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1.

Introdução
As politicas curriculares das sociedades contemporâneas são cada vez mais exigentes
no que se refere à natureza e ao conteúdo dos conhecimentos e competências que as
escolas devem desenvolver com os seus alunos. Resolver urna diversidade de
problemas, integrando e dos conhecimentos científicos, tecnológicos e técnicos,
desenvolver criatividade e o pensamento crítico, as relações interpessoais e o sentido
estético e artístico, sio exemplos de conhecimentos e competências que,
invariavelmente, integram os propósitos de qualquer currículo. Estes
desenvolvimentos curriculares, em sociedades cada vez mais complexas,
imprevisíveis e instáveis, têm contribuído para que, progressivamente, se sinta a
necessidade de melhorar a forma e o conteúdo dos processos pedagógicos de ensino
e avaliação. De facto, nas últimas décadas e, mui. to especialmente, a partir da
década de 80 do século XX, iniciou-se uma significativa transformação no que se
refere à teorização daqueles processos, com significativas implicações para as
chamadas práticas pedagógicas. Apesar disso, reconhece-se que, em geral, nem as
práticas de ensino, nem as práticas de avaliação têm sido pensadas e desenvolvidas
de forma a que os alunos possam desenvolver cabalmente os conheci. mentos e as
competências constantes nos currículos propostos. Persistem, por exemplo,
dificuldades com a integração da avaliação formativa nas práticas pedagógicas apesar
dos seus reconhecidos e comprovados benefícios para as aprendizagens dos alunos e
dos esforços que, nesse sentido, se vêm desenvolvendo há algumas décadas (e.g.,
programas de formação, medidas legislativas). Estas dificuldades estão relacionadas
com a complexidade que essa integração envolve que, na verdade, tem sido
largamente negligenciada. Nestes termos, é necessário começar por compreender que
tal complexidade decorre do facto de a avaliação, como processo eminentemente
pedagógico, não poder deixar de estar fortemente relacionada com o ensino, a
aprendizagem e, consequentemente, com o Currículo e com a Pedagogia. Assim,
torna-se importante enquadrar e discutir, ainda que de forma tão sucinta quanto
possível, questões consideradas essenciais para que seja possível sustentar o
desenvolvimento de práticas de avaliação mais fundamentadas pedagogicamente e
mais orientadas para a melhoria das aprendizagens dos alunos.
O principal propósito deste texto é contribuir para que os professores de qualquer grau
de ensino possam pensar e melhorar as suas práticas pedagógicas de ensino e de
avaliação para que os seus alunos aprendam mais e melhor. Não se trata de um
receituário nem de um manual de boas práticas acerca de como fazer uma boa
avaliação. É antes um texto em que se discutem questões de natureza conceitual e
académica associadas a questões de natureza prática que interessam a educadores e
professores, profissionais altamente qualificados, possuidores de um alargado leque
de conhecimentos e competências. E, neste sentido, não pode deixar de ser um texto
de natureza reflexiva acerca da avaliação pedagógica que se construiu numa espécie
de vai e vem entre os referentes conceituais mais relevantes, os fundamentos, e as
necessidades práticas de quem está envolvido em processos dc melhoria dag práticas
pedagógicas de ensino e de avaliação e das aprendizagens dos alunos.
Consequentemente, não é possível ignorar a discussão, ainda que bastante sintética,
de temas tais como a inovação pedagógica, o currículo, a pedagogia, a aprendizagem
e o ensino.
A avaliação é perspetivada não como uma mera técnica ou como um procedimento
mais ou menos mecânico, mais ou menos automático, para atribuição de
classificações, mas antes como um processo marcadamente pedagógico através do
qual os alunos podem aprender melhor, isto é, com mais compreensão e
profundidade. processo em que o diálogo, a interação social e, em geral, a relação
pedagógica, assumem uma importância decisiva. Assim, contribui-se para consolidar a
ideia de que a necessidade de melhorar as práticas de ensino e de avaliação pode
proporcionar uma diversidade de oportunidades para desenvolver uma cultura de
inovação indispensável para melhorar a vida pedagógica das escolas.
Há uma diversidade de práticas relevantes para a melhoria do ensino e da avaliação
cujo desenvolvimento está intrinsecamente associado a processos de inovação tais
como:

 A utilização de formas de avaliar mais diversificadas, não se circunscrevendo


apenas aos testes como meios de recolha de informação acerca do que os
alunos sabem e são capazes de fazer.

 A participação ativa dos alunos nos processos de ensino e de aprendizagem,


através da utilização de tarefas e de propostas de trabalho mais abertas e
divergentes que exigem a mobilização, a integração e a utilização de uma
diversidade de conhecimentos e competências.

 A participação ativa dos alunos nos processos de avaliação, quer através da


autoavaliação, quer através da avaliação entre pares, quer ainda através de
outras estratégias de colaboração e cooperação.

 A utilização de formas de classificar mais transparentes, mais justas e com


mais significado que traduzam mais claramente o que os alunos sabem e são
capazes de fazer.

 O reconhecimento de que as práticas de avaliação estão fortemente


relacionadas com as aprendizagens dos alunos e que melhorar essas mesmas
práticas pode contribuir para que todos os alunos aprendam mais e, sobretudo,
melhor, com mais significado e compreensão.
O texto foi organizado em seis secções, incluindo esta Introdução. Na segunda secção
-A Avaliação e as suas Circunstâncias — começa por se argumentar que é numa
cultura de Inovação Pedagógica que, verdadeiramente, podemos melhorar as práticas
de ensino e de avaliação e as práticas escolares em geral, para depois se enquadrar a
avaliação no contexto das disciplinas com que, naturalmente, está mais
profundamente relacionada, nomeadamente o Currículo e a pedagogia. Na terceira
secção - Para uma Avaliação Pedagógica - discutem-se conceitos basilares do
domínio da avaliação, nomeadamente a avaliação formativa e a avaliação sumativa,
sublinhando a sua natureza eminentemente pedagógica e argumentando neste
mesmo sentido no que se refere ao processo de classificação. A quarta secção -
Práticas que Podem Fazer a Diferença a mais extensa deste trabalho, foi pensada e
desenvolvida a partir da seleção de quatro domínios que podem contribuir para
melhorar significativamente as práticas de ensino e de avaliação. Neste sentido, é uma
secção em que, a partir dos princípios e das orientações decorrentes do conceito de
Avaliação pedagógica, se produziram orientações práticas concretas no domínio dos
Critérios de Avaliação, do Feedback, da Autoavaliação e da Avaliação Entre Pares e
das Práticas de Classificação. Na quinta secção -Uma Síntese Reflexiva - são
destacadas e relacionadas as ideias que, na opinião do autor, podem contribuir de
forma muito significativa para a transformação e melhoria das práticas de ensino e de
avaliação e, consequentemente, das aprendizagens de todos os alunos. Finalmente,
na sexta secção, são apresentadas as Referências e a Bibliografia que possibilitaram
a realização deste trabalho.

2. A Avaliação e as suas Circunstâncias


O conhecimento produzido nas últimas décadas mostra de forma clara que a utilização
sistemática de práticas de avaliação formativa, também designada como avaliação
para as aprendizagens, melhora de forma significativa as aprendizagens de todos os
alunos e, em particular, daqueles que são referidos como tendo dificuldades. Além do
mais, a avaliação formativa melhora sensivelmente o trabalho de ensino dos
professores. Apesar destes resultados e da legislação portuguesa referir
expressamente desde 1992 que a avaliação formativa deve ser a modalidade de
avaliação predominante nas saIas de aula, a verdade é que são as conceções e as
práticas pedagógicas que herdámos dos finais do século XIX que continuam a
prevalecer. E, ainda que ao longo de décadas tenha havido iniciativas no domínio da
formação de professores com o propósito de melhorar o estado das coisas, o seu
sucesso foi francamente modesto. A questão reside em procurar perceber por que
será assim há tanto tempo. Porque é que os professores, as escolas e os sistemas
escolares em geral têm dificuldades em incorporar a avaliação formativa nas suas
práticas pedagógicas? Porque é que não temos tido sucesso na criação de uma
cultura em que a avaliação seja entendida como um processo eminentemente
pedagógico cujo principal propósito é acompanhar e ajudar os alunos a aprender?
Naturalmente, há uma miríade de possíveis respostas para estas e outras questões
afins que decorrem das perspetivas de análise que forem adotadas. E isto significa, ao
contrário do que poderá ser o pensamento de alguns setores da sociedade, que
estamos perante uma realidade bem mais complexa do que poderia parecer à primeira
vista.
É necessário mobilizar, integrar e utilizar conhecimentos e competências de uma
diversidade de disciplinas que nos ajudem a compreender e a melhorar as práticas de
avaliação. E este fundamental desígnio tem de estar baseado na pedagogia e,
sobretudo, numa cultura de inovação pedagógica. Por isso, na secção seguinte,
apresenta-se e discute-se o que se considera essencial discutir para que a inovação
pedagógica possa ser conceitualizada como um processo que está ao nosso alcance
pôr em prática, com comprovados benefícios na construção de ambientes
pedagógicos mais estimulantes para os professores, para os alunos e para as
comunidades escolares em geral.

Para uma Cultura de Inovação Pedagógica


Independentemente de uma miríade de razões que se possa invocar para
compreender a complexidade associada à melhoria das práticas de avaliação, não
será difícil aceitar que a pedagogia, tem necessariamente de desempenhar um papel
relevante na forma como se desenvolvem as aprendizagens, o ensino, e a avaliação.
Na verdade, ao longo da história, o conhecimento pedagógico tem sido considerado
incontornável em quaisquer processos que visem inovar e melhorar as práticas de
ensino e de avaliação. Por isso, considero que a inovação pedagógica tem de passar
a integrar a vida das escolas e das salas de aula, pois fará cada vez menos sentido
ensinar, aprender e avaliar em contextos e culturas mais ou menos magistrais em que,
no essencial, professores e alunos se limitam, respetivamente, a falar e a ouvir. E
necessário compreender a inovação pedagógica para que se possam reconhecer as
suas reais e infindáveis possibilidades para melhorar as práticas escolares.
A pedagogia é um domínio do conhecimento que está profundamente associado ao
desenvolvimento do ensino, da aprendizagem e da avaliação e é obviamente no seu
âmbito que faz todo o sentido conceitualizar e discutir a inovação pedagógica para que
ela possa fundamentar e enquadrar as nossas práticas e o nosso dia a dia, como
profissionais comprometidos com o desenvolvimento do currículo. Por isso, este é
também um texto em que se evidencia porque é que é importante inovar quando se
ensina e quando se avalia. Na verdade, o desenvolvimento de uma cultura de
inovação pedagógica está muito relacionado com a seleção criteriosa de uma
diversidade de tarefas e propostas de trabalho através das quais seja possível
aprender, ensinar e avaliar tendo em conta o currículo nacional, nomeadamente as
Aprendizagens Essenciais (AE), o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade
Obrigatória (PASEO) e a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania (ENEC).
É geralmente reconhecido, particularmente nos últimos 50 anos, que as relações entre
a Pedagogia, no âmbito da qual se discutem métodos de ensino, o Currículo, que
explicita o que as crianças e os jovens têm de aprender e de saber fazer, e a
Avaliação, que aprecia e orienta a qualidade do trabalho realizado pelos alunos, têm
de ser estudadas e compreendidas para que possamos pensar e melhorar, com
fundamento, as práticas pedagógicas. A Figura 1 evidencia que qualquer um daqueles
domínios do conhecimento se relaciona com os outros dois de forma geralmente
considerada complexa.

Figura 1Interações entre a pedagogia, a avaliação e o currículo

Para muitos autores e a avaliação que, no fundo, determina como se desenvolve o


currículo, isto e, o que e como se ensina e o que e como se aprende e, assim, tem
uma grande preponderância naquelas relações, sobretudo quando as avaliações
externas são consideradas. Mas, para outros autores, é o currículo que acaba por
determina: a natureza das avaliações. Por outro lado, partindo do princípio de que a
avaliação e indissociável do ensino, pode pensar-se que a pedagogia e a avaliação (e
o ensino) deveriam relacionar-se de forma a contribuir decisivamente para que todos
os aprendam o que está previsto no currículo. Esta será, a meu ver, a situação
desejável e que está subjacente à organização e ao desenvolvimento das ideias e
práticas que são advogadas neste texto. E, igualmente, a situação que evidencia a
necessidade de se desenvolver uma cultura de Inovação Pedagógica que considero
crucial para melhorar, reinventar e recriar práticas de avaliação e de ensino que
contribuam de forma decisiva para que os alunos aprendam o que são supostos
aprender.
Temos de compreender que uma cultura de inovação pedagógica se desenvolve
através da utilização de processos de ensino e de avaliação e de dinâmicas dc
trabalho que façam real sentido na situação concreta em que os alunos e os docentes
se encontram e que lhes permitam, em cada momento, realizar as tarefas propostas
tendo essencialmente em conta o que é necessário fazer, para que o trabalho tenha a
qualidade que se definiu através dos objetivos de aprendizagem e dos critérios. Assim,
por exemplo, fazer perguntas aos alunos, dar-lhes tempo para responderem e
distribuir-lhes feedback de qualidade pode constituir uma inovação pedagógica com
real valor numa diversidade de contextos. De igual modo, a criação e o
desenvolvimento de um ambiente de sala de aula, em que professores e alunos
constituem uma real comunidade de aprendizagem, pode constituir uma inovação
pedagógica. Isto tem que ver com o facto de, na prática, inovar em educação e, muito
particularmente, inovar na avaliação e no ensino, não significa que é necessário
utilizar estratégias, processos ou dinâmicas de sala de aula que nunca tinham sido
inventadas ou utilizadas. Temos de desconstruir a ideia de que a inovação pedagógica
é algo que é praticamente inacessível ao comum dos mortais porque, na sua essência,
está intrinsecamente associada ao que os professores fazem e como fazem e às suas
relações naturais com os seus alunos; por isso, neste trabalho, ela é sobretudo
entendida como um processo através do qual se pode (re)inventar o gosto ou o prazer
em ensinar, avaliar e aprender. Só inovando se podem melhorar as estratégias de
ensino e de avaliação, a partir de leituras do currículo e da pedagogia que não podem
deixar de ser inovadoras. E isto significa que temos de dar mais espaço às visões do
ensino como profissão e como arte, em que a criatividade se relaciona com o
conhecimento e com uma diversidade de formas que podemos conceber para que os
alunos aprendam.
A inovação pedagógica não pode, nunca, ser redutível a um manual em que se listam
técnicas de ensino e de avaliação mais ou menos prontas a usar, por muito bem-
intencionadas que sejam. Tal como se ilustra na Figura 2, a Inovação Pedagógica é

Figura 2 Currículo, pedagogia e conhecimento indissociáveis numa cultura de Inovação Pedagógica.


um processo que está intrinsecamente relacionado com os domínios do Currículo, da
Pedagogia e do Conhecimento da disciplina ou disciplinas que se ensinam. Por um
lado, permite-nos olhar para eles de forma inovadora e, por outro lado, recebe deles
contributos fundamentais para o seu desenvolvimento. Trata-se, por isso, de um
processo sem o qual as práticas de ensino e de avaliação de forma muito pouco
provável poderã0 contribuir decisivamente para que os alunos aprendam a pensar e
venham a ser, eles mesmos, inovadores e cidadãos livres e criativos.

É importante compreender que, em si mesma, a inovação pedagógica não garante a


melhoria do ensino e das aprendizagens, mas, sem ela, muito dificilmente se podem
criar condições que permitam responder aos desafios que vêm sendo enunciados,
nomeadamente no que se refere à melhoria da qualidade do trabalho dos alunos.
Assim, é necessário compreender que as inovações ou perspetivas pedagógicas
inovadoras no domínio do ensino e/ou da avaliação não são muitas vezes bem-
sucedidas porque, ainda que se baseiem em boas ideias, não foram suficientemente
pensadas e amadurecidas e, nessas circunstâncias, apesar das boas e genuínas
intenções, tudo poderá ficar exatamente como antes. Eu diria que o que nos pode
garantir que a inovação pedagógica dá origem a melhorias significativas do ensino, da
avaliação e das aprendizagens, é a seleção e a definição muito clara das tarefas e do
que através delas se pode alcançar. O que de facto faz a diferença no final de uma
dada sequência de ensino-aprendizagem-avaliação é o que os alunos sabem e são
capazes de fazer e a qualidade e riqueza da experiência ou experiências em que se
envolveram e que permitiram o desenvolvimento dos seus conhecimentos,
competências e atitudes. Consequentemente, sempre que os alunos são confrontados
com estratégias de ensino e/ou de avaliação com as quais não se sentem
confortáveis, porque lhes são desconhecidas, é necessário garantir que tudo é
devidamente clarificado e compreendido. Além do mais, é necessário compreender
que as inovações ou os processos inovadores necessitam de tempo para produzirem
os resultados que se esperam. Em geral, é necessário que professores e alunos se
familiarizem com novas dinâmicas de trabalho e/ou com novas tarefas para que as
práticas se desenvolvam e produzam os processos e os resultados que se esperam.
A inovação pedagógica é, assim, um desafio às pedagogias da conformidade e às
práticas de ensino e de avaliação oriundas do século XIX e que continuam a
prevalecer, com níveis diferenciados de preponderância, numa diversidade de
sistemas escolares. Mas só poderá ser efetivamente assim se formos capazes de ter
em conta os domínios do conhecimento que se explicitaram na Figura 1 e que se
discutem na secção seguinte deste texto.

Acerca das Relações entre Currículo, Pedagogia e Avaliação


De forma muito simples pode dizer-se que, numa sociedade democrática, o currículo e
o melhor pensamento que essa sociedade é capaz de produzir, num determinado
contexto histórico, político e cultural, acerca do que as crianças e os jovens devem
aprender. Dito de outra maneira, pode dizer-se que o currículo é a forma que as
sociedades decidem adotar para organizar o conteúdo e os propósitos relativos ao
ensino as aprendizagens que se devem realizar nas escolas. O conteúdo tem
essencialmente que ver como os conhecimentos, conceitos e procedimentos que, em
geral, são veiculados e trabalhados ao longo da escolaridade, através de uma dada
lista de disciplinas e de um mais menos vasto e complexo conjunto de orientações. Os
propósitos estão relacionados com o que se pretende alcançar através do ensino e
das aprendizagens do referido conteúdo. Também aqui se poderia discutir uma grande
diversidade de a prosseguir pelas escolas através de um dado currículo. Porém, dir-
se-á apenas que os propósitos mais consensuais consistem em assegurar as
condições para que as novas gerações possam apreender a cultura, a identidade e os
valores estruturantes da sociedade, desenvolver os conhecimentos que lhes permitam
prosseguir critica e livremente as suas vidas e participar ativamente na melhoria da
vida social. Por conseguinte, cabe às escolas, como unidades básicas fundamentais
dos sistemas escolares, criar condições subjetivas e objetivas para garantir que as
aprendizagens e os propósitos previstos no currículo se possam efetivamente
concretizar. Ainda que estas ideias mereçam um alargado consenso, há, obviamente,
uma diversidade de apaixonantes perspetivas e teorizações acerca do currículo que
não cabe discutir no âmbito deste trabalho. O que talvez interesse acrescentar é que o
currículo não é neutro; isto é, ele veicula sempre os valores, as ideologias e, em geral,
as conceções acerca do mundo, da ciência e da escola daqueles que participaram na
sua construção. Como construção e prática social, o currículo proposto num país
democrático reflete as contradições existentes na sociedade e, por isso, é natural que
seja objeto de mudanças mais ou menos significativas ao longo dos tempos pois não
será nunca uma realidade estática e imutável.
O currículo é, nestes termos, uma emanação da sociedade e torna-se no chamado
currículo proposto ou currículo oficial quando, entre nós, é assumido politicamente
através da sua homologação formal e publicação no Diário da República. A
apropriação do currículo proposto por parte dos professores e das escolas dá origem
ao chamado currículo implementado ou currículo posto em prática que normalmente
difere do currículo proposto por força de uma diversidade de elementos mediadores,
tais como as conceções e a formação dos professores, os livros e materiais que se
utilizam, os projetos das escolas, as caraterísticas da comunidade escolar e a
natureza das lideranças. Assim, é habitual dizer-se que quando o currículo proposto é
posto em prática, a pedagogia entra em ação, já que a questão que se coloca aos
professores e às escolas é a de saber de que formas é que se poderão criar as
melhores condições para que as crianças e os jovens aprendam o que é proposto no
currículo.
A pedagogia tem então um papel incontornável e decisivo no que se refere às formas
como os professores e as escolas organizam o ensino e a avaliação, para que cada
um dos seus alunos possa desenvolver as suas aprendizagens tão profunda e
compreensivelmente quanto possível. É, por isso, uma questão que não pode, de
modo algum, ser ignorada, porque as decisões que se tomam no seu âmbito estão
fortemente associadas a questões relacionadas com a igualdade, com a justiça social
e com a inclusão. A pedagogia pode efetivamente fazer toda a diferença no
desenvolvimento do currículo, pois é através dela que, por exemplo, se vai decidir se
os professores vão dizer o currículo, limitando-se a reproduzir o que consta nos livros
de texto ou se, pelo contrário, vão trabalhar no sentido de considerarem que o
currículo é algo que os interpela e interpela os seus alunos, que os leva a pensar
sobre os fenómenos que nos rodeiam e a formular e a testar conjeturas no âmbito do
trabalho desenvolvido nas suas turmas. Neste último caso, os alunos são participantes
ativos numa diversidade de processos que podem ser apaixonantes, porque os levam
a conhecer e a compreender uma variedade de fenómenos que integram a realidade
em que vivem. Assim, o currículo não é algo que se diz, ou dita, mas é algo que se
constrói e reconstrói, sendo, na verdade, algo que se vive e que tem que ver com a
vida. É através da pedagogia ou, se quisermos, das pedagogias, que se tomam
decisões relativamente a tantos outros aspetos tão fundamentais como o papel dos
professores e dos alunos, o lugar do ensino e da aprendizagem e os propósitos da
avaliação.
Quanto ao papel dos professores, interessa que, muito brevemente, se discutam
igualmente algumas questões essenciais. A primeira tem que ver com o facto de ser
importante que cada professor se interrogue acerca do profissional que é. Ou seja,
importará responder a questões tais como:

 Os professores limitam-se a ser burocratas do currículo ou são nas reflexivos?


