito de preferência do
locador em relação ao outro imóvel deixado vago pelo proprietário, em RE 27377):

RE 14263 /
Relator: Min. OROZIMBO NONATO
Julgamento: 10/10/1950
Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA
Publicação 24­02­1951
Ementa
DIREITO DE RETOMADA. INTELIGENCIA DA LEI. NECESSIDADE DO
PREDIO, NÃO COMODIDADE, INTERESSE OU VANTAGEM. E' FORCA QUE
A NECESSIDADE DO DOMINUS NITIDAMENTE SE REALCE,
ULTRAPASSANDO A MERA NOÇÃO DE MAIOR CONFORTO. ​ O DIREITO DE
PROPRIEDADE NÃO E ABSOLUTO​ , TORNANDO­SE CADA VEZ MAIS
DENSO SEU CONTEUDO SOCIAL. AS LEIS DO INQUILINATO, TUTELARES
DOS LOCATARIOS, VEXADOS DE NOTORIA CRISE DE HABITAÇÃO, VISAM
A GARANTIR AS EXIGENCIAS DO BEM COMUM, IMPOSTERGAVEIS NA
APLICAÇÃO DA LEI. ​ DEVE O INTERPRETE​, NA CONCEITUAÇÃO DESSA
NECESSIDADE, ​ PENDER PARA CRITÉRIOS QUE FAVORECAM A
PERMANENCIA DA LOCAÇÃO​ . AÇÃO DE DESPEJO. PROVA DE
NECESSIDADE DO LOCADOR. A EXPRESSAO "USO PRÓPRIO" DO
DECRETO­LEI N. 9.669, DE 29 DE AGOSTO DE 1946. ART. 18, PAR. 4 DO
CITADO DECRETO­LEI 9.669. NO CONCEITUAR A NECESSIDADE DO
PREDIO PEDIDO DEVE O INTERPRETE PENDER PARA CRITÉRIOS QUE
FAVORECAM A PERMANENCIA DA LOCAÇÃO (grifos nossos).

RE 24065 /
Relator: Min. LUIZ GALLOTTI
Julgamento: 24/06/1954
Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA
Publicação 12­09­1955
Ementa
LOCAÇÃO. PREDIO OCUPADO POR ESTABELECIMENTO DE ENSINO.
PROIBIÇÃO DE DESPEJO, SALVO NOS CASOS DE INFRAÇÃO DOS
DEVERES DE LOCATARIA. ARTIGO 18 DA LEI 1.300 DE 28.12.1950.
CONSTITUCIONALIDADE DESSE DISPOSITIVO. ​ RESTRIÇÃO IMPOSTA AO
DIREITO DE PROPRIEDADE, EM HOMENAGEM A SOCIALIZAÇÃO DO
DIREITO CIVIL HODIERNO​ . PELA PROPRIA CONSTITUIÇÃO, O USO DA
PROPRIEDADE DEVE SER CONDICIONADO AO BEM ESTAR SOCIAL (ART.
147). RECURSO EXTRAORDINÁRIO. EMBORA O ACÓRDÃO RECORRIDO
SEJA DO TRIBUNAL DE ALÇADA DE S. PAULO E OS ARESTOS
APONTADOS SEJAM DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO MESMO ESTADO,
ISSO NÃO IMPEDIRIA O CABIMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO DA
ALINEA D DO ART. 101 N. III DA CONSTITUIÇÃO, SE CONFIGURADO O
DISSIDIO ENTRE OS DOIS TRIBUNAIS. TAL IMPEDIMENTO EXISTIRIA EM
FACE DAS CONSTITUIÇÕES ANTERIORES QUE ALUDIAM A ESTADOS
DIFERENTES (CARTA DE 1937, ART. 101, III, D; CONSTITUIÇÃO DE 1934,
ART. 76, III, D). NÃO ASSIM EM FACE DA CONSTITUIÇÃO VIGENTE, QUE
ADMITE O RECURSO EXTRAORDINÁRIO "QUANDO NA DECISÃO
RECORRIDA A INTERPRETAÇÃO DA LEI FEDERAL INVOCADA FOR
DIVERSA DA QUE LHE HAJA DADO QUALQUER DOS OUTROS TRIBUNAIS
OU O PRÓPRIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (ART. 101, III, D). ORA,
NÃO HÁ NEGAR QUE O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE S. PAULO, EM
RELAÇÃO AO DE ALÇADA DO MESMO ESTADO, E OUTRO TRIBUNAL (grifo
nosso).

RE 69360 / GB
Relator: Min. ANTONIO NEDER
Julgamento: 11/10/1971
Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA
Publicação 26­11­1971
Ementa
1. NO STF PREDOMINA A ORIENTAÇÃO DE QUE, NA LOCAÇÃO REGULADA
PELO DECRETO N. 24.150/34, ​SE PRESUME SINCERO O PROPRIETARIO
AO PLEITEAR A RETOMADA, RESSALVADO, E OBVIO, AO LOCATARIO, O
DIREITO DE PROVAR O CONTRARIO (SÚMULA, VERBETE 485).
PORTANTO, NA AUSÊNCIA DE PROVA DE QUE O PROPRIETARIO SE
MOSTRA INSINCERO NO PLEITEAR A RETOMADA, ESTA DEVE SER
CONCEDIDA SEM DESCONFIANCA, MESMO PORQUE, SINCERO O
PROPRIETARIO, O SEU DIREITO SE AVIGORA POR SE HARMONIZAR COM
O SISTEMA JURÍDICO ENTRE NOS INSTITUIDO NO QUE RESPEITA A
PROPRIEDADE (CE DE 1967, EMENDA N. 1, ART. 150, PARAGRAFO 22). 2.
NOS TERMOS DO ART. 5, "E", DO DECRETO N. 24.150/34, A INDICAÇÃO DO
FIADOR E FEITA NA INICIAL, E A PROVA DE SUA IDONEIDADE, QUANDO
IMPUGNADA, E DE SER FEITA NA INSTRUÇÃO DA CAUSA, A FIM DE SER
DECIDIDA A QUESTÃO, COMO E OBVIO, NA SENTENÇA. NÃO SE TEM
COMO DEIXAR ESSA MATÉRIA PARA A EXECUÇÃO (grifo nosso).

RE 27377 /
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator: Min. LUIZ GALLOTTI
Julgamento: 13/12/1954
Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA
Publicação 30­08­1956
Ementa
LOCAÇÃO. RETOMADA POR PROPRIETARIO, QUE RESIDE EM PREDIO
PRÓPRIO, MAS PEDE OUTRO DE SUA PROPRIEDADE PARA SEU USO,
COMPROVADA EM JUÍZO A NECESSIDADE DO PEDIDO. PREFERENCIA,
EM TAL CASO, AO LOCATARIO PARA LOCAÇÃO DO PREDIO DE QUE SE
MUDOU O PROPRIETARIO, SALVO SE A MUDANCA DECORREU DE
DESAPROPRIAÇÃO OU INTERDIÇÃO DO PREDIO. ARTIGO 15 N. V, E
PARAGRAFO 7. DA LEI 1.300, DE 1950. ALEGAÇÃO DE QUE ESSA
PREFERENCIA NÃO CONSTAVA DA LEI VIGENTE AO TEMPO DA
PROPOSITURA DA AÇÃO DE DESPEJO (DEC­LEI 9.669, DE 1946).
IMPROCEDE A ALEGAÇÃO, POIS SE TRATA DE LEGISLAÇÃO DE
EMERGENCIA E DE ORDEM PÚBLICA, QUE RUIRIA, QUASI INTEIRA, SE
CONTRA ELA SE PUDESSEM INVOCAR DIREITOS ADQUIRIDOS. ​
ACRESCE
QUE SE TRATA APENAS DE UM DIREITO DE PREFERENCIA EM
IGUALDADE DE CONDIÇÕES E QUE, EM CERTOS CASOS, TAL
PREFERENCIA JA ERA RECONHECIDA PELA JURISPRUDÊNCIA MESMO
NO SILENCIO DA LEI (grifo nosso)​
.

A razoabilidade era vista como um princípio geral de construção pretoriana,


verbis​
infraconstitucional e infralegal, como se depreende de AI 96158­5/SP, ​ :

AGRAVO DE INSTRUMENTO N° 96.158­5 ­ SÃO PAULO
Agravo regimental
Julgamento: 14/02/1984
Órgão Julgador: Primeira Turma
[...] impugnam os recorrentes o critério de razoabilidade, consagrado na súmula
n. 400, [...]. A crítica feita à Súmula n. 400 e sua aplicação ao caso dos autos é
destituída de qualquer fomento de justiça e de direito. A verificação da
razoabilidade é um critério legítimo, que não afronta nem a Constituição, nem a
lei federal. Justamente por isso não autoriza recurso extraordinário.

Com a promulgação, em 1988, de uma constituição principiológica, fundada no princípio


da dignidade humana, estes velhos dogmas foram severamente abalados, mas não sem
resistência, inicialmente esmagadora. O professor Gustavo Tepedino assim descreve este
momento inicial do direito civil sob a égide da atual constituição:

Naquele momento, não é exagero afirmar que a maioria dos civilistas lia a
Constituição como um diploma pertencente a outro ramo do conhecimento, algo
que não lhe dizia diretamente respeito, a não ser pela incursão (para muitos
indevida, diga­se de passagem) do Constituinte na seara do direito privado. Sob
a pomposa expressão ​ Carta Política podia­se identificar, com auxilio da
semiótica, a ausência de força normativa dos princípios constitucionais (grifo do
autor). (2006, p. 379)

A afirmação de que o código civil é a Constituição do direito privado vem, desde então,
migrando paulatinamente da corrente majoritária para a minoritária, não sem forte resistência.
Com a promulgação do CC/02, um código mais alinhado com a Constituição da
República, de caráter principiológico, com a utilização de um sistema aberto à ética e à
realidade social, o Direito Civil passou a ser, assim como todos os ramos do Direito, lido de
forma totalmente diferente, menos patrimonialista e mais pessoalizado. O professor Flávio
Tartucce ensina que, de acordo com o idealizador do Código Civil de 2002, Miguel Reale, a
atual codificação está baseada em três princípios fundamentais:

a) Socialidade: O Código Civil de 2002 distancia­se do caráter individualista da


codificação anterior. O 'nós' prevalece sobre o 'eu'. Todos os institutos civis têm
função social, caso do contrato e da propriedade.

b) Eticidade: A codificação atual preocupou­se precipuamente com a ética e a


boa­fé, sobretudo com a boa­fé objetiva, aquela que existe no plano da conduta
de lealdade dos participantes negociais.

c) Operabilidade: O princípio tem dois sentidos. Primeiro, o de simplicidade dos


institutos jurídicos, como ocorreu com a prescrição e decadência. Segundo, o de
efetividade, por meio do sistema de cláusulas gerais e conceitos indeterminados
adotado pela atual codificação. (2011, p. 1)

A pessoalização do Direito Civil não ocorre sem críticas e contra­argumentações. A


velha doutrina, com a promulgação do CC/02 sustenta que o direito civil adjetivado de
constitucional mantém sua centralidade, pois o novo código repete os princípios contidos na
CRFB/88, verbis: "Alguns civilistas, animados com a suposta novidade, vieram a afirmar o
ocaso do direito civil­constitucional diante do novo diploma, que já teria nascido
'constitucionalizado [...].'" (Moraes, M.C.B., 2006, p. 236)
Paradoxalmente, a adoção de princípios pelo CC/02 vem servindo de argumento para a
doutrina saudosista defender a completude do novo código num verdadeiro sistema fechado,
como o velho código de 1916. Argumento que não se sustenta, pois traz consigo a contradição
ao reconhecer uma abertura a princípios para justificar um fechamento para as regras e
princípios norteadores presentes na atual Constituição.
A aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais, consagrada na CRFB/88, torna
hoje a interpretação dos diplomas legais necessariamente atrelada aos princípios
constitucionais. A razoabilidade, hoje reconhecida como princípio constitucional implícito, se
espraia por todo o ordenamento. O Direito Civil, como conhecido na primeira codificação
nacional datada de 1916, cede espaço para um novo Direito Civil dito constitucional, por ser um
sistema aberto interpretado de modo a maximizar os direitos fundamentais e princípios
presentes em nossa Constituição, erigindo a dignidade humana como preceito fundante.

1.2 A pessoalização das relações humanas


A função social das normas modificou o velho pensamento individualista e
patrimonialista do inicio da revolução burguesa. Com isso, os direitos de propriedade,
de contratar, entre outros, para serem exercidos, devem respeitar sua função social.
O exemplo mais conhecido é a desapropriação por interesse social de
propriedade rural improdutiva, esculpida no art 184 da CRFB/88, medida punitiva que
prevê a indenização em títulos da dívida agrária resgatáveis em até 20 anos.
Nos contratos, a boa fé dos contratantes, materializada no princípio da
confiança, molda a interpretação das normas civilistas.
O CDC utiliza o conceito de vulnerabilidade para definir o consumidor, conceito
que fundamenta diversos dispositivos deste código como por exemplo: a inversão do
ônus da prova, a nulidade de cláusulas leoninas, etc.
O dano moral, previsto em sede constitucional, protege o indivíduo de agressões
à sua dignidade, como no caso do paciente que aguarda por várias semanas por uma
cirurgia, acamado, esperando a autorização administrativa do seguro saúde para
autorizar o médico a efetuar o procedimento indicado.
O patrimonialismo cede espaço hoje para a pessoa humana e sua dignidade.
Como a CRFB/88 elegeu como princípio fundante a dignidade humana, as relações
interpessoais ganharam prioridade sobre as relações patrimoniais. Nas falências, o
novo instituto da recuperação é voltado para a preservação da empresa (leia­se
atividade) e, com isso, a manutenção da fonte de empregos, como se depreende do art
47 da lei 11.101/05 e não mais para preservar apenas o interesse dos credores. As
pessoas agora são protegidas observando­se o respeito e a importância de cada
indivíduo inserto no tecido social e não mais tão­somente por onde andam e o que
carregam consigo.


1.3​
Eficácia horizontal dos direitos fundamentais

Na tradição constitucional, desde a magna carta, o indivíduo é protegido da atuação


estatal pelas cartas políticas através dos direitos fundamentais, dita eficácia vertical destes
direitos.
Segundo o professor Cavalcante Filho, no direito comparado os EUA não aceitam a
tese da eficácia horizontal. Nos casos em que um dos particulares exerce atividade pública alvo
public function theory​
da ação (​ ), se aceita a eficácia dos direitos fundamentais, porém
reconhecida como vertical; já na Alemanha adota­se a tese em que a eficácia horizontal só é
possível por meio de cláusulas gerais existentes no direito privado, como a ordem pública, a
liberdade contratual, a boa­fé, etc. No Brasil, os direitos fundamentais têm eficácia entre os
​assim)​
indivíduos, e não apenas em relação ao Estado. (2010, p
erbis:​
No Brasil, jurisprudência recente aceita a eficácia horizontal, v​

RE 201.819/RJ
Segunda Turma
Relator Ministro Gilmar Mendes
DJ de 27.10.2006:
SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE
COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA
DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO.
I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS.
As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das
relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas
entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos
fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas
os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares
em face dos poderes privados.
II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA
PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico­constitucional brasileira não
conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos
princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por
fundamento direto o próprio texto da Constituição da República, notadamente
em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de
autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à
incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos
fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras
limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com
desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles
positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere
aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir
ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria ​
Constituição, cuja
eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no
âmbito de suas relações privadas​ , em tema de liberdades fundamentais (grifo
nosso) [...].

1.4​
Ponderação de princípios

A técnica da ponderação contrapõe­se à técnica de subsunção. Para as regras, de


caráter retrospectivo, aplica­se a técnica de subsunção, aniquilando regras contrárias; para os
princípios, aplica­se a ponderação, de caráter prospectivo, que tenta preservar ao máximo
todos os princípios em análise, ao invés de aniquilar um em detrimento de outro no caso
concreto. Neste trabalho, que envolve uma das mais complexas relações humanas, a análise
dos princípios fundamentais envolvidos no erro médico se dará na forma da ponderação de
princípios.

1.5 Análise final

É hoje certo que a CRFB/88 espraia seus princípios por todo o ordenamento jurídico. O
próprio STF sustenta a eficácia horizontal dos direitos fundamentais. O grande problema da
doutrina agora majoritária está no momento da aplicação destes novos conceitos. Na minha
visão, o patrimonialismo e o individualismo, conceitos construídos e sedimentados desde os
áureos tempos de Roma, devem ter aplicação ainda hoje, porém com restrições. Os princípios
do novo código civil e da Constituição, portanto, devem corrigir distorções e excessos. Um
exemplo simples, onde dois integrantes da classe média celebram um contrato de mútuo de
baixo valor: as regras civilistas serão aplicadas de forma simples em caso de descumprimento
contratual. Exemplo oposto ocorre quando uma sociedade empresária do setor hospitalar
(plano de saúde) celebra contrato de prestação de serviços com pessoa natural mediante
remuneração mensal. Aqui, os princípios da CRFB/88 vão se fazer notar, pois as cláusulas
contratuais não poderão ser seguidas cegamente diminuindo a dignidade do indivíduo caso,
por exemplo, prevejam prazo de 30 dias para análise e autorização de material cirúrgico e o
paciente necessite de cirurgia de urgência, fato corriqueiro que chega todos os dias às portas
do judiciário, obrigando os intérpretes a aplicar os princípios constitucionais a fim de corrigir as
distorções geradas pelo contrato, preservando a dignidade da pessoa humana.
Concluindo, a análise inicial deve levar em conta as antigas regras patrimonialistas e
individualistas do código, atuando os princípios em caso de distorções em sua aplicação,
moldando­as com razoabilidade, para que atinjam o fim esperado: a preservação da dignidade
humana.
Afinal, todos conhecemos a teoria da relatividade de Einstein, mas tudo o que
percebemos, do velocímetro do carro ao tamanho dos prédios, se baseia na física newtoniana,
verbis​
:

It has been almost a century since Einstein informed the world of his dramatic
discovery, yet most of us still see space and time in absolute terms. Special
relativity is not in our bones ­ we do not feel it. Its implications are not a central
part of our intuition. The reason for this is quite simple: The effects of special
relativity depend upon how fast one moves, and at speeds of cars, planes, or
even space shuttles, these effects are minuscule. (Greene B., 2003, p.17) [2]

Da mesma forma, não cabe esquecermos das regras civilistas mais simples na forma
como aplicadas a séculos. Lembremos que as leis de natureza patrimonialista também forma
um avanço em relação aos castigos e degradações corporais de épocas anteriores. Devemos,
ao invés, fazer correções apoiados nos princípios constitucionais para adequá­las à enorme
complexidade das atuais sociedades massificadas. A deformação criada pela aplicação direta
da lei ao caso concreto que leve ao sofrimento do ser de forma desproporcional deve ser
corrigida com os princípios constitucionais e não gerar o enriquecimento ilícito dos que alegam
danos após qualquer aborrecimento cotidiano. Por exemplo, os danos materiais devem
continuar a ser mensurados de acordo com critérios simples, verificando­se a diminuição do
patrimônio resultante do dano experimentado (teoria da diferença).
2​
ERRO MÉDICO: CONSTRUÇÃO DOUTRINÁRIA

Buscar­se­á um conceito para o erro médico com auxílio dos outros ramos do Direito
para, ao final do capítulo, avaliá­lo em relação à dignidade humana, princípio fundante de
nosso ordenamento constitucional.

2.1 ​
Definição semântica de erro

Erro é assim definido na décima primeira impressão da primeira edição do


Minidicionário Aurélio: "erro (ê) sm. 1. Ato ou efeito de errar. 2. Juízo falso; engano. 3.
Incorreção. 4. Desvio do bom caminho." (Ferreira, 1985, p. 190)
Como percebeu genialmente o saudoso professor Aurélio Buarque de Holanda Ferreira,
o erro faz contraponto com o acerto, com o bom caminho. Também percebeu este gênio das
letras que o erro pode decorrer tanto do ato do agente quanto dos efeitos deste ato. Outra
característica apontada é claramente a associação do erro com a aparência de acerto que
ocorre após se formar juízo falso ou após engano, diferenciando­se os termos "erro" e "errado":
se o agente conhece e segue o caminho errado não incorreu em erro, pois agiu com acerto em
sua intenção de desviar­se do correto. Para ilustrar, o ato de urinar em vias públicas é errado
em nossa sociedade por contrariar valores morais e legais, mas quem pratica o ato somente
estará em erro caso não tenha consciência do desvalor social do ato, como no caso do matuto
que urina às margens da transamazônica. O taxista de Copacabana que urina ao lado de seu
veículo em via pública está errado, não está incorrendo em erro, pois tem ciência do desvalor
social de seu ato, embora tente justificá­lo com argumentos econômicos.
Por fim, é necessária a definição do significado da locução "bom caminho" em cada
caso, a fim de se definir o termo "errado" correspondente à situação concreta para então se
concluir estar o agente em erro por desconhecer ou por não ter a obrigação de conhecer o
"bom caminho", caso contrário, concluir­se­á não estar o agente em erro exatamente por
conhecer o "bom caminho" em relação ao ato praticado e seus efeitos, decidindo seguir
caminho diverso. Por fim, não está em erro quem deveria conhecer o "bom caminho", mas o
ignora.

2.2 ​
Conceito de erro no Direito Penal

A teoria do crime, base do Direito Penal, conceitua o crime sob três aspectos: material,
formal e analítico. Este último aspecto é o que busca analisar os elementos estruturais do
crime. Pela concepção tripartida, crime é todo fato típico, ilícito e culpável. Pela concepção
bipartida, a culpabilidade não integra o conceito de crime.
O que nos interessa nesta discussão é o fato de que, independentemente da concepção
de crime adotada, o dolo e a culpa integram o conceito de crime: para a Teoria Naturalista,
ambos estão na culpabilidade; para a teoria finalista, o dolo e a culpa integram o fato típico.
O Código penal Brasileiro adotou a teoria finalista da ação. Em seu art. 18, I e II, definiu
que o crime pode ser ou doloso, ou culposo, não havendo crime sem dolo ou culpa. Para a
teoria finalista, a vontade do agente em praticar determinada ação e a finalidade desejada por
este agente com esta ação são elementos essenciais da conduta. O dolo é a regra, mas
existem crimes que admitem a forma culposa, onde o agente atua não observando certos
deveres de conduta, agindo com imperícia, imprudência ou negligência. O dolo e a culpa
integram o fato típico.
O conceito de crime engloba, além da tipicidade, a ilicitude, que é analisada a ​
contrario
sensu​
, podendo descaracterizar como crime a conduta típica realizada pelo agente, como no
caso da legítima defesa. Por fim, temos a análise da culpabilidade que verifica a possibilidade
de imposição de pena ao agente que cometeu o crime, como no caso do menor que pratica ato
típico e ilícito (roubo) e não pode sofrer pena por ser menor de dezoito anos (embora exista
previsão de aplicação de medida sócio­educativa): comete o crime, mas não é culpável.
Assim o conceito de erro, para o Direito Penal, está presente na análise do crime (fato
típico e ilícito) e da culpabilidade, relacionando­se ao tipo penal incriminador, à vontade do
agente em praticar a conduta ou em assentir com o resultado (dolo, art. 18, I do CP), à falta em
relação a um dever de cuidado a todos exigido (culpa), com os tipos permissivos (verificados
quando da análise da ilicitude) e com a culpabilidade. Quando o erro se refere à falsa
percepção dos fatos, estamos diante do erro de tipo (art. 20, § 1º do CP); quando o erro se
refere à uma percepção distorcida do ordenamento jurídico, estamos diante do erro de
proibição (art. 21 do CP). Esta definição se mantém quando da análise do erro na
culpabilidade, pois a doutrina majoritária e o CP adotaram a Teoria Limitada da Culpabilidade:
"Para a teoria limitada da culpabilidade, o erro que recai sobre uma situação de fato
(descriminante putativa fática) é erro de tipo, enquanto o que incide sobre a existência ou
limites de uma causa de justificação é erro de proibição". (Capez, 2011, p. 331)

2.2.1 ​
Erro de tipo

Erro de tipo se refere à equívoco do agente que incide sobre um fato da realidade que
se encontra no tipo penal nas elementares, circunstâncias ou mesmo sobre fatos irrelevantes.
Divide­se em essencial e acidental. O essencial se subdivide em: erro sobre elementar de tipo
incriminador; erro sobre circunstância; erro sobre elementar de tipo permissivo, erro sobre
pressupostos fáticos de uma causa de justificação ou descriminante putativa por erro de tipo.
Segundo Capez, são exemplos de erro de tipo: erro incidente sobre situação de fato
descrita como elementar de tipo incriminador; erro incidente sobre relação jurídica descrita
como elementar de tipo incriminador; erro incidente sobre situação de fato descrita como
elementar de tipo permissivo; erro incidente sobre circunstância de tipo incriminador; erro sobre
​t seq.)
dado irrelevante, todos exemplificados abaixo. (idem, p. 243 e
Erro incidente sobre situação de fato descrita como elementar de tipo incriminador: o
agente pratica ação tipificada como crime, mas por equívoco. Exemplo clássico do agente que
subtrai para si coisa alheia móvel (art. 155 do CP) ao pegar o guarda­chuva de seu anfitrião ao
invés do seu próprio guarda­chuva, por serem os dois guarda­chuvas idênticos (pretos e
fabricados na China). Embora tenha praticado ação descrita em tipo penal, o agente imaginava
estar de posse de objeto próprio e não alheio, o que tornaria sua ação um irrelevante penal.
Logo, sua vontade não foi dirigida para uma ação tipificada, e sim para um irrelevante penal
(subtrair coisa própria). O erro sobre o fato da realidade viciou a vontade do agente afastando o
dolo e, com isso, descaracterizando sua ação como criminosa.
Erro incidente sobre relação jurídica descrita como elementar de tipo incriminador: o
agente casa­se contra mulher casada acreditando que fosse solteira. Comete fato descrito
como bigamia no art. 235 §1º do CP. No entanto, o desconhecimento da situação jurídica da
mulher vicia sua vontade, pois não há como se falar em vontade em função do
desconhecimento do agente. O erro mais uma vez vicia a vontade de o agente cometer a ação
descrita no tipo penal, afastando o dolo.
Erro incidente sobre situação de fato descrita como elementar de tipo permissivo: neste
caso, o erro incide sobre fato relacionado às excludentes de ilicitude que permitem a realização
de um fato típico. É o caso da vítima que põe a mão no bolso para pegar um lenço e o agente,
imaginando que a vítima vai sacar uma arma, atira imaginando estar em legítima defesa.
Erro incidente sobre circunstância de tipo incriminador: neste caso, o agente pensa
furtar um diamante raro, mas furta uma pedra de cristal barato. O erro não incide sobre o tipo, a
ilicitude ou fatores de avaliação da culpabilidade, apenas incide sobre circunstância
privilegiadora, causa de diminuição de pena, não podendo o agente dela se valer. Responde
pelo crime, embora sem o privilégio, caso seja culpável. A ação derivada do erro é
desconsiderada, mesmo que prejudique o agente.
Erro sobre dado irrelevante: por exemplo, o agente pratica uma ação típica e ilícita, não
havendo fatores excludentes da culpabilidade ou que alterem as circunstâncias de tipo
incriminador e o erro não atinge nenhum fato de interesse para a análise do crime, da
culpabilidade ou do cálculo da pena. Neste caso imaginário, o agente subtrai coisa alheia
móvel que imagina pertencer a um inimigo mortal, mas que na verdade pertence ao seu melhor
amigo. Vai responder da mesma forma, pois o erro é irrelevante em relação ao tipo penal, à
ilicitude, à culpabilidade e às circunstâncias de tipo incriminador, não alterando em nada a
avaliação do crime e nem o cálculo da pena.

