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FACULDADE DE DIREITO
RIO DE JANEIRO
2013
MARCIO TAUIL DE CARVALHO QUEIROZ
RIO DE JANEIRO
2013
MARCIO TAUIL DE CARVALHO QUEIROZ
Banca Examinadora:
________________________________________________
Presidente da Banca Examinadora
Prof. Fabiano Soares Gomes Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Orientador
________________________________________________
2º Examinador (Título de Mestre ou Doutor)
Prof. _______________________________________________________
________________________________________________
3º Examinador
Prof. _______________________________________________________
Ao meu professor de direito administrativo e
amigo virtual Matheus Carvalho.
A meu Prof. Nelson Massini, pelos conselhos sempre úteis e precisos com que,
sabiamente, orientoume na escolha do tema deste trabalho.
"O relativismo não passa de uma grande moda da contemporaneidade, que iguala tudo
e todos. É por isso que estamos vivendo também uma grande crise de criatividades."
Erro médico
QUEIROZ, M. T. C. : sob a ótica do direito civil constitucional. 2013. 85 f.
Monografia (Graduação em Direito) – UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE
JANEIRO, Rio de Janeiro, 2013.
Este trabalho avaliou o erro médico, conceituandoo e avaliando sua aplicação jurisprudencial
pelo TJRJ. Na análise, percebeuse uma erosão dos filtros de reparação civil como: culpa, nexo
causal, conduta, figurando o dano como único fator de responsabilização na análise da
responsabilidade em um dos casos. Este trabalho sugere um
iter para a avaliação do erro
médico. Avaliase a existência do dano. Em caso de mau resultado, analisase a conduta do
médico de forma retrospectiva e conjectural, de acordo com todos os dados colhidos. Se a
conduta for tida como má conduta, caracterizase o erro médico. Analisase se a conduta teve
justificativa razoável de acordo com os conhecimentos fáticos do médico no momento de sua
decisão. Se razoável, não há culpa, caso contrário, sim. Os erros médicos culposos geram os
danos como ressarcíveis, pois o interesse lesivo não justifica o interesse lesado (saúde do
paciente). Os erros não culposos geram danos não ressarcíveis, pois o interesse lesado (saúde
do paciente) não pode se sobrepor ao interesse lesivo: a dignidade do médico (acesso ao
mercado de trabalho e ética de suas condutas), da relação médicopaciente (acesso à relação
médicopaciente e confiança), e à finalidade de todas estas dignidades de caráter plurilateral,
qual seja: a promoção da saúde.
This study evaluated the medical error, conceptualising and evaluating the application
of jurisprudence by TJRJ. In the analysis, we perceived an erosion of reparations filters
of responsability: guilt, causation, conduct, figuring the damage as the sole factor in the
iter
analysis of accountability in one case. This work suggests one for the evaluation of
medical error. We analyze the existence of damage. In case of bad results, we analyze
the medical treatment retrospectively and conjecturaly, according to all data available. If
the conduct is regarded as misconduct, characterized medical error. Examines whether
the conduct was reasonable justificated according to the factual knowledge of the
physician at the time of his decision. If reasonable, there is no guilty, otherwise yes.
Guilty Medical errors generate ressarcible damage because the lesive interest does not
justify damaging the interests injured (patient health). Non guilty medical erros do not
generate ressarcible damages because the injured interest (patient health) can not
override the interest lesive interest: the dignity of the physician (access to the labor
market and its ethical conduct), the dignity of the physicianpatient relationship (access
to the doctorpatient relationship and confidence), and the finality of all these dignities
plurilateraly analised, namely, the promotion of health.
1
INTRODUÇÃO 13
1.1
O novo direito civil
16
1.2
A pessoalização das relações humanas 25
1.3
Eficácia horizontal dos direitos fundamentais 26
1.4
Ponderação de princípios 27
1.5
Análise final 28
2
ERRO MÉDICO: CONSTRUÇÃO DOUTRINÁRIA 31
2.1
Definição semântica de erro 31
2.2
Conceito de erro no Direito Penal
32
2.2.1
Erro de tipo 33
2.2.1.1
Erro de tipo essencial 34
2.2.1.2
Erro de tipo acidental 35
2.2.1.2.1 Erro de tipo acidental acerca do objeto 35
2.2.1.2.2 Erro de tipo acidental acerca da pessoa 35
2.2.1.2.3 Erro de execução 36
berratio criminis
2.2.1.2.4 Erro em relação ao bem jurídico protegido: a 37
berratio causae
2.2.1.2.5 Erro sobre o nexo causal: a 38
2.2.2
Erro de proibição 38
2.2.3
Conclusão sobre o conceito de erro no direito penal 39
2.3
Conceito de erro no Direito Civil 40
2.3.1
Erro como defeito do negócio jurídico 40
2.4
Conceito de erro médico
44
2.4.1
Iatrogenia 45
2.4.2
Mau resultado 45
2.4.3
A complicação 47
2.4.4
O efeito colateral 48
2.4.5
A história natural da doença 49
2.4.6
Erro médico 49
2.4.6.1
O ato médico 50
2.4.6.1.1 Formação do ato médico 53
2.4.6.2
O conhecimento médico 54
2.4.6.2.1 O conhecimento fático no caso concreto 56
2.4.6.2.2 Análise da imperícia médica 58
2.4.6.3
Definição de boa conduta 58
2.4.7
O dano decorrente do erro médico 65
2.4.7.1
Erro médico evitável ou inevitável 65
2.4.7.2
Tipos de dano 67
2.4.8
O erro médico em relação à culpa 72
2.4.9
O erro médico em relação ao dolo 73
2.5
Erro médico e responsabilidade 73
2.5.1
A "faute" no sistema de responsabilização Francês
73
2.5.2
O "Trust", instituto do Direito AngloSaxão 75
2.5.3
A responsabilidade no Direito Brasileiro 77
2.5.3.1
Responsabilidade civil subjetiva 77
2.5.3.1.1 O artigo 14 do CDC e as intervenções estéticas 78
2.5.3.2
A responsabilidade objetiva 83
2.5.3.3
Os atores na relação médicopaciente e suas responsabilidades 86
2.6
Conceito de dignidade humana 87
2.6.1
Erro médico e dignidade humana 93
3
ANÁLISE DE CINCO ACÓRDÃOS DO TJ/RJ SOBRE O TEMA 97
3.1
Cirurgia negada por motivos exclusivamente administrativos 97
3.2
Responsabilidades subjetiva e objetiva nos procedimentos estéticos 98
3.3 Imprudência e negligência em atos médicos sucessivos em setor de emergências 99
3.4
Falha dos quesitos e erosão dos filtros da reparação 101
3.5
Perda de uma chance de defesa 106
4
CONCLUSÃO
109
1
INTRODUÇÃO
verbis:
O professor Genival Veloso de França também define o erro médico,
[...] Em primeiro lugar, é necessário distinguir o erro médico do acidente
imprevisívele do
mal incontrolável.
O erro médico, quase sempre por culpa, é uma forma atípica e
inadequada de conduta profissional que supõe uma inobservância técnica,
capaz de produzir um dano à vida ou à saúde do paciente. É o dano que possa
ser caracterizado como imperícia, imprudência ou negligência do médico, no
exercício regular de suas atividades profissionais. Devem ser levados em conta
as condições do atendimento, a necessidade da ação e ou meios empregados.
(2012, p. 547)
1.1
O novo direito civil
The powers of the legislature are defined and limited; and that those limits may
not be mistaken, or forgotten, the Constitution is written. To what purpose are
powers limited, and to what purpose is that limitation committed to writing, if
these limits may, at any time, be passed by those intended to be restrained?
The distinction between a government with limited and unlimited powers is
abolished if those limits do not confine the persons on whom they are imposed,
and if acts prohibited and acts allowed are of equal obligation. It is a
proposition too plain to be contested, that the Constitution controls any
legislative act repugnant to it; or, that the legislature may alter the Constitution
by an ordinary act (grifo nosso). (Supreme Court of the United States, Marbury
v. Madison, 1803)[1]
RE 101331 / PB
Relator: Min. CARLOS MADEIRA
Julgamento: 08/11/1985
Órgão Julgador: Segunda Turma
Publicação 29111985
RECTE.: EMPRESA CONSTRUTORA LEMOS & ASFURA LTDA.
ADVS.: SEVERINO ALVES DE ANDRADE E OUTRO
RECDO.: ESTADO DA PARAÍBA
ADV.: ANTONIO DA SILVA LIMA
RECDO.:PREFEITURA MUNICIPAL DE JOÃO PESSOA
ADV.: ALDO MORAES ALVES
Ementa
LIMITAÇÕES AO DIREITO DE CONSTRUIR. A COMPETÊNCIA ESTADUAL
PARA LIGISLAR SOBRE MATÉRIA URBANISTICA QUE TRANSCENDA AO
PECULIAR INTERESSE LOCAL, NÃO CONTRARIA AS DISPOSIÇÕES
CONSTITUCIONAIS E LEGAIS SOBRE O DIREITO DE PROPRIEDADE.
PRECEDENTE DO STF .
RE 114468 / PR
Relator: Min. CARLOS MADEIRA
Julgamento: 31/05/1988
Órgão Julgador: Segunda Turma
Publicação 24061988
RECTES.: EDGAR LINHARES FILHO E SUA MULHER
ADV.: EDGAR LINHARES FILHO
RECDA.: PREFEITURA MUNUCIPAL DE CURITIBA
ADV.: IVAN GUÉRIOS CURI E OUTROS
Ementa
LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA. PREDIO CONSIDERADO UNIDADE DE
INTERESSE DE PRESERVAÇÃO, POR DECRETO DO PREFEITO MUNICIPAL
DE CURITIBA. LIMITAÇÃO GENERICA, GRATUITA E UNILATERAL AO
EXERCÍCIO DO DIREITO DOS PROPRIETARIOS, EM PROL DA MEMORIA
DA CIDADE, QUE TEM BASE NO PARAGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 180 DA
CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA. RECUSA DE AUTORIZAÇÃO PARA
DEMOLIÇÃO QUE NÃO IMPORTA AFRONTA AO DIREITO DE
PROPRIEDADE. RECURSO NÃO CONHECIDO.
Por outro lado, o bemestar social também justificava a repressão policial a multidões
em caso de risco de dano à propriedade, como se depreende das ementas de:
RE 20372 e RE
17746, abaixo:
RE 20372 /
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. MÁRIO GUIMARÃES CONVOCADO
Julgamento: 21/05/1953
Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA
Publicação 07031955
Ementa
SE POR NEGLIGENCIA DAS AUTORIDADES, OU MAU APARELHAMENTO
DO SERVIÇO POLICIAL, NÃO TOMOU A POLICIA AS PROVIDENCIAS
NECESSARIAS PARA EVITAR QUE A MULTIDAO AMOTINADA CAUSASSE
DANOS A PROPRIEDADE PARTICULAR, RESPONDE O ESTADO PELOS
PREJUIZOS QUE O ESTADO NÃO SOUBE OU NÃO QUIS IMPEDIR.
RE 17746 /
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator: Min. ROCHA LAGOA
Julgamento: 28/10/1952
Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA
Publicação 13021956
Ementa
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
POR DANOS CAUSADOS PELA MULTIDAO, QUANDO CARACTERIZADA A
OMISSAO CULPOSA DAQUELE, NA DEFESA DA PROPRIEDADE CONTRA
AS INVESTIDAS DE POPULARES.
RE 14263 /
Relator: Min. OROZIMBO NONATO
Julgamento: 10/10/1950
Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA
Publicação 24021951
Ementa
DIREITO DE RETOMADA. INTELIGENCIA DA LEI. NECESSIDADE DO
PREDIO, NÃO COMODIDADE, INTERESSE OU VANTAGEM. E' FORCA QUE
A NECESSIDADE DO DOMINUS NITIDAMENTE SE REALCE,
ULTRAPASSANDO A MERA NOÇÃO DE MAIOR CONFORTO. O DIREITO DE
PROPRIEDADE NÃO E ABSOLUTO , TORNANDOSE CADA VEZ MAIS
DENSO SEU CONTEUDO SOCIAL. AS LEIS DO INQUILINATO, TUTELARES
DOS LOCATARIOS, VEXADOS DE NOTORIA CRISE DE HABITAÇÃO, VISAM
A GARANTIR AS EXIGENCIAS DO BEM COMUM, IMPOSTERGAVEIS NA
APLICAÇÃO DA LEI. DEVE O INTERPRETE, NA CONCEITUAÇÃO DESSA
NECESSIDADE, PENDER PARA CRITÉRIOS QUE FAVORECAM A
PERMANENCIA DA LOCAÇÃO . AÇÃO DE DESPEJO. PROVA DE
NECESSIDADE DO LOCADOR. A EXPRESSAO "USO PRÓPRIO" DO
DECRETOLEI N. 9.669, DE 29 DE AGOSTO DE 1946. ART. 18, PAR. 4 DO
CITADO DECRETOLEI 9.669. NO CONCEITUAR A NECESSIDADE DO
PREDIO PEDIDO DEVE O INTERPRETE PENDER PARA CRITÉRIOS QUE
FAVORECAM A PERMANENCIA DA LOCAÇÃO (grifos nossos).
