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CAPA E PROJETOGRÁFICO: Andréia Custódio

IMAGENS DA CAPA; iStockphoto

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
B337s
Batista, Ronaldo de Oliveira, 1974-
A palavra e a sentença : estudo introdutório / Ronaldo de Oliveira Batis-
ta. - São Paulo : Parábola Editorial, 2011.
(Estratégias de ensino ; 16)

Contém exercícios
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-7934-019-2

1. Língua portuguesa - Estudo e ensino (Superior). 2. Língua portuguesa


- Uso. 3. Professores de português - Formação. 4. Professores de línguas -
Formação. l. Título. II. Série.

10-5857. CDD: 469.8


CDU 811.134.227

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ISBN: 978-85-7934-019-2

@do texto: Ronaldo de Oliveira Batista


@da edição brasileira: Parábola Editorial, São Paulo, fevereiro de 2011
LÍNGUA?
COMO ELA PODE SER
ANALISADA?

este livro, vamos considerar uma língua natural como


um sistema complexo de elementos sonoros, de signos
e de formas de combinação de unidades (de diferentes
dimensões), isto quer dizer que uma lingua será defi-
nida como um conjunto de unidades, em permanen-
te relação em torno de uma estrutura. Nessa estrutura, cada uma das
unidades que compõem uma língua (unidades diversas com diferentes
funções)assume um valor (exerceum papel determinado)para que a
língua possa funcionar como meio de expressão e comunicação.
Assim, a lingua é vista como resultado de permanentesrelações
entre os elementos que a compõem, alocados em diferentes componen-
tes, cada um dando sua contribuição para a organização linguística.

O QUE É UMA LÍNGUA?


inicia o cami_
Considerar as línguas como duplamente articuladas
língua como o português é
nho da análise linguística.Dizer que uma
em
duplamente articulada significa dizer que ela pode ser dividida
Pode-se as-
dois componentes,cada um com suas unidades próprias.
(produzidos
sumir a noção de que uma lingua é um conjunto de sons
e articulados com o ar que sai de nossos pulmões —-no caso da
língua
portuguesa) aos quais atribulmos significados, de caráter convencio-
nal, ou seja, ao longo da nossa troca social, convencionou-se, muitas
vezes de forma absolutamente arbitrária, que determinado agrupa-
mento de sons nos levaria a determinados conceitos e noções.
A língua, dessa forma, possui uma dupla articulação,uma vez que
apresenta duas possibilidadesde segmentaçãoem torno das unidades
básicas que a organizam: os sons e os morfemas, unidades constituintes
das línguas naturais que conferema elas um caráterdiscreto.Com essa
expressão — caráter discreto — queremos dizer que se pode segmentar
e discriminar quais são os componentes de uma palavra e de uma frase,
por exemplo.É possível dizer que uma palavra é composta por um nú-
mero especffico de sons. Ao observar palavras como algo, lagoa e gola, ve-
mos que a cada palavra tem-se um significado.Esse conteúdo semântico
de cada palavra é resultado de diferentesprocessos combinatórios (sin-
tagmáticos)de quatro unidades sonoras discretas: os sons Ia/ [l/ / g/ Io/.
Ao considerar uma unidade linguística de qualquer extensão, re-
conhecemosque ela é formada por sons de caráter distintivo, permi-
tindo a diferenciaçãoentre uma unidade e outra. Assim, no signo pato,
segmentamos as unidades que fazem parte do aspecto material dessa
palavra, os sons (representados na modalidade escrita, em diferentes
graus de representação, por letras e diacríticos):p a t o. Cada um desses
sons assume um valor distintivo na organização das unidades sonoras
da língua portuguesa, por isso que a troca de um som pelo outro, no
mesmo espaço (na mesma distribuição) leva a uma troca de significa
do: trocar o p por um b resulta na alteração do signo, de pato passamos
a ter a forma verbal bato.

No entanto, devemos assumir que, antes de segmentar as palavras


em unidades sonoras de caráter distintivo (observeque não podemos
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A PALAVRAE A SENTENÇA Batista
Ronaldo de Oliveira
atribuir significados a cada um dos elementos sonoros que compõem
uma palavra: o que significa um p?), é possível depreender unidades
mínimasque apresentam, além de sua parte sonora material (equiva-
lente a representações grafemáticas na escrita), significados (tanto de
caráter lexical, no sentido de que são associados a diferentes elemen-
tos e aspectos do mundo que nos rodeia, como de caráter gramatical,
responsáveis por várias categorias gramaticais da língua). Dessa for-
ma, uma palavra como pato pode ser segmentada em unidades míni-
mas de forma e conteúdo (os chamados signos mínimos, com si i-
cado e significante):
pat radical da palavra, elemento significativo de natureza lexical
elemento significativo de natureza gramatical que indica o
gênero masculino

Observeque essa segmentação em unidades mínimas significati-


vas só pode ser realizada satisfatoriamente quando estabelecemos cri-
térios de comparação com outra unidade muito semelhante, distinta
num único ponto da estrutura,como pata.