2.2.1.1 ​
Erro de tipo essencial

O erro incide sobre fatos relevantes para a tipificação ou para a caracterização das
circunstâncias. Pode ser invencível, quando não pode ser evitado mesmo com os cuidados
normalmente empregados pelo homem mediano; pode ser vencível, quando pode ser evitado
com tais cuidados.
Incidindo sobre elementar, não há dolo, pois o agente não deseja praticar um crime tal
como descrito no CP. Se invencível, exclui também a culpa, pois o erro não poderia ser evitado
nem mesmo com o emprego de cautela, levando à atipicidade e descaracterização do crime.
Se vencível, responderá na forma culposa caso o CP a preveja, caso não a preveja,
caracteriza­se como um irrelevante penal.
Incidindo o erro essencial sobre circunstância desconhecida pelo agente sempre a
exclui.

2.2.1.2 ​
Erro de tipo acidental

O agente, neste caso, sabe estar praticando um crime, respondendo da mesma forma
considerando­se ou não o erro, pois este é desconsiderado para fins de aplicação da Lei Penal.
Este erro pode incidir sobre o objeto, sobre a pessoa, na execução, no resultado ou sobre o
nexo causal (dolo geral).

2.2.1.2.1 Erro de tipo acidental acerca do objeto

Neste tipo de erro incidente sobre o objeto, o agente pratica a conduta, mas
confunde­se em relação ao objeto, exemplo: subtrai coisa alheia móvel, uma camisa da marca
Y achando estar subtraindo outra da marca X. Caso tenham preços semelhantes (uma grande
diferença de valores caracterizaria concomitantemente o erro de tipo essencial em relação à
circunstância, excluindo­a) configura­se a tipicidade independentemente do erro cometido, pois
ambas caracterizam a elementar coisa alheia móvel (o erro é desconsiderado porque não
exclui a vontade do agente em cometer o tipo penal da forma como planejou).

2.2.1.2.2 Erro de tipo acidental acerca da pessoa

Neste outro tipo de erro acidental, o agente executa com acerto o crime, mas contra
vítima diversa da pretendida. O CP (art 20, §3º) desconsidera o erro, respondendo o agente
pelo crime cometido como se a vítima fosse a pretendida inicialmente. Por exemplo, o agente
deseja matar menor de treze anos desafeto de seu filho, mira e atira. Porém a vítima, por erro,
é outra pessoa, muito parecida fisicamente, maior de dezoito anos. Neste caso, responderá por
homicídio qualificado pela circunstância "menor de idade" prevista no § 4º do art 121 do CP
como causa de aumento de pena, exatamente como se a vítima de fato fosse a pretendida
inicialmente pelo autor.
2.2.1.2.3 Erro de execução

aberratio ictus​
No erro de execução do crime (​ ), o agente por desgraça alcança um
resultado além do previsto em sua intenção contra o bem jurídico protegido (vida humana, por
exemplo), independentemente de atingir ou não o resultado desejado com sua ação, ocorrendo
resultados não intencionais concomitantes, diferindo da tentativa, quando este apenas não
consegue produzir o resultado desejado apesar de praticar a ação, sem outros
desdobramentos. Divide­se em dois tipos: com unidade simples (o agente envia uma carta
bomba para seu inimigo e sua esposa ciumenta abre­a antes de ser enviada, morrendo com a
explosão); com unidade complexa (a vítima abre a carta junto a um empregado, morrendo
ambos).
O erro é desconsiderado pela Lei Penal, respondendo o agente, no caso do erro de
execução com unidade simples, como se a vítima fosse a que desejou atingir com seus atos de
execução, considerando inclusive as circunstâncias associadas à vítima inicialmente desejada
pelo agente e desconsiderando as da vítima de fato. No caso do erro de execução com
unidade complexa, a doutrina é vacilante, confundindo erro com culpa. Vejamos: "Assim,
somente se cogita de ​
aberratio ictus com unidade complexa quando os terceiros forem
atingidos por culpa, isto é, por erro. Nunca é demais lembrar: ninguém 'erra' por dolo... se
errou, é porque agiu com culpa". (idem, p.258)
Se o agente quis matar alguém, o dolo está no tipo penal. Caso um terceiro também
seja atingido pelo disparo da arma de fogo, por exemplo, a ação, por erro, extrapolou a
intenção do agressor. O segundo resultado foi obtido por erro e não por culpa, sendo o agente
punido com o concurso formal porque o resultado adveio de uma única ação dolosa. Caso haja
dolo eventual em relação às outras vítimas, o código soma as penas (concurso formal
imperfeito) e a própria doutrina vacilante reconhece que não há que se falar em ​
aberratio ictus
neste último caso, pois o agente conhece os possíveis resultados de sua ação e aceita o risco
de produzi­los (dolo eventual), não havendo erro, portanto. O agente é punido em relação ao
crime que cometeu com dolo e punido pelos resultados não previstos de sua ação criminosa
com as regras do concurso formal (unidade complexa) ou é punido como se a vítima atingida
em erro fosse a desejada, desconsiderando o erro (unidade simples). O dolo está no tipo, não
no tipo da regra principal, mas sim da acessória: o art. 73 do CP. Este tipo acessório pune o
aberratio ictus​
agente no ​ , transferindo para o segundo resultado o dolo relativo à primeira
vítima (unidade simples) e protegendo o bem jurídico lesado além da vontade do agente por
erro quanto à extensão dos danos derivados da ação dolosa (unidade complexa), aplicando o
concurso formal. O erro aqui ocorre numa situação em que o agente adota uma conduta
proibida pelo ordenamento jurídico, porém não prevê a extensão de seu ato doloso: não é o
caso de falta de cautela, há dolo direto em relação à ação criminosa em concurso formal com
os resultados concomitantes obtidos por erro quanto à extensão da ação dolosa. A doutrina
penalista deveria repensar o ​
aberratio ictus com unidade complexa, diferindo o erro de
execução sobre a pessoa (unidade simples) do erro de execução em relação à extensão do
resultado da ação criminosa (unidade complexa).

​berratio criminis
2.2.1.2.4 Erro em relação ao bem jurídico protegido: a

O erro aqui é em relação ao bem jurídico, cometendo um crime diverso do pretendido.


Divide­se em dois tipos: com unidade simples; com unidade complexa. De forma similar à
aberratio ictus ​
em relação às vítimas, no ​
aberratio criminis com unidade simples o agente
pratica ação contra um bem jurídico protegido, mas lesa outro diverso, por exemplo: tenta
causar dano ao patrimônio, mas provoca lesão corporal ao atirar uma pedra num carro
atingindo somente um transeunte, ou vice­versa. Novamente não se avalia a culpa do agente, o
qual na verdade agiu com dolo, provocando um resultado diverso do pretendido. A Lei Pena
novamente protege o bem jurídico prevendo no art. 74 que o agente responde pelo resultado
se o crime admite forma culposa. Não é culposa a ação do agente, porém o direito penal impõe
ao resultado desafortunado de sua ação dolosa a reprimenda cominada para o crime culposo
ao qual esta ação dolosa se encaixa, não deixando que um bem jurídico atingido sem culpa ou
sem dolo direto fique desprotegido como se irrelevante penal fosse: novamente o dolo fará
parte do tipo penal acessório: o do art. 74 do CP. Nos casos classificados como de unidade
complexa, o legislador repetiu a reprimenda prevista para os de unidade simples, sendo ainda
redundante ao reafirmar a aplicação do concurso formal. Concluindo, o dolo está no tipo, não
no tipo principal, mas no acessório. Caso a ação dolosa atinja outro bem jurídico, reprime­se a
ação dolosa com as cominações previstas para a forma culposa prevista para o fato típico e
ilícito.

​berratio causae
2.2.1.2.5 Erro sobre o nexo causal: a
O agente tenta lesar um bem jurídico protegido estando em erro em relação ao nexo de
causalidade. Exemplo: tenta matar um inimigo, mas se utiliza de açúcar ao invés de veneno:
caso nada aconteça, será um irrelevante penal, mas se a vítima for diabética e vir a falecer por
hiperglicemia o erro torna­se irrelevante, não excluindo o dolo. Caso o agente encontre seu
inimigo no chão e presuma erradamente que este está morto, não sabendo que sofre de
catalepsia, enterrando­o vivo para ocultar seu cadáver, estaremos diante da figura anterior
aberratio criminis​
(​ ), pois o agente não quis matá­lo (prova muito difícil...) e sim ocultar o
cadáver, por medo de ser acusado de homicídio. Se por outra forma achou ter assassinado seu
inimigo cataléptico com um golpe na cabeça simulando em seguida um enforcamento, o agente
quis matá­lo e conseguiu, pouco importando se a vítima morreu pelo golpe na cabeça ou pela
corda, o nexo causal (em erro) não alterou o resultado morte, respondendo o agente por
homicídio doloso.

2.2.2 ​
Erro de proibição

Em relação à culpabilidade, o crime já estará caracterizado, passando­se à análise da


capacidade do agente em ser punido. Como visto no item 2.2, para a teoria limitada da
culpabilidade o erro sobre uma situação de fato é erro de tipo, enquanto que o erro sobre a
existência ou limites de uma causa de justificação é erro de proibição.
Na análise da ilicitude, verificam­se os tipos permissivos e as posições de garantidores
dos agentes e a influência do erro de proibição. Em relação aos tipos permissivos, o agente
sabe estar praticando ação típica, mas age com a permissão da Lei Penal que retira o caráter
criminoso de sua ação, como na legítima defesa sem excesso. Por outro lado, em certas
situações a Lei Penal impõe ao agente determinadas condutas a fim de proteger o bem
jurídico, como no caso do pai que deve ajudar seu filho que se afoga na piscina (garantidor).
O agente sabe que sua ação caracteriza crime, mas também sabe que o ordenamento
lhe possibilita agir desta forma em certas situações. Quando, por erro, o agente imagina que o
ordenamento autoriza a sua ação (ou inação) descaracterizando o caráter ilícito da ação típica
estaremos diante do erro de proibição. Por exemplo, o agente sabe que matar é crime, mas
supõe que matar um assaltante armado com um estilete disparando contra ele vários tiros é
ação autorizada (tipo permissivo) pelo ordenamento jurídico. A babá que imagina não ter que
salvar a criança do afogamento, pois para ela apenas os pais são garantidores.
Podem ser escusáveis ou inescusáveis. O legislador adotou a tese do potencial
conhecimento da ilicitude, devendo a análise da culpabilidade no erro de proibição avaliar se o
agente tinha a possibilidade de conhecer o caráter injusto de sua ação ou omissão (evitável) ou
se não tinha. Havendo a possibilidade, responde pelo crime, mas com diminuição de pena; não
havendo, não responde, pois não tinha como saber que a ação era ilícita.

2.2.3 ​
Conclusão sobre o conceito de erro no direito penal

Como visto na definição de erro no Minidicionário Aurélio, o erro reflete uma falsa
percepção da realidade. Quando esta falsa percepção interfere na intenção do agente, na sua
conduta, desconsidera­se o resultado da ação em erro e considera­se o resultado como se
fosse o inicialmente imaginado pelo agente, como no erro de tipo acidental acerca da pessoa,
desconsiderando­se o erro mesmo que para prejudicá­lo, como no caso do erro sobre
circunstância privilegiadora. Caso o erro seja irrelevante em relação à vontade do agente, não
a modifica. O erro não exculpa o agente dos danos resultantes de sua ação dolosa em erro que
aberratio ictus ​
excederam sua vontade inicial, como visto no ​ com unidade complexa e no
aberratio criminis ​
com unidade complexa.

2.3 ​
Conceito de erro no Direito Civil

O atual Código Civil (CC/02) trata do erro em seus artigos 138, 139, 140 141, 142, 143 e
144, a respeito dos defeitos do negócio jurídico, e em seus artigos 171, II e 178, II, quando trata
da invalidade do negócio jurídico. Só nos interessa neste trabalho a análise da parte geral,
devido à natural limitação do objeto desta monografia. Mais uma vez a intenção do agente será
analisada para se saber as consequências do erro nos negócios jurídicos.
Segundo o professor Flávio Tartuce Silva, em aula ministrada no programa saber
direito, os negócios jurídicos são os fatos humanos (jurígenos) caracterizados pelo elemento
volitivo e pela composição de interesses com finalidade específica. Segue o professor citando a
concepção de Pontes de Miranda, dividindo o negócio jurídico em três planos: existência,
validade e eficácia (escada Ponteana), onde os pressupostos de existência são os substantivos
partes, vontade, objeto e forma e os pressupostos de validade são estes mesmos substantivos
acrescentados a determinados adjetivos, completando­os: partes capazes; vontade livre, sem
vícios; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; forma prevista ou não defesa em
lei. Estes dois planos iniciais compõem, para o professor Tartuce, os elementos essenciais dos
negócios jurídicos, devendo estar presentes para caracterizar sua existência e validade; o
plano da eficácia compõe os elementos acidentais, os efeitos práticos dos negócios jurídicos:
condição, termo, encargo, juros, regras de inadimplemento, regime de bens, registro imobiliário,
passim)​
dentre outros. (2009, ​
O interesse deste estudo se concentra portanto no plano da validade (um dos
pressupostos essenciais), mais especificamente na expressão vontade sem vícios.

2.3.1 ​
Erro como defeito do negócio jurídico

Segundo o professor Silvio Rodrigues, a solução adotada pelo CC para a análise da


vontade do agente foi a adoção da teoria da confiança, onde a declaração de vontade deve
prevalecer sobre a própria vontade, porém a pessoa a quem esta vontade foi declarada deve
agir de boa fé, não merecendo a proteção do Direito caso conheça ou possa conhecer a
verbis​
divergência entre o querido e o declarado em atuação de mediana diligência, ​ :

Se a declaração difere da vontade, é a declaração que deve prevalecer, pois a


pessoa a quem é dirigida decerto não tinha elementos para verificar tal
disparidade. Se, entretanto, esse contratante conhecia a divergência entre o
querido e o declarado, ou se podia conhecer atuando com mediana diligência,
então não sofre prejuízo com o prevalecimento da vontade real sobre a
declarada, nem merece que se lhe conceda proteção, pois entrou consciente no
negócio, conhecendo os riscos que ameaçavam sua anulação; quiz valer­se de
um engano da outra parte, ou então atuou com negligência, fatos que o não
et seq.)​
intitulam à simpatia do legislador. (2007, p. 185 ​

Logo, o erro apenas considerado não faz prevalecer a vontade querida sobre a vontade
declarada, pois se a parte a quem se dirige a vontade não conhece ou não tem como conhecer
do erro, não há se falar em anulação do negócio jurídico. Por opção legislativa, o erro que
acomete a parte que declara a vontade deve ser percebido pela outra parte ou perceptível de
modo a inquinar de vício o negócio jurídico, tornando­o anulável.
Além da análise da vontade, o CC, em seu art. 138, positiva que o erro deve ser
verbis:​
substancial. O próprio CC conceitua o erro substancial no art. 139, ​

Art. 139 [...]

I ­ interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a


alguma das qualidades a ele essenciais;

II ­ concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a


declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante;

III ­ sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo
único ou principal do negócio jurídico [...].

Excluindo­se os casos de inexistência e de invalidade do negócio jurídico por ilicitude ou


inidoneidade do objeto, no erro em relação à natureza do ato o agente declara sua vontade
com erro em relação ao tipo de negócio jurídico desejado e a outra parte conhece ou deveria
conhecer do vício. É o caso do ignorante das leis que firma contrato de comodato em relação
ao seu único bem imóvel, donde provém toda a sua renda, com um advogado. Este deveria
saber que, ao contratar, o ignorante desejava obter renda com o negócio, acreditando vir a
receber um valor mensal por ceder suas terras para o pasto do gado do contratante, em um
valor próximo ao que sempre recebeu das outras vezes que emprestou verbalmente o seu
imóvel aos outros vizinhos, desconhecendo ser o comodato um contrato gratuito. Anulável,
portanto, tal contrato.
No erro sobre o objeto principal da declaração, não se trata de uma casa que foi
adquirida imaginando­se conter vinte janelas e que se constatou possuir apenas dezenove.
Trata­se de em erro que efetivamente possa, no caso concreto, interferir na vontade da parte,
como no caso do ignorante das leis que, para o pasto, aluga a sua propriedade para um
advogado e este vem saber que quase todo o terreno alugado é montanhoso e a parte plana
não é suficiente para alimentar sequer parte do seu rebanho. Neste caso, ignorante foi o
advogado, pois o ignorante das leis (a outra parte) conhecia ou deveria conhecer o erro do
advogado que contratou imaginando ser toda a metragem do terreno apropriada para o pasto.
Em relação às qualidades do objeto, recai em erro quem compra taças de vinho em
refinada loja revendedora de vinhos de altíssima qualidade, imaginando serem de cristal, e
posteriormente verifica serem as taças de vidro. O vendedor conhecia ou deveria conhecer
este erro, pois ao adquirir as taças neste estabelecimento, o cliente certamente imaginou
serem tais taças apropriadas para o consumo dos vinhos de altíssima qualidade ali vendidos.
Anulável a venda das taças.
Se o erro recai sobre qualidades especiais da pessoa a quem a declaração se refere,
também será anulável o negócio jurídico. Se por exemplo alguém contrata um retratista
acreditando este um ser famoso pintor de mesmo nome, poderá devolver o quadro e anular o
negócio caso o retratista não tenha feito tal esclarecimento previamente à contratação.
Em alguns casos a teoria da confiança não responde de forma satisfatória,
especialmente quando ambas as partes encontram­se em erro e ambas agem de boa fé e com
a diligência normal em face das circunstâncias do negócio jurídico. Usamos então a concepção
de Pontes de Miranda da escada ponteana para resolver tais casos. No caso da catástrofe
onde várias pessoas salvam as vidas de outras várias pessoas: se uma parte faz doação à
outra acreditando estar premiando seu salvador e ambos acreditam neste fato, e se
posteriormente os vídeos gravados revelam que outro foi o salvador, ambas as vontades
estarão viciadas, inquinando o negócio jurídico de invalidade, podendo, por opção legislativa,
ser anulado por qualquer das partes. Neste caso, não foi a traição à confiança que viciou o ato,
mas um defeito num pressuposto de validade. A vontade de ambos está viciada por um erro
sobre característica essencial do negócio jurídico. Não há diferença entre a vontade emitida e a
desejada, é a mesma vontade desejada e emitida pelas partes que está inquinada de erro. De
outro modo, o negócio jurídico não seria realizado de boa fé, enquadrando­se nestes casos na
teoria da confiança: caso ambos soubessem, não se realizaria de boa fé em relação a
terceiros; caso apenas o salvador soubesse, estaria agindo com dolo, justificando o erro do
doador; caso apenas o doador soubesse, não poderia alegar erro, pois conhecia os fatos e
ninguém pode alegar sua própria torpeza em proveito próprio, segundo velho adágio. O ato
existiu, pois houve acordo de vontades emitidas conforme o desejo de seus emitentes, mas foi
inválido, pois esta vontade estava viciada, neste caso por erro.
O inciso III do art. 139 do CC acrescenta mais uma característica a ser respeitada para
pleitear­se a anulação do negócio jurídico: o erro deve recair sobre característica essencial do
negócio jurídico.
Por fim, para o direito civil, pode dividir­se em escusável e inescusável. O erro
inescusável é o erro em que o agente não agiu com as cautelas necessárias e dele esperadas,
não podendo alegá­lo para pleitear a anulação do negócio jurídico. O direito penal adotou,
como visto no item 2.2.2, a tese do potencial conhecimento da ilicitude para explicar e aplicar
esta dicotomia, devendo a análise da culpabilidade no erro de proibição avaliar se o agente
tinha a possibilidade de conhecer o caráter injusto de sua ação ou omissão (inescusável) ou se
não tinha (escusável). Havendo possibilidade, responde pelo crime, mas com diminuição de
pena; não havendo, não responde, pois não tinha como saber que a ação era ilícita. Não há no
direito civil nada que amenize as consequências do erro inescusável, como no direto penal. A
teoria da confiança, adotada para dar segurança jurídica aos negócios jurídicos, prevê a
atuação de boa fé das partes contratantes, não se imaginando como abrandar as
consequências da emissão de vontade pela parte que não tomou todas as cautelas que dela se
espera, como no caso do construtor que compra terreno que sofreu recuo por parte da
prefeitura, pois por sua atividade deveria sabê­lo.
No Recurso Especial n. 744.311­MT, decidido pela Quarta Turma do STJ, um banco,
autor, pretendeu anular a transferência de uma fazenda, cuja localização divergia da que
constava na escritura. Verificou­se ainda que a área indicada, na realidade, pertencia a
terceiros, e não ao devedor que utilizou esta propriedade para saldar suas dívidas com o
banco. Teria havido erro essencial, apto a anular a escritura de dação em pagamento. Segue a
verbis​
ementa, ​ :

Recurso Especial 744311 / MT


Quarta Turma
Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO
Data do Julgamento 19/08/2010
Data da Publicação/Fonte DJe 09/09/2010
2. O erro que enseja a anulação de negócio jurídico, além de essencial, deve ser
inescusável [sic], decorrente da falsa representação da realidade própria do
homem mediano, perdoável, no mais das vezes, pelo desconhecimento natural
das circunstâncias e particularidades do negócio jurídico. Vale dizer, para ser
escusável o erro deve ser de tal monta que qualquer pessoa de inteligência
mediana o cometeria. 3. No caso, não é crível que o autor, instituição financeira
de sólida posição no mercado, tenha descurado­se das cautelas ordinárias à
celebração de negócio jurídico absolutamente corriqueiro, como a dação de
imóvel rural em pagamento, substituindo dívidas contraídas e recebendo imóvel
cuja área encontrava­se deslocada topograficamente daquela constante em sua
matrícula. Em realidade, se houve vício de vontade, este constituiu erro
grosseiro, incapaz de anular o negócio jurídico, porquanto revela culpa
imperdoável o próprio autor, dadas as peculiaridades da atividade desenvolvida.

Neste caso concreto, a parte autora alegou a teoria da confiança, mas não cumpriu, ela
própria, o que dela se espera: verificar as escrituras do imóvel, como faz qualquer instituição
financeira. Quem analisa, valora e financia bens imóveis corriqueiramente em inúmeros
negócios jurídicos celebrados a todo instante não pode se escusar no erro de avaliação destes
mesmos bens. O erro é inescusável, não pode ser alegado. Não há como imaginar os bancos,
a todo o momento, alegando erro de avaliação dos imóveis nos contratos que celebra
diuturnamente.

2.4 ​
Conceito de erro médico

O erro médico é o conceito que se busca conhecer melhor com esta monografia.
Baseado na literalidade dos termos, erro médico seria o erro cometido pelo médico em sua
atuação profissional: ato ou efeito do erro em sua atuação, juízo falso, engano, incorreção,
desvio do bom encaminhamento do caso clínico. A locução erro médico culposo, adotada pela
doutrina e pelo CFM, representa uma perigosa simplificação, pois neste caso o agente forma
um falso juízo da realidade por imperícia, imprudência ou negligência, levando o intérprete a
imaginar que o erro apenas se forma por culpa. A princípio, far­se­á uma análise de outros
termos importantes que devem ser conhecidos e diferenciados do conceito de erro médico.

