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Plano de Ensino
Ficha nº 2 (parte variável)
Disciplina:
LINGÜÍSTICA II
Código: HL 223 – TURMA D Pré-requisito: não tem
Natureza: Semestral
Carga Horária: Aulas teóricas: 60 horas-aula Total: 60 horas-aula
Aulas práticas: nenhuma Créditos: 04 (quatro)
PROGRAMA:
BIBLIOGRAFIA BÁSICA
CÂMARA Jr. J. M. 1970. Estrutura da língua portuguesa. Petrópolis: Vozes.
_______ 1974. Princípios de lingüística geral. Rio de Janeiro: Acadêmica.
LANGACKER, R. W. 1972. Fundamentals of linguistic analysis. New York: Harcourt Brace
Jovanovich, Inc.
SANDMANN, A. J. 1991. Morfologia geral. São Paulo: Contexto.
_______ 1996. Formação de palavras no português brasileiro contemporâneo. Curitiba: Editora da UFPR.
HL223D - MÁRCIO
INTRODUÇÃO À ANÁLISE GRAMATICAL
Na disciplina de Linguística I, você viu que muitas perspectivas sobre a(s) língua(s) são
toldadas por visões preconceituosas, baseadas num sistema binário de certo vérsus errado. Ora, as
línguas são fenômenos naturais. Sendo assim, se uma determinada forma linguística cumpre a
sua função, dentro das expectativas dos seus falantes, ela não pode ser considerada errada ou
incorreta. O uso da norma culta pode fazer parte do que se espera em uma determinada situação
de fala, mas não em todos – assim, o uso da norma culta pode ser inadequado em algumas
situações.
Para além da língua culta, da norma, das expectativas dos falantes acerca da língua, está
a língua propriamente dita. Nós temos o domínio sobre ela, no sentido de usá-la para dizer o
que queremos dizer, mas não temos o domínio sobre ela no sentido de que não conhecemos a
sua totalidade de uso pela totalidade dos falantes como nós, nem no sentido de que decidimos
tudo o que pode e deve ser dito pela totalidade dos falantes. Nosso objetivo ao longo deste
semestre será o de dominar as ferramentas básicas de observação e descrição das línguas naturais,
tal como definidas pela linguística. Mas, mais do que isso, desenvolver a nossa sensibilidade para
a observação da realidade das línguas, aprender (todos nós, inclusive o professor) a ver o que as
línguas realmente são, para além das nossas expectativas.
A presente apostila apresenta alguns materiais de apoio. Boa parte dos textos aqui é
apresentado de uma forma bastante esquemática. Além dela, trabalharemos com outros textos.
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1. REVISÃO DE CONCEITOS BÁSICOS DA LINGÜÍSTICA
Assim, a idéia de “mar” não está ligada por relação alguma interior à seqüência de sons m-a-r que
lhe serve de significante; poderia ser representada igualmente bem por outra seqüência, não importa qual;
como prova, temos as diferenças entre as línguas e a própria existência de línguas diferentes: o significado
da palavra francesa boeuf (“boi”) tem por significante b-ö-f de um lado da fronteira franco-germânica e o-
k-s (Ochs) do outro. (IDEM, P. 81-82)
[usando o termo arbitrário] “queremos dizer que o significante é imotivado, isto é, arbitrário em
relação ao significado, com o qual não tem nenhum laço natural na realidade.” (IDEM, p. 83)
UNIDADES 1 e 2 3
2. FUNDAMENTOS DA ANÁLISE LINGÜÍSTICA
• Princípios: podem ser definidos como regras que organizam a relação entre uma expressão
lingüística (uma pronúncia) e seu significado.
• Regras: podem ser entendidas como dizendo respeito a três maneiras de ver a língua:
• São um conjunto de instruções que o falante domina e que permite a ele construir
sentenças a fim de se comunicar através da língua que fala. O domínio dessas regras
é necessário, também, para que a pessoa consiga entender as sentenças de uma
determinada língua.
• Pode ser entendidas como a descrição feita das regras observadas acima. A sentença
• Gramática: o conjunto de regras de uma determinada língua é sua gramática. Como vimos
acima, essas regras podem ser entendidas de três maneiras diferentes, vistas acima. Se o que
se tiver é um texto descrevendo as regras de uma língua (terceira maneira, acima) temos a
gramática descritiva dessa língua.
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A bibliografia costuma chamar de gramática internalizada aquilo que o falante domina e
que lhe permite falar a língua que domina. Para algumas teorias da lingüística, essa gramática
internalizada é o objeto de estudo da lingüística, e a gramática descritiva será tão mais
verdadeira quanto mais exatamente descrevê-la.
