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Introdução à

Linguística, Fonética e
Fonologia
A Linguística é a área de estudo da linguagem!
Linguagem → sistema complexo através do qual o ser humano consegue transmitir as suas ideias e
sentimentos. Pode ser oral (através da fala) ou escrita. Em todo o sítio que existe comunicação existe
linguagem, logo se existe linguagem existe homem.
Palavra → menor partícula de uma língua, é um conjunto de letras ou sons de uma língua. Esta pode ser
dividida em sílabas.

˃ De um momento para o outro, nós conseguimos construir várias frases através de diferentes palavras
˃ A partir de “pedaços” de diferentes palavras, conseguimos criar uma palavra nova, aumentando o
campo lexical e o vocabulário
˃ Processo de inserir frases pequenas umas nas outras, formando ainda uma frase maior
˃ Línguas muito distantes podem ter/têm regras gramaticais semelhantes, o que revela que existe
universalidade gramatical
˃ Independentemente das várias línguas, numa frase podemos determinar quem é o sujeito e o objeto
direto

• Diferentes formas de escrever uma palavra, não significa que essa mesma tenha significados
diferentes
Ex.: (em português) Mesa = table (em inglês)
˃ Forma de escrever diferente, mas com o mesmo significado, e a forma fonética também é
diferente
• Não há nenhuma lei/regra que estabelecida entre a forma e o significado
Linguagem, língua e gramática –
norma e variação
Linguagem e línguas
A linguagem humana é uma característica biológica da espécie humana caracterizável através de um
conjunto de propriedades universais → semelhança
As línguas naturais são manifestações concretas da linguagem humana → diversidade

Comunicação nos animais


Infinidade discreta → sistema com número infinito de coisas
Deslocamento → tempo, espaço… (ex.: dança das abelhas)
Atença conjunta → trabalhos em conjunto, cada um tem a sua função (ex.: cada abelha tem a sua função,
umas identificam a fonte de alimento e outras comunicam e vão à fonte

Família de línguas
Os traços linguísticos tanto podem ser universais como particulares.
Ex. de línguas faladas em Portugal → mirandês, português e língua gestual
portuguesa

Lingua – conhecimento vs. uso


O conhecimento linguístico é o resultado natural do processo de aquisição da linguagem. Este
conhecimento é desenvolvido de forma intuitiva ou implícita e tem um caracter regular e regulado que
proporciona capacidades de:
o Produzir frases nunca antes ouvidas
o Emitir juízos de gramaticalidade
o Atribuir significado a palavras novas, construídas de acordo com padrões regulares (ex.:
“desconfinar” → palavra que há um tempo atrás não se usava)

O que é saber uma lingua?


Para se saber uma língua é preciso que se tenha a habilidade de se proferir e perceber/compreender novas
frases nessa mesma língua.
Como é que isso é possível?
Os falantes sabem (um número finito de) regras que podem ser aplicadas repetidamente para produzir um
finito número de frases.
Todas as línguas faladas são neste sentido reguladas por regras: assim, não há diferença entre o que é
considerado “bom português” e o que é considerado “mau português” – os dois seguem regras embora
estas possam ser diferentes.

Criatividade e produtividade
o Qualquer falante pode em princípio construir um número infinito de frases
Ex.: Ele está a cantar
O rapaz de branco está a cantar
Eu vi que ele está a cantar.
A maria percebeu que eu vi que ele está a cantar.
o Os falantes sabem (um número finito de) regras
Modificando a ordem das palavras ou omitindo algumas delas, as frases tornam-se estranhas.

Como é que os seres humanos, que são criaturas finitas, têm conhecimento de um número infinito de frases? → porque sabem
REGRAS que se podem aplicar repetidamente para formar qualquer número de novas frases.

Conhecimento linguístico
Conhecimento da língua = conhecimento de matemática
Se F é uma frase → “eu disse F é uma frase” – esta frase pode ser repetida várias vezes para produzir um número arbitrário de
vezes

Linguística
o Linguística histórica (ou filologia)
o Linguística descritiva (ou etnolinguística)
o Linguística teórica
o Psicolinguística
o Sociolinguística

Descrição vs. Prescrição


As regras prescritivas pretendem ensinar as pessoas a falar de acordo com um pré-determinado
(arbitrariamente) standard. A sua origem é dúbia, não têm qualquer justificação linguística e não têm
relevância para os linguistas.
Os linguistas só estão interessados em descrever e perceber as regras que os falantes de facto sabem
(=regras descritivas).
Qualquer lingua falada é governada por regras neste sentido. O que não quer dizer que todos os falantes do
português sigam exatamente as mesmas regras: o português tem vários dialetos, que são igualmente válidos
embora sejam distintos.
Gramáticas prescritivas ou normativas
É um “conjunto de regras impostas por um grupo socioculturalmente aceite a um ou vários grupos de
falantes” (in Xavier e Mateus, 1989. Dicionário de termos linguísticos)
- Associadas à ideia de que a mudança linguística é uma espécie de “corrupção” da lingua (purismo)
- Defendem e aconselham ao uso de formas consideradas “corretas” que todas as pessoas “educadas” devem utilizar
- O objetivo é prescrever e não descrever
- Tentam impedir o desenvolvimento de variedades marginais da lingua (ex.: “black list, línguas populares)

Também é um “estudo abrangente, sistemático, objetivo e preciso dos sistemas e do uso de uma lingua ou
dialeto específicos num dado momento. A gramática descritiva não prescreve normas para o uso da lingua”
- Procuram dar conta de um modelo de capacidade linguística dos falantes
- O objetivo não é dizer como se deve falar, mas dizer como se fala, na realidade
- Procura-se formalizar (com base na teoria) e sistematizar a gramática dos falantes
- Nesta abordagem, todas as gramáticas de todas as línguas, são igualmente complexas e lógicas
- Em Portugal há várias gramáticas descritivas:
o Cunha e Sintra (1984, 1996), para uma abordagem da gramática no modelo tradicional
o Mateus et al. (2003), para uma abordagem da gramática no modelo generativo
o Raposo, E. B. P., Nascimento, M. F. B. do, Mota, M. A. C. da, Segura, L., & Mendes, A. (Eds.). (2013). Gramática do
português (3 volumes)
o Gramáticas escolares…

Normas
A norma é uma variedade linguística escolhida por uma sociedade enquanto modelo de comunicação. É um
modelo, um padrão supradialetal, que se pode realizar em duas vertentes: oral e escrita.
Norma-padrão → sistema linguístico ideal
Norma culta → sistema linguístico real (via escolarização)
Há uma relação estreita entre a Norma e Ensino e Estado (cf, Acordo ortográfico).