 Os professores são funcionários meramente instrumentais que passam o
currículo para os alunos ou são intelectuais, profissionais altamente ficados,
que pensam e vivem o currículo com os seus alunos?
 Os professores são técnicos especializados na utilização de um conjunto de
técnicas mais ou menos estandardizadas ou são investigadores, observadores
sistemáticos das suas práticas pedagógicas e profissionais?
 Os professores são executantes passivos de um conjunto de regras, técnicas e
procedimentos ou são participantes ativos e interpelativos, que propõem
tarefas aos seus alunos e que os levam a mobilizar, integrar e utilizar uma
diversidade de conhecimentos, competências e atitudes?
Como se compreenderá, as respostas a estas questões, para além de contribuírem
para a definição de uma identidade profissional, evidenciam conceções dos
professores acerca do currículo e da sua concretização e desenvolvimento. Logo,
estão intrinsecamente associadas à pedagogia ou a certas pedagogias. Umas
eventualmente mais baseadas em visões tecnicistas, instrumentais, burocráticas e
convergentes do currículo e outras mais orientadas por visões humanistas, heurísticas,
culturais e divergentes. Isto é, umas que poderemos designar como Pedagogias da
Conformidade, mais consistentes com perspetivas mais conservadoras e até elitistas
da educação, e outras talvez como Pedagogias Socialmente mais Justas, inspiradas
em agendas progressistas e com preocupações relacionadas com a igualdade e a
justiça social.
Interessa ainda refletir acerca das conceções ou visões acerca do ensino ou do que
significa ensinar, porque estão intrinsecamente associadas às formas como se
desenvolve o currículo e ao papel que cada professor reserva para si mesmo nesse
processo. De modo geral, consideram-se e discutem-se quatro visões possíveis: a) o
ensino como Trabalho; b) o ensino como Ofício; c) o ensino como Profissão; e d) o
ensino como Arte.
O ensino como trabalho traduz uma visão de certo modo burocrática e empírico-
racionalista em que, algo ingenuamente, se considera que para se ensinar bastará
definir e identificar um conjunto de boas práticas que se especificam e materializam de
forma concreta. Depois será apenas uma questão de se produzirem materiais
adequados e os resultados aparecem. É realmente uma visão ingénua que, em larga
medida, ignora a complexidade dos processos associados ao ensino, que parece ser
visto como uma técnica que se pode pôr em prática independentemente dos
professores e dos alunos e dos contextos envolventes.
No ensino como ofício há o entendimento de que ensinar consiste na adequada
aplicação de um conjunto de regras e técnicas. Ou seja, parte-se do princípio de que
há uma definição precisa de uma diversidade de técnicas e regras que podem ser
aprendidas pelos professores, bastando-lhes pô-las em prática. Trata-se igualmente
de uma visão bastante redutora do ensino e do que é ensinar e que vai ao encontro de
uma ideia que se vai perpetuando e que se pode traduzir aproximadamente através de
frases tais como: diz-me como é que isto se faz, mas sem teorias, porque eu estou no
terreno e preciso é de coisas práticas. Ou seja, é a necessidade de ter uma espécie de
receita que, supostamente, se poderá utilizar em quaisquer circunstâncias e que se
apoia na conceção teórica de que o ensino é uma técnica e não um empreendimento
humano em que a pessoa do professor, com as suas conceções, experiências,
conhecimentos, competências e valores, parece contar pouco para os fins em vista.
Na visão do ensino como uma profissão estamos perante uma perspetiva sofisticada e
complexa do que é ser professor: um profissional altamente qualificado, possuidor de
um alargado e aprofundado conjunto de capacidades, competências e conhecimentos
tais como o Conhecimento do Conteúdo (CC) da disciplina, o Conhecimento
Pedagógico(CP), que inclui conhecimentos de uma diversidade de métodos de ensino,
e o conhecimento Pedagógico do Conteúdo (CPC), além dos conhecimentos acerca
do currículo, do ensino, da aprendizagem e da avaliação (Shulman, 1986). Devo aqui
referir que o CPC, conceito definido em 1986 pelo Professor Lee Shulman, da
Universidade de Stanford, nos Estados Unidos da América, é um conhecimento
exclusivo dos professores que, no fundo, resulta da forma como se articulam ou
relacionam os conhecimentos de pedagogia (e.g., métodos de ensino) com o
conhecimento do conteúdo (e.g., o que se sabe acerca do que tem de se ensinar). De
facto, o CPC está na interseção entre o CC e o CP, sendo, assim, uma síntese que
tem de ser realizada desses dois tipos de conhecimento e que, como se compreende,
é muito relevante e específica da profissão docente. Na verdade, trata-se da
capacidade que um professor tem de desenvolver para que o conhecimento do
conteúdo da sua disciplina possa ser apreendido por todos os seus alunos que, com
certeza, diferem relativamente a aspetos de natureza social, cultural e económica.
Consequentemente, o CPC tem subjacente o conhecimento acerca dos alunos e da
aprendizagem, o conhecimento curricular e o conhecimento de estratégias de ensino.
Dada a relevância desta questão e a importância que pode ter para o desenvolvimento
de uma sólida identidade profissional dos professores, a Figura 3 evidencia os
diferentes tipos de conhecimento que acabaram de se apresentar.

Figura 3 Conhecimento dos professores de acordo com Lee Shulman (1986)


Em face ao exposto, a visão do ensino como profissão, implica necessariamente que
os professores são intelectuais que desenvolvem atitudes críticas e fundamentadas
acerca do currículo do ensino, da aprendizagem, da escola e das suas próprias ações
pedagógicas. Isto significa algo que é de crucial relevância para se compreender o
papel dos professores perante a necessidade e o imperativo ético de se melhorarem
as práticas pedagógicas. É que, nesta perspetiva, nós somos instados a pensar e a
formular juízos profissionais a partir dos quais tomamos decisões que são
fundamentais para desenvolvermos a nossa ação pedagógica que, naturalmente,
passa por organizar e desenvolver o currículo, ensinando. Assim, os professores são
profissionais muito qualificados e autónomos (e não meros funcionários, técnicos ou
burocratas) que luem e se desenvolvem profissionalmente através do trabalho
colaborativo com os seus pares e ensinam com elevados padrões de conhecimentos
(e.g., conteúdo, pedagógico e pedagógico do conteúdo). Note-se que esta visão nada
tem que ver com as duas anteriores, pois o professor não é visto como alguém a quem
se distribuem umas receitas e umas técnicas que ele tem de aplicar de forma mais ou
menos funcionalista e burocrática. O professor é um intelectual, um homem ou mulher
da cultura, um profissional cosmopolita e altamente qualificado, preparado para
pensar, criar e inovar.
Finalmente, a visão do ensino como arte está muito associada à ideia da natureza
imprevisível do trabalho pedagógico nas salas de aula e também à natureza inovadora
e não convencional das práticas pedagógicas de ensino, de aprendizagem e de
avaliação. Estamos perante uma perspetiva em que o processo de ensinar não se
resume à utilização de um conjunto de regras ou de procedimentos mais ou menos
estandardizados. Ensinar é bem mais do que isso, pois tem que ver com o
desenvolvimento de dinâmicas de sala de aula em que a intuição, a improvisação, a
dramatização e a criatividade constituem os ingredientes de um clima de inovação
pedagógica facilitador do desenvolvimento das aprendizagens e de uma diversidade
de competências transversais, fundamentais para resolver uma diversidade de
problemas e que normalmente permanecem ao longo da vida.
Em suma, o ensino é um processo pedagógico que é indissociável das perspetivas,
conceções, experiências, conhecimentos e competências dos professores, assim
como dos contextos e das condições em que se desenvolve. Não é uma técnica nem
uma ciência embora, naturalmente, seja necessário utilizar a ciência para o pôr em
prática' para o desenvolver. O ensino é um processo pedagógico essencialmente
imprevisível uma vez que é profundamente influenciado pelas interações sociais e pelo
clima que se desenvolve nas salas de aula e nas escolas. Por conseguinte, quando se
discute elou se analisa o ensino, é necessário ter em conta que se trata de um
processo em que as pessoas do professor e dos alunos têm uma relevância particular
e insubstituível e, por isso, a sua dimensão humana não é substituível e é
preponderante.
A aprendizagem é a verdadeira razão que nos move e motiva quando pensamos no
desenvolvimento do currículo, no ensino e na avaliação. Ou seja, melhorarmos estes
processos é importante porque eles estão diretamente relacionados com a melhoria
das aprendizagens dos alunos. É normalmente reconhecido que os alunos aprendem
alguma coisa quando são capazes de fazer algo que não eram capazes de fazer
antes, se são capazes de o fazer de forma independente, isto é, sem a ajuda dos seus
colegas ou professores, e se são capazes de o fazer bem-feito. O mais relevante em
qualquer aprendizagem é que ela se manifeste numa diversidade de contextos e na
resposta a um alargado espetro de tarefas. Ou seja, que ao aprender os alunos sejam
capazes de mobilizar o que aprenderam para utilizar noutras circunstâncias e
contextos, e esta capacidade de transferência da aprendizagem está normalmente
associada a aprendizagens profundas, com compreensão e não apenas à reprodução
pura e simples do que se ouve ou do que se lê. Com a emergência do cognitivismo e
das teorias socioculturais passou a considerar-se que a aprendizagem é social e
culturalmente determinada, construindo-se através das interações sociais, da
atribuição de significados e das estruturas de conhecimento e das conceções que se
desenvolveram previamente. Além do mais, reconhece-se que quer a aprendizagem,
quer o desenvolvimento cognitivo são processos sociais por natureza. Estas ideias
acerca da aprendizagem e dos modos como se aprende deram origem a um conjunto
de princípios que são fundamentais para que seja possível encontrar uma razão de ser
para a importância de se melhorarem os processos de ensino e de avaliação através
de pedagogias mais ativas e socialmente mais justas. Talvez o princípio mais
significativo e de maior alcance é o de se ter passado a considerar que todos os
alunos podem aprender contrariando assim as ideias vindas do século XIX de que
apenas alguns dotados poderiam aprender disciplinas e tarefas consideradas mais
complexas e desafiadoras. Este princípio desafia a escola tradicional e os métodos
magistrais de ensino pois exige que se promovam estratégias de ensino que permitam
que os alunos que vêm de ambientes social e culturalmente menos evoluídos tenham
reais oportunidades para se apropriarem da linguagem, dos procedimentos e dos
modos de aprender que lhes permitam evoluir como os seus colegas de meios mais
favoráveis dos pontos de vista social e cultural. Outro importante princípio destinado a
apoiar esta nova visão da aprendizagem prende-se com a necessidade de melhorar as
práticas de avaliação em dois eixos principais. Por um lado, a avaliação tem de ser
consistente com a aprendizagem de processos mais complexos de pensamento,
normalmente utilizados na resolução de problemas e em tarefas que obrigam os
alunos a pensar e não apenas a reproduzir o que ouvem ou leem nos livros de texto.
Esta ideia decorre de uma visão em que se considera que um dos principais
propósitos da educação é o de aprender a pensar, como um dia nos disse Lauren
Resnick (Resnick, 1987). Por outro lado, é necessário melhorar significativamente as
formas como a avaliação é utilizada e percebida pelos alunos e pelos professores no
contexto das salas de aula. Na verdade, em geral, as avaliações realizadas nas salas
de aula são em larga medida uma emulação das avaliações externas, vistas
essencialmente como uma técnica e sobretudo associadas à atribuição de
classificações. Melhorar de modo substancial a avaliação nas salas de aula passa,
antes de mais, por a considerar um processo eminentemente pedagógico em vez de
uma técnica ou um algoritmo para dar notas.
Tal como se exemplifica na Figura 4, o desenvolvimento de uma cultura de inovação
pedagógica, capaz de contribuir de forma sustentada para o desenvolvimento de
práticas de avaliação e ensino consistentes com a melhoria da qualidade do trabalho
dos alunos e da educação, exige visões renovadas e articuladas acerca do currículo e
do seu desenvolvimento, acerca da aprendizagem e acerca da avaliação.
Importa dizer nesta altura que as práticas pedagógicas de ensino e de avaliação dos
professores são, comprovadamente, os fatores que mais contribuem para melhorar as
aprendizagens dos alunos e, assim, podem estar na base do desenvolvimento de
sistemas escolares mais justos, mais democráticos e, por isso, mais inclusivos. Mas,
como se vem afirmando, o serviço público de educação é bastante complexo e, como
é evidente, há fatores de natureza política, social e cultural, entre outros, que podem
influenciar de forma por vezes decisiva o curso dos acontecimentos. As pedagogias,
por si sós, não podem garantir que os resultados dos sistemas educativos sejam
socialmente mais justos, nem sequer que as práticas ao nível das salas de aula
tenham em conta as diferenças existentes entre os alunos. São muito importantes e
necessárias políticas públicas que apoiem o desenvolvimento de projetos educativos
em que as práticas de ensino e de avaliação, as pedagogias, prossigam propósitos
mais consentâneos com a produção de práticas e de resultados socialmente mais
justos.
Não podendo aqui elaborar-se acerca da complexidade das relações existentes entre
a diversidade de fatores em jogo, refira-se apenas que as perspetivas sociológicas
contemporâneas decorrentes da teoria da reprodução e da teoria das escolas
eficazes, reconhecem abertamente que as pedagogias e, por isso, o ensino e a
avaliação, podem ser decisivas no caminho para uma escola mais igual e mais justa,
onde todos e cada um dos seus alunos pode, com efeito, aprender.
Consequentemente, parece bastante plausível afirmar-se, como se vem fazendo neste
texto, que as questões da avaliação e do ensino não podem ser pensadas
independentemente da pedagogia, do currículo e das preocupações éticas e sociais
com a igualdade, a inclusão e a justiça. Nos anos 70 do século passado, já Basil
Bernstein se referia à relação simbiótica entre o Currículo, a(s) Pedagogia(s) e a
Avaliação (Bernstein, 2001, 2004). Assim, quando se discute o bem público da
educação têm necessariamente de se discutir os seus propósitos, as questões
relativas ao currículo e as formas como o desenvolver (pedagogias, ensino).

As pedagogias socialmente mais justas, consistentes com perspetivas humanistas,


são o meio através do qual todas as crianças e todos os jovens se relacionam com o
conhecimento de forma única. Todos deverão ter oportunidades para desenvolver
conhecimentos, competências e atitudes que lhes permitam integrar-se em pleno e
compreender e apreciar criticamente a sociedade em que viverão as suas vidas. E, é
sempre importante sublinhá-lo, os professores são insubstituíveis pois não haverá

Figura 4 Visões do currículo, do ensino, da aprendizagem e da avaliação consistentes com a melhoria das aprendizagens dos
alunos
nunca qualquer reinvenção do currículo e da pedagogia sem a sua participação e a
sua entrega (Fernandes, 2021a).

3. Para uma Avaliação Pedagógica


A avaliação pedagógica, tal como é entendida no âmbito deste texto, integra uma
diversidade de processos que se desenvolvem nas salas de aula e cujo mais
fundamental propósito é contribuir para apoiar o desenvolvimento das aprendizagens
dos alunos. Isto é, para os ajudar a aprender com mais compreensão e profundidade
para que possam aprender a pensar. A consecução daquele propósito depende
largamente dos processos que se utilizam na avaliação da qualidade dos trabalhos
que são produzidos pelos alunos, ou seja, na avaliação do que sabem e são capazes
de fazer quando se envolvem na realização de uma diversidade de tarefas que, em
regra, lhes são propostas pelos professores. O processo de avaliação deve poder
contar sempre com a participação sistemática dos alunos através do seu envolvimento
ativo numa diversidade de atividades, tais como a autoavaliação, a avaliação entre
pares e a participação na discussão de critérios, de descritores e de rubricas de
avaliação.
A avaliação pedagógica Integra quer a Avaliação Formativa, também designada por
Avaliação para as Aprendizagens e a Avaliação Sumativa, também designada por
Avaliação das Aprendizagens. Nestes termos, considera-se que quer a avaliação
formativa, quer a avaliação sumativa são modalidades de avaliação que, na sua
essência, são processos eminentemente pedagógicos que devem ter importantes e
positivas repercussões no desenvolvimento dos processos de aprendizagem dos
alunos. Além do mais, a avaliação pedagógica integra igualmente a classificação,
processo cujo último propósito é certificar as aprendizagens dos alunos. As
classificações são muito relevantes, a diferentes níveis, para a vida académica e
pessoal dos alunos e, consequentemente, e necessário integrá-las nos processos
pedagógicos para que também possam contribuir para o desenvolvimento das
aprendizagens dos alunos.
Na designação Avaliação Pedagógica o adjetivo tem uma particular relevância pois
integra a avaliação, tal como se entende no contexto deste trabalho, nos processos de
ensino e de aprendizagem. Esta é uma ideia do maior alcance para o desenvolvimento
das práticas pedagógicas e para o desenvolvimento das aprendizagens dos alunos.
Em suma, a avaliação pedagógica refere-se a todos os processos de avaliação e de
classificação que são da integral responsabilidade dos professores e das escolas,
estando, por natureza, intrinsecamente relacionada com o ensino e a aprendizagem.
Não sendo este o contexto para elaborar acerca dos fundamentos teóricos da
avaliação pedagógica em geral, sempre direi que tem havido uma evolução teórica em
que as perspetivas socioculturais da aprendizagem, baseadas na interação social,
estão muito associadas aos desenvolvimentos no que se refere à sua
conceitualização. O trabalho de Lev Vygotsky, com o seu conceito de Zona Próxima
de Desenvolvimento, de Yrjó Engestróm, com a sua Teoria da Atividade, inspirada nos
trabalhos de Vygotsky, Leontiev e dos pragmatistas norte-americanos como John
Dewey e as visões sociológicas de Basil Bernstein, de Pierre Bourdieu e de Michael
Young, têm tido uma clara e marcante influência no desenvolvimento de novas e
inovadoras conceções pedagógicas de que a avaliação é parte integrante.
Nomeadamente no que se refere a perspetivas orientadas por agendas sociais que
traduzem preocupações com as desigualdades e com a exclusão e, por isso, advogam
pedagogias social e culturalmente mais justas. Simultaneamente, é sob as perspetivas
socioculturais da aprendizagem que emergem dois conceitos de raiz antropológica
incontornáveis na pedagogia e nas ações pedagógicas contemporâneas: a
aprendizagem situada e as comunidades de prática (Wenger, 1998, Wenger et al.,
2002). Ambos nos remetem para a importância de referentes contextuais e da
interação social no desenvolvimento das aprendizagens o que não deixam de ser
ideias próximas do trabalho de Engeström quando, por exemplo, este nos fala nas
relações entre a comunidade, os sujeitos (alunos e professores), os objetos de
aprendizagem, as regras que se estabelecem, a divisão do trabalho e os artefactos
mediadores (e.g., livros, artigos), elementos basilares da referida Teoria da Atividade.
E também das perspetivas de John Dewey e dos cognitivistas norte-americanos como
Jerome Bruner baseadas no aprender fazendo, com clara ênfase na ideia de
aprendizagem aplicada e no reconhecimento da relevância dos contextos sociais e
culturais da educação.
Isto para referir apenas que a visão que hoje temos da pedagogia, do currículo e da
avaliação e, muito particularmente, da avaliação pedagógica, decorreu da evolução
que se foi verificando a partir destes autores, que podemos considerar clássicos, e que
são a todos os títulos, incontornáveis. No fundo, são largas dezenas de anos de
investigação para se reconhecer que a interação social tem um papel incontornável no
desenvolvimento das aprendizagens e, num sentido mais específico, nas identidades
de quem aprende. Destas ideias retiram-se ilações que são fundamentais para se
perceber, por exemplo, que a avaliação, tal como um dia nos disse Paulo Freire, não é
o ato através do qual A avalia B, mas antes o processo através do qual ambos, A e B,
analisam, refletem e discutem acerca do trabalho realizado e das dificuldades
encontradas (Freire, 1978). E, nestas condições, a avaliação é dialógica tendo
essencialmente que ver com a reflexão e a problematização acerca do trabalho
realizado. Por conseguinte, a avaliação é um empreendimento genuinamente humano
que tem de ser desenvolvido com os alunos em vez de para os alunos. Esta é uma
ideia acerca da qual vale a pena pensar pois tem comprovados efeitos positivos na
motivação dos alunos para aprender e isto por uma razão muito simples: sentem que,
de algum modo, controlam os seus processos de aprendizagem, isto é, sentem que as
suas intervenções são tidas em conta e isso torna-os, reconhecidamente, participantes
mais ativos, interessados e empenhados. Claro que, para que tal possa suceder é
necessário desenvolver esforços para que as aprendizagens e os alunos passem a
ocupar o centro dos processos de educação e formação. O ensino continuará sempre
a ser determinante, mas temos de prestar mais atenção ao que os alunos têm de
aprender e de considerar que, como professores, somos recursos altamente
qualificados que devemos continuar a orientar e a apoiar os alunos, mas
reconfigurando o nosso papel e o nosso lugar nesse processo.
Estes são, digamos assim, referentes teóricos, conceituais e epistemológicos da ava
liação pedagógica tal como atrás já se definiu. Trata-se de uma avaliação que, tanto
quanto possível, deve ser indissociável do ensino e das aprendizagens o que a remete
para o campo mais vasto da pedagogia e daí a opção pela designação Avaliação
Pedagógica. Em Fernandes (2021b) pode aprofundar-se a discussão acerca da
natureza, princípios e práticas de avaliação pedagógica.
A Figura 5 esquematiza de forma simples a abrangência e o enquadramento da
avaliação pedagógica, sendo de destacar que, nesta perspetiva, os processos de
ensino, de aprendizagem, de avaliação e de classificação são indissociáveis.
Considera-se que são processos pedagógicos e, nesse sentido, devem contribuir para
apoiar o desenvolvimento das aprendizagens dos alunos.
Discutem-se seguidamente os conceitos de avaliação formativa, de avaliação

Figura 5 Abrangência e enquadramento da Avaliação Pedagógica.

sumativa e de classificação cuja apropriação é incontornável quer na definição de uma


política de Avaliação e de Classificação de uma escola ou agrupamento, quer no
desenvolvimento de práticas de avaliação pedagógica consentâneas com as
orientações legais vigentes no nosso país há cerca de 30 anos.

Avaliação Formativa ou Avaliação para as Aprendizagens


A relação da avaliação formativa com a melhoria das aprendizagens de todos os
alunos e, muito em particular, dos que normalmente são referidos como tendo mais
dificuldades de aprendizagem, está comprovada há algumas décadas através do
conhecimento produzido pela investigação que se realiza um pouco por todo o mundo.
Na verdade, há três resultados que importa sintetizar e que são comprovadamente
válidos para qualquer ano de escolaridade e qualquer disciplina ou unidade curricular:

 As práticas de avaliação formativa melhoram significativamente as


aprendizagens de todos os alunos.

