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Universidade Federal do Norte do Tocantins

Curso de Licenciatura em História


Campus de Araguaína

Disciplina: Contemporânea 1
Docente: Bertone Sousa
Discente: Daniel Victor Lima Alves
Email: daniel.victor1@mail.uft.edu.br

Fichamento: RÉMOND, René. INTRODUÇÃO À HISTÓRIA DO NOSSO TEMPO;


Terceira Parte; O Século XIX (1815 –19140).

“O século XIX, tal como é delimitado pelos historiadores, ou seja, o período


compreendido entre o fim das guerras napoleónicas e o início do primeiro conflito
mundial, uma centena de anos que se estendem do Congresso de Viena à crise do
Verão de 1914, é um dos séculos mais complexos, mais ricos, que se possa
imaginar.” (p.137)

“Sem esquecer que as relações que a Europa mantém com o resto do mundo
entre 1814 e 1914 são marcadas pela sua expansão e pelas suas tentativas de
dominação do Globo, o traço mais evidente é a frequência dos abalos
revolucionários.” (p.137)

“Este século pode ser chamado, apropriadamente, o século das revoluções,


pois - até ao presente – nenhum foi tão fértil em sublevações, em insurreições, em
guerras civis, uma vezes triunfantes e outras esmagadas.” (p.137)

“Tal é o sentido profundo da efervescência que se manifesta quase


continuamente por toda a Europa e à qual nenhuma parte do continente escapou:
tanto a Irlanda como a Península Ibérica, os Balcãs como a França, a Europa central
e a Rússia, foram atingidos, uma ou várias vezes, por esta agitação.” (p.137)

“Todavia, estes movimentos revolucionários não se reduzem – talvez mesmo


nenhum se lhes reduza inteiramente - às sequelas da revolução de 1789. À medida
que o século se aproxima do fim, manifestam – se outros traços que, pouco a pouco,
se sobrepõem à herança da Revolução Francesa.” (p.138)

“É o caso da revolução da industrial, geradora do movimento operário, do


surto sindical, das escolas socialistas. Na segunda metade do século XIX nasce um
novo tipo de revolução que não pode reduzir – se à imagem, pura e simples, dos
movimentos revolucionários saídos da herança de 1789.” (p.138)

“Uma primeira vaga é composta pelos movimentos liberais, que se produzem


em nome da liberdade, contra as sobrevivências ou os regressos ofensivos do
antigo regime.” (p.138)

“Uma segunda é constituída pelas revoluções democráticas propriamente


ditas.” (p.138)

“Uma terceira vaga de movimentos reclama – se de uma inspiração muito


diferente: são os movimentos sociais que tomam das escolas das escolas socialistas
o seu programa e a sua justificação.” (p.138)

“Por fim, o movimento das nacionalidades, que não se segue


cronologicamente aos três precedentes, mas se desenrola ao longo de todo o século
XIX e constitui o último tipo de movimento [...]” (p.138)

“Reduzida à sua anatomia, eis história do século XIX, dominada por estas
quatros forças distintas, estas quatro correntes, que umas vezes se sucedem e
outras se combatem, mas todas entram em conflito com a ordem estabelecida, com
os princípios oficiais, as instituições legais, as ideias no poder, as classes dirigentes,
as dominações estrangeiras.” (p.139)

“O confronto entre forças conservadoras - políticas, intelectuais, sociais – e as


forças contestatárias fornece a chave para a maior parte dos acontecimentos da
história, tanto nacional como europeia, que quase sempre levam à prova de força,
pois só excepcionalmente o confronto de dirime pacificamente pela aplicação de
disposições constitucionais.” (p.139)
“Imediatamente após Walterloo, aquando da segunda abdicação de Napoleão
e da assinatura das actas do Congresso de Viena, a situação caracterizava – se
pela restauração.” (p.139)

“Restauração é o nome dado ao regime estabelecido em França durante


quinze anos, de 1815 a 1830, mas a designação adapta –se a toda a Europa. Ela é
múltipla e aplica – se a todos os aspectos da vida social e política.” (p.139)

“Os soberanos do antigo regime vingaram – se de Napoleão, em quem viam o


herdeiro da revolução, e a escolha de Viena para a realização do congresso, onde
tomam assento os representantes de todos os Estados europeus, é simbólica,
porque se tratava da capital de um dos poucos países que não foram perturbados
pela revolução e porque a dinastia dos Habsburgos constituía o símbolo da ordem
tradicional, da Contra - reforma, do antigo Regime.” (p.139 - 140)