2.4.1 ​
Iatrogenia

A iatrogenia é uma palavra de origem grega, onde ​ genia​


iatrós significa médico e ​ ,
origem. Consiste num efeito indesejado decorrente da atuação positiva do médico. Não exige
necessariamente a culpa do profissional, pois basta que a atuação positiva do médico cause
objetivamente um mal ao enfermo. A iatrogenia em sentido lato, sem atuação culposa do
profissional, consiste em desfechos conhecidos ou não que, sem o tratamento prescrito, não
ocorreriam, mas que se justificam pela total impossibilidade de haver medicina caso fossem
inadmitidos pelo direito, por exemplo: cicatrizes operatórias, cegueira depois de retirada de
tumor cerebral no lobo occipital, morte decorrente de sangramento excessivo durante
procedimento cirúrgico complexo, osteomielite resultante de osteossíntese de fratura fechada
de fêmur, tumores secundários ao tratamento quimioterápico do tumor primário, entre inúmeros
outros. Representa um termo de significado amplo, não sendo gênero dos termos que se
seguem por estar necessariamente atrelado à atuação positiva do médico, porém criando
confusão terminológica como se vê nos exemplos acima, podendo servir de adjetivo para
reforçar a origem do efeito indesejado, por exemplo: mal resultado iatrogênico, complicação
iatrogênica. Em sentido estrito, origina­se da culpa do profissional (iatrogenia culposa), por
negligência ou imprudência, confundindo­se com o que vulgarmente chamam de erro médico.
A diferenciação da locução erro médico em relação à iatrogenia culposa tornará possível a
compreensão mais precisa do erro médico sob a ótica do Direito Civil Constitucional, objeto
deste estudo.

2.4.2 ​
Mau resultado

França G. V. conceitua o mau resultado como mais uma hipótese de infortúnio


profissional, além do erro médico, ligada a questões que fogem ao controle do profissional,
verbis​
como a falta de leitos nos hospitais, ​ :
[...] não é justo se concordar com a alegação de que todo resultado infeliz e
inesperado seja um erro médico. Com isso não se quer afirmar que o erro
médico não exista. Ele existe, e até mais do que desejariam os médicos.
Quando ele está presente é decorrente de uma forma anômala e inadequada de
conduta profissional, contrária à ​
lex artis e capaz de produzir danos à vida ou à
saúde do paciente por imprudência ou negligência. O que se quer afirmar com
isso é que além do erro profissional há outras causas que favorecem o ​ mau
resultado​, como as péssimas condições de trabalho e a penúria dos meios
indispensáveis no tratamento de pessoas. (2011, p. 544)

Melhor definindo, o mau resultado está associado à expectativa do médico em relação


ao desfecho de sua atuação no caso concreto. Dos vários resultados possíveis que podem
ocorrer, conhecidos previamente ou não, alguns são considerados bons e outros ruins, aquém
do esperado pelo médico. Percebe­se sua existência, tomando­se um exemplo singelo e
hipotético, quando o profissional justifica a prescrição de um fármaco antibiótico fundado em
pesquisa científica que demonstra um resultado em que 90% dos indivíduos tratados evoluem
com a cura da infecção. Por óbvio, os 10% restantes nesta estatística apresentam outros
grosso modo​
desfechos menos favoráveis de seus tratamentos, ​ , o índice de maus resultados
previamente esperados e conhecidos. Não há culpa do profissional, porém exige­lhe vigilância
quanto à sua ocorrência. Sua avaliação tem parcela subjetiva e apresenta pequena variação
entre os profissionais. Explica­se esta variação, pois os médicos podem analisar os resultados
de um tratamento embasados por estudos científicos diversos, até mesmo divergentes;
também há variação por não serem idênticas suas experiências profissionais: a medicina não é
uma ciência exata. O bom resultado nem sempre é a cura, pode ser a sobrevida, como nas
cirurgias para retirada de câncer na cabeça do pâncreas onde os índices analisados são os de
sobrevida em cinco anos, no caso específico de apenas 20%, com alto índice de óbitos durante
o procedimento operatório. (Conlon KC et al, 1996, p. 273) O bom resultado neste caso é o de
menor incidência (apenas 20% sobrevivem por cinco anos). Frases como: "evoluiu mal",
"agravou­se o quadro clínico", "não respondeu às manobras de ressuscitação", exemplificam
bem o mau resultado. Não é consequência, necessariamente, de conduta culposa, pois
depende de outros fatores como a gravidade da doença, a eficácia dos tratamentos existentes,
sendo geralmente ocasionado pela própria natureza probabilística do conhecimento médico.
Difere do erro, pois o mau resultado parte de uma análise comparativa entre os
desfechos possíveis de determinado tratamento enquanto o erro médico, como proposto neste
ponto da monografia, relaciona­se com os caminhos traçados pela atuação médica na arte de
diagnosticar e tratar as enfermidades humanas. O mau resultado deve ser o ponto de partida
para a análise do erro médico.

2.4.3 ​
A complicação

A complicação é um desdobramento indesejado relacionado à patologia ou ao


tratamento, levando a um agravamento do quadro clínico do paciente ou ao aumento de sua
complexidade. Ocorre, por exemplo, na perfuração espontânea de úlcera estomacal,
infeccionando a cavidade abdominal e evoluindo com o óbito. Neste exemplo, nem houve
atuação positiva do médico no evento inicial (a perfuração foi espontânea). A doença de
tratamento inicialmente simples transforma­se repentinamente em uma emergência cirúrgica
com real risco de morte. Diferencia­se do mau resultado, pois se relaciona com os
desdobramentos da doença, e não com a expectativa do médico quanto ao resultado de um
tratamento. Estes desdobramentos podem ser insignificantes e até mesmo esperados, em
casos tidos como de bom resultado, por exemplo: a infecção bacteriana do orifício de entrada
das fixações metálicas externas de uma fratura da tíbia, apenas demandando, neste caso,
melhor higiene local (Rockwood C. A. et al, 1996, p. 251). Pode relacionar­se com a culpa.
Demanda acompanhamento atento do profissional quanto à sua ocorrência, verificável pelo
exame físico ou por exames complementares. A metástase cancerígena é um exemplo de fácil
entendimento em relação às complicações relacionadas à doença em si.
Dentre as complicações relacionadas à intervenção médica positiva, temos a deiscência
de sutura, ou seja, o rompimento de um ou de vários pontos da sutura cirúrgica, em outras
palavras, rompem­se as amarras cirúrgicas que unem os tecidos suturados. As bridas, que são
traves fibrosas que formam adesões entre estruturas internas (por exemplo as alças intestinais)
após laparotomia podendo levar a complicações como a obstrução intestinal, podendo
inevitavelmente surgir em qualquer cirurgia abdominal mesmo nos dias de hoje conforme Tal:
"Postoperative intraabdominal adhesion formation is a major, up till now unavoidable
[3]​
complication of any kind of abdominal surgery."​ (Tal M.P., 2001, p. 11)

2.4.4 ​
O efeito colateral

O efeito colateral se relaciona com a prescrição positiva do profissional. Não está


relacionado diretamente à doença alvo do tratamento, surgindo efeitos indesejados ao lado dos
efeitos benéficos esperados. São, geralmente, previamente conhecidos pelo profissional. Em
exemplo corriqueiro, estão as reações alérgicas aos medicamentos prescritos, com possível
evolução para o choque anafilático com desfecho em óbito. Não há como saber se determinado
paciente é ou não alérgico a uma substância a qual nunca se expôs. Para esta verificação,
dever­se­ia expor o paciente a todas as drogas conhecidas, o que se torna inviável e arriscado,
além da possibilidade de o paciente exposto desenvolver alergia a um fármaco o qual talvez
nunca viesse a precisar, ou pior, diante de todos estes testes negativos, vir a desenvolver a
alergia em exposição posterior. Logo, apenas as alergias já desenvolvidas são relevantes na
anamnese médica. Os efeitos colaterais mais comuns são: alergia, cefaléia, náusea e vômito.
Confunde­se com a complicação nos casos onde o efeito do medicamento acarreta
alterações importantes em outra estrutura ou tecido corporal, agravando o quadro clínico do
paciente. É o caso do uso de trombolíticos para tratamento de infarto agudo do miocárdio que
pode evoluir com hemorragia intracraniana. O efeito de impedir a coagulação do sangue é o
efeito esperado do medicamento nos trombos que obstruem as artérias do coração, porém este
efeito não é desejado em outros órgãos (efeito colateral), gerando complicações como a
hemorragia intracraniana (derrame cerebral). Também o surgimento de tumor secundário à
quimioterapia é efeito colateral do medicamento, que é cancerígeno, e ao mesmo tempo
complicação relacionada ao tratamento. O efeito esperado do fármaco é a lesão intracelular
durante a divisão da célula cancerígena, matando­a. Como também lesa as células normais,
pode provocar a transformação destas em tumorais (um novo tumor maligno).
2.4.5 ​
A história natural da doença

A história natural da doença é um dado relativo à evolução do paciente sem nenhum


tratamento, geralmente comparando­se estatísticas de séculos passados anteriores à era dos
antibióticos ou anteriores ao desenvolvimento das técnicas anestésicas que viabilizaram as
cirurgias. A história natural da pneumonia pneumocócica é a morte lenta e gradual por
insuficiência respiratória, sendo hoje corriqueiro o tratamento desta doença com antibióticos de
baixo custo ministrados em comprimidos e sem a necessidade de abstenção do trabalho, com
altíssimos índices de cura (GODOY, D. V. et al, 2001, p. 193). O médico tenta mudar a história
natura da doença com suas condutas terapêuticas.

2.4.6 ​
Erro médico

O conceito de erro médico deve ser distinto do conceito de culpa (negligência, imperícia
e imprudência) para ser útil ao direito. Deve­se primeiramente avaliar o erro para então se
discutir as causas do erro, entre elas a culpa do profissional. Agindo com culpa, não estará o
médico atuando da forma esperada para tal profissão. Caso o médico prescreva um tratamento
com cefalexina para a furunculose do vigilante do hospital, a análise do erro estará incompleta
porque não temos informações acerca do resultado do tratamento. Caso evolua com a cura, a
conseguinte negligência por não reavaliar o paciente após alguns dias não terá
desdobramentos legais (resultado bom). Haverá erro caso o antibiótico prescrito não seja eficaz
contra esta furunculose neste paciente, não havendo culpa caso a justificativa para a
prescrição do antibiótico seja razoável. Haverá culpa se, na evolução do último exemplo, o
médico abandonar o paciente (negligência) e a doença piorar. Caso faça reavaliação por
telefone, ou seja, sem o exame físico do paciente capaz de determinar a causa do insucesso
no tratamento, como a formação de um abscesso (complicação), haverá imprudência. Logo, a
sucessão de atos deve ser analisada ponto a ponto para a identificação de erros e de condutas
culposas na apuração de insucessos após um mau resultado.
O erro médico deve estar relacionado com a falsa percepção da realidade devido à
natureza probabilística de muitos dos conhecimentos que embasam a escolha da conduta a ser
adotada. Ocorre quando o médico se julga apto a conduzir o ato médico ao qual se propõe
embasado em conhecimentos técnicos e em sua prática médica, mas trilha o mau caminho, a
má conduta, alcançando o mau resultado. Não há culpa se o médico estiver respaldado em
justificativa convincente para assim proceder. A atuação culposa não se precede de justificativa
convincente: não há justificativa para não se tratar uma hipertensão arterial leve em um
consultório de clínica geral, ato culposo por negligência. O ortopedista não trata a hipertensão,
mas orienta o paciente a se tratar com o clínico geral ou com o cardiologista, encaminhando o
paciente ao profissional que se propõe a tratar tais casos. Para exemplificar, me recordo de um
cardiologista que no programa intitulado sem censura, afirmou sua convicção de que, caso os
ortopedistas medissem a pressão de seus pacientes, muitos diagnósticos precoces de
hipertensão arterial seriam obtidos devido à grande prevalência das patologias ortopédicas na
população. Concordo em parte, pois como metade dos carcinomas de Cólon situam­se no
Reto, ao alcance do toque retal, talvez os ortopedistas devessem mesmo medir a pressão dos
pacientes caso os cardiologistas fizessem o exame físico completo incluindo o toque retal:
argumentos simplistas são perigosos.
Para a análise do erro médico, os efeitos colaterais, maus resultados, complicações,
história natural da doença, dentre outros termos, devem ser bem compreendidos. O erro
médico diferencia­se destes outros termos, pois aqui a atuação do médico irá se afastar do
bom caminho, da boa conduta, devido a uma percepção errônea dos fatos. Para entender e
analisar a boa conduta, os operadores do direito precisam saber minimamente como atuam
estes profissionais: não o que se escreve nos livros médicos, mas sim o modo como se utilizam
destes conhecimentos na prática dos atos médicos, como dividem as áreas de atuação, o que
sabem ou deveriam saber, como lidam com os conhecimentos novos e como se comportam
diante da impossibilidade de atuação diante de deficiências da rede hospitalar.

2.4.6.1 ​
O ato médico

França G.V. classifica o ato médico em genérico (realizado por outros profissionais de
saúde) e específico (realizado por médicos). (2011, p. 523) Discordo, pois as outras profissões
têm o seu próprio espaço de atuação, através de atos próprios, restringidos ou supervisionados
pelo médico responsável. O fonoaudiólogo não pode executar um tratamento sem uma
avaliação médica prévia que exclua diagnósticos perigosos como o câncer de cordas vocais.
O ato médico é um fato social onde o médico assiste o paciente, deduzindo
diagnósticos e prescrevendo tratamentos: as condutas. No Brasil, executam atos médicos os
profissionais formados em medicina e os formados em odontologia. As demais profissões de
saúde atuam na fase executória dos tratamentos indicados, salvo algumas exceções como, por
exemplo, a prescrição de dietas aos pacientes pelos nutricionistas sendo, porém, atividade
restringida pelo diagnóstico médico, o qual delimita esta prescrição como, por exemplo, a
ingesta de sal limitada devido à hipertensão arterial diagnosticada pelo médico.
O projeto de lei 7703/06 tramita hoje pelo senado, pois a profissão do médico ainda não
está regulamentada por lei. O centro dos debates está na questão da reserva profissional do
médico. Outras profissões da área de saúde tentam obter espaço, com o intuito de poder fazer
diagnósticos e prescrever tratamentos. A questão da responsabilidade está na tangente,
porque não se pode permitir que um profissional conduza um tratamento sem ter condições de
lidar com as possíveis complicações e sem ter responsabilidade por seus atos. Como
exemplo gritante temos as casas de parto na cidade do Rio de Janeiro. Nestes locais, não há
médicos. O CREMERJ já se posicionou sobre o assunto:

Sobre a Casa de Parto é obrigatório que a sociedade seja esclarecida sobre o


que realmente está sendo proposto e a que ficará exposta quando for atendida
em um local onde a composição de pessoal não contempla a presença do
médico em sua equipe de assistência à gestante. Essa gestante não merece ter
seu filho em um local que ela imagina de uma maneira e que, na realidade, não
vai lhe dar o suporte necessário ao atendimento de nenhuma intercorrência,
para si e para seu filho. (Pineschi A., 2006, p. 100)

A justificativa para a sua criação está no fato de que os bebês nascem com ou sem os
médicos e uma boa enfermeira obstetra, como nos bons tempos do séc. XIX, bastaria para a
boa condução destas casas de parto destinadas à população carente. Ocorre que, como se
percebe pelo bom senso, o problema está no fato de ser o parto um evento único: não há como
refazê­lo, não há como tentar outra vez, havendo complicações, a atuação para corrigi­las deve
ser imediata, no momento em que ocorrem, sob pena de morte do feto, da mãe ou de ambos.
Não há como prever quais os partos terão complicações, quais necessitarão de uma cirurgia
cesariana de urgência. É por causa desta característica de ser um evento único que os
médicos se recusam a fazer partos em locais onde não haja equipe de obstetras, centro
cirúrgico e centro de tratamento intensivo para a mãe e para o nascituro. As enfermeiras
obstetras ainda não têm formação para realizar cirurgias ginecológicas e não possuem esta
estrutura nas casas de parto. Restam as rezas do séc. XIX à população que procura esta saída
fácil e barata reservada pelo poder público para os mais pobres com o argumento da
superlotação da rede convencional. Vários artistas que antes estavam optando pelo parto em
casa com parteiras estão desistindo desta empreitada diante dos resultados desastrosos
ocorridos nestas casas de parto. Se um profissional se dispõe a atuar numa casa de parto,
médico, enfermeiro ou leigo, deverá responder pelos seus atos e terá que justificar como não
percebeu, por exemplo, as complicações do parto naquele caso específico em que o bebê e a
mãe morreram. Não poderá se valer do argumento de que não havia tempo hábil para transferir
a mãe e nem que apenas identificou as complicações em momento avançado do parto, porque
as complicações que surgem durante o parto não surgem antes do parto, simples assim. Para
o direito penal, cabe o dolo eventual, pois o diretor do órgão, o prefeito, a enfermeira obstetra
etc, sabem que existem complicações per parto, assumindo então o risco de produzir o
resultado morte. Este exemplo demonstra o risco de ceder a outros profissionais de saúde, de
forma autônoma, a atribuição de capitanear tratamentos e diagnósticos.
Apesar desta e de outras discussões, o PL 7703/06 segue no senado com a seguinte
redação do art. 4º:
Art. 4º São atividades privativas do médico:
I – formulação do diagnóstico nosológico e respectiva prescrição terapêutica.

Em relação às atividades não privativas do médico, o projeto de lei faz várias ressalvas
verbis​
onde impõe a supervisão do médico, ​ :

Art. 4º [...]
§5º Excetuam­se do rol de atividades privativas do médico:
I – aplicação de injeções subcutâneas, intradérmicas, intramusculares e
intravenosas, ​de acordo com a prescrição médica​ ;
II – cateterização nasofaringeana, orotraqueal, esofágica, gástrica, enteral, anal,
vesical, e venosa periférica, ​
de acordo com a prescrição médica​ ;
IV – punções venosa e arterial periféricas, ​
de acordo com a prescrição médica
grifos nossos.

Mesmo que nada possa fazer com suas próprias mãos em determinado caso, o médico
tem o dever de comandar as intervenções de maior responsabilidade, como o maestro que
rege uma orquestra e não produz som algum, prescrevendo o que fazer ou não fazer de acordo
com seus conhecimentos e com sua experiência em formar diagnósticos e indicar tratamentos.
Infelizmente a Ilustríssima Presidenta vetou estes artigos citados no dia 11 de julho de
2013, esvaziando a lei do ato médico, dando margem à atuação de outras profissões
fornecendo consultas, diagnósticos e tratamentos para a população mais carente ao exemplo
das casas de parto.

2.4.6.1.1 Formação do ato médico

O ato médico é composto de atos coordenados no tempo, assim como o processo o é


no direito. Geralmente o erro e a culpa se sucedem nesta ordem, embora não
necessariamente.
O médico começa seu ato com a entrevista, segue com exame físico, solicita ou não
exames complementares e formula as hipóteses diagnósticas, definindo o tratamento. Este ​
iter
comum pode ocorrer em uma ou mais consultas ambulatoriais ou avaliações emergenciais,
respectivamente no consultório ou na sala de emergência. Conforme a necessidade, podem
ser definidos tratamentos iniciais baseados no risco da demora e na verossimilhança dos sinais
e sintomas em relação a doenças graves, modificando o ​
iter comum. É o caso da imobilização
com colar cervical e prancha, compressão das feridas hemorrágicas, imobilização de membros
e infusão de soro fisiológico nas vítimas de acidente automobilístico, ocorrendo o tratamento
cautelar antes mesmo da entrada do paciente no setor de emergência. Após os exames de
praxe, pode ser que o paciente seja liberado com o diagnóstico de escoriações em coxa direita,
aparentemente não justificando a rotina acima, a qual é necessária não para proteger todos os
pacientes, mas sim aqueles que apresentam lesões graves como fraturas de coluna. Mais uma
vez a análise individual deve ser cuidadosa diante das necessidades da coletividade. Mil
procedimentos desnecessários retrospectivamente são justificados por um procedimento que
evite a tetraplegia em um acidentado.
As avaliações iniciais são seguidas de reavaliações, processo conhecido como
evolução médica. A cada evolução, dados fáticos novos são colhidos na entrevista, nos
exames físicos e complementares, podendo ou não modificar a conduta, relatando­se tudo isto
no prontuário do paciente, com as devidas justificativas, que podem ser implícitas, como, por
exemplo, no relato: "afebril em uso dos antibióticos prescritos, conduta mantida".
Em todas estas decisões, podem surgir os erros e atuações culposas. A análise das
justificativas é muito importante para a avaliação do erro e de suas causas. Deve­se levar em
conta também que as condutas cautelares baseadas em protocolos visam a proteger toda a
população e não somente o indivíduo assim considerado, como se percebe no caso do cidadão
vítima de trauma que chega inconsciente à sala de emergência e tem suas roupas cortadas
como parte do protocolo. Poderia alegar­se dano material, por estar o paciente apenas
desmaiado, porém hígido? Várias pessoas são salvas com este procedimento após a
verificação de lesões como as perfurações pulmonares, por exemplo, justificando o dano
material sofrido no caso concreto pelo paciente desmaiado. Por vezes os indivíduos tem que
suportar alguns danos para a realização do princípio da solidariedade.
2.4.6.2 ​
O conhecimento médico

As bases das decisões no ato médico estão divididas entre dois grandes grupos: os
conhecimentos determinísticos e os conhecimentos probabilísticos. No primeiro grupo temos os
conhecimentos básicos de anatomia, bioquímica, biofísica, fisiologia, patologia, semiologia,
farmacologia, clínica médica, cirurgia geral, ginecologia, obstetrícia, pediatria, psiquiatria,
entomologia, medicina legal, assimilados na forma de padrões gerais como geralmente se
apresentam em sua forma clássica, por exemplo: a fratura do colo do fêmur necessita de
tratamento cirúrgico com prótese de substituição, pois como se encontra dentro de uma
cápsula articular banhada por líquido sinovial, onde não há formação de calosidade óssea e,
portanto, não há formação de ossificação capaz de consolidar a fratura.
No segundo grupo, estão os conhecimentos probabilísticos, que também se baseiam
nas mesmas áreas do conhecimento, mas com maior complexidade. É o caso da furunculose
com abscesso, onde a drenagem do abscesso, corte para a saída do pus, é um conhecimento
determinístico, mas o tipo de antibiótico a ser ministrado se baseia num conhecimento
probabilístico: a grande maioria das infecções de pele são devidas à infecção por bactérias dos
grupos ​
streptococcus e ​
stafilococcus que em grande parte respondem ao tratamento com
A contrario sensu​
cefalexina (McCaig LF, et al, 2006, p. 1715). ​ , a minoria não responderá ao
tratamento (mau resultado), necessitando de substituição do medicamento.
Os médicos não podem, por impossibilidade humana, conhecer tudo. Não se aplica na
narra mihi factum dabo tibi jus, ​
medicina o brocado ​ utilizado pelos juízes no Direito, pois os
médicos se dividem em áreas de conhecimento para atuarem com segurança.
Enquanto o clínico geral cuida da saúde controlando a pressão arterial, o colesterol
entre outras alterações, o cirurgião geral retira o apêndice infeccionado após confirmar o
diagnóstico de seu colega clínico geral: apendicite. Outro exemplo prático é o do plantão de
emergência onde o neurocirurgião atua no trauma de crânio, o ortopedista no trauma dos
membros, o cirurgião vascular no trauma arterial e de grandes vasos, o cirurgião geral no
trauma abdominal e na coordenação do tratamento inicial em conjunto com o clínico geral,
ambos estabilizando clinicamente o paciente politraumatizado que ingressa na emergência, por
fim vem atuar o anestesiologista, possibilitando a atuação dos cirurgiões quando indicado o
tratamento cirúrgico, atuando também o intensivista quando necessário o encaminhamento à
unidade de tratamento intensivo.
Com isso, surge a questão de como saber o que o médico deve saber. Caso no
exemplo acima o neurocirurgião não saiba conduzir uma craniotomia por sempre atuar como
auxiliar de um outro neurocirurgião, o paciente morrerá. Também pode ocorrer de, nesta
grande emergência, não haver condições de realizar a cirurgia por falta de material cirúrgico.
Por outro lado, não há como cobrar de um médico o conhecimento teórico e pratico de toda a
medicina. Para solucionar estas questões, o código de ética médica prevê que o próprio
médico deve restringir a sua atuação aos casos os quais se julga capaz de conduzir, não
podendo, por outro lado, atuar em locais onde não haja condições de trabalho, v​
erbis:

Capítulo I
Princípios fundamentais:
III – Para exercer a Medicina com honra e dignidade, o médico necessita ter
boas condições de trabalho e ser remunerado de forma justa.
VII – O médico exercerá sua profissão com autonomia, ​ não sendo obrigado a
prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou ​ a quem
não deseje​ , excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de
urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do
paciente.
Capítulo II
É direito do médico:
IV – ​Recusar­se a exercer sua profissão em instituição pública ou privada
onde as condições de trabalho não sejam dignas ou possam prejudicar a
própria saúde ou a do paciente​ , bem como a dos demais profissionais. Nesse
caso, comunicará imediatamente sua decisão à comissão de ética e ao
Conselho Regional de Medicina (grifos nossos).

Nos exemplos citados, o médico pode ser neurocirurgião e não saber conduzir uma
craniotomia de emergência junto a um colega menos experiente, por ainda não achar ter ele
próprio a experiência necessária, mas pode ter seu consultório e atender aos pacientes
agendados, indicando os casos cirúrgicos e convidando outro neurocirurgião mas experiente
para auxiliá­lo em cirurgias eletivas. Com o tempo e a prática, poderá trabalhar no setor de
emergências conduzindo uma craniotomia junto a outro neurocirurgião menos experiente.
Embora o médico não possa se escusar pelo desconhecimento, pode e deve recusar­se
a tratar quem não deseje, tanto por convicções pessoais, inimizade por exemplo, quanto por se
julgar incapaz tecnicamente na condução do caso específico.