 Os alunos que normalmente evidenciam mais dificuldades de aprendizagem


são os que mais beneficiam com as práticas de avaliação formativa.
 As práticas de avaliação formativa, de modo geral, estão associadas à
obtenção de melhores resultados dos alunos nas avaliações externas,
nomeadamente nos exames.

Apesar da credibilidade da investigação que tem contribuído para produzir estes e


outros resultados, e apesar dos normativos legais do nosso país estabelecerem que a
avaliação formativa deve predominar nas salas de aula e ser um processo
essencialmente orientado para distribuir feedback que contribua para ajudar os alunos
a aprender, a verdade é que não tem sido, nem é fácil integrar as práticas de
avaliação formativa no sistema escolar. Há, com certeza, uma miríade de razões que
nos podem ajudar a compreender este facto. Umas terão que ver com o facto de estar
generalizada a ideia de que a avaliação formativa é mais uma coisa que os
professores, assoberbados com um ror de tarefas, têm de fazer. E, na verdade, pôr
em prática a avaliação formativa não exige realmente qualquer aparato especial e/ou a
mobilização e a utilização de quaisquer procedimentos complexos ou a recolha e
análise de grandes quantidades de informação. Eu diria que a avaliação formativa, no
essencial, se baseia na interação social, no diálogo entre os alunos e entre estes e o
professor, através do qual é possível distribuir feedback que oriente e apoie o
desenvolvimento das aprendizagens (Fernandes, 2021c). Será igualmente relevante
criar um ambiente pedagógico em que os professores e os seus alunos constituem
uma ativa comunidade em que todos colaboram no sentido de se alcançarem os
objetivos de aprendizagem. Há, obviamente, opções pedagógicas, curriculares, com
impacto nos processos de ensino e de avaliação, que têm de ser pensadas e que,
eventualmente, podem mexer com as habituais rotinas.
Outras razões que podem ajudar-nos a compreender aquela dificuldade prendem-se
com as conceções e com as culturas de avaliação que estão enraizadas na sociedade
e nas escolas. Talvez a mais significativa esteja relacionada com o facto de, em geral,
se considerar que avaliar e classificar (ou medir) são conceitos indistintos e, por isso,
para muitos profissionais, da educação pré-escolar à universitária, a avaliação e o
feedback são associados à produção de classificações e não são realmente
concebidos como processos pedagógicos que podem ajudar os alunos a aprender
mais e melhor, com mais compreensão. Assim, é difícil para as pessoas
compreenderem que os resultados das avaliações formativas não devem ser
mobilizados para atribuir classificações, mas antes para distribuir feedback como nos
indicou Benjamim Bloom há pouco mais de meio século. Mas há outras conceções
que não ajudam a ultrapassar as referidas dificuldades. Refiro apenas mais duas
acerca das quais se pode pensar e retirar as respetivas ilações. Uma delas, bastante
comum, leva as pessoas a considerarem que a avaliação formativa é qualitativa e
subjetiva enquanto que a avaliação sumativa é quantitativa e objetiva.
Consequentemente, afirma-se que a avaliação sumativa é que é a avaliação a sério e
que a avaliação formativa não é credível. Ora estas conceções, tomadas como
verdades, não estão escritas em lado nenhum, ou seja, não têm qualquer
sustentabilidade científica, não integrando qualquer publicação credível no domínio da
avaliação. De facto, qualquer avaliação é, por natureza, subjetiva, o que não significa
que não possa e deva ser rigorosa. Além disso, as avaliações formativas e as
avaliações sumativas podem ser baseadas, indistintamente, em dados qualitativos e
quantitativos. Por fim, outra conceção de igual modo muito comum é a de se
considerar que nos anos iniciais da escolaridade e, muito particularmente, na
educação pré-escolar só há avaliação formativa. Neste caso, as pessoas tendem a
considerar que tudo o que é qualitativo tem que ver com a avaliação formativa e/ou
que só podemos ter avaliação sumativa quando se podem administrar testes. Ou seja,
a avaliação sumativa e a avaliação formativa não são entendidas como processos
pedagógicos para apoiar e/ou melhorar as aprendizagens, mas antes como meios
para produzir classificações quantitativas. Nestas condições torna-se necessário
clarificar os conceitos que permitam discernir a natureza' 0 propósito, a inserção
pedagógica e as principais caraterísticas da avaliação formativa e da avaliação
sumativa. Talvez só dessa forma seja possível integrá-las nas práticas pedagógicas de
avaliação e retirar daí, tal como está comprovadamente adquirido na literatura da
especialidade, os respetivos benefícios para o desenvolvimento das aprendizagens
dos alunos.
Antes de prosseguir, gostaria de destacar desde já alguns dos aspetos mais
relevantes que integram o processo de avaliação formativa e que, na verdade, estão
fortemente relacionados. São as relações existentes entre eles e as ações conjuntas e
concertadas de professores e alunos que, em rigor, os tornam poderosos meios ao
serviço das aprendizagens dos alunos. A Figura 6 apresenta esses elementos, sendo
de destacar a importância de os considerarmos interagindo uns com os outros,
conferindo-lhes a relevância que têm para as práticas de avaliação pedagógica.

Figura 6 Elementos essenciais a considera no processo de avaliação formativa

Todos os elementos da Figura 6 e a importância das suas relações são discutidos em


diferentes partes deste texto, conforme se considerar oportuno. Mas pareceu-me
importante apresentá-los desde já para que a leitora, ou o leitor, possa, de algum
modo, estabelecer as ligações entre as partes de um todo que interessa ter sempre
presente. E, talvez mais importante, proporcionar desde já uma oportunidade para se
pensar nos aspetos práticos e operacionais a ter em conta se queremos desenvolver
e/ou melhorar as nossas práticas de avaliação formativa. Repare-se que a figura
destaca, por um lado, aspetos que podem e devem ser definidos elou selecionados
previamente como é o caso dos Objetivos de Aprendizagem, dos Critérios e das
Tarefas e, por outro lado, aspetos que integram o desenvolvimento das práticas
pedagógicas que, no essencial, se desenvolvem nas salas de aula como é o caso do
Feed up, do Feedback e do Feed forward, da Autoavaliação e da Avaliação entre
Pares e a Formulação de Questões. Estes são os eixos orientadores das práticas de
avaliação formativa que, comprovadamente, podem contribuir para a melhoria sensível
da qualidade das aprendizagens e que são discutidos ao longo deste texto. A definição
dos Objetivos de Aprendizagem e dos Critérios pode, sempre que considerado
adequado e oportuno, ser clarificada e até reformulada com a participação ativa dos
alunos. A seleção das Tarefas, está no cerne das práticas pedagógicas, uma vez que,
através de cada tarefa, os alunos podem aprender, os professores podem ensinar e
ambos podem avaliar, refletindo sobre a qualidade do trabalho que foi realizado no seu
âmbito. As tarefas deverão ter em conta os objetivos e os critérios para garantir que o
currículo é adequadamente desenvolvido. O Feed up, o Feedback e o Feed forward,
componentes do processo mais geral de feedback, são processos pedagógicos muito
relevantes e incontornáveis no contexto da avaliação formativa, pois permitem que, em
cada momento e respetivamente, os alunos estejam conscientes acerca do que é
necessário aprender e saber fazer, acerca do estado em que se encontra a qualidade
do seu trabalho ou das suas aprendizagens e competências e acerca dos processos e
estratégias que deverão utilizar para reformular, melhorar e/ou consolidar a qualidade
do seu trabalho. A participação ativa dos alunos nos processos de avaliação, o que,
convém sublinhar, implica necessariamente a sua participação nos processos de
ensino e aprendizagem, tem de passar pelo desenvolvimento da Autoavaliação e da
Avaliação entre Pares, comprovadamente associadas ao desenvolvimento das
competências mais superiores de pensamento dos alunos. Por fim, é importante
sublinhar que a Formulação de Questões deve ser aqui interpretada numa dupla
vertente. Por um lado, é incontornável para que seja possível distribuir feedback pelos
alunos, assegurando assim o mais fundamental propósito da avaliação formativa, por
outro lado, é através dela que alunos e professores podem clarificar, melhorar e
aprofundar o que e como se ensina e aprende.
A partir da breve discussão dos aspetos constantes na Figura 6 que, como foi referido,
são discutidos em diferentes secções deste trabalho e que nos permitem enquadrar
em termos pedagógicos a avaliação formativa e as suas práticas, passemos então à
discussão do conceito propriamente dito.
A avaliação formativa é um processo pedagógico que acompanha os processos de
ensino e aprendizagem com o propósito de os melhorar. É particularmente relevante
para melhorar as aprendizagens dos alunos, uma vez que é através dela que se reco_
lhe informação acerca do que eles sabem e são capazes de fazer em cada momento,
possibilitando a distribuição de feedback que os ajude a aprender mais e, sobretudo
melhor, com mais compreensão. A avaliação formativa só existe e só faz real sentido
se der origem à distribuição de feedback que permita que os alunos possam rever o
trabalho realizado no sentido de o reformular e/ou de o melhorar. Por isso, há autores
para quem a avaliação formativa e o feedback são praticamente sinónimos ou mesmo
sinónimos, o que talvez seja uma visão imbuída de algum exagero pois a avaliação
formativa é um processo pedagógico mais abrangente e mais intrinsecamente
relacionado com um espetro mais alargado da ação pedagógica. Em todo o caso, esta
referência é importante para que se possa perceber que o feedback, incluindo as suas
vertentes de feed up e de feed forward, é estruturante e incontornável no
desenvolvimento de práticas de avaliação formativa. A avaliação formativa é também
um processo tendencialmente contínuo e indissociável dos processos de ensino e
aprendizagem. Nestes termos, está presente em todas as aulas e envolve o esforço
conjunto dos professores e dos seus alunos que, organizados em comunidades de
aprendizagem, desenvolvem o seu trabalho para que, em cada momento, possam:

 Tomar consciência dos objetivos de aprendizagem e, por isso, do que é


necessário aprender e saber fazer.
 Tomar consciência da situação em que se encontram relativamente aos
objetivos de aprendizagem a alcançar, isto é, perceberem o que já aprenderam
e, eventualmente, o que ainda lhes falta aprender.
 Desenvolver as estratégias e/ou processos que se revelem necessários para
reformular, melhorar e/ou aprofundar a qualidade do trabalho realizado para
poder aprender.
Nestas condições, emerge a ideia de que a avaliação formativa implica
necessariamente o envolvimento ativo dos alunos e dos professores para melhorar as
aprendizagens e, para tal, ela tem de ocorrer durante e não após os processos de
ensino e de aprendizagem. Trata-se de avaliar para aprender e não de avaliar o que
se aprendeu.
Julgo ser importante apresentar sucintamente e desde já o que de mais essencial se
pode dizer em relação à evolução do conceito de avaliação formativa desde os anos
70 do século passado até ao presente. É importante analisar essa evolução, sobretudo
pelas ilações que daí se podem retirar para as práticas pedagógicas. Para tal, utilizarei
três figuras muito simples.
A Figura 7 esquematiza como se desenvolvia a avaliação formativa quando, há cerca
de 50 anos, Benjamim Bloom e os seus colaboradores a introduziram nos sistemas
escolares (Bloom, Hastings & Madaus, 1971).

Figura 7 Avaliação formativa realizada após o ensino (anos 70)

Repare-se que, nos anos 70 do passado século, a avaliação formativa era realizada
após o ensino e não durante o ensino e, assim, qualquer dificuldade que
eventualmente pudesse ter surgido ao longo do processo só viria a ser detetada no
final da unidade didática ou de um dado domínio do currículo, tal como sugerem as
setas e as estrelas da figura. Por isso, estamos perante o que Linda Allal designou
como avaliação formativa de regulação retroativa. A ideia, nesta perspetiva, era a de
desenvolver o ensino para que os alunos, supostamente, pudessem aprender e, no
final de um certo período de tempo, verificar em que medida tinham aprendido o que
se definiu nos objetivos de aprendizagem através de uma avaliação formativa,
geralmente sob a forma de um teste. O que Bloom então trouxe de novo foi introduzir
a referida avaliação formativa no final do processo de ensino para distribuir feedback
aos alunos que lhes permitisse rever o seu trabalho e desenvolver as necessárias
estratégias para ultrapassar eventuais dificuldades. Note-se que, se tivermos em conta
os desenvolvimentos teóricos das últimas décadas, a avaliação formativa, tal como
Bloom a concebeu e se ilustra na Figura 7, não era, de facto, formativa. Em rigor, era
uma avaliação sumativa, porque fazia um balanço ou um ponto de situação acerca do
que os alunos sabiam e eram capazes de fazer num dado momento e após um
período de ensino. Nestas condições, era uma avaliação formativa que não
acompanhava os processos de ensino e de aprendizagem e, nesse sentido era uma
avaliação sumativa à qual era dada uma utilização formativa. Ou seja, dessa forma, os
seus resultados eram exclusivamente utilizados para distribuir feedback aos alunos,
para os ajudar a aprender, e não eram mobilizados para efeitos de atribuir
classificações (Fernandes, 2021d). Só após esta avaliação, então designada
formativa, é que tinha lugar uma avaliação sumativa, cujo propósito era classificar o
trabalho dos alunos e que surge na figura no final da unidade ou domínio do currículo.
Em síntese, nesta conceção, a avaliação formativa era utilizada após o ensino de uma
unidade ou domínio do currículo com o propósito de distribuir feedback aos alunos
acerca da qualidade do seu trabalho e das suas aprendizagens. Os dados desta
avaliação formativa não eram, por isso, mobilizados para efeitos classificatórios. Como
já se referiu, a avaliação sumativa que se realizava posteriormente é que tinha esse
propósito. Sublinhe-se ainda que esta avaliação formativa era algo redutora e muito
semelhante a uma avaliação sumativa pois não se realizava durante, mas antes após
os processos de ensino e de aprendizagem e, nestas condições, não havia qualquer
integração entre a avaliação, o ensino e a aprendizagem e, consequentemente, não
havia quaisquer oportunidades para os alunos analisarem e/ou reformularem e/ou
aprofundarem o seu trabalho para o melhorar quando surgissem eventuais
dificuldades.
Com a emergência do cognitivismo, do construtivismo e de perspetivas renovadas
acerca da aprendizagem, em particular as de natureza sociocultural, a avaliação
formativa, a partir dos anos 80, passou a ser considerada como um processo
pedagógico intrinsecamente associado ao ensino e à aprendizagem e, como tal,
tendencialmente contínuo, envolvendo a participação ativa de professores e alunos, na
distribuição de feedback e no desenvolvimento de estratégias para melhorar as
aprendizagens e o ensino. Uma das diferenças fundamentais em relação ao modelo
representado na Figura 7 reside no facto de a avaliação formativa passar a
acompanhar os processos de ensino e de aprendizagem e, nestas condições, o
feedback pode ser distribuído durante e não após a ocorrência destes processos. Por
isso, Linda Allal, decidiu designá-la como avaliação formativa de regulação interativa.

Figura 8 Avaliação formativa realizada durantes o ensino (anos 80)

A Figura 8 ilustra esta perspetiva.


Esta figura destaca algo que tem sido difícil de pôr em prática em muitos sistemas
educativos e que tem que ver com o facto de se reconhecer que a avaliação formativa
acompanha, e está integralmente associada, quer aos processos de ensino, quer aos
processos de aprendizagem. Trata-se de romper com a ideia de que o ensino e a
aprendizagem se desenvolvem e, após um certo período de tempo, ocorre a avaliação
para verificar se os alunos aprenderam o que foi definido nos objetivos de
aprendizagem. Por outro lado, evidencia que, em cada momento, os dados que se
obtêm através da avaliação formativa apoiam as decisões que os professores e os
alunos têm de tomar relativamente ao desenvolvimento do ensino e das
aprendizagens. Por isso, fica claro que, quando se trata de desenvolver práticas
pedagógicas de avaliação formativa isso implica que, alunos e professores,
preferencialmente em estreita colaboração e cooperação, estão a trabalhar questões
de ensino e de aprendizagem.
A partir dos anos 90 e até ao presente mantiveram-se essencialmente as
características da avaliação formativa já enunciadas, havendo, no entanto, dois
importantes desenvolvimentos relativamente à inserção pedagógica da avaliação
sumativa que vale a pena apresentar e discutir. O primeiro, quiçá o mais relevante,
tem que ver com o reconhecimento de que a avaliação sumativa, tal como a avaliação
formativa, pode ter um papel relevante no desenvolvimento das aprendizagens dos
alunos O segundo reforça a ideia de que é possível, e desejável, utilizar de forma
sistemática e regular, avaliações sumativas com o único e importante propósito de
distribuir feedback. Assim, os alunos podem conhecer a sua situação em relação ao
que é preciso aprender e saber fazer e tomar as medidas que se impõem e que
eventualmente sejam necessárias para melhorar a qualidade do seu trabalho. Isto
significa que poderemos e deveremos utilizar avaliações sumativas cujo único
propósito é distribuir feedback aos alunos e, por isso, os dados que se obtêm não são
mobilizados para efeitos classificatórios. E significa ainda que poderemos e
deveremos utilizar avaliações sumativas cujos dados são utilizados para classificar os
alunos. (Mais adiante elaboram-se um pouco mais estas ideias.) A Figura 9 ilustra
estas ideias que, na verdade, correspondem ao pensamento mais contemporâneo
acerca dos conceitos de avaliação formativa e sumativa e dos seus papéis nas
práticas pedagógicas. Uma das ideias mais importantes é considerar que quer a
avaliação formativa, quer a avaliação sumativa, com ou sem propósitos
classificatórios, são processos pedagógicos que têm de estar associados à melhoria

Figura 9 Avaliação formativa e avaliação sumativa para apoiar o ensino e as aprendizagens (anos 90)

das aprendizagens dos alunos.


A análise da Figura 9 mostra a natureza contínua da avaliação formativa e, assim, a
sua relação intrínseca com o ensino e a avaliação, e a natureza pontual da avaliação
sumativa. Repare-se que, nesta figura, preveem-se quatro momentos de avaliação
sumativa para que seja feito um ponto de situação ou um balanço acerca do que os
alunos sabem e são capazes de fazer em cada um. No entanto, nem todas as
avaliações sumativas previstas terão o propósito de recolher dados para efeitos de
classificar os alunos. Algumas podem ser utilizadas com o único propósito de lhes
distribuir feedback. E estes poderão ser momentos muito importantes para os ajudar a
aprender, nomeadamente através da utilização deliberada e devidamente planeada da
autoavaliação elou da avaliação entre pares.
No fundo, em termos das práticas pedagógicas, é muito importante ter em atenção
que todas as ações de professores e alunos se devem desenvolver a partir de três
etapas ou momentos que são realmente cruciais:
1. O professor clarifica e discute o que é preciso aprender sob a forma de um ou
mais objetivos de aprendizagem. [Definir para onde se tem de ir.]
2. O professor e os alunos utilizam o objetivo ou os objetivos de aprendizagem
para avaliarem a qualidade do trabalho realizado. [Definir o estado das
aprendizagens.]
3. O professor, em estreita interação com os alunos, trabalha no sentido de se
definirem estratégias e/ou processos que permitam ultrapassar dificuldades
eventualmente detetadas. [Definir processos e/ou estratégias para superar
eventuais dificuldades.]
Estas são três etapas fundamentais que devem ser consideradas nas práticas de
avaliação formativa e que, no fundo, correspondem a três perguntas que se enunciam

