Você está na página 1de 4

NASCER E CRESCER

revista do hospital de crianças maria pia


ano 2008, vol XVII, n.º 4

Síndrome de Encefalopatia Posterior Reversível


(PRES)
Diana Gonzaga1, Tiago Correia1, Marta Rios1, Claúdia Pereira2, Paula Matos3,
Sónia Figueiroa4, Rui Almeida 4, Lúcia Gomes4, M. Guilhermina Reis4

RESUMO Palavras-chave: Síndrome de En- veis, quando corrigida atempadamente a


A Síndrome de Encefalopatia Pos- cefalopatia Posterior Reversível, Hiper- causa subjacente. Caso contrário, podem
terior Reversível (PRES) é uma entidade tensão arterial, RMN cerebral com restri- instalar-se danos irreversíveis, como ce-
rara descrita inicialmente em adultos e ção às moléculas de água, Traumatismo gueira cortical e morte(2,5).
cada vez mais diagnosticada em crian- craneo-encefálico.
ças. Clinicamente manifesta-se por cefa- CASO CLÍNICO
leias, alteração do estado de consciência Nascer e Crescer 2008; 17(4): 233-236 Os autores apresentam o caso clí-
e convulsões. Os achados típicos da res- nico de uma criança, do sexo masculino,
sonância magnética (RMN) contribuem raça caucasiana, com 8 anos e 9 meses
para o diagnóstico. A sintomatologia e INTRODUÇÃO de idade, com antecedentes pessoais
as alterações radiológicas são comple- A Encefalopatia posterior reversível e familiares irrelevantes, vítima de atro-
tamente reversíveis, quando corrigida (PRES) é uma síndrome clínico- radioló- pelamento por veículo de quatro rodas,
atempadamente a causa subjacente. gica, descrita pela primeira vez em 1996 que foi internada em Unidade de Cuida-
Os autores apresentam um caso clí- por Hinchey(1) inicialmente em adultos e dos Intensivos Pediátricos (UCIP), onde
nico de uma criança, sexo masculino, com observada cada vez mais na população permaneceu por um período de 25 dias.
8 anos e 9 meses de idade, transferida pediátrica(2). Caracteriza-se pelo início À admissão na UCIP apresentava-se in-
da Unidade de Cuidados Intensivos para agudo ou subagudo de cefaleias, alte- tubado e ventilado, com Score Glasgow
o Serviço de Pediatria com traumatismo rações do estado de consciência, altera- 5 (O1M2V2), com politraumatismo com
craneo-encefálico (TCE) grave. Durante ções visuais, convulsões e sinais neuro- feridas corto-contusas na região frontal
o internamento verificaram-se valores lógicos focais(3). esquerda e couro cabeludo à direita.
tensionais persistentemente superiores ao As causas mais frequentemente as- As TAC cervical, de tórax, abdomi-
P95 e ao 10º dia de internamento, na se- sociadas com a PRES são: hipertensão nopélvica e a radiografia do esqueleto
quência de uma TAC cerebral de contro- arterial, eclâmpsia, fármacos (Imunos- não revelaram quaisquer alterações.
le, observaram-se lesões de novo, hipo- supressores: Tacrolimus, Ciclosporina A Realizou TAC cerebral que evidenciava
densidades parieto-occipitais bilaterais, e agentes de quimioterapia: Ciplastina, múltiplas contusões hemorrágicas su-
sem restrição à difusão das moléculas Interferon α, Metotrexato), síndrome he- pratentoriais e discreto edema cerebral.
de água na RMN, sugestivas de edema molítico- urémico e púrpura trombocito- Por aparecimento subsequente de hiper-
vasogénico - PRES. Após controlo da hi- pénica trombótica(2). tensão intracraniana refractária (PIC>40;
pertensão arterial verificou-se regressão A tomografia axial computorizada PPC baixa) foi induzido coma barbitúrico
completa das lesões cerebrais. (TAC) e, sobretudo, a ressonância mag- com Tiopental que manteve durante 13
Os autores pretendem com este nética (RMN) contribuem para o diagnós- dias (padrão electroencefalográfico de
caso clínico alertar para esta entidade tico, evidenciando edema bilateral envol- “burst supression”). Manteve ventilação
clinico-radiológica reversível, salientando vendo a substância branca, atingindo os mecânica com parâmetros moderados
a necessidade de diagnóstico atempado territórios vasculares posteriores (lobos (FiO2 0,3) até 20º dia de internamento,
e tratamento precoce da causa subjacen- parietais e occipitais). Os achados ima- ficando posteriormente em ventilação
te para evitar danos neurológicos irrever- giológicos podem gerar dificuldades no espontânea. Evolução com instabilidade
síveis. diagnóstico, hoje superadas pela RMN hemodinâmica, necessidade de suporte
com a técnica de difusão das moléculas inotrópico com dopamina e noradrenali-
de água (DWI), que permite diferenciar o na até ao 19º dia, ficando posteriormente
__________
edema citotóxico (resultante de isquemia hemodinamicamente estável com valores
1
Interno Complementar de Pediatria e enfarte) de edema vasogénico sugesti- tensionais no P50-90.
2
Assistente Hospitalar de Neuroradiologia
3 vo de PRES(4). Foi transferido ao 25º dia para o Ser-
Assistente Hospitalar Graduada de Pediatria
4
Assistente Hospitalar de Pediatria O prognóstico é geralmente bom, viço de Pediatria do Hospital Geral de San-
Hospital Geral Santo António, EPE sendo as lesões completamente reversí- to António, apresentando-se à admissão