RE 24065 /
Relator: Min. LUIZ GALLOTTI
Julgamento: 24/06/1954
Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA
Publicação 12091955
Ementa
LOCAÇÃO. PREDIO OCUPADO POR ESTABELECIMENTO DE ENSINO.
PROIBIÇÃO DE DESPEJO, SALVO NOS CASOS DE INFRAÇÃO DOS
DEVERES DE LOCATARIA. ARTIGO 18 DA LEI 1.300 DE 28.12.1950.
CONSTITUCIONALIDADE DESSE DISPOSITIVO. RESTRIÇÃO IMPOSTA AO
DIREITO DE PROPRIEDADE, EM HOMENAGEM A SOCIALIZAÇÃO DO
DIREITO CIVIL HODIERNO . PELA PROPRIA CONSTITUIÇÃO, O USO DA
PROPRIEDADE DEVE SER CONDICIONADO AO BEM ESTAR SOCIAL (ART.
147). RECURSO EXTRAORDINÁRIO. EMBORA O ACÓRDÃO RECORRIDO
SEJA DO TRIBUNAL DE ALÇADA DE S. PAULO E OS ARESTOS
APONTADOS SEJAM DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO MESMO ESTADO,
ISSO NÃO IMPEDIRIA O CABIMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO DA
ALINEA D DO ART. 101 N. III DA CONSTITUIÇÃO, SE CONFIGURADO O
DISSIDIO ENTRE OS DOIS TRIBUNAIS. TAL IMPEDIMENTO EXISTIRIA EM
FACE DAS CONSTITUIÇÕES ANTERIORES QUE ALUDIAM A ESTADOS
DIFERENTES (CARTA DE 1937, ART. 101, III, D; CONSTITUIÇÃO DE 1934,
ART. 76, III, D). NÃO ASSIM EM FACE DA CONSTITUIÇÃO VIGENTE, QUE
ADMITE O RECURSO EXTRAORDINÁRIO "QUANDO NA DECISÃO
RECORRIDA A INTERPRETAÇÃO DA LEI FEDERAL INVOCADA FOR
DIVERSA DA QUE LHE HAJA DADO QUALQUER DOS OUTROS TRIBUNAIS
OU O PRÓPRIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (ART. 101, III, D). ORA,
NÃO HÁ NEGAR QUE O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE S. PAULO, EM
RELAÇÃO AO DE ALÇADA DO MESMO ESTADO, E OUTRO TRIBUNAL (grifo
nosso).
RE 69360 / GB
Relator: Min. ANTONIO NEDER
Julgamento: 11/10/1971
Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA
Publicação 26111971
Ementa
1. NO STF PREDOMINA A ORIENTAÇÃO DE QUE, NA LOCAÇÃO REGULADA
PELO DECRETO N. 24.150/34, SE PRESUME SINCERO O PROPRIETARIO
AO PLEITEAR A RETOMADA, RESSALVADO, E OBVIO, AO LOCATARIO, O
DIREITO DE PROVAR O CONTRARIO (SÚMULA, VERBETE 485).
PORTANTO, NA AUSÊNCIA DE PROVA DE QUE O PROPRIETARIO SE
MOSTRA INSINCERO NO PLEITEAR A RETOMADA, ESTA DEVE SER
CONCEDIDA SEM DESCONFIANCA, MESMO PORQUE, SINCERO O
PROPRIETARIO, O SEU DIREITO SE AVIGORA POR SE HARMONIZAR COM
O SISTEMA JURÍDICO ENTRE NOS INSTITUIDO NO QUE RESPEITA A
PROPRIEDADE (CE DE 1967, EMENDA N. 1, ART. 150, PARAGRAFO 22). 2.
NOS TERMOS DO ART. 5, "E", DO DECRETO N. 24.150/34, A INDICAÇÃO DO
FIADOR E FEITA NA INICIAL, E A PROVA DE SUA IDONEIDADE, QUANDO
IMPUGNADA, E DE SER FEITA NA INSTRUÇÃO DA CAUSA, A FIM DE SER
DECIDIDA A QUESTÃO, COMO E OBVIO, NA SENTENÇA. NÃO SE TEM
COMO DEIXAR ESSA MATÉRIA PARA A EXECUÇÃO (grifo nosso).
RE 27377 /
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator: Min. LUIZ GALLOTTI
Julgamento: 13/12/1954
Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA
Publicação 30081956
Ementa
LOCAÇÃO. RETOMADA POR PROPRIETARIO, QUE RESIDE EM PREDIO
PRÓPRIO, MAS PEDE OUTRO DE SUA PROPRIEDADE PARA SEU USO,
COMPROVADA EM JUÍZO A NECESSIDADE DO PEDIDO. PREFERENCIA,
EM TAL CASO, AO LOCATARIO PARA LOCAÇÃO DO PREDIO DE QUE SE
MUDOU O PROPRIETARIO, SALVO SE A MUDANCA DECORREU DE
DESAPROPRIAÇÃO OU INTERDIÇÃO DO PREDIO. ARTIGO 15 N. V, E
PARAGRAFO 7. DA LEI 1.300, DE 1950. ALEGAÇÃO DE QUE ESSA
PREFERENCIA NÃO CONSTAVA DA LEI VIGENTE AO TEMPO DA
PROPOSITURA DA AÇÃO DE DESPEJO (DECLEI 9.669, DE 1946).
IMPROCEDE A ALEGAÇÃO, POIS SE TRATA DE LEGISLAÇÃO DE
EMERGENCIA E DE ORDEM PÚBLICA, QUE RUIRIA, QUASI INTEIRA, SE
CONTRA ELA SE PUDESSEM INVOCAR DIREITOS ADQUIRIDOS.
ACRESCE
QUE SE TRATA APENAS DE UM DIREITO DE PREFERENCIA EM
IGUALDADE DE CONDIÇÕES E QUE, EM CERTOS CASOS, TAL
PREFERENCIA JA ERA RECONHECIDA PELA JURISPRUDÊNCIA MESMO
NO SILENCIO DA LEI (grifo nosso)
.
Naquele momento, não é exagero afirmar que a maioria dos civilistas lia a
Constituição como um diploma pertencente a outro ramo do conhecimento, algo
que não lhe dizia diretamente respeito, a não ser pela incursão (para muitos
indevida, digase de passagem) do Constituinte na seara do direito privado. Sob
a pomposa expressão Carta Política podiase identificar, com auxilio da
semiótica, a ausência de força normativa dos princípios constitucionais (grifo do
autor). (2006, p. 379)
A afirmação de que o código civil é a Constituição do direito privado vem, desde então,
migrando paulatinamente da corrente majoritária para a minoritária, não sem forte resistência.
Com a promulgação do CC/02, um código mais alinhado com a Constituição da
República, de caráter principiológico, com a utilização de um sistema aberto à ética e à
realidade social, o Direito Civil passou a ser, assim como todos os ramos do Direito, lido de
forma totalmente diferente, menos patrimonialista e mais pessoalizado. O professor Flávio
Tartucce ensina que, de acordo com o idealizador do Código Civil de 2002, Miguel Reale, a
atual codificação está baseada em três princípios fundamentais:
1.3
Eficácia horizontal dos direitos fundamentais
RE 201.819/RJ
Segunda Turma
Relator Ministro Gilmar Mendes
DJ de 27.10.2006:
SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE
COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA
DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO.
I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS.
As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das
relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas
entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos
fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas
os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares
em face dos poderes privados.
II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA
PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídicoconstitucional brasileira não
conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos
princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por
fundamento direto o próprio texto da Constituição da República, notadamente
em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de
autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à
incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos
fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras
limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com
desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles
positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere
aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir
ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria
Constituição, cuja
eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no
âmbito de suas relações privadas , em tema de liberdades fundamentais (grifo
nosso) [...].
1.4
Ponderação de princípios
É hoje certo que a CRFB/88 espraia seus princípios por todo o ordenamento jurídico. O
próprio STF sustenta a eficácia horizontal dos direitos fundamentais. O grande problema da
doutrina agora majoritária está no momento da aplicação destes novos conceitos. Na minha
visão, o patrimonialismo e o individualismo, conceitos construídos e sedimentados desde os
áureos tempos de Roma, devem ter aplicação ainda hoje, porém com restrições. Os princípios
do novo código civil e da Constituição, portanto, devem corrigir distorções e excessos. Um
exemplo simples, onde dois integrantes da classe média celebram um contrato de mútuo de
baixo valor: as regras civilistas serão aplicadas de forma simples em caso de descumprimento
contratual. Exemplo oposto ocorre quando uma sociedade empresária do setor hospitalar
(plano de saúde) celebra contrato de prestação de serviços com pessoa natural mediante
remuneração mensal. Aqui, os princípios da CRFB/88 vão se fazer notar, pois as cláusulas
contratuais não poderão ser seguidas cegamente diminuindo a dignidade do indivíduo caso,
por exemplo, prevejam prazo de 30 dias para análise e autorização de material cirúrgico e o
paciente necessite de cirurgia de urgência, fato corriqueiro que chega todos os dias às portas
do judiciário, obrigando os intérpretes a aplicar os princípios constitucionais a fim de corrigir as
distorções geradas pelo contrato, preservando a dignidade da pessoa humana.
Concluindo, a análise inicial deve levar em conta as antigas regras patrimonialistas e
individualistas do código, atuando os princípios em caso de distorções em sua aplicação,
moldandoas com razoabilidade, para que atinjam o fim esperado: a preservação da dignidade
humana.
Afinal, todos conhecemos a teoria da relatividade de Einstein, mas tudo o que
percebemos, do velocímetro do carro ao tamanho dos prédios, se baseia na física newtoniana,
verbis
:
It has been almost a century since Einstein informed the world of his dramatic
discovery, yet most of us still see space and time in absolute terms. Special
relativity is not in our bones we do not feel it. Its implications are not a central
part of our intuition. The reason for this is quite simple: The effects of special
relativity depend upon how fast one moves, and at speeds of cars, planes, or
even space shuttles, these effects are minuscule. (Greene B., 2003, p.17) [2]
Da mesma forma, não cabe esquecermos das regras civilistas mais simples na forma
como aplicadas a séculos. Lembremos que as leis de natureza patrimonialista também forma
um avanço em relação aos castigos e degradações corporais de épocas anteriores. Devemos,
ao invés, fazer correções apoiados nos princípios constitucionais para adequálas à enorme
complexidade das atuais sociedades massificadas. A deformação criada pela aplicação direta
da lei ao caso concreto que leve ao sofrimento do ser de forma desproporcional deve ser
corrigida com os princípios constitucionais e não gerar o enriquecimento ilícito dos que alegam
danos após qualquer aborrecimento cotidiano. Por exemplo, os danos materiais devem
continuar a ser mensurados de acordo com critérios simples, verificandose a diminuição do
patrimônio resultante do dano experimentado (teoria da diferença).
2
ERRO MÉDICO: CONSTRUÇÃO DOUTRINÁRIA
Buscarseá um conceito para o erro médico com auxílio dos outros ramos do Direito
para, ao final do capítulo, avaliálo em relação à dignidade humana, princípio fundante de
nosso ordenamento constitucional.
2.1
Definição semântica de erro
2.2
Conceito de erro no Direito Penal
A teoria do crime, base do Direito Penal, conceitua o crime sob três aspectos: material,
formal e analítico. Este último aspecto é o que busca analisar os elementos estruturais do
crime. Pela concepção tripartida, crime é todo fato típico, ilícito e culpável. Pela concepção
bipartida, a culpabilidade não integra o conceito de crime.
O que nos interessa nesta discussão é o fato de que, independentemente da concepção
de crime adotada, o dolo e a culpa integram o conceito de crime: para a Teoria Naturalista,
ambos estão na culpabilidade; para a teoria finalista, o dolo e a culpa integram o fato típico.
O Código penal Brasileiro adotou a teoria finalista da ação. Em seu art. 18, I e II, definiu
que o crime pode ser ou doloso, ou culposo, não havendo crime sem dolo ou culpa. Para a
teoria finalista, a vontade do agente em praticar determinada ação e a finalidade desejada por
este agente com esta ação são elementos essenciais da conduta. O dolo é a regra, mas
existem crimes que admitem a forma culposa, onde o agente atua não observando certos
deveres de conduta, agindo com imperícia, imprudência ou negligência. O dolo e a culpa
integram o fato típico.