Normas culta do português europeu


• Redução da distância entre escrito (formal) e oral
• Eliminação de traços dialetais na oralidade (aproximação ao dialeto centro-meridional menos a
monotongação de ei em leite)
• Eliminação de vocabulário regional, sentido como arcaizante, em favor de um nivelamento lexical
que acolhe com facilidade empréstimos relacionados com novas realidades e tecnologias

Gramática
GRAMÁTICA GENERATIVA – CHOMSKY (1957, 1986)
o Modelo teórico desenvolvido a partir do final dos anos 50, cujos pressupostos eram os de que o
nosso conhecimento (implícito) da lingua é uma espécie de ‘gramática’. A partir desse conhecimento
da lingua ‘geramos’ as estruturas possíveis na nossa lingua.
o ‘Proposta teórica de gramática explícita que compreende um conjunto de regras formais, de
princípios e de parâmetros universais subjacentes ao conjunto infinito de enunciados (in Xavier e
Mateus, 1989. Dicionário de termos linguísticos)
o O objetivo do programa teórico generativista é:
˃ Simular/formalizar, por meio de regras transformacionais, a geração de estruturas possíveis
numa lingua;
˃ Construir os Princípios que regem a Gramática Universal e estabelecer os Parâmetros que são
fixados para a Gramática particular de cada lingua;
˃ Descobrir o conteúdo da GU

Gramática interiorizada/interna/implícita
“Sistema linguístico entendido como elemento mental de quem domina uma lingua e a usa como
falante/ouvinte”
Língua-I = competência

Gramática exteriorizada/externa/explícita
“Termo utilizado para referir o objetivo da linguística teórica, em particular da análise generativa, pelo qual
se visa construir uma gramática que dê conta, de um modo completo e preciso, das regras, condições e
princípios subjacentes aos enunciados”
Língua-E = Performance
Lingua (language) versus Fala (parole) – dictomia saussuriana
Língua → sistema de signos [linguísticos] partilhado por uma comunidade de falantes”
VS
Fala → “realização individual de enunciados em situação de comunicação”
A gramática da lingua (o conhecimento intuitivo da lingua) é modular, ou seja, há módulos essenciais
que podemos isolar no conhecimento da lingua com correspondente parte ou componente da
gramática – modelo de organização gramatical
O conhecimento da lingua envolve duas habilidades:
1. A capacidade de atribuir significados a sequências de sons
2. A capacidade de formatar significados em sequência de sons

Conhecimento linguístico

Conhecer uma lingua inclui vários tipos de conhecimento:


o Conhecimento das palavras (ou conhecimento do léxico) → Morfologia e Léxico
o Conhecimento sintático → Sintaxe
o Conhecimento fonológico → Fonologia
o Conhecimento semântico → Semântica
o Conhecimento pragmático → Pragmática
Léxico (parte da gramática que inclui o conhecimento das palavras) inclui:
- Um dicionário que armazena as palavras e as suas propriedades
- Um conjunto de regras de formação de novas palavras

Sintaxe: é um sistema computacional, constituído por regras que usam categorias (como nome, verbo,
preposição, …) e que definem as condições de boa formação das combinações de palavras
Fonologia: é constituída por um conjunto de regras que definem as condições para a interpretação fonética
das palavras. Saber a fonologia da sua lingua implica – saber o conjunto de sons significativos das sua língua; saber as
condições de sons legítimas e as ilegítimas; dominar intuitivamente as regras gerais de atribuição de acento de palavra bem como
as estruturas silábicas legítimas da sua lingua

Semântica: é constituída por um conjunto de regras que definem as condições sobre a interpretação
semântica de combinações de palavras. Como se processa a interpretação semântica de combinações de
palavras
Pragmática: é o uso da lingua com significado contextual, adequação, informidade e relevância de um
enunciado num dado contexto; prevê a interação da gramática com outros módulos do sistema dos seres
humanos

Modelo de organização da gramática

Léxico

Sintaxe

Representação
sintática

Representação Representação
Fonética Semâtica
Variação linguística
Variedades
Variedade (designação mais ampla e neutra): “qualquer das modalidades em que uma lingua se pode
diferenciar em função de diferentes fatores, nomeadamente socioculturais e geográficos.” (Segura, 2013: 85)
Pode haver variedades sociais ou culturais (língua) → padrão ou uma língua popular; ou variedades
geográficas ou diatópicas

Dialeto
Dialeto (tradicionalmente): é “uma variedade geográfica ou diatópica de uma língua” e tem
“variedades de uso simultâneo na mesma língua, com as suas regularidades e os seus sistemas particulares,
as suas gramáticas próprias e com as suas normas-padrão próprias”. (Segura, 2013: 85)
A variedade e dialeto consideram-se sinónimos → a sociolinguística veio a substituir o termo dialeto por
variedade

Variação linguística
o Variação dialetal, geolinguística ou diatópica → dialeto
o Variação social ou diastrática
o Variação diafásica → estilo ou registo
o Variação histórica ou diacrónica
Variedades geográficas ou diatópicas → português brasileiro, português europeu, de Angola, …, dialeto do
barlavento, algarvio, dialetos nordestinos do Brasil…
- Variedades nacionais (PE, PB)
- Variedades dialetais, ou dialetos, que cada uma dessas variedades nacionais comporta

➔ As línguas românticas começam por ser dialetos do latim


➔ O português padrão não é mais do que uma “dialeto” do português europeu – uma variedade da
lingua que, por contingências históricas, políticas e sociais, foi elevada a língua prestígio, passando a
ser tomada como “língua de referência”.
Variedades históricas → as línguas românticas começam por ser dialetos do latim
➔ O português tem vários períodos: português antigo, português médio; português clássico; português
moderno
Língua-padrão → existem a norma-padrão e a norma culta
Norma-padrão → sistema linguístico ideal
Norma culta → sistema linguístico real (via escolarização)
Há uma relação estreita entre a norma e ensino e estado!
Norma-padrão do PE → é “o conjunto dos usos linguísticos das classes cultas da região Lisboa-Coimbra”
– Cunha e Cintra (1984: 10) – ensinada e difundida pela escola e pela comunidade social = português
(europeu) padrão
• Redução das distâncias entre escrito e oral
• Eliminação dos traços dialetais na oralidade (aproximação ao dialeto centro-meridional menos a
monotongação de ei em leite
• Eliminação de vocabulário regional, sentido como arcaizante, em favor de um nivelamento lexical
que acolhe com facilidade empréstimos relacionados com novas realidades e tecnologias