2.4.6.2.1 O conhecimento fático no caso concreto

Em relação às informações fáticas, a análise inicial deve voltar­se para uma melhor
definição de quais devem ou não ser pesquisadas, pois o médico assume a posição de
garantidor na relação médico­paciente, tendo o dever de atuar após aceitar o caso o qual julga
inicialmente ter a capacidade técnica necessária ou de se socorrer com outro colega. É o caso
do cirurgião geral no setor de emergências que, diante de uma lesão hepática complexa,
coloca várias compressas de pano comprimindo o fígado para conter o sangramento e
interrompe a cirurgia fechando a incisão abdominal, pois prefere convocar o cirurgião
especialista em fígado para uma nova intervenção cirúrgica ao invés de agravar a lesão
tentando ele mesmo repará­la.
Não se admite a falta de certos tipos de conhecimento fático, pois a anamnese médica
possui uma parte dirigida em que perguntas obrigatórias são feitas ao paciente, como por
exemplo: se o paciente é alérgico a fármacos, se possui doença prévia, etc. Não pode alegar o
ortopedista que operou o membro contra­lateral sadio por não saber quem era o paciente ou
por basear­se em informações errôneas escritas no prontuário, pois deveria ter feito a
anamnese ao menos uma vez antes de operar o paciente, mesmo que esta anamnese se
resuma a algumas palavras: lesão meniscal em joelho direito, por exemplo, caracterizando
imprudência. Deve também solicitar os exames complementares que julgue importantes para
comprovar suas suspeitas clínicas.
Mas nem sempre a falta de um exame caracterizará culpa, pois não haveria erro caso
todos os exames complementares existentes fossem realizados em todos os pacientes após
avaliação por médicos de todas as especialidades, o que é por óbvio impossível por motivos
econômicos e práticos, pois o indivíduo deixaria de viver para ficar exclusivamente à disposição
dos horários de inúmeros e diversos laboratórios e clínicas sendo revirado ao avesso a cada
tosse ou dor muscular. Não é a falta de solicitação de um exame por si só, mas sim a falta de
justificativa razoável e de acordo com a prática médica cotidiana para a sua não realização que
deve ser evitada. Caso deixe de complementar seu exame diante de um diagnóstico de
razoável probabilidade, como visto no caso do infarto do miocárdio de apresentação atípica,
sua conduta não terá sido razoável. Ao contrário, caso não peça exames para um paciente com
queixa vaga de dor lombar há dois dias, estará de acordo com a prática médica cotidiana,
mesmo que seja posteriormente caracterizado o erro médico no caso específico com o achado
de linfoma ósseo de coluna lombar obtido através de uma radiografia solicitada quinze dias
após por outro médico, pois a observação por quinze dias é a conduta habitual nas lombalgias
devido à impossibilidade de solicitação imediata de radiografias para as milhões de pessoas
que anualmente apresentam dor lombar autolimitada de origem muscular ou ligamentar. É o
mesmo raciocínio utilizado pelos infectologistas que preconizam a imunização para febre
amarela apenas nas áreas endêmicas, evitando que toda a população se submeta aos efeitos
colaterais da vacina (entre os quais a morte por anafilaxia). Logo, não basta o exame ou a
informação estarem ao alcance do médico, o seu conhecimento ou pesquisa devem ser
exigíveis diante das práticas médicas cotidianas razoáveis, nas condições em que se
apresentam. O erro médico, na análise exercitada até este ponto da monografia, seria aquele
onde o médico acreditou estar trilhando a boa conduta, a qual revelou­se ruim posteriormente
com o mau resultado atingido, afastando a culpa se a justificativa que motivou sua decisão for
razoável diante dos conhecimentos fáticos que pesquisou ou que deveria ter pesquisado em
conformidade com a prática médica cotidiana.

2.4.6.2.2 Análise da imperícia médica

Existe a presunção de que o médico detém o conhecimento técnico necessário para a


prática do ato médico que se propõe a realizar, não havendo como justificar o conceito de
imperícia que se converte ou em imprudência, caso derive de atos positivos, ou em negligência
por atuação negativa.
Por basear­se em conhecimentos probabilísticos e informações incompletas, o erro é e
deve ser sempre esperado pelo médico. O que não se concebe é atuação culposa (negligência
ou imprudência). Por exemplo, caso não seja cirurgião, não deve operar uma apendicite
apenas pelo fato de tratar o paciente em seu consultório há anos devido à hipertensão arterial,
pois a imperícia na realização de seus atos positivos seria considerada uma imprudência.
Também não deve deixar de atuar por desconhecimento técnico, pois pode se valer dos
conhecimentos dos outros médicos de outras especialidades configurando negligência por
atuação negativa (caso uma simples lesão de pele não encaminhada ao dermatologista se
mostre mais tarde um câncer). Se não trata a hipertensão leve de seu paciente é negligente,
pois deveria conhecer a doença que se propõe a tratar ou encaminhar o paciente a quem tenha
as condições técnicas necessárias. Por outro lado, se prescreve penicilina para o tratamento de
infecção de pele, como fazia no início da carreira, a imperícia se converte em imprudência, pois
deveria saber que este antibiótico não é mais o adequado para este tratamento.
2.4.6.3 ​
Definição de boa conduta

Até agora, os exemplos de conduta médica apresentados foram simples, quase


caricatos. O maior problema para o julgador se concentra nas sucessivas decisões que
embasam os atos encadeados que compõe a conduta médica. Ao tomar uma decisão, o
médico deve procurar pelo bom caminho, a boa conduta. Mas como defini­la objetivamente no
julgamento de um caso concreto?
empus regit actum​
Segundo o velho brocado t​ , cada decisão é tomada de acordo com a
situação que se apresenta diante do médico, e não após a necrópsia. Cada decisão, como num
jogo de xadrez, terá repercussões em todos os atos subsequentes, às vezes de forma
imprevisível mesmo para os melhores especialistas e enxadristas. Portanto, a boa conduta
pode ser evidente retrospectivamente, mas de impossível detecção prospectiva. Um paciente
pode reclamar de rouquidão que perdura por dois dias obtendo do médico a prescrição de um
paliativo e o pedido de seu retorno em quinze dias. Após duas semanas de rouquidão, procura
um especialista e submete­se a uma laringoscopia, obtendo­se o diagnóstico de câncer de
cordas vocais. Correta a suspeita após os quinze dias, mas se todos os médicos
encaminhassem os seus pacientes para o especialista devido à queixa de rouquidão por dois
dias, não haveria recursos no sistema de saúde público ou privado para suprir esta avalanche
de demandas por exames desnecessários e normais. Este caso único é a exceção, todos os
inúmeros pacientes que, dentre outras queixas, reclamaram de uma breve rouquidão obtiveram
o tratamento correto com paliativos. O médico achou estar seguindo a boa conduta, mas
estava seguindo o caminho errado, caracterizando o erro médico nesta visão retrospectiva,
porém optou pela melhor conduta possível diante dos dados que dispunha e a sua justificativa
é evidentemente convincente e de acordo com o que se espera da prática do médico
generalista, apenas mais tarde mostrando­se incorreta. A boa conduta não é igual para todos
os casos e não é necessariamente evidente prospectivamente no caso concreto. A boa
conduta só pode ser definida após o tratamento, após a tomada de decisão, depois de trazidos
à tona todas as informações não disponíveis para o médico quando optou por certa conduta,
por exemplo, as informações da autópsia. Esta diferença entre a boa conduta vista
retrospectivamente e a conduta efetivamente adotada é a base para o entendimento do erro
médico, pois o médico deve perseguir a conduta correta com as informações probabilísticas e
incompletas que possui diante de si. Com o aclaramento posterior da incorreção de sua
conduta, caracteriza­se o erro médico, sem culpa caso sua justificativa seja razoável, ou com
culpa, caso não seja.
A justificativa para seguir uma conduta é definida tanto por conhecimentos técnicos
quanto pela experiência do médico. É a subjetividade desta justificativa que torna difícil sua
avaliação. Para se obterem fatores objetivos de avaliação, devem os julgadores inicialmente
avaliar retrospectivamente qual a conduta deveria ter sido adotada. Se divergente da conduta
efetivamente adotada, deve­se avaliar a justificativa do médico para definir a existência de
culpa. O mais próximo que temos no direito para nos ajudar nesta definição é o chamado
mérito administrativo. O judiciário não interfere no mérito dos atos administrativos, nas escolhas
dos agentes públicos, apenas julga a legalidade de suas ações, e analisa os limites deste
mérito. Segundo Carvalho, M. V.:

Importante observar que o juiz pode analisar os limites do mérito administrativo,


uma vez que são impostos pela lei. De fato, a análise dos limites do mérito não é
mérito, mas sim legalidade. Por exemplo, quando se trata de conceitos jurídicos
vagos. Há uma zona de incerteza na qual o administrador decide dentro do
interesse público. Ocorre que a interpretação destes conceitos deve ser feita
.​
dentro dos limites da razoabilidade​(2012, p.29)

O julgador não deve decidir qual a conduta deveria ter sido tomada pelo médico, mas
sim analisar se a conduta escolhida foi motivada com justificativa razoável, caso divirja da boa
conduta analisada retrospectivamente. Não é absurda a forma retroativa de avaliação da
melhor conduta, é até comum. As avaliações retroativas encaram o médico como um
representante divino, onisciente, e não levam em conta as informações que tinha o médico
quando tomou sua decisão, segue exemplo de julgado neste exato sentido:

APELAÇÃO CÍVEL Nº 0139144 74.2006.8.19.0001


APELANTE: MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO
APELADO: JOSILEIDE ARAÚJO DE BRITO E OUTRO
RELATORA: DES. GILDA MARIA DIAS CARRAPATOSO
ORIGEM: 3ª VARA DE FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DA CAPITAL
[...] Laudo Pericial de fls. 137/149 conclui que tal procedimento foi o adequado
para o quadro apresentado, argumentando ser difícil a verificação de meningite
em crianças de 03 (três) meses a 2 (dois) anos de idade (fls. 140) e que, no
caso específico, a menor, por nascer prematura e baixo peso, teria uma maior
predisposição a doenças e infecções (fls. 142). Por certo, se é difícil crianças de
tenra idade apresentarem o quadro clínico clássico de meningite, maior deveria
ter sido a diligência e o cuidado do médico, ainda mais tratando­se de uma
menina que nasceu prematuramente e que, em razão desta condição, tem seu
sistema imunológico deficiente. Infelizmente, o Laudo Técnico é omisso quanto à
informação de que os exames procedidos sejam suficientes e compatíveis para
diagnosticar doenças relacionadas aos sintomas apresentados, que foram bem
genéricos ­ febre e vômito (quesito 5, às fls. 143). ​
É sabido que a doença que
retirou a vida da menor desenvolve­se rapidamente, devendo, portanto,
ser realizados exames específicos para detectar a patologia em estágio
inicial, o que não foi feito​
[...] (grifo nosso).

Para a análise da razoabilidade da conduta adotada, deve o julgador informar­se como


tal situação é conduzida na prática cotidiana naquela especialidade ou área de atuação, sob
pena de condenar todas as crianças prematuras com febre e vômitos a uma punção lombar,
procedimento altamente invasivo e por si só causador de meningite: critérios individuais devem
ser vistos com cuidado, pois o aumento da segurança individual neste caso se dá junto à
diminuição desta mesma segurança para os outros prematuros com febre e vômitos numa
análise coletiva. Se a justificativa para a conduta adotada é aceita e repetida na prática
cotidiana, logo terá sido razoável. Se estudos recentes fundamentam a justificativa, mesmo
diante de estudos divergentes, também haverá razoabilidade. Não havendo justificativa
razoável para a conduta que se mostra ruim retrospectivamente, então estaremos diante das
figuras associadas à culpa: imprudência e negligência. Cada decisão do médico deve ser bem
justificada para demonstrar a sua busca pelo bom caminho. Seria razoável a amputação
imediata do membro na fratura exposta da tíbia sem lesão da inervação, dos vasos sanguíneos
e sem lesão importante da musculatura? Neste caso, vários desfechos bons ou ruins poderiam
resultar de conduta diversa (a fixação da fratura), por exemplo: consolidação da fratura (cura),
pseudo­artrose, embolia gordurosa com insuficiência respiratória e morte, gangrena gasosa,
osteomielite incapacitante evoluindo para amputação, etc. Há, portanto, um caminho diverso do
adotado que leva a resultados imprevisíveis. Qual deles é o bom caminho? O desfecho no caso
concreto é de impossível conhecimento diante da opção tomada no primeiro momento, a
amputação, dificultando de início a análise retrospectiva da boa conduta diante da possibilidade
das complicações mais graves na opção pela fixação da fratura, incluindo a morte e a
amputação tardia. No caso concreto, a amputação primária produz morbidade, mas a tentativa
de conservação do membro pode levar a morte. A análise retrospectiva da boa conduta neste
caso vai além das informações obtidas com a evolução dos fatos, pois a amputação leva à cura
a posteriori​
imediata do paciente. Não há mais nada a saber ​ . A boa conduta aqui deve ser
analisada levando­se em conta dados probabilísticos referentes a conjecturas sobre o possível
desfecho de uma conduta diversa. Logo, o bom caminho não pode ser analisado de maneira
simples, de acordo com desfechos isoladamente considerados no caso específico, mas deve
ser considerado do ponto de vista probabilístico de todos os desfechos possíveis na análise
conjectural e retrospectiva da boa conduta. Não se pode esquecer que o médico age
prospectivamente e o Juiz geralmente julga retrospectivamente. A boa conduta deve ser aquela
em que as chances de sucesso são maiores, ou melhores. A justificativa traz para o caso
informações importantes para a análise retrospectiva da boa conduta. O caso de um paciente
que morreu após a fixação da fratura exposta de tíbia de baixa gravidade por complicação
conhecida como embolia gordurosa não pode, por bom senso, condenar todos os inúmeros
outros pacientes em situação similar à amputação. Apesar deste insucesso individualmente
analisado, a fixação da fratura nestes casos é reconhecidamente a melhor conduta. O
diagnóstico obtido após a passagem do tempo não pode condenar por si só a conduta que o
antecedeu, como no julgado acima sobre a punção lombar em prematuros com febre, pois caso
contrário o exercício da medicina tornar­se­ia exclusivo dos videntes ou dos deuses
oniscientes.
A boa conduta, nos casos mais complexos, com inúmeras condutas possíveis boas e
ruins, deve ser analisada primeiramente de forma retrospectiva, observando­se os desfechos
de todas as possíveis opções de conduta, eleitas ou não pelo médico, comuns na prática
médica, de acordo com dados probabilísticos e conjecturais, conhecidos ou não no momento
da conduta adotada, para se obter a resposta de qual ou quais poderiam ser consideradas
boas condutas.
Após a espinhosa definição de boa conduta como sendo a fixação destas fraturas
expostas menos graves e não a amputação da perna analisa­se então a razoabilidade da
justificativa do médico que fez a amputação. A justificativa para a amputação imediata baseada
nas complicações conhecidas da fixação das fraturas expostas da tíbia de menor gravidade
não se sustenta diante da prática atual de fixação destas fraturas e das baixas estatísticas das
complicações, com índices de consolidação que chegam a 96% e da raridade de complicações
como a gangrena gasosa, praticamente só ocorrendo nas guerras (Canale S. T., 1998, p.
2034). Age com imprudência o médico que amputa a perna nestes casos, porque a boa
conduta indica a fixação (bom caminho) e a sua justificativa é insustentável do ponto de vista
probabilístico por ser irrazoável e precipitada. Porém, diante das fraturas expostas de tíbia
mais graves, com lesões extensas de tecidos moles num gravíssimo paciente politraumatizado,
a justificativa informa e modifica a definição da boa conduta, não havendo nem mesmo erro
médico caso se opte pela amputação imediata, pois o índice de complicações e o risco do
desfecho morte na hipótese de conduta diversa (fixação da fratura) aumentam para valores
inaceitáveis, levando a boa conduta para o caminho da amputação (Saddawi­Konefka D, Kim
HM, Chung KC, 2008, p. 1796). Num caso diverso, um paciente com dor abdominal difusa é
tratado com paliativos na emergência sem melhora e o médico solicita o eletrocardiograma
horas depois e obtém o diagnóstico de infarto do miocárdio. Aqui há erro médico, pois a boa
conduta seria o diagnóstico e o tratamento do infarto, mas a justificativa do tratamento paliativo
inicial é razoável porque não há como suspeitar de infarto do miocárdio nos milhões de
indivíduos que se queixam alguma vez na vida de dor abdominal mal definida, um sintoma
vago. Por outro lado, o médico foi atento, pois reavaliou o paciente e decidiu descartar outras
doenças menos prováveis, porém de alta gravidade, devido à evolução sem melhora do quadro
álgico, excluindo a culpa.
Caso não seja possível eleger uma única boa conduta, de modo retrospectivo e
conjectural, a conduta adotada no caso concreto deve divergir de todas as condutas
consideradas como boas para que se continue na análise do caso, pois caso a conduta
adotada se encaixe como uma das consideradas boas condutas, não há que se falar em erro e
muito menos em culpa. No exemplo ilustrativo de um paciente idoso, com síndrome
consumptiva (debilitado), o cálculo biliar associado a colecistite aguda pode ter duas condutas:
antibioticoterapia venosa para melhora clínica e posterior realização de colecistectomia
laparoscópica, que necessita de apenas três ou quatro incisões de dois centímetros no abdome
para acesso dos instrumentos; a imediata laparotomia, que necessita de uma via de acesso
enorme, oblíqua, atravessando todo o abdome da esquerda para a direita, muito grande e
agressiva. Caso venha o paciente a óbito, os familiares podem acusar, em cada uma das
situações, o médico: caso tenha iniciado a antibioticoterapia visando a colecistectomia
laparoscópica, terá sido negligente se o paciente evoluiu para sepse; caso tenha optado pela
cirurgia imediata, terá sido imprudente se o paciente não resistiu à laparotomia, muito mais
agressiva. A boa conduta nem sempre é única ou mesmo absoluta. Ambas neste caso podem
ser boas ou ruins de forma imprevisível. A justificativa de uma se baseia nas complicações da
outra e vice­versa. Todavia, na escolha dos antibióticos que serão ministrados
independentemente da conduta cirúrgica adotada, poderá haver um desvio da boa conduta
caso a escolha empírica não se mostre adequada, ou seja, a bactéria seja resistente. Se a
justificativa da conduta adotada for a adequação dos antibióticos prescritos em relação aos
agentes bacterianos mais comuns nestes casos, haverá erro médico sem culpa. Caso não haja
razoabilidade na escolha, terá havido imprudência, como na escolha de um antibiótico de
conhecida ineficácia contra os agentes bacterianos usualmente presentes na colecistite aguda.
Caso haja resposta favorável ao antibiótico prescrito, mesmo se inadequado em tese contra o
agente infeccioso mais provável, não há que se falar em erro ou culpa, pois o caminho seguido
se revelou bom. Não há sentido em verificarem­se condutas que se revelem
retrospectivamente como boas, pois não haveria segurança para a prática médica nestas
condições, além de ser tarefa hercúlea, infrutífera e inviável. O médico vai responder nas
esferas civil e penal nos casos em que suas decisões geraram dano ao paciente associado à
culpa ou dolo. É impossível pensar na hipótese em que o médico adota reiteradamente
condutas consideradas ruins em inúmeros pacientes e todas venham a ser consideradas boas
condutas retrospectivamente, inviável estatisticamente, mas ainda sim existe previsão de
cominação para esta hipótese, pois na esfera administrativa o médico poderá ser julgado e
condenado caso sua atuação cause riscos à população, segundo o código de ética médica,
verbis​
:

Capítulo XIV

DISPOSIÇÕES GERAIS

II ­ Os médicos que cometerem faltas graves previstas neste Código e ​ cuja


continuidade do exercício profissional constitua risco de danos irreparáveis ao
paciente ou ​
à sociedade poderão ter o exercício profissional suspenso mediante
procedimento administrativo específico (grifos nossos).

Concluindo, a conduta, nos casos mais complexos, com inúmeras possibilidades de


desfecho, deve ser analisada retrospectivamente nos caso de mau resultado, em caráter
conjectural e probabilístico, tendo por base os desfechos possíveis da evolução do caso
incluindo as outras opções de conduta não eleitas pelo médico, levando­se em consideração a
justificativa médica para a conduta adotada a qual sempre esclarece quem vai avaliar a melhor
conduta do ponto de vista retrospectivo. Após a definição da boa conduta, analisada
retrospectivamente e de acordo com amplas informações fáticas, probabilísticas e conjecturais,
avalia­se a razoabilidade da justificativa que embasou a escolha do médico por conduta diversa
no momento de sua realização. Caso razoável, de acordo com as informações então presentes
e com a prática médica rotineira, caracteriza­se o erro médico sem culpa. Caso contrário, não
havendo razoabilidade em sua justificativa, caracteriza­se a culpa. Exemplos de quesitos:
primeiramente, o resultado atingido pode ser considerado como um mau resultado? a conduta
escolhida se mostra adequada depois de avaliada de forma retrospectiva e levando­se em
conta outras condutas possíveis? caso contrário, qual a justificativa que levou o médico a
decidir de outra forma? esta justificativa é razoável levando­se em conta as informações que
tinha ou deveria ter o médico no momento da escolha da conduta? a prática usual nestes casos
é razoavelmente compatível com os fundamentos que justificaram a escolha da conduta? Os
debates dos peritos e assistentes técnicos, caso conduzidos neste sentido, darão maior
capacidade de discernimento ao julgador, mesmo sem conhecer profundamente a ciência
médica.

2.4.7 ​
O dano decorrente do erro médico

Caso decorra dano do ato médico praticado em erro, surgirá lesão ao patrimônio da
vítima. O direito deve dar respostas. Caso o erro derive da culpa, será inescusável. Caso
contrário, será escusável por ser razoável a conduta que o originou. Pela teoria da confiança,
não há espaço para a atenuação das condutas inescusáveis tanto no direito civil quanto no
direito médico. O conceito de evitabilidade será então avaliado inicialmente em relação ao erro
médico.

2.4.7.1 ​
Erro médico evitável ou inevitável

Considerando a posição de garantidor do médico e a sua necessidade de sempre


buscar a boa conduta, devendo adotar as cautelas necessárias à boa prática médica, não
podendo se escusar na falta de conhecimentos técnicos e nem na falta de conhecimentos
fáticos exigíveis diante das práticas médicas cotidianas razoáveis, a evitabilidade deve
relacionar­se com os caminhos possíveis de serem percorridos diante do que se apresenta ao
médico e não com fatos de conhecimento irrazoável. Excluindo­se os erros derivados da culpa,
que se evitariam caso o médico tivesse adotado as cautelas de praxe, o erro será evitável caso
a conduta correta seja, desde o início, considerada útil pelo médico e inevitável caso não seja
razoável considerá­la útil inicialmente, diante de várias condutas possíveis para o caso clínico.
O erro inevitável demanda um movimento forçado, como se diz entre os enxadristas, diante do
que se apresenta ao médico. Pode ser exemplificado por apresentações raras de doenças
comuns e apresentações raras de doenças raras, onde as condutas são direcionadas
primeiramente para o diagnóstico e tratamento de doenças comuns ou de apresentação
comum, pois caso assim não fosse, todas as pessoas seriam reviradas do avesso e testadas
para toda a sorte de doenças a cada tosse ou dor muscular. O erro médico inevitável é
facilmente percebido no tratamento empírico com antibióticos onde de antemão o médico sabe
que em alguns casos as bactérias infectantes não serão as habitualmente esperadas e também
que em poucos casos as bactérias habitualmente esperadas serão resistentes aos antibióticos
de escolha, mas estas hipóteses são de diminuta probabilidade e não é razoável tratar todas as
pessoas com os antibióticos de última geração em qualquer infecção porque isto aumentaria
rapidamente o índice de resistência bacteriana na comunidade e na microbiota do próprio
paciente, e também por não ser possível a cultura bacteriana com teste de resistência aos
antibióticos em todos os pacientes com qualquer infecção por motivos práticos, pois os testes
são demorados e os tratamentos são urgentes, além de ter um custo para a sociedade. Além
disso, o paciente nem sempre pode esperar pelo resultado do teste: a análise individual mais
uma vez deve ser vista com cautela, em respeito à coletividade. Estudiosos em doenças
infecto­parasitárias ditam os tratamentos antibióticos adequados a cada tipo de infecção
bacteriana, forçando o médico a observar estas indicações e prescrever o antibiótico de acordo
com os parâmetros fornecidos, levando a erros forçados em alguns casos.
O erro médico evitável seria aquele em que a boa conduta se encontra desde o início
entre as de razoável probabilidade, porém junto a outras condutas possíveis: existe uma
escolha a ser feita e não uma escolha forçada como no erro inevitável. É o caso do nódulo de
mama suspeito, que pode ser maligno ou benigno, mas nenhum exame de imagem o pode
afirmar com certeza, somente a biópsia pode dar esta resposta. Caso faça a biópsia cirúrgica
de nódulo suspeito em mamografia e este se mostre benigno, retrospectivamente não terá
adotado a boa conduta; se optar pela observação e o tumor mostrar­se maligno e evoluir,
também não terá optado inicialmente pela boa conduta, retrospectivamente. Porém, ambas as
condutas são razoáveis e justificáveis na análise prospectiva, embora constituam erros
evitáveis na análise retrospectiva dos exemplos dados. Inconcebível seria a excisão de
tumoração benigna após longa observação com várias mamografias inalteradas, submetendo a
paciente a um procedimento cirúrgico inútil após ter suportado o risco da conduta expectante
caso o tumor fosse maligno desde o início da observação, verdadeira imprudência médica pela
irrazoabilidade da conduta.
Concluindo, excluindo­se o erro inescusável derivado da culpa médica, onde a causa do
erro é a culpa, o médico procurou pela boa conduta com razoabilidade, diante dos
conhecimentos técnicos que deve possuir e dos conhecimentos fáticos de pesquisa exigível
diante das práticas médicas cotidianas razoáveis tanto no erro evitável quanto no inevitável,
porém não percorrendo o bom caminho. O erro evitável relaciona­se com condutas diversas,
porém cada qual com justificativa razoável para a formação da decisão pela sua escolha; o erro
inevitável relaciona­se com as condutas únicas ou forçadas, como se diz no jogo de xadrez
quando só há uma opção como resposta a determinada jogada. Embora não haja outra
conduta razoável no erro inevitável, a conduta escolhida não trilhará o bom caminho em poucos
e determinados casos, como é de sabença em relação ao tratamento empírico com antibióticos
onde já se sabe de antemão que determinado número de pessoas não obterá a cura devido à
natureza probabilística dos conhecimentos que fundamentam a escolha dos antibióticos.
O conceito de evitabilidade não interfere no conceito de erro médico analisado como
proposto nesta monografia. Se há culpa, o erro era evitável, porém inescusável por
irrazoabilidade, ponto; se o erro é escusável não há culpa, pois o inevitável é de conduta
forçada e o evitável apresenta justificativa razoável.