O conceito de crime engloba, além da tipicidade, a ilicitude, que é analisada a
contrario
sensu
, podendo descaracterizar como crime a conduta típica realizada pelo agente, como no
caso da legítima defesa. Por fim, temos a análise da culpabilidade que verifica a possibilidade
de imposição de pena ao agente que cometeu o crime, como no caso do menor que pratica ato
típico e ilícito (roubo) e não pode sofrer pena por ser menor de dezoito anos (embora exista
previsão de aplicação de medida sócioeducativa): comete o crime, mas não é culpável.
Assim o conceito de erro, para o Direito Penal, está presente na análise do crime (fato
típico e ilícito) e da culpabilidade, relacionandose ao tipo penal incriminador, à vontade do
agente em praticar a conduta ou em assentir com o resultado (dolo, art. 18, I do CP), à falta em
relação a um dever de cuidado a todos exigido (culpa), com os tipos permissivos (verificados
quando da análise da ilicitude) e com a culpabilidade. Quando o erro se refere à falsa
percepção dos fatos, estamos diante do erro de tipo (art. 20, § 1º do CP); quando o erro se
refere à uma percepção distorcida do ordenamento jurídico, estamos diante do erro de
proibição (art. 21 do CP). Esta definição se mantém quando da análise do erro na
culpabilidade, pois a doutrina majoritária e o CP adotaram a Teoria Limitada da Culpabilidade:
"Para a teoria limitada da culpabilidade, o erro que recai sobre uma situação de fato
(descriminante putativa fática) é erro de tipo, enquanto o que incide sobre a existência ou
limites de uma causa de justificação é erro de proibição". (Capez, 2011, p. 331)
2.2.1
Erro de tipo
Erro de tipo se refere à equívoco do agente que incide sobre um fato da realidade que
se encontra no tipo penal nas elementares, circunstâncias ou mesmo sobre fatos irrelevantes.
Dividese em essencial e acidental. O essencial se subdivide em: erro sobre elementar de tipo
incriminador; erro sobre circunstância; erro sobre elementar de tipo permissivo, erro sobre
pressupostos fáticos de uma causa de justificação ou descriminante putativa por erro de tipo.
Segundo Capez, são exemplos de erro de tipo: erro incidente sobre situação de fato
descrita como elementar de tipo incriminador; erro incidente sobre relação jurídica descrita
como elementar de tipo incriminador; erro incidente sobre situação de fato descrita como
elementar de tipo permissivo; erro incidente sobre circunstância de tipo incriminador; erro sobre
t seq.)
dado irrelevante, todos exemplificados abaixo. (idem, p. 243 e
Erro incidente sobre situação de fato descrita como elementar de tipo incriminador: o
agente pratica ação tipificada como crime, mas por equívoco. Exemplo clássico do agente que
subtrai para si coisa alheia móvel (art. 155 do CP) ao pegar o guardachuva de seu anfitrião ao
invés do seu próprio guardachuva, por serem os dois guardachuvas idênticos (pretos e
fabricados na China). Embora tenha praticado ação descrita em tipo penal, o agente imaginava
estar de posse de objeto próprio e não alheio, o que tornaria sua ação um irrelevante penal.
Logo, sua vontade não foi dirigida para uma ação tipificada, e sim para um irrelevante penal
(subtrair coisa própria). O erro sobre o fato da realidade viciou a vontade do agente afastando o
dolo e, com isso, descaracterizando sua ação como criminosa.
Erro incidente sobre relação jurídica descrita como elementar de tipo incriminador: o
agente casase contra mulher casada acreditando que fosse solteira. Comete fato descrito
como bigamia no art. 235 §1º do CP. No entanto, o desconhecimento da situação jurídica da
mulher vicia sua vontade, pois não há como se falar em vontade em função do
desconhecimento do agente. O erro mais uma vez vicia a vontade de o agente cometer a ação
descrita no tipo penal, afastando o dolo.
Erro incidente sobre situação de fato descrita como elementar de tipo permissivo: neste
caso, o erro incide sobre fato relacionado às excludentes de ilicitude que permitem a realização
de um fato típico. É o caso da vítima que põe a mão no bolso para pegar um lenço e o agente,
imaginando que a vítima vai sacar uma arma, atira imaginando estar em legítima defesa.
Erro incidente sobre circunstância de tipo incriminador: neste caso, o agente pensa
furtar um diamante raro, mas furta uma pedra de cristal barato. O erro não incide sobre o tipo, a
ilicitude ou fatores de avaliação da culpabilidade, apenas incide sobre circunstância
privilegiadora, causa de diminuição de pena, não podendo o agente dela se valer. Responde
pelo crime, embora sem o privilégio, caso seja culpável. A ação derivada do erro é
desconsiderada, mesmo que prejudique o agente.
Erro sobre dado irrelevante: por exemplo, o agente pratica uma ação típica e ilícita, não
havendo fatores excludentes da culpabilidade ou que alterem as circunstâncias de tipo
incriminador e o erro não atinge nenhum fato de interesse para a análise do crime, da
culpabilidade ou do cálculo da pena. Neste caso imaginário, o agente subtrai coisa alheia
móvel que imagina pertencer a um inimigo mortal, mas que na verdade pertence ao seu melhor
amigo. Vai responder da mesma forma, pois o erro é irrelevante em relação ao tipo penal, à
ilicitude, à culpabilidade e às circunstâncias de tipo incriminador, não alterando em nada a
avaliação do crime e nem o cálculo da pena.
2.2.1.1
Erro de tipo essencial
O erro incide sobre fatos relevantes para a tipificação ou para a caracterização das
circunstâncias. Pode ser invencível, quando não pode ser evitado mesmo com os cuidados
normalmente empregados pelo homem mediano; pode ser vencível, quando pode ser evitado
com tais cuidados.
Incidindo sobre elementar, não há dolo, pois o agente não deseja praticar um crime tal
como descrito no CP. Se invencível, exclui também a culpa, pois o erro não poderia ser evitado
nem mesmo com o emprego de cautela, levando à atipicidade e descaracterização do crime.
Se vencível, responderá na forma culposa caso o CP a preveja, caso não a preveja,
caracterizase como um irrelevante penal.
Incidindo o erro essencial sobre circunstância desconhecida pelo agente sempre a
exclui.
2.2.1.2
Erro de tipo acidental
O agente, neste caso, sabe estar praticando um crime, respondendo da mesma forma
considerandose ou não o erro, pois este é desconsiderado para fins de aplicação da Lei Penal.
Este erro pode incidir sobre o objeto, sobre a pessoa, na execução, no resultado ou sobre o
nexo causal (dolo geral).
Neste tipo de erro incidente sobre o objeto, o agente pratica a conduta, mas
confundese em relação ao objeto, exemplo: subtrai coisa alheia móvel, uma camisa da marca
Y achando estar subtraindo outra da marca X. Caso tenham preços semelhantes (uma grande
diferença de valores caracterizaria concomitantemente o erro de tipo essencial em relação à
circunstância, excluindoa) configurase a tipicidade independentemente do erro cometido, pois
ambas caracterizam a elementar coisa alheia móvel (o erro é desconsiderado porque não
exclui a vontade do agente em cometer o tipo penal da forma como planejou).
Neste outro tipo de erro acidental, o agente executa com acerto o crime, mas contra
vítima diversa da pretendida. O CP (art 20, §3º) desconsidera o erro, respondendo o agente
pelo crime cometido como se a vítima fosse a pretendida inicialmente. Por exemplo, o agente
deseja matar menor de treze anos desafeto de seu filho, mira e atira. Porém a vítima, por erro,
é outra pessoa, muito parecida fisicamente, maior de dezoito anos. Neste caso, responderá por
homicídio qualificado pela circunstância "menor de idade" prevista no § 4º do art 121 do CP
como causa de aumento de pena, exatamente como se a vítima de fato fosse a pretendida
inicialmente pelo autor.
2.2.1.2.3 Erro de execução
aberratio ictus
No erro de execução do crime ( ), o agente por desgraça alcança um
resultado além do previsto em sua intenção contra o bem jurídico protegido (vida humana, por
exemplo), independentemente de atingir ou não o resultado desejado com sua ação, ocorrendo
resultados não intencionais concomitantes, diferindo da tentativa, quando este apenas não
consegue produzir o resultado desejado apesar de praticar a ação, sem outros
desdobramentos. Dividese em dois tipos: com unidade simples (o agente envia uma carta
bomba para seu inimigo e sua esposa ciumenta abrea antes de ser enviada, morrendo com a
explosão); com unidade complexa (a vítima abre a carta junto a um empregado, morrendo
ambos).
O erro é desconsiderado pela Lei Penal, respondendo o agente, no caso do erro de
execução com unidade simples, como se a vítima fosse a que desejou atingir com seus atos de
execução, considerando inclusive as circunstâncias associadas à vítima inicialmente desejada
pelo agente e desconsiderando as da vítima de fato. No caso do erro de execução com
unidade complexa, a doutrina é vacilante, confundindo erro com culpa. Vejamos: "Assim,
somente se cogita de
aberratio ictus com unidade complexa quando os terceiros forem
atingidos por culpa, isto é, por erro. Nunca é demais lembrar: ninguém 'erra' por dolo... se
errou, é porque agiu com culpa". (idem, p.258)
Se o agente quis matar alguém, o dolo está no tipo penal. Caso um terceiro também
seja atingido pelo disparo da arma de fogo, por exemplo, a ação, por erro, extrapolou a
intenção do agressor. O segundo resultado foi obtido por erro e não por culpa, sendo o agente
punido com o concurso formal porque o resultado adveio de uma única ação dolosa. Caso haja
dolo eventual em relação às outras vítimas, o código soma as penas (concurso formal
imperfeito) e a própria doutrina vacilante reconhece que não há que se falar em
aberratio ictus
neste último caso, pois o agente conhece os possíveis resultados de sua ação e aceita o risco
de produzilos (dolo eventual), não havendo erro, portanto. O agente é punido em relação ao
crime que cometeu com dolo e punido pelos resultados não previstos de sua ação criminosa
com as regras do concurso formal (unidade complexa) ou é punido como se a vítima atingida
em erro fosse a desejada, desconsiderando o erro (unidade simples). O dolo está no tipo, não
no tipo da regra principal, mas sim da acessória: o art. 73 do CP. Este tipo acessório pune o
aberratio ictus
agente no , transferindo para o segundo resultado o dolo relativo à primeira
vítima (unidade simples) e protegendo o bem jurídico lesado além da vontade do agente por
erro quanto à extensão dos danos derivados da ação dolosa (unidade complexa), aplicando o
concurso formal. O erro aqui ocorre numa situação em que o agente adota uma conduta
proibida pelo ordenamento jurídico, porém não prevê a extensão de seu ato doloso: não é o
caso de falta de cautela, há dolo direto em relação à ação criminosa em concurso formal com
os resultados concomitantes obtidos por erro quanto à extensão da ação dolosa. A doutrina
penalista deveria repensar o
aberratio ictus com unidade complexa, diferindo o erro de
execução sobre a pessoa (unidade simples) do erro de execução em relação à extensão do
resultado da ação criminosa (unidade complexa).
berratio criminis
2.2.1.2.4 Erro em relação ao bem jurídico protegido: a
berratio causae
2.2.1.2.5 Erro sobre o nexo causal: a
O agente tenta lesar um bem jurídico protegido estando em erro em relação ao nexo de
causalidade. Exemplo: tenta matar um inimigo, mas se utiliza de açúcar ao invés de veneno:
caso nada aconteça, será um irrelevante penal, mas se a vítima for diabética e vir a falecer por
hiperglicemia o erro tornase irrelevante, não excluindo o dolo. Caso o agente encontre seu
inimigo no chão e presuma erradamente que este está morto, não sabendo que sofre de
catalepsia, enterrandoo vivo para ocultar seu cadáver, estaremos diante da figura anterior
aberratio criminis
( ), pois o agente não quis matálo (prova muito difícil...) e sim ocultar o
cadáver, por medo de ser acusado de homicídio. Se por outra forma achou ter assassinado seu
inimigo cataléptico com um golpe na cabeça simulando em seguida um enforcamento, o agente
quis matálo e conseguiu, pouco importando se a vítima morreu pelo golpe na cabeça ou pela
corda, o nexo causal (em erro) não alterou o resultado morte, respondendo o agente por
homicídio doloso.
2.2.2
Erro de proibição
2.2.3
Conclusão sobre o conceito de erro no direito penal
Como visto na definição de erro no Minidicionário Aurélio, o erro reflete uma falsa
percepção da realidade. Quando esta falsa percepção interfere na intenção do agente, na sua
conduta, desconsiderase o resultado da ação em erro e considerase o resultado como se
fosse o inicialmente imaginado pelo agente, como no erro de tipo acidental acerca da pessoa,
desconsiderandose o erro mesmo que para prejudicálo, como no caso do erro sobre
circunstância privilegiadora. Caso o erro seja irrelevante em relação à vontade do agente, não
a modifica. O erro não exculpa o agente dos danos resultantes de sua ação dolosa em erro que
aberratio ictus
excederam sua vontade inicial, como visto no com unidade complexa e no
aberratio criminis
com unidade complexa.