Essas unidades significativas dizem respeito à 1a articulação da lin-


guagem, a que determina a presença de unidades com forma e sentido,
os signos mmimos, as menores partes que formam uma palavra. As
unidades da 1a articulação são chamadas de MORFEMAS.
Já as unidades sonoras, não mais significativas,mas distintivas,
dizem respeito à 2a articulação da linguagem, à segunda divisão pos-
sível, determinando a presença de unidades sonoras que compõem o
sistema de sons da língua. As unidades da 2a articulação são chamadas
de FONEMAS.

A dupla articulação da linguagem humana é uma das característi-


cas essenciais que ajudam a definir uma lingua natural como uma com-
plexa organização,em torno de unidades menores que se associam a
unidades maiores, sendo que a cada associação se ganha em termos de
significado,contribuindo para que os dois processos centrais de uso de
uma língua se estabeleçam, a expressão e a comunicação dos usuários
de uma língua em meio a trocas sociais entre os falantes.
19
O QUE É UMA LÍNGUA?
Essa divisão das línguas naturais em dois componentes, o fono-
lógico e o morfológico, permite evidenciar que a língua pode ser tra-
tada como um objeto de observação analítica, a partir da decompo-
sição de suas unidades, até chegar a um limite máximo de reconhe-
cimento de unidades que pertencem a uma organização linguística.
Segmentar(decomporunidades)uma língua é um dos princípios
básicos da atividade de análise linguística. Ao lado da segmentação,
uma das outras operações centrais da observação de um estudioso
de uma língua, seja ele um gramático, seja ele um linguista, é a de
delimitar a distribuição das unidades segmentadas. Isso quer dizer
que o analista precisa descrever em qual posição as unidades devem
aparecer, quais são as combinaçõespossíveis e quais são as restri-
ções que evitam formas da língua não reconhecidas como legítimas
e possíveis pelos falantes.
Segmentar e analisar a distribuição são atividades acompanha-
das de classificaçãoe explicação de qual a razão do comportamento
de unidades linguísticas ser do jeito que se apresenta ao falante. Nes-
ses processos de análise linguística, estamos o tempo todo estabele-
cendo atividades de descriçãoe análise que retomam os dois eixos
centrais de observação de uma língua: o paradigma e o sintagma.
O paradigma diz respeito a escolhas feitas pelos falantes em meio
a unidades disponíveis para o uso, de acordo com os inventários e
as regras do sistema linguístico. O sintagma diz respeito a formas
de combinação,de diferentes extensões, das unidades selecionadas
pelos falantes nos diferentes paradigmas que formam o inventário
disponível para o uso linguístico.
Dessa forma, todas as línguas se organizam em torno de duas
operações fundamentais: selecionar e combinar. As formas e re-
gras de seleção e combinação, a descrição das diferentes
unidades
que compõem os diferentes inventários da língua são objetos de
uma análise linguística. Neste livro, vamos explorar
esses aspec-
tos em relação a formas e combinações nos âmbitos
da palavra e
da frase. Antes, porém, vamos a algumas
considerações ainda de
caráter introdutório:
20 A PALAVRAE A SENTENÇA
Ronaldo de Oliveira Batista
Características das línguas naturais
(a)Arbitrariedade

A maioria dos elementos que constitui as unidades significativas


das línguas (ossignos linguísticos) é arbitrária. Com isso se quer dizer
que não há uma relação de implicação imediata e obrigatória entre a
forma e o sentido dos signos. Ou seja, não há nada na estrutura sono-
ra (representada pelas letras na escrita) que nos leve imediatamente
ao significado. Isso quer dizer que, na constituição de um signo como
pato,nenhuma das unidades sonoras nos traduz exatamente o signifi-
cado de "pato" como unidade do nosso universo biossociale cultural.
O som /p/ não nos leva a imaginar nenhum dos elementos que consti-
tuem o conceito de "pato". Tal fato é evidente quando nos lembramos
de que o mesmo conceito "pato" pode ser acessado em diferentes lín-
guas por meio de diferentes formas, como duckem inglês.
Sendo assim, afirmamos que os elementos que organizam as lín-
guas naturais são arbitrários e convencionais, resultado de um acordo
que se estabeleceu coletivamente. No entanto, não se pode ignorar o
fato de que determinadas unidades e combinaçõesda língua podem
contrariar esse princípio.
(b)Independência em relação ao espaço e tempo