Figura 10 Questões organizadoras do desenvolvimento de práticas de avaliação formativa

na Figura 10.
A observação desta figura permite verificar que a cada uma das questões corresponde
respetivamente, o feed up, o feedback e o feed forward e daí a noção de que é
fundamental apreender que a avaliação formativa não faz sentido nem pode ser
concretizada sem feedback e, por ISSO, sem processos de interação com os alunos
para que se possa responder a cada uma das questões formuladas.
Prossigamos agora com a discussão acerca do conceito de avaliação sumativa,
igualmente muito relevante no contexto da avaliação pedagógica.
Avaliação Sumativa ou Avaliação das Aprendizagens
A avaliação sumativa é um processo pedagógico que é essencial para que se possam
fazer balanços, pontos de situação ou sínteses acerca do que os alunos sabem e são
capazes de fazer após um período mais ou menos alargado de ensino. Por exemplo,
após a conclusão de uma ou mais unidades didáticas, de um domínio do currículo ou
após um período letivo. Como processo eminentemente pedagógico, a avaliação
sumativa não pode deixar de estar, tal como a avaliação formativa, muito relacionada
com os processos de ensino e com os processos de aprendizagem. Aliás, como já se
viu anteriormente, a avaliação sumativa é hoje conceitualizada como um processo que
deve estar ao serviço das aprendizagens dos alunos e, nesse sentido, a utilização de
feedback em contextos de avaliação sumativa é uma prática que tem por força de ser
devidamente enquadrada, pensada e melhorada.
Porém, em geral, a avaliação sumativa é essencialmente utilizada num sentido
bastante restrito, limitando-se, no essencial, a recolher informação, normalmente
através da utilização de testes, para classificar e certificar a qualidade do trabalho dos
alunos. Trata-se da perspetiva que prevalece na nossa cultura pedagógica e que está
muito associada à ideia de que avaliar é o mesmo que classificar e de que a
aprendizagem e os testes são isomorfos. E daqui talvez tenha surgido a sequência
Ensinar-Testar-Ensinar-Testar-Ensinar-Testar como forma quase exclusiva de verificar
se os alunos aprenderam o que lhes foi dito ou transmitido. É este o tipo de avaliação
que predomina nas salas de aula de muitos sistemas escolares, com claro destaque
para os dos países ibero-americanos. Uma avaliação sumativa essencialmente
orientada para classificar com base nos resultados obtidos através de testes e muito
pouco associada a processos de feedback que vão para além da nota e que
contribuam para melhorar as aprendizagens dos alunos. Uma avaliação sumativa
muito associada à ideia de que o currículo é algo que tem de ser dito e que os alunos
devem demonstrar que aprenderam através da reprodução do que lhes foi dito. Enfim,
uma avaliação sumativa muito organizada a partir de pedagogias bem mais centradas
no ensino e no professor do que nas aprendizagens e nos alunos e essencialmente
vista como um processo pouco ou nada integrado nos processos de ensino e de
aprendizagem.
Numa cultura de avaliação e de inovação pedagógica, a avaliação sumativa pode e
deve contribuir para melhorar o processo pedagógico da avaliação e,
consequentemente, as aprendizagens dos alunos. Torna-se, por isso, necessário
conceber e utilizar avaliações sumativas que permitam recolher informação
sistematizada e credível relativamente às aprendizagens dos alunos e que permitam
distribuir feedback que eles possam utilizar como forma de ultrapassar as suas
eventuais dificuldades e progredir em direção aos objetivos de aprendizagem. Por
isso, é importante diversificar os processos de recolha de informação utilizados nas
avaliações sumativas pois é a única forma conhecida de as tornar mais rigorosas, isto
é, de conseguir que os seus resultados traduzam o mais fielmente possível o que os
alunos aprenderam no final de um dado período de ensino (Fernandes, 2021d).
Numa cultura de inovação pedagógica, as avaliações sumativas são processos que
podem ter uma forte componente formativa, com o real envolvimento dos alunos e dos
professores na identificação das dificuldades e na definição de estratégias para as
poder superar. São realmente balanços mobilizadores que questionam os alunos e os
professores acerca da qualidade do trabalho desenvolvido e, nesse sentido, são meios
ricos e privilegiados de aprendizagem, pois envolvem a discussão dos assuntos, a
formulação de questões, a autoavaliação e a avaliação entre pares, a análise dos
objetivos de aprendizagem e dos critérios de avaliação e respetivos descritores.
A avaliação sumativa é pontual por natureza uma vez que não está propriamente
integrada nos processos de ensino e de aprendizagem, não acompanha estes
processos no dia a dia das salas de aula, só se realiza em certos momentos após uma
ou mais sequências de ensino. Mas, como já se viu, as avaliações sumativas, ainda
que sejam de natureza pontual, podem e devem constituir importantes momentos de
ensino, de aprendizagem e de avaliação.
Tal como já se referiu quando se analisou a Figura 9, podem considerar-se dois tipos
ou duas modalidades de avaliação sumativa a que correspondem dois propósitos
distintos. Assim, podemos ter avaliações sumativas em que se procede à recolha de
informação para classificar os alunos. Dir-se-á que se trata de avaliações sumativas
que têm de ser pensadas e definidas no início de cada trimestre ou semestre,
articuladas com os objetivos de aprendizagem e com os critérios de avaliação, e cujo
propósito é obter informações que contribuam para classificar e/ou certificar as
aprendizagens dos alunos. Independentemente deste propósito, nada impede que
estas avaliações constituam momentos particularmente relevantes do ponto de vista
pedagógico, contribuindo, por isso, para que os alunos aprendam mais e melhor. Por
outro lado, podemos ter avaliações sumativas com as mesmas preocupações de
proceder à recolha de informação rigorosa e credível acerca do que os alunos sabem
e são capazes de fazer após um período de ensino, mas cujos resultados são
exclusivamente utilizados para distribuir feedback para que eles possam analisar elou
melhorar e/ou consolidar as suas aprendizagens tendo em conta os respetivos
objetivos, tal como se faz na avaliação formativa. Por isso se diz habitualmente que
são avaliações sumativas às quais damos uma utilização formativa e, como facilmente
se pode inferir, podem ter real valor pedagógico e contribuir para que os alunos
aprendam mais e melhor.
Apesar de serem duas modalidades de avaliação com naturezas, propósitos e
inserções pedagógicas distintas, e é bom pensar acerca dessas diferenças, a verdade
é que a avaliação formativa e a avaliação sumativa não são antagónicas,
reconhecendo-se em geral que são processos avaliativos complementares. De facto,
ambos podem e devem distribuir feedback que oriente e apoie os alunos nos seus
processos de aprendizagem, ainda que, em geral, o façam em momentos diferentes e
com base em informações obtidas por processos diferentes. Assim, as informações
das avaliações formativas decorrem das interações de proximidade que decorrem do
trabalho quotidiano realizado nas salas de aula, muitas vezes a partir de processos
informais, enquanto que as informações das avaliações sumativas são por norma
obtidas através de processos estruturados e formais que são deliberadamente
orientados para recolher dados referentes a objetivos de aprendizagem e a critérios
que foram previamente pensados.
Na Figura 11 sintetizam-se as características mais relevantes da avaliação formativa e
da avaliação sumativa.
Figura 11 Principais caraterísticas da avaliação formativa e da avaliação sumativa

Trata-se de uma sistematização que pode contribuir para discernir aspetos tais como
os propósitos, a natureza, o papel dos alunos e dos professores e a inserção
pedagógica de cada uma destas modalidades de avaliação. É necessário ter em conta
que se explicita o que, em geral, se designa uma característica mais predominante de
cada uma e não todas as dimensões que se poderiam considerar.
Por outro lado, estas características podem contribuir para que nos possamos
envolver na discussão e na reflexão acerca de alguns aspetos reconhecidamente
relevantes para o desenvolvimento da avaliação pedagógica em geral e das
avaliações formativa e sumativa em particular. A utilização deliberada e mais frequente
de processos menos estruturados e menos formais quando se desenvolve a avaliação
formativa é um desses aspetos, pois é necessário e possível utilizar mais o diálogo, a
observação e a formulação de questões orais para avaliar a qualidade do trabalho dos
alunos.
Seguimos agora para a discussão das questões que considero mais relevantes para o
enquadramento da Classificação nos processos inerentes à avaliação pedagógica.
A Classificação como Processo Pedagógico
O propósito desta secção é apresentar e discutir as questões consideradas mais
essenciais que é necessário ter em conta na melhoria e integração pedagógica dos
processos inerentes à produção de classificações baseadas no trabalho desenvolvido
pelos alunos. Trata-se, por isso, de sistematizar o que sabemos acerca da
classificação tendo em vista a conceção e o desenvolvimento de práticas mais
consentâneas com os princípios da avaliação pedagógica.
Em Portugal utilizamos indistintamente as designações classificação e nota quer
quando nos referimos ao resultado obtido por um aluno num teste ou num trabalho
realizado num dado momento do período ou do semestre, quer quando nos referimos
ao resultado obtido no final de um período, semestre ou curso. Em todo o caso, tendo
em conta que essa é uma prática profundamente enraizada entre nós e que não põe
em causa o desenvolvimento de processos de classificação consistentes com o
desenvolvimento da avaliação pedagógica, aquelas designações serão utilizadas para
se referirem, indistintamente, às situações referidas e a quaisquer outras. Será a
análise de cada situação concreta que permitirá, se necessário, definir se estamos
perante uma classificação ou uma nota
A classificação é um processo muito relevante tendo em conta o significado e o(s)
efeito(s) que pode ter na vida académica e pessoal dos alunos. Não será possível
organizar e desenvolver a avaliação pedagógica sem uma inserção fundamentada da
classificação e, por isso, é necessário discutir os seus propósitos, a sua natureza, o
seu significado, os seus objetos e as suas relações com a pedagogia e as práticas
pedagógicas, nomeadamente no que se refere às que estão mais relacionadas com as
aprendizagens dos alunos. É importante compreender que, ainda que a classificação e
as avaliações formativa e sumativa integrem o desenvolvimento da avaliação
pedagógica, tal como vem sendo aqui discutida, são processos bem distintos cujo
aspeto comum mais saliente poderá ser a sua relação com a melhoria das
aprendizagens dos alunos. Mas, para tal, a classificação e as práticas que lhe são
inerentes terão por força de ser repensadas e clarificadas (Fernandes, 2021e).
Tradicionalmente, quer no contexto do sistema educativo português, quer no contexto
de outros sistemas, mormente os europeus, as questões relacionadas com as notas e
as classificações foram sempre mais orientadas para o propósito da certificação e
menos, quiçá bastante menos, para propósitos relacionados com a pedagogia,
nomeadamente os que estão relacionados com a melhoria das aprendizagens dos
alunos. Além do mais, tendo em conta os desafios que é necessário enfrentar numa
escola ou agrupamento, no sentido de definir políticas de avaliação e de classificação,
são geralmente estas últimas as que são percecionadas como mais complexas e
difíceis e que se vão mantendo algo indefinidas e pouco claras e transparentes. De
facto, se é verdade que desenvolver práticas de avaliação consistentes com novos
desafios curriculares é, em si mesmo, uma tarefa comprovadamente complexa e difícil,
a definição de práticas de classificação consistentes com tais desafios é, a muitos
títulos, uma tarefa que se tem revelado talvez ainda mais espinhosa. Assim, urge
começar por compreender o significado da classificação e das notas, assim como o
seu valor pedagógico, para que seja possível entendermos as suas relações com os
processos de avaliação e com a avaliação pedagógica em geral no contexto de
desafios curriculares que, por exemplo, decorrem do PASEO e das AE.
Antes de prosseguir, e com base no trabalho de investigação que se tem vindo a
realizar há cerca de um século (e.g., Brookhart et al., 2016), apresentam-se alguns
dos seus resultados mais relevantes.

 As notas, em geral, são medidas pouco consistentes e de significado pouco


claro, pois o que é tido em conta para a sua definição varia significativa _
mente de escola para escola e de professor para professor, mesmo na mesma
escola ou departamento.

 As notas são, em geral, pouco consistentes com o que os alunos sabem e são
capazes de fazer acerca dos objetivos de aprendizagem que se inferem ou que
constam no currículo porque, na sua construção, são invariavelmente
considerados aspetos tais como o esforço, o que o aluno merece devido a
razões que não se conhecem claramente, a atenção e o comportamento.

 As notas são normalmente medidas multidimensionais e subjetivas com um


significado impreciso e difuso pois, para além dos chamados conhecimentos
académicos, agregam uma diversidade de aspetos geralmente pouco claros e
definidos que se mobilizam para as atribuir e que variam muito de professor
para professor.

 As notas são, apesar de tudo, elementos muito importantes para a vida


académica e pessoal dos alunos, sendo mobilizadas para uma diversidade de
situações tais como a progressão académica dentro de um ciclo de estudos, o
acesso ao ensino superior, a candidatura a bolsas de estudo e a candidatura a
oportunidades de emprego.

 As conceções, os valores, os conhecimentos, as competências e as


experiências dos professores determinam, em larga medida, os aspetos ditos
não cognitivos que são considerados para efeitos da atribuição das notas.

 A definição clara de objetivos de aprendizagem, de critérios e dos seus


descritores ou indicadores contribui para que as notas tenham um significado
mais claro para os alunos, podendo contribuir para o desenvolvimento das
suas aprendizagens. Além do mais, pode contribuir para melhorar a sua
consistência entre os professores, presumindo que constroem os critérios e
todos os outros elementos relevantes em colaboração.

Estes são resultados consolidados que foram tidos em conta na organização das
ideias que se partilham neste texto e que são fundamentais para que as notas ou as
classificações possam ser perspetivadas mais pedagogicamente, isto é, mais
orientadas para as aprendizagens e o seu desenvolvimento.
A classificação tem que ver com um processo que mobiliza, integra e utiliza urna
diversidade de procedimentos e técnicas, mais ou menos sofisticadas, mais ou menos
claras, através dos quais se pode definir urna nota. Na verdade, a produção de uma
nota deverá decorrer de um processo mais ou menos complexo que envolve desde a
identificação e definição de domínios, temas ou áreas do currículo, até aos objetivos
de aprendizagem, critérios de avaliação e os seus indicadores ou descritores,
passando por uma eventual distribuição de ponderações.
Tipicamente, as informações que permitem determinar as notas dos alunos são
obtidas através de avaliações sumativas com fins classificatórios que, como já se
discutiu, fazem balanços e elaboram pontos de situação acerca do que os alunos
sabem e são capazes de fazer após um determinado período de ensino e
aprendizagem. Esta é uma constatação muito relevante pois define exatamente quais
são os processos de avaliação a partir dos quais se determinam as notas e, por
conseguinte, fica claro que nem as avaliações de natureza formativa, nem as
avaliações sumativas sem fins classificatórios, nem outros tipos de informações elou
avaliações formais ou informais que possam servir para conhecer os alunos, são
mobilizadas para classificar os alunos. Assim, apesar de, no decorrer das aulas e das
suas dinâmicas pedagógicas, ser possível obter uma grande diversidade de
informações relativas aos alunos, apenas uma parte, relativamente diminuta, é, ou
deve ser, com efeito utilizada para determinar as suas classificações. As informações
restantes, sobretudo as que decorrem das avaliações formativas e das avaliações
sumativas utilizadas com fins formativos, são, em geral, utilizadas para distribuir
feedback que apoie os alunos nas suas aprendizagens elou para os conhecer melhor
no sentido de adequar as dinâmicas de sala de aula, de ensino e de avaliação às suas
características. Nestes termos, independentemente de uma discussão mais
aprofundada e concreta que se realiza na próxima secção deste trabalho, as
classificações referentes às aprendizagens realizadas pelos alunos no final de um
período, semestre ou ano letivo têm de ser construídas a partir dos seus resultados
num determinado número de tarefas de avaliação sumativa que tem de ser definido à
partida.
Estas tarefas devem ser diversificadas para que a avaliação e a classificação possam
ter rigor e qualidade, assegurando níveis adequados de consistência e de credibilidade
e têm necessariamente de ser pensadas e devidamente articuladas tendo em conta os
objetivos de aprendizagem e/ou os critérios definidos.
As notas e muito em particular as que são normalmente atribuídas no final dos
períodos, semestres e anos letivos, têm uma grande relevância pois é através delas
que, em geral, as instituições e os seus professores sintetizam perante a sociedade o
que os alunos sabem e são capazes de fazer. Assim, cumpre-se um dos seus mais
visíveis e impactantes propósitos: a certificação das aprendizagens e das
competências desenvolvidas pelos alunos, por norma através da representação de um
número e tendo em conta uma dada escala.
Por outro lado, as notas que habitualmente são atribuídas às tarefas de avaliação
sumativa que se vão realizando ao longo do período, semestre ou ano, podem cumprir
igualmente propósitos de natureza formativa cujo real valor pedagógico depende em
grande medida da qualidade do feedback que lhes for associado. Esta é uma questão
bastante importante e que deve ser devidamente ponderada uma vez que as
avaliações sumativas, mesmo com propósitos classificatórios, poderão, assim,
contribuir de forma deliberada para apoiar os alunos no desenvolvimento das suas
aprendizagens.
No fundo, o que vem sendo investigado e discutido é que, sempre que possível, cada
tarefa de avaliação sumativa, cujos resultados são mobilizados para a classificação,
deve ser objeto de feedback de qualidade para além do símbolo numérico (e.g., 16,
18), da menção utilizada (e.g., Bom, Muito Bom) ou de qualquer outra forma (e.g.,
descrições, apreciações gerais). Esse feedback pode ser distribuído de diferentes
formas e contribuir para orientar o trabalho dos alunos. Quando tal acontece, os
alunos, em geral, sentem-se mais motivados e tendem a envolver-se mais nas tarefas
escolares e, consequentemente, a aprender mais e melhor. E, neste caso, estamos
perante as possibilidades que se abrem de a classificação se poder tornar um
processo de natureza pedagógica, contribuindo igualmente para apoiar o
desenvolvimento das aprendizagens dos alunos.
Assim, para que a classificação possa efetivamente ser considerada um processo com
real valor pedagógico, torna-se necessário associar-lhe algum tipo de feedback que a
complemente e possa orientar os alunos na reformulação do seu trabalho. Além disso,
é imperativo clarificar o seu significado e basear a sua determinação numa cuidadosa
definição de objetivos de aprendizagem e/ou de critérios de avaliação e dos
indicadores ou descritores que lhes devem ser associados. Estes aspetos serão
abordados com mais desenvolvimento na próxima secção.

4. Práticas que Podem Fazer a Diferença


Nesta secção apresentam-se e discutem-se quatro domínios das práticas do ensino e
da avaliação pedagógica reconhecidamente relevantes e incontornáveis para
desenvolver as aprendizagens de todos os alunos: Critérios de Avaliação, Feedback,
Autoavaliação e Avaliação entre Pares e Classificação.

Critérios de Avaliação
A definição de critérios de avaliação, assim como dos seus descritores ou indicadores,
constitui uma prática pedagógica inegavelmente relevante pois, por um lado, ao
determinar o que é importante aprender e avaliar, foca os esforços de ensino e de
aprendizagem dos alunos e dos seus professores e, por outro lado, contribui para que
toda a comunidade esteja em condições de discernir a qualidade do trabalho
desenvolvido pelos alunos. Os critérios podem, assim, ser muito importantes para
assegurar maior transparência e clareza quanto ao que os alunos devem aprender e
saber fazer (Fernandes, 2021f; 2021g).

 Avaliação normativa e avaliação criterial


A avaliação de referência à norma ou avaliação de referência normativa, que
poderemos designar mais simplesmente como avaliação normativa, é a que, em geral,
prevalece nos sistemas escolares. Trata-se de uma avaliação que se refere a uma
norma, na maioria dos casos a média, com a qual se compara o que um determinado
aluno sabe e é capaz de fazer. Ou seja, as aprendizagens de um aluno são
comparadas com as do grupo em que está inserido e, consequentemente, surge uma
hierarquização que é comum fazer-se quando os alunos concluem o ensino
secundário, tendo em vista a sua seleção para o ingresso no ensino superior. O
mesmo sucede, de forma mais ou menos explícita no contexto das avaliações internas
que se realizam nas salas de aula que, em geral, tendem a emular o que se faz nos
exames constituindo, aliás, um dos seus efeitos mais nefastos. De facto, a tendência é
para que, nas salas de aula de todos níveis de escolaridade, se replique o que se faz
nos exames mesmo em anos em que eles não existem. A média é, assim, a referência
tipicamente utilizada para que os alunos fiquem a saber o lugar que ocupam na lista
ordenada que se pode criar a partir dos seus resultados numericamente expressos.
Esta é uma visão da avaliação com larga aceitação nos meios escolares e nas
sociedades em geral e que é consistente com a conceção da avaliação como medida
e como classificação e com a produção de listas hierarquizadas a partir das quais se
podem selecionar os alunos para o prosseguimento de estudos. Em rigor, à luz das
conceções contemporâneas, talvez devêssemos falar antes de classificação
normativa.
Numa avaliação normativa os alunos não controlam realmente o seu posicionamento
na escala ordenada de classificações pois o mesmo depende dos desempenhos dos
seus colegas. Por exemplo, se a média das classificações dos alunos numa escala de
0 a 20, num dado teste, é 16 e se a classificação de um aluno for 14, normalmente
considera-se que este não é um bom resultado já que está dois valores abaixo da
média, De igual modo, uma classificação de nove pode eventualmente ser
considerado um bom resultado se, por exemplo, a média for seis.
Por seu lado, na avaliação de referência a critérios ou avaliação referida a critérios,
abreviadamente designada como avaliação criterial, como a própria designação nos
indica, a qualidade do trabalho desenvolvido pelos alunos é avaliada a partir de um
conjunto de critérios que é previamente definido, tendo em conta o currículo e os
objetivos de aprendizagem. Esta perspetiva não tem, por isso, em conta o grupo ou a
média do grupo como meio de comparação das aprendizagens realizadas por um
aluno, mas antes o conjunto dos critérios que foi considerado relevante para avaliar a
qualidade do que os alunos sabem e são capazes de fazer. Assim, as aprendizagens
que cada aluno desenvolve são comparadas com os critérios e, desse modo, cada um
sabe qual o seu estado relativamente àquilo que foi considerado importante aprender
A investigação no domínio da avaliação tem evidenciado que, em geral, a definição
prévia de critérios permite, nomeadamente:

 Focar a atenção e os esforços dos alunos naquilo que é importante aprender.


 Melhorar a consistência das avaliações entre os professores.
 Contribuir para que os processos de avaliação sejam mais justos.
 Tornar o processo de avaliação mais transparente e mais ético.
 Contribuir para que os alunos compreendam melhor as apreciações do seu
trabalho.
 Melhorar a qualidade das aprendizagens dos alunos.
 Distribuir feedback de forma simples e bastante prática.
Consequentemente, ao longo das últimas décadas, a definição de critérios e a sua
utilização nos processos de avaliação foi ocupando gradualmente um lugar importante
na sua organização e desenvolvimento. Independentemente das suas limitações, que
se discutirão mais adiante, a verdade é que a avaliação baseada ou orientada por
critérios tem sido adotada na maioria dos sistemas escolares por estarem associados
a melhorias sensíveis nos processos de ensino, aprendizagem e avaliação. Em
particular, os critérios facilitam e melhoram as práticas de avaliação formativa, são
uma importante orientação para o que é importante avaliar e aprender e, por
conseguinte, contribuem para melhorar a organização e funcionamento pedagógico
das escolas. Isto significa que, numa pedagogia orientada por critérios, os alunos
ficam mais conscientes acerca do que é importante aprender e avaliar, da situação em
que se encontram relativamente às aprendizagens a desenvolver e das estratégias
que poderão utilizar para ultrapassar eventuais dificuldades.
A definição de critérios e dos respetivos descritores pode contribuir de forma decisiva
para que os alunos desenvolvam as suas competências nos domínios da
autoavaliação e da avaliação entre pares e, consequentemente, os seus processos
mais complexos de pensamento. Por outro lado, a sua utilização sistemática por parte
dos alunos constitui uma importante orientação para o desenvolvimento das ações que
lhes permitem aprender uma vez que podem comparar de forma simples o estado em
que se encontram com aquilo que é expectável. Além disto, o processo de avaliação
torna-se mais transparente e justo pois os trabalhos dos alunos são apreciados a partir
do mesmo conjunto de critérios que é definido e conhecido à partida.
Nestes termos, os alunos podem tornar-se mais autónomos e desenvolverem
sentimentos que controlam sobre os processos que têm de desenvolver para
aprender. Os professores têm oportunidade para distribuir feedback mais orientado e
focado nos aspetos mais estruturantes e fundamentais do currículo e, neste sentido,
pode haver um incremento da interação social, indispensável para o desenvolvimento
de práticas de avaliação formativa e, consequentemente, a melhores e mais profundas
aprendizagens por parte de todos os alunos.