2.3
Conceito de erro no Direito Civil
O atual Código Civil (CC/02) trata do erro em seus artigos 138, 139, 140 141, 142, 143 e
144, a respeito dos defeitos do negócio jurídico, e em seus artigos 171, II e 178, II, quando trata
da invalidade do negócio jurídico. Só nos interessa neste trabalho a análise da parte geral,
devido à natural limitação do objeto desta monografia. Mais uma vez a intenção do agente será
analisada para se saber as consequências do erro nos negócios jurídicos.
Segundo o professor Flávio Tartuce Silva, em aula ministrada no programa saber
direito, os negócios jurídicos são os fatos humanos (jurígenos) caracterizados pelo elemento
volitivo e pela composição de interesses com finalidade específica. Segue o professor citando a
concepção de Pontes de Miranda, dividindo o negócio jurídico em três planos: existência,
validade e eficácia (escada Ponteana), onde os pressupostos de existência são os substantivos
partes, vontade, objeto e forma e os pressupostos de validade são estes mesmos substantivos
acrescentados a determinados adjetivos, completandoos: partes capazes; vontade livre, sem
vícios; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; forma prevista ou não defesa em
lei. Estes dois planos iniciais compõem, para o professor Tartuce, os elementos essenciais dos
negócios jurídicos, devendo estar presentes para caracterizar sua existência e validade; o
plano da eficácia compõe os elementos acidentais, os efeitos práticos dos negócios jurídicos:
condição, termo, encargo, juros, regras de inadimplemento, regime de bens, registro imobiliário,
passim)
dentre outros. (2009,
O interesse deste estudo se concentra portanto no plano da validade (um dos
pressupostos essenciais), mais especificamente na expressão vontade sem vícios.
2.3.1
Erro como defeito do negócio jurídico
Logo, o erro apenas considerado não faz prevalecer a vontade querida sobre a vontade
declarada, pois se a parte a quem se dirige a vontade não conhece ou não tem como conhecer
do erro, não há se falar em anulação do negócio jurídico. Por opção legislativa, o erro que
acomete a parte que declara a vontade deve ser percebido pela outra parte ou perceptível de
modo a inquinar de vício o negócio jurídico, tornandoo anulável.
Além da análise da vontade, o CC, em seu art. 138, positiva que o erro deve ser
verbis:
substancial. O próprio CC conceitua o erro substancial no art. 139,
III sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo
único ou principal do negócio jurídico [...].
Neste caso concreto, a parte autora alegou a teoria da confiança, mas não cumpriu, ela
própria, o que dela se espera: verificar as escrituras do imóvel, como faz qualquer instituição
financeira. Quem analisa, valora e financia bens imóveis corriqueiramente em inúmeros
negócios jurídicos celebrados a todo instante não pode se escusar no erro de avaliação destes
mesmos bens. O erro é inescusável, não pode ser alegado. Não há como imaginar os bancos,
a todo o momento, alegando erro de avaliação dos imóveis nos contratos que celebra
diuturnamente.
2.4
Conceito de erro médico
O erro médico é o conceito que se busca conhecer melhor com esta monografia.
Baseado na literalidade dos termos, erro médico seria o erro cometido pelo médico em sua
atuação profissional: ato ou efeito do erro em sua atuação, juízo falso, engano, incorreção,
desvio do bom encaminhamento do caso clínico. A locução erro médico culposo, adotada pela
doutrina e pelo CFM, representa uma perigosa simplificação, pois neste caso o agente forma
um falso juízo da realidade por imperícia, imprudência ou negligência, levando o intérprete a
imaginar que o erro apenas se forma por culpa. A princípio, farseá uma análise de outros
termos importantes que devem ser conhecidos e diferenciados do conceito de erro médico.
2.4.1
Iatrogenia
2.4.2
Mau resultado
2.4.3
A complicação
2.4.4
O efeito colateral
2.4.6
Erro médico
O conceito de erro médico deve ser distinto do conceito de culpa (negligência, imperícia
e imprudência) para ser útil ao direito. Devese primeiramente avaliar o erro para então se
discutir as causas do erro, entre elas a culpa do profissional. Agindo com culpa, não estará o
médico atuando da forma esperada para tal profissão. Caso o médico prescreva um tratamento
com cefalexina para a furunculose do vigilante do hospital, a análise do erro estará incompleta
porque não temos informações acerca do resultado do tratamento. Caso evolua com a cura, a
conseguinte negligência por não reavaliar o paciente após alguns dias não terá
desdobramentos legais (resultado bom). Haverá erro caso o antibiótico prescrito não seja eficaz
contra esta furunculose neste paciente, não havendo culpa caso a justificativa para a
prescrição do antibiótico seja razoável. Haverá culpa se, na evolução do último exemplo, o
médico abandonar o paciente (negligência) e a doença piorar. Caso faça reavaliação por
telefone, ou seja, sem o exame físico do paciente capaz de determinar a causa do insucesso
no tratamento, como a formação de um abscesso (complicação), haverá imprudência. Logo, a
sucessão de atos deve ser analisada ponto a ponto para a identificação de erros e de condutas
culposas na apuração de insucessos após um mau resultado.
O erro médico deve estar relacionado com a falsa percepção da realidade devido à
natureza probabilística de muitos dos conhecimentos que embasam a escolha da conduta a ser
adotada. Ocorre quando o médico se julga apto a conduzir o ato médico ao qual se propõe
embasado em conhecimentos técnicos e em sua prática médica, mas trilha o mau caminho, a
má conduta, alcançando o mau resultado. Não há culpa se o médico estiver respaldado em
justificativa convincente para assim proceder. A atuação culposa não se precede de justificativa
convincente: não há justificativa para não se tratar uma hipertensão arterial leve em um
consultório de clínica geral, ato culposo por negligência. O ortopedista não trata a hipertensão,
mas orienta o paciente a se tratar com o clínico geral ou com o cardiologista, encaminhando o
paciente ao profissional que se propõe a tratar tais casos. Para exemplificar, me recordo de um
cardiologista que no programa intitulado sem censura, afirmou sua convicção de que, caso os
ortopedistas medissem a pressão de seus pacientes, muitos diagnósticos precoces de
hipertensão arterial seriam obtidos devido à grande prevalência das patologias ortopédicas na
população. Concordo em parte, pois como metade dos carcinomas de Cólon situamse no
Reto, ao alcance do toque retal, talvez os ortopedistas devessem mesmo medir a pressão dos
pacientes caso os cardiologistas fizessem o exame físico completo incluindo o toque retal:
argumentos simplistas são perigosos.
Para a análise do erro médico, os efeitos colaterais, maus resultados, complicações,
história natural da doença, dentre outros termos, devem ser bem compreendidos. O erro
médico diferenciase destes outros termos, pois aqui a atuação do médico irá se afastar do
bom caminho, da boa conduta, devido a uma percepção errônea dos fatos. Para entender e
analisar a boa conduta, os operadores do direito precisam saber minimamente como atuam
estes profissionais: não o que se escreve nos livros médicos, mas sim o modo como se utilizam
destes conhecimentos na prática dos atos médicos, como dividem as áreas de atuação, o que
sabem ou deveriam saber, como lidam com os conhecimentos novos e como se comportam
diante da impossibilidade de atuação diante de deficiências da rede hospitalar.
2.4.6.1
O ato médico
França G.V. classifica o ato médico em genérico (realizado por outros profissionais de
saúde) e específico (realizado por médicos). (2011, p. 523) Discordo, pois as outras profissões
têm o seu próprio espaço de atuação, através de atos próprios, restringidos ou supervisionados
pelo médico responsável. O fonoaudiólogo não pode executar um tratamento sem uma
avaliação médica prévia que exclua diagnósticos perigosos como o câncer de cordas vocais.
O ato médico é um fato social onde o médico assiste o paciente, deduzindo
diagnósticos e prescrevendo tratamentos: as condutas. No Brasil, executam atos médicos os
profissionais formados em medicina e os formados em odontologia. As demais profissões de
saúde atuam na fase executória dos tratamentos indicados, salvo algumas exceções como, por
exemplo, a prescrição de dietas aos pacientes pelos nutricionistas sendo, porém, atividade
restringida pelo diagnóstico médico, o qual delimita esta prescrição como, por exemplo, a
ingesta de sal limitada devido à hipertensão arterial diagnosticada pelo médico.
O projeto de lei 7703/06 tramita hoje pelo senado, pois a profissão do médico ainda não
está regulamentada por lei. O centro dos debates está na questão da reserva profissional do
médico. Outras profissões da área de saúde tentam obter espaço, com o intuito de poder fazer
diagnósticos e prescrever tratamentos. A questão da responsabilidade está na tangente,
porque não se pode permitir que um profissional conduza um tratamento sem ter condições de
lidar com as possíveis complicações e sem ter responsabilidade por seus atos. Como
exemplo gritante temos as casas de parto na cidade do Rio de Janeiro. Nestes locais, não há
médicos. O CREMERJ já se posicionou sobre o assunto:
A justificativa para a sua criação está no fato de que os bebês nascem com ou sem os
médicos e uma boa enfermeira obstetra, como nos bons tempos do séc. XIX, bastaria para a
boa condução destas casas de parto destinadas à população carente. Ocorre que, como se
percebe pelo bom senso, o problema está no fato de ser o parto um evento único: não há como
refazêlo, não há como tentar outra vez, havendo complicações, a atuação para corrigilas deve
ser imediata, no momento em que ocorrem, sob pena de morte do feto, da mãe ou de ambos.
Não há como prever quais os partos terão complicações, quais necessitarão de uma cirurgia
cesariana de urgência. É por causa desta característica de ser um evento único que os
médicos se recusam a fazer partos em locais onde não haja equipe de obstetras, centro
cirúrgico e centro de tratamento intensivo para a mãe e para o nascituro. As enfermeiras
obstetras ainda não têm formação para realizar cirurgias ginecológicas e não possuem esta
estrutura nas casas de parto. Restam as rezas do séc. XIX à população que procura esta saída
fácil e barata reservada pelo poder público para os mais pobres com o argumento da
superlotação da rede convencional. Vários artistas que antes estavam optando pelo parto em
casa com parteiras estão desistindo desta empreitada diante dos resultados desastrosos
ocorridos nestas casas de parto. Se um profissional se dispõe a atuar numa casa de parto,
médico, enfermeiro ou leigo, deverá responder pelos seus atos e terá que justificar como não
percebeu, por exemplo, as complicações do parto naquele caso específico em que o bebê e a
mãe morreram. Não poderá se valer do argumento de que não havia tempo hábil para transferir
a mãe e nem que apenas identificou as complicações em momento avançado do parto, porque
as complicações que surgem durante o parto não surgem antes do parto, simples assim. Para
o direito penal, cabe o dolo eventual, pois o diretor do órgão, o prefeito, a enfermeira obstetra
etc, sabem que existem complicações per parto, assumindo então o risco de produzir o
resultado morte. Este exemplo demonstra o risco de ceder a outros profissionais de saúde, de
forma autônoma, a atribuição de capitanear tratamentos e diagnósticos.
Apesar desta e de outras discussões, o PL 7703/06 segue no senado com a seguinte
redação do art. 4º:
Art. 4º São atividades privativas do médico:
I – formulação do diagnóstico nosológico e respectiva prescrição terapêutica.
Em relação às atividades não privativas do médico, o projeto de lei faz várias ressalvas
verbis
onde impõe a supervisão do médico, :
Art. 4º [...]
§5º Excetuamse do rol de atividades privativas do médico:
I – aplicação de injeções subcutâneas, intradérmicas, intramusculares e
intravenosas, de acordo com a prescrição médica ;
II – cateterização nasofaringeana, orotraqueal, esofágica, gástrica, enteral, anal,
vesical, e venosa periférica,
de acordo com a prescrição médica ;
IV – punções venosa e arterial periféricas,
de acordo com a prescrição médica
grifos nossos.
Mesmo que nada possa fazer com suas próprias mãos em determinado caso, o médico
tem o dever de comandar as intervenções de maior responsabilidade, como o maestro que
rege uma orquestra e não produz som algum, prescrevendo o que fazer ou não fazer de acordo
com seus conhecimentos e com sua experiência em formar diagnósticos e indicar tratamentos.
Infelizmente a Ilustríssima Presidenta vetou estes artigos citados no dia 11 de julho de
2013, esvaziando a lei do ato médico, dando margem à atuação de outras profissões
fornecendo consultas, diagnósticos e tratamentos para a população mais carente ao exemplo
das casas de parto.