2.4.7.2 ​
Tipos de dano

Dano é pressuposto da responsabilidade. Segundo o Des. Sérgio Cavalieri filho: "O


dano é o grande vilão da responsabilidade civil. Não haveria que se falar em indenização, nem
em ressarcimento, se não houvesse o dano." (2012, p. 76)
Segundo Anderson Schreiber: "jamais contamos com uma definição legal de dano"
(2011, p.102), embora a CRFB/88 expressamente preveja que o dano pode ser moral, estético
ou material.
O dano material de avalia pela teoria da diferença, mitigada pela aplicação
jurisprudencial da doutrina da indenização pela perda de uma chance. Calcula­se a diferença
entre o patrimônio antes e depois do evento danoso (dano emergente), levando­se em
consideração também as consequências do dano no tempo em função da diminuição da
capacidade da vítima em auferir lucros em suas atividades habituais (lucros cessantes).
Considera­se também a perda de uma chance, onde se avalia a existência concreta de um
evento impossibilitado de ocorrer devido ao evento danoso e calcula­se a perda avaliando­se a
real chance de sucesso de êxito como no célebre caso do impedimento em responder a uma
pergunta com quatro itens valendo R$ 500.000,00 (quinhentos mil Reais), indenizando­se com
o valor de R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil Reais).
O Des. Sérgio Cavalieri filho explicita dois sentidos para a identificação do dano moral:
em sentido estrito ou e sentido amplo. Em sentido amplo, são violados os novos direitos da
personalidade: "imagem, o bom nome, a reputação, sentimentos, relações afetivas, aspirações,
hábitos, gostos, concepções políticas, religiosas, filosóficas, direitos autorais." (2012, p. 90) Em
sentido estrito, são as violações ao direito à dignidade humana.
O dano estético decorre da modificação corporal deformante. O paciente com fratura do
colo do fêmur aguardando pela artroplastia total de quadril preso ao leito, imóvel, com dor e
sofrimento é operado muitos dias depois através de uma incisão lateral no quadril que gera
uma cicatriz. No exemplo há os três danos citados: a diminuição da dignidade humana da
pessoa que aguarda a cirurgia presa ao leito com dor e sofrimento exemplifica o dano moral; a
cicatriz resultante de sua cirurgia o dano estético e o tempo de espera aguardando a cirurgia o
lucro cessante (cessação de suas atividades caso seja taxista, por exemplo) e o dano
emergente (aumento dos custos devido à internação prolongada sem justificativa razoável).
O dano material pode ser cumulado com o dano estético e o moral, segundo
jurisprudência do STJ no REsp 84.752­RJ.
Atualmente, há uma crescente preocupação da doutrina em relação à definição da
ressarcibilidade dos danos extrapatrimoniais devido ao aumento das demandas judiciais e do
surgimento de novos danos como: rompimento de noivado, falta de amor de genitor, ruína de
férias, etc. A técnica da ponderação é sugerida por Schreiber A., primeiramente separando o
conceito de antijuridicidade do conceito de culpabilidade. A atitude antijurídica, na forma da
violação de um dever legal, lesa um interesse legitimamente protegido. No exemplo do ilustre
professor ocorre um vazamento radioativo de uma usina nuclear, com dano concreto à
população. Contudo, o fato de este vazamento ter sido deliberado buscando salvar a todos de
uma explosão nuclear afasta a culpabilidade. O dano permanece e deve ser reparado. Atento a
esta sutil diferença, parte­se para a análise do dano por etapas. Iniciando com o exame
abstrato de merecimento de tutela do interesse lesado. A liberdade religiosa é um interesse
tutelado pela constituição, porém o ganho pecuniário proveniente de jogo não o é. Segue a
análise em abstrato em relação à tutela do interesse lesivo. A liberdade profissional é
amparada na Constituição e pode se contrapor ao direito à não receber transfusões por
motivos de crença ou religião. Não observa o ilustre professor, mas também se deve ponderar
sobre a tutela de interesses conexos, como no caso dos direitos à liberdade religiosa (não ser
transfundido) e à vida. O mesmo interesse que lesa um direito pode ser o mesmo que preserva
o outro e isto é muito importante na análise de ponderação. No terceiro ponto, observa­se a
existência de regra geral de prevalência entre os interesses em conflito, observando o dito
acima acerca dos direitos conexos. Caso contrário, deve o juiz ponderar se o grau de
realização do interesse lesivo justifica o grau de redução concreta do interesse lesado,
havendo dano ressarcível caso não justifique. Como exemplo, temos o direito de não ser
transfundido por crença ou religião. Os interesses lesivos do médico que prescreve a
transfusão são a liberdade e a ética profissionais; os interesses lesados são a liberdade de
crença e a autodeterminação. Todos são tutelados em abstrato e não possuem regra de
prevalência. Neste caso, devem prevalecer os interesses lesados, pois não se pode obrigar
ninguém a fazer ou deixar de fazer a não ser em virtude de lei, configurando o dano
ressarcível. Tudo muda em caso de risco de vida, onde o direito às liberdades profissional e
ética também protege o direito à vida do paciente (conexo), não sendo ressarcível o dano
gerado pela transfusão de forma antijurídica pela lesão a um interesse tutelado pelo direito
devido à preservação de outro mais relevante no caso concreto, não havendo, portanto, dano
ressarcível (observe­se que há dano a um interesse lesado, somente não será este dano
ressarcível).
Esta aferição do dano ressarcível, numa visão constitucional do direito civil, se encaixa
perfeitamente no intrincado e espinhoso direito médico.
Neste tópico, é importante definir a origem do dano para auxiliar na discussão que
seguirá sobre a responsabilidade. O dano pode surgir como fato intrínseco ou extrínseco ao ato
médico. O dano intrínseco surge da prática do ato médico, exemplificado por: cicatrizes
pós­operatórias, incluindo as derivadas de cirurgias plásticas; a radioterapia; a quimioterapia;
efeitos colaterais de medicamentos; danos derivados de erro médico; cirurgias bariátricas, onde
parte do estômago e grande parte do intestino delgado são retiradas cirurgicamente. Estes
danos podem ser percebidos facilmente, pois decorrem necessariamente do ato médico e não
há como ofertar o tratamento sem que o paciente se submeta ao risco de seu surgimento, por
vezes a certeza. Não está necessariamente associado à culpa. Não se pode confundir,
entretanto, conceitos como: história natural da doença; evolução da doença; complicação.
Estes conceitos, já discutidos, estão associados à própria doença e não ao ato médico que visa
tratá­la.
O dano intrínseco ao ato médico existe desde a antiguidade, vejamos um exemplo
citado por Da Silva, M. B.:

O tratamento cirúrgico para luxação recidivante de ombro é realizada


desde a antiguidade. Hipócrates relatou um tratamento que para os
padrões atuais de medicina é muito primitivo (o tratamento da luxação
consistia em colocar um ferro em brasa na região ântero inferior do
ombro ­ região axilar ­ isso provocava uma cicatriz hipertrófica no local
que limitava a rotação externa e impedia que o ombro luxasse
novamente) (2009, p.1)

Existe uma escolha obrigatória entre o dano causado pelo tratamento e o dano causado
pelo não tratamento, conhecida pela relação entre o risco e o benefício. Mesmo com o risco de
falecer na mesa de cirurgia, o obeso mórbido busca a cura cirúrgica para a sua doença. Não se
pode confundir, entretanto, o dano intrínseco em que não há justificativa razoável para sua
imposição, caso do erro médico culposo, com os danos inerentes ao tratamento como as
cicatrizes operatórias, e ainda com os danos derivados de erro médico sem culpa como na
chamada laparotomia branca, hoje cada vez mais rara, onde o cirurgião acessava
cirurgicamente a cavidade abdominal (nos tempos anteriores às modernos exames de imagem)
do paciente com abdome agudo e nada encontrava.
O dano extrínseco é o dano que ocorre independentemente do ato médico, como na
espera injustificada por procedimento operatório dependente de material especial a ser pago
pelo plano de saúde, esperas prolongadas pelo atendimento médico, danos causados pela
superlotação dos hospitais, dentre outros.
Considerando que a saúde é um dever do Estado podendo ser suplementada pela
iniciativa privada, não há como responsabilizar civil e penalmente o médico pela falta a
plantões, um problema trabalhista e ético, de modo a encobrir as deficiências do sistema, pois
se existe uma rede hospitalar, a falta de um agente estatal ou de um médico do setor privado
não pode ser causa de dano ao paciente por si só, devendo o paciente que procura o serviço
ou ser transferido para outro hospital após o suporte inicial ou nem ser encaminhado para este
hospital caso esteja em serviço de transporte médico (ambulância) com regulação de vagas
pela central de regulação. Como a rede é insuficiente e não funciona, como não há na prática
regulação de vagas e nem contato prévio dos serviços de transporte médico com a central de
regulação ou com os hospitais, os pacientes são jogados no primeiro hospital avistado pela
ambulância e, caso o médico plantonista da especialidade necessária ao atendimento ao
paciente tenha faltado ao plantão, o Estado o culpa de modo a encobrir suas mazelas. Os
hospitais têm um diretor que deve tomar as providências em caso de falta de um servidor ou de
um médico do setor privado: comunicar à central de regulação, providenciar transporte para
outro hospital dos pacientes que necessitem de tratamento urgente não disponível em sua
unidade, abrir sindicância para apurar as causas da falta de modo a encaminhar ao conselho
profissional para a avaliação de falta ética, entre outras. O médico que não pratica o ato médico
por não se encontrar no hospital não pode ser responsabilizado civil e penalmente de forma
sumária pelos danos ao paciente de modo a encobrir a responsabilidade das instituições a que
serve (dano extrínseco). O risco da atividade no setor privado é do empregador e não pode ser
repassado ao empregado, princípio do direito trabalhista conhecido como princípio da
alteridade. No serviço público, após responder objetivamente o Estado pelos danos extrínsecos
causados, regride contra o servidor em caso de culpa. A culpa, no caso do médico que falta,
deve ser provada em processo autônomo e não isenta de culpa os responsáveis pela má
regulação de vagas, pela falta de contato médico prévio, pelo fato de o serviço de transporte
médico ter largado de qualquer jeito o paciente no primeiro hospital que avistou sem fazer
nenhum contato, pela falta de opções na rede hospitalar pública e privada em caso de
solicitação de transferência, pela omissão do diretor médico e do chefe da equipe médica, pela
insuficiência de recursos humanos (por exemplo, deve haver dois neurocirurgiões para a
realização de uma neurocirurgia), sem falar que a responsabilidade do Estado é objetiva,
conforme o art. 37, §6º da CRFB/88. Numa rede hospitalar que funcione, não pode haver
espaço para a responsabilização do médico faltoso do ponto de vista civil e penal, apenas do
ponto de vista ético, devido ao atual estágio da tecnologia da informação (telefone...). É
diferente o caso em que o médico marca uma cirurgia e não comparece sem motivação. Neste
caso, o dano extrínseco é causado pelo médico por culpa, devendo então responder nas
esferas civil e penal se for o caso.

2.4.8 ​
O erro médico em relação à culpa

Caso o ato médico cause dano ao paciente e este seja ressarcível, a obrigação de
ressarcir pode derivar, de acordo com o CC/2002, da culpa ou do risco da atividade. Segundo
Godoy:

Certo que hoje é sabida e conhecida a insuficiência que a teoria da


responsabilidade subjetiva, baseada no conceito de culpa, em que o critério de
imputação da obrigação de indenizar repousa na ocorrência de um ilícito
derivado de erro de conduta do agente, passou a apresentar para a solução das
múltiplas e complexas situações de danos causados às pessoas e que estejam
a reclamar indenização. (2009, p.9)

Na definição acima, o erro de conduta não se confunde com o erro médico, pois a
conduta nesta definição se relaciona com o direito, desviando­se do bom caminho legal, ou
seja, do que a lei permite ou não proíbe, na forma da negligência, imperícia ou imprudência.
Como visto, o erro médico não ocorre sempre com culpa, ao contrário. A abordagem da culpa
especificamente se dará junto com o estudo da responsabilidade civil subjetiva.

2.4.9 ​
O erro médico em relação ao dolo

Não há sentido em se falar em dolo relacionado ao erro médico, pois se o agente quis
praticar a ação ou a omissão danosa ​
a contrario sensu não quis buscar a conduta mais
acertada. O dolo exclui o erro médico assim como exclui a culpa.

2.5​
Erro médico e responsabilidade

A análise da responsabilidade pode ser útil para ajudar o julgador ou o legislador na


busca pela proteção a quem sofre um dano decorrente de erro médico.

2.5.1 ​
A "faute" no sistema de responsabilização Francês

Segundo a professora Ana Frazão, o Direito francês construiu o seu modelo de


responsabilidade extracontratual a partir do jusnaturalismo moderno, vinculando a
responsabilidade civil à culpa e à finalidade ressarcitória em duas cláusulas gerais no código
napoleônico:

[...] ​
tout fait quelconque de l'homme, qui cause à autri un dommage, oblige
celui par le faut duquel il est arrivé, à le reparer​. (art. 1382 do Código
Napoleônico)
[...] ​
chacun est responsable du dommage qu'il a cause non seulment par son
fait, mais encore par as négligence ou poar son imprudence (art. 1383 do
Código Napoleônico)

faute ​
E segue a professora Ana Frazão: "O modelo Francês não definiu a ​ e nem
condicionou a responsabilidade civil à violação de direitos subjetivos ou de interesses
previamente definidos." (2011, p. 34) Conclui que: "Em decorrência, o modelo francês sempre
teve grande maleabilidade, o que possibilitou que a jurisprudência tivesse papel
importantíssimo na elaboração dos pressupostos da responsabilidade civil." (2011, p. 35)
A jurisprudência francesa e a doutrina acabaram por elastecer o conceito de culpa,
ampliando­o para incluir a responsabilidade objetiva pontualmente através de julgados
versando e reconhecendo a responsabilidade pelo fato da coisa, pelo fato de outrem, por fato
do animal, a responsabilidade do patrão, etc. O professor Godoy observa esta evolução nestes
termos: "Tem­se, assim, de um lado, que a evolução da idéia de ​
faute para a de ​
fait conteve­se
nos próprios lindes do Código Civil francês." (2009, p. 33)
A jurisprudência francesa tem adotado a teoria da perda de uma chance e também o
direito à informação trazido pela legislação especial (lei Kouchner) de modo a ampliar a
faute​
responsabilidade pela culpa (​ ) tratada nos artigos 1382 e 1383 do seu código civil em
relação aos danos causados pela prática médica.
O jornal Le Figaro observa o aumento do número de processos médicos após a Lei
Kouchner de 2002:

Si elle avait suscité l'ire des assureurs médicaux et d'une partie des
personnels de santé, la loi Kouchner de 2002 sur les droits des patients
a ouvert la porte à une judiciarisation de la médecine. Depuis six ans,
tout accident médical reconnu comme tel peut donner lieu à une
indemnisation. Une loi qui s'applique également aux infections
nosocomiales ou iatrogènes (c'est­à­dire purement liées à des soins), et
qui permet dans près d'un cas sur deux de régler le différend à
l'amiable​ [4]
. (2008, p. ?) ​

Segundo ​ procureur général près la Cour de cassation​


Burgelin (​ ), e​
m recente julgado a
corte de cassação francesa decidiu, em relação ao aborto autorizado por doença do feto, que o
médico tem, além da obrigação de meios, uma obrigação de segurança em relação ao
resultado, resultando como consequência a majoração dos serviços de obstetrícia e na recusa
erbis:​
de alguns radiologistas em fazer exames em mulheres grávidas, v​

Le juge a accompagné cette évolution del’attente des patients à l’égard des


institutions soignantes. Si l’arrêt Mercier, de 1936, n’exige du médecin qu’une
obligation demoyens mis en œuvre conformément auxdonnées de la science
telles qu’elles étaientconnues au moment de la délivrance du soin, les arrêts
rendus depuis 1997 par la Cour decassation traduisent une exigence
beaucoupplus grande à l’égard du médecin, qui est désormais tenu, dans de
nombreux cas, à une obligation de sécurité de résultats. Cette extension de sa
responsabilité a été fort mal acceptée par le monde médical qui y a vu une
marque de défiance systématique à son égard et une intromission inadmissible
du juge dans sa pratique professionnelle. Le point d’orgue de la dispute entre
médecins et juges a été, à l’évidence, le fameux arrêt Perruche du 17
novembre 2000. Cette décision a considéré qu’il existait un lien de causalité
entre le handicap atteignant un nouveau­né et la faute des médecins qui
n’avaient pas décelé que la mère avait souffert d’une rubéole anténatale.
Compte tenu de la majoration considérable des primes d’assurance
professionnelle consécutive à cet arrêt, nombreux furent les spécialistes en
obstétrique et en imagerie qui déclarèrent renoncer à exercer leur art sur les
femmes enceintes. Nous verrons plus loin le détail de cette polémique. Ce tollé
médical entraîna la saisine du Parlement et le vote de la loi du 4 mars 2002,
qui renvoie à la solidarité nationale, à la réparation du dommage résultant d’un
[5]
accident médical, d’une affection iatrogène ou d’une infection nosocomiale.​

Tal ​
julgado não pacificou a questão, demonstrando que a ampliação da
responsabilidade do médico ao final determina um mal ainda maior à sociedade, vindo,
portanto, a Lei resolver a questão de uma forma muito mais razoável, não desamparando os
que sofrem o dano, mas dividindo a responsabilidade com toda a sociedade e não a jogando
toda nos ombros dos profissionais médicos.

2.5.2 ​
O "Trust", instituto do Direito Anglo­Saxão

O dever de cuidado dos controladores em relação à sociedade empresária que dirigem


é um interessante instituto do direito societário. Falar exaustivamente do ​
Trust nesta
monografia foge ao objeto, então resumidamente será este instrumento examinado.
Na idade média, com a invasão normanda de 1066, admitiu­se a coexistência de mais
de um direito real sobre um mesmo bem. O Rei era o titular de todas as propriedades. Estas
tenants. ​
foram distribuídas em caráter precário aos possuidores chamados de ​ Como eram
tenants,​as ordens
instituídos impostos principalmente quando da sucessão hereditária dos ​
monásticas não podiam ser proprietárias, entre outras limitações, os vassalos acabavam por
transmitir seus direitos a terceiros em caráter fiduciário para que administrassem seus bens em
benefício de alguém ou de alguma atividade por eles indicada. Esta cessão de direitos foi
chamada de ​
use. Como os tribunais da ​
common law não intercediam quando o agente
fiduciário descumpria suas atribuições ou eram desonestos, os beneficiários recorriam ao
Chancellor​
, geralmente um eclesiástico que tinha jurisdição atribuída diretamente pelo rei. O
Chancellor ​
após receber a petição (pedido) emitia o ​
writ (mandados de citação), obrigando o
agente fiduciário a cumprir suas obrigações morais sob pena de sanções pessoais, agindo sob
os ditames da equidade. Como os ​
uses reduziam a arrecadação do tesouro, o rei Henrique VIII
Statute of Uses​
instituiu, em 1535, o ​ , ​
proibindo­os. A corte de Chancelaria, através da
jurisprudência, já vinha neutralizando esta lei e nos séculos XVII e XVIII veio a entender que a
use​
lei não se aplicava em relação ao ​ use​
que sucedia outro ​ :
use ​
[...] se A constituísse um ​ sobre um imóvel em favor de B, passando a esse a
titularidade dos direitos reais sobre o bem, e B fizesse o mesmo em relação a C,
indicando D como beneficiário da administração do bem, apenas o primeiro dos
referidos '​use' (de A para B) seria atacado pelo 'Statute of Uses', continuando o
outro (de B para C em favor de D) plenamente válido. (Salomão Neto, E.,1996,
p. 17)

Esta prática acabou se tornando comum e o segundo ​ trust​


use passou a se chamar ​ .
trustee​
Este instituto cria uma relação fiduciária entre o ​ , quem administra os bens transmitidos
em confiança, e o beneficiário. Não basta o exemplo do bom pai de família na condução de
seus negócios, deve haver deveres além deste incluindo os deveres de cuidado, de lealdade,
de evitar conflito de interesses, de prestar contas, de informar quando instado, principalmente.
O médico, além de ter sua atuação efetiva balizada pelo princípio geral do homem
médio, tem os mesmos deveres do ​
trustee citados no parágrafo anterior, pois a ele é entregue
algo ainda mais importante que a propriedade, lhe é entregue o corpo e a consciência de um
ser humano para que sejam cuidados em benefício de toda a sociedade.
Por isso o erro médico, subproduto incontornável da prática médica, às vezes acaba
precedendo a negligência caso não se observem estes deveres, principalmente o de cuidado,
geralmente pela recusa do médico em aceitar a ocorrência em certos casos de uma má
evolução ou de uma complicação, que ocorre, por exemplo, com as bridas que são cicatrizes
intra­abdominais que podem aparecer após uma cirurgia abdominal qualquer, causando
obstrução intestinal (muitas vezes demandando outra cirurgia) requerendo atenção do cirurgião
no pós­operatório. Não basta executar o ato médico, o profissional tem o dever de lealdade e
de atenção, deve vigiar o resultado de suas ações, no pós­operatório, e no pedido de retorno
do paciente ao consultório para reavaliação.

2.5.3 ​
A responsabilidade no Direito Brasileiro

Presumindo­se que o profissional busca o bom caminho em sua arte médica, não há
sentido neste trabalho em avaliar­se a responsabilidade derivada do dolo, que representa a
vontade do agente em trilhar o mau caminho. Por exemplo, se o agente desliga o respirador
mecânico de paciente da UTI em quadro franco de insuficiência respiratória aguda, observando
inerte a piora e a morte deste paciente, configura­se o dolo, pois o médico sabe ou deveria
saber (posição de garantidor) que sem o respirador artificial o paciente não respira e morre,
percorrendo intencionalmente o mau caminho, a má conduta. O homicídio doloso deste caso
não foi cometido por erro, mas por acerto, tendo a sentença penal força executiva na esfera
cível.
Em relação à culpa, temos a lesão corporal culposa do direito penal, que não admite
tentativa e depende de representação da vítima, necessitando também de uma modificação do
corpo decorrente da negligência ou da imprudência, e temos a reparação civil derivada da
responsabilidade subjetiva contratual ou da extracontratual (aquiliana) avaliadas no item
2.5.3.1. A responsabilidade objetiva será avaliada de forma mais pormenorizada no item
2.5.3.2.

2.5.3.1 ​
Responsabilidade civil subjetiva

Demanda a culpa do profissional. Já possui fundamentação em remansosa


jurisprudência dos tribunais superiores e na doutrina clássica. A culpa em sentido amplo, que
inclui o dolo e a culpa em sentido estrito (inobservância de um dever de cuidado), qualifica uma
ação humana e, caso decorra um dano e haja nexo de causalidade, nasce o dever de
indenizar. Pode ser contratual ou extracontratual. Se contratual, não há necessidade de prova
da culpa, basta a prova do inadimplemento. Admite as excludentes de causalidade: caso
fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima. A culpa recíproca não exclui a responsabilidade,
mas diminui os valores indenizatórios. O fortuito interno retira a força da excludente caso
fortuito, como no caso do assalto a cofre alugado de instituição bancária, a qual tem como
atividade exatamente a guarda de bens.
Para o Des. Sérgio Cavalieri, em relação ao CC/16 "a culpa era a grande vedete da
responsabilidade civil". Nada acontecia sem antes ser provada a culpa prevista no artigo 159
deste velho código. Com o advento das novas tecnologias, surgiram muitas dificuldades para a
produção desta prova, que passou a ser conhecida como a prova diabólica:

De fato, os acidentes trazidos pela Revolução Industrial eram, ao contrário do


que sucedia nos séculos anteriores, inteiramente despersonalizados, anônimos,
provocados muitas vezes por pequenas distrações ou falhas praticamente
imunes a constatação. Na análise sempre referida de Bruggi: 'No exercício de
certas indústrias e empresas, é impossível não produzir dano ou infortúnios; mas
demonstrar a culpa [...] é quase impraticável. Ora, é um grau mínimo de culpa
que escapa aos nossos olhos; ora, não se sabe onde encontrá­la; ora,
confunde­se com o caso fortuito e com a força maior.' (Bruggi, 1911, apud
Schreiber, 2011, p.18)

Com isso, a culpa vem sofrendo um desgaste como filtro de reparação civil.

Vários foram os processos técnicos postos em jogo para atender à


praticabilidade da responsabilidade: admissão fácil da existência de culpa pela
aplicação da teoria do abuso do direito e da culpa negativa; o reconhecimento
de presunção de culpa; a aceitação da teoria do risco; a transformação da
responsabilidade aquiliana em contratual. (Lima, 1960, apud Schreiber A., 2011,
p.18)

Com o advento do CDC, a relação do médico com seus assistidos passou a ter o

caráter de prestação de serviços (contratual) e o ônus probatório passou a ter a possibilidade
de poder ser invertido. Com isso, geralmente as ações de reparação no direito médico
demandam prova pelo prestador de serviços da ausência do dano do nexo causal ou da culpa,
devido à hipossuficiência do consumidor ou da dificuldade técnica da prova, que necessita
provar apenas a prestação do serviço.