casos clínicos 233


NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4

hemodinamicamente estável [TA: 117/60 valores tensionais persistentemente aci-


mm Hg (TAS: P90/95; TAD: P50); FC 79 ma do P95.
bpm; SpO2 99% (ar ambiente)], Score Efectuou ao 10º dia de internamen-
Glasgow de 7 (O4M2V1), pupilas isocóri- to uma TAC cerebral de controle, que
cas lentamente reactivas, com reacção à revelou lesões de novo, hipodensidades
dor em extensão dos membros e tetrapa- cortico-subcorticais temporo- parieto-oc-
résia espástica (espasticidade grau 3 a 5 cipitais bilaterais (Figura 2). Colocou-se
na escala de Ashworth). Restante exame como hipótese tratarem-se de lesões de
objectivo sem alterações. A TAC cerebral enfarte agudo no território de ambas as
revelava hematoma subdural crónico fron- artérias cerebrais posteriores e/ou fron-
tal direito e múltiplas contusões hemorrá- teira e ramos perfurantes das artérias
gicas supratentoriais (Figura 1). cerebrais médias ou, dado que as lesões
No Serviço de Pediatria esteve cli- não respeitavam nenhum território vascu-
nicamente estável até ao 7º dia de in- lar bem definido, tratar-se de edema va-
ternamento altura em que se verificam sogénico. Foram colocadas como causas
Figura 1 – TAC cerebral em D1 de interna- episódios de hipersudorese e períodos possíveis de enfarte: hipoperfusão cere-
mento no HGSA “Hematoma subdural crónico
frontal direito… hipodensidade fronto--basal
de agitação que aliviavam com analgesia bral, cardio – embolismo, dissecção das
esquerda sugestiva de contusão… hipoden- com morfina, constatando-se nesta altura artérias vertebro-basilares ou carotídeas
sidades lentículo-capsulares direitas …” pós-traumatismo. Realizou uma Angio-
ressonância das artérias carótidas e ar-
térias vertebro-basilares que não revelou
qualquer alteração.
A RMN cerebral confirmou a pre-
sença de lesões occipito- parietais bila-
terais ao nível da substância branca, en-
volvendo os territórios posteriores, desde
o córtex até à região periventricular. Não
se verificou restrição à difusão das molé-
culas de água (DWI), que pudesse tradu-
zir isquemia recente e o ADC (Apparent
Diffusion Coefficients) encontrava-se ele-
vado, confirmando a ausência de edema
citotóxico, ficando como hipótese mais
provável edema vasogénico no contexto
de PRES. (Figura 3)
Figura 2 – TAC cerebral em D10 “ …Lesões de novo, hipodensidades cortico-subcorticais
temporo-occipito-parietal direita e parieto-occipital esquerda…”

Figura 3 – A. RMN T2 FLAIR- plano axial, Fluid- Atennuated Inversion Recovery. Hiperintensidade de sinal ao nível da substância branca, en-
volvendo os territórios posteriores- lesões occipito- parietal direita e esquerda consistentes com edema vasogénico. B. Técnica de difusão das
moléculas de àgua (DWI): Sem restrição à difusão das moléculas de àgua. C. Medição do ADC (Apparent Diffusion Coefficients) : aumento da
difusão nas áreas de edema vasogénico (ADC elevado).