 Natureza dos critérios de avaliação


A avaliação, seja qual for o contexto que considerarmos, tem que ver com o
discernimento da qualidade dos objetos que estão a ser avaliados (e.g.,
conhecimentos, competências, desempenhos, atitudes). A questão que se nos coloca
como professores é a de discernirmos entre os que têm boa qualidade e os que têm
pouca ou mesmo nenhuma qualidade. Só desta forma poderemos distribuir feedback
que ajude os alunos a corrigirem os seus erros e/ou a ultrapassarem as suas
dificuldades. Porém, para o podermos fazer com o desejável rigor temos sempre de
considerar, por um lado, um conjunto de objetivos e/ou finalidades de aprendizagem e,
por outro lado, um conjunto de critérios que, em cada momento, permita aos
professores e aos alunos definir o estado em que estes se encontram relativamente ao
que têm de aprender. Assim, antes de mais, interessa ter bem presente que critérios
não são objetivos nem finalidades de aprendizagem. Na verdade, são atributos ou
propriedades através dos quais nos é possível avaliar a qualidade de um dado objeto
(e.g., aprendizagem, competência, desempenho). Assim, os critérios referem-se a
dimensões que são importantes ter em conta numa avaliação, enquanto os objetivos e
as finalidades de aprendizagem se referem, respetivamente, ao que os alunos devem
aprender e saber fazer em termos específicos e em termos mais globais e
abrangentes.
Assim, determinar o que os alunos devem saber e ser capazes de fazer é
normalmente expresso através de objetivos e/ou finalidades. (Na literatura anglo-
saxónica acrescenta-se por norma o conceito de standard, que não será fácil traduzir
para português e que tem igualmente que ver com o que se espera que os alunos
aprendam e saibam fazer. Aliás, muitos autores anglo-saxónicos não fazem qualquer
distinção entre, por exemplo, learning goal ou learning objective e standard.) Para
muitos investigadores, os objetivos têm que ver com o que se espera que os alunos
aprendam e saibam fazer após um período de tempo relativamente curto; por
exemplo, no final de uma ou mais unidades didáticas ou mesmo de um dado domínio
do currículo. As finalidades são normalmente consideradas mais gerais do que os
objetivos e, em geral, não são facilmente observáveis (avaliáveis), porque não
identificam objetos suficientemente específicos (e.g., aprendizagens, competências)
que permitam avaliar a qualidade da sua consecução. As finalidades constam
normalmente nos documentos curriculares (e.g., PASEO, AE) e, em geral, definem o
que se espera que os alunos saibam e sejam capazes de fazer no final de um período
mais ou menos alargado de escolaridade. Para muitos autores anglo-saxónicos os
standards são suscetíveis de ser observados e avaliados, sendo mais gerais do que
os objetivos e menos gerais do que as finalidades. Note-se que esta referência aos
standards foi aqui desenvolvida a título meramente informativo pois surge, de modo
invariável, em livros e em artigos do domínio da educação escritos em português. No
nosso contexto julgo que fará mais sentido falar. mos apenas em objetivos e
finalidades de aprendizagem.
Os critérios são propriedades, características ou atributos que nos permitem avaliar a
qualidade do trabalho dos alunos; são um meio para avaliar. Por exemplo, critérios
para avaliar uma tarefa como um ensaio podem incluir Organização, Clareza,
Profundidade e Argumentação. A um outro nível, Conhecimento, Comunicação,
Autonomia e Comportamento podem ser critérios associados a um referencial comum
de avaliação que deve estar definido no Projeto Educativo de uma escola ou de um
agrupamento. Num certo sentido, os critérios emanam da análise e da interpretação
do currículo, permitindo discernir o que é importante avaliar e, portanto, o que é
essencial aprender. Assim, em última análise, os critérios, ao traduzirem uma
interpretação do currículo, são um meio através do qual se informa a comunidade
(e.g., alunos, professores, pais e encarregados de educação) acerca do que se
considera ser relevante aprender e saber fazer.
Em suma, os critérios e os objetivos de aprendizagem são ambos fundamentais no
processo de avaliação mas, obviamente, não se devem confundir uns com os outros,
pois ainda que os primeiros possam estar presentes na formulação dos segundos, os
objetivos nunca integram a definição dos critérios.

 Inserção pedagógica dos critérios de avaliação


A definição de critérios e a avaliação referida a critérios constituem estratégias quei
reconhecidamente, contribuem para ensinar e aprender melhor por razões que têm
que ver com a clarificação, a transparência e com as dinâmicas pedagógicas que se
estabelecem nas salas de aula. No entanto, é fundamental clarificar os conceitos
envolvidos para que seja possível integrar adequadamente os critérios no processo
pedagógico. Comecemos então por analisar a Figura 12 na qual se apresentam ações
práticas consideradas indispensáveis para que aquelas estratégias possam fazer real

Figura 12 Inserção pedagógica dos critérios de avaliação

sentido.
Através da análise desta figura pode verificar-se que, de forma muito simples e
esquemática, são propostas cinco ações ou práticas pedagógicas basilares, todas
estreitamente relacionadas:
1. Analisar o Currículo, em que a escola ou o agrupamento de escolas promove
o estudo, a análise e a discussão do currículo, desejavelmente através de uma
metodologia que suscite a participação e a colaboração de um número tão
alargado de docentes quanto possível. E normalmente através da análise do
currículo proposto que a comunidade escolar o recontextualiza e ressignifica
para dele se apropriar e, assim, assumi-lo como o seu projeto curricular.

2. Definir Objetivos de Aprendizagem constitui uma tarefa indispensável pois é


através dos objetivos que se perspetivam quer a definição dos critérios, quer as
estratégias de ensino que se vão utilizar. Definir os objetivos em termos das
aprendizagens a desenvolver pelos alunos é igualmente uma forma de atribuir
centralidade à aprendizagem que constitui o cerne de toda a ação pedagógica.

3. Definir Critérios é um processo e uma ação que decorre da interpretação que


se fez do currículo e que, no fundo, define o que se considera ser importante
avaliar ou, se preferirmos, o que se considera que é fundamental aprender. Por
isso, os critérios não podem ser confundidos com o currículo prescrito ou
proposto uma vez que, após a sua análise e discussão, constituem a melhor
interpretação que foi possível fazer-se acerca do que é importante aprender e
avaliar.

4. Definir Estratégias de Ensino é um processo muito relevante pois dele


depende, em grande medida, o clima pedagógico que vai ser criado e,
consequentemente, em que medida os alunos vão de facto poder usufruir de
oportunidades de aprendizagem para que os objetivos definidos possam ser
plenamente alcançados.

5. Definir Estratégias de Avaliação é igualmente um processo fundamental. Ao


preconizarmos, por exemplo, que a avaliação, qualquer que seja a sua
modalidade, é um processo eminentemente pedagógico, cujo propósito mais
fundamental é distribuir feedback que oriente e apoie os alunos a aprender,
então vamos ter de planear criteriosamente as tarefas de avaliação que vamos
propor aos alunos e a utilização, formativa ou sumativa, que vamos dar à
informação recolhida. Assim, poderemos ter tarefas no dia a dia cujos dados
são exclusivamente utilizados para distribuir feedback que apoie as
aprendizagens dos alunos (avaliação formativa), tarefas destinadas a fazer
balanços, pontos de situação, acerca do que os alunos sabem e são capazes
de fazer após um dado período de tempo e cujos dados são também
exclusivamente utilizados para distribuir feedback pelos alunos (avaliação
sumativa sem fins classificatórios à qual se dá uma utilização formativa) e
tarefas destinadas a fazer pontos de situação como as anteriores mas cujos
dados são mobilizados para efeitos de atribuir classificações aos alunos
(avaliação sumativa com fins classificatórios). Noutro plano, tal como se refere
noutras secções deste trabalho, é necessário definir estratégias que são
particularmente relevantes para que os alunos participem nos processos de
avaliação, como é o caso da autoavaliação e da avaliação entre pares.
A definição de critérios tem sido considerada indispensável para que a escola ou o
agrupamento possa definir claramente como tenciona desenvolver as suas ideias,
princípios e práticas de avaliação (Política de Avaliação) e, como se discute noutra
secção, as suas ideias, princípios e práticas de classificação (Política de
Classificação). Ambas devem ser orientadas por um princípio pedagógico claro que
tem que ver com a relevância que podem ter na melhoria das aprendizagens dos
alunos.
Uma pedagogia baseada em critérios, como já se referiu, pode ter vantagens quer do
ponto de vista do ensino e da aprendizagem, quer do ponto de vista da avaliação.
No entanto, é igualmente muito importante compreender que não se pode transformar
a avaliação pedagógica num absurdo sistema de vigilância e controlo acerca do que
os alunos sabem e são capazes de fazer em cada momento através de grelhas de
qualquer natureza onde, supostamente, sintetizamos os resultados dos processos
pedagógicos de ensino, aprendizagem e avaliação. Estes processos são
empreendimentos humanos e é preciso perceber que dificilmente podem ser
sintetizados numa grelha ou representados na íntegra através de um conjunto de
critérios. Por isso, os critérios, sendo realmente importantes, não devem deixar de ser
considerados como linhas de orientação que podem e devem ser muito úteis, mas não
mais do que isso.
É necessário procurar o equilíbrio entre as avaliações baseadas em critérios, que
poderio ser mais analíticas, e as avaliações de natureza mais holística que nos
permitem obter uma visão mais livre, abrangente e integrada do que os alunos
aprendem. Ou seja, temos de evitar que uma avaliação baseada em critérios se
transforme na análise exaustiva de cada partícula de conhecimento em vez de se
centrar na aprendizagem que se evidencia, num dado momento, através da resolução
de uma dada tarefa por parte dos alunos. A recorrente tendência para dividir o
conheci. mento em minúsculas partículas está enraizada na visão behaviorista da
aprendizagem em que se definiam objetivos em termos de comportamentos
observáveis através dos quais se considerava ser possível medir rigorosamente tudo o
que os alunos sabiam e eram capazes de fazer. Trata-se de uma visão exagerada nas
suas preocupações analíticas, em que tudo deve ser objeto de avaliação, e que tem
vindo a ser posta em prática e/ou sugerida na avaliação baseada em critérios,
pervertendo os seus propósitos. Na verdade, acaba por se valorizar a acumulação de
partículas de conhecimento e de notas obtidas em pequenos testes, desleixando-se
assim a qualidade das aprendizagens e das experiências significativas que as
originaram. Por isso, é necessário questionar aquela visão, quer do ponto de vista dos
seus fundamentos teóricos, quer no que se refere às suas consequências práticas
pois, em última instância, impede que se tenha uma visão mais holística e abrangente
acerca do que os alunos aprendem. A aprendizagem, que deve estar no centro dos
nossos esforços profissionais, académicos e pedagógicos, tem de ser entendida como
um processo de desenvolvimento social e intelectual e não como um mero meio de
acumulação e de aquisição de conhecimentos sem cuidar da sua aprendizagem
profunda, com compreensão.

 Definir critérios
Quando se definem critérios é necessário analisar cuidadosamente o currículo (e.g.,
PASEO, AE, ENEC) para que, como se vem referindo, seja possível discernir o que se
considera ser importante avaliar e aprender. Para cada critério são definidos os
indicadores ou descritores através dos quais se explicitam diferentes níveis de
qualidade do trabalho dos alunos; o
numero de níveis de desempenho varia normalmente entre três e cinco. A Figura 13
explicita os elementos que é necessário ter em conta para organizar um agrupamento
ou uma escola com base numa avaliação referida a critérios.
Figura 13 Exemplo de uma matriz possível para organizar uma avaliação referida a critérios
numa escola ou agrupamento.

Os descritores, ou indicadores, são também designados por perfis de aprendizagens


específicas ou descrições dos níveis de desempenho. Os níveis de desempenho
sintetizam o que os alunos sabem e são capazes de fazer, tendo em conta um dado
indicador ou descritor.
A Figura 13 apresenta de forma simples como se pode organizar a informação
considerada relevante e indispensável para definir um conjunto de critérios,
indicadores e níveis de desempenho que seja comum a um agrupamento ou a uma
escola e, assim, independentes do ano de escolaridade e das disciplinas que integram
o currículo. Repare-se que os critérios constituem linhas de orientação que todos os
professores de uma escola ou de um agrupamento devem ter em conta para organizar
e desenvolver o seu trabalho pedagógico. Assim, são um referencial comum de
avaliação, de ensino e de aprendizagem que, por isso mesmo, deve constituir a base
de trabalho de toda a comunidade. A grande vantagem de se definirem critérios
comuns é a de contribuir para que alunos, professores, lideranças, pais e
encarregados de educação foquem a sua atenção no que é considerado importante
aprender.
Pode parecer estranho que um dado critério possa ser tido em conta na educação pré-
escolar, no ensino básico e no ensino secundário ou, talvez mais estranho ainda, que
possa ser igualmente considerado em disciplinas tão diversas umas das outras.
Vejamos um exemplo. Imagine-se que o Conhecimento tinha sido um dos critérios
comuns considerado por uma escola, ou por um agrupamento, por se considerar que
todos os trabalhos dos alunos devem, por exemplo, evidenciar conhecimento de
teorias, conceitos e procedimentos constantes no currículo, particularmente nas AE.
Imagine-se ainda que o Conhecimento tinha sido considerado de forma ampla,
referindo-se, por exemplo, a conceitos e procedimentos, à mobilização, integração e
utilização de conceitos e procedimentos para resolver uma diversidade de problemas e
também ao estabelecimento de relações entre o conhecimento científico e aspetos de
natureza técnica, tecnológica e social. A questão que podemos formular antes de mais
é se este critério faz sentido na Educação Pré-Escolar, no Ensino Básico e no Ensino
Secundário. Não será difícil compreender que, efetivamente, é um critério que faz
sentido em qualquer nível de escolaridade, tendo obviamente em conta as suas
especificidades, uma vez que, em qualquer deles, há conceitos e procedimentos que
podem ser mobilizados, integrados e utilizados para realizar uma diversidade de
tarefas mais ou menos complexas. Desde o desenvolvimento de conhecimentos e
competências pré-numéricas na educação pré-escolar, até aos conhecimentos
necessários para a análise textual no ensino secundário. Consequentemente, o critério
Conhecimento é independente do nível de escolaridade fazendo, por isso, sentido
considerá-lo desde a educação pré-escolar até ao ensino secundário e universitário.
De igual modo, pode_ remos dizer que é um critério transdisciplinar, pois pode (e
deve) ser utilizado em qualquer disciplina desde a Física e a Matemática à Educação
Física e às artes em geral, passando pela Geografia e pela Sociologia. Em todas elas
há teorias, conceitos elou procedimentos que os alunos devem aprender para
resolverem problemas numa variedade de contextos. Em suma, o critério
Conhecimento pode incluir o conjunto de critérios que constituem o referencial de
avaliação do agrupamento ou da escola.
Vejamos agora uma hipotética definição de um descritor relativamente a este critério
que, a título de exemplo, se explicita na Figura 14. (Refira-se que esta definição é
dada como mero exemplo e foi elaborada em abstrato e de forma ampla com a única
preocupação de contribuir para a compreensão deste processo. Podia, obviamente, ter
sido definida de forma mais específica e concreta, consoante o contexto e os
propósitos que se pretendessem alcançar.) Suponhamos que se tinha optado por
quatro níveis de desempenho e que tínhamos começado por definir aquele que se
considera mais elevado e, posteriormente, talvez o nível mais baixo e, por fim, os
outros dois. É importante referir ainda que a opção pelo número de níveis é mais ou
menos arbitrária e deve apenas ter em conta o que se afigurar mais adequado no
contexto de cada escola e agrupamento, nomeadamente no que se refere às questões
relacionadas com as opções que se adotarem no âmbito da política de classificação.
Também deve ser tido em conta que as designações utilizadas podem ser letras, as
habituais menções Muito Bom, Bom, Suficiente, Insuficiente, as percentagens que
normalmente lhes correspondem tais como 90-100, 70-89, 50-69 e 0-49, ou outra
qualquer. A única coisa que, nesta matéria, é importante garantir qualquer que seja a
opção escolhida é que ela seja clara para todos os intervenientes. Note-se que os
critérios e os respetivos descritores e níveis de desempenho devem ser
essencialmente utilizados no âmbito da avaliação formativa. Aliás, eles permitem
distribuir feedback de melhor qualidade com benefícios claros para as aprendizagens

Figura 14 Exemplo de definição de um descritor para o critério Conhecimento.


dos alunos. Mas podem, igualmente, ser utilizados com significativas e óbvias
vantagens, nas avaliações de natureza sumativa.
Voltemos então à questão da definição dos critérios comuns a toda a escola ou
agrupamento. O que se exemplificou para o Conhecimento, poderá ser utilizado para
outros critérios que se tenham definido tais como, por exemplo, a Autonomia e a
Comunicação outros. Repare-se que a definição de critérios de avaliação é sempre
uma social, isto é, resulta das negociações que se desenvolvem nas escolas utilizando
metodologias mais ou menos formais. Consequentemente, tal definição é sempre
situada ou, se quisermos, contextualizada, e tem de fazer sentido para toda a
comunidade escolar.
Atentemos novamente no indicador da Figura 14. Repare-se que se refere a conceitos
e procedimentos e à sua mobilização, integração e utilização na realização de uma
diversidade de tarefas, que são aspetos que, em princípio, decorrem diretamente das
AE ainda que, de modo natural, esteja definido em termos gerais, pois tem que ver
com todas e cada uma das disciplinas do currículo. Obviamente, nada impede que, no
contexto de cada disciplina, se discriminem os conhecimentos e procedimentos
considerados relevantes e também nada obsta a que, no contexto de tarefas
específicas de cada disciplina, se possam considerar critérios de natureza mais
específica, se tal verdadeiramente se justificar. A única restrição que deve ser
considerada é que o que se considera que deve merecer um tratamento específico
terá de ser consistente com os critérios e descritores definidos para todo o
agrupamento ou escola. E isto pela simples razão de que só temos um currículo ou,
talvez melhor dito, uma interpretação do currículo, que deve estar consubstanciada no
Projeto Educativo, através da definição dos critérios que constituem o referencial
comum, e não tantos currículos como as disciplinas que fazem parte desse mesmo
currículo. Uma coisa é o Currículo Proposto e uma outra são as disciplinas que o
integram. Consequentemente, quando uma escola ou um agrupamento interpreta e se
apropria do referido currículo proposto, através de uma diversidade de elementos
mediadores (e.g., conceções, conhecimentos, competências e experiências dos
professores, livros de texto, perspetivas sobre a educação e a pedagogia) estamos
perante um Currículo Percecionado ou Percebido. Em suma, é importante pensar que,
quando se justificam determinadas especificidades, elas não deverão contrariar a
visão consensualizada que deu origem ao currículo percebido pela escola ou
agrupamento e que, em boa verdade, deverá constituir o seu Projeto Curricular, parte
integrante fundamental e estruturante do seu Projeto Educativo. Isto é relevante para
que toda a comunidade possa estar focada no desenvolvimento das aprendizagens
que são consideradas fundamentais.
Mas o referido indicador ou descritor também se refere ao Pensamento Crítico e ao
pensamento Criativo e também ao Raciocínio e Resolução de Problemas e a questões
que têm que ver com relações inerentes ao Saber Científico, Técnico e Tecnológico
que são três das Áreas de Competências mencionadas explicitamente no PASEO. Ou
seja, através da definição de um único descritor poderemos ser capazes de
contemplar algo que é bastante relevante no desenvolvimento do currículo em
Portugal: trabalhar para que os alunos desenvolvam as competências previstas no
currículo e, em particular, no PASEO. Vale isto por dizer que a definição dos critérios e
dos respetivos descritores ou indicadores permite, sem grandes problemas e com
lógica e consistência, contemplar tudo o que se considere relevante nas AE, no
PASEO ou na ENEC. Mas, para além disso, permite fazê-lo de forma simples e clara e
sem utilizar um ror de grelhas e processos similares que, em geral, tendem a ser
pouco claros e pouco úteis. Naturalmente, será necessário, por exemplo, prever
modos de avaliação das competências constantes no PASEO, tais como o Raciocínio
e Resolução de Problemas e o Pensamento Crítico e Criativo, que são referidas nos
descritores ou indicadores. É um trabalho que faz sentido ser desenvolvido para toda a
escola ou agrupamento, não se justificando, em geral, que a definição de critérios para
estas e outras competências seja diferente de departamento para departamento ou de
disciplina para disciplina.
Em relação aos Valores previstos no PASEO, assim como às competências,
conhecimentos e valores constantes na ENEC, o procedimento poderá ser o mesmo,
isto é, devem ser tidos em conta e expressamente referidos quando se definem os
indicadores ou descritores para cada um dos critérios e prever, se necessário, os
respetivos modos de avaliação.
Em suma, para organizar e desenvolver um referencial comum de avaliação referida a
critérios numa escola ou num agrupamento será necessário:
1. Estudar atentamente os documentos curriculares que constituem o currículo
proposto dos pais, nomeadamente as AE, o PASEO e a ENEC, pois só assim ó
possível definir um conjunto de critérios com real valor pedagógico e formativo,
2. Definir um número gerível de Objetivos de Aprendizagem que têm de ser
considerados na formulação de critérios.
3. Definir um número gerível de critérios, os respetivos indicadores ou
descritores e um número de níveis de desempenho que constituam um
referencial comum para toda a instituição. Em particular, para todos os anos de
escolaridade e para todas as disciplinas.
4. Garantir que a definição de critérios e respetivos descritores ou indicadores
abrange tudo o que for considerado relevante no currículo, nomeadamente os
conhecimentos e competências constantes nas AE, as áreas de competências
e os valores constantes no PASEO e todos os aspetos igualmente relevantes
da ENEC
5. Compreender que, no contexto de cada disciplina e das respetivas tarefas, é
possível recorrer à utilização complementar de critérios que permitam avaliar
aprendizagens e/ou competências específicas sem pôr em causa a
consistência do referencial comum de avaliação.
A Figura 15 esquematiza as cinco etapas principais a ter em conta no processo de
definição de um referencial comum de avaliação.
A análise da figura permite verificar que o estudo e a análise do Currículo são
fundamentais para que, por um lado, se definam os Objetivos de Aprendizagem que
estabelecem de forma mais ou menos específica o que os alunos devem aprender e
ser capazes de fazer. Segue-se então a definição dos Critérios e dos respetivos
Descritores ou Indicadores que, da forma mais simples e clara possível, devem
determinar o que é importante avaliar ou o que é importante aprender, descrevendo a
qualidade que deve ser evidenciada nos trabalhos e desempenhos dos alunos. A
Completude tem que ver com a necessidade de garantir que os critérios definidos
abrangem todos os aspetos mais relevantes do currículo no que se refere às
aprendizagens, competências, valores e atitudes a desenvolver pelos alunos.
Finalmente, na sequência da definição do referencial comum, pode haver necessidade
de se considerarem aspetos específicos no contexto das diferentes disciplinas do
currículo que impliquem a definição de critérios complementares, sobretudo
associados às tarefas propostas. Nada obsta a que este procedimento se concretize
desde que, naturalmente, se assegure a consistência com os critérios inicialmente

Figura 15 Etapas a ter em conta na definição de um referencial comum de


avaliação.

definidos para toda a escola ou agrupamento. Na verdade, os critérios referem-se a


um currículo e não será aconselhável proceder à construção de múltiplos referenciais
específicos, sob pena de se poder começar a considerar não um mas uma diversidade
de currículos percebidos. Além do mais, perder-se-ia o foco das ações pedagógicas a
desenvolver já que haveria uma diversidade de referenciais.
Os critérios devem identificar todas as aprendizagens, competências, valores e
atitudes, consideradas relevantes e que integram o currículo proposto. Ou seja, tudo o
que e realmente importante que os alunos têm de aprender e saber fazer. Trata-se de
uma característica fundamental, que poderemos designar por Abrangência ou
Completude, pois que os critérios nos permitem avaliar tudo o que é importante
através de uma cuidadosa seleção de tarefas que se propõem aos alunos. Como já foi
discutido, para cada critério é necessário fazer-se uma Descrição dos Níveis de
Desempenho (Indicadores, Descritores) que traduzem diferentes níveis de qualidade
das aprendizagens realizadas pelos alunos, normalmente de modo contínuo, referidos
a escalas que, em geral, apresentam entre três e cinco níveis. Estas descrições
realizadas para cada critério tornam possível determinar a qualidade das
aprendizagens dos alunos e, por isso, cada indicador ou descritor é definido de forma
a poder ser analisado e, portanto, Observável ou Avaliável. Naturalmente que cada um
dos critérios deve ter um nível de Adequação que permita identificar com Clareza o
que os alunos devem aprender e saber fazer, tendo em conta a análise e interpretação
que é feita do currículo. Finalmente, os critérios devem ser definidos tendo em conta a
sua Independência, isto é, deve procurar garantir-se que não há sobreposições entre
as aprendizagens previstas em cada critério.
Estas características, ainda que muito comuns na literatura, devem sempre ser
entendidas como indicativas no sentido de se conseguir obter um conjunto de critérios
que oriente melhor o trabalho pedagógico dos professores e, sobretudo, a
compreensão, por parte dos alunos do que vai ser avaliado e, consequentemente, do
que vai ser necessário aprender.
É importante que não se utilizem estas sugestões de forma dogmática e acrítica,
sendo sempre necessário pensar, discutir e refletir para garantir a definição de um
conjunto de critérios coerente, utilizável e com real valor. O que tem de estar no centro
de todas as ações e práticas pedagógicas é a aprendizagem dos alunos, as tarefas
que lhes são propostas e o ambiente que se proporciona. Não devemos nunca ser
reféns de uma espécie de definição pura de critérios, ainda que seja desejável que o
possamos fazer da melhor forma possível.
Como se verá na secção seguinte, é importante estarmos conscientes de que temos
de procurar o equilíbrio que nos pareça mais adequado entre a visão analítica e a
visão holística nos processos de avaliação. Julgo que estas duas visões se deverão
articular pois ambas apresentam os seus pontos fortes e os seus pontos fracos. Por
isso mesmo, na secção seguinte discutem-se as rubricas de natureza analítica e
holística.