2.5.3.1.1 O artigo 14 do CDC e as intervenções estéticas

Esta é a redação:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência


de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos
relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou
inadequadas sobre sua fruição e riscos.
§1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor
dele pode esperar, levando­se em consideração as circunstâncias relevantes,
entre as quais:
I ­ o modo de seu fornecimento;
II ­ o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III ­ a época em que foi fornecido.
§2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.
§3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
I ­ que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II ­ a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
§4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante
a verificação de culpa.

A princípio, os procedimentos estéticos são considerados supérfulos, ligados às


vaidades e caprichos do ser humano. Porém, em nossa sociedade de consumo, a beleza
também é um produto e está à venda nas farmácias, lojas de roupas e acessórios, consultórios
médicos, concessionárias de veículos, internet, etc. As pessoas também são aceitas na
sociedade pelo que consomem, não só pelo que pensam. Com isso, a estética vem galgando
um patamar cada vez mais elevado na vida das pessoas neste século. A jurisprudência
clássica seguiu na vertente da superficialidade dos procedimentos estéticos, como visto no
acórdão transcrito abaixo:

RECURSO ESPECIAL 1995/0063170­9


Relator Ministro WALDEMAR ZVEITER
Órgão Julgador ­ TERCEIRA TURMA
Data do Julgamento 13/04/1999
CIVIL E PROCESSUAL ­ CIRURGIA ESTÉTICA OU PLÁSTICA ­ OBRIGAÇÃO
DE RESULTADO (RESPONSABILIDADE CONTRATUAL OU OBJETIVA) ­
INDENIZAÇÃO ­ INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA.
I ­ Contratada a realização da cirurgia estética embelezadora, o cirurgião
assume obrigação de resultado (Responsabilidade contratual ou objetiva),
devendo indenizar pelo não cumprimento da mesma, decorrente de eventual
deformidade ou de alguma irregularidade.
II ­ Cabível a inversão do ônus da prova.
III ­ Recurso conhecido e provido. REsp 81101 / PR

Para esta doutrina, nos procedimentos estéticos os profissionais assumem uma


obrigação de resultado. Aceita esta doutrina, por outro lado, que nas reparações de grandes
queimados e nas correções de deformidades a obrigação é de meio, demonstrando que, para
esta vetusta corrente, as pessoas deformadas são dignas de pena e que as pessoas sem
deformações são fúteis, esquecendo­se do princípio constitucional da igualdade e também da
necessidade das novas gerações em manter a beleza e a saúde utilizando­se de padrões
rígidos ditados pelos meios de comunicação. Paradoxalmente, os que têm a permissão de
buscar pela estética ficam menos protegidos em relação à responsabilidade, pois percebidos
como defeituosos irremediáveis, dispostos a aceitar qualquer migalha dos cirurgiões; os que
não tem esta permissão ficam protegidos pela manta da deformada responsabilidade objetiva
avaliada pelo resultado final e pela percepção subjetiva de mau resultado sob o ponto de vista
do paciente. Nos casos de mau resultado, os efeitos colaterais das medicações e as
complicações são equiparadas às iatrogenias culposas, como se o médico agisse com
imprudência pelo mau emprego ou pelo desconhecimento da técnica cirúrgica; caso seja um
procedimento de reconstrução, não há sequer mau resultado. Ninguém pode alcançar o
inatingível, o direito não protege tais situações utilizando o argumento da impossibilidade
jurídica do pedido, o que se aprende nos cursos de direito processual civil. O resultado não
pode ser a única avaliação nos procedimentos estéticos e, por outro lado, os procedimentos de
reconstrução não podem ficar imunes à responsabilidade. Deve ser repensada tão balizada
doutrina.
Em relação ao erro médico, de fato não há muito espaço para sua ocorrência nestas
intervenções, pois serão aplicadas técnicas manuais previamente estudadas a fim de alcançar
um objetivo. Vão desde a infiltração de medicamentos na pele em consultório até os
procedimentos mais invasivos da cirurgia plástica, que incluem cortes, amarras, colocação de
fios de aço, próteses de silicone, etc, em pacientes preparados e analisados do ponto de vista
clínico no mínimo pelo cardiologista e pelo anestesista em procedimento agendado. Como
justificar que o profissional elegeu um procedimento estético e por um fato alheio ao seu
conhecimento frustrou­se o resultado esperado? Como exemplo temos o caso hipotético no
qual o Professor Ivo Pitangui faz uma cirurgia reparadora na atriz Ava Gardner nos anos da
década de 1960 e esta solicita que seus seios sejam embelezados do modo como o professor
melhor entenda, isto na era pré­silicone. O professor estuda o padrão de beleza das estátuas
gregas e faz seios perfeitos na atriz, porém reduzindo­os um pouco. A atriz fica decepcionada
com o resultado porque em sua cultura sempre se valorizou os seios grandes. Neste caso
hipotético, anterior ao CDC e ao consentimento informado, o médico achou estar trilhando a
boa conduta, aplicando as técnicas disponíveis para o embelezamento seguindo o padrão das
estátuas das deusas gregas, mas por um choque cultural, associado ao fato de a paciente ter
deixado para ele a escolha do procedimento, não conseguiu realizar o desejo da atriz. Note­se
que a técnica foi perfeita, não houve complicações, efeitos colaterais de remédios, e houve
bom resultado do ponto de vista executório (cirurgia tecnicamente perfeita, escultural) e mau
resultado do ponto de vista dos desejos da paciente, de caráter psicológico. Note­se que este
exemplo de erro médico exemplifica um ponto importante: há obrigações de meio e de
resultado que caminham juntas nas intervenções estéticas. Em relação ao caráter psíquico dos
desejos do paciente quanto ao resultado da intervenção temos uma obrigação de resultado, e
em relação aos atos de execução temos uma obrigação de meio. Nos casos que evoluem com
complicações como a infecção, pode tornar­se impossível o cumprimento da obrigação de
resultado por força maior, já que o risco de infecção é inerente a qualquer cirurgia. Se por outro
lado o médico pratica os atos de execução de forma inapropriada, com pontos grosseiros e
incisões tortas responde pela obrigação de meio por culpa contratual e objetivamente pelo mal
resultado atingido. A simples ocorrência de complicações e efeitos colaterais não pode impor a
responsabilidade objetiva ​
prima facie ao cirurgião plástico ou ao médico que atua em
procedimentos estéticos. Deve­se sempre observar os limites naturais dos resultados
alcançáveis em procedimentos estéticos na avaliação inicial do mau resultado.
Assim posto, dá­se mais um passo na busca pelo conceito de erro médico: nos
procedimentos estéticos, o diagnóstico e a conduta não passam pela incerteza das causas e
nem pela incerteza na escolha dos tratamentos, pois os pacientes e os médicos
respectivamente sabem o que querem e o que é possível fazer. O caminho é um só e já vem
determinado pelo tipo de reparo que o paciente deseja. A escolha do procedimento em função
de seus limites corretivos e da necessidade de correção estética se faz de acordo com as
limitações naturais de cada técnica, apenas admitindo o erro na forma culposa. Age com
imprudência o médico que indica lipoaspiração em paciente com abdome flácido e pele
redundante ao invés de abdominoplastia. Também a execução admite o erro apenas na forma
culposa. No mais, não há espaço para a ocorrência de erro médico: se o procedimento foi mal
executado ou mal indicado levando a um resultado ruim, responde por culpa (imprudência) em
sua obrigação de meio e objetivamente por sua obrigação de resultado. Mas, se indicou e
executou com precisão o procedimento e houve uma complicação, por exemplo uma infecção,
cumpriu sua obrigação de meio. Sua obrigação de resultado é que ficou prejudicada, mas por
condição inerente a qualquer procedimento invasivo, pois as bactérias colonizam a pele
humana desde o nascimento e podem aproveitar a incisão ou a perfuração para adentrar e
infeccionar a pele. Caracteriza­se neste caso o não cumprimento por força maior da obrigação
de resultado (apenas se cumprida a de meio, reforço). E é neste ponto que se estabelece a
confusão na doutrina e na jurisprudência, levando à injustiça de condenar os profissionais por
fatos que estão além de suas forças de modo objetivo apenas levando em conta o resultado
final do procedimento. Concluindo, o profissional assume obrigação de meio em relação à
execução e indicação dos tratamentos estéticos e obrigação de resultado quanto ao resultado
final. Caso cumpra sua obrigação de meio indicando bem e executando os procedimentos com
a técnica adequada e sem vícios, pode desonerar­se da obrigação de resultado se esta ficou
prejudicada exclusivamente por fatos probabilísticos alheios às suas forças: complicações
infecciosas, efeitos colaterais de remédios, etc.
O erro médico derivado ou não da culpa também pode ser cogitado nos atos médicos
acessórios ao procedimento estético, quando dados probabilísticos são analisados no
cumprimento das obrigações de meio. Por exemplo: choque anafilático por alergia às
medicações prescritas em qualquer fase do procedimento.
Após esta espinhosa e ousada análise sem amparo na doutrina e nem na
jurisprudência, surpreendendo também o próprio autor, analisa­se o artigo 14 de CDC. O
parágrafo 4 deste artigo afirma que a responsabilidade do profissional liberal é subjetiva,
enquanto o caput afirma que a responsabilidade pelos defeitos relativos à prestação dos
serviços independe de culpa. Embora haja aparente contradição, o legislador foi preciso: a
prestação do serviço é avaliada objetivamente e a responsabilidade do profissional liberal pela
culpa. Nos procedimentos estéticos, avalia­se primeiramente o resultado. Em caso de mau
resultado e caso não haja culpa do profissional em sua obrigação de meio, o serviço não será
defeituoso apenas se, de acordo com o inc. II do parágrafo 1, fornecer a segurança que dele se
pode esperar, considerados os resultados e riscos razoavelmente aceitos. Em outras palavras,
deve o profissional provar que o procedimento foi bem indicado e bem executado para excluir
sua culpa em relação à sua obrigação de meio, deve demonstrar também que tomou todos os
cuidados para minimizar os riscos associados ao procedimento e que o inadimplemento da
obrigação de resultado decorreu exclusivamente de circunstância ou risco inerente ao
procedimento e razoavelmente aceito na comunidade médica: complicações, efeitos colaterais
de remédios, etc. A diferença em relação à responsabilidade das outras áreas da saúde é que
basta para estas outras a prova do cumprimento da obrigação de meio para eximir­se da
responsabilidade. Caso preveja o contrato a possibilidade de fases no procedimento para a
correção de pequenas discrepâncias ou para pequenos acertos caso necessários, deve­se
aguardar a conclusão deste para se apurar o cumprimento ou não da obrigação de resultado. O
resultado combinado também pode ser diferente da perfeição simétrica, como se pode imaginar
no caso da tentativa de correção de cicatriz deformante. Os casos de cirurgia de reconstrução
também devem seguir este itinerário, demonstrando que o médico se obriga em contrato
apenas por resultado possível, por exemplo: melhora do aspecto facial no grande queimado;
tracionamento da pele através de retirada de tecido em pontos estratégicos na face (​
face
lifting​
). Neste último exemplo, a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica escreve as
se­guintes, dentre outras recomendações, sobre o ​ lifting,​demonstrando que os pacientes,
face ​
embora vulneráveis técnicos, são informados acerca dos procedimentos a que se submetem,
modificando a noção da doutrina mais antiga que compara os pacientes a completos ignorantes
totalmente entregues às escolhas do profissional:

O CIRURGIÃO TAMBÉM PODERÁ


• Avaliar seu estado geral de saúde e todas as condições pré­existentes de
saúde ou fatores de risco,
• Discutir as suas opções e recomendar a mais adequada,
• Examinar e medir o seu rosto,
• Fotografar para prontuário médico,
• Discutir possíveis resultados da cirurgia e quaisquer riscos ou complicações
potenciais,
• Discutir o tipo de anestesia a ser realizada. (SBCP, 2013, p. 1)

2.5.3.2 ​
A responsabilidade objetiva

Outra monografia seria necessária para tratar deste tema em atual ebulição na doutrina
e na jurisprudência. No livro "Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil", o professor
Anderson Schreiber alerta para a erosão dos filtros de reparação civil, onde a jurisprudência
atua objetivando a responsabilidade subjetiva clássica através de presunções de culpa como a
conhecida presunção de culpa de quem colide com a traseira do outro veículo, pela adoção de
standards de comportamento na avaliação da culpa (culpa objetiva), pelo reconhecimento de
novos danos, pela adoção de teorias que relativizam as excludentes de responsabilidade
(teoria do fortuito interno), pelas presunções que afastam a necessidade de comprovação do
nexo causal. A teoria do risco seria de inicio a base da responsabilidade objetiva, o que aos
poucos foi se modificando de modo a entender­se a responsabilidade objetiva como
simplesmente aquela que prescinde de culpa tão somente.
Resumidamente, pode­se definir esta responsabilidade assim: conduta, dano e nexo de
causalidade. Deve ter previsão expressa na lei ou na constituição.
Como visto acima, a responsabilidade consumerista é objetiva em relação aos defeitos
relativos à prestação dos serviços, como positivado no código consumerista, excluídos os
profissionais liberais quanto às obrigações de meio.
Interessa preliminarmente a análise da cláusula geral contida no parágrafo único do
artigo 927 do CC.
A cláusula geral de responsabilidade da segunda parte do parágrafo único do art. 927
do CC versa sobre os riscos da atividade habitual:
Art 927 parágrafo único. (...) ou quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para
o direito de outrem.

Apresenta­se com clareza o risco de atividades em relação ao lixo biológico e às


radiações ionizantes em relação à sociedade, devendo responder objetivamente pelos danos
causados a outrem, não ao paciente, o qual é parte na atividade. Sem o paciente simplesmente
não há atividade alguma. No exemplo do transporte de valores, os riscos suportados por
terceiros alheios à atividade devem ser suportados por quem se beneficia da atividade: a
transportadora. Mas se ocorre um assalto ao banco no momento em que chega o dinheiro
transportado, não há que se falar em danos a outrem ou fortuito interno, pois ambos estão se
beneficiando com o serviço prestado e ambos estão sujeitos ao mesmo risco. Da mesma
forma, dizer que uma complicação infecciosa de um tratamento é um fortuito interno mostra­se
incoerente, pois o paciente também se beneficia do tratamento e é parte dele. O dispositivo em
comento não se aplica aos pacientes e sim a terceiros expostos ao risco da atividade. Não se
aplica ao caso da complicação de radioterapia no paciente, mas sim da explosão dos tonéis de
oxigênio, por exemplo.
Em relação à prestação do serviço, prevista na legislação consumerista, a
responsabilidade é objetiva, excetuando­se o profissional liberal que responde subjetivamente
e os procedimentos estéticos, que tem aspectos misto, como já visto. Aplica­se às sociedades
empresárias prestadoras de serviços de saúde. Mas deve ser analisada devidamente pelos
tribunais e juízes.
Dizer que uma infecção hospitalar significa um serviço mal prestado demonstra a falta
de conhecimento e a primariedade dos que assim pensam e julgam:

REsp 629212 / RJ
Relator Ministro CESAR ASFOR ROCHA
QUARTA TURMA
Data do Julgamento 15/05/2007
Data da Publicação/Fonte DJ 17/09/2007 p. 285
Ementa
RESPONSABILIDADE CIVIL. CONSUMIDOR. INFECÇÃO HOSPITALAR.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO HOSPITAL. ART. 14 DO CDC. DANO
MORAL. QUANTUM INDENIZATÓRIO.
O hospital responde objetivamente pela infecção hospitalar, pois esta
decorre do fato da internação e não da atividade médica em si. O valor
arbitrado a título de danos morais pelo Tribunal a quo não se revela exagerado
ou desproporcional às peculiaridades da espécie, não justificando a excepcional
intervenção desta Corte para revê­lo.
Recurso especial não conhecido. (grifos nossos)

Estas infecções são como todas as outras, com uma única diferença: o paciente
permaneceu internado durante o tempo necessário para a sua colonização pelas bactérias
presentes no ambiente hospitalar, que são selecionadas e resistentes devido ao tratamento a
base de antibióticos utilizados nele e nos outros pacientes. Não se avaliou no acórdão a causa
da internação prolongada, o que é um erro evidenciado pelos dois exemplos seguintes. Caso
um paciente acamado com fratura do colo do fêmur espere por trinta dias a liberação
administrativa da uma prótese de quadril necessária ao seu tratamento e desenvolva uma
pneumonia hospitalar, o serviço foi mal prestado e a causa e o adjetivo hospitalar da infecção
deveu­se à internação prolongada causada pelo plano de saúde, podendo o hospital regressar
contra este caso não tenha figurado no pólo passivo da demanda. Caso o paciente necessite
de respirador artificial por mais de uma semana para o tratamento de sua insuficiência
respiratória, o adjetivo hospitalar da pneumonia que complique a sua doença será devido à
própria necessidade do paciente em permanecer internado, verdadeira culpa exclusiva da
vítima ou mesmo força maior (não há como enviar o paciente para sua residência, por óbvio).
Concluindo, análises simplistas e abstratas não podem ser admitidas na avaliação da
responsabilidade objetiva, devendo o julgador avaliar a conduta, o dano e o nexo de
causalidade informando­se sobre termos e locuções gerais como: infecção hospitalar, paciente
acamado, liberação de materiais, complicações, efeitos colaterais, trazidos ao processo pelas
partes. Com isso, torna­se mais sólida a sentença com a análise da conduta, do nexo causal,
do dano e das excludentes de responsabilidade força maior e culpa exclusiva da vítima. Tem
que ser dada a chance de a instituição se defender em casos como a infecção hospitalar sob
pena de as indenizações oriundas de sentenças simplistas, como as baseadas nesta
jurisprudência de nosso Egrégio tribunal da cidadania, verdadeiras concretizações da teoria do
risco integral, aumentem indevidamente os custos da saúde para toda a sociedade, já que o
paciente hipotético do exemplo do respirador artificial não necessita do amparo da
responsabilidade civil, pois já está amparado por antibióticos e tratamentos de altíssimo custo
para o sistema. Já que um simples resfriado não demanda indenização estatal, já que a saúde
é um dever do Estado e a responsabilidade do Estado é objetiva, porque o Estado não
responde pelo risco integral? As Sociedades Empresárias devem assim responder? É justa a
socialização dos custos nestes termos? Acredito que não.
O artigo 951 do CC/02 apenas reforça tudo o que foi dito em relação ao artigo 14 do
CDC, já que a doutrina considera a atividade médica um serviço.

2.5.3.3 ​
Os atores na relação médico­paciente e suas responsabilidades

Como visto, o profissional liberal responde subjetivamente e as sociedades empresárias


respondem objetivamente pelos serviços prestados.
Nas intervenções estéticas, existe a responsabilidade subjetiva do profissional referente
à escolha e execução das técnicas embelezadoras (não admitem o erro médico sem culpa) e
dos tratamentos associados que utilizem conhecimentos probabilísticos (que admitem a figura
do erro médico com ou sem culpa) como, por exemplo, na escolha dos antibióticos profiláticos;
coexiste a responsabilidade objetiva pelo resultado, observando­se a adequação do
procedimento escolhido com a necessidade de correção almejada e também os limites das
técnicas disponíveis. Em caso de mau resultado, após provar a adequação da técnica
escolhida e cumprimento de sua obrigação de meio (técnica e execução apropriadas) pode o
profissional afastar a responsabilidade objetiva se provar que este mau resultado se deve
exclusivamente à circunstância ou risco inerentes ao procedimento e razoavelmente aceitos na
comunidade médica: complicações, efeitos colaterais de remédios, etc.
Em relação à pessoa jurídica, os danos devem ser reparados de forma objetiva, sempre
com o cuidado de observar­se os critérios também utilizados em relação à responsabilidade
objetiva do Estado: conduta, dano e nexo de causalidade, analisando­se concomitantemente as
excludentes caso fortuito, força maior, fato de terceiro e culpa exclusiva da vítima.

2.6 ​
Conceito de dignidade humana

Dignidade humana é um conceito aberto que traz ao direito a interpretação adequada


de modo a diminuir seu caráter patrimonialista e instrumentalizador do ser humano, fazendo
prevalecer a pessoa como um fim em si mesma e não como meio.
Segundo o professor Barroso L.R., o conteúdo mínimo do conceito de dignidade
humana deve ser avaliado sob três aspectos: valor intrínseco, ligado à natureza do ser;
autonomia, elemento ético e fundamento do livre arbítrio; valor comunitário, que limita a
dignidade pelas relações com o mundo que o cerca. No caso do aborto, sopesa os direitos do
feto e da mulher analisando o valor intrínseco (vida versus integridade física e psíquica mais
igualdade), a autonomia (vontade de nascer versus vontade de interromper a gravidez) e o
valor comunitário (fatos controvertidos não devem ser regulados pelo Estado e sim pelas
partes). (2012, passim)
O risco da aplicação abstrata deste conceito, nestes moldes, está na análise restrita a
uma parte do conflito, de forma individualista e contraditória ao conceito de dignidade. O ser
humano é um ser social, portanto suas relações interpessoais também têm que ser dignas:
extensão necessária e complementar de sua dignidade individual. Podemos aqui tomar
emprestado o conceito de contrato plurilateral do professor Ascarelli. Os vários e complexos
interesses dos inúmeros acionistas, dos órgãos e da própria sociedade convivem mesmo em
constante conflito, respeitado o fim social da Sociedade (lucro e sua distribuição), conforme cita
Retto:

1) dele, contrato, podem participar mais de duas parte;


2) surgem obrigações e direitos para cada parte em relação a todas as outras;
3) o contrato tem cunho instrumental, já que serve como meio para a
organização das partes visando à exploração de uma atividade ulterior;
4) o contrato de sociedade é aberto, pois há sempre oferta de adesão a novas
partes;
5) não se aplica a exceção do contrato não cumprido, típica dos contratos
bilaterais; e
6) qualifica­se como contrato de organização. (2007, p. 14)

Num conflito entre duas dignidades, deve­se avaliar a dignidade de forma complexa, o
que inclui a análise das relações interpessoais. A avaliação da dignidade das relações
humanas transcende a dignidade individualmente analisada, porém sem contrapor­se a ela.
Uma análise plurilateral, nos moldes da teoria do professor Ascarelli sobre a sociedade
anônima, é uma proposta interessante e ousada, mas lógica. A avaliação inicia­se com a
dignidade individualmente, depois se avalia a dignidade da relação em si (tanto entre os
indivíduos em foco como o próprio tipo de relação abstratamente analisado).
O professor Barroso segue na linha individualista em sua análise da proibição do
verbis​
aborto, avaliando que a mulher seria instrumentalizada pelo feto, ​ : "(...) se a mulher fosse
forçada a manter o feto, ela se transformaria em um meio para a satisfação de outra vontade e
não seria tratada como um fim em si mesma." (2011, p. 101)
O argumento é limitado, pois todas as mulheres grávidas são instrumentos do feto que
abrigam, numa relação conhecida como parasitismo verdadeiro, e geralmente este feto é
concebido por atuação da vontade livre da mulher (caso contrário a lei penal lhe autoriza o
aborto). Um dos fins em si mesma da mulher, como de todas as fêmeas na natureza, é procriar.
O ser humano não pode ser um meio em relação a outro, mas um fim em si mesmo. Este
conceito não é absoluto caso o conflito seja plurilateral. A vida do feto não pode ser meio para
a auto­afirmação da mulher e, paradoxalmente, a mulher é meio em relação à sociedade, que
tem interesse em se perpetuar. Não é o feto somente representado por sua possível vontade
de nascer, mas toda a sociedade que é atingida por esta decisão individual. O fato de que
alguns critérios são aceitos para legitimar o aborto, como o risco de vida da mãe, o estupro, a
má formação do embrião, pobreza, etc. não podem servir de pretexto para o aborto
indiscriminado baseado tão somente na dignidade da mulher. A dignidade humana deve ser
avaliada em todos os seus aspectos e não apenas das partes isoladamente de forma
conflituosa. No caso específico do aborto, a sociedade pode discutir formas de prevenção da
gravidez indesejada, regulamentar a interrupção da gravidez e proporcionar os meios para a
concretização da interrupção quando permitida, representando o valor comunitário que molda
as dignidades do feto, da mãe e da relação mãe­feto. Ao permitir o aborto com a permissão de
venda da pílula do dia seguinte ou com a assistência para promovê­lo em sigilo nos primeiros
dias do atraso menstrual (nos moldes do modelo SUS para o diagnóstico sigiloso do HIV), por
exemplo, a sociedade vai limitar a dignidade do embrião, mas vai promover a autonomia e a
saúde da mulher, proteger a dignidade de suas próximas relações mãe­feto, reduzir o número
de abortos em estágio avançado, muito mais traumáticos, perigosos e agressivos. Também
limitaria a autonomia da mulher em relação aos abortos tardios, pelos riscos e gastos que
assumiria a mulher que não procurasse atendimento logo no início do atraso menstrual neste
exemplo, fortalecendo a dignidade dos conceptos mais desenvolvidos. O argumento da morte
de mães pobres não convence, pois a descriminalização do aborto sem prover os meios
necessários, por uma penada do Congresso, não vai retirar as grávidas pobres dos
consultórios sem estrutura para o procedimento, tanto no SUS quanto no setor privado. Como
visto, não se pode utilizar o conceito de dignidade humana de forma individualista, sob pena de
esvaziamento da proteção que confere ao indivíduo diante de aparentes contradições quando
aplicado às complexas relações humanas.
Na medicina, a dignidade humana também não pode ser avaliada isoladamente em
relação ao paciente. Deve­se avaliá­la também em função da relação médico­paciente. A
relação humana entre o que cuida e o que é cuidado deve sempre ser avaliada com prioridade,
porque representa o cerne da atividade médica.
O valor intrínseco desta relação humana das mais antigas está ligado ao sofrimento,
consistindo na sensação de segurança em relação ao acesso aos serviços médicos. Este valor
é capaz de gerar a captação de quantias enormes de dinheiro arrecadadas pelos planos e
seguros de saúde. O ser humano sofre dores físicas e psíquicas, necessitando de outros seres
humanos para confortá­lo. A dificuldade de acesso aos serviços de saúde, representada no
SUS pelas escolhas do administrador em alocar os recursos disponíveis (reserva do possível) e
nos serviços privados pela oferta escassa de médicos para consultas em consultórios vêm
diminuindo o valor intrínseco da dignidade da relação médico­paciente, gerando desconfianças
mútuas: o paciente aguarda por meses a sua consulta, os médicos tem que atender a um
número absurdo de pacientes tanto no consultório quanto nos plantões médicos. A relação em
si, para ser digna, demanda condições mínimas de trabalho (local limpo, refrigerado, acesso
facilitado a medicamentos, centros cirúrgico e de tratamento intensivo disponíveis), pois não
basta apenas garantir o acesso, este acesso tem que ser efetivo. Este acesso efetivo
representa o valor intrínseco da dignidade da relação em si, interesse tutelado por norma
constitucional:
art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação.