Um dos equívocos de algumas visões sobre a língua ainda difundidas entre os falantes é a de
que a língua corresponde única e exclusivamente àquela forma que é descrita nas gramáticas
normativas - o que os sociolingüistas chamam de norma padrão.
Amiúde, a gramática normativa prescreve formas da língua que não se encontram mais em
uso. No geral, mesmo com relação à norma padrão, as gramáticas escolares são bastante
faltosas, não servindo como base para muitas questões.
• Estrutura: Podemos entender estrutura como um conjunto organizado segundo uma série
de princípios. Podemos entender estrutura ainda como sendo a própria organização criada
por esses princípios.
Tudo na língua tem uma estrutura. O conjunto das regras de uma língua pode ser entendido
como a sua estrutura. A organização de uma determinada sentença pode ser entendida como
a estrutura.
• Componentes: a estrutura das pronúncias pode ser descrita em seus diferentes aspectos.
Pode-se descrever as regras que associam cada item do léxico (cada palavra, cada morfema)
a um significado (regras lexicais). Pode-se descrever a organização dos segmentos sonoros
que formam essa pronúcia (regras fonológicas). Pode-se descrever a organização dos itens
lexicais dentro de uma sentença (regras sintáticas).
• Dados: quaisquer elementos que sejam utilizados para embasar as análises lingüísticas. Os
dados são elementos observáveis, o que significa que eles existem, em princípio,
independentes da observação (na realidade não é bem isso que acontece). Os dados da análise
lingüística são de três tipos:
• Textos falados
• Textos escritos
UNIDADES 1 e 2 5
• Problemas que os dados podem apresentar:
• Dupla articulação. Os dois níveis acima descritos estão articulados - o que significa
que ambos estão presentes no enunciado, apesar de formalmente distintos um do outro
e hierarquicamente organizados: as unidades do nível morfossintático, os morfemas, são
constituídas de cadeias de fonemas, que são unidades do nível fonético-fonológico.
REFERÊNCIAS
SAPIR, Edward. O gramático e a língua. In: ______ Lingüística como ciência. Rio de Janeiro: Acadêmica, 1969.
(Seleção, tradução e notas de J. Mattoso Câmara Jr.). p. 29-42.
Ver também: Mário A. Perini O Rock português. In: ______ Sofrendo a Gramática. 3. ed. São Paulo: Ática, 2002.
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Material de apoio em sala de aula – aulas de 31.07.17 e 03.08.17
O seguinte texto foi escrito por um vestibulando e utilizado em uma questão do PROVÃO (antecessor
do ENADE), em 2002. Apresenta a visão que seu autor tem da sua língua e da linguagem de uma maneira
geral. Vamos utilizá-lo para refletir sobre a língua, sobre perspectivas sobre os fenômenos linguísticos e
sobre estar certo e estar errado sobre a lingua(gem).
Você acha que o rapaz (ou moça) está errado sobre a sua língua e sobre as demais línguas?
Mandarin1
1
Este exercício aparece de novo, no corpo do texto explicativo sobre limites de palavras. Resolvi manter
assim mesmo, duplicado, só pra registrar o que foi entregue em sala.
UNIDADES 1 e 2 7
Isolando palavras2
O fato de que palavras são entidades reais não deve nos levar a assumir que é sempre
uma tarefa fácil determinar o que é e o que não é palavra. A lingüística não pode se apoiar em
convenções ortográficas, pois muitas línguas ainda não têm um sistema de escrita. O lingüista
também não pode ficar na dependência total de julgamentos intuitivos de falantes nativos,
embora valiosos, porque não se pode presumir consistência plena desses julgamentos ou porque
os falantes nem sempre têm opiniões firmes em muitos exemplos. Também nem sempre é
possível para o lingüista segmentar uma fala em palavras com base nas características fonéticas,
pois os falantes não fazem, de modo geral, pausa nas fronteiras de palavras. Foneticamente, uma
sentença consiste, tipicamente, em uma cadeia contínua de sons sem marcas de fronteiras
lexicais.
A palavra é uma noção difícil de definir e não tentaremos dar aqui nenhuma definição
formal. Em vez disso, vamos examinar vários fatores que devem ser levados em conta para uma
definição adequada. Várias considerações vão ser necessárias para localizar a fronteira de palavra
numa seqüência fonética e nenhuma consideração é suficiente em si para isolar corretamente
palavras nos exemplos analisados. Fronteiras de palavras são estabelecidas com base na
convergência de diferentes tipos de evidências.