As bases das decisões no ato médico estão divididas entre dois grandes grupos: os
conhecimentos determinísticos e os conhecimentos probabilísticos. No primeiro grupo temos os
conhecimentos básicos de anatomia, bioquímica, biofísica, fisiologia, patologia, semiologia,
farmacologia, clínica médica, cirurgia geral, ginecologia, obstetrícia, pediatria, psiquiatria,
entomologia, medicina legal, assimilados na forma de padrões gerais como geralmente se
apresentam em sua forma clássica, por exemplo: a fratura do colo do fêmur necessita de
tratamento cirúrgico com prótese de substituição, pois como se encontra dentro de uma
cápsula articular banhada por líquido sinovial, onde não há formação de calosidade óssea e,
portanto, não há formação de ossificação capaz de consolidar a fratura.
No segundo grupo, estão os conhecimentos probabilísticos, que também se baseiam
nas mesmas áreas do conhecimento, mas com maior complexidade. É o caso da furunculose
com abscesso, onde a drenagem do abscesso, corte para a saída do pus, é um conhecimento
determinístico, mas o tipo de antibiótico a ser ministrado se baseia num conhecimento
probabilístico: a grande maioria das infecções de pele são devidas à infecção por bactérias dos
grupos
streptococcus e
stafilococcus que em grande parte respondem ao tratamento com
A contrario sensu
cefalexina (McCaig LF, et al, 2006, p. 1715). , a minoria não responderá ao
tratamento (mau resultado), necessitando de substituição do medicamento.
Os médicos não podem, por impossibilidade humana, conhecer tudo. Não se aplica na
narra mihi factum dabo tibi jus,
medicina o brocado utilizado pelos juízes no Direito, pois os
médicos se dividem em áreas de conhecimento para atuarem com segurança.
Enquanto o clínico geral cuida da saúde controlando a pressão arterial, o colesterol
entre outras alterações, o cirurgião geral retira o apêndice infeccionado após confirmar o
diagnóstico de seu colega clínico geral: apendicite. Outro exemplo prático é o do plantão de
emergência onde o neurocirurgião atua no trauma de crânio, o ortopedista no trauma dos
membros, o cirurgião vascular no trauma arterial e de grandes vasos, o cirurgião geral no
trauma abdominal e na coordenação do tratamento inicial em conjunto com o clínico geral,
ambos estabilizando clinicamente o paciente politraumatizado que ingressa na emergência, por
fim vem atuar o anestesiologista, possibilitando a atuação dos cirurgiões quando indicado o
tratamento cirúrgico, atuando também o intensivista quando necessário o encaminhamento à
unidade de tratamento intensivo.
Com isso, surge a questão de como saber o que o médico deve saber. Caso no
exemplo acima o neurocirurgião não saiba conduzir uma craniotomia por sempre atuar como
auxiliar de um outro neurocirurgião, o paciente morrerá. Também pode ocorrer de, nesta
grande emergência, não haver condições de realizar a cirurgia por falta de material cirúrgico.
Por outro lado, não há como cobrar de um médico o conhecimento teórico e pratico de toda a
medicina. Para solucionar estas questões, o código de ética médica prevê que o próprio
médico deve restringir a sua atuação aos casos os quais se julga capaz de conduzir, não
podendo, por outro lado, atuar em locais onde não haja condições de trabalho, v
erbis:
Capítulo I
Princípios fundamentais:
III – Para exercer a Medicina com honra e dignidade, o médico necessita ter
boas condições de trabalho e ser remunerado de forma justa.
VII – O médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a
prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem
não deseje , excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de
urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do
paciente.
Capítulo II
É direito do médico:
IV – Recusarse a exercer sua profissão em instituição pública ou privada
onde as condições de trabalho não sejam dignas ou possam prejudicar a
própria saúde ou a do paciente , bem como a dos demais profissionais. Nesse
caso, comunicará imediatamente sua decisão à comissão de ética e ao
Conselho Regional de Medicina (grifos nossos).
Nos exemplos citados, o médico pode ser neurocirurgião e não saber conduzir uma
craniotomia de emergência junto a um colega menos experiente, por ainda não achar ter ele
próprio a experiência necessária, mas pode ter seu consultório e atender aos pacientes
agendados, indicando os casos cirúrgicos e convidando outro neurocirurgião mas experiente
para auxiliálo em cirurgias eletivas. Com o tempo e a prática, poderá trabalhar no setor de
emergências conduzindo uma craniotomia junto a outro neurocirurgião menos experiente.
Embora o médico não possa se escusar pelo desconhecimento, pode e deve recusarse
a tratar quem não deseje, tanto por convicções pessoais, inimizade por exemplo, quanto por se
julgar incapaz tecnicamente na condução do caso específico.
Em relação às informações fáticas, a análise inicial deve voltarse para uma melhor
definição de quais devem ou não ser pesquisadas, pois o médico assume a posição de
garantidor na relação médicopaciente, tendo o dever de atuar após aceitar o caso o qual julga
inicialmente ter a capacidade técnica necessária ou de se socorrer com outro colega. É o caso
do cirurgião geral no setor de emergências que, diante de uma lesão hepática complexa,
coloca várias compressas de pano comprimindo o fígado para conter o sangramento e
interrompe a cirurgia fechando a incisão abdominal, pois prefere convocar o cirurgião
especialista em fígado para uma nova intervenção cirúrgica ao invés de agravar a lesão
tentando ele mesmo reparála.
Não se admite a falta de certos tipos de conhecimento fático, pois a anamnese médica
possui uma parte dirigida em que perguntas obrigatórias são feitas ao paciente, como por
exemplo: se o paciente é alérgico a fármacos, se possui doença prévia, etc. Não pode alegar o
ortopedista que operou o membro contralateral sadio por não saber quem era o paciente ou
por basearse em informações errôneas escritas no prontuário, pois deveria ter feito a
anamnese ao menos uma vez antes de operar o paciente, mesmo que esta anamnese se
resuma a algumas palavras: lesão meniscal em joelho direito, por exemplo, caracterizando
imprudência. Deve também solicitar os exames complementares que julgue importantes para
comprovar suas suspeitas clínicas.
Mas nem sempre a falta de um exame caracterizará culpa, pois não haveria erro caso
todos os exames complementares existentes fossem realizados em todos os pacientes após
avaliação por médicos de todas as especialidades, o que é por óbvio impossível por motivos
econômicos e práticos, pois o indivíduo deixaria de viver para ficar exclusivamente à disposição
dos horários de inúmeros e diversos laboratórios e clínicas sendo revirado ao avesso a cada
tosse ou dor muscular. Não é a falta de solicitação de um exame por si só, mas sim a falta de
justificativa razoável e de acordo com a prática médica cotidiana para a sua não realização que
deve ser evitada. Caso deixe de complementar seu exame diante de um diagnóstico de
razoável probabilidade, como visto no caso do infarto do miocárdio de apresentação atípica,
sua conduta não terá sido razoável. Ao contrário, caso não peça exames para um paciente com
queixa vaga de dor lombar há dois dias, estará de acordo com a prática médica cotidiana,
mesmo que seja posteriormente caracterizado o erro médico no caso específico com o achado
de linfoma ósseo de coluna lombar obtido através de uma radiografia solicitada quinze dias
após por outro médico, pois a observação por quinze dias é a conduta habitual nas lombalgias
devido à impossibilidade de solicitação imediata de radiografias para as milhões de pessoas
que anualmente apresentam dor lombar autolimitada de origem muscular ou ligamentar. É o
mesmo raciocínio utilizado pelos infectologistas que preconizam a imunização para febre
amarela apenas nas áreas endêmicas, evitando que toda a população se submeta aos efeitos
colaterais da vacina (entre os quais a morte por anafilaxia). Logo, não basta o exame ou a
informação estarem ao alcance do médico, o seu conhecimento ou pesquisa devem ser
exigíveis diante das práticas médicas cotidianas razoáveis, nas condições em que se
apresentam. O erro médico, na análise exercitada até este ponto da monografia, seria aquele
onde o médico acreditou estar trilhando a boa conduta, a qual revelouse ruim posteriormente
com o mau resultado atingido, afastando a culpa se a justificativa que motivou sua decisão for
razoável diante dos conhecimentos fáticos que pesquisou ou que deveria ter pesquisado em
conformidade com a prática médica cotidiana.
O julgador não deve decidir qual a conduta deveria ter sido tomada pelo médico, mas
sim analisar se a conduta escolhida foi motivada com justificativa razoável, caso divirja da boa
conduta analisada retrospectivamente. Não é absurda a forma retroativa de avaliação da
melhor conduta, é até comum. As avaliações retroativas encaram o médico como um
representante divino, onisciente, e não levam em conta as informações que tinha o médico
quando tomou sua decisão, segue exemplo de julgado neste exato sentido:
Capítulo XIV
DISPOSIÇÕES GERAIS
2.4.7
O dano decorrente do erro médico
Caso decorra dano do ato médico praticado em erro, surgirá lesão ao patrimônio da
vítima. O direito deve dar respostas. Caso o erro derive da culpa, será inescusável. Caso
contrário, será escusável por ser razoável a conduta que o originou. Pela teoria da confiança,
não há espaço para a atenuação das condutas inescusáveis tanto no direito civil quanto no
direito médico. O conceito de evitabilidade será então avaliado inicialmente em relação ao erro
médico.
2.4.7.1
Erro médico evitável ou inevitável
2.4.7.2
Tipos de dano
Existe uma escolha obrigatória entre o dano causado pelo tratamento e o dano causado
pelo não tratamento, conhecida pela relação entre o risco e o benefício. Mesmo com o risco de
falecer na mesa de cirurgia, o obeso mórbido busca a cura cirúrgica para a sua doença. Não se
pode confundir, entretanto, o dano intrínseco em que não há justificativa razoável para sua
imposição, caso do erro médico culposo, com os danos inerentes ao tratamento como as
cicatrizes operatórias, e ainda com os danos derivados de erro médico sem culpa como na
chamada laparotomia branca, hoje cada vez mais rara, onde o cirurgião acessava
cirurgicamente a cavidade abdominal (nos tempos anteriores às modernos exames de imagem)
do paciente com abdome agudo e nada encontrava.
O dano extrínseco é o dano que ocorre independentemente do ato médico, como na
espera injustificada por procedimento operatório dependente de material especial a ser pago
pelo plano de saúde, esperas prolongadas pelo atendimento médico, danos causados pela
superlotação dos hospitais, dentre outros.
Considerando que a saúde é um dever do Estado podendo ser suplementada pela
iniciativa privada, não há como responsabilizar civil e penalmente o médico pela falta a
plantões, um problema trabalhista e ético, de modo a encobrir as deficiências do sistema, pois
se existe uma rede hospitalar, a falta de um agente estatal ou de um médico do setor privado
não pode ser causa de dano ao paciente por si só, devendo o paciente que procura o serviço
ou ser transferido para outro hospital após o suporte inicial ou nem ser encaminhado para este
hospital caso esteja em serviço de transporte médico (ambulância) com regulação de vagas
pela central de regulação. Como a rede é insuficiente e não funciona, como não há na prática
regulação de vagas e nem contato prévio dos serviços de transporte médico com a central de
regulação ou com os hospitais, os pacientes são jogados no primeiro hospital avistado pela
ambulância e, caso o médico plantonista da especialidade necessária ao atendimento ao
paciente tenha faltado ao plantão, o Estado o culpa de modo a encobrir suas mazelas. Os
hospitais têm um diretor que deve tomar as providências em caso de falta de um servidor ou de
um médico do setor privado: comunicar à central de regulação, providenciar transporte para
outro hospital dos pacientes que necessitem de tratamento urgente não disponível em sua
unidade, abrir sindicância para apurar as causas da falta de modo a encaminhar ao conselho
profissional para a avaliação de falta ética, entre outras. O médico que não pratica o ato médico
por não se encontrar no hospital não pode ser responsabilizado civil e penalmente de forma
sumária pelos danos ao paciente de modo a encobrir a responsabilidade das instituições a que
serve (dano extrínseco). O risco da atividade no setor privado é do empregador e não pode ser
repassado ao empregado, princípio do direito trabalhista conhecido como princípio da
alteridade. No serviço público, após responder objetivamente o Estado pelos danos extrínsecos
causados, regride contra o servidor em caso de culpa. A culpa, no caso do médico que falta,
deve ser provada em processo autônomo e não isenta de culpa os responsáveis pela má
regulação de vagas, pela falta de contato médico prévio, pelo fato de o serviço de transporte
médico ter largado de qualquer jeito o paciente no primeiro hospital que avistou sem fazer
nenhum contato, pela falta de opções na rede hospitalar pública e privada em caso de
solicitação de transferência, pela omissão do diretor médico e do chefe da equipe médica, pela
insuficiência de recursos humanos (por exemplo, deve haver dois neurocirurgiões para a
realização de uma neurocirurgia), sem falar que a responsabilidade do Estado é objetiva,
conforme o art. 37, §6º da CRFB/88. Numa rede hospitalar que funcione, não pode haver
espaço para a responsabilização do médico faltoso do ponto de vista civil e penal, apenas do
ponto de vista ético, devido ao atual estágio da tecnologia da informação (telefone...). É
diferente o caso em que o médico marca uma cirurgia e não comparece sem motivação. Neste
caso, o dano extrínseco é causado pelo médico por culpa, devendo então responder nas
esferas civil e penal se for o caso.