Português europeu
O português europeu relativa uniformidades se comparada com as suas congéneres românticas.
o Fronteiras portuguesas estabilizadas desde muito cedo (finais do sec. XIII)
o Reduzida diferenciação dialetal – qualquer português, seja qual for a sua região de origem, não tem
dificuldade em compreender um outro (com exceção de alguns dialetos insulares da Madeira e
Açores para os dialetos continentais)
O PE tem uma variação a vários níveis:
• Fonético
• Fonológico (incluindo prosódico)
• Morfológico
• Sintático
• Semântico
• Lexical
NOS DIALETOS CONTINENTAIS …
o As diferenças dialetais foram desde sempre estabelecidas com base em diferenças
fonéticas/fonológicas
o Traços fonéticos diferenciadores dos dialetos do Norte e Sul (gerais)
- A “troca do v pelo b”
- A “pronuncia do s com o x ou como j” (s beirão)
- A “pronuncia do ch com tx ou tch” (chaves → tchaves)
- A “pronuncia de ou como o-u ou à-u” (conservação do ditongo <ou>)
- A “passagem de ei a ê” (monotongação de ei)
Dialetos portugueses setentrionais: dialetos transmontanos e alto-minhotos; dialetos baixo-minhotos-
durienses-beirões
Dialetos portugueses centro-meridionais: dialetos do centro litoral; dialetos do centro interior e sul
Dialetos insulares (com características dos dialetos do sul e com traços próprios, alguns deles comuns aos
dois arquipélagos)
o Dialetos madeirenses: ei reduzido (madeirense → maderense); inserção de vogal; palatalização
de l precedido de i/j → lh (aquilo → aquilho/aqailho); i tónico → ai (fino → faino; farinha →
farainha)
o Macaelense: i → ê (milho → mêlho); o → u (senhor → senhur); u → iu/y (tudo → tiudo)
Português europeu e português brasileiro
O português europeu e o português brasileiro são, respetivamente, variantes europeia e sul-americana.
Cada uma delas divisível em variedades linguísticas menores, numericamente inferiores, que ocupam
zonas geográficas mais restritas.
No Brasil falam-se mais de 18 línguas indígenas, mas o português, nos seus vários dialetos, é a língua oficial
e unificadora. O Brasil vive uma extrema diglossia, coexistência de duas (ou mais) variedades ou registos de
língua – “formal” e “informal” – que são usados simultaneamente, misturados continuamente em proporções
variáveis dependendo do falante e da ocasião.

Escrita e Oralidade
Lingua falada
Primária: comum a todas as sociedades humanas pois decorre da capacidade biológica para a linguagem
específica da espécie humana
Dinâmica: muda ao longo dos tempos de forma não pré-determinada pelos falantes
Não regulamentável: não é passível de legislação que a altere

Lingua escrita
Secundária: não existe em todas as sociedades humanas – só algumas desenvolvem sistemas secundários de
representação da língua falada
Estática: perdura o tempo que for decidido pelas instituições relevantes de qualquer sociedade
Regulamentável: fixada por legislação (reformas ortográficas, revisões ortográficas, acordos ortográficos)

Os sistemas de escrita desenvolveram-se autonomamente em diferentes territórios onde existiam


humanos (Mesopotâmia, China).
Os vestígios mais antigos do uso de símbolos escritos foram encontrados em placas de argila em várias
partes do Médio Oriente e sudeste da Europa cerca de 3500 a.C. Ao longo dos rios tigre e Eufrades foram
encontrados numerosos registos dos Sumérios (em escrita cuneiforme).
É difícil estabelecer a diferença entre sistemas primitivos de escrita (representação da linguagem oral) e
expressão artística – sistematicidade?
Arbitrariedade do signo linguístico

Sistemas não fonológicos → sistemas em que os símbolos representam o significado


˃ Pictográficos: grafemas = imagens de entidades reais
˃ Ideográficos: grafemas = imagens equivalentes a conceitos, com significado mais abstrato ou
convencionado (ideogramas)
˃ Logográficos: grafemas = palavras (logogramas)
Sistemas fonológicos: sistemas em que os símbolos representam a forma (fonética).
. Silábicos
. Alfabéticos
Grafema = sílaba (CV) (silabários)
Escrita cuneiforme: pictogramas + grafemas silábicos e/ou alfabéticos
Escrita Hiroglífica egípcia: Ideogramas + fonogramas (consoantes) + determinativos (não fonémicos) =
símbolos semânticos que determinam/especificam os significados
o A grafia não é totalmente fonética, é também
etimológica:
. uma letra/grafema representa mais que um som
. um som é representado por mais de uma
letra/grafema
o Foi necessário criar um alfabeto que represente inequivocamente os sons da fala

Alfabeto fonético
Surge da necessidade de referenciar e representar os sons da fala de modo inequívoco:
˃ Um símbolo para um som (relação de um para um ou biunívoca)
˃ O mesmo símbolo para o mesmo som em todas as línguas
A IPA (International Phonetic Alphabet) sofreu revisões decorrentes de:
. Evolução do conhecimento da teoria fonética
. Aumento do conhecimento das línguas naturais
O IPA tem as seguintes características:
o Alfabeto
o Sistematicidade

ORIGEM DOS SÍMBOLOS DO IPA – ALFABETO ROMANO E


GERGO
˃ Símbolos para as consoantes regra geral idêntico às representações das ortografias românicas e
germânicas: [p], [b], [t], [d], [s], [z], [m], [n]
˃ Símbolos para as vogais, regra geral idênticos às representações da ortografia românica: [a], [i], [u]
˃ Modificações de letras gregas e latinas
˃ Modificações de símbolos de pontuação latinos
˃ Símbolos adaptados da escrita icnográfica da língua dos bosquímanos ou hotentotes (África do sul)
˃ Símbolos especiais para discurso com patologia

SAMPA
O SAMPA (Speech Assessment Methods Phonetic Alphabet):
o Alfabeto fonético utilizável por todas as língua informáticas
o Versão portuguesa (1993)
o Equivalente ao IPA

Transcrição fonética
Nenhuma transcrição fonética é suficientemente fina ou objetiva para construir uma completa
correspondência entre o que o ouvinte transcreve a partir da perceção mental do que ouve, e as variações do
som que podem ser captadas experimentalmente.
Uma transcrição fonética pressupõe sempre interpretação; o ouvinte/transcritor “distorce” o sinal acústico no
sentido de experiências anteriores ou expectativas de como foi ou deve ser produzido o som.
Fatores que influenciam a transcrição:
˃ Idade de quem fala
˃ Qualidade vocal
˃ Inteligibilidade
˃ Posição do som na palavra
Ainda que possa haver dificuldades na transcrição fonética, ela deve ser usada como ferramenta da prática
clínica e o rigor e fiabilidade fonética devem ser competências a desenvolver por um terapeuta da fala
Qualquer transcrição fonética deve servir o propósito para a qual é realizada – ou seja, descrever a produção
de fala com alterações (para definição de diagnóstico e terapêutica ou monitorização da intervenção em
contexto clínico).
A transcrição fonética usa o IPA como norma de transcrição internacional.
Tipos de transcrição fonética habitualmente considerados, relativos
ao grau de detalhe na transcrição:
o Transcrição larga: com menos informação relativamente à representação e diferenciação dos
segmentos da língua transcrita (menos símbolos diferentes)
o Transcrição estreita: com mais informação relativamente à representação e diferenciação dos
segmentos da língua transcrita (mais símbolos diferentes)
Essencial – consistência e coerência na transcrição!