RECORRÊNCIA
Uma palavra pode ser definida como uma forma fonológica com significado constante
que apresenta recorrência. Um passo no isolamento de palavras, portanto, consiste em descobrir
seqüências fonéticas recorrentes e observar se a ocorrência dessas aparentes unidades está
relacionada com um componente de significado constante.
2Este texto incorpora uma tradução livre (feita pela profª Maria José Foltran) de partes do livro Fundamentals of
Linguistic Analysis de Ronald W. Langacker (New York, 1972). Por razões didáticas, várias adaptações foram feitas.
A questão sobre dados do chinês e o “resumão” ao final são de responsabilidade deste autor.
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Descobrir seqüências fonológicas com significado constante que são recorrentes não é
suficiente porque unidades obtidas apenas com base nesse critério podem ser muito pequenas
ou muito grandes. Consideremos a palavra inglesa [kæt], que é recorrente e se associa a um
componente de significado que pode ser simbolizado por “gato”. Toda vez que a seqüência
[kæt] ocorre associada com o significado “gato”, seqüências menores como [kæ] ou
simplesmente [t] também ocorrem. No entanto, se [kæ] ou [t] fossem postulados como a unidade
correspondente ao significado “gato”, teríamos resíduos, tais como [t] ou [kæ], aos quais não
poderíamos atribuir um significado. Numa análise adequada, as unidades de palavras postuladas
devem ser amplas o suficiente para evitar a proliferação de elementos sem significado. Da mesma
forma, seqüências maiores que a palavra encontram a condição de recorrência com significado
constante: sintagmas, orações e mesmo a sentença toda têm essa propriedade. Unidades maiores,
desse tipo, podem ser excluídas, em virtude do fato de que contêm seqüências menores que, em
si, preenchem a condição de recorrência com significado constante. As unidades postuladas
como palavras devem ser as menores unidades que preenchem a condição. (Consideraremos a
distinção entre palavras e morfemas mais adiante.)
Problema 1 Mandarim
UNIDADES 1 e 2 9
A maneira mais óbvia de utilizar a recorrência para identificar o significado das
sequências é comparar sentenças em que apenas um termo se repita na glosa – como é o caso
de "eu nas glosas de a e e. Por essa comparação, você percebe que wŏ, em chinês, significa "eu".
O restante das sequências – chànggē e daimaizi – significam, respectivamente "canto canções" e
"uso chapéu". Ainda não dá para segmentar, a não ser comparando com outras sequências. Por
outro lado, observe que chànggē também aparece em c., com o mesmo significado – "canta
canções". Obviamente, em português, a pessoa do discurso aparece marcada duas vezes (no
pronome pessoal e na conjugação do verbo). Em chinês, você pode observar que a marca é uma
só – wŏ para a primeira pessoa do singular e ta para a terceira. Em c. existe a sequência le, que
indica algo como o pretérito perfeito do português – observe os outros exemplos (f. e i.) em que
ele ocorre e você perceberá que também neles se encontra a noção de pretérito perfeito. Por
outro lado, nas sequências em que ele não ocorre não aparece essa noção. A posição de le é outro
elemento recorrente: ele aparece sempre após o verbo. É por isso que na sequência dàilemàozi
você consegue determinar que dài significa "usar" e màozi significa "chapéu". Por fim, zài ocorre
associado ao significado que em português é expresso pela construção com verbo estar mais
gerúndio. A noção expressa por essas duas construções (zài antes de verbo, em chinês, e estar
seguido de verbo com gerúndio) recebe o nome de progressivo. Assim, é mais correto dizer que
construções com zài + verbo em chinês são construções que expressam o progressivo, da mesma
forma que é mais correto dizer que construções com verbo+le em chinês expressam o pretérito
perfeito (para ser mais exato, essas expressões expressam o perfectivo, já que a expressão do
pretérito em chinês é mais complexa).
Uma outra palavra sobre os dados do exemplo acima e de todos os outros exemplos em
diversas línguas: eles foram bastante simplificados com finalidade didática. A realidade das
línguas naturais é muito mais complexa do que esses exemplos didaticamente escolhidos pode
deixar parecer.
Problema 2 Luiseño
Luiseño é uma língua Uto-Azteca falada no sul da Califórnia. Isolar as palavras nas sentenças
seguintes e estabelecer seu significado. Use a mesma definição provisória de palavra usada no
problema 1, evitando resíduos. O símbolo [ʕ] é uma oclusiva glotal e [q] é uma oclusiva pós-
velar surda ( [q] é parecido com [k], exceto que é articulado numa posição mais posterior). Uma
vogal longa é escrita como uma seqüência de duas vogais, e o acento é marcado somente na
primeira; [óo], por exemplo, é uma vogal arredondada posterior longa e acentuada.