 Rubricas de avaliação analítica e de avaliação holística


As rubricas de avaliação são um meio bastante disseminado e de fácil utilização para
apoiar a avaliação da qualidade das aprendizagens, competências e atitudes dos
alunos através dos seus trabalhos e desempenhos. Em geral, considera-se que
estamos perante uma rubrica de avaliação quando temos um conjunto de critérios e
um conjunto de descritores ou indicadores que nos indicam a qualidade do
desempenho dos alunos. Só quando estes dois elementos - critérios e indicadores ou
descritores — estão presentes, poderemos dizer que as rubricas podem ser relevantes
nos processos de autoavaliação e de avaliação entre pares, na distribuição de
feedback e na tomada de consciência por parte dos alunos do que é importante
aprender e saber fazer e do que é um trabalho com qualidade (Fernandes, 2021h;
2021i).
As rubricas de avaliação surgiram como forma de responder à necessidade de os
alunos se envolverem na resolução de tarefas que desenvolvam os seus processos
mais complexos de pensamento. Isto é, tarefas que suscitam a mobilização, a
integração e a utilização de um alargado espetro de conhecimentos, competências e
atitudes, nomeadamente no que se refere às competências para analisar e sintetizar
informação. Neste sentido, as rubricas podem ser um meio útil e relevante para os
alunos desenvolverem as suas competências, para avaliarem a qualidade do seu
trabalho, assim como a qualidade do trabalho dos seus colegas. Note-se, a propósito,
que, por natureza, as rubricas descrevem a qualidade do trabalho dos alunos, mas
não o avaliam. Assim, por exemplo, as rubricas permitem que professores e alunos
selecionem a descrição que melhor representa a qualidade de um dado trabalho, mas,
em rigor, não avaliam esse trabalho diretamente. Neste sentido, dir-se-á que uma
rubrica não é propriamente o que se costuma designar por instrumento de avaliação.
O real valor das rubricas de avaliação reside no seu elevado potencial para que a
avaliação formativa e a participação dos alunos nos processos de avaliação, através
da autoavaliação e da avaliação entre pares, sejam realidades e práticas pedagógicas
cada vez mais presentes nas salas de aula. Uma das características mais relevantes
das rubricas é o facto de, através delas, os alunos ficarem a conhecer bem, de forma
explícita, o que se espera que seja o seu desempenho nas tarefas que lhes são
propostas. Os critérios e os respetivos indicadores são os meios que estabelecem tais
expectativas, por isso, determinam a qualidade que os trabalhos devem ter. Como já
se referiu, as descrições dos níveis de desempenho, indicadores ou descritores,
ajudam professores e os alunos a discernirem diferentes níveis de qualidade das
aprendizagens, competências ou atitudes. A questão mais crítica na construção de
rubricas de qualidade, sem as quais dificilmente poderemos estar a produzir
avaliações significativas acerca do que os alunos sabem e são capazes de fazer, é a
adequação dos critérios ou, talvez dito de forma mais abrangente, a sua qualidade. Na
verdade, quanto melhor os critérios e os respetivos indicadores forem capazes de
informar os alunos acerca dos objetivos de aprendizagem que têm de alcançar e quais
são as características que um trabalho bem conseguido deve ter, melhor será a sua
qualidade e, por isso, a sua adequação.
As rubricas de avaliação podem ser utilizadas igualmente nas avaliações de natureza
sumativa, com ou sem fins classificatórios (Fernandes, 2021i). Por isso, é habitual
incluir nas rubricas os níveis de desempenho, para além dos critérios e dos
indicadores ou descritores, que traduzem através de uma dada pontuação numa
escala a descrição da qualidade do trabalho ou do desempenho correspondente a um
determinado critério.
Na Figura 16 apresenta-se, a título meramente ilustrativo, parte de uma rubrica
analítica destinada a apoiar a avaliação da Resolução de Problemas. O principal
propósito deste exemplo é explicitar as partes integrantes de uma rubrica. (Note-se
que este exemplo tem de ser analisado tendo em conta que foi produzido em abstrato
o que, naturalmente, pode condicionar a sua interpretação e a sua transposição direta
para um contexto específico.)
A rubrica sugerida pela Figura 16 destina-se a avaliar tarefas de Resolução de
Problemas e pode ser utilizada numa diversidade de situações e contextos.
Desejavelmente, pode ser utilizada em diferentes disciplinas (eventualmente com
ligeiras adaptações) assim como em diferentes anos de escolaridade. Para efeitos da
utilização de qualquer rubrica é sempre imperativo que se discuta o significado de
cada critério. Neste caso, a Compreensão tem que ver com o facto de o aluno
evidenciar que é capaz de identificar as partes constituintes do problema,
nomeadamente os respetivos dados e de compreender o que se pretende saber
através da sua resolução. A Planificação refere-se ao seu conhecimento de
estratégias de resolução e à sua competência para discernir uma estratégia adequada
para resolver o problema. O Desenvolvimento contribui para avaliar em que medida o
aluno é capaz de pôr em prática o plano que delineou mobilizando para o efeito os
conhecimentos que se revelarem necessários. Por fim, a Revisão avalia a
competência do aluno para analisar o seu próprio trabalho para que, se necessário, o
possa reformular e/ou melhorar. Repare-se que, neste caso, se utilizaram os símbolos
"++" e "+++" para identificar os Níveis de Desempenho correspondentes aos
Descritores/lndicadores que se definiram para cada critério. Mas, dependendo da
utilização (formativa ou sumativa) que se pretende dar à rubrica e/ou de outras
circunstâncias, é obviamente possível utilizar outros símbolos incluindo letras,
algarismos e percentagens. Importa apenas que seja clarificado o seu significado. No
caso vertente "+" significa que o trabalho do aluno evidencia uma fase ainda inicial das
aprendizagens e competências a desenvolver, conforme é aliás indicado nos
respetivos descritores; "++" significa que o trabalho evidencia qualidades desejáveis,
mas que ainda poderá melhorar alguns aspetos; e "+++" significa que o trabalho do
aluno tem a qualidade desejável.
Figura 16 Parte de uma rubrica analítica para a avaliar a qualidade da Resolução de Problemas.

Não será difícil reconhecer as significativas vantagens que a discussão com os alunos
do significado de cada parte integrante de uma rubrica e até da sua participação na
sua construção e/ou da sua melhoria. Os alunos ficam bem mais cientes acerca das
características que um trabalho de qualidade deve ter e, consequentemente, acerca
do que têm de aprender e saber fazer. É, de facto, uma estratégia que facilita muito o
desenvolvimento das suas competências cognitivas e metacognitivas mais complexas.
Analisemos agora alguns dos aspetos essenciais a considerar quando optamos por
realizar e utilizar uma avaliação de natureza holística. Assim, na Figura 17 é
apresentada uma possível rubrica de avaliação holística que pode ser utilizada para
avaliar a qualidade dos trabalhos dos alunos na Resolução de Problemas. É
importante referir que as descrições dos diferentes níveis de desempenho ilustram
apenas uma possibilidade, pois, para qualquer um, pode haver trabalhos a que
correspondem outras descrições. Por exemplo, ao nível "++" pode corresponder uma
descrição em que o trabalho apresenta uma resposta correta para o problema e a
utilização de uma estratégia de resolução adequada ou uma descrição em que a
resposta está incorreta e é utilizada uma estratégia adequada de resolução. Podendo,
obviamente, haver mais possibilidades. A descrição do desempenho vai sendo
apurada e sofisticada à medida que, através da avaliação do trabalho dos alunos na
resolução de problemas, vai sendo possível sofisticar as descrições que permitem
apreciar a sua qualidade.
Figura 17 Rubrica holística para avaliar a qualidade da Resolução de Problemas

Uma das vantagens da avaliação de natureza holística é a possibilidade de se poder


avaliar a qualidade dos trabalhos dos alunos sem estarmos confinados a um conjunto
limitado de critérios. Deste modo, num certo sentido, podemos dizer que estamos
perante uma avaliação mais livre, quiçá mais criativa e significativa, que decorre das
conceções e dos conhecimentos dos professores. Porém, estes conhecimentos e
conceções acabam, inevitavelmente, por mobilizar a utilização de critérios sem os
quais seria impossível produzir uma avaliação credível da qualidade do trabalho dos
alunos. Se atentarmos no conteúdo das descrições do desempenho constantes na
Figura 16, concluímos que há, de certo modo, uma agregação, ou uma integração de
critérios (e.g., Compreensão, Planificação) sem a qual o conteúdo da avaliação
holística poderia ser considerado inadequado. Neste caso, do mesmo modo que a
utilização de avaliações analíticas, focadas numa diversidade de aspetos de um
trabalho, nos pode fazer perder a noção da qualidade do todo, a utilização de
avaliações holísticas, focadas no trabalho como um todo, pode fazer-nos perder a
noção de importantes partes do trabalho. Além do mais, podem ter em linha de conta
outros aspetos que, não sendo necessariamente uma coisa má, podem ter
consequências ao nível da consistência das avaliações de trabalho para trabalho e de
professor para professor. É, porém, importante compreender-se que nós podemos
procurar estratégias que nos permitam vencer estas dificuldades. Por exemplo,
podemos ter uma preferência pelas avaliações holísticas tendo em conta as suas
características e as suas vantagens, procurando compensar as suas desvantagens
através da utilização complementar de rubricas analíticas que, naturalmente, têm em
conta os critérios que se possam ter considerado ou que se estime importante
considerar. Por conseguinte, tal como as avaliações formativas e as avaliações
sumativas, as avaliações de natureza analítica e as de natureza holística deveriam ser
consideradas como complementares.
Em suma, as rubricas analíticas ou holísticas são meios pedagógicos que se têm
revelado relativamente simples de elaborar e de utilizar, inclusivamente com a
participação ativa dos alunos, e com vantagens muito significativas quer no que se
refere à clarificação dos objetivos de aprendizagem, quer na produção e distribuição
de feedback, quer ainda no desenvolvimento dos processos de autoavaliação dos
Porém, é importante perceber que têm características distintas e, nesse sentido, as
rubricas analíticas, que especificam um conjunto mais ou menos alargado de critérios,
ajudam-nos a avaliar os trabalhos dos alunos tendo em conta cada um dos critérios
OIJ, se quisermos, a avaliação é concretizada critério a critério e, nessas
circunstâncias, tendem a ser mais úteis na avaliação formativa e nas tarefas do dia-a-
dia. Por seu lado, as rubricas holísticas, tendem a ser mais utilizadas nas avaliações
sumativas, quando, num dado momento, se torna necessário fazer um ponto de
situação acerca do que alunos sabem e são capazes de fazer. De facto, torna-se
menos evidente sinalizar os aspetos concretos que, por exemplo, os alunos devem ter
em conta para melhorar e, por isso, podem ser menos úteis nas avaliações de
natureza formativa. Além disso, como facilmente se compreende, a avaliação com
rubricas analíticas consome mais tempo do que a avaliação com rubricas holísticas.
Em todo o caso, nenhuma destas ou doutras desvantagens é, em rigor,
inultrapassável. O que realmente é importante é proceder às adaptações que, em
cada caso, se considerem relevantes para que as rubricas, sejam elas analíticas ou
holísticas, possam ser meios pedagógicos importantes para melhorar as práticas de
avaliação. Uma das possibilidades é utilizá-las de forma complementar tendo em conta
as necessidades dos processos de avaliação.
A reflexão que se segue de imediato acrescenta algo no sentido de se procurar
perceber que as questões pedagógicas, isto é, por exemplo, a organização dos
processos de ensino, de aprendizagem e de avaliação, não se desenvolve a partir de
técnicas mais ou menos estandardizadas que se aplicam independentemente dos
professores e das suas circunstâncias. Exigem sempre a mobilização, a integração e a
utilização de uma diversidade de conhecimentos, competências e experiências e a
tomadas de decisões que se configurem mais adequadas para as situações concretas
com que as pessoas estão confrontadas. Na verdade, não há modos pronto a vestir
para desenvolver o currículo, a avaliação e as aprendizagens dos alunos.

 Reflexões acerca da avaliação referida a critérios


Apesar das suas reconhecidas vantagens, é necessário compreender que a avaliação
baseada em critérios não está livre de limitações e/ou de problemas que é necessário
ter em conta.

 Não é fácil definir um conjunto de critérios que traduza bem o que é importante
avaliar e aprender.
 A definição consensualizada de critérios e dos respetivos indicadores ou
descritores é uma difícil e complexa construção social que exige o trabalho
colaborativo dos professores.
 Os critérios podem não ser tão independentes uns dos outros como é
desejável o que pode tornar o processo de avaliação confuso e pouco rigoroso.
 Os critérios definidos nem sempre se adequam à avaliação de conteúdos
curriculares considerados relevantes.
 Os critérios não garantem o enquadramento da complexidade dos processos
de ensino, aprendizagem e avaliação.
 A definição prévia de um conjunto de critérios pode limitar o desenvolvimento
criativo do currículo e a sua abrangência.
Do ponto de vista epistemológico, isto é, da sua relação com o que se pretende
conhecer (a qualidade do trabalho realizado pelos alunos), a definição de critérios está
com uma visão analítica do processo de avaliação. Isto significa que ao avaliar, por
exemplo, a resolução de um problema, um ensaio ou um produto, vamos utilizar cada
um dos critérios para avaliar a qualidade do trabalho realizado. Porém, se avaliarmos
esse mesmo trabalho numa perspetiva holística, isto é, sem estar subordinado a cada
um dos critérios, também posso avaliar a sua qualidade. Ou seja, mesmo sem utilizar
critérios definidos à partida somos capazes de nos pronunciar sobre a qualidade de
um ensaio ou sobre a resolução de um problema. O que acontece é que a
investigação tem mostrado que não há, em geral, consistência entre as avaliações de
natureza analítica e as avaliações de natureza holística. Repare-se que eu posso ler
um ensaio e considerar que se trata de um trabalho de muita qualidade, muito bem
escrito, muito claro e com uma utilização criativa e invulgar da linguagem escrita.
Neste sentido, poderei considerar que Muito Bom é a menção que melhor traduz a
qualidade do referido ensaio, apesar de não ter tido em conta quaisquer critérios em
particular ou de não ter sido capaz de identificar os critérios que melhor me poderiam
ajudar na avaliação do ensaio. No entanto, se eu voltar a analisar o mesmo ensaio
utilizando um conjunto de critérios (e. g., Argumentação, Consistência, Conteúdo,
Profundidade) posso constatar que, em relação a um ou mais desses critérios, o
ensaio estará aquém do que seria um ensaio considerado Muito Bom. Ou seja, há
discrepância entre a avaliação global (avaliação holística) que se produziu e a
avaliação baseada na análise que se pode fazer utilizando critério a critério (avaliação
analítica). E poderia igualmente suceder a situação inversa. Normalmente dizemos
que o todo é maior do que a soma das partes, mas, através deste exemplo, também
se verifica que o todo pode ser menor do que a soma das partes. O que se passa é
que nós somos capazes de identificar qualidade num determinado trabalho (e isto é
talvez mais frequente em trabalhos que suscitam a utilização de processos mais
complexos de pensamento) sem que necessariamente encontremos as palavras que o
possam justificar; ou seja, um trabalho pode ser reconhecido de qualidade se
considerarmos a sua totalidade. E, nestes termos, o trabalho pode parecer bem
melhor do que os critérios poderiam levar-nos a concluir. Nestas condições, teremos
de procurar encontrar formas de articular e equilibrar estas duas perspetivas de forma
tão fundamentada, rigorosa e simples quanto possível.
Em suma, estamos perante uma avaliação analítica quando, por exemplo, para avaliar
0 que os alunos sabem e são capazes de fazer relativamente à Resolução de
Problemas, se tem em conta cada um dos critérios previamente definidos tais como
Compreensão (compreender o problema) , Planificação (encontrar um plano/uma
estratégia para resolver o problema), Desenvolvimento (do plano/estratégia para
resolver o problema) e Revisão (analisar o processo e a solução encontrada para o
problema), tal como se pode verificar na Figura 15. Nestes termos, poderemos avaliar
cada um dos aspetos desempenho dos alunos na Resolução de Problemas. A
vantagem que esta abordagem poderá ter reside no facto de ser possível obter uma
ideia do desempenho dos alunos tendo em conta uma diversidade de aspetos
considerados relevantes. Deste podem ser identificados aspetos mais e menos bem
conseguidos e, neste sentido, pode ser mais fácil distribuir feedback e desenvolver a
avaliação formativa. Por outro lado, estamos perante uma avaliação holística quando,
continuando com o exemplo da Resolução de Problemas, temos em conta o
desempenho dos alunos relativamente à resolução como um todo e não tendo em
conta cada uma das suas partes. Trata-se, obviamente, de uma avaliação que vai ter
em conta a qualidade da resolução e que terá mais em conta uma eventual agregação
dos critérios acima referidos ou até outros aspetos que estes não consideram. As
avaliações de natureza holística têm igualmente as suas vantagens, a mais referida
das quais é a de não ser necessário tanto tempo para avaliar os trabalhos como
acontece com avaliações de natureza analítica. A ideia de considerar a resolução
como um todo pode evitar que se valorizem demasiado certos aspetos do
desempenho dos alunos em relação a outros o que, normalmente, não deixa de ser
uma decisão arbitrária. Isto tem igualmente que ver com o facto de, nas avaliações
analíticas, podermos ter a tendência para avaliar os aspetos mais superficiais e
simples do trabalho dos alunos, ignorando os que evidenciam processos mais
complexos de pensamento que são mais difíceis de avaliar. O que podemos dizer é
que, tal como acontece em tantas outras situações, as avaliações analíticas têm os
seus pontos fortes ou vantagens, alguns dos quais já se referiram, mas também os
seus pontos fracos, ou as suas desvantagens. A sua maior desvantagem talvez tenha
que ver com a tendência que é comum para se definirem demasiados critérios com
indicadores ou descritores muito detalhados o que, inevitavelmente, nos leva a perder
a noção do todo, do conjunto do desempenho. Como se ao apreciar uma obra de arte
nos focássemos sobretudo numa miríade de detalhes e não apreendêssemos a sua
totalidade (é interessante pensar-se nas avaliações que podem surgir a partir de uma
situação como esta).

Este é realmente um domínio de investigação e de reflexão apaixonante que não cabe


aqui desenvolver.

Decidi referir esta questão neste contexto para que tenhamos consciência de que não
há processos nem práticas de avaliação infalíveis; todos têm os seus pontos mais
fortes e as suas fragilidades, cabendo-nos encontrar as melhores formas de gerir
estas questões tão fundamentada e ponderadamente quanto possível. Estamos
perante um empreendimento humano e não perante uma qualquer técnica capaz de
produzir avaliações acima de qualquer inconsistência ou fragilidade pois isso, muito
simplesmente, não existe.

Feedback: Refletir, Motivar e Aprender Melhor


O feedback é um processo pedagógico que é estudado há mais de um século e que,
naturalmente, tem evoluído desde as perspetivas enquadradas pela psicologia
associacionista e pelo behaviourismo do feedback positivo, entendido como reforço, e
do feedback negativo, como repreensão, até às perspetivas mais contemporâneas
fundadas no cognitivismo e nas perspetivas socioculturais da aprendizagem em que,
por exemplo, pode ter uma função muito importante e positiva na correção do erro
que, assim, é mobilizado pedagogicamente para melhorar as aprendizagens e não
para estigmatizar os alunos. Além disso, é amplamente reconhecido que, em geral,
contribui para melhorar as aprendizagens dos alunos uma vez que lhes permite:

 Compreender o que é necessário aprender ou os objetivos de aprendizagem


que é preciso alcançar.
 Tomar consciência da situação em que se encontram relativamente a tais
objetivos.
 Apreender o que é necessário fazer de seguida para efetivamente os alcançar.
Dito de outro modo, estamos perante um importante ciclo da avaliação formativa que é
definido através de três questões fundamentais e estruturantes formuladas do ponto
de vista do aluno tal como se ilustra na Figura 18. Estas questões, aliás, já antes
tinham sido enunciadas e discutidas a propósito da organização das práticas de
avaliação formativa e foram então enquadradas na Figura 10 que, em todo o caso, não
fazia referência explícita à natureza circular da avaliação formativa que decorre do
papel desempenhado pelo feedback.

