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quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Análise do Capítulo I de Amor de Perdição

● Função do capítulo

O capítulo I serve, sobretudo, para enquadrar o


protagonista, estabelecendo os antecedentes da intriga
amorosa. De facto, ele resume-se ao relato da vida pessoal,
familiar e profissional de Domingos Botelho, pai de Simão, e à
caracterização deste último já na parte final.

● Antecedentes da intriga amorosa


A história da família de Simão e de algumas das suas
figuras, bem como o delinear da sua personalidade permitem
ao leitor concluir que o amor e a violência estiveram sempre
presentes na família Botelho.

▪ Árvore genealógica de Simão

▪ Família

No início do capítulo, recuamos uma geração para ficar


a conhecer a família de Simão.

1. Pai
• Nome: Domingos José Correia Botelho de Mesquita e
Meneses (a acumulação de apelidos indica a sua
condição de fidalgo).

• Linhagem / Caracterização social: é um fidalgo de


província; “faltavam-lhe bens de fortuna”.

• Esposa: D. Rita Teresa Margarida Preciosa da Veiga


Caldeirão Castelo Branco.

• Aparência / Caracterização física:


- muito feio (“era extremamente feio”, o que o torna
inseguro na relação com a mulher.

• Caracterização psicológica:
- é pouco inteligente (“Os dotes de espírito não o
recomendavam também.”);
- é ambicioso, mas mesquinho, ingrato / oportunista e
avaro (episódio dos pastéis e da vitela que lhe
ofereceram);
- é retratado de forma caricatural e irónica, como o
exemplificam as anedotas que sobre ele se contavam
em Vila Real;
- é orgulhoso, rude e ridicularizado, como se pode
comprovar pelas alcunhas que lhe dão (“brocas” e
“doutor Bexiga”), as quais indiciam rudeza e baixo
nível intelectual da personagem;
- não possui qualidades, exceto o talento para tocar
flauta e a capacidade de fazer rir a rainha;
- recorre a favores: “Escassamente lhe chegavam os
recursos para os alicerces: escreveu à rainha e obteve
generoso subsídio com que ultimou a casa.”;
- é um homem inseguro.

• Profissão:
- é juiz em Cascais;
- posteriormente, é corregedor em Viseu, a partir de
1801.

• Irmãos: Marcos e Luís possuem um temperamento


impulsivo e violento.

2. Mãe / D. Rita Preciosa

• Nome: Rita Teresa Margarida Preciosa da Veiga Caldeirão


Castelo Branco (a acumulação de apelidos de família
indica a sua condição aristocrática).
• Linhagem / Caracterização social:
- é uma aristocrata lisboeta (“filha dum capitão de
cavalos, e neta de outro”);
- é uma dama do paço: D. Rita é uma “formosa dama de
D. Maria I”, habituada à vida da corte;
- é notável pela sua “jerarquia”, isto é, pela sua
posição social, que é superior à de Domingos Botelho;
- é orgulhosa da sua linhagem;
- é arrogante, altiva, presunçosa, desdenhosa (com) e
despreza a nobreza da província (“O mais audacioso
não ousava fitá-la de rosto, quando o ela remirava
com a luneta em jeito de tanta altivez e zombaria”),
em que se incluem os familiares de Domingos Botelho,
sentimentos que se revelam, por exemplo, quando
inferioriza os fidalgos de Vila Real, afirmando que
“eram menos limpos que os carvoeiros de Lisboa”, ou
quando, ao ver as liteiras, sugere, com desprezo, que
o tempo naquela província tinha parado no século XII;
- despreza também o espaço rural, que considera
atrasado e destituído de refinamento e elegância.

• Caracterização física: muito bela (“Rita era uma


formosura; que ainda aos cinquenta anos se podia prezar
de o ser.”).

• Caracterização psicológica:
- não se adapta à vida no interior do país;
- é infeliz e sente saudades da vida da corte;
- é autoritária com o marido.

3. Relação entre Domingos Botelho e D. Rita Preciosa


- têm cinco filhos (o “mais velho era Manuel, o segundo
Simão”);
- a relação entre os dois é fria e infeliz (“A dama do Paço
não foi ditosa com o marido.”);
- Domingos Botelho:
. inicialmente, mostra-se submisso a D. Rita, pois
sente-se inferior a ela;
. é inseguro e submisso aos caprichos da esposa, pois
receia desagradar-lhe.
- D. Rita:
. sente-se infeliz e saudosa da corte;
. é arrogante e autoritária para com o marido;
. tem clara ascendência sobre o marido: toma decisões,
desdenha dele e leva os seus planos avante;
. faz constantes exigências ao marido e torna-se cada
vez mais distante (“mais enfadada no trato íntimo”),
mas mantém-se fiel ao marido.