2.4.8
O erro médico em relação à culpa
Caso o ato médico cause dano ao paciente e este seja ressarcível, a obrigação de
ressarcir pode derivar, de acordo com o CC/2002, da culpa ou do risco da atividade. Segundo
Godoy:
Na definição acima, o erro de conduta não se confunde com o erro médico, pois a
conduta nesta definição se relaciona com o direito, desviandose do bom caminho legal, ou
seja, do que a lei permite ou não proíbe, na forma da negligência, imperícia ou imprudência.
Como visto, o erro médico não ocorre sempre com culpa, ao contrário. A abordagem da culpa
especificamente se dará junto com o estudo da responsabilidade civil subjetiva.
2.4.9
O erro médico em relação ao dolo
Não há sentido em se falar em dolo relacionado ao erro médico, pois se o agente quis
praticar a ação ou a omissão danosa
a contrario sensu não quis buscar a conduta mais
acertada. O dolo exclui o erro médico assim como exclui a culpa.
2.5
Erro médico e responsabilidade
2.5.1
A "faute" no sistema de responsabilização Francês
[...]
tout fait quelconque de l'homme, qui cause à autri un dommage, oblige
celui par le faut duquel il est arrivé, à le reparer. (art. 1382 do Código
Napoleônico)
[...]
chacun est responsable du dommage qu'il a cause non seulment par son
fait, mais encore par as négligence ou poar son imprudence (art. 1383 do
Código Napoleônico)
faute
E segue a professora Ana Frazão: "O modelo Francês não definiu a e nem
condicionou a responsabilidade civil à violação de direitos subjetivos ou de interesses
previamente definidos." (2011, p. 34) Conclui que: "Em decorrência, o modelo francês sempre
teve grande maleabilidade, o que possibilitou que a jurisprudência tivesse papel
importantíssimo na elaboração dos pressupostos da responsabilidade civil." (2011, p. 35)
A jurisprudência francesa e a doutrina acabaram por elastecer o conceito de culpa,
ampliandoo para incluir a responsabilidade objetiva pontualmente através de julgados
versando e reconhecendo a responsabilidade pelo fato da coisa, pelo fato de outrem, por fato
do animal, a responsabilidade do patrão, etc. O professor Godoy observa esta evolução nestes
termos: "Temse, assim, de um lado, que a evolução da idéia de
faute para a de
fait contevese
nos próprios lindes do Código Civil francês." (2009, p. 33)
A jurisprudência francesa tem adotado a teoria da perda de uma chance e também o
direito à informação trazido pela legislação especial (lei Kouchner) de modo a ampliar a
faute
responsabilidade pela culpa ( ) tratada nos artigos 1382 e 1383 do seu código civil em
relação aos danos causados pela prática médica.
O jornal Le Figaro observa o aumento do número de processos médicos após a Lei
Kouchner de 2002:
Si elle avait suscité l'ire des assureurs médicaux et d'une partie des
personnels de santé, la loi Kouchner de 2002 sur les droits des patients
a ouvert la porte à une judiciarisation de la médecine. Depuis six ans,
tout accident médical reconnu comme tel peut donner lieu à une
indemnisation. Une loi qui s'applique également aux infections
nosocomiales ou iatrogènes (c'estàdire purement liées à des soins), et
qui permet dans près d'un cas sur deux de régler le différend à
l'amiable [4]
. (2008, p. ?)
Tal
julgado não pacificou a questão, demonstrando que a ampliação da
responsabilidade do médico ao final determina um mal ainda maior à sociedade, vindo,
portanto, a Lei resolver a questão de uma forma muito mais razoável, não desamparando os
que sofrem o dano, mas dividindo a responsabilidade com toda a sociedade e não a jogando
toda nos ombros dos profissionais médicos.
2.5.2
O "Trust", instituto do Direito AngloSaxão
2.5.3
A responsabilidade no Direito Brasileiro
Presumindose que o profissional busca o bom caminho em sua arte médica, não há
sentido neste trabalho em avaliarse a responsabilidade derivada do dolo, que representa a
vontade do agente em trilhar o mau caminho. Por exemplo, se o agente desliga o respirador
mecânico de paciente da UTI em quadro franco de insuficiência respiratória aguda, observando
inerte a piora e a morte deste paciente, configurase o dolo, pois o médico sabe ou deveria
saber (posição de garantidor) que sem o respirador artificial o paciente não respira e morre,
percorrendo intencionalmente o mau caminho, a má conduta. O homicídio doloso deste caso
não foi cometido por erro, mas por acerto, tendo a sentença penal força executiva na esfera
cível.
Em relação à culpa, temos a lesão corporal culposa do direito penal, que não admite
tentativa e depende de representação da vítima, necessitando também de uma modificação do
corpo decorrente da negligência ou da imprudência, e temos a reparação civil derivada da
responsabilidade subjetiva contratual ou da extracontratual (aquiliana) avaliadas no item
2.5.3.1. A responsabilidade objetiva será avaliada de forma mais pormenorizada no item
2.5.3.2.
2.5.3.1
Responsabilidade civil subjetiva
Com isso, a culpa vem sofrendo um desgaste como filtro de reparação civil.
Com o advento do CDC, a relação do médico com seus assistidos passou a ter o
caráter de prestação de serviços (contratual) e o ônus probatório passou a ter a possibilidade
de poder ser invertido. Com isso, geralmente as ações de reparação no direito médico
demandam prova pelo prestador de serviços da ausência do dano do nexo causal ou da culpa,
devido à hipossuficiência do consumidor ou da dificuldade técnica da prova, que necessita
provar apenas a prestação do serviço.
Esta é a redação:
2.5.3.2
A responsabilidade objetiva
Outra monografia seria necessária para tratar deste tema em atual ebulição na doutrina
e na jurisprudência. No livro "Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil", o professor
Anderson Schreiber alerta para a erosão dos filtros de reparação civil, onde a jurisprudência
atua objetivando a responsabilidade subjetiva clássica através de presunções de culpa como a
conhecida presunção de culpa de quem colide com a traseira do outro veículo, pela adoção de
standards de comportamento na avaliação da culpa (culpa objetiva), pelo reconhecimento de
novos danos, pela adoção de teorias que relativizam as excludentes de responsabilidade
(teoria do fortuito interno), pelas presunções que afastam a necessidade de comprovação do
nexo causal. A teoria do risco seria de inicio a base da responsabilidade objetiva, o que aos
poucos foi se modificando de modo a entenderse a responsabilidade objetiva como
simplesmente aquela que prescinde de culpa tão somente.
Resumidamente, podese definir esta responsabilidade assim: conduta, dano e nexo de
causalidade. Deve ter previsão expressa na lei ou na constituição.
Como visto acima, a responsabilidade consumerista é objetiva em relação aos defeitos
relativos à prestação dos serviços, como positivado no código consumerista, excluídos os
profissionais liberais quanto às obrigações de meio.
Interessa preliminarmente a análise da cláusula geral contida no parágrafo único do
artigo 927 do CC.
A cláusula geral de responsabilidade da segunda parte do parágrafo único do art. 927
do CC versa sobre os riscos da atividade habitual:
Art 927 parágrafo único. (...) ou quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para
o direito de outrem.
REsp 629212 / RJ
Relator Ministro CESAR ASFOR ROCHA
QUARTA TURMA
Data do Julgamento 15/05/2007
Data da Publicação/Fonte DJ 17/09/2007 p. 285
Ementa
RESPONSABILIDADE CIVIL. CONSUMIDOR. INFECÇÃO HOSPITALAR.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO HOSPITAL. ART. 14 DO CDC. DANO
MORAL. QUANTUM INDENIZATÓRIO.
O hospital responde objetivamente pela infecção hospitalar, pois esta
decorre do fato da internação e não da atividade médica em si. O valor
arbitrado a título de danos morais pelo Tribunal a quo não se revela exagerado
ou desproporcional às peculiaridades da espécie, não justificando a excepcional
intervenção desta Corte para revêlo.
Recurso especial não conhecido. (grifos nossos)
Estas infecções são como todas as outras, com uma única diferença: o paciente
permaneceu internado durante o tempo necessário para a sua colonização pelas bactérias
presentes no ambiente hospitalar, que são selecionadas e resistentes devido ao tratamento a
base de antibióticos utilizados nele e nos outros pacientes. Não se avaliou no acórdão a causa
da internação prolongada, o que é um erro evidenciado pelos dois exemplos seguintes. Caso
um paciente acamado com fratura do colo do fêmur espere por trinta dias a liberação
administrativa da uma prótese de quadril necessária ao seu tratamento e desenvolva uma
pneumonia hospitalar, o serviço foi mal prestado e a causa e o adjetivo hospitalar da infecção
deveuse à internação prolongada causada pelo plano de saúde, podendo o hospital regressar
contra este caso não tenha figurado no pólo passivo da demanda. Caso o paciente necessite
de respirador artificial por mais de uma semana para o tratamento de sua insuficiência
respiratória, o adjetivo hospitalar da pneumonia que complique a sua doença será devido à
própria necessidade do paciente em permanecer internado, verdadeira culpa exclusiva da
vítima ou mesmo força maior (não há como enviar o paciente para sua residência, por óbvio).
Concluindo, análises simplistas e abstratas não podem ser admitidas na avaliação da
responsabilidade objetiva, devendo o julgador avaliar a conduta, o dano e o nexo de
causalidade informandose sobre termos e locuções gerais como: infecção hospitalar, paciente
acamado, liberação de materiais, complicações, efeitos colaterais, trazidos ao processo pelas
partes. Com isso, tornase mais sólida a sentença com a análise da conduta, do nexo causal,
do dano e das excludentes de responsabilidade força maior e culpa exclusiva da vítima. Tem
que ser dada a chance de a instituição se defender em casos como a infecção hospitalar sob
pena de as indenizações oriundas de sentenças simplistas, como as baseadas nesta
jurisprudência de nosso Egrégio tribunal da cidadania, verdadeiras concretizações da teoria do
risco integral, aumentem indevidamente os custos da saúde para toda a sociedade, já que o
paciente hipotético do exemplo do respirador artificial não necessita do amparo da
responsabilidade civil, pois já está amparado por antibióticos e tratamentos de altíssimo custo
para o sistema. Já que um simples resfriado não demanda indenização estatal, já que a saúde
é um dever do Estado e a responsabilidade do Estado é objetiva, porque o Estado não
responde pelo risco integral? As Sociedades Empresárias devem assim responder? É justa a
socialização dos custos nestes termos? Acredito que não.
O artigo 951 do CC/02 apenas reforça tudo o que foi dito em relação ao artigo 14 do
CDC, já que a doutrina considera a atividade médica um serviço.
2.5.3.3
Os atores na relação médicopaciente e suas responsabilidades
2.6
Conceito de dignidade humana
Num conflito entre duas dignidades, devese avaliar a dignidade de forma complexa, o
que inclui a análise das relações interpessoais. A avaliação da dignidade das relações
humanas transcende a dignidade individualmente analisada, porém sem contraporse a ela.
Uma análise plurilateral, nos moldes da teoria do professor Ascarelli sobre a sociedade
anônima, é uma proposta interessante e ousada, mas lógica. A avaliação iniciase com a
dignidade individualmente, depois se avalia a dignidade da relação em si (tanto entre os
indivíduos em foco como o próprio tipo de relação abstratamente analisado).
O professor Barroso segue na linha individualista em sua análise da proibição do
verbis
aborto, avaliando que a mulher seria instrumentalizada pelo feto, : "(...) se a mulher fosse
forçada a manter o feto, ela se transformaria em um meio para a satisfação de outra vontade e
não seria tratada como um fim em si mesma." (2011, p. 101)
O argumento é limitado, pois todas as mulheres grávidas são instrumentos do feto que
abrigam, numa relação conhecida como parasitismo verdadeiro, e geralmente este feto é
concebido por atuação da vontade livre da mulher (caso contrário a lei penal lhe autoriza o
aborto). Um dos fins em si mesma da mulher, como de todas as fêmeas na natureza, é procriar.