Transcrição impressionística: não sistemática ou pouco sistemática (trabalho de campo, situação clínica de recolha de
dados em tempo real sem análise retrospetiva)

Transcrição sistemática: consistente e coerente, assente numa interpretação estabilizada dos dados da
língua, que não pretende (nem pode) representar a enorme variedade fonética presente nos usos linguísticos
particulares (dicionários, gramáticas e estudos descritivos, situação clínica de transcrição de dados da fala co recurso a registo sonoro)
A transcrição sistemática é de 4 tipos:
˃ Transcrição fonémica (~transcrição larga): representa aspetos mais fonológicos não dependentes
de contexto (uso de símbolos nucleares do APA para os fonemas, sem diacríticos)
˃ Transcrição alofónica (~transcrição estreita): representa aspetos da fonéticas sistemática da língua
que são previsíveis (logo, redundantes) em função do contexto fonotático, silábico ou prosódico
(processos fonológicos da oralidade, uso de diacríticos)
˃ Transcrição simples: limita o recurso a elementos extra (diacríticos e representações alofónicas)
(uso dos símbolos nucleares do IPA para os fonemas, sem diacríticos)
˃ Transcrição comparativa: representa alternâncias de qualidade dos segmentos que podem ou não
ser sistemáticas (processos fonológicos da oralidade; uso de diacríticos)

A transcrição é:
˃ Tanto mais larga quanto mais fonémica ou simples forem as convenções adotadas
˃ Tanto mais estreita quanto mais alofónicas ou comparativas forem as convenções adotadas
o As transcrições do português europeu são em geral largas, tendencialmente fonémicas, com
algumas soluções alofónicas (processos fonológicos), e tendencialmente simples, com
algumas soluções comparativas
o No contexto clínico, pode (e deve) ser diferente
Algumas soluções para o PE…
Variantes contextuais:
Variantes dialetais:

Transcrição fonética de discurso com alterações


A transcrição fonética em contexto clínico é mais informativa se for uma transcrição estreita
comparativa. Esta requer o conhecimento e uso de:
o Símbolos do IPA da língua-alvo (português europeu) IPA FULL
o Símbolos e diacríticos adicionais para representar sons “aberrantes” ExtIPA SYMBOLS FOR
DISORDERD SPEECH
Os símbolos e diacríticos adicionais para representar sons com alterações (disordered speech) foram
propostos em 1990; existe uma versão de 2008 e outra de 2015 (a mais recente, aprovada em 2016)
o O extIPA chart inclui diferentes secções:
˃ Consoantes: articulação de fricativas com escape central ou lateral, articulações nasais
˃ Diacríticos: articulações atípicas e típicas não existentes no IPA
˃ Fala encadeada: pausa(s), ritmo e volume
˃ Vozeamento: padrões de vozeamento e Desvozeamento
˃ Outros

Fonética articulatória
Produção de fala – sons pulmónicos
A produção de fala faz-se por uma corrente de ar controlada ascendentes a partir dos pulmões (corrente de ar
egressiva). Este ar sobe pela traqueia e é expulso pela boca e/ou nariz. É no percurso da corrente de ar da
laringe aos lábios e/ou às narinas que se dá a modulação dos sons da fala.
Mas cf. Consoantes não pulmónicas (cliques, implosivas vozeadas e ejectivas)

Aparelho fonador – 3 sistemas


Outros mecanismos de passagem de ar
EJETIVAS → corrente de ar egressiva glotálica; a glote está fechada e o ar que é comprimido e
eventualmente empurrado está entre a glote fechada e a cavidade oral
IMPLOSIVAS → corrente de ar ingressiva glotálica; a glote é movida para baixo para aumentar a cavidade
da faringe e produzir sucção (ejetivas reversas)
CLIQUES → corrente de ar ingressiva velar; duas obstruções no trato vocal: uma anterior e outra no velo
Todos os sons do IPA são ejetivos, implosivos e cliques.

Laringe
As cartilagens da laringe (cricóides e tiróide) formam um tubo pelo qual o ar passa. Dentro dessas mesmas
cartilagens estão duas pregas vocais (ou cordas vocais), que estão fixas adjacentes uma à outra na frente mas
juntas na parte de trás às cartilagens aritnóideias.
O espaço que se encontra entre as pregas vocais é a glote.
RESPIRAÇÃO VS FONAÇÃO
SUSSURRO

Vozeamento
O vozeamento é quando as pregas vocais estão juntas e o ar sob pressão vindo dos pulmões é empurrado
para elas, há vibração, que produz o que chamamos voz. Há rápida vibração das pregas vocais quando
produzimos um [i], por exemplo, ou [v] ou [m] ou [z], que são sons vozeados.
A variação de tom de uma vogal, quando cantada, é dada pela variação da velocidade de vibração das pregas
vocais. Os sons não vozeados com [f] e [s], não possuem nenhuma vibração das pregas vocais.
Como podemos observar a vibração das pregas vocais?
- Sentindo a vibração com a ponta dos dedos na laringe (exterior do pescoço)
- Laringoscopia, endoscopia da laringe usando um fibroscópio
- Laringógrafo (com eléctrodos posicionados no pescoço)
- Estroboscópio (luz para desacelerar ou congelar a aparência do movimento – 2 a 3 vibrações por 1/24 de segundo)
Todas as vogais são vozeadas, no entanto existem algumas consoantes que são vozeadas e outras não
vozeadas (algumas consoantes no PE diferem somente no vozeamento).
Algumas língua não fazem diferença sistemática entre consoantes vozeadas e não vozeadas, sendo o
vozeamento sensível ao contexto (proximidade de um som vozeado – vogal). Algumas crianças aplicam
vozeamento sensível ao contexto no processo de aquisição.

Vibração das pregas vocais


CICLO DE VIBRAÇÃO:
1. As pregas vocais estão juntas parando a passagem do ar
2. O ar empurra entre as pregas vocais e força-as a afastarem-se no centro
3. Uma quantidade de ar passa mas começa a ser parada quando as pregas vocais voltam à posição
fechada
4. Com a abertura menor, a corrente de ar rápida na passagem estrei é sugada, o que ajuda ao
fechamento mais rápido e efetivo
5. Com as pregas fechadas novamente, recomeça o ciclo de vibração
Trato vocal
No trato vocal (cavidade oral e nasal) que se faz a modulação do ar que vem dos pulmões (vozeado ou não)
e que particularizam os sons da fala.
A articulação refere-se ao estreitamento ou constrição do trato vocal durante a produção de um som da fala.

Vogais Consoantes
˃ Sem obstrução significativa no trato vocal ˃ Com obstrução significativa no trato vocal
˃ Sons abertos ˃ Sons constritivos
˃ A linha central sagital do trato vocal ˃ A constrição ocorre ao longo da linha
permanece aberta central sagital do trato vocal
˃ Vozeadas (com viração das cordas vocais) ˃ Vozeadas e não vozeadas (com ou sem
˃ Mais intensas acusticamente vibração das cordas vocais)
˃ Mais sonoras (=mais audíveis) ˃ Menos intensas acusticamente
˃ Menos sonoras (=menos audíveis)
Funcionam como núcleo de sílaba
Não funcionam tipicamente como núcleo de sílaba

Classificação articulatória
˃ Vozeamento
˃ Modo de articulação
˃ Ponto de articulação
Como observamos a articulação?
• Palatografia (palatogramas)
- Palatografia estática: substância colorida na língua ou palato mostra pontos de contacto dos articuladores
- Eletropalatografia: pseudo-palato em silicone, com elétrodos que captam os pontos de contacto dos articuladores
• Cine-radiografia (Rx em movimento)
• Ressonância magnética
Classificação articulatória
- Abertura da cavidade oral ou posição da língua relativamente ao palato
- Avanço/recuo da língua
- Arredondamento dos lábios
- Nasalidade

Fonética e fonologia
O que estuda a fonética?
A fonética estuda as propriedades (físicas) dos sons da fala (perceção e produção). Esta ainda estuda as
relações que se estabelecem entre as propriedades físicas dos sons da fala e outros módulos da Gramática
(sobretudo da fonologia).
A Fonética estuda também a performance da fala humana, ou seja, o plano concreto/físico/tangível/motor da
fala humana. Esta identifica, descreve e classifica os sons articulados da fala humana, sendo a sua unidade
mínima o fone [fɔnɨ].