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(7) [yaʕáswukálaqpokíik] um homem está andando para casa”
Discussão
Os dados não fornecem nenhuma evidência para se dividir essas unidades em outras
menores. [polóov] - “é bom” e [pokíik] - “casa” têm ambos a seqüência fonética [po], mas não
há nenhum componente de significado aparente que pudesse ser atribuído em ambas as
combinações. Não podemos justificar a divisão de [wukálaq] - “está andando” em [wu] - “está”
+ [kálaq] - “andando”, porque nem [wu], nem [kálaq] aparecem isolados; qualquer segmentação
dessas unidades recorrentes seriam puramente especulativas, levando em conta os dados que
temos. Também não poderíamos dividir [yaʕás] - “homem” ou [nawítmal] “menina”, a não ser
arbitrariamente. No entanto, (3) e (7) sugerem que “um”, “o” e “a” não são abertamente
explicitados em Luiseño.
Solução
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Palavras versus morfemas
A caracterização de uma palavra como uma unidade fonológica mínima, com significado
constante, que é recorrente, não é suficiente em si em vários casos. Uma dificuldade é que nem
toda palavra tem um significado, apesar de a grande maioria ter. Na sentença É verdade que todos
os alunos de Letras são bons leitores, o que não têm um significado, apesar de, num nível intuitivo, ser
considerado uma palavra. Alguns lingüistas defenderam a idéia de que o verbo ser não tem
significado. Em expressões do tipo ser ADJ, por exemplo, seria possível argumentar que ser não
contribui com nenhum significado que já não esteja presente no significado do adjetivo. A
plausibilidade dessa proposta é reforçada pelo fato de que muitas línguas não apresentam uma
palavra correspondente a ser antes de adjetivos. A sentença (6) no problema do Luiseño se traduz
literalmente por “menina não boa”. A afirmação de que ser não tem significado pode ou não
ser verdadeira, mas fica claro que a recorrência com significado constante não pode ser a única
consideração empregada na demarcação de palavras.
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• Atomicidade: as palavras são as menores unidades que preenchem as condições para sua
delimitação.
• Fronteira: As fronteiras de sentenças sempre coincidem com fronteiras de palavras. Uma palavra
não pode aparecer pela metade no início ou no final (ou mesmo no meio) de uma sentença.
- Ontem.
• Pausa: Muito dificilmente um falante colocará uma pausa no meio de uma palavra; mais provável é
que o faça ao final de uma palavra.
• Tudo na sentença é palavra: dada uma sentença, toda a sua extensão pode ser segmentada em
palavras. Não podem sobrar resíduos, isto é, seqüências de fonemas na sentença que não pertençam
a palavra nenhuma.
• Propriedades Sintáticas:
• Ordem: regras que determinam a ordem dos termos em uma sentença podem funcionar
como critérios para a identificação de palavras.
• Possibilidade de intercalação de outras palavras nos seus limites: uma das dificuldades
do critério de recorrência é a de que, por si só, ele não consegue dar conta de coisas que
claramente, intuitivamente, são reconhecidas como palavras pelos falantes nativos, mas
que não são reconhecidas assim pelo critério de recorrência, nem pelo critério do
enunciado mínimo. É o caso dos artigos e pronomes átonos. Eles não podem formar
enunciados mínimos completos:
- *a.
Ou seja, por esses critérios não se pode provar se esse /a/ ou /o/ é uma palavra
ou, digamos, um simples prefixo. Porém a possibilidade de intercalação de uma
UNIDADES 1 e 2 13
palavra (um adjetivo, ou um determinante, p.ex.) entre o artigo e o substantivo (a
mesma avó) demonstra que o que se tem aí é uma fronteira de palavra.
OBS.: um asterisco (*) antes de uma forma lingüística indica que essa forma não é
atestada. Em trabalhos de linguística histórica, isso quer dizer que a forma pode [ou
até deve] ter existido, mas não foi registrada em nenhum texto. Por exemplo, entre
o latim plenu[s] e o português cheio deve ter havido um estágio em que o [l] se
transformou numa semivogal, e um outro em que essa semivogal “puxou” a
articulação do [p] para a região alveolar, transformando-o num [t]:
NOTE BEM: as propriedades fonológicas e sintáticas citadas acima não são as únicas passíveis
(e possíveis) de serem utilizadas para a delimitação de palavras. São apenas alguns dos exemplos
mais óbvios de critérios a que se pode recorrer para a delimitação de palavras.
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