“Em França, pela aplicação da ordem de sucessão ao trono, Luís XVIII


sucede a Luís XVI. E assim será noutros países, onde os soberanos destronados —
uns pela revolução, outros por Napoleão — voltam a subir ao trono: os Bourbons,
em Nápoles e em Espanha; os Braganças, em Portugal, quando, alguns anos mais
tarde, voltam do exílio; a dinastia de Orange, nos Países -Baixos.” (p.140)

“Esta restauração das pessoas e das famílias toma também o aspecto de


uma restauração do princípio monárquico. Na nova Europa já não se pensa na
República o princípio da legitimidade monárquica triunfa inequivocadamente. É dele
que se reclamam os doutrinários da restauração, os filósofos da contra - revolução,
os Burke, os Maistre, os Bonald, os Haller.” (p.140)

“Só começa a falar – se de legitimidade quando ela é contestada. Antes de


1789, obviamente, não havia necessidade alguma de justificar a monarquia; no
entanto, em1815, após a experiência revolucionária, os regimes e seus doutrinários
sentem a necessidade de construírem uma teoria para ela.” (p.140)

“Ao longo de todo o século XIX, o princípio de legitimidade vai estar


subjacente ao pensamento contra - revolucionário, à política dos regimes
conservadores e os esforços de certas escolas políticas para restaurarem, contra o
movimento da história, as instituições herdadas do antigo regime. É uma noção
fundamental para o pensamento e as relações políticas.” (p.140)

“Esta filosofia da legitimidade toma à direcção oposta à filosofia


revolucionária, segundo a qual o passado deve ser questionado, correndo o que é
antigo o risco de cair em desuso ou tornar – se caduco. O povo tem o direito de
desfazer, a qualquer momento a ordem tradicional, para o que lhe basta a
legitimidade conferida pela sua vontade soberana. Ele pode substituir a herança do
passado por uma nova ordem, mais racional e voluntária.” (p.140)

“Ela implica no retorno integral ao antigo regime. Sendo a revolução


considerada uma espécie de acidente, convinha fechar o parêntese e apaga - lhe as
consequências. Segundo a fórmula tão significativa do preâmbulo da Carta
Constitucional de 1814, reata-se a cadeia do tempo. Nenhuma outra fórmula é mais
expressiva da filosofia política da contra-revolução.” (p.141)

“A Restauração, assim definida, é mesmo a contra-revolução. Trata-se de


tomar o sentido oposto ao dos princípios de 1789 e de apagar todos os vestígios
dessa desorientação do espírito humano. A contra-revolução era efetivamente em
1815 uma virtualidade do triunfo dos reis.” (p.141)

“Nem todos os monarcas foram repostos no seu trono e subsistem ainda


grandes modificações territoriais. Para o verificarmos bastará confrontarmos os
mapas políticos da Europa nas vésperas de 1789 e tal como se desenham após o
Congresso de Viena. Os contrastes saltam à vista, o que ilustra bem o que a
revolução impõe aos negociadores do Congresso de Viena.” (p.141)

“O Sacro Império Romano-Germânico, dissolvido por Napoleão a seguir a


Austerlitz, não é restabelecido. A Confederação Germânica, que o substitui, apenas
se lhe assemelha vagamente.” (p.141)
“Nas Províncias Unidas, o princípio monárquico prevaleceu definitivamente
sobre a forma republicana. É um Estado unitário que sucede à velha república
federalista do antigo regime.” (p.141)

“O mapa é muito simplificado e o número dos Estados sensivelmente


reduzido. Só na Alemanha passou de 360 para 39. Deste ponto de vista, 1815
marca uma etapa apreciável no que poderia chamar - se de racionalização ou
simplificação do mapa político da Europa.” (p.141)

“A Rússia obtém uma grande fatia da Polônia. No Noroeste, depois de 1809,


tirou a Finlândia à Suécia. Após 1812 tomou a Bessarábia ao Império Otomano, no
Sudoeste. Avança em todas as frentes para oeste e a sua população passa — tanto
pelo crescimento natural como pelo efeito das anexações territoriais — de 30 para
50 milhões de habitantes entre 1789 e 1815.” (p.142)

“A Prússia fez o mesmo. Deslizando para oeste pela margem esquerda do


Reno, ocupando uma parte importante da Saxónia, sai das guerras mais compacta,
mais coesa, aumentada em mais da metade: sua superfície passa de 190 000 km2
para 280 000 km2 em 1815.” (p.142)

“A Áustria perdeu o que antes da revolução se designava por Países Baixos,


isto é, a Bélgica, mas entrou na Itália através da Lombardia Veneziana. Instalada no
coração da Europa Central, senhora da Itália, que controlava directamente ou por
meio de interpostos soberanos, estendendo a sua tutela sobre a Alemanha,
reagrupou melhor as suas posições.” (p.142)