Sons da fala Sons da língua


Sons caracterizados por traços Sons distintivos

[fones] [fonemas]

[ˈdosɨ] [ˈdoʂɨ] /dose/


(alofones)
[ˈdozɨ] [ˈdoʐɨ] /doze/
(alofones)
Fonética Fonologia
o Ciência dos sons da fala o Ciência dos sons da língua
o Concreta o Imaterial, especulativa
o Analisa a natureza dos sons o Analisa a função distintiva dos sons
o Estudo dos fones e as suas múltiplas o Estudo dos fonemas (por comutação)
realizações o Estudo do significado/ante
o Estudo físi(ológi)co dos sons o Prática teórica
o Prática experimental o Invariabilidade – nº finito de fonemas
o Variabilidade – nº infinito de fones
FONOLOGIA – HIERARQUIZAÇÃO DAS UNIDADES
FONOLÓGICAS

FONOLOGIA SEGMENTAL – comutação em pares mínimos


Como se inventaram os fonemas de uma língua?

1. Parte-se de uma palavra


2. Substitui-se um dos sons que a constitui
3. Se emergir um novo significado linguístico, então o som substituído é um fonema
Esta operação é testada com pares mínimos: palavras que só diferem num som/segmento; têm portanto igual
estrutura silábica e acentuação.
A fonologia segmental consiste num par de palavra de uma mesma língua, com uma cadeia sonora que
difere apenas num dos sons que as constituem. Os critérios para esta oposição são:
- O referido som ocupa exatamente a mesma posição nas duas palavras
- O referido som difere apenas numa propriedade → /p/ e /b/
Assim os traços que caracterizam os fonemas constituem elementos diferenciais mínimos.
Como se descobrem os fonemas e (alo)fones?
Distribuição contrastiva → fonemas
Distribuição complementar (variantes combinatórias) → [l] e [ɫ]
Variação livre (dialetos, socioletos e idioletos) → [v] e [β]
Arquifonemas → /s/ em coda (plurais)

FONOLOGIA SUPRASEGMENTAL – sílaba


A sílaba é o constituinte fonológico maior do que o segmento (apesar de poder ser constituída por um
segmento). É um constituinte para o qual não há evidência fonética, apenas fonológica. Os falantes intuem
sílabas: [tlfɔnɨ] = /te.le.fo.ne/; há alguns jogos ou lapsi linguae que servem de evidência adicional. A sílaba
tem uma íntima relação com o ritmo da fala.
A sílaba apresenta um estrutura interna, cujos sub-constituintes estabelecem um estrutura hierárquica entre si
e com os segmentos que os constituem. Estes sub-constituintes são domínio de aplicação de processos
fonológicos.

O modelo Ataque-Rima

O ataque pode ter número indeterminado de segmentos, a rima não. Os elementos do ataque, por um lado,
e da rima, por outro, mantêm coesão entre si.

A rima, por sua vez, pode, ainda, ramificar em núcleo e coda. O núcleo aloja as vogais (e ditongos) da
rima; a coda aloja as consoantes da rima.

A sílaba no PE
Ataque → Não ramificado – C
Ramificado – CC
Vazio
Rima → Não Ramificada – núcleo
Ramificada – Núcleo + Coda
Núcleo → Não Ramificado – V
Ramificado – VG
Coda → Vazia
Não ramificado - [ɫ ɾ ʒ ∫]

Princípios de organização silábica


˃ Princípio do ataque máximo
˃ Princípio da Binaridade máxima de constituintes
˃ Princípio de sonoridade
˃ Princípio de dissimilaridade

FONOLOGIA SUPRASEGMENTAL – acento


Sílaba acentuada → acento de palavra
A sílaba acentuada é a sílaba mais proeminente cuja vogal é núcleo porque recebe, normalmente, as
propriedades de intensidade, duração e altura em grau superior ao das outras vogais da palavra.
• Intensidade → amplitude do som
• Duração → tempo (medida – “quantidade”)
• Altura → frequência fundamental
Os contrastes provados pelas propriedades do som – acento, tom, duração – denominam-se traços prosódicos ou suprassegmentais
porque marcam a sílaba na sua globalidade.

No interior de uma mesma palavra existem:


o Acento principal: acento incidente na sílaba mais proeminente (vogal acentuada)
o Acento secundário: acento incidente numa sílaba com proeminência intermédia
o Ausência de acento: sílabas inacentuadas
REGRA GERAL - as sílabas acentuadas na maioria das palavras do português são:
a) A última vogal do radical, nos nomes e adjetivos:
mes+a amor+Ø
leit+e rapaz+Ø
vist+a mesinh+a
animal+ Ø leitari+a
b) A vogal temática nos verbos (que se segue ao radical e com ele forma o tema):
fala+r
fala+va
falá+va+mos
FONOLOGIA SUPRASEGMENTAL – acento de palavra
Existem algumas restrições à aplicação da regra geral:
1. Formas verbais com acento na vogal do radical (penúltima do tema) quando a vogal temática se
encontra na forma subjacente em posição final, seguida de uma só consoante, seguida de uma só
vogal ou seguida de uma vogal e uma consoante.
fala fal(a)+e
fala+m fal(a)+e+m
2. Nomes e adjetivos com acento na penúltima vogal do radical (historicamente motivado)
nível dúvida
lápis ópera
órfão democrático
amável
3. As formas verbais do futuro do indicativo e do condicional com acento na primeira vogal do
morfema verbal de tempo, qualquer que seja a sua posição na palavra.
fala+r+ei
fala+r+ás
fala+r+íamos

FONOLOGIA SUPRASEGMENTAL – prosódia


O constituinte prosódico acima da sílaba é a palavra prosódica. A palavra prosódica tem um único acento
principal; a palavra morfológica pode ter dois.
A palavra prosódica pode ser constituída por mais uma palavra morfológica → “di-me e chamei-te”; “um
homem e a mesa”

Variação fonética no espaço português – dialetos e variedades


CINTRA (1971)
• Dialetos galegos
• Dialetos portugueses setentrionais
- Dialetos transmontanos e minhotos
- Dialetos baixo-minhotos-durienses-beirões
• Dialetos portugueses centro-meridionais
- Dialetos do centro litoral
- Dialetos do centro interior e sul
Mais duas regiões sub-dialetais

Variação fonética no mundo


Esta variação diz repetido às variações do português europeu e do português brasileiro. Também existe
variações fonéticas no que diz respeito às variações africanas.