As línguas naturais não fazem referência apenas ao que ocupa o


mesmoespaço e se situa no mesmo tempo que os falantes usuários
dos sistemas linguísticos. Podemos falar daquilo que está ausente, sem
que o objeto de nossa referência esteja fisicamente presente. Exatamen-
te por conta desse aspecto das lmguas naturais é que podemos fazer
referência a elementos abstratos, ao passado e ao futuro. A linguagem
humana não está presa ao universo da presentificação.Por isso é que
podemos definir um signo como aquela unidade que representa ou
substitui o que está ausente.
(c)Produtividade e abertura
ideia de
As línguas naturais são sistemas organizados em torno da
produtividade, ou seja, as unidades das línguas podem se expandir,
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O QUE É UMA LÍNGUA?
expressão. Com isso
são produtivas e abertas a formas novas de ques
remos dizer que, de um conjunto delimitado de unidades que for
o sistema de uma língua, podemos realizar diferentes, e Praticamente
infinitas, combinações, desde que sejam respeitadas regras de
nação das unidades linguísticas. Pode-se visualizar essa característica
das línguas naturais quando colocamos em foco o componente sintáfi_
co da língua. De posse de algumas unidades da língua, como as pala_
vras, podemos realizar infinitas combinações, dado o caráter criativo
das línguas.
(d) Gramaticalidade

Todos os sistemas linguísticos organizam-se em torno de regras


de seleção e combinação. A obediência a essas regras é fundamental
para que se produzam unidades que serão aceitas e reconhecidas
pelos
membros de uma comunidade linguística. Dessa forma, pode-se dizer
que todos os falantes de determinada língua têm um conhecimento,
de natureza abstrata (que independe dos processos de escolarização),
a
respeito da estrutura e das formas de combinação das unidades
de sua
língua. Esse saber, que nos permite reconhecer a gramaticalidade
das
unidades, é denominado competêncialinguística.

(e)Divisão analítica em componentes (ou níveis de análise)l

As línguas naturais podem ser analisadas, isso quer


dizer que elas
podem ser decompostaspelo analista, que pode
observarseusele-
mentos formativos e suas condições de
combinação. Assim, as línguas
podem apresentar componentes de diferentes
naturezas, que sãore-
conhecidos como os níveis de descrição
e análise linguística. Natural-
mente que esses níveis são um
construto teórico,no sentido de queé
um trabalho cientfficode análise
que estipula sua existênciae modos
de observação.O trabalho de
análise, da linguística e da gramática, é
conceber que uma Ilngua é uma
estrutura, um sistema, organizadoem
diferentes camadas, cada uma
delas com suas particularidades e
dades próprias de análise.

Por conta da natureza teó-


deste livro, manual
rico-metodológicas que o emprego introdutório, não considero implicaçÕeS
dos termos 'componente' e 'níveis de análise' encerram'
22 A PALAVRAE A SENTENÇA
Batista
Ronaldo de Oliveira
Os níveis de descrição e análise linguística
Uma proposição de análise da língua em níveis encontra sua motiva-
cão no fato de que línguas devem ser descritas e analisadascomo uma
estrutura, um conjunto de unidades formais em constante relação. Essa
perspectiva de observação demanda a escolha de métodos e formas de
descriçãoe análise. O método que seguiremos é aquele que segmenta
unidades da língua portuguesa (em suas diferentes dimensões)em seus
diferentes mveis constituintes, como se estivéssemos diante de um objeto
constituído de diferentes camadas, cada uma com suas especificidades.
Partindo do princípio que afirma ser o texto a unidade de comuni-
cação e expressão da lingua, em nossa atividade de análise, podemos
observar que o texto — unidade formal máxima — é constituído de
porções menores que ele mesmo. A atividade de segmentaçãopermite
a decomposição de unidades complexas até o grau máximo de obser-
vação dos elementos mmimos que formam unidades maiores.
Mesmo tendo noção da presença do texto como unidade formal
máxima, vamos nos limitar à sentença como nível de observação.Para
isso, tomemos uma unidade complexa como As moçassorriram.