234 casos clínicos


NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4

A TA manteve valores persistente- Sem registo de novos episódios teriores. A RMN com técnica de difusão
mente acima do P95, com valores má- convulsivos, os EEG posteriores revela- das moléculas de água (DWI) é o exa-
ximos de 171/110 mmHg ao 14º dia. Foi ram-se normais, suspendendo os anti- me gold-standard, permitindo diferenciar
instituído, tratamento com propranolol e epilépticos em D100. entre o edema vasogénico e o edema
nifedipina e ao 21º dia foi substituída a À data da alta (5 meses), a criança citotóxico, sendo que o ADC (Apparent
nifedipina pelo captopril. apresentava-se com valores tensionais Diffusion Coefficients) elevado confirma
Para investigação etiológica da hi- normais sem qualquer tratamento anti- a ausência de edema citotóxico(4,7).
pertensão arterial e suas repercussões hipertensor. Mantinha estado neurológico O mecanismo fisiopatológico exac-
efectuaram-se os seguintes exames sobreponível, com um Score Glasgow de to nesta entidade ainda não é totalmente
complementares de diagnóstico: sedi- 8 (O4M3V1), tetraparésia espástica sem conhecido, estando provavelmente impli-
mento urinário, função renal, ionograma controle cefálico, atrofia muscular gene- cadas alterações da auto-regulação dos
e perfil lipídico; ecografia renopélvica e ralizada e contracturas ligeiras a nível vasos cerebrais que, quer por aumento
eco doppler das artérias renais que fo- solear direito e anca direita. Do ponto de da pressão hidrostática, quer por aumen-
ram normais; estudo imunológico: ANA vista imagiológico, apresentava regres- to da permeabilidade vascular, permitem
negativos; anti-cardiolipina e anti-β2 gli- são completa das lesões parieto-occipi- a passagem de líquido para o interstício e
coproteína negativos. C3 e C4 normais. tais bilateralmente, verificando-se uma a formação de edema vasogénico(4,8).
Ig´s normais; ecocardiograma: normal; redução acentuada do volume encefálico A predilecção pelos territórios pos-
fundo ocular: OD: hemorragia peripapilar (Figura 5). teriores deve-se provavelmente à menor
inferior, sem edema papilar. inervação simpática, e uma vez que na
No 20º dia apresentou movimentos DISCUSSÃO PRES a resposta miogénica está com-
clónicos dos membros superiores. Foi A PRES é uma síndrome rara em prometida, estas áreas tornam-se mais
efectuado EEG que revelou actividade crianças e o seu diagnóstico, se não hou- vulneráveis.7
de base lenta e períodos ocasionais de ver índice de suspeição, é muitas vezes A apresentação clínica é frequente-
actividade paroxística predominantemen- subestimado. mente inespecífica e pode ser facilmente
te à direita, instituindo-se terapêutica com A etiologia mais frequentemente confundida com outras entidades como o
carbamazepina. descrita é a hipertensão arterial, sendo enfarte cerebral, encefalite, vasculite ou
Houve normalização dos valores da que nas crianças os valores de TA ne- trombose do sinus sagital.
TA, com posterior suspensão da terapêu- cessários para o desenvolvimento das O diagnóstico de PRES tem impor-
tica anti-hipertensiva e melhoria dos epi- lesões são geralmente inferiores aos dos tantes implicações terapêuticas e prog-
sódios de agitação. adultos(2,6). nósticas, pela potencial reversibilidade
A RMN cerebral efectuada 10 dias O diagnóstico é clínico e imagioló- das lesões se o tratamento da causa
após o início do tratamento revelou re- gico. A RMN é o melhor exame de diag- subjacente for adequado e atempado.
gressão das lesões encontradas na RMN nóstico evidenciando edema vasogénico Por outro lado, se não tratada pode evo-
anterior, suportando o diagnóstico de bilateral envolvendo a substância branca, luir para edema citotóxico conduzindo a
PRES (Figura 4). atingindo os territórios vasculares pos- isquemia, enfarte e sequelas neurológi-
cas permanentes(5).
No presente caso a instalação des-
te quadro num doente com graves lesões
neurológicas pós-traumáticas não permitiu
detectar mais precocemente as manifesta-
ções clínicas. Foi difícil valorizar algumas
manifestações como cefaleias ou convul-
sões (traduzidas por episódios de agitação
e hipersudorese ou movimentos paroxísti-
cos), que facilmente seriam atribuíveis ao
seu quadro neurológico de base.
A etiologia da hipertensão arterial,
que foi transitória, não foi completamente
esclarecida. Atendendo à normalidade da
investigação efectuada, e dado tratar-se
de um doente com um TCE grave, a des-
regulação autonómica central parece ser
Figura 4 – RMN T2 FLAIR em D23: lesão Figura 5 – RMN T2 FLAIR em D116: resolu- a causa mais provável.
occipito-parietal direita apresenta dimensões ção completa das lesões… Mantém-se co-
mais reduzidas e a esquerda desaparece. lecção extra-axial na vertente fronto-parietal Para a evolução favorável deste
direita … redução do volume encefálico…” quadro, com reversibilidade imagiológica