Inventário fonético-fonológico do português – traços distintivos


As propriedades que classificam os fonemas fazem parte de um conjunto universal de propriedades dos sons
– os traços distintivos. Os traços usados para a classificação das consonantes, vogais e glides do português
europeu são baseados nos traços definidos por Chomsky e Halle (1968), de base fundamentalmente
articulatória.
MODO DE ARTICULAÇÃO – passagem de ar no trato vocal
[silábico]; [sil] → sons que podem (só eles) ocupar o núcleo de silaba (vogais)
[soante]; [soan] → sons produzidos com vibração espontânea das pregas vocais (vogais, glides, consoantes
líquidas e nasais)
[consonântico]; [cons] → sons produzidos com qualquer tipo de obstrução do ar (consoantes)

MODO DE ARTICULAÇÃO – fonte sonora


[vozeado]; [voz] → sons produzidos com vibração das cordas vocais (vogais, glides, consoantes líquidas e
nasais; algumas consoantes oclusivas orais e fricativas)

MODO DE ARTICULAÇÃO – específicos do modo de articulação


[contínuo]; [cont] → sons produzidos (com ou) sem oclusão na cavidade bucal (vogais e glides, consoantes
fricativas e líquidas)
[estridente]; [estr] → sons marcados acusticamente por uma maior turbulência (consoantes fricativas e
africadas (dialetais))
[lateral]; [lat] → sons com passagem do ar lateralmente (consoantes laterais)
[nasal]; [nas] → sons com passagem do ar pela cavidade nasal (vogais e glides nasais, consoantes oclusivas
nasais)

PONTO DE ARTICULAÇÃO – papel da língua e zona da cavidade oral onde ocorre a


constrição
[coronal]; [cor] → sons produzidos com a coroa da lingua (lâmina e dorso) (consoantes dentais, alveolares,
pré-palatais)
[anterior]; [ant] → sons produzidos à frente da região alveo-palatal (consoantes labiais, dentais e
alveolares)

PONTO DE ARTICULAÇÃO – posição do corpo da língua relativamente à posição neutra


[alto]; [alt] → sons em que a lingua se eleva em direção ao palato (vogais e glides altas e consonates pré-
palatais, palatais e velares)
[baixo]; [bx] → sons em que a lingua baixa (vogais baixas)
[recuado]; [rec] → sons com retração do corpo da lingua (vogais e glides recuadas e centrais e consoantes
velares

PONTO DE ARTICULAÇÃO – configuração dos lábios


[arredondado]; [arr] → sons produzidos com estreitamento da passagem do ar provocado pelo
arredondamento dos lábios (vogais e glides arredondadas)

A teoria dos traços distintivos veio alterar o conceito de fonema como unidade mínima da fonologia.
• Fonema: segmento sonoro que constitui uma unidade mínima
• Traços distintivos: propriedades que identificam e distinguem os fonemas
Os fonemas são conjuntos de traços distintivos denominados segmentos (fonológicos).
Certos fonemas diferem entre si apenas num traço, outros diferem em vários. Em sala e saca os fonemas /l/
e /k/, elementos que distinguem o par, diferem entre si porque o /l/ é uma consoante [lateral9 e o /k/ não o é;
além disso, o /l/ é [anterior] e [coronal] e o /k/ não é [anterior] nem [coronal].
Nos quadros dos traços distintivos das consoantes, das vogais e das semivogais do PE, não figuram certos
traços por não serem pertinentes para a respetiva classificação. Só então indicados os traços cujo valor é
distintivo.
Ao identificar um fonema, o ouvinte não recorre a todos os traços distintivos da classe universal, visto que
alguns deles são redundantes em relação a outros. Do mesmo modo, ao classificar as vogais ou as
consoantes de um determinado sistema fonológico, não ´necessário indicar o valor de todos os traços porque
alguns desses valores são redundantes enquanto que outros são distintivos e, como tal, constituem traços
pertinentes do fonema.
Assim temos, uma matriz para as consoantes do PE e outra para as vogais e semivogais do PE – v.
classificação em traços distintivos em Mateus e alii (2005)

Processos fonológicos
o Processo do vocalismo átono
o Processo de nasalização
o Processos pós-lexicais

Geometria de traços e fonologia autossegmental – qual a ligação?


A fonologia autossegmental serve-se do modelo de organização da geometria de traços. No entanto existem
dois modelos:
- Geometria de traços: modelo que pretende simular a organização das representações
sonoras/fonémicas da lingua (C e V)
- Representação autossegmental: modelo que pretende representar os processos fonológicos que
ocorrem numa dada lingua (nasalização, assimilação, etc.)
A geometria de traços supões que os traços distintivos estão organizados numa hierarquia (‘árvore’), como
também que essa hierarquia obedeça a critérios específicos (nível de constrição). Os traços estão
organizados em camadas e estão agrupados em nós classe (no final de 1 nó classe está um traço terminal).
Estes nós dependem diretamente da raiz (o lugar que os traços mais importantes ocuparão, no topo). A raiz
está ligada a uma posição de esqueleto, que corresponde a uma unidade abstrata de tempo.
REPRESENTAÇÃO DAS VOGAIS

REPRESENTAÇÃO DAS CONSOANTES

1. Há uma relação direta entre a raiz e os traços de modo de articulação que constituem as duas grades
classes de sons ([cons] e [soan]); é na raiz que deve estar especificada esta informação
2. Da raiz dependem imediatamente dois traços de modo de articulação ([lateral] e [nasal])
3. Da raiz dependem ainda dois traços nós calsse ligados ao vozeamento e ao ponto de articulação
(laríngeo e cavidade oral)
4. Os nós classe são escritos maiúsculas e os traços entre parênteses retos.
5. Do nó laríngeo depende os traços [vozeado]
6. Do nó cavidade oral depende os traços [contínuo] e os 3 nós classe do ponto de articulação: o labial
(c/ ou s/ [arredondado], dependendo se se trata de V ou C), o coronal (de que depende o traço
[anterior]) e o dorsal (de que depende o traço [recuado]).
7. Deve especificar-se ainda, entre o nó cavidade ora e os 3 traços de ponto de articulação se se trata de
uma V ou C (PAC ou PAV – ponto de articulação de V/C – nas vogais, existe, por cima do PAV um
nó Vocálico)
Esta configuração reflete a estrutura interna de um segmento e tem uma base fonética (articulatória). Os
traços redundantes não devem estar presentes na representação de um segmento.
Se apresentado em matriz, os nós classes presentes num segmento devem conter um ponto ( ) e os traços os
valores binários habituais (-/+).

A fonologia autossegmental vai servir-se desta representação/organização para explicitar e descrever os


processos que podem ocorrer numa dada lingua ou num dado enunciado de fala.

Princípios na constituição dos sistemas fonológicos


• Limitação de traços
• Economia de traços
• Evitação de traços marcados
• Robustez → postula a existência de uma hierarquia universal de traços e contrastes estabelecidos
entre traços
• Reforço fonológico
O princípio da robustez pressupõe a implicação de traços!