A autonomia desta relação se apóia na privacidade, na liberdade e na confiança,


interesses tutelados pela CRFB/88 e pelo CC/02. O paciente tem acesso ao médico e expõe o
seu problema, o médico se julga capaz de atuar no caso e traça uma conduta (diagnóstico e
tratamento) aceita pelo paciente após os devidos esclarecimentos, ambos exercendo suas
autonomias individualmente. Consolida­se então a relação médico­paciente. Esta relação é
cercada pelo sigilo (privacidade) que permita ao paciente revelar tudo ao médico, mesmo atos
imorais ou contraditórios, pela liberdade na execução do tratamento traçado pelo médico e
aceito pelo paciente e pela ética (vide código de ética). Se o médico atesta doença falsamente
a pedido do paciente, a dignidade de ambos não foi atingida, mas a dignidade da relação em si
o foi, por atos antiéticos de ambos, enfraquecendo a dignidade das outras pessoas que
realmente necessitam de um atestado médico devido à doença.
O valor comunitário restringiria a relação médico­paciente em relação ao acesso
(espera pela consulta, agendamento de procedimentos, limitação do receituário às
possibilidades econômicas do paciente), em relação à privacidade (fornecimento de laudos a
fim de exercer direitos previdenciários, informações médicas ao médico do empregador do
paciente sobre a doença motivo da falta para fins trabalhistas e previdenciários, liberação de
exames por planos e seguros de saúde), à liberdade (restrição à escolha do médico pelo
paciente, restrição ao uso de determinados materiais cirúrgicos pelo médico), desde que
necessárias estas limitações para preservar os direitos de outras pessoas (caso do
empregador através do médico do trabalho) e à confiança (alguns especialistas apenas
respondem a pareceres em consulta única, como no caso dos serviços de saúde da família).
A saúde é o valor intrínseco da dignidade do paciente por excelência, o direito de
acesso ao mercado de trabalho é a do médico.
A liberdade de escolha representa a autonomia em relação ao paciente e ao médico.
O valor comunitário individualmente analisado limitaria a liberdade de escolha dos
profissionais e dos hospitais e limitaria o acesso à saúde, justificado pelos custos da prestação
dos serviços e pelo direito dos outros segurados, observando limites e regras impostos pela
ANS (agência nacional de saúde), fato percebido pela existência de seguros de baixo custo e
pelo direito das seguradoras a um prazo para a análise e liberação de exames e
procedimentos; em relação ao médico, o valor comunitário limita seu acesso ao mercado de
trabalho e à escolha de como e onde atuar, devido às condições contratuais existentes entre
seus pacientes e as respectivas seguradoras, limitando­lhe de forma oblíqua. Todos estes
interesses são tutelados pelo Direito brasileiro.
Todos os aspectos analisados em sua configuração plurilateral devem ter um fim. No
caso do Direito Médico, o fim é claramente a promoção da saúde (ao menos para o autor).
Apenas após a ponderação de todas as matizes envolvidas, aplicando­se o princípio
hermenêutico da concordância prática, avaliam­se os excessos (e os seus causadores)
capazes de diminuir desproporcionalmente a dignidade dos atores em análise. O paciente que
dorme na fila do SUS para pegar uma senha de atendimento e é atendido em dois minutos
(excessivo número de pacientes), não conseguindo realizar os exames solicitados e nem
comprar os medicamentos prescritos, paradigma que não é a exceção e sim o comum,
descreve como está aviltada a dignidade dos pacientes, dos médicos e da própria relação
médico­paciente em nosso sistema público de saúde.
Distorções aparecem cotidianamente nos jornais. Pelo princípio econômico da escassez
de recursos, escolhas são feitas por quem financia o sistema de saúde de modo a limitar a
autonomia do médico, do paciente e da própria relação em si, podendo em casos patológicos
até mesmo aniquilar a dignidade do paciente no aspecto de seu valor intrínseco: direito à
saúde. O médico por vezes atua de mãos atadas como mero observador destas distorções,
que diminuem a dignidade de seu paciente e, junto dela, a sua própria e a da relação
médico­paciente em si. É o caso da biópsia de nódulo de mama suspeito no SUS onde uma
espera insuportável e inconstitucional torna inútil todos os esforços do sistema em prevenir o
câncer e baratear com isso o tratamento, sem falar no esforço em diminuir as perdas humanas
(nesta análise puramente econômica deste triste e real exemplo). Paradoxalmente se gasta na
prevenção e no tratamento (como se não houvesse prevenção alguma) por má gestão da verba
pública. O paciente não consegue acesso a seu tratamento. Em outros casos, submete­se ao
que estiver disponível, por exemplo: uma injeção de analgésicos na UPA (unidade de pronto
atendimento) ou o parto com enfermeira na casa de partos da prefeitura do Rio de Janeiro
(acesso ineficaz). Ocorre que estas limitações são anormais, ferem a dignidade. A limitação da
dignidade deve ser razoável e justificada de modo a maximizar a dignidade em todas as suas
matizes, numa análise plurilateral, como no caso da limitação temporal da consulta (vinte
minutos) em respeito à dignidade dos outros pacientes, e na determinação de prescrição de
medicamentos genéricos aos pacientes do SUS (sistema único de saúde), limitando a
autonomia do médico na escolha de uma marca de medicamento, porém preservando o acesso
de princípio ativo idêntico a seu paciente.
Como se percebe agora claramente, o erro médico extrínseco, o que não depende da
atuação positiva ou negativa do médico, é muito comum e se origina da escassez de recursos
que limitam desproporcionalmente e sem razoabilidade a dignidade da relação
médico­paciente, do médico e, de forma mais clara, a do paciente. A falta de acesso a
medicamentos, tratamentos, exames, consultas com especialistas, entre outras, torna a relação
médico­paciente indigna, aviltando a dignidade de quem procura apoio nesta hora tão difícil e
não encontra.
Na minha prática como médico, vejo cotidianamente um grande ciclo vicioso. O
trabalhador se expõe a um ambiente de trabalho insalubre, obrigado a ultrapassar diariamente
em muito a sua jornada de trabalho, sem a fiscalização do Estado (ou insuficientemente) pelos
fiscais do trabalho. Fica doente e procura o SUS, com dificuldade de acesso ao médico, aos
demorados exames e aos escassos tratamentos (chegam a esperar meses por uma fisioterapia
e são humilhados ao ter que escolher qual parte de seu corpo dói mais, pois somente ali será
feito o tratamento). Não conseguindo mais trabalhar, procuram novamente o Estado
representado pela autarquia federal denominada INSS, onde geralmente recebem a avaliação
de aptos para o trabalho. Procuram também o Estado Juiz nos juizados especiais federais onde
têm acesso apenas ao perito do Excelentíssimo Juiz, recebendo sentença padrão por
telegrama conforme este laudo (cheguei a ler um destes telegramas no qual a palavra
"SENTENÇA" vinha na linha acima dos dizeres "MODELO A01") em gritante ofensa ao
princípio da identidade física do juiz. Falar em dignidade humana no sistema de saúde
Brasileiro resume­se hoje, a meu ver, às queixas da classe média quando pedem ao Estado
recursos para tratamentos caros que não podem pagar (modernos remédios contra o câncer e
a esclerose múltipla) e quando reclamam do mau funcionamento dos planos e seguros de
saúde.

2.6.1 ​
Erro médico e dignidade humana

O erro médico, em relação à dignidade humana, deve ser analisado separadamente em


função da presença ou não de culpa.
No erro culposo, o próprio médico abusa de sua autonomia, diminuindo a dignidade de
seu paciente e da relação médico­paciente, prejudicando também toda a classe médica com
sua atuação imprudente ou negligente pela desconfiança gerada. O paciente torna­se meio de
seu atuar sem controle ou despreocupado. Caso decorra dano físico, estético, material, moral
ou a sua concomitância, é clara a existência do dever de reparação na esfera cível nos moldes
da responsabilidade subjetiva, pois o interesse lesivo do atuar sem cuidado nem de longe pode
se sobrepor ao interesse lesado, a saúde.
Em relação ao erro sem culpa, não é possível a análise individualista em relação
apenas ao paciente. Claramente existe uma diminuição na dignidade deste em seu valor
intrínseco (saúde). Deve haver, no entanto, uma cuidadosa análise em relação às outras
dignidades envolvidas, principalmente a dignidade da própria relação médico­paciente, seguida
da análise de ponderação entre o interesse lesivo e o interesse lesado. Além da dignidade do
médico e da própria relação médico­paciente, o interesse lesivo também abarca o valor
comunitário da dignidade do próprio paciente, limitando­lhe o valor intrínseco de sua dignidade
(saúde), com razoabilidade (interesse lesado), justificado na necessidade de garantir o acesso
e a saúde dos outros pacientes, preservando a própria finalidade desta relação plurilateral de
interesses que é a promoção da saúde, garantindo por fim o próprio exercício da medicina.
Justifica­se a não ressarcibilidade pela ponderação de interesses vista acima, sem a
necessidade de trazer outros argumentos como o princípio da reserva do possível. Como visto
no caso dos ultrassonografistas e obstetras franceses no item 2.5.1, a corte de cassação
considerou que estes médicos deveriam ter uma obrigação de segurança quanto ao resultado
nos exames para a avaliação de má formação fetal, justificando o aborto (não havendo
possibilidade de erros). Ampliar a responsabilidade do médico para além dos limites do
possível diminui o acesso (valor intrínseco da dignidade da relação médico­paciente) tanto pela
majoração dos custos dos serviços quanto pela diminuição dos médicos dispostos a trabalhar
em determinadas áreas da medicina (valor intrínseco da dignidade do médico), verificado pela
recusa dos médicos imagenologistas franceses em examinar pacientes grávidas e pelo
aumento dos prêmios de seguro profissional nesta área.
No erro médico, o médico se julga capaz para atuar no caso. Traça um diagnóstico
(baseado em informações de natureza determinística junto a outras de natureza probabilísticas)
e propõe um tratamento (conduta), que é aceito pelo paciente (caso contrário, o paciente irá
procurar outro médico ou decidir não se tratar, prejudicando a análise). Caso ocorra um mau
resultado, avalia­se se este ocorreu por ter o médico seguido o mau caminho (a má conduta)
em erro (nos moldes do que se entende por erro na semântica, no Direito Penal e no Direito
Civil). Se o médico percorreu o mau caminho (a má conduta), analisa­se a conduta acertada
que deveria ter sido seguida pelo médico, em análise retrospectiva e conjectural, melhor
embasada por informações supervenientes. Avalia­se então se a conduta adotada foi razoável
em função das práticas médicas usuais e do seu conhecimento fático no momento em que
tomou a decisão, analisando­se sua justificativa no prontuário médico. Se razoável, não há
culpa. Caso não seja, as figuras da negligência ou da imprudência vão caracterizar o erro
médico culposo, o qual diminui a dignidade do paciente de forma anormal e injustificável, além
de diminuir a dignidade da própria relação médico­paciente (acesso ineficaz e inobservância da
ética por descuidar de seu paciente), gerando o dano moral independentemente da existência
ou não dos danos materiais ou estéticos. Mesmo os erros de execução prática de atos médicos
(como as cirurgias e procedimentos invasivos) seguem este roteiro, com a diferença que a
exposição da justificativa vem diferida no tempo, logo após o procedimento, quando o médico
descreve o que fez e o que ocorreu no prontuário do paciente. Os erros não culposos geram
danos não ressarcíveis, visto que entre os interesses lesivos encontra­se o valor comunitário
da dignidade humana do próprio paciente, que lhe limita o valor saúde (interesse lesado) de
modo a preservar justificadamente o acesso (dele e de outros) aos serviços de saúde e a
própria finalidade destas relações plurilaterais entre as dignidades envolvidas, qual seja a
promoção da saúde. As sociedades empresárias respondem objetivamente pelos danos
causados, observando­se com muito cuidado a origem destes danos e as excludentes de
causalidade, analisando­se termos como "infecção hospitalar" não como causada pelo
"hospital", e sim a causada durante a permanência no hospital, característica temporal e
territorial, enfrentando­se a análise da causa desta permanência e da natureza da infecção: se
devida à complicação da própria doença ocorrida após determinados dias de internação (que
caracterizam a infecção com hospitalar), quebra­se o liame de causalidade; se a permanência
se deveu a falhas administrativas ou se surge infecção por falha dos materiais hospitalares, há
dano e nexo causal.
Após toda esta construção doutrinária sobre o erro médico sob a ótica do direito civil
constitucional, segue o trabalho na análise de cinco acórdãos do TJ escolhidos para avaliação
crítica de sua jurisprudência.

3 ANÁLISE DE CINCO ACÓRDÃOS DO TJ/RJ SOBRE O TEMA

3.1 Cirurgia negada por motivos exclusivamente administrativos

Apelação 0386562­53.2008.8.19.0001
Relator Des. Mauro Dickstein
Julgamento: 23/12/2011
Décima Sexta Câmara Cível
SEGURO SAUDE CIRURGIA DE FIMOSE EXIGENCIA DE PERICIA PREVIA
DEMORA INJUSTIFICADA DANO MORAL SUMÁRIO INICIALMENTE
AJUIZADO COMO CAUTELAR. INDENIZATÓRIA. PLANO DE SAÚDE.
CIRURGIA DE FIMOSE, ALÉM DE OUTROS TRATAMENTOS, EM CRIANÇA
COM 5 (CINCO) ANOS DE IDADE. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. APELAÇÃO.
NEGATIVA DA APELANTE SOB A ALEGAÇÃO DE NECESSIDADE DE
PERÍCIA, A FIM DE EVITAR FRAUDES E ERROS, MESMO APÓS A
REALIZAÇÃO DE TODOS OS EXAMES PRÉVIOS PELO AUTOR.
PROCRASTINAÇÃO INJUSTIFICÁVEL DA INTERVENÇÃO CIRÚRGICA
NECESSÁRIA, INFRINGINDO O PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE.
RESTRIÇÃO INDEVIDA, ABUSIVA E INEFICAZ, PORQUANTO DECORRENTE
DE PRESCRIÇÃO POR MÉDICO COOPERADO DA PRÓPRIA RÉ,
CONFIRMADA POR OUTRO PROFISSIONAL CONVENIADO À EMPRESA.
RECUSA QUE IMPORTARIA EM PERDA DA FINALIDADE DO CONTRATO,
QUAL SEJA, A GARANTIA DE ASSISTÊNCIA À SAÙDE E À VIDA DO
CONTRATANTE. DANO MORAL CONFIGURADO. MANUTENÇÃO DA
SOLUÇÃO DE 1º GRAU. PEQUENO AJUSTE NO QUE TANGE AO TERMO A
QUO DA CORREÇÃO MONETÁRIA, A QUE SE PROCEDE, DE OFÍCIO, PARA
DECLARAR COMO SENDO A DATA DO ARBITRAMENTO RESPECTIVO.
SÚMULAS 362, DO C. STJ, E 161, DESTA E. CORTE. RECURSO A QUE SE
NEGA SEGUIMENTO, NA FORMA DO ART. 557, CAPUT, DO CPC.

Neste acórdão, claramente detecta­se um excesso do interesse lesivo (valor


comunitário da dignidade humana do paciente) em relação ao interesse lesado (valor intrínseco
da dignidade do paciente, saúde; dignidade do médico; dignidade da própria relação
médico­paciente). Embora a dignidade humana do paciente possa ser limitada com a finalidade
de proteger os interesses dos outros segurados, esta limitação tem de ser razoável, não pode
se estender por anos a fio. Prolongando­se no tempo, as dignidades do médico assistente e da
própria relação médico paciente serão alcançadas pela lesão, ampliando os danos para além
do dano moral do paciente, fazendo incluir dano moral ao médico. A necessidade de perícias
não pode aniquilar o direito tutelado: se há dúvidas quanto à licitude dos procedimentos, cabe a
investigação em via administrativa, e não a simples negativa da prestação.

3.2 ​
Responsabilidades subjetiva e objetiva nos procedimentos estéticos

APELACAO 0026319­23.2002.8.19.0004
Relatora Des. Claudia Pires
SEXTA CAMARA CIVEL
Julgamento: 27/07/2011
CIRURGIA PLASTICA MAL SUCEDIDA SUPERVENIENCIA DE CICATRIZ NO
ROSTO DEFORMIDADE RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DANO ESTETICO
DANO MORAL APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. PRESTAÇÃO
DE SERVIÇOS MÉDICOS. CIRURGIA PLÁSTICA. ESTÉTICA FACIAL, RUGAS
E NARIZ. A responsabilidade civil do cirurgião plástico é subjetiva, sendo de
resultado a obrigação assumida. Precedente do STJ. Laudo pericial que
constatou que não foi empregada a melhor técnica no procedimento, atestando
a culpa do réu, que tinha o ônus de provar culpa exclusiva da vítima, o que não
ocorreu. Resultado desastroso. Prejuízos à fala e movimento da boca, língua e
músculos faciais. Fotografias que comprovam a ocorrência de erros grosseiros
resultantes da cirurgia, constatando­se que o autor sofreu a perda do canto
palpebral, além da perda da capacidade de mobilização labial. Alegações de que
o autor não observou as recomendações do pós­operatório que não restaram
comprovadas. Dano estético em grau quatro, considerando uma classificação de
cinco níveis, que deve ser duplicado. Dano moral configurado, que também deve
ser dobrado, de modo a se adequar aos princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade. Sentença que não é ultra petita, havendo pedido explícito do
autor quanto à indenização por danos materiais. Provimento parcial do apelo do
autor. Provimento parcial do recurso do réu, para determinar que a incidência
dos juros de mora referentes às indenizações por danos morais materiais e
estéticos se dê a partir da citação, enquanto que a correção monetária, referente
à indenização por danos materiais, remonte à data do desembolso da quantia a
ser devolvida, mantendo­se os demais termos da sentença vergastada.

Este acórdão segue exatamente as sugestões doutrinárias desta monografia. Classifica


a responsabilidade civil dos procedimentos estéticos como subjetiva em relação à sua conduta
e execução, e objetiva em relação ao resultado esperado. Se não escolheu as técnicas
apropriadas para o caso, errou com culpa. Poderia o médico provar que não teve culpa na
execução da técnica operatória fotografando a cirurgia de modo a mostrar que os pontos foram
feitos de maneira correta e segundo a técnica apropriada, a qual afinal nem foi citada em
defesa, mas não o fez. Sabendo que o ônus probatório pode ser invertido, deve o cirurgião
plástico ter um banco de imagens junto às informações do prontuário do paciente. Não
provando que a técnica escolhida foi a correta e nem que a execução foi bem feita, não há
como excluir a responsabilidade objetiva pelo resultado esperado. Alegar simplesmente culpa
exclusiva da vítima não pode redimir­lhe da responsabilidade. Provado, portanto, o dano,
verifica­se sua natureza e ressarcibilidade. Como foi derivado de erro culposo, o agir desatento
e imprudente (interesse lesivo) não pode se sobrepor à dignidade humana do paciente em seu
valor intrínseco saúde (interesse lesado), sobrevindo portanto o dano moral ressarcível; as
cirurgias reparadoras e o tempo de inatividade decorrente vão gerar o dano emergente e o
lucro cessante, verificáveis pela teoria da diferença; a deformidade resultante deste agir
culposo gera o dano estético ressarcível pois gerado por conduta culposa como visto no dano
moral.

3.3 ​
Imprudência e negligência em atos médicos sucessivos em setor de emergências

APELACAO 0030248­38.2003.8.19.0066
Relator Des. Sergio Lucio Cruz
Julgamento: 26/07/2011
Décima Quinta Câmara Cível

ERRO MEDICO CIRURGIA PARA RETIRADA DE SINAIS MORTE DE MENOR


INFECCAO CULPA DANO MORAL AÇÃO INDENIZATÓRIA ERRO MÉDICO
MENOR QUE VAI A ÓBITO, TRÊS DIAS APÓS SER SUBMETIDA A UMA
CIRURGIA PARA EXTRAÇÃO DE VERRUGA. QUADRO INFECCIOSO QUE
NÃO FOI CONSIDERADO PELOS MÉDICOS, APESAR DOS SINTOMAS
APRESENTADOS PELA INFANTE. LAUDO PERICIAL QUE CONCLUI QUE A
INFECÇÃO FOI OCASIONADA PELA AUTOMANIPULAÇÃO DA VERRUGA
COM UMA AGULHA, MAS NÃO LEVA EM CONSIDERAÇÃO QUE O ÓBITO
OCORREU POR NÃO TER SIDO MINISTRADO O TRATAMENTO
ADEQUADO, MESMO DIANTE DE UMA SITUAÇÃO QUE PODERIA SER
DECORRENTE DA INFECÇÃO POR ESTAFILOCOCUS. HAVENDO DÚVIDA
QUANTO AO DIAGNÓSTICO, COMO OCORREU NA PRESENTE HIPÓTESE,
DEVEM OS PROFISSIONAIS DA SAÚDE AGIR COM PRUDÊNCIA, A FIM DE
NÃO PERMITIR O RESULTADO MORTE. SE ASSIM NÃO AGEM,
RESPONDEM, POR CULPA, PELO ÓBITO DA MENOR. VERBA DE DANO
MORAL FIXADA EM CONFORMIDADE COM OS DIVERSOS JULGADOS
DESTA CÂMARA.

A culpa, neste caso, decorreu da imprudência no primeiro atendimento e da negligência


erbis​
no segundo atendimento, como se depreende da sentença de primeiro grau, v​ :

[...] Afirmam que na data de 03/09/2003, conduziram sua filha menor ao hospital
réu, vez que esta sentia fortes dores por ter batido com o pé esquerdo no sofá,
tendo ferido uma verruga localizada na parte externa do pé; que o médico
examinou visualmente, resolvendo por fazer uma cirurgia de extração da
verrugosidade; que a cirurgia foi realizada em uma maca/cama, não sendo
realizado qualquer exame, alegando o médico ser algo muito simples; que em
casa a menor passou a sentir dores e febre; que em 04/09/2003 a menor foi
conduzida novamente ao pronto socorro, sendo atendida pelo médico de
plantão, afirmando este que se tratava de uma virose e que deviam os autores
continuar ministrando os mesmos medicamentos e que estava ocorrendo
apenas uma coincidência entre o pós­cirúrgico e a virose, não sendo necessária
a realização de novos exames; que no final da tarde de 05/09/2003, os remédios
já não apresentavam os efeitos esperados, tendo sido a menor levada
novamente ao hospital; que a menor foi submetida a uma série de exames, e
encaminhada à UTI, em razão do diagnostico de infecção grave; que na
madrugada do dia 06/09/2003, a menor veio a óbito em razão do quadro de
septicemia aguda [...].

A limitação da confiança, componente da dignidade humana (autonomia) da relação


médico­paciente, é evidente tratando­se de atendimentos de emergência. A execução de um
procedimento cirúrgico eletivo sem o devido preparo pré­operatório (provavelmente prática
corrente de tal profissional), num local onde se devem prestar apenas atendimentos
emergenciais (como nas tutelas de urgência e nas cautelares do processo civil) e sem
assistência pós­operatória gerou tal lamentável episódio. Na minha prática médica, já
presenciei casos onde o paciente alegava trauma sem fratura em atendimento recente, mas o
reexame das radiografias, por cautela, me levaram ao diagnóstico de fratura por estresse com
clareza solar, me levando a modificar o tratamento (que era nenhum) prescrevendo o uso de
muletas. Cada exame, cada ato médico deve ser independente. Se o paciente vai à
emergência após um procedimento imprudente como este apresentando febre e vômitos, o
mínimo que se pode fazer é refazer o curativo para possibilitar o exame da área operada e
colher um hemograma para verificar a possibilidade aventada de virose, descartando a
hipótese de infecção da ferida operatória. Houve mau resultado, porém a conduta escolhida
pelo médico que realizou o primeiro atendimento não foi razoável por imprudente (deveria ter
feito uma radiografia para descartar a possibilidade de fratura, um curativo e encaminhado o
paciente para tratamento em regime ambulatorial, onde haveria um segmento do caso e um
maior cuidado no pré­operatório). O segundo médico também errou, não sendo sua conduta
expectante razoável diante de um infante febril e com vômitos em pós­operatório imediato, sem
ter examinado a ferida e sem colher um exame (hemograma) para confirmar sua suspeita
diagnóstica (virose), descartando a infecção. Apenas a terceira médica acertou o diagnóstico,
examinando a ferida e solicitando exames. Em relação a ela, não houve erro, pois o mau
resultado de sua intervenção deveu­se à própria evolução da doença, não conseguindo com
sua conduta reverter sua história natural (infecção bacteriana) por já se encontrar em estágio
avançado: o caminho percorrido pela médica foi o correto, não houve foi tempo para reverter a
situação. A responsabilidade dos prepostos do hospital é derivada do seu agir culposo, não
sendo preponderante o interesse lesivo diante do interesse lesado (vida e saúde) gerando o
dano moral ressarcível. Também há dano material pela teoria da diferença, quantificada nos
moldes da jurisprudência do STJ, que leva em conta a possibilidade de trabalho até os vinte e
cinco anos de idade e de ajuda aos pais (devido à presunção de autonomia após esta idade)
até os sessenta e cinco anos de idade (vida média para o STJ), com valores menores. O fato
de o paciente ter manipulado a ferida com uma agulha e não traumatizado o dedo do pé não
afasta a causalidade por culpa exclusiva da vítima, pois o procedimento cirúrgico pelas
mesmas razões acima não se justifica com razoabilidade, apenas a radiografia seria
desnecessária.