Figura 18 Ciclo da avaliação formativa

O feed up tem que ver com os objetivos de aprendizagem, sendo fundamental referi-
los e clarificá-los de forma sistemática junto dos alunos. Simultaneamente, e
fundamental que os alunos apreendam os critérios e os descritores que permitem
regular os processos de aprendizagem através da avaliação da sua consecução. 0
feedback, de certo modo, tem uma natureza contínua, pois acompanha os processos
de aprendizagem que os alunos vão desenvolvendo através da realização de uma
diversidade de tarefas e propostas de trabalho a partir das quais os professores
recolhem informações que analisam e devolvem aos alunos para que eles possam
tomar consciência do estado em que se encontram relativamente ao que é necessário
aprender. É, nestes termos, um processo essencial para que os alunos, tão
autonomamente quanto possível, compreendam até que ponto estão a aprender e são
capazes de fazer o que foi definido nos objetivos de aprendizagem tendo em conta os
critérios de avaliação e os seus descritores. E, além disso, é um processo que deve
tornar os alunos mais conscientes acerca da diversidade de processos e estratégias
que podem ser utilizados para aprender, não se limitando, por isso, a contabilizar o
que está certo ou o que está errado. O feed forward tem que ver com as estratégias,
os processos e as atividades em geral que devem ser sugeridas aos alunos e que lhes
permitem ultrapassar problemas e dificuldades de aprendizagem eventualmente
identificadas através da realização de uma ou mais tarefas. É um processo
fundamental no contexto mais geral do feedback, pois é através dele que os alunos
tomam consciência dos esforços que ainda têm de fazer para aprender o que foi
estabelecido (Machado, 2021a).
Para efeitos deste trabalho o feedback não é mais do que a informação que é
distribuída aos alunos acerca do seu trabalho com o propósito de os ajudar a aprender
elou a consolidar o que eventualmente já tenham aprendido. O feedback é o conteúdo
mais fundamental da avaliação formativa e, nestes termos, no contexto mais amplo da
avaliação pedagógica, tem sempre um papel muito relevante. É, se quisermos, a sua
razão de ser. Na verdade, é através da avaliação formativa que se recolhem as
informações que nos permitem que ele seja concebido, elaborado e distribuído e daí a
necessidade das interações com os alunos serem sistemáticas e de elevada
qualidade. O feedback é o conteúdo mais fundamental da avaliação formativa e,
nestes termos, no contexto mais amplo da avaliação pedagógica, tem sempre um
papel muito relevante. De facto, é um processo através do qual os alunos sentem que
participam nos processos de avaliação, de aprendizagem e de ensino o que suscita a
sua motivação e o seu maior envolvimento. Trata-se, na verdade, de um processo
indispensável e incontornável e será bom compreender que sem ele não há, pura e
simplesmente, avaliação formativa porque nada é feito para se eliminar a discrepância
que existe muitas vezes entre o desempenho real dos alunos e o que se considera ser
o desempenho desejável.
Porém, não chega distribuir feedback de qualidade para que os alunos aprendam mais
e melhor e com mais compreensão. É necessário ver em que medida os alunos
apreendem as mensagens que se pretendem veicular através dele e também se,
quando compreendidas, são efetivamente utilizadas. Estas são questões que têm sido
objeto de atenção por parte dos investigadores, e as recomendações vão no sentido
de envolver os alunos em práticas de autoavaliação e de avaliação entre pares para
que tenham reais oportunidades de desenvolver as competências que lhes permitam
compreender e utilizar proveitosamente o feedback. Na verdade, em qualquer destes
processos, os alunos têm de o distribuir (para si mesmos e para os seus colegas) e,
quando o recebem, aprendem a analisá-lo, a apreendê-lo e a utilizá-lo. Ou seja, os
alunos têm de aprender a analisar e a compreender o feedback que lhes é distribuído
e têm igualmente de aprender a utilizá-lo.
Para distribuirmos um feedback eficaz, que acompanhe o processo de avaliação
formativa e que, por isso, ajude os alunos nos processos de aprendizagem, é
geralmente reconhecido que devem ser tidos em conta aspetos relacionados com o
seu Conteúdo e com a sua Forma.
No que se refere ao Conteúdo, devemos dar especial atenção aos seguintes aspetos
fundamentais:

 Os objetos primordiais do feedback são a qualidade das tarefas realizadas


pelos alunos, com particular ênfase nas estratégias, nos processos e nos
procedimentos utilizados, tendo em conta os objetivos de aprendizagem
definidos e, naturalmente, os critérios e os respetivos indicadores.
 O feedback deve ter a função primordial de descrever com clareza e com o
necessário detalhe o desempenho dos alunos nas tarefas e propostas de
trabalho que lhes são apresentadas, utilizando sugestões construtivas e
positivas que os possam orientar e incentivar a melhorar o seu trabalho e a
prosseguir os seus esforços de aprendizagem.
Atentemos, por exemplo, nos seguintes exemplos que, em termos de conteúdo, não
correspondem ao que deve ser um feedback de qualidade, pois nenhum indica
qualquer orientação baseada no trabalho realizado e/ou nos elementos que foram
tidos em conta para o apreciar (e.g., estratégias, processos, objetivos, critérios), nem é
feita qualquer descrição e/ou produzida qualquer sugestão.

 Tens de estudar mais!


 O teu relatório tem muitos erros que tens de corrigir!
 Li com atenção o teu ensaio e julgo que está aquém do desejável. Tens de te
esforçar mais!
 O teu desenho está algo estranho pois faltam-lhe elementos fundamentais.
Procura estar mais atento!
 A análise que elaboraste da pintura está bastante fraca. Tens de trabalhar
muito!
Por contraste, apresentam-se seguidamente alguns exemplos de feedback que pode
orientar os alunos no desenvolvimento das suas aprendizagens e competências.

 A tua reflexão sobre o que aprendeste até agora é profunda e revela que
conheces, compreendes e utilizas sem problemas os assuntos que ternos
vindo a estudar. Julgo, no entanto, que tens de trabalhar para melhorar a
clareza da redação, sobretudo evitando frases tão longas e com problemas de
pontuação. Analisar os materiais que te indiquei e partilhar os trabalhos com
outros colegas ou amigos antes de os entregares, podem ser estratégias que
te ajudam a ultrapassar este problema.

 A resolução do teu problema revela que compreendeste o que se pretendia


saber e que organizaste bem os dados necessários para encontrar a solução.
No entanto, não identificaste nem utilizaste nenhuma das estratégias que
discutimos nas aulas para o fazer. Deves estudá-las e procurar resolver
novamente o problema para que eu o volte a analisar.

 A análise que fizeste desta pintura é bastante superficial e não teve em


atenção os critérios que discutimos na aula, tais como mensagem, cor, textura,
composição, e simbolismo. Podes estudar os critérios e/ou discuti-los com o
teu grupo de trabalho para voltares a fazer análise. Ou vem falar comigo, se
necessitares.
Estes exemplos foram deliberadamente produzidos para se referirem a tarefas
associadas ao desenvolvimento de processos cognitivos e/ou metacognitivos mais
complexos e, por isso, o feedback pode ser um pouco mais elaborado. O que
interessava qui exemplificar era a importância de nos referirmos aos aspetos de
conteúdo. Obviamente que, com um número muito elevado de alunos e de turmas,
não será fácil elaborar este tipo de feedback por escrito. Será eventualmente mais
adequado e exequível fazê-lo oralmente e/ou utilizar procedimentos mais
estandardizados, bem menos trabalhosos, mas que, em geral se revelam bastante
eficazes e úteis para os alunos.

Figura 19Exemplo de uma procedimento estandardizado, baseado em


critérios, para distribuir feedback a um elevado número de alunos.

Repare-se que estão enunciados os critérios que foram considerados e que deverão
ter sido explicitados, discutidos e compreendidos antes da realização da tarefa e são
indicados os níveis de desempenho (V, WO correspondentes a descritores ou
indicadores que também são de conhecimento prévio dos alunos. Por exemplo, para a
Clareza, ao descritor ou indicador "O texto não é claro, sendo quase sempre difícil
compreender o seu conteúdo. Não há um fio condutor lógico e consistente que permita
acompanhar o encadeamento do que se discute. Há muitos problemas com a
construção das frases e com a utilização das normas usuais da língua portuguesa.",
corresponde o nível de desempenho "V". Se considerarmos o Conhecimento, ao
descritor "O ensaio apresenta uma discussão dos assuntos que revela profundo
conhecimento e compreensão muito clara dos conceitos, das teorias e das ideias
constantes nos textos referenciados. O texto foi construído a partir de uma excelente
mobilização, integração e utilização dos conhecimentos relevantes.", corresponde um
nível de desempenho "VVV". Destes exemplos se infere a importância de termos boas
descrições acerca da qualidade que os trabalhos devem ter e que deve ser
apresentado e debatido quando se considerar oportuno, mas sempre antes da
realização das tarefas.
No fundo, este procedimento simples baseia-se numa rubrica de avaliação analítica
que já poderia existir ou que pode ter sido construída propositadamente para uma
dada tarefa ou para um conjunto de tarefas. Assim, quando o trabalho está a ser
avaliado, o professor só tem de assinalar na célula correspondente a sua avaliação.
Pode acrescentar-se uma última linha se, por exemplo, se quiser introduzir uma
Apreciação Global do trabalho realizado na tarefa. E pode também construir-se algo
de semelhante, mais específico, tendo por referência objetivos de aprendizagem ou
que seja de natureza mais holística. Enfim, há uma diversidade de processos
pedagógicos que se podem utilizar para distribuir feedback de qualidade a cada um
dos nossos alunos, ainda que seja estandardizado. O limite é mesmo a nossa
criatividade. Mas é importante ter em conta que a distribuição de feedback não se
pode tornar uma espécie de massacre para os professores e para os alunos. Tem de
ser inteligentemente distribuído, isto é, tendo em conta o que é mais relevante
aprender, o que é estruturante e o que está associado ao desenvolvimento dos
processos mais complexos de pensamento. E este é um caminho em que vale mesmo
a pena investir, tendo em conta a sua relação muito positiva com as aprendizagens
dos alunos.
Já no que tem que ver com a Forma consideram-se normalmente os seguintes
aspetos:

 O feedback tem de ser distribuído, tanto quanto possível, pouco tempo após a
conclusão das tarefas por parte dos alunos e deve realizar-se sob diversas
formas (e.g., oral, não verbal, escrito) com a frequência possível, sendo,
porém, desejável que incida primordialmente nas tarefas que exigem a
mobilização, a integração e a utilização de conhecimentos e competências
consideradas mais estruturantes.

 O feedback deve focar-se nos assuntos que se consideram mais essenciais,


nunca devendo ser excessivo e, tanto quanto possível, deve ser distribuído
individualmente junto de alunos que revelam maiores dificuldades e que
normalmente carecem de um acompanhamento mais próximo.
A investigação tem evidenciado que há fortes e muito positivas relações entre o
feedback e a motivação e o envolvimento dos alunos nas tarefas que lhes são
propostas e, consequentemente, há significativos ganhos no desenvolvimento das
suas aprendizagens e competências. Atentemos, a título de exemplo, nos seguintes
efeitos, amplamente comprovados, do feedback de qualidade:

 O feedback que proporciona informação clara e descritiva acerca do


desempenho cria condições para que os alunos compreendam o que devem/
/têm de fazer para ultrapassar as dificuldades com autonomia, pois nunca lhes
deve ser dito como se faz mas antes proporcionar-lhes condições para
decidirem o que e como fazer; e isso motiva-os porque sentem que têm
controlo sobre o que têm de fazer para aprender.

 O feedback torna os alunos conscientes do seu estado em relação ao que têm


de aprender e dos esforços que têm de fazer para que tal aconteça e, por isso,
o seu trabalho e desempenho melhoram sensivelmente.

 O feedback ajuda os alunos a analisarem o seu trabalho a partir de um olhar


externo e baseado em critérios, permitindo-lhes regular as suas aprendizagens
e desenvolver as suas competências cognitivas e metacognitivas.

Em suma, o feedback será tanto mais eficaz quanto mais formos capazes de
assegurar que o seu conteúdo e a sua forma têm as características que acabam de se
explicitar. Os seus efeitos na motivação e no desenvolvimento dos conhecimentos e
competências dos alunos são um forte incentivo para que o utilizemos nas nossas
práticas pedagógicas com a frequência possível.
Ao longo desta secção, para além de se ter discutido o conceito de feedback e de se
ter feito referência ao ciclo de avaliação formativa, foram debatidas as características
principais que um feedback de elevada qualidade deve evidenciar. Implicitamente,
foram feitas recomendações que deveremos considerar para efeitos da organização e
desenvolvimento das práticas pedagógicas. Assim, explicitam-se de seguida
recomendações consideradas relevantes para esse efeito.

 O feedback deve incidir no trabalho ou no desempenho dos alunos e nunca


nas suas características pessoais.

 O feedback deve ser essencialmente descritivo, assinalando os pontos fortes e


fracos do trabalho, evitando a formulação de juízos que possam desencorajar
os alunos de prosseguirem os seus esforços de aprendizagem.

 O feedback deve ser claro e encorajar sempre os alunos que ainda não
conseguiram alcançar os objetivos de aprendizagem a prosseguirem tão
autonomamente quanto possível os seus esforços para o conseguir.

 O feedback deve centrar-se numa seleção dos assuntos, processos, conceitos


e procedimentos considerados mais essenciais e nunca deve ser dado em
quantidades excessivas.

 O feedback tem de dizer aos alunos o que não foram ainda capazes de fazer
bem, mas isso pode ser feito de forma positiva, apresentando sugestões
concretas de trabalho sem dar propriamente as respostas e incentivando os
alunos a prosseguir.
 O feedback, sempre que possível, nas tarefas escritas, deve ser escrito. O
feedback deve ser formulado de forma a que os alunos sejam incentivados a
pensar e a refletir sobre o trabalho que realizaram.

 O feedback deve estar primordialmente associado à avaliação formativa mas


deve igualmente estar presente nas avaliações de natureza sumativa, com ou
sem fins classificatórios, para que estas possam ter igualmente um papel
relevante no desenvolvimento das aprendizagens dos alunos.
Seguimos agora para a apresentação de práticas de avaliação que são reconhecidas
como muito relevantes no desenvolvimento das aprendizagens dos alunos e que, com
certeza, estão fortemente relacionadas com as questões que se vêm discutindo.

Autoavaliação e Avaliação entre Pares


As práticas pedagógicas de autoavaliação e de avaliação entre pares, entre muitas
outras possibilidades, são normalmente associadas à participação dos alunos nos
processos de avaliação das suas próprias aprendizagens (Fernandes, 2021j: 20211;
Machado, 2021b). No caso da autoavaliação, o que cada aluno faz é utilizar os
critérios que previamente se definiram para avaliar a qualidade do seu próprio trabalho
e, dessa forma, desenvolve ações tendo em vista a reorientação e/ou regulação das
suas aprendizagens. Na avaliação entre pares, os critérios são igualmente utilizados
ainda que alguns autores a considerem mais como um processo colaborativo de
aprendizagem do que uma avaliação propriamente dita. Em todo o caso, os alunos
têm de compreender os critérios que são utilizados e de ser capazes de se
pronunciarem sobre o trabalho dos seus colegas e, desse modo, estão efetivamente
envolvidos em processos de avaliação.
Os resultados da utilização sistemática de processos de autoavaliação são
francamente robustos e muito encorajadores, pois mostram que os alunos melhoram
muito as suas aprendizagens e competências e a qualidade do seu trabalho melhora
significativamente. Além disso, e quiçá ainda mais relevante, é o facto de os alunos
desenvolverem muito as suas competências para refletir de forma crítica o que,
naturalmente, lhes permite desenvolver as suas competências para compreender as
realidades e os fenómenos que os rodeiam. Os resultados relativamente à avaliação
entre pares são menos robustos mas, ainda assim, mostram uma diversidade de
melhorias ao nível da motivação, da capacidade para refletir e para interagir e,
naturalmente, das aprendizagens.
É ainda importante referir que estes processos, estas práticas pedagógicas, estão
muito relacionadas com a utilização dos critérios e dos seus descritores ou
indicadores, dos objetivos de aprendizagem e do feedback. Estes factos, para além de
conferirem consistência ao desenvolvimento da avaliação pedagógica, permitem que
professores e alunos desempenhem papéis semelhantes no que se refere ao
progresso das aprendizagens. Por um lado, os professores, como profissionais e
recursos altamente qualificados, distribuem feedback que, a muitos títulos, é uma
forma de se pronunciarem sobre a qualidade do trabalho e das aprendizagens dos
alunos. Por outro lado, os alunos, através da autoavaliação, pronunciam-se igualmente
sobre a qualidade do seu trabalho e das suas aprendizagens. Ambos, no fim de
contas, utilizam os critérios e os objetivos de aprendizagem com o mesmo fim e isso é,
na verdade, inestimável e pode fazer uma diferença significativa e inovadora no clima
pedagógico das salas de aula.

 Autoavaliação
A autoavaliação e a avaliação entre pares são processos cognitivos que podem ter
uma grande relevância no desenvolvimento das aprendizagens de todos os alunos e
que se devem integrar nos processos inerentes ao desenvolvimento da avaliação
pedagógica, muito particularmente nos que se referem à avaliação formativa. De facto,
no seu sentido mais amplo, as práticas de avaliação formativa devem prever
oportunidades para que os alunos analisem e avaliem as suas próprias aprendizagens
assim como as dos seus colegas.
Através do processo de autoavaliação, os alunos são convidados a pensar, a refletir,
acerca do estado em que se encontram relativamente às suas aprendizagens e
competências e, nesse sentido, para além de criarem condições para poderem
ultrapassar eventuais dificuldades desenvolvem as suas competências metacognitivas
e, desse modo, os seus processos cognitivos em geral. Nestas condições, a
autoavaliação pode ser um importante meio para que os alunos desenvolvam
capacidades de reflexão critica, pensamento crítico e processos de gestão e controlo
das suas aprendizagens e competências. E, deste modo, pode contribuir para que os
alunos se tornem mais autónomos, mais motivados e capazes de desenvolverem
importantes capacidades e competências que são transversais e, por isso, suscetíveis
de serem transferidas para uma diversidade de contextos de ação e enquadramentos
de aprendizagem.
Importa começar por dizer que a autoavaliação é um relevante processo para que os
alunos possam participar ativamente na avaliação das suas ações, trabalhos e
desempenhos, nos seus processos de aprendizagem e também nos processos de
ensino. Desta maneira, tem de ficar claro que a autoavaliação nada tem que ver com a
atribuição de uma classificação a si próprio (auto classificação) uma vez que, na sua
essência, é um criterioso processo de reflexão e análise que os alunos empreendem
acerca das suas próprias aprendizagens e não um mero instrumento ou algoritmo para
gerar uma nota. Como já se referiu, a autoavaliação é um processo cognitivo e
metacognitivo e daí a sua grande relevância no desenvolvimento dos conhecimentos,
atitudes e competências dos alunos.
As práticas sistemáticas de autoavaliação têm de ser pensadas e preparadas para que
os alunos aprendam o que e como proceder ao longo dos processos que lhe são
inerentes. Antes de mais, interessa que os alunos sejam informados acerca da
natureza, dos processos e da relevância que a autoavaliação pode ter para que
possam aprender mais e melhor, com mais confiança nas suas capacidades e mais
autonomia. Assim, ao longo das primeiras semanas de aulas é importante ir
reafirmando a importância da autoavaliação para que os alunos se tornem conscientes
das suas características e da sua relevância para as suas aprendizagens. Como, em
geral, os alunos sabem relativamente pouco acerca da forma como são avaliados, é
importante que se familiarizem com a utilização dos critérios através dos quais o seu
trabalho é avaliado. A discussão dos critérios com os alunos é uma prática pedagógica
crucial para focar os seus esforços de aprendizagem e de avaliação. Note-se que a
investigação tem vindo a mostrar que os alunos, quando envolvidos num ambiente em
que a autoavaliação e a avaliação formativa são práticas pedagógicas correntes nas
salas de aula, são muito cuidadosos e rigorosos na observação dos critérios e dos
respetivos níveis de desempenho. Consequentemente, a informação recolhida pelos
professores com base nas autoavaliações é por norma bastante credível e, por isso,
um excelente meio para distribuir feedback para que os alunos revejam e melhorem o
seu trabalho.
A autoavaliação pode desenvolver-se através de uma diversidade de modalidades que
vão desde as mais informais (e.g., questões tais como O que é que aprendeste de
novo acerca dos quadriláteros? O que é que para ti foi mais difícil quando estávamos a
estudar a célula?) que são integradas no desenvolvimento das aulas, às mais formais
e estruturadas que podem incluir rubricas de avaliação, listas de verificação ou até
reflexões escritas com dimensões variáveis.
O papel dos professores é muito importante, quer na criação de um ambiente de sala
de aula que propicie momentos mais ou menos informais de autoavaliação, quer na
seleção das tarefas ou trabalhos de qualquer natureza que devem ser objeto de
autoavaliação, quer ainda na discussão dos critérios e dos respetivos descritores que
devem ser utilizados.
A autoavaliação é, comprovadamente, um poderoso processo através do qual os
alunos podem aprender e desenvolver uma diversidade de competências, muitas das
quais são transferíveis para outras disciplinas e contextos. Por isso mesmo, deve
ocorrer de forma sistemática, acompanhando os processos de ensino, de avaliação e
de aprendizagem. Tal como a avaliação formativa, a autoavaliação deve ser
tendencialmente contínua. Conforme se ilustra na Figura 20 as práticas pedagógicas
de autoavaliação podem, efetivamente, ocorrer em todas as fases dos processos de
ensino e aprendizagem.

Figura 20 Autoavaliação antes, durante ou após uma aula ou uma sequência de


ensino-aprendizagem.