Modelo Padrão de aquisição de Contrastes (PAC)


A escala de robustez proposta por Clements em 2009, que está na base do modelo padrão de contrastes
(PAC), proposto por Lazzarotto-Volcão (2009), pressupõe a existência de uma hierarquia de traços que
reflete as preferências das línguas na construção dos seus sistemas fonológicos. Os traços mais robustos
encontram-se no topo da hierarquia, sendo os traços consonânticos mais comuns nas línguas, encontrando-se
presentes na maior parte das línguas e sendo dominados em primeiro lugar pela crianças durante o processo
da aquisição do sistema linguístico. Os traços menos robustos, que poderão não ocorrer em tantas línguas e
que emergem mais tardiamente no processo de aquisição fonológica das crianças, encontra-se na base da
escala, sendo a mesma organizada de forma hierárquica.

ESCALA DE ROBUSTEZ
O modelo de geometria de traços suporta diversos modelos explicativos da aquisição dos sistemas
fonológicos em crianças com desenvolvimento típico e atípico com aplicabilidade na terapia fonológica,
como MICT ou o PAC.

Modelo Padrão de aquisição de Contrastes (PAC) aplicado ao PE

Fonética percetiva
Cadeia da fala
Aparelho auditivo

As ondas sonoras são captadas pelo pavilhão auditivo:


- Repercussão sobre o tímpano
- Movimentação dos ossículos
- Estímulo dos nervos sensoriais
- Transformação m impulsos nervosos
- Transformação em informação linguística no cérebro

Audição
As frequências captadas pelo ouvido humano são dos 30 – 20 00 Hz (abaixo infrassons; acima ultrassons).
Temos dois tipos de audição subjetiva:
o TOM (pitch) – frequência fundamental ouvida (tons mais graves; tons mais agudos)
o Intensidade

Perceção de fala
A identificação dos sons da fala, sílabas e palavras ocorre no córtex cerebral do ouvinte.
Que informação é relevante para ouvirmos e percebermos os enunciados de fala?
Para isso necessitamos:
• Pistas acústicas
• Pistas visuais
• Pistas linguísticas
• Pistas para-linguísticas (conhecimento e expectativas do ouvinte)

➔ Interação entre informação recebida e informação armazenada


Pistas visuais
O som não é o único input no processo de perceção da fala. A informação visual pode também influenciar a
perceção.
- Ambiente ruidoso
- Ambiente silencioso (“ler nos lábios”)
Mas a informação visual é limitada – os articuladores não estão todos visíveis. “Ler nos lábios” somente não
é suficiente. Então temos o Mcgurk Effect, este segue o seguinte: pistas acústicas + pistas visuais
conflituosas → perceção diferenciada.
Perceção categorial → o contínuo da fala não é percebido como contínuo; os sons da fala são
automaticamente categorizados. A categorização não é universal; é dependente das propriedades da lingua
que se analisa.
Integração intermodal → as pistas acústicas e visuais (e outras) concorrem para a perceção da fala. Mas há
redundância de pistas acústicas, mais a informação que é estritamente necessária para distinguir eventos
fonéticos.

Perceção da fala - aquisição


Perceção categorial → recém-nascidos com algumas horas demonstram já a capacidade de perceção
categorial
Discriminação dos sons da fala → os recém-nascidos mostram uma grande sensibilidade ás distinções que
caracterizam os sons da lingua do mundo até aos 6 meses; a partir daí e até aos 12 meses, começam a ser
sensíveis à fonologia da sua lingua
Estruturas suprassegmentais → a sensibilidade a unidades suprassegmentais (prosódicas) desenvolve-se
até aos 12 meses
Integração intermodal → os recém-nascidos revelam capacidades de ligação intermodal entre informação
acústica e articulatória (estímulo áudio e visual)

Modelos de perceção de fala


Bases acústicas da produção da fala
Voz, fala e teoria acústica
Os sons da fala são o resultado da criação de fontes acústicas e da filtragem dessas fontes pelo trato vocal –
teoria da fonte-filtro da produção da fala (Fant, 1960).
A relação entre as propriedades físicas das ondas sonoras e os mecanismos articulatórios que as produzem.
O sistema fonador é igual ao sistema de filtros que modulam uma ou mais fontes sonoras.

Fala e fontes sonoras


Existem dois tipos de fontes sonoras na fala:
• Fonte global → sons periódicos, consoantes soantes, todos os sons vozeados
• Fonte de ruído → associadas a uma turbulência na passagem de ar através das constrições;
obstruentes
Existem sons que são produzidos com as duas fontes e outros que são produzidos apenas com uma delas.

Fontes de sons periódicos – fonte glotal


A fonte glotal é a vibração a partir das pregas vocais – glote. Esta ainda é uma fonte periódica cujo F0 é
igual à frequência a que os impulsos das cordas vocais se repetem.
Quando não há constrição ao nível da cavidade oral, a passagem de ar é totalmente livre, ocorrendo
vozeamento espontâneo (vogais e consoantes soantes) – estes sons são produzidos apenas com fonte glotal.

Fontes de sons aperiódicos – fonte de ruído


Fontes de ruído: resultado de uma combinação a qualquer nível do trato vocal (apenas obstruentes surdas –
ex: oclusivas e fricativas).
O ruído pode ser momentâneo (fricativas), ou brusco (oclusivas). A quantidade de ruído está mais
relacionada com a configuração da cavidade oral do que com o seu tamanho. Aspetos como a intensidade
(estridência) do nível do ruído, podem ser distintivos em algumas línguas: as fricativas são estridentes e as
oclusivas são não estridentes; as oclusivas fricatizadas são estridentes mas não contínuas.

APERIODICIDADE, RUÍDO E ESTRIDÊNCIA


Fonte glotal e fonte de ruído
A fonte glotal pode estar associada a uma fonte de ruído (caso das obstruentes vozeadas). No caso em que há
uma grande constrição no trato vocal, a pressão na boca aumenta e não há energia suficiente para que as
cordas vocais possam vibrar (as cordas não vibram espontaneamente, mas por esforço) – é necessário ajustar
a laringe para que o vozeamento aconteça.

FONTES E SONS

Traços distintivos
Existem dois tipos de traços distintivos:
• Traços acústicos de classificação dos sons da fala
• Traços distintivos acústicos (Inglês)

TRAÇOS DISTINTIVOS ACÚSTICOS (INGLÊS)

PORTUGUÊS:
Traços de sonoridade
o Vocálico/não vocálico
o Consonântico/não consonântico
o Compacto/difuso
o Vozeado/não vozeado
o Nasal/oral
o Contínuo/não contínuo
o Estridente/não estridente
Traços de tonalidade
˃ Grave/agudo

Acústica e articulação
Há uma relação entre a classificação acústica e a classificação articulatória, na medida em que a segunda
condiciona a primeira. A posição dos articuladores determina a configuração do trato vocal como tubo
acústico de ressonância.