casos clínicos 235


NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2008, vol XVII, n.º 4

completa das lesões, contribuiu o rápido with serious neurological deficits. During sible en la infancia. Neurol 2003;
controle da hipertensão arterial. hospitalization, tensional values became 37(6):506-510
Em todos os doentes politrauma- persistently > P95 and on a brain CT scan 3. Javed MA, Sial MSH e tal, Etiology of
tizados com alterações neurológicas o of control, new lesions were observed as Posterior Reversible Encephalopathy
aparecimento de episódios convulsivos bilateral hypodensities in parietal and oc- Syndrome (PRES). Pak J Med Sci
tardios, especialmente se associado a cipital lobes, without restriction of the dif- 2005, 21, 2:149-154
hipertensão ou outra causa predispo- fusion of the molecules of water on MRI, 4. Covarrubias DJ, Luetmer PH et al.
nente devem alertar-nos para a possi- suggestive of vasogenic edema - PRES. Posterior Reversible Encephalopa-
bilidade de PRES, cujo tratamento pode Complete regression of the cerebral le- thy Syndrome: prognostic utility of
evitar que se somem novos deficits neu- sions were observed after control of the quantitative diffusio- weighted MR
rológicos. hypertension. images. Am J Neurradiol 2002; 23:
With this clinical case the authors 1038-1048
want to alert for this reversible clinic-radi- 5. Ishikura K et al. Posterior Reversible
POSTERIOR REVERSIBLE ologic entity, pointing out the need of an Encephalopathy Syndrome in Chil-
ENCEPHALOPATHY SYNDROME early diagnosis and treatment of the un- dren: its high prevalence and more
derlying cause to avoid irreversible neu- extensive imagin findings. Am J Kid-
ABSTRACT rological damages. ney Dis 2006; 8:231-238
The Posterior Reversible Encepha- 6. Singhi P, Subramanian C, Jain V e tal.
lopathy Syndrome (PRES) is a rare entity Key- Words: Posterior Reversible Reversible brain lesions in childhood
described initially in adults and observed Encephalopathy Syndrome, Hyperten- hypertension; Acta Paediatr 2002;
more and more in children. Clinically, pa- sion, Diffusion-Weighted Magnetic Reso- 91(9):1005-1007.
tients have headaches, alteration of the nance imaging, Traumatic Brain Injury. 7. Schaefer PW, et al. Diffusio-Weihted
level of conscience and seizures. The imaging discriminates between cyto-
typical findings in the magnetic reso- Nascer e Crescer 2008; 17(4): 233-236 toxic and vasogenic edema in a pa-
nance (MRI) contribute to the diagnosis. tient with eclampsia. Stroke 1997; 28:
When promptly recognized and treated 1082-1085
the underlying cause, the symptoms and BIBLIOGRAFIA 8. Brubaker LM, Smith JK et al. Hemo-
radiologic abnormalities can be complete- dynamic and permability changes in
ly reversible. 1. Hinchey J et al. A Reversible Poste- Posterior Reversible Encephalopa-
The authors present a clinical case rior Leukoencephalopathy Syndrome. thy Syndrome measured by dynamic
of a child, male, with 8 years and 9 N Engl J Med 1996; 334:494-500 susceptibility perfusio- weighted MR
months of age, admitted in the Pediatric 2. Arroyo HA, Ganez LA, Fejerman Imaging. Am J Neurradiol 2005; 26:
Department with a traumatic brain injury, N. Encefalopatia posterior rever- 825-830

236 casos clínicos

Você também pode gostar