Embora etimológicamente a palavra ciencia signifique o mesmo que a
palavra conhecimento, ela tem sido usada na história do pensamento ocidental para fazer referência a qualquer conhecimento cuja validade possa ser defendida em bases metodológicas, independentemente do domínio fenoménico no qual é proposto. Hoje em dia, entretanto, isto tem mudado progressivamente, e a palavra ciência é agora mais freqüentemente usada para fazer referência apenas ao conhecimento validado através de um método particular, que é o método científico. Esta ênfase progressiva no método científico surgiu com base em duas pressuposições gerais implícitas ou explícitas, tanto de cientistas quanto de filósofos da ciência, a saber: a) que o método científico, seja pela verificação, pela confirmação, ou pela negação da falseabilidade, revela, ou pelo menos conota, uma realidade objetiva que existe independentemente do que os observadores fazem ou desejam, ainda que não possa ser totalmente conhecida; b) que a validade das explicações e afirmações científicas se baseia em sua conexão com tal realidade objetiva. É deste tipo de conhecimento que tratarei neste artigo quando falar de ciência, e nesse processo, mesmo sem dar uma justificativa filosófica completa, implícita ou explicitamente discordarei de um ou outro aspecto do que disseram pensadores clássicos da filosofia da ciência que discutem em profundidade estas questões.1 E assim farei porque falarei como um biólogo, não como um filósofo, refletindo sobre a ciência como [125] um domínio cognitivo gerado como uma atividade biológica humana. Além disso, farei essas reflexões atentando para o que nós, cientistas naturais modernos, fazemos na praxis da ciência com vistas a reivindicar a validade científica de nossas afirmações e explicações, e mostrarei como o que fazemos enquanto cientistas se relaciona com o que fazemos ao vivermos nossas vidas cotidianas, revelando o status epistemológico ou ontológico daquilo que chamamos de ciência.