O ser humano não pode ser um meio em relação a outro, mas um fim em si mesmo. Este
conceito não é absoluto caso o conflito seja plurilateral. A vida do feto não pode ser meio para
a autoafirmação da mulher e, paradoxalmente, a mulher é meio em relação à sociedade, que
tem interesse em se perpetuar. Não é o feto somente representado por sua possível vontade
de nascer, mas toda a sociedade que é atingida por esta decisão individual. O fato de que
alguns critérios são aceitos para legitimar o aborto, como o risco de vida da mãe, o estupro, a
má formação do embrião, pobreza, etc. não podem servir de pretexto para o aborto
indiscriminado baseado tão somente na dignidade da mulher. A dignidade humana deve ser
avaliada em todos os seus aspectos e não apenas das partes isoladamente de forma
conflituosa. No caso específico do aborto, a sociedade pode discutir formas de prevenção da
gravidez indesejada, regulamentar a interrupção da gravidez e proporcionar os meios para a
concretização da interrupção quando permitida, representando o valor comunitário que molda
as dignidades do feto, da mãe e da relação mãefeto. Ao permitir o aborto com a permissão de
venda da pílula do dia seguinte ou com a assistência para promovêlo em sigilo nos primeiros
dias do atraso menstrual (nos moldes do modelo SUS para o diagnóstico sigiloso do HIV), por
exemplo, a sociedade vai limitar a dignidade do embrião, mas vai promover a autonomia e a
saúde da mulher, proteger a dignidade de suas próximas relações mãefeto, reduzir o número
de abortos em estágio avançado, muito mais traumáticos, perigosos e agressivos. Também
limitaria a autonomia da mulher em relação aos abortos tardios, pelos riscos e gastos que
assumiria a mulher que não procurasse atendimento logo no início do atraso menstrual neste
exemplo, fortalecendo a dignidade dos conceptos mais desenvolvidos. O argumento da morte
de mães pobres não convence, pois a descriminalização do aborto sem prover os meios
necessários, por uma penada do Congresso, não vai retirar as grávidas pobres dos
consultórios sem estrutura para o procedimento, tanto no SUS quanto no setor privado. Como
visto, não se pode utilizar o conceito de dignidade humana de forma individualista, sob pena de
esvaziamento da proteção que confere ao indivíduo diante de aparentes contradições quando
aplicado às complexas relações humanas.
Na medicina, a dignidade humana também não pode ser avaliada isoladamente em
relação ao paciente. Devese avaliála também em função da relação médicopaciente. A
relação humana entre o que cuida e o que é cuidado deve sempre ser avaliada com prioridade,
porque representa o cerne da atividade médica.
O valor intrínseco desta relação humana das mais antigas está ligado ao sofrimento,
consistindo na sensação de segurança em relação ao acesso aos serviços médicos. Este valor
é capaz de gerar a captação de quantias enormes de dinheiro arrecadadas pelos planos e
seguros de saúde. O ser humano sofre dores físicas e psíquicas, necessitando de outros seres
humanos para confortálo. A dificuldade de acesso aos serviços de saúde, representada no
SUS pelas escolhas do administrador em alocar os recursos disponíveis (reserva do possível) e
nos serviços privados pela oferta escassa de médicos para consultas em consultórios vêm
diminuindo o valor intrínseco da dignidade da relação médicopaciente, gerando desconfianças
mútuas: o paciente aguarda por meses a sua consulta, os médicos tem que atender a um
número absurdo de pacientes tanto no consultório quanto nos plantões médicos. A relação em
si, para ser digna, demanda condições mínimas de trabalho (local limpo, refrigerado, acesso
facilitado a medicamentos, centros cirúrgico e de tratamento intensivo disponíveis), pois não
basta apenas garantir o acesso, este acesso tem que ser efetivo. Este acesso efetivo
representa o valor intrínseco da dignidade da relação em si, interesse tutelado por norma
constitucional:
art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação.
2.6.1
Erro médico e dignidade humana
Apelação 038656253.2008.8.19.0001
Relator Des. Mauro Dickstein
Julgamento: 23/12/2011
Décima Sexta Câmara Cível
SEGURO SAUDE CIRURGIA DE FIMOSE EXIGENCIA DE PERICIA PREVIA
DEMORA INJUSTIFICADA DANO MORAL SUMÁRIO INICIALMENTE
AJUIZADO COMO CAUTELAR. INDENIZATÓRIA. PLANO DE SAÚDE.
CIRURGIA DE FIMOSE, ALÉM DE OUTROS TRATAMENTOS, EM CRIANÇA
COM 5 (CINCO) ANOS DE IDADE. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. APELAÇÃO.
NEGATIVA DA APELANTE SOB A ALEGAÇÃO DE NECESSIDADE DE
PERÍCIA, A FIM DE EVITAR FRAUDES E ERROS, MESMO APÓS A
REALIZAÇÃO DE TODOS OS EXAMES PRÉVIOS PELO AUTOR.
PROCRASTINAÇÃO INJUSTIFICÁVEL DA INTERVENÇÃO CIRÚRGICA
NECESSÁRIA, INFRINGINDO O PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE.
RESTRIÇÃO INDEVIDA, ABUSIVA E INEFICAZ, PORQUANTO DECORRENTE
DE PRESCRIÇÃO POR MÉDICO COOPERADO DA PRÓPRIA RÉ,
CONFIRMADA POR OUTRO PROFISSIONAL CONVENIADO À EMPRESA.
RECUSA QUE IMPORTARIA EM PERDA DA FINALIDADE DO CONTRATO,
QUAL SEJA, A GARANTIA DE ASSISTÊNCIA À SAÙDE E À VIDA DO
CONTRATANTE. DANO MORAL CONFIGURADO. MANUTENÇÃO DA
SOLUÇÃO DE 1º GRAU. PEQUENO AJUSTE NO QUE TANGE AO TERMO A
QUO DA CORREÇÃO MONETÁRIA, A QUE SE PROCEDE, DE OFÍCIO, PARA
DECLARAR COMO SENDO A DATA DO ARBITRAMENTO RESPECTIVO.
SÚMULAS 362, DO C. STJ, E 161, DESTA E. CORTE. RECURSO A QUE SE
NEGA SEGUIMENTO, NA FORMA DO ART. 557, CAPUT, DO CPC.
3.2
Responsabilidades subjetiva e objetiva nos procedimentos estéticos
APELACAO 002631923.2002.8.19.0004
Relatora Des. Claudia Pires
SEXTA CAMARA CIVEL
Julgamento: 27/07/2011
CIRURGIA PLASTICA MAL SUCEDIDA SUPERVENIENCIA DE CICATRIZ NO
ROSTO DEFORMIDADE RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DANO ESTETICO
DANO MORAL APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. PRESTAÇÃO
DE SERVIÇOS MÉDICOS. CIRURGIA PLÁSTICA. ESTÉTICA FACIAL, RUGAS
E NARIZ. A responsabilidade civil do cirurgião plástico é subjetiva, sendo de
resultado a obrigação assumida. Precedente do STJ. Laudo pericial que
constatou que não foi empregada a melhor técnica no procedimento, atestando
a culpa do réu, que tinha o ônus de provar culpa exclusiva da vítima, o que não
ocorreu. Resultado desastroso. Prejuízos à fala e movimento da boca, língua e
músculos faciais. Fotografias que comprovam a ocorrência de erros grosseiros
resultantes da cirurgia, constatandose que o autor sofreu a perda do canto
palpebral, além da perda da capacidade de mobilização labial. Alegações de que
o autor não observou as recomendações do pósoperatório que não restaram
comprovadas. Dano estético em grau quatro, considerando uma classificação de
cinco níveis, que deve ser duplicado. Dano moral configurado, que também deve
ser dobrado, de modo a se adequar aos princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade. Sentença que não é ultra petita, havendo pedido explícito do
autor quanto à indenização por danos materiais. Provimento parcial do apelo do
autor. Provimento parcial do recurso do réu, para determinar que a incidência
dos juros de mora referentes às indenizações por danos morais materiais e
estéticos se dê a partir da citação, enquanto que a correção monetária, referente
à indenização por danos materiais, remonte à data do desembolso da quantia a
ser devolvida, mantendose os demais termos da sentença vergastada.
3.3
Imprudência e negligência em atos médicos sucessivos em setor de emergências
APELACAO 003024838.2003.8.19.0066
Relator Des. Sergio Lucio Cruz
Julgamento: 26/07/2011
Décima Quinta Câmara Cível
[...] Afirmam que na data de 03/09/2003, conduziram sua filha menor ao hospital
réu, vez que esta sentia fortes dores por ter batido com o pé esquerdo no sofá,
tendo ferido uma verruga localizada na parte externa do pé; que o médico
examinou visualmente, resolvendo por fazer uma cirurgia de extração da
verrugosidade; que a cirurgia foi realizada em uma maca/cama, não sendo
realizado qualquer exame, alegando o médico ser algo muito simples; que em
casa a menor passou a sentir dores e febre; que em 04/09/2003 a menor foi
conduzida novamente ao pronto socorro, sendo atendida pelo médico de
plantão, afirmando este que se tratava de uma virose e que deviam os autores
continuar ministrando os mesmos medicamentos e que estava ocorrendo
apenas uma coincidência entre o póscirúrgico e a virose, não sendo necessária
a realização de novos exames; que no final da tarde de 05/09/2003, os remédios
já não apresentavam os efeitos esperados, tendo sido a menor levada
novamente ao hospital; que a menor foi submetida a uma série de exames, e
encaminhada à UTI, em razão do diagnostico de infecção grave; que na
madrugada do dia 06/09/2003, a menor veio a óbito em razão do quadro de
septicemia aguda [...].
3.4
Falha dos quesitos e erosão dos filtros da reparação
APELACAO CIVEL
010346581.2004.8.19.0001
Rel Des. Antonio Saldanha Palheiro
Julgamento: 10/05/2011
QUINTA CAMARA CIVEL
(...) Relata que a segunda Autora foi descuidada em seu prénatal. Afirma que
no momento do parto, como a cabeça do bebê demorou a sair e, quando saiu, o
restante do seu corpo permaneceu preso no canal vaginal, o que poderia ser
fatal para o recém nascido, se viu obrigada a realizar a manobra que gerou a
lesão. Salienta que caso não tivesse sido realizada tal manobra, o bebê teria
morrido, pois seu corpo estava preso. Narra que não houve nenhuma questão
anormal antes e durante o parto, que a segunda Autora estava tranqüila, apenas
sentindo as dores normais de um parto normal. Defende que a Autora não fez a
força necessária no momento do parto, ou seja, não cooperou com o parto.
Alega que não fez força em cima da barriga da segunda Autora e que o primeiro
Autor sempre estimulou e defendeu o parto normal. Esclarece que a lesão
ocorrida no bebê decorre do desprendimento difícil dos ombros do bebê, sendo
certo que a manobra realizada depende da força da mãe. Ressalta que pelo
exame de ressonância magnética realizado, as lesões alcançaram três nervos.
Sustenta a ausência de conduta culposa, de imprudência e de negligência.
Salienta que tomou todas as providências necessárias e pertinentes à hipótese.
Discorre acerca da teoria da imprevisibilidade específica. Cita jurisprudência.
Impugna o dano alegado pela segunda Ré e o termo inicial e final do
pensionamento. Sustenta não há prova das alegadas despesas médicas.
Rechaça a ocorrência de danos morais e estéticos. Defende a ausência de nexo
causal. Refuta o pedido de inversão do ônus da prova [...]. (trecho da sentença,
processo 010346581.2004.8.19.0001)
verbis
O pediatra, também réu, relatou que o trabalho de parto teve duração normal, :
"[...]
Afirma que o tempo de trabalho de parto foi normal, mas que ocorreu dificuldade para
liberação dos ombros do recém nascido da cavidade vaginal [...]" (trecho da sentença,
processo 010346581.2004.8.19.0001)
Os peritos identificaram a ocorrência da lesão e definiramna como decorrente da tração
excessiva do concepto a fim de liberar seus ombros, permitindo sua passagem:
[...] Analisandose a atuação do terceiro réu pelo que consta dos autos não se
encontrou falha técnica, uma vez que soube conduzir a insuficiência respiratória
do terceiro autor de forma adequada. A dificuldade diagnóstica da lesão do plexo
branquial não pode ser considerado como falha porque o objetivo inicial era
manter a vida do recém nato e diagnosticar uma lesão neurológica naquele
momento é muito difícil sem a ajuda de exames complementares [...]que para
uma lesão desse tipo ocorrer foi empregado força em demasia e uma vez que as
raízes foram arrancadas da medula [...]. No caso em questão, o arrancamento
se deu nas raízes inferiores, o que leva a crer que o mecanismo de ação tenha
sido uma tração exagerada do membro superior esquerdo no momento da
extração fetal [...] podese concluir que houve falha técnica da segunda Ré no
momento do parto aplicando força excessiva e realizando tração inadequada do
membro superior esquerdo do terceiro autor cansandolhe arrancamento das
raízes de C7, C8 e T1 junto à medula e provável lesão por estiramento de C5 e
C6, porque o seu membro superior esquerdo apresenta lesão neurológica total
[...]