3.4 ​
Falha dos quesitos e erosão dos filtros da reparação

APELACAO CIVEL ​

0103465­81.2004.8.19.0001
Rel Des. Antonio Saldanha Palheiro
Julgamento: 10/05/2011
QUINTA CAMARA CIVEL

PARTO ERRO MEDICO RESPONSABILIDADE SUBJETIVA


ESTABE­LECIMENTO HOSPITALAR FALHA NA PRESTACAO DO
SERVICO
AUSENCIA ​ APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO
INDENIZATÓRIA. ​ERRO ​
MÉDICO. PARTO. DISTÓCIA DE OMBRO. LESÃO
PERMANENTE DO PLEXO BRAQUIAL. LAUDO PERICIAL CONCLUSIVO.
AUSÊNCIA DE FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DO HOSPITAL.
1) A RESPONSABILIDADE DO HOSPITAL SOMENTE INCIDE QUANDO O
DANO DECORRER DE FALHA DE SERVIÇOS CUJA ATRIBUIÇÃO SEJA
AFETA ÚNICA E EXCLUSIVAMENTE AO HOSPITAL. NAS HIPÓTESES DE
DANO DECORRENTE DE FALHA TÉCNICA RESTRITA AO PROFISSIONAL
MÉDICO​ , MORMENTE QUANDO ESTE NÃO TEM NENHUM VÍNCULO COM O
HOSPITAL ­ SEJA DE EMPREGO OU DE MERA PREPOSIÇÃO ­, NÃO CABE
ATRIBUIR AO NOSOCÔMIO A OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR.
2) RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DA OBSTETRA. PARÁGRAFO 4° DO
ARTIGO 14 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
3) MANOBRA NECESSÁRIA PARA O DELIVRAMENTO DO NASCITURO.
CONDUTA LESIVA. EXAGERO NA FORÇA APLICADA. MOMENTO DE
EXTREMA DELICADEZA EM QUE O ​ MÉDICO DEVE DECIDIR COMO AGIR
DE FORMA RÁPIDA E PRECISA PARA SALVAR A VIDA DA CRIANÇA.
4) APLICAÇÃO DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 944 DO CÓDIGO CIVIL
À LUZ DA EQÜIDADE
5)A INOVAÇÃO TRAZIDA PELO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 944 DO
CÓDIGO CIVIL DE 2002 PERMITE AO MAGISTRADO REDUZIR
EQÜITATIVAMENTE A INDENIZAÇÃO, DESDE QUE AFERIDO O GRAU DE
CULPA, CUJA GRAVIDADE INTERFERIRÁ NA QUANTIFICAÇÃO, DE
ACORDO COM A EXTENSÃO DO DANO.
6) MANUTENÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS ARBITRADOS PARA
O HOSPITAL, CONSIDERANDO A SEDIMENTAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA E
A DESNECESSIDADE DE APROFUNDAMENTO DE ARGUMENTAÇÃO PARA
AFASTAR A RESPONSABILIDADE DO NOSOCÔMIO, BEM COMO O LAUDO
PERICIAL QUE AFASTOU A CULPA DO ESTABELECIMENTO.
7) DISCRICIONARIEDADE DO MAGISTRADO PARA FIXAÇÃO DA VERBA
HONORÁRIA, SOPESANDO O TRABALHO DOS ADVOGADOS E A
CAPACIDADE FINANCEIRA DAS PARTES NEGADO PROVIMENTO AOS
RECURSOS DOS AUTORES E DO HOSPITAL DADO PARCIAL PROVIMENTO
AO RECURSO DA PRIMEIRA APELANTE.

Trata­se de patologia onde os ombros do concepto impactam na pélvis materna na


passagem pelo canal do parto. No caso, de acordo com o relatado em sentença de primeiro
grau, a parturiente teve um parto difícil com a resultante lesão dos nervos do braço de
concepto. Em defesa, a obstetra alegou a imprevisibilidade desta complicação no parto, que
não fez nenhuma pressão em cima da barriga da mãe, que não houve nenhuma questão
anormal antes e durante o parto e que fez a manobra para proteger a vida da mãe, além de
contestar a inversão do ônus da prova, como transcrito abaixo:

(...) Relata que a segunda Autora foi descuidada em seu pré­natal. Afirma que
no momento do parto, como a cabeça do bebê demorou a sair e, quando saiu, o
restante do seu corpo permaneceu preso no canal vaginal, o que poderia ser
fatal para o recém nascido, se viu obrigada a realizar a manobra que gerou a
lesão. Salienta que caso não tivesse sido realizada tal manobra, o bebê teria
morrido, pois seu corpo estava preso. Narra que não houve nenhuma questão
anormal antes e durante o parto, que a segunda Autora estava tranqüila, apenas
sentindo as dores normais de um parto normal. Defende que a Autora não fez a
força necessária no momento do parto, ou seja, não cooperou com o parto.
Alega que não fez força em cima da barriga da segunda Autora e que o primeiro
Autor sempre estimulou e defendeu o parto normal. Esclarece que a lesão
ocorrida no bebê decorre do desprendimento difícil dos ombros do bebê, sendo
certo que a manobra realizada depende da força da mãe. Ressalta que pelo
exame de ressonância magnética realizado, as lesões alcançaram três nervos.
Sustenta a ausência de conduta culposa, de imprudência e de negligência.
Salienta que tomou todas as providências necessárias e pertinentes à hipótese.
Discorre acerca da teoria da imprevisibilidade específica. Cita jurisprudência.
Impugna o dano alegado pela segunda Ré e o termo inicial e final do
pensionamento. Sustenta não há prova das alegadas despesas médicas.
Rechaça a ocorrência de danos morais e estéticos. Defende a ausência de nexo
causal. Refuta o pedido de inversão do ônus da prova [...]. (trecho da sentença,
processo 0103465­81.2004.8.19.0001)

verbis​
O pediatra, também réu, relatou que o trabalho de parto teve duração normal, ​ :
"[...] ​
Afirma que o tempo de trabalho de parto foi normal, mas que ocorreu dificuldade para
liberação dos ombros do recém nascido da cavidade vaginal [...]" (trecho da sentença,
processo 0103465­81.2004.8.19.0001)
Os peritos identificaram a ocorrência da lesão e definiram­na como decorrente da tração
excessiva do concepto a fim de liberar seus ombros, permitindo sua passagem:

[...] Analisando­se a atuação do terceiro réu pelo que consta dos autos não se
encontrou falha técnica, uma vez que soube conduzir a insuficiência respiratória
do terceiro autor de forma adequada. A dificuldade diagnóstica da lesão do plexo
branquial não pode ser considerado como falha porque o objetivo inicial era
manter a vida do recém nato e diagnosticar uma lesão neurológica naquele
momento é muito difícil sem a ajuda de exames complementares [...]que para
uma lesão desse tipo ocorrer foi empregado força em demasia e uma vez que as
raízes foram arrancadas da medula [...]. No caso em questão, o arrancamento
se deu nas raízes inferiores, o que leva a crer que o mecanismo de ação tenha
sido uma tração exagerada do membro superior esquerdo no momento da
extração fetal [...] pode­se concluir que houve falha técnica da segunda Ré no
momento do parto aplicando força excessiva e realizando tração inadequada do
membro superior esquerdo do terceiro autor cansando­lhe arrancamento das
raízes de C7, C8 e T1 junto à medula e provável lesão por estiramento de C5 e
C6, porque o seu membro superior esquerdo apresenta lesão neurológica total
[...] ​
(trecho da sentença, processo 0103465­81.2004.8.19.0001)

Na avaliação do erro médico, deve­se começar pela verificação do mau resultado. Pelas
circunstâncias, o dano ao concepto foi evidente, pois este perdeu os movimentos de todo o
membro superior esquerdo, caracterizando o mau resultado, não esperado nos partos normais
de baixo risco.
Seguindo a análise, verifica­se qual seria a boa conduta frente a esta situação. Surgindo
complicação do parto conhecida como distocia de ombro, estará o médico diante de uma das
mais estressantes situações de toda a sua carreira: após a passagem da cabeça pelo canal do
parto, os ombros do concepto impactam na pelve da parturiente e o cordão umbilical fica
comprimido entre o concepto e a mãe aumentando rapidamente os riscos de anóxia do bebê e
de sangramento materno. Esta situação é conhecida na literatura médica como sinal da
tartaruga, pelo fato de a cabeça sair e logo retornar parcialmente em direção do canal do parto.
Há pouco tempo para a tomada de decisões: de um lado está o risco de morte da mãe e do
filho com o passar do tempo, de outro está o aumento do risco de lesões do plexo nervoso do
membro superior do bebê. Diante de tal situação, analisa­se a hipótese de ter o mau resultado
sido gerado por má conduta.
Os peritos presumiram que sim. Aqui se constata a erosão do nexo causal e da culpa
como filtros em relação à reparação civil. A má conduta foi presumida levando­se em conta
apenas o dano, como nas críticas do Professor Schreiber. Confundiu­se a má conduta com o
mau resultado. A conduta correta, segundo a literatura médica, não foi explicitada pelo perito,
provavelmente por não ter sido incluída nos quesitos pelos advogados de defesa da médica e
nem pelo Juiz. O que se sabe, pela descrição da sentença de primeiro grau, é que a médica fez
manobras para ajudar a passagem do bebê pelo canal do parto, mas não se sabem quais. Com
isso, não há como se avaliar a conduta da médica como razoável ou não. Ao assumir que o
dano foi decorrente da força de tração do concepto, junto ao fato da impossibilidade de defesa
em relação à conduta adotada neste momento difícil, presumiram os peritos o erro médico
culposo por imprudência, não levando em consideração os dados científicos sobre as
manobras previstas para estes casos na literatura médica a fim de compará­los com as
verbis​
manobras descritas em prontuário, ​ :

H Call for help.


This refers to activating the pre­arranged protocol or requesting the appropriate
personnel to respond with necessary equipment to the labor and delivery unit.
E Evaluate for episiotomy.
Episiotomy should be considered throughout the management of shoulder
dystocia but is necessary only to make more room if rotation maneuvers are
required. Shoulder dystocia is a bony impaction, so episiotomy alone will not
release the shoulder. Because most cases of shoulder dystocia can be relieved
with the McRoberts maneuver and suprapubic pressure, many women can be
spared a surgical incision.
L Legs (the McRoberts maneuver)
This procedure involves flexing and abducting the maternal hips, positioning the
maternal thighs up onto the maternal abdomen. This position flattens the sacral
promontory and results in cephalad rotation of the pubic symphysis. Nurses and
family members present at the delivery can provide assistance for this maneuver
P Suprapubic pressure
The hand of an assistant should be placed suprapubically over the fetal anterior
shoulder, applying pressure in a cardiopulmonary resuscitation style with a
downward and lateral motion on the posterior aspect of the fetal shoulder. This
maneuver should be attempted while continuing downward traction.
E Enter maneuvers (internal rotation)
These maneuvers attempt to manipulate the fetus to rotate the anterior shoulder
into an oblique plane and under the maternal symphysis (see Figure 2). These
maneuvers can be difficult to perform when the anterior shoulder is wedged
beneath the symphysis. At times, it is necessary to push the fetus up into the
pelvis slightly to accomplish the maneuvers.
R Remove the posterior arm.
Removing the posterior arm from the birth canal also shortens the bisacromial
diameter, allowing the fetus to drop into the sacral hollow, freeing the impaction.
The elbow then should be flexed and the forearm delivered in a sweeping motion
over the fetal anterior chest wall Grasping and pulling directly on the fetal arm
may fracture the humerus.
R Roll the patient.
The patient rolls from her existing position to the all­fours position. Often, the
shoulder will dislodge during the act of turning, so that this movement alone may
be sufficient to dislodge the impaction. In addition, once the position change is
completed, gravitational forces may aid in the disimpaction of the fetal shoulders.
(1710­4 AMERICAN FAMILY PHYSICIAN vvww.aafp,org/afp VOLUME 69,
NUMBER 7 / APRJL 1.2004 Shoulder Dystocia
ELIZABETH G. BAXLEY, M.D.. University of South Carolina School of Medicine,
Columbia, South Carolina
KClREkT W, (iORBO. M.D., University of California at Davis Family Practice
Network, Merced, California)[6]

Também não foram consideradas outras causas de lesão dos nervos que incluem as
pré­parto, embora infrequentes. O fato de os nervos lesados serem de origem mais baixa
(raízes de C7, C8 e T1) indicam que o membro lesado foi tracionado após ter saído do canal do
parto, indicando a provável manobra de retirada do membro posterior, uma das últimas
manobras a serem realizadas diante do desesperador estado do concepto, o qual foi
transferido para a UTI neonatal imediatamente após o parto com evidentes sinais de
sofrimento. Embora a principal causa da lesão neurológica dos nervos do membro superior
sejam os traumas do parto normal, existem causas diversas, inclusive podendo surgir mesmo
após cesarianas. Não havendo análise da boa conduta em análise retrospectiva e conjectural e
não se identificando a conduta seguida pela médica, impossível a conclusão pelo erro médico,
pois não se pode confundir erro médico com mau resultado. Se o médico faz todas as
manobras de ressuscitação em um paciente com parada cárdio­respiratória e o paciente vem a
falecer, por óbvio não estamos diante de um erro médico. Diferente seria se, no caso em
análise, a médica não fizesse nenhuma manobra (negligência) ou a fizesse sem qualquer
técnica ou protocolo (imprudência). A descrição do procedimento no prontuário nos daria a
resposta sobre a existência do erro médico e sobre a sua natureza culposa ou não.
Infelizmente o perito não explicitou a conduta seguida pela médica, nem avaliou o mecanismo
de lesão: membro já fora do canal do parto, elevado e ao lado da cabeça, necessitando a
médica tracionar o bebê para salvar a vida da mãe e da criança.
A presunção do nexo de causalidade até poderia ser aceita em caso de erro médico
culposo, pelo risco aumentado ou suscitado pela imprudência/negligência, assumindo a causa
da lesão como sendo a tração inadequada do concepto. Muito diferente é o caso em que todas
as manobras são feitas sem sucesso por questões inerentes ao parto. Se não há má conduta,
não pode haver erro médico: o mau resultado por si só não pode gerar presunções contra o
médico, pois caso assim seja, no caso em tela haverá um aumento exagerado do número de
indicações de cesarianas, acarretando maior risco para as mães, e também uma diminuição do
número de médicos dispostos a permanecer na especialidade, encarecendo o tratamento e
dificultando em muito o acesso, valor intrínseco da dignidade da relação médico­paciente.

3.5 Perda de uma chance de defesa


APELACÃO 0052164­27.2006.8.19.0001 (2007.001.45512)
1ª Ementa
DES. ODETE KNAACK DE SOUZA
Julgamento: 19/12/2007
VIGESIMA CAMARA CIVEL
RESPONSABILIDADE CIVIL DE ESTABELECIMENTO HOSPITALAR
PERDA DE UMA CHANCE ERRO DE PROCEDIMENTO MORTE DE
PACIENTE DANO MORAL APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA.
RESPONSABILIDADE DE HOSPITAL. APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA
DE UMA CHANCE (PERTE DUNE CHANCE), QUE ALARGA O NEXO DE
CAUSALIDADE, POSSIBILITANDO A RESPONSABILIDADE MÉDICA,
AINDA QUE NÃO OCORRA O ERRO MÉDICO PROPRIAMENTE DITO,
SENDO SUFICIENTE A OCORRÊNCIA DE CONDUTAS NEGLIGENTES OU
FALTA DE DIAGNÓSTICO PRECISO. NO CASO, HOUVE FALTA DE UM
DIAGNÓSTICO PRECISO, ALÉM DE TER HAVIDO ERRO DE
PROCEDIMENTO, QUANDO A TRAQUÉIA FOI LESIONADA NA
INTUBAÇÃO, EMBORA A INFECÇÃO CAUSADA PELA LESÃO NÃO
TENHA SIDO A CAUSA MORTIS DO PACIENTE, MOTIVO PELO QUAL A
SENTENÇA FOI DE IMPROCEDÊNCIA. PELA TEORIA DA PERDA DE UMA
CHANCE, AINDA QUE O ERRO NO PROCEDIMENTO NÃO TENHA SIDO A
CAUSA MORTIS, O FATO DE O PACIENTE NÃO TER TIDO A CHANCE DE
SOBREVIVER, EM RAZÃO DA FALTA DE SEGURANÇA DA EQUIPE DAS
RÉS EM CONCEDER UM DIAGNÓSTICO PRECISO, JÁ IMPORTA NA
CONDENAÇÃO DO HOSPITAL PELOS DANOS MORAIS SOFRIDOS PELA
ESPOSA DO FINADO, EM VIRTUDE DO FALECIMENTO DESTE. VERBA
COMPENSATÓRIA QUE SE FIXA EM R$ 40.000,00. RECURSO PROVIDO,
EM PARTE.

Coroando esta monografia, temos este julgado que confunde totalmente todos os
termos e locuções discutidos ao longo deste trabalho, comprovando a total erosão dos filtros de
reparação civil, incluindo o nexo causal. Nada se avaliou em relação às condutas médicas, ao
mau resultado, as justificativas para a realização dos procedimentos, as complicações
esperadas, etc. O simples argumento da perda de uma chance coloca o dano como única
variável na análise da responsabilidade civil. Perdeu­se uma chance de defesa.
4​
CONCLUSÃO

Analisou­se o conceito de erro médico e chegou­se a conclusão de que este erro pode
ser culposo ou não culposo. Este trabalho sugere um ​
iter para a avaliação do erro médico.
Avalia­se a existência do dano. Em caso de mau resultado, analisa­se a conduta do médico de
forma retrospectiva e conjectural, de acordo com todos os dados colhidos. Se a conduta for tida
como má conduta, caracteriza­se o erro médico. Analisa­se se a conduta teve justificativa
razoável de acordo com os conhecimentos fáticos do médico no momento de sua decisão. Se
razoável, não há culpa, caso contrário, sim. Os erros médicos culposos geram os danos como
ressarcíveis, pois o interesse lesivo não justifica o interesse lesado (saúde do paciente). Os
erros não culposos geram danos não ressarcíveis, pois o interesse lesado (saúde do paciente)
não pode se sobrepor ao interesse lesivo: a dignidade do médico (acesso ao mercado de
trabalho e ética de suas condutas), da relação médico­paciente (acesso à relação
médico­paciente e confiança), e à finalidade de todas estas dignidades de caráter plurilateral,
qual seja: a promoção da saúde. A análise dos acórdãos do TJRJ demonstrou a existência de
uma erosão dos filtros de reparação civil tendo em um dos casos o dano figurado como única
causa da responsabilização, ausente qualquer sopesamento e mesmo sem haver erro médico.
A falta de dados objetivos e conceitos tecnicamente mais precisos gera confusão e
insegurança jurídica. Os operadores do Direito devem, na análise dos danos derivados dos
serviços médicos, conhecer os conceitos colocados nesta monografia e seguir um ​
iter como o
proposto aqui para gerar mais segurança e evitar a judicialização das condutas médicas.

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[1] Tradução livre. Os poderes da legislatura são definidos e limitados; e, portanto, estes limites
não podem ser percebidos erroneamente ou esquecidos, a Constituição é escrita. Para qual
propósito são os poderes limitados, e para qual propósito é esta limitação compromissada por
escrito, se estes limites podem, a qualquer tempo, ser ultrapassados por aqueles destinados a
serem por ela contidos? A distinção entre um governo com poderes limitados ou ilimitados é
abolida se estes limites não confinam as pessoas sobre as quais são impostos e se diplomas
legais permitidos e proibidos obriguem da mesma forma. Essa é uma proposição plana por
demais para ser contestada, que a Constituição controla qualquer ato legislativo que lhe seja
repugnante; ou então o legislativo pode alterar a Constituição por um ato ordinário. (Supreme
Court of the United States, Marbury v. Madison, 1803)

[2] Tradução livre. Já faz quase um século que Einstein informou ao mundo a sua dramática descoberta e
muitos de nós ainda continuamos a ver o espaço e o tempo em termos absolutos. A relatividade especial
não está em nossas veias ­ nós não a sentimos. As suas implicações não são a principal parte de nossa
intuição. A razão para isto é muito simples: os efeitos da relatividade especial dependem de quão veloz
alguém se move e, nas velocidades dos automóveis, dos aviões ou mesmo dos veículos espaciais, esses
efeitos são minúsculos.
[3]​
Tradução livre. A formação de aderências no pós­operatório de cirurgias abdominais ainda
hoje é uma importante e inevitável complicação em qualquer tipo de cirurgia abdominal.

[4] Tradução livre. Embora ela tenha despertado a ira das seguradoras da área médica e de
parte dos profissionais de saúde, a lei Kouchner de 2002, dos direitos dos doentes, abriu as
portas para a legalização da medicina. Há seis anos, qualquer acidente médico reconhecido
como tal pode levar a compensação. A lei que se aplica igualmente a infecções nosocomiais ou
iatrogênicas (isto é, para dizer exclusivamente relacionadas à assistência) permite que em
quase metade dos casos a resolução do litígio de forma amigável.

[5] Tradução livre. Os juizes têm acompanhado a evolução da jurisprudência nos litígios entre
os paciente e as instituições médicas. Se desde o caso Mercier, de 1936, exige­se do médico
uma obrigação de meios aplicada de acordo com os dados científicos então conhecidos no
momento da prestação de cuidados, a partir de 1997 os julgamentos pelo Tribunal de
Cassação vêm exigindo mais dos médicos, em muitos casos cobrando resultados na forma de
uma obrigação de segurança. Esta extensão da responsabilidade não tem sido muito bem
aceita pela comunidade médica, que interpretou este movimento como um desafio sistemático
contra ela e uma intromissão inaceitável de juízes em sua prática profissional. O destaque da
disputa desenvolvido entre médicos e juízes foi, claro, o famoso caso Perruche de 17 nov 2000.
Decidiu­se que havia um nexo de causalidade entre a doença que acometeu um recém­nascido
e a culpa dos médicos que não tinham diagnosticado uma rubéola contraída pela mão no
pré­natal. Dado o aumento significativo dos prêmios dos seguros profissionais depois deste
caso, muitos foram os especialistas em obstetrícia e em diagnóstico por imagem que
declararam não mais aplicar sua arte em mulheres grávidas. Vejamos com mais detalhes essa
polêmica. Este protesto dos médicos chegou às portas do Parlamento com a consequente
votação da Lei de 4 de março de 2002, invocando a solidariedade nacional para os danos
resultantes dos acidentes médicos, doenças iatrogênicas ou infecções nosocomiais.

[6]​

H Pedir ajuda.
Refere­se a ativar o protocolo pré­estabelecido ou solicitar o pessoal adequado para responder
com equipamentos necessários para o trabalho e unidade de entrega.
E Avaliar a episiotomia.
Episiotomia deve ser considerada em toda a gestão de distocia do ombro, mas só é necessária
para dar mais espaço para manobras de rotação se necessárias; distocia do ombro é uma
impactação óssea, de modo que a episiotomia por si só não irá liberar o ombro. Como a
maioria dos casos de distocia de ombro pode ser aliviada com a manobra de McRoberts e a
pressão suprapúbica, muitas mulheres podem ser poupadas de uma incisão cirúrgica.
L Pernas (a manobra de McRoberts)
Este procedimento envolve a flexão e abdução dos quadris maternos, posicionando as coxas
maternas sobre o abdome. Esta posição achata o promontório sacral e resulta em rotação
cefálica da sínfise púbica. Enfermeiros e familiares presentes na sala de parto podem fornecer
assistência para essa manobra.
P Pressão suprapúbica
A mão de um assistente deve ser colocada acima do púbis materno sobre o ombro fetal,
aplicando pressão num estilo ressuscitação cardiopulmonar, com um movimento descendente
e lateral no aspecto posterior do ombro fetal. Esta manobra deve ser feita junto à tração para
baixo co concepto.
E Manobras manuais (rotação interna) (continua...)
Estas manobras tentar manipular o feto para rodar o ombro anterior em um plano oblíquo e sob
a sínfise materna. Estas manobras pode ser difícil de realizar quando o ombro anterior é
entalada por baixo da sínfise. Às vezes, é necessário empurrar o feto para cima para a pélvis
ligeiramente para realizar as manobras.
R Remover o braço posterior.
Removendo o braço posterior do canal de nascimento também reduz o diâmetro inter­acromial,
permitindo que o feto caia na cavidade sacral, liberando a impactação. O cotovelo, então, deve
ser flexionado e o antebraço entregue em um movimento de varredura sobre a parede anterior
do tórax fetal: agarrar e puxar diretamente no braço fetal pode fraturar o úmero.
R Role a paciente.
A paciente rola a partir de sua posição atual para a posição "todos os membros juntos". Muitas
vezes, o ombro vai desimpactar durante a mudança de posição de modo que este movimento
só pode ser o suficiente para desalojar a impacção. Além disso, uma vez que a mudança de
posição for concluída, as forças gravitacionais podem auxiliar na desimpactação dos ombros
fetais.

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