4. Manuel Botelho

• Idade: 22 anos.

• Ocupação: estudante em Coimbra – frequenta o segundo


ano jurídico.

• Atitudes / Caracterização psicológica:


- escreve ao pai queixando-se de que não pode viver
com Simão, com medo do seu génio sanguinário;
- é medroso, de fracas convicções e volúvel: mostra
medo do irmão sete anos mais novo, pede ao pai um
novo destino, etc.;
- é oportunista: aproveita-se da sua posição social para
ascender na carreira militar.

5. Simão

• Nascimento: 1784.

• Idade: 15 anos.

• Ocupação: estudante em Coimbra – estuda


humanidades.

• Caracterização física:
- é um jovem adolescente com aparência de adulto:
“Os quinze anos de Simão têm aparência de vinte”;
- possui uma constituição física robusta: “É forte de
compleição…”;
- é fisicamente atraente: “belo homem com as
feições da mãe, e a corpulência dela”.

• Caracterização psicológica / Temperamento:


- possui génio sanguinário: o episódio da pancadaria
na fonte acentua o “génio sanguinário” de Simão e
explica, posteriormente, o ódio entre os Botelhos e
os Albuquerques, visto que alguns dos homens que
Simão espancou eram criados de Tadeu de
Albuquerque, pai de Teresa;
- rebelde, desafiador e arruaceiro: “(…) Simão
emprega em pistolas o dinheiro dos livros, convive
com os mais famosos perturbadores da academia, e
corre de noite as ruas insultando os habitantes e
provocando-os à luta com assuadas.”;
- possui um caráter forte;
- é impulsivo, agressivo e violento; o irmão tem
medo do seu génio sanguinário;
- manifesta propensão para a marginalidade:
“convive com os mais famosos perturbadores da
academia”;
- é inteligente, estudioso, aplicado: “(…) Simão
recolhe a Viseu com os seus exames feitos e
aprovados…”;
- mostra-se carinhoso com a irmã Rita: “com quem
ele brincava puerilmente, e a quem obedecia”.

• Atitude social:
- transgressão de barreiras sociais: “Na plebe de
Viseu é que ele escolhe amigos e companheiros”;
- desprezo pela condição da família: “zomba das
genealogias”.

• Relações:
1. Com o pai: o pai admira-o e orgulha-se
inicialmente dele pela sua bravura; mostra-se
complacente face aos seus ímpetos juvenis;
compara-o ao bisavô. No entanto, passa a ver “as
coisas pelos olhos de sua mulher, e tomou parte no
desgosto dela, e na aversão ao filho.” O facto de
Simão poder pôr em causa o prestígio da família por
causa da sua rebeldia desperta a severidade de
Domingos Botelho, que, ferido na sua autoridade de
pai, o manda prender na sequência do episódio de
pancadaria na fonte.
2. Com a mãe: D. Rita não mostra um grande amor
por Simão, sobretudo porque o filho zombava da sua
genealogia (o fidalgo ri-se da glória de um
antepassado da mãe, o “general Caldeirão, que
morreu frito”), o que ela não tolerava, dado que
valorizava os seus antepassados ilustres e os seus
pergaminhos. Por outro lado, ela não aprova as
companhias do filho, da “plebe de Viseu”, que
considera indignas do seu estatuto social. Deste
modo, a esposa de Domingos Botelho cumpre o seu
papel de mãe, sem dedicar ao filho o afeto que se
espera de uma progenitora pelo seu rebento.
3. Em suma, Simão mantém uma relação de distância
e frieza com os pais, que não o estimam da mesma
forma que estimam os outros filhos.
4. Com os irmãos: a relação de Simão com os irmãos
é caracterizada pela frieza, à exceção de Rita, a
irmã mais nova.