A observação da sentença (considerada neste exemplo como a uni-


dade máxima) permite concluir que ela é formada por unidades meno-
res que a própria sentença. Chegamos assim aos constituintes mmimos
do nível sintático: os sintagmas (blocos de forma e sentido que organi-
zam em unidades formais as palavras de uma sentença).
[As moças] [sorriram]
Nossa observação analítica nos permite chegar a outro nível de aná-
lise, resultado de segmentação dos elementos que formam as palavras.
a — artigo feminino
forma que indica plural
s -—-
moças moç --—-radical
a — forma que indica feminino
s -—forma que indica plural
23
O QUE É UMA LÍNGUA?
sorriram sorr radical
i — forma que indica a 3a conjugação verbal
ra — forma que indica o modo-tempo verbal
m — forma que indica o número-pessoa

O grau máximo a que podemos chegar, em termos de segmentação


exclusivamente linguística, é o que nos evidenciará os sons pertinentes
que formam as menores unidades que estruturam as palavras. Assim,
para ficar apenas em um exemplo,a palavra moçaé composta pelos
sons lm/ Io/ /s/ /a/.

Se observarmoso resultado da aplicaçãodo método de análise


linguística, podemos tomar consciênciado fato de que a cada vez
que avançamos nas segmentaçõesperdemos sentidos complexos e
evidenciamos formas que constituem unidades de uma língua. Nesse
sentido, devemos considerar que determinada unidade só é reconhe-
cida como uma unidade linguística quando a colocamos em confron-
to com outras unidades da mesma classe, e observamos também que
ela é constituinte integrante de uma unidade mais complexa, hierar-
quicamente superior.
Os elementos mais básicos que compõem uma Ilngua natural (no
caso das línguas articuladas verbalmente) são os sons. Esses sons são
organizados em um sistema sonoro, em que cada unidade sonora res-
ponde por uma função de caráter distintivo (um som precisa apresen-
tar características que o distingam dos outros sons do sistema). Sendo
assim, o primeiro e mais básico nível de descrição e análise é o NÍVEL
FONOLÓGICO, e suas unidades são os sons distintivos, os FONEMAS.
Qualquerobservaçãobanal a respeito de uma língua e seu fun-
cionamento reconhece que os falantes não se comunicam por meio de
sons isolados. Na verdade, realizamos uma atividade de integração
desses sons. Um som, ao se integrar a outro, forma um segundo nível
de descrição e análise: aquele que determina a formação dos morfemas
e palavras de uma língua.
Assim, definimos os NÍVEIS
MORFOLÓGICOELEXICAL. O primeiro diz res-
peito aos morfemas que compõem a língua, e o segundo se estabelece a

24 APALAVRA
EASENTENÇA Ronaldo de Oliveira Batista
partir do momento em que os morfemas se integram também e formam
as diferentes palavras que constituem o conjunto lexical das línguas.
Também não nos comunicamos, na maioria dos casos, por meio de
morfemas ou palavras isoladas. É necessário que essas unidades mais
uma vez se integrem, formando uma unidade pertencente a um nível
hierarquicamente superior de análise: o NÍVEL SINTÁTICO.A este nível
pertencemos sintagmas (constituintesdas sentenças)e as sentenças
propriamente ditas.
Prosseguindo na constituição de níveis hierárquicos, chegamos ao
NÍVELTEXTUAL, resultado de diferentes combinações, com diferentes ex-
tensões, que determinam a presença dos TEXTOS das línguas.
Associada a essas unidades dos níveis hierárquicos, em permanen-
te relação (observem a noção de sistema, já que um nível não se define
a não ser em relação a outro), temos a dimensão semântica, responsá-
vel pelos diferentes significados que morfemas, palavras, sintagmas,
sentenças e textos assumem na língua. Tem-se assim, em diferentes
graus, o aspecto SEMÂNTICO das línguas.

Ainda devemos considerar também que as línguas são utilizadas


nos diferentes processos comunicativos, isso quer dizer que o uso da
língua também apresenta uma dimensão de análise, a dimensão PRAG-
MÁTICA de observação.
De uma forma global, podemos assumir a visão de que uma língua
se estrutura em torno de um léxico (conjuntode elementos lexicais res-
ponsáveis pela relação entre linguagem e mundo) e de uma gramática,
vista aqui como as regras de combinação presentes nos diferentes ní-
veis que organizam e estruturam uma língua natural.
Nesse momento, podemos lançar um ponto de reflexão: de que
forma se constituiu, ao longo dos tempos, os métodos de descrição e
análise das hnguas naturais? Em torno de duas perspectivas seria uma
resposta adequada, tendo em vista que estamos diante de uma intro-
dução às atividades de análise de uma língua.
aná-
Essas duas perspectivas tomaram como objeto preferencial de
Com
lise a forma ou a função que as unidades linguísticas apresentam.
O QUE É UMA LÍNGUA?
25
unidades
isso queremos dizer que é possível analisar uma língua, suas
do
e relações levando em consideraçãoora sua forma (desvinculada
a trocas
uso real nos processos de expressão e comunicação em meio
linguís_
sociais), ora sua função (destacando de que maneira a estrutura
que regem a
tica é condicionada pelos diferentes fatores e processos
interação verbal).