“Geograficamente, o mapa encontra – se profundamente modificado. Está -


se longe do princípio de uma restauração dos Estados e dos soberanos no status
quo anterior a 1789.” (p.142)
“No que diz respeito às instituições, as alterações não são menores. Com
efeito, segundo a nossa classificação dos regimes políticos do antigo regime em
cinco tipos, verifica -se que os dois mais antigos, o feudalismo e as repúblicas,
pagaram os custos da revolução.” (p.142)

“O caso da França — donde partiu a revolução — é, no gênero,


particularmente exemplar, já que Luís XVIII não acreditou ser possível regressar de
ao antigo regime e outorgou a seus súditos uma Carta Constitucional, fazendo
concessões importantes à experiência e às aspirações dos Franceses.” (p.142)

“Ela prevê instituições representativas, uma Câmara eletiva (trata-se de uma


homenagem ao princípio eletivo) associada ao exercício do poder legislativo, que
aprova o orçamento, em aplicação do princípio do necessário do consentimento dos
representantes da nação para a fixação dos impostos. É, de certa maneira, vinte e
cinco anos depois, a legitimação das pretensões dos Estados Gerais.” (p.142)

“Todavia, a França não é a única a enveredar por esta via. Em 1814-1815, dá


- se uma proliferação de textos constitucionais, quase todos outorgados pela
benevolência do soberano. Assim que, no novo reino dos Países Baixos, formado
pela reunião das Províncias Unidas e dos Países Baixos belgas, a lei fundamental,
que será a constituição da Holanda moderna, divide o poder legislativo entre o
soberano e os Estados Gerais.” (p.142)

“A organização administrativa, tal como a revolução a preparou, abrindo o


caminho, e tal como Napoleão a reorganizou, subsiste naturalmente, pois nenhum
soberano, por maior que seja o seu apego à filosofia contra-revolucionária, quereria
perder o benefício da eficácia assegurada por uma administração uniforme,
racionalizada, hierarquizada.” (p.143)

“Por onde passou, a revolução abalou as estruturas sociais e por toda parte o
essencial de suas concepções e transformações será conservado: em França, onde
a Carta reconheceu as liberdades cívicas; nos Países Baixos, no oeste da
Alemanha, no Norte de Itália e até na Polônia, onde códigos inspirados nos códigos
napoleônicos se mantêm em vigor por tempo indeterminado. A servidão é abolida,
os privilégios suprimidos, a mão-morta eclesiástica desaparece.” (p.143)

“A igualdade civil de todos perante a lei, perante a justiça, perante os


impostos, no acesso as funções públicas e administrativas, é desde então a regra
para uma boa metade da Europa. São eliminadas as interdições, tradicionais em
certos Estados impostas à burguesia, de comprar terras.” (p.143)

“Estas transformações e sua conservação aproximam os países onde elas se


verificaram. Passando por cima das diferenças do passado, essas reformas
constituem um traço de união e contribuem para a unificação da Europa Ocidental;
entre a França e a Alemanha do oeste, entre os Países Baixos e a Itália, passam a
existir instituições comuns, uma sociedade aparentada. Porém, ao mesmo tempo,
acentuam-se a diferença, a desnível entre essa Europa e a outra, Europa que não
foi atingida pelas transformações revolucionárias.” (p.143 - 144)

“Assim, sob a aparência de restauração, prevaleceu uma solução de


compromisso. A restauração dissimula uma aceitação, inconfessável, de uma parte
da obra da revolução.” (p.144)

“De um lado, os que querem voltar ao passado, que sonham com uma
restauração integral e que não podem resignar-se a ratificar, pura e simplesmente,
as transformações revolucionárias, que se recusam a transigir, aqueles para quem a
revolução é satânica.” (p.144)

“Mas existem ultras em todos os países, pois na Europa de 1815 subsiste


ainda uma sociedade do antigo regime, com uma aristocracia proprietária, um
campesinato servil ou dócil, uma sociedade que não aceita outra ordem válida que
não seja a antiga, que visa o restabelecimento integral da Europa de outrora.”
(p.144)

“Do outro lado, encontram –se aqueles que não tomam o partido da derrota
da revolução e que entendem ir até o fim de suas consequências, os que não
aceitam os tratados de 1815. Para eles, as ideias da revolução não morreram, a
dupla herança de transformação das instituições e de emancipação nacional
permanece viva.” (p.144)

“Desenha – se uma solidariedade internacional, que ultrapassa fronteiras,


entre jacobinos ou liberais de todos os países contra a solidariedade das potências
estabelecidas e dos soberanos restaurados.” (p.144)