• Simão, o herói romântico:


- temperamento violento, marginal e imprudente:
“génio sanguinário”;
- virilidade: “Os quinze anos de Simão têm
aparências de vinte. É forte de compleição”; “um
belo homem com as feições de dua mãe”;
- rebeldia:
. Simão escolhe os seus amigos e companheiros
“na plebe de Viseu” e “zomba das genealogias”;
. na academia “convive com os mais famosos
perturbadores”;
- transgressão, o que o coloca em conflito com a
família e lhe custa a inimizade do irmão:
- caráter de exceção, que surpreende o próprio pai:
“O corregedor admira a bravura de seu filho
Simão”;
- representa uma alteração de mentalidades, uma
rutura com a sociedade e a ordem estabelecida:
zomba de genealogias, contestando os antepassados
da mãe, o que constitui um eco dos efeitos da
Revolução Francesa.

● Narrador

1. Presença

O narrador é heterodiegético, pois não é uma


personagem da história, pelo que a narração é feita na
terceira pessoa (“A dama do Paço não foi ditosa com o
marido.”).

2. Ciência

O narrador é omnisciente, demonstrando que conhece


totalmente a ação e o pensamento das personagens
(“Inquietava-o o ciúme”), embora haja momentos em que
confessa desconhecer pormenores da ação: “As artes com que
o bacharel flautista vingou insinuar-se na estima de D. Maria I
e Pedro III não as sei eu”.

3. Posição

O narrador é subjetivo, pois comenta os


acontecimentos e toma partido sobre o que narra (“[…] não
será estranha figura dizer que a luneta de Rita Preciosa era a
mais vigilante sentinela da sua virtude”).

● Tempo

Neste capítulo, narram-se, resumidamente, os


antecedentes dos amores de Simão e Teresa. Assim sendo, a
categoria tempo assume grande relevância.
Por um lado, o narrador refere as datas e o passado da
família de Simão, na segunda metade do século XVIII.
Por outro, traça o trajeto temporal que leva Domingos
Botelho e a sua família de Lisboa a Cascais, daqui para Vila
Real, posteriormente para Lamego e, por fim, para Visei.
Além disso, o narrador procede à concentração do
tempo, algo característico do género novela e que é visível no
ritmo narrativo rápido, que nos leva de 1767, ano em que
Domingos Botelho se formou, a 1801, quando já é corregedor
em Viseu.
Para que a concentração temporal se concretize, o
narrador faz uso dos seguintes recursos:
• resumo: “Dez anos de enamorado, malsucedido,
consumira em Lisboa o bacharel provinciano”;
• elipse: “Decorridos alguns dias, D. Rita disse ao
marido que tinha medo de ser devorada das
ratazanas”.
Isto é conseguido porque o narrador tem um bom
conhecimento dos acontecimentos que morra, o que lhe
permite escolher as partes da ação que resume ou que
simplesmente elimina.
Em suma, as datas apresentadas neste capítulo são as
seguintes:
• 1758: Fernão Botelho relacionou-se com nobres
associados à tentativa de regicídio;
• 1767: Domingos Botelho forma-se em Coimbra;
• 1775: é juiz em Cascais;
• 1784: é transferido para Vila Real; nasce Simão;
• 1801: é corregedor em Viseu.
Quer isto dizer que a ação narrada neste capítulo
abrange um período de mais de quarenta anos, o que equivale
a dizer que os eventos são narrados de forma abreviada, daí o
ritmo nmarrativo ser também muito rápido.