língua em uso:
n A
formas e funções produzindo efeitos de sentido
forrnais
Colocar uma língua e seu sistema (conjuntode unidades
que leva
em permanente relação) em uma perspectiva de observação
comunicativa, de
em conta o uso, em meio a processos efetivos de troca
leva o ana-
expressão de valores e posicionamentoshistórico-sociais,
lista da linguagem a considerar,em suas abordagens, elementos que
são de natureza extralinguística @usituacionais, como o contexto, os
objetivos da interação e os papéis sociais assumidos pelos falantes),
fundamentais para o real contato entre as pessoas no momento em que
da língua surgem os mais diferentes tipos de significação, em meio a
diversos contratos sociais que instauram a interação verbal.
Nessa perspectiva, a forma está condicionada pelas diferentes fun-
ções que os usuários da língua atribuem a ela mediante as necessida-
des comunicativas,o que implica considerar que a escolha de unida-
des linguísticas e das várias possibilidades de combinação depende da
intencionalidade discursiva. Essas diferentes funções têm sido, tradi-
cionalmente, consideradas como funções da linguagem: referencial (pre-
dominantemente em 3a pessoa, destaca a relação entre a linguagem e
o mundo, no sentido de que o mais importante é transmitir informa-
ções);expressiva (em 1a pessoa e com a presença de elementos linguís-
ticos como os adjetivos —, que destacam o posicionamento pessoal
do falante em relação a determinado estado de coisas); conativa (coloca
o foco no[sl receptor [esl da linguagem, em meio aos valores da persua-
são, a partir dos quais, por meio de elementos linguísticos especifica-
mente selecionados para tal fim, procura-se convencer o interlocut0r
26 A PALAVRAE A SENTENÇA
Ronaldo de Oliveira Batista
dos mais variados efeitos de sentido, por isso também chamada de
apelativa);metalinguística (a linguagem é o foco principal, fala-se do
próprio código em utilização na interação); poética (oque se observam
são os recursos linguísticos empregados para a obtenção de efeitos de
sentido);fática (ocontato entre os falantes é o principal, sendo que essa
função utiliza diferentes meios para instaurar o processo comunicati-
vo, verificar seu andamento e também encerrá-lo).
Assim, os componentes formais de uma língua (as unidades sono-
ras, morfológicas, sintáticas, textuais) são elaborados e organizados
pelos falantes, em suas modalidades (língua escrita ou língua oral), a
partir de intenções comunicativas e também de posicionamentoshis-
tórico-sociaisque os usuários estabelecem tendo em vista os diferentes
contextos de uso do sistema linguístico.
Usar uma lingua é se posicionar discursivamente, criando diferen-
tes espaços de atuação social, intermediados pelos valores ideológicos,
produzindo, consequentemente, diferentes efeitos de sentido, que aca-
bam por tornar a linguagem verbal tão variada e fascinante, uma vez
que o sentido produzido em determinado momento, veiculado por um
arranjo formal resultante das escolhas feitas no sistema linguístico, não
será necessariamente o mesmo obtido em outra configuração de uma
interaçãoverbal, sendo que falantes diferentes,contextosdiferentes,
intençõescomunicativas diferentes, papéis sociais diferentes podem
levar a diferentes formas de contato linguístico,gerando, assim, os
mais variados efeitos de sentido, colocando,portanto, a lingua numa
dimensãodiscursiva.
A título de breve conclusão desses posicionamentos iniciais, as-
sumimos o caráter introdutório deste livro, o que nos permite tra-
çar um caminho didático que mescla diferentes propostas teóricas e
metodológicas,constituídas ao longo da história dos estudos sobre
línguas e linguagem. Muitas das posições assumidas divergem en-
tre si. No entanto, todas elas possibilitamao inicianteo acessoao
universo da atividade de descrição e análise linguística.Partimos,
assim, do princípio de que, mesmo tendo bases filosóficasdiferentes
e até mesmo divergentes, as diretrizes utilizadas são as que ficaram
27
O QUE É UMA LÍNGUA?
consagradas ao longo do estabelecimento dos estudos linguísticos
contemporâneos, possibilitando ao olhar iniciante trilhar um cami-
nho seguro, já com um lastro histórico considerável. A delimitação
de divergências,de questionamentosde conceitos e métodos deve
ser tarefa de estudos mais avançados.

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