“Em 1815, a situação caracteriza-se, no plano das instituições, pelo


compromisso e, no plano das forças, pelo antagonismo de dois campos, em que
nenhum está satisfeito com a ordem das coisas, pois uns querem voltar ao antigo
regime e os outros pretendem levar até as últimas consequências os princípios da
revolução.” (p.144 – 145)

“O movimento liberal é a primeira vaga de movimentos que combatem o que


subsiste do antigo regime ou sobre o que acaba de ser restaurado em 1815. A
designação de "liberal" é a que mais convém, pois caracteriza a noção mestra, a
chave da angular, da arquitetura intelectual de todos estes movimentos.” (p.145)

“O liberalismo é um dos grandes acontecimentos que o século XIX domina


inteiramente, e não apenas no período em que todos os movimentos se reclamam
explicitamente a filosofia liberal. Muito depois de 1848 encontram – se ainda um
certo número de políticos, de filósofos, cujo pensamento é marcado pelo
liberalismo.” (p.145)
“Trata-se, portanto, de um fenômeno histórico de grande importância que dá
ao século XIX parte de sua cor e contribui para a sua grandeza, pois o século XIX é
um grande século a despeito das lendas e dos processos de intenções.” (p.145)

“Em todos os países existe, entre todas as formas de liberalismo, uma certa
afinidade, que se traduz, mesmos nas relações concretas, numa espécie de
internacional liberal, de que fazem parte os movimentos e os homens que lutam pelo
liberalismo.” (p.145)

“Assim definido, o liberalismo surge como uma filosofia global, ao lado do


pensamento contra-revolucionário ou do marxismo, uma resposta a todos os
problemas que se podem colocar – se, na sociedade, sobre a liberdade, sobre as
relações de cada um com os outros, sobre sua relação com a verdade.”

“A descentralização é outro meio de limitar o poder. Ter-se-á o cuidado de


transferir do centro para a periferia e do topo mais alto para os escalões intermédios,
uma boa parte das atribuições que o poder central tende a reservar para si.”

“Idéia subversiva, fermento revolucionário, causa digna de todos as devoções


e de todas as generosidades - eis a interpretação que nos propõe um estudo ao
nível das idéias.” (p.149)

“Nos seus princípios e até a até a revolução industrial, liberalismo não


desenvolveu ainda as consequências sociais que os críticos socialistas sublinharão
depois. Numa economia ainda tradicional, onde o grande capitalismo se reduz a
muito pouco, numa sociedade baseada na propriedade da terra, o liberalismo não
permite nem a concentração dos bens nem a exploração do homem pelo homem.”
(p.151)

“O liberalismo toma a forma de conspirações militares. O exército é, na época,


o centro do liberalismo e também seu instrumento, por não ter esquecido as guerras
napoleônicas e recordá-las com nostalgia.” (p.153)
“Em 1848, o liberalismo envolver - se à, de forma muitas indissociável, com a
democracia; e as revoluções desse ano terão um sucesso precário, seguido do
esmagamento simultâneo do liberalismo e da democracia.” (p.154)

“O liberalismo, aliás, não é hostil nem à forma monárquica nem ao princípio


dinástico, mas apenas ao absolutismo da monarquia.” (p.156 - 157)

“A sociedade assenta na igualdade de direito: todos dispõem dos mesmos


direitos civis. Todavia, em parte à sua revelia e em parte deliberadamente, o
liberalismo mantém uma desigualdade de facto e vai dar o flanco as críticas dos
democratas e dos socialistas.” (p.159)

“A sociedade liberal, fundada no dinheiro, abre possibilidades de mobilidade:


mobilidade dos bens que mudam de mãos, mobilidade das pessoas no espaço, na
escala social.” (p.160)

“Mas a contrapartida é evidente, visto as possibilidades não estão ao alcance


de todos e o dinheiro é também um princípio de opressão. Á partida, é preciso ter
um mínimo de dinheiro, ou muita sorte. Pelo contrário, para aqueles que nada têm, a
dominação exclusiva do dinheiro resulta no agravamento da sua situação.” (p.160)

“A passagem do antigo regime para o liberalismo é um degelo, uma súbita


abertura, uma fluidez dada à sociedade, uma maior mobilidade proposta aos
indivíduos. Mas esta sociedade aberta é também uma sociedade desigual. É da
justaposição destas duas características que procede a natureza intrínseca da
sociedade liberal, que a democracia irá precisamente pôr em causa. Esta dedica –
se à alargar a brecha, abrir todas as possibilidades e as oportunidades que as
sociedades liberais apenas d entreabriram a uma minoria.” (p.162)

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