● Crítica social

O primeiro capítulo retrata os modos de vida e as


relações sociais da época da ação: a vida na corte vs. a vida na
província, as relações familiares e o exercício do poder social.
De facto, o narrador caracteriza as classes
privilegiadas dos locais onde a família de Domingos Botelho vai
vivendo – Lisboa, Cascais, Vila Real e Viseu –, retratando os
seus costumes, os seus valores, os seus comportamentos e as
suas práticas, na segunda metade do século XVIII. Esta época é
caracterizada pela tensão entre os valores retrógrados e
autoritários da sociedade portuguesa marcada pelo
Absolutismo e o desejo de mudança.
Neste contexto, a figura de D. Rita Preciosa é
fundamental, pois é através dela que o narrador retrata o
contraste entre a vida em Lisboa e na província. Esta é
apresentada como um espaço rural atrasado, destituído de
refinamento e elegância, onde persistem os valores
tradicionais, conservadores e retrógrados e a nobreza é
decadente (“A [liteira] dos Correias de Mesquita era a mais
antiquada no feitio, e as librés dos criados as mais surradas e
traçadas que figuravam na comitiva.”). Esta ideia é
exemplificada por várias atitudes de D. Rita, como, por
exemplo, quando inferioriza os fidalgos de Vila Real, ao
afirmar que “eram menos limpos que os carvoeiros de Lisboa”,
ou quando, ao ver as liteiras, sugere que o tempo naquela
zona do país tinha parado no século XII:
“ – Em que século estamos nós nesta montanha? – tornou a
dama do paço.
– Em que século?! O século tanto é dezoito aqui como em
Lisboa.
– Ah! Sim? Cuidei que o tempo parara aqui no século
doze…”.
Deste modo, através desta personagem, é criticada a
arrogância da fidalguia / nobreza de Lisboa e a mesquinhez de
alguns fidalgos, nomeadamente a partir dos episódios dos
pastéis e da vitela, mas também o provincianismo e a
decadência da nobreza de Vila Real.
Através de Domingos Botelho e dos seus irmãos,
critica-se o facto de a honra estar associada ao nascimento, ao
berço, à linhagem, independentemente das qualidades do
indivíduo, e não ser resultado de uma conduta violenta. Este
“desconcerto”, como diria Camões, mantém-se bem vivo na
atualidade. Foi conhecido há dias a notícia de que um aluno
candidato ao mestrado em Medicina na Universidade Católica
ter sido aceite, ultrapassando outros candidatos com notas
superiores, porque os seus familiares teriam feito donativos
anteriormente à instituição.
D. Rita Preciosa e Domingos Botelho representam a
nobreza decadente de província e a ascensão de uma nova
classe que vive próxima da corte. Neste contexto, convém
atentar no contraste que existe entre a relação deste casal e o
amor de Teresa e Simão e com as mudanças que provinham da
Revolução Francesa. Este contraste simboliza a substituição da
velha geração por uma nova com novos ideais.

● Linguagem e estilo

• A ironia traduz o contraste entre Lisboa e a província,


denunciando o atraso rural português e a decadência da
nobreza provinciana de forma irónica e trocista: “excelente
flautista”, “ficamos pensando que seria ela a própria
rainha”, “Cuidei que o tempo parara aqui no século doze”;
“[…] glória, na verdade, um pouco ardente” (o modo como
morreu o antepassado de D. Rita – “frito” – não era motivo
de orgulho para os seus descendentes).

• Linguagem popular: as alcunhas de Domingos Botelho


(“Brocas”, “doutor Bexiga”); “dizendo que receberia como
escárnio um presente de doces, que valiam dez patacões”.

• Vocabulário depreciativo: “Domingos Botelho era


extremamente feio”, “bacharel provinciano”, “A dos
Correias de Mesquita era a mais antiquada no feitio, e as
librés dos criados as mais surradas e traçadas que figuravam
na comitiva”, “a neta do general frigido no caldeirão”,
“brutal e estúpido juiz”.

• Escassez de diálogo: o único momento dialogal acontece


quando se narra a chegada de D. Rita e Domingos Botelho a
Vila Real.

• Predomínio de frases curtas: “D. Rita quer que seu filho


seja cadete de cavalaria”.

• Profusão de verbos associados à ideia de movimento e de


dinamismo, como, por exemplo, “ir”, “quebrar”,
“espancar”, “partir”, “fugir”, etc.

• Uso do presente histórico: “Manuel […] tem vinte e dois


anos, e frequenta o segundo ano”.

• Descrições breves: no que se refere à caracterização física


de Simão, o narrador apresenta apenas alguns traços gerais;
no episódio dos cântaros, o mesmo narrador não descreve o
local, os objetos ou os intervenientes.

• Predomínio da caracterização indireta das personagens: o


retrato psicológico das personagens é conseguido através,
sobretudo, do seu comportamento.

• Uso predominante do discurso indireto: “[…] ele responde


que seu irmão o quer forçar a viver monasticamente…”.

• Uso frequente da coordenativa copulativa: “O pai


maravilha-se do talento do filho, e desculpa-o da
extravagância por amor do talento.”

• Uso do eufemismo irónico para caracterizar Domingos


Botelho: “[…] minguavam-lhe dotes físicos…”.

Posted by Prometeu at 16:24


Labels: 11.º Ano , Amor de Perdição , Análises , Camilo Castelo
Branco

3 comentários :

Anónimo 26 março, 2023 15:48 1


Gostaria de saber que formação académica tem a
pessoa por detrás do nome Prometeu?
Responder

Respostas

Prometeu 26 março, 2023 21:25 1.a


Nenhuma, comparada com um qualquer anónimo.

Anónimo 28 março, 2023 21:08 1.b


Certo, é que eu encontro-me a fazer um trabalho
onde citei informações deste blog e por isso gostaria de
saber se a informação é confiável.

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