(trecho da sentença, processo 010346581.2004.8.19.0001)
Na avaliação do erro médico, devese começar pela verificação do mau resultado. Pelas
circunstâncias, o dano ao concepto foi evidente, pois este perdeu os movimentos de todo o
membro superior esquerdo, caracterizando o mau resultado, não esperado nos partos normais
de baixo risco.
Seguindo a análise, verificase qual seria a boa conduta frente a esta situação. Surgindo
complicação do parto conhecida como distocia de ombro, estará o médico diante de uma das
mais estressantes situações de toda a sua carreira: após a passagem da cabeça pelo canal do
parto, os ombros do concepto impactam na pelve da parturiente e o cordão umbilical fica
comprimido entre o concepto e a mãe aumentando rapidamente os riscos de anóxia do bebê e
de sangramento materno. Esta situação é conhecida na literatura médica como sinal da
tartaruga, pelo fato de a cabeça sair e logo retornar parcialmente em direção do canal do parto.
Há pouco tempo para a tomada de decisões: de um lado está o risco de morte da mãe e do
filho com o passar do tempo, de outro está o aumento do risco de lesões do plexo nervoso do
membro superior do bebê. Diante de tal situação, analisase a hipótese de ter o mau resultado
sido gerado por má conduta.
Os peritos presumiram que sim. Aqui se constata a erosão do nexo causal e da culpa
como filtros em relação à reparação civil. A má conduta foi presumida levandose em conta
apenas o dano, como nas críticas do Professor Schreiber. Confundiuse a má conduta com o
mau resultado. A conduta correta, segundo a literatura médica, não foi explicitada pelo perito,
provavelmente por não ter sido incluída nos quesitos pelos advogados de defesa da médica e
nem pelo Juiz. O que se sabe, pela descrição da sentença de primeiro grau, é que a médica fez
manobras para ajudar a passagem do bebê pelo canal do parto, mas não se sabem quais. Com
isso, não há como se avaliar a conduta da médica como razoável ou não. Ao assumir que o
dano foi decorrente da força de tração do concepto, junto ao fato da impossibilidade de defesa
em relação à conduta adotada neste momento difícil, presumiram os peritos o erro médico
culposo por imprudência, não levando em consideração os dados científicos sobre as
manobras previstas para estes casos na literatura médica a fim de comparálos com as
verbis
manobras descritas em prontuário, :
Também não foram consideradas outras causas de lesão dos nervos que incluem as
préparto, embora infrequentes. O fato de os nervos lesados serem de origem mais baixa
(raízes de C7, C8 e T1) indicam que o membro lesado foi tracionado após ter saído do canal do
parto, indicando a provável manobra de retirada do membro posterior, uma das últimas
manobras a serem realizadas diante do desesperador estado do concepto, o qual foi
transferido para a UTI neonatal imediatamente após o parto com evidentes sinais de
sofrimento. Embora a principal causa da lesão neurológica dos nervos do membro superior
sejam os traumas do parto normal, existem causas diversas, inclusive podendo surgir mesmo
após cesarianas. Não havendo análise da boa conduta em análise retrospectiva e conjectural e
não se identificando a conduta seguida pela médica, impossível a conclusão pelo erro médico,
pois não se pode confundir erro médico com mau resultado. Se o médico faz todas as
manobras de ressuscitação em um paciente com parada cárdiorespiratória e o paciente vem a
falecer, por óbvio não estamos diante de um erro médico. Diferente seria se, no caso em
análise, a médica não fizesse nenhuma manobra (negligência) ou a fizesse sem qualquer
técnica ou protocolo (imprudência). A descrição do procedimento no prontuário nos daria a
resposta sobre a existência do erro médico e sobre a sua natureza culposa ou não.
Infelizmente o perito não explicitou a conduta seguida pela médica, nem avaliou o mecanismo
de lesão: membro já fora do canal do parto, elevado e ao lado da cabeça, necessitando a
médica tracionar o bebê para salvar a vida da mãe e da criança.
A presunção do nexo de causalidade até poderia ser aceita em caso de erro médico
culposo, pelo risco aumentado ou suscitado pela imprudência/negligência, assumindo a causa
da lesão como sendo a tração inadequada do concepto. Muito diferente é o caso em que todas
as manobras são feitas sem sucesso por questões inerentes ao parto. Se não há má conduta,
não pode haver erro médico: o mau resultado por si só não pode gerar presunções contra o
médico, pois caso assim seja, no caso em tela haverá um aumento exagerado do número de
indicações de cesarianas, acarretando maior risco para as mães, e também uma diminuição do
número de médicos dispostos a permanecer na especialidade, encarecendo o tratamento e
dificultando em muito o acesso, valor intrínseco da dignidade da relação médicopaciente.
Coroando esta monografia, temos este julgado que confunde totalmente todos os
termos e locuções discutidos ao longo deste trabalho, comprovando a total erosão dos filtros de
reparação civil, incluindo o nexo causal. Nada se avaliou em relação às condutas médicas, ao
mau resultado, as justificativas para a realização dos procedimentos, as complicações
esperadas, etc. O simples argumento da perda de uma chance coloca o dano como única
variável na análise da responsabilidade civil. Perdeuse uma chance de defesa.
4
CONCLUSÃO
Analisouse o conceito de erro médico e chegouse a conclusão de que este erro pode
ser culposo ou não culposo. Este trabalho sugere um
iter para a avaliação do erro médico.
Avaliase a existência do dano. Em caso de mau resultado, analisase a conduta do médico de
forma retrospectiva e conjectural, de acordo com todos os dados colhidos. Se a conduta for tida
como má conduta, caracterizase o erro médico. Analisase se a conduta teve justificativa
razoável de acordo com os conhecimentos fáticos do médico no momento de sua decisão. Se
razoável, não há culpa, caso contrário, sim. Os erros médicos culposos geram os danos como
ressarcíveis, pois o interesse lesivo não justifica o interesse lesado (saúde do paciente). Os
erros não culposos geram danos não ressarcíveis, pois o interesse lesado (saúde do paciente)
não pode se sobrepor ao interesse lesivo: a dignidade do médico (acesso ao mercado de
trabalho e ética de suas condutas), da relação médicopaciente (acesso à relação
médicopaciente e confiança), e à finalidade de todas estas dignidades de caráter plurilateral,
qual seja: a promoção da saúde. A análise dos acórdãos do TJRJ demonstrou a existência de
uma erosão dos filtros de reparação civil tendo em um dos casos o dano figurado como única
causa da responsabilização, ausente qualquer sopesamento e mesmo sem haver erro médico.
A falta de dados objetivos e conceitos tecnicamente mais precisos gera confusão e
insegurança jurídica. Os operadores do Direito devem, na análise dos danos derivados dos
serviços médicos, conhecer os conceitos colocados nesta monografia e seguir um
iter como o
proposto aqui para gerar mais segurança e evitar a judicialização das condutas médicas.
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05137a.htm>, acesso em 30 de Maio de 2013.
[1] Tradução livre. Os poderes da legislatura são definidos e limitados; e, portanto, estes limites
não podem ser percebidos erroneamente ou esquecidos, a Constituição é escrita. Para qual
propósito são os poderes limitados, e para qual propósito é esta limitação compromissada por
escrito, se estes limites podem, a qualquer tempo, ser ultrapassados por aqueles destinados a
serem por ela contidos? A distinção entre um governo com poderes limitados ou ilimitados é
abolida se estes limites não confinam as pessoas sobre as quais são impostos e se diplomas
legais permitidos e proibidos obriguem da mesma forma. Essa é uma proposição plana por
demais para ser contestada, que a Constituição controla qualquer ato legislativo que lhe seja
repugnante; ou então o legislativo pode alterar a Constituição por um ato ordinário. (Supreme
Court of the United States, Marbury v. Madison, 1803)
[2] Tradução livre. Já faz quase um século que Einstein informou ao mundo a sua dramática descoberta e
muitos de nós ainda continuamos a ver o espaço e o tempo em termos absolutos. A relatividade especial
não está em nossas veias nós não a sentimos. As suas implicações não são a principal parte de nossa
intuição. A razão para isto é muito simples: os efeitos da relatividade especial dependem de quão veloz
alguém se move e, nas velocidades dos automóveis, dos aviões ou mesmo dos veículos espaciais, esses
efeitos são minúsculos.
[3]
Tradução livre. A formação de aderências no pósoperatório de cirurgias abdominais ainda
hoje é uma importante e inevitável complicação em qualquer tipo de cirurgia abdominal.
[4] Tradução livre. Embora ela tenha despertado a ira das seguradoras da área médica e de
parte dos profissionais de saúde, a lei Kouchner de 2002, dos direitos dos doentes, abriu as
portas para a legalização da medicina. Há seis anos, qualquer acidente médico reconhecido
como tal pode levar a compensação. A lei que se aplica igualmente a infecções nosocomiais ou
iatrogênicas (isto é, para dizer exclusivamente relacionadas à assistência) permite que em
quase metade dos casos a resolução do litígio de forma amigável.
[5] Tradução livre. Os juizes têm acompanhado a evolução da jurisprudência nos litígios entre
os paciente e as instituições médicas. Se desde o caso Mercier, de 1936, exigese do médico
uma obrigação de meios aplicada de acordo com os dados científicos então conhecidos no
momento da prestação de cuidados, a partir de 1997 os julgamentos pelo Tribunal de
Cassação vêm exigindo mais dos médicos, em muitos casos cobrando resultados na forma de
uma obrigação de segurança. Esta extensão da responsabilidade não tem sido muito bem
aceita pela comunidade médica, que interpretou este movimento como um desafio sistemático
contra ela e uma intromissão inaceitável de juízes em sua prática profissional. O destaque da
disputa desenvolvido entre médicos e juízes foi, claro, o famoso caso Perruche de 17 nov 2000.
Decidiuse que havia um nexo de causalidade entre a doença que acometeu um recémnascido
e a culpa dos médicos que não tinham diagnosticado uma rubéola contraída pela mão no
prénatal. Dado o aumento significativo dos prêmios dos seguros profissionais depois deste
caso, muitos foram os especialistas em obstetrícia e em diagnóstico por imagem que
declararam não mais aplicar sua arte em mulheres grávidas. Vejamos com mais detalhes essa
polêmica. Este protesto dos médicos chegou às portas do Parlamento com a consequente
votação da Lei de 4 de março de 2002, invocando a solidariedade nacional para os danos
resultantes dos acidentes médicos, doenças iatrogênicas ou infecções nosocomiais.
[6]
H Pedir ajuda.
Referese a ativar o protocolo préestabelecido ou solicitar o pessoal adequado para responder
com equipamentos necessários para o trabalho e unidade de entrega.
E Avaliar a episiotomia.
Episiotomia deve ser considerada em toda a gestão de distocia do ombro, mas só é necessária
para dar mais espaço para manobras de rotação se necessárias; distocia do ombro é uma
impactação óssea, de modo que a episiotomia por si só não irá liberar o ombro. Como a
maioria dos casos de distocia de ombro pode ser aliviada com a manobra de McRoberts e a
pressão suprapúbica, muitas mulheres podem ser poupadas de uma incisão cirúrgica.
L Pernas (a manobra de McRoberts)
Este procedimento envolve a flexão e abdução dos quadris maternos, posicionando as coxas
maternas sobre o abdome. Esta posição achata o promontório sacral e resulta em rotação
cefálica da sínfise púbica. Enfermeiros e familiares presentes na sala de parto podem fornecer
assistência para essa manobra.
P Pressão suprapúbica
A mão de um assistente deve ser colocada acima do púbis materno sobre o ombro fetal,
aplicando pressão num estilo ressuscitação cardiopulmonar, com um movimento descendente
e lateral no aspecto posterior do ombro fetal. Esta manobra deve ser feita junto à tração para
baixo co concepto.
E Manobras manuais (rotação interna) (continua...)
Estas manobras tentar manipular o feto para rodar o ombro anterior em um plano oblíquo e sob
a sínfise materna. Estas manobras pode ser difícil de realizar quando o ombro anterior é
entalada por baixo da sínfise. Às vezes, é necessário empurrar o feto para cima para a pélvis
ligeiramente para realizar as manobras.
R Remover o braço posterior.
Removendo o braço posterior do canal de nascimento também reduz o diâmetro interacromial,
permitindo que o feto caia na cavidade sacral, liberando a impactação. O cotovelo, então, deve
ser flexionado e o antebraço entregue em um movimento de varredura sobre a parede anterior
do tórax fetal: agarrar e puxar diretamente no braço fetal pode fraturar o úmero.
R Role a paciente.
A paciente rola a partir de sua posição atual para a posição "todos os membros juntos". Muitas
vezes, o ombro vai desimpactar durante a mudança de posição de modo que este movimento
só pode ser o suficiente para desalojar a impacção. Além disso, uma vez que a mudança de
posição for concluída, as forças gravitacionais podem auxiliar na desimpactação dos ombros
fetais.