Vocálico/Não vocálico
Acusticamente: presença/ausência de uma estrutura formântica
Articulatoriamente: vibração/não vibração das cordas vocais, associada á livre passagem do ar pela
cavidade oral

Consonântico/Não consonântico
Acusticamente: energia global alta/baixa
Articulatoriamente: presença/ausência de obstrução ao nível da cavidade oral

Compacto/Difuso
Acusticamente: concentração de altas energias/baixas energias numa zona estreita e central/larga e
periférica do espetro
Articulatoriamente: posição da lingua adiantada/recuada, o que determina o volume da cavidade de
ressonância atrás e à frente da constrição

Vozeado/Não vozeado
Acusticamente: excitação/não excitação periódica de baixa frequência
Articulatoriamente: vibração/não vibração periódica das cordas vocais

VOZEAMENTO
Contínuo/Não contínuo
Acusticamente: silencio seguido de energia numa larga região de frequências; transição brusca entre som e
silêncio
Articulatoriamente: surgimento7desaparecimento da fonte (com oclusão/abertura do trato vocal)

OCLUSIVAS

Obstruintes – ausência de estrutura formântica


Fricativas → fricção, “chuva”
Oclusivas → explosão, ausência de representação no espectrograma

Estridente/Não estridente
Acusticamente: presença/ausência da maior intensidade de ruído
Articulatoriamente: constrição em superfície irregular/regular

FRICATIVAS
Grave/Agudo
Acusticamente: concentração de energia numa zona muita baixa/alta de frequências do espectro
Articulatoriamente: cavidade de ressonância mais ampla/fechada; (traço grave – periferia do espectro;
agudo – zonas centrais do espectro)

Soantes
Estrutura formântica mais marcada (sobretudo nas vogais)

Nasal/Oral
Acusticamente: dispersão da energia por uma região de frequência mais larga (nasal)/estreita (oral),
redução da intensidade de certos formantes, introdução de formantes adicionais
Articulatoriamente: ressonância da cavidade nasal e/ou oral

NASAIS

– zonas de ressonância no trato vocal


F0 → sempre o mesmo (aproximadamente; varia com a entoação)
F1 :
- Reflete a elevação da lingua (espaço que vai desde a glote até à altura máxima da lingua); se a lingua
está levantada esse ressonador aumenta, baixando o valor de F1
- Se a lingua está mais baixa (nas vogais baixas), as frequências são maiores
- A altura de F1 é inversamente proporcional à elevação da lingua
F2 :
- Reflete o recuo da lingua (relacionado com o ‘ressonador anterior’)
- Lingua mais recuada cria um ressonador anterior maior, e menores frequências (cavidade oral mais
ampla)
- F2 permite distinguir agudas e graves; corresponde à frequência de uma sub-cavidade situada entre o
ponto de elevação máxima da lingua e o exterior
- Se a cavidade for maior, as frequências são mais baixas; se for menor, as frequências são mais altas;
nas vogais anteriores, tende a haver um ressonador mais pequeno, logo, mais altas são as frequências
(agudas)
VOGAIS

TRIÂNGULO DAS VOGAIS

Coarticulação
A fala não é uma sequência de sons bem definidos e isolados, com uma mudança brusca entre eles. É um
processo dinâmico: faz-se de um contínuo sonoro e de um contínuo articulatório
Existem então:
o Configurações-alvo (articulação)
o Valores-alvo (acústica)
A transição entre um par de segmentos fonéticos produz-se de forma gradual. O sinal sonoro exibe pequenas
variações das características de um som para as do som seguinte – efeito denominado COARTICULAÇÃO,
que pode ser:
o Coarticulação progressiva
o Coarticulação regressiva
Processos fonéticos
˃ Velarização de /l/ em coda
˃ Fricatização de oclusivas vozeadas intervocálicas
˃ Assimilação de <-s> em coda
˃ Redução vocálica
˃ Labialização de consoantes (seguidas de vogal arredondada)
˃ Arredondamento de vogais (antecedidas de consoante bilabial)
˃ Semivocalização de consoantes laterais
˃ Nasalização de vogais precedidas e/ou seguidas de consoante nasal
˃ Vozeamento de consoantes não vozeadas intervocálicas

Fonética Acústica
A fonética acústica é um ramo da linguística/física que se ocupa da geração, transmissão e receção de sinais
sonoros, de que a fala é um caso particular. A fonética acústica estuda:
o A natureza do som
o A sua forma de propagação
o Os fenómenos que o produzem

A produção de som
Potencial fonte vibratória e sonora

Movimento vibratório da fonte sonora

A onda sonora propaga-se num meio elástico (o ar)


A onda sonora
A onda sonora desloca-se no tempo e no espaço. É a partir desta deslocação que podemos ‘medir’ o som.

MOVIMENTO HARMÓNICO SIMPLES

O tom puro é algo muito raro

COMPRESSÃO E RAREFAÇÃO DAS PARTÍCULAS DE AR


FORMA DAS ONDAS

Ciclo → movimento da onda sinusoidal que parte da posição de repouso de um corpo em vibração, atinge
um ponto de compressão, volta a passar pela posição de repouso, atinge um ponto de rarefação e volta à
posição de repouso. Repete-se no tempo
Período → duração de tempo que decorre entre 2 pontos máximos de pressão da onda sinusoidal (B – B’).
Intervalo de tempo (segundo, centésimo de segundo, milésimo de segundo, etc) gasto na realização de um
ciclo (representa-se por T).
Frequência → número de oscilações da onda sonora (ciclos) por unidade de tempo; responsável pelo
carácter mais agudo e mais grave do som (dependendo se a onda vibra mais depressa ou mais devagar; a
velocidade depende das propriedades físicas do corpo). A unidade de medida é o Hertz. Cada corpo tem uma
frequência natural de vibração. Esta trata-se de uma propriedade à sensação da altura (numa escala de
grave/agudo) de um som.
Frequência + altas → tons agudos
Frequências + baixas → tons graves

FREQUÊNCIA E PERÍODO
A frequência é recíproca do período e vice-versa.

Se a frequência for igual a 2200 c/s,


Amplitude → variação da energia básica (força) transmitida ao corpo; força aplicada ao corpo ara fazê-lo
vibrar; deslocação máxima relativamente à posição de repouso. Esta propriedade está associada á sensação
de volume (numa escala de fraco/forte) de um som

Intensidade → depende da quantidade de energia transmitida por unidade de tempo e por unidade de
superfície em relação com o quadrado do valor eficaz da pressão acústica. A unidade de medida é o Watt
por centímetro quadrado – W/cm2

Comprimento de onda
Comprimento de onda → periodicidade espacial que depende da distância entre dois pontos do espaço em
fase; espaço percorrido pela onda sonora durante um dado período (T). quanto maior for o período, maior
será o comprimento de onda
A frequência das ondas sonoras depende das características da fonte. O comprimento de onda depende
destas e das características do meio elástico (ar, água, etc).

Amortecimento → decréscimo da amplitude em função do tempo. A representação de uma onda em


decréscimo de amplitude designa-se sinusóide amortecida.

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