Mas, para tal, os alunos têm de ser ensinados a realizá-la adequadamente e os


professores têm de estar disponíveis para partilharem o seu poder para avaliar.
Um aspeto central neste processo é criar condições para que os alunos se apropriem
dos critérios de avaliação que devem ter em conta quando estão a aprender e quando
vão avaliar o seu trabalho ou o seu desempenho na realização de uma tarefa. A
seleção de tarefas específicas que devem ser objeto de autoavaliação tem de ser
pensada tendo em conta os assuntos que se consideram particularmente importantes.
No desenvolvimento do currículo há domínios mais relevantes e estruturantes do que
outros e esse juízo tem de ser feito quando for necessário selecionar as tarefas de
autoavaliação que se considerem primordiais. Tendo em conta que a autoavaliação é
também um meio através do qual os professores recolhem informação acerca do que
os alunos sabem e são capazes de fazer, faz todo o sentido planear momentos e
tarefas de autoavaliação formais e estruturadas que permitam fazer sínteses ou
balanços acerca do que os alunos aprenderam e/ou manifestam dificuldades. Por
exemplo, após a realização de uma tarefa ou de um teste, pode pedir-se aos alunos
que reflitam por escrito acerca do seu desempenho e/ou perguntar-se como se
prepararam para a realização da tarefa ou do teste e o que eventualmente fariam de
diferente no futuro. Deste modo, está a poupar-se tempo, pois utilizam-se tarefas ou
testes que tinham sido antecipadamente previstos. Mas, independentemente destes
momentos formais e estruturados, que ocorrem quando é importante fazer balanços
e/ou pontos de situação, a autoavaliação deverá estar sempre presente nos processos
de aprendizagem, o que é o mesmo que dizer que os alunos devem desenvolver
hábitos de reflexão sistemática acerca da qualidade dos seus trabalhos escolares.

 Avaliação entre pares


A avaliação entre pares pode constituir um importante processo para desenvolver as
aprendizagens dos alunos, pois permite que os que ainda não aprenderam tenham
mais uma oportunidade para o poder fazer, que os que ainda têm algumas dúvidas as
possam clarificar e que os que já aprenderam possam consolidar as suas
aprendizagens e mesmo alargar o espetro de conhecimentos e/ou competências,
entretanto já adquiridas. Para além disso, os alunos desenvolvem competências de
elevado nível cognitivo pois a avaliação do trabalho dos seus colegas obriga à
mobilização de competências relacionadas com a análise, a síntese, a avaliação e a
criatividade, as competências mais elevadas da taxonomia do domínio cognitivo criada
por Benjamim Bloom (Bloom & Krathwohl, 1956), revista cerca de meio século mais
tarde por Lorin Anderson e David Krathwohl (Anderson & Krathwohl, 2001).
Reproduzem-se ambas na Figura 21 tendo em conta a sua atualidade e relevância e
pelas reflexões que podem proporcionar sobre as questões do ensino, da
aprendizagem e da avaliação, em particular, no domínio da seleção de tarefas.

Figura 21 Taxonomias do domínio cognitivo de Benjamim Bloom e de Lorin Anderson e David Krathwohl

Apesar das evidentes semelhanças entre as duas taxonomias há também algumas


diferenças cuja elaboração não se justifica no âmbito deste trabalho.
Através da avaliação entre pares, os alunos envolvem-se num processo de
aprendizagem em que têm de criticar e distribuir feedback ao trabalho dos seus
colegas. Trata-se, na verdade, de uma tarefa com real valor pedagógico, pois permite
que os alunos desenvolvam competências que permanecem ao longo da vida (e.g.,
avaliar, distribuir feedback) ao mesmo tempo que desenvolvem capacidades que lhes
permitem desenvolver as suas competências de autoavaliação e de melhoria do seu
próprio trabalho. Nestes termos, a utilização desta estratégia de avaliação é
fortemente recomendada tendo em conta que pode contribuir de modo significativo
para:

 Motivar os alunos para se envolverem mais profundamente nos assuntos que


estão aprender.

 Melhorar as aprendizagens dos alunos através da discussão de ideias, da


distribuição do feedback e da troca de conhecimentos.

 Capacitar os alunos para serem mais autónomos e para assumirem maiores


responsabilidades no desenvolvimento e na gestão das suas próprias
aprendizagens.

 Envolver os alunos no processo de avaliação ao mesmo tempo que aprendem


competências relevantes para o resto da vida, distribuindo feedback a partir da
análise do trabalho dos colegas.

A avaliação entre pares é, em rigor, um processo em que os alunos têm a


oportunidade para ensinar, avaliar e aprender num modo colaborativo com os seus
pares e os seus professores. Neste sentido, faz jus à ideia da indissociabilidade destes
três processos pedagógicos fundamentais. E é muito importante que os alunos atuem
da forma mais autónoma possível pois, dessa forma, envolvem-se mais ativamente em
todo o processo. É óbvio que, na avaliação entre pares, o professor é sempre um
recurso altamente qualificado que deverá fazer as sínteses que considerar mais
importantes no tempo oportuno. Além disso, deve providenciar no sentido de definir as
orientações práticas necessárias para que o processo decorra da forma mais eficaz e
eficiente possível. É importante que a utilização deste processo de ensino-avaliação-
aprendizagem seja precedido de alguma preparação que oriente o seu
desenvolvimento. Assim, os alunos devem estar conscientes das vantagens do
processo de avaliação entre pares para aprender e desenvolver uma diversidade de
conhecimentos, competências e atitudes. Na verdade, é um processo que constitui
uma excelente oportunidade para compreender o que ainda não tinha sido
compreendido, para esclarecer dúvidas e para consolidar e/ou melhorar o que
eventualmente já tenha sido aprendido. Outro aspeto importante é a seleção e a
distribuição da tarefa que deve ser objeto de avaliação e que pode ter sido realizada
individualmente ou em grupo, na aula ou fora dela. A avaliação pode ser feita por
pequenos grupos de alunos, por pares de alunos ou individualmente. (Sempre que
utilizo esta estratégia sugiro aos alunos que mantenham os trabalhos anónimos para
que se possam sentir menos constrangidos, reduzindo ou mesmo eliminando assim o
enviesamento das avaliações produzidas.) Todos os procedimentos devem ser
clarificados (e.g., tempo máximo da tarefa, natureza e modo de distribuição do
feedback). É particularmente importante que os alunos possam compreender o tipo de
feedback que pode ser mais útil. A avaliação deverá basear-se em critérios que foram
previamente definidos no âmbito da escola ou do agrupamento, sendo importante que
a turma os possa analisar e discutir antes do início da avaliação. Na sequência da
discussão anterior, a Figura 22 sistematiza cinco práticas pedagógicas para assegurar
que os alunos possam beneficiar o mais possível de todo o processo de avaliação
entre pares.

Figura 22 Cinco práticas essenciais para desenvolver a avaliação entre pares

O papel dos professores neste processo é muito relevante a vários níveis. Desde a
apresentação e discussão dos propósitos, processos e expetativas do processo até à
seleção das tarefas que se revelem mais apropriadas e oportunas para serem objeto
de avaliação e à distribuição de feedback acerca do feedback que os alunos
distribuem uns aos outros, passando pelas decisões referentes à organização de todo
o processo.
Em geral, os alunos avaliam este processo muito favoravelmente, reconhecendo as
suas vantagens no desenvolvimento das suas aprendizagens e competências. A
seleção das tarefas deve ter em conta a natureza dos conteúdos abordados, podendo
incidir sobre assuntos em que ainda possa haver dificuldades por parte dc um número
de alunos da turma, e também deve evitar que os trabalhos realizados sejam
demasiado extensos. Nas minhas práticas peço a pequenos grupos dc alunos que
escrevam num máximo de 10/15 linhas, num período máximo de 15 minutos, acerca
de conceitos, ideias ou procedimentos que aprenderam numa dada semana. Quando
a tarefa está concluída, os trabalhos são trocados entre os diferentes grupos,
iniciando-se a leitura, análise e distribuição oral de feedback por cada um dos grupos.
Neste caso, a discussão é alargada ao grande grupo de alunos e o professor intervém
para produzir sínteses e/ou formular questões que apoiem a discussão e a clarificação
de conceitos, ideias e procedimentos. Repare-se que o grupo que realizou a tarefa não
foi identificado, mas, obviamente, beneficia do feedback e da discussão em torno do
seu trabalho. Esta é uma abordagem possível, que pode decorrer ao longo de uma
aula ou apenas de uma parte e, por isso, o tempo pode ser aproveitado para se fazer
um ponto de situação acerca do que os alunos sabem e são capazes de fazer após
um dado período de estudo de um ou mais assuntos (e.g., duas a cinco semanas). É
importante sublinhar que outras abordagens são possíveis e que a opção por qualquer
uma deve ser sempre baseada nas condições concretas existentes e nos propósitos
que se pretendem alcançar.
Este processo pode ser realizado cerca de uma a duas vezes por trimestre e permite
claramente a consecução de objetivos de aprendizagem de grande alcance bastante
consistentes com importantes desígnios curriculares tais como os que constam no
PASEO ou nas AE.

Práticas de Classificação
As notas ou classificações não são mais do que uma designação, pode ser um
algarismo, uma letra, uma expressão, que se utilizam para representar a qualidade do
trabalho de um aluno ou as aprendizagens e competências que pode evidenciar num
dado momento. No contexto da avaliação pedagógica, tal como se vem discutindo
neste texto, as notas devem contribuir para orientar o desenvolvimento das
aprendizagens dos alunos, associando-se assim ao propósito das diferentes
modalidades de avaliação: contribuir para apoiar e melhorar as aprendizagens dos
alunos. Neste sentido, é importante que se compreenda que as notas não nos indicam
o que as crianças e os jovens são como alunos mas antes em que situação se
encontram, num dado momento, em relação ao que têm de aprender. Porque, na
verdade, só sabendo onde se está é possível melhorar, desejavelmente com
orientações claras para que tal possa acontecer de forma tão sustentada quanto
possível.

 Questões essenciais e estruturantes


Melhorar quaisquer práticas de classificação passa necessariamente por clarificar o
seu propósito e o seu significado para que seja possível desenvolver processos de
classificação mais justos, transparentes e orientados para a melhoria das
aprendizagens dos alunos (Fernandes, 2021e•, 2021i; 2021m).
As notas deverão constituir meios de comunicação acerca do que os alunos
mostraram ter aprendido e os processos de recolha de informação utilizados para as
determinar devem ser pensados e organizados para que os alunos tenham reais
oportunidades para aprender. E, como já se viu anteriormente, tal só poderá suceder
se o seu significado e propósito forem claros e se as notas atribuídas num dado
período, semestre ou ano letivo, tiverem em conta o currículo e os critérios e objetivos
de aprendizagem que se podem inferir a partir dele. Independentemente da
terminologia utilizada, interessa que fique muito claro o que os alunos têm de aprender
e saber fazer e, por isso, é necessário utilizar objetivos de aprendizagem que podem
ser definidos e agregados no âmbito de domínios, áreas ou temas curriculares. Os
procedimentos utilizados para produzir as notas têm, obviamente, de ser consistentes
com os critérios e/ ou objetivos e, idealmente, a cada um deveria corresponder uma
classificação pois, como se sabe, um único símbolo pode, invariavelmente, ser uma
representação pouco rigorosa e até algo confusa do que os alunos sabem e são
capazes de fazer numa diversidade de tarefas. Imagine-se que, numa dada tarefa de
avaliação sumativa classificatória, se pretendia fazer um ponto de situação acerca das
aprendizagens dos alunos relativamente a três objetivos, através de dez questões
(três para o Objetivo A, três para o Objetivo B e quatro para o Objetivo C). Imagine-se
ainda que tinham sido atribuídos 10 pontos a cada uma das questões e que o Objetivo
C era o que se referia a conteúdos mais relevantes e estruturantes. A Figura 23
mostra as classificações finais (CF) de três alunos na referida tarefa para exemplificar
que estas são, de facto, uma opção cuja informação pode representar mal, ou mesmo
de forma bastante inadequada, o que o aluno sabe e é capaz de fazer, tendo em conta
os objetivos de aprendizagem considerados. Na verdade, as classificações parciais
(CP), por objetivo, proporcionam informações que representam de forma mais clara e
significativa a situação em que 0 aluno se encontra. (É claro que a análise do trabalho
dos alunos terá sempre em conta os critérios definidos.)

Figura 23 A relevância das notas atribuídas por objetivo de aprendizagem.

O Aluno x obtém excelentes classificações parciais nas questões relativas ao Objetivo


A (29/30) e ao Objetivo B (30/30) mas obtém uma classificação fraca nas questões
relativas ao Objetivo C (16/40) que, ainda por cima, é o que se refere aos conteúdos
mais relevantes e estruturantes de uma dada unidade ou domínio. Se, na tarefa
realizada pelo aluno, constar apenas a classificação final (75) temos uma situação
que, na verdade, é enganadora pois o aluno, aparentemente, não aprendeu os
conteúdos mais relevantes, apesar de ter uma classificação final que pode ser
considerada boa. No caso do Aluno y temos uma situação em que a classificação final
pode ser considerada negativa e, no entanto, analisando as classificações parciais
verifica-se que o aluno parece ter aprendido bem os conteúdos mais relevantes e
estruturantes referentes ao Objetivo C mas mostrou dificuldades no que se refere à
consecução dos Objetivos A e B. Finalmente, o Aluno z, apesar de ter obtido uma
classificação final (78) de bom nível, as classificações parciais mostram que tem
problemas relativamente ao que está preconizado no Objetivo B.
Em suma, as notas, independentemente de se referirem a tarefas de avaliação
sumativa com fins classificatórios ou a notas de final de período, semestre ou ano,
resultam de uma agregação de dados que, em geral, não faz real sentido, pois o
processo consiste simplesmente em adicionar números para determinar urna média
que corresponde à nota final. Acontece que estes números, por vezes, referem-se a
conteúdos, a competências ou a conhecimentos de natureza muito diferente o que dá
origem a uma nota que é uma amálgama de significados. É o que sucede, como vimos
no exemplo acima, quando se adicionam os valores correspondentes às questões de
uma dada tarefa de avaliação sumativa para se obter uma classificação final. O aluno
pode obter uma boa nota que resulta dessa adição, mas não ter alcançado objetivos
relevantes relativamente a um ou outro domínio do currículo. Mas, numa nota de final
de período ou de final de ano, pode até suceder que se misturam dados referentes a
conhecimentos académicos com dados de natureza socioemocional ou socioafetiva,
sem que seja claro como essa estranha amálgama se constrói. Este e outros
procedimentos são inadequados, mas estão fortemente enraizados nos sistemas
escolares, sendo necessário questioná-los pois as notas assim obtidas não traduzem
com clareza o que os alunos sabem e são capazes de fazer e o seu significado é
indefinido. Assim, é necessário pensar se dar notas é um mero procedimento
algorítmico ou se tem antes que ver com a formulação de juízos profissionais
devidamente fundamentados. A questão, em última análise, tem que ver com o facto
de se considerar que a determinação das notas é uma questão meramente técnica de
produção e utilização de algoritmos mais ou menos fundamentados, mais ou menos
consistentes ou que façam mais ou menos sentido, ou se é uma questão pedagógica
relevante que contribui para que os alunos possam aprender. Na Figura 24
contrastam-se as características principais do que aqui se decidiu designar por
Classificação Clássica, que é largamente predominante, e por Classificação
Pedagógica, mais consistente com as perspetivas da avaliação pedagógica,
anteriormente apresentadas e discutidas e que se pode considerar como emergente.

Figura 24 Caraterísticas principais da Classificação Clássica e da Classificação


Pedagógica.

A classificação baseada em objetivos de aprendizagem e/ou em critérios pode ser


considerada como uma forma de acompanhar a qualidade do trabalho dos alunos
tendo em conta indicadores ou descritores que correspondem a diferentes níveis de
consecução dos objetivos e/Ou dos critérios e que, naturalmente, são analisados e
classificados através de uma diversidade de processos de recolha de informação ou
métodos de avaliação. Alem disso, são os resultados mais recentes obtidos pelos
alunos que são tidos em conta para a determinação da nota final e, tendencialmente,
determinam-se várias notas por tarefa de avaliação e, por conseguinte, o mesmo
sucede nas notas finais. Nestes termos, a classificação pedagógica contrasta com a
classificação clássica que, em geral, não se baseia na definição e utilização
sistemática de critérios de avaliação elou objetivos de aprendizagem, mas antes nos
métodos de recolha de informação propriamente ditos. Ou seja, as notas intermédias
ou finais resultam das somas e das médias que se calculam a partir das notas obtidas
nas tarefas de avaliação sumativa classificatória que se foram realizando ao longo do
período, semestre ou ano.
Se atentarmos nas características da Classificação Clássica e da Classificação
Pedagógica que constam na Figura 24, pode verificar-se que há uma substancial
diferença do ponto de vista pedagógico que vai desde a necessidade de se definirem
objetivos de aprendizagem, critérios e descritores, partindo de uma cuidadosa análise
do currículo, à ideia da atribuição de várias notas por disciplina e/ou por cada tarefa de
avaliação sumativa classificatória, passando pela importância de a nota final dos
alunos se dever basear nas evidências mais recentes acerca do que os alunos sabem
e são capazes de fazer. De facto, pode acontecer que um aluno tenha obtido uma nota
baixa num dado assunto e num dado momento, mas, apesar de, posteriormente,
poder ter subido significativamente a sua nota nesse mesmo assunto, ambas são
contabilizadas para a determinação da nota final. Esta situação não faz sentido uma
vez que se o aluno já mostrou que aprendeu, é algo absurdo que esteja a ser
penalizado por não ter ainda aprendido há umas semanas ou meses. Esta é uma
situação que preocupa os professores e os alunos, sendo necessário prever ações
que a possam ultrapassar pois, como se preconiza na Classificação Pedagógica, a
nota final dos alunos deve decorrer dos seus resultados mais recentes.
A questão da atribuição de varias notas a uma disciplina e aos testes e outras tarefas
de avaliação sumativa classificatória deve merecer igualmente a nossa atenção pelas
razões já atrás aduzidas. Apesar de o nosso sistema prever apenas uma nota por
disciplina, nada impede que os alunos e os pais sejam informados das suas
classificações parciais quer ao longo dos períodos letivos, através das tarefas de
avaliação sumativa, quer no final do período, do semestre ou do ano. Desse modo, o
significado das notas é mais claro porque decorre diretamente dos critérios elou dos
objetivos definidos que, naturalmente, clarificam o que é importante aprender e o que
é objeto de avaliação e de classificação.
Em suma, a determinação de uma classificação ou de uma nota não se deve basear
no processo que tradicionalmente se utiliza entre nós e noutros sistemas educativos,
que consiste em utilizar as notas obtidas pelos alunos nos métodos utilizados para
recolher informação, tais como os testes, a realização e apresentação de trabalhos e
ensaios, ponderações sob a forma de percentagens. O principal problema com este
procedimento é que não é fácil assegurar a consistência dos métodos com a
necessidade de avaliarmos a consecução dos objetivos de aprendiza, pois há uma
dispersão de questões por vários métodos, levando a situações em que um objetivo
pode ser avaliado várias vezes, outras algumas ou poucas vezes e outro nenhuma
vez.
Nestes termos, as notas devem ser sempre determinadas com base em critérios e/ou
objetivos de aprendizagem cuja consecução se pode verificar através de uma
diversidade de processos de recolha de informação ou métodos, muitas vezes
designados por instrumentos de avaliação.
A definição dos objetivos de aprendizagem e/ou critérios de avaliação exige,
naturalmente, uma análise e discussão entre os professores de cada disciplina ou ano
de escolaridade, tendo em conta as orientações constantes no Projeto Educativo da
escola ou do agrupamento e a ideia é que o seu número deve ser gerível, isto é, ser
tão reduzido quanto possível ao que é na realidade estruturante e fundamental. O que
normalmente é recomendado é que, para efeitos de determinação da nota, não se
utilizem mais do que seis objetivos de aprendizagem por disciplina e isto, obviamente,
obriga a um esforço de integração e de discernimento acerca do que é de facto
importante, evitando uma perspetiva demasiado analítica. Cada um dos objetivos de
aprendizagem realmente relevantes deve ser:

 Avaliável, permitindo que a qualidade do trabalho dos alunos seja avaliada e


classificada.

 Consistente com o que está previsto no currículo.

 Claro para que seja compreendido pelos alunos e por toda a comunidade.
 Imprescindível porque está no cerne do que é realmente fundamental aprender
na disciplina e que é estruturante para as aprendizagens a realizar.

Não há um processo único através do qual se pode organizar o processo de


classificação dos alunos. Não há uma ciência da classificação, mas há, com certeza,
procedimentos mais e menos adequados para a determinação das notas. A definição
prévia das tarefas de avaliação sumativa com fins classificatórios e a sua organização
com base nos objetivos de aprendizagem referidos a cada área, domínio ou tema de
um dado programa permite, por exemplo, evitar uma agregação de dados que
normalmente não faz sentido. Por isso, o desejável é que, em qualquer tarefa, os
alunos obtenham notas parciais, referidas às diferentes áreas tendo em conta os
objetivos de aprendizagem e os critérios de avaliação. Apresentam-se de seguida
possibilidades desejáveis para que as notas possam ter real valor pedagógico.
A Figura 25 apresenta uma possibilidade de registo correspondente a quatro áreas de
conteúdos previstas nas AE de matemática do 5.0 ano de escolaridade. Não se inclui
a Resolução de Problemas pois entendeu-se que é transversal às quatro áreas e, por
isso, pode considerar-se um objetivo que acautele essa decisão. Trata-se de uma
possibilidade muito simples de acompanhar, para cada aluno, a evolução das suas
aprendizagens em cada uma das áreas identificadas, tendo com certeza em conta
cada uma das Tarefas que foram previamente definidas. Podemos imaginar que as
Tarefas 1 e 4 correspondiam a testes, a Tarefa 2 a um trabalho individual envolvendo
duas das quatro áreas e a Tarefa 3 à apresentação de um trabalho envolvendo as
outras duas áreas. Assim, a cada Tarefa, corresponde pelo menos uma das áreas
consideradas e, nestas condições, os alunos obtêm classificações para cada uma, o
que não impede que seja atribuída uma classificação que agregue, digamos assim,
numa apreciação global, as classificações obtidas em cada uma delas.

Figura 25 Exemplo de um registo de classificação em matemática no 5º ano de


escolaridade tendo em conta domínios ou áreas do programa.

Estamos, assim, perante uma possibilidade de organizar as classificações dos alunos


tendo em conta as áreas previstas nas AE e uma definição de objetivos de
aprendizagem onde é considerado o que é estruturante e fundamental. Para além
disso, deve assegurar-se que as decisões tomadas quanto à definição de objetivos e
de eventuais critérios específicos são consistentes com os critérios definidos para a
escola ou agrupamento. A atribuição de classificações por área de conteúdo torna o
processo mais claro e, idealmente, deveria ser este o processo adotado oficialmente.
Em todo o caso, mesmo num sistema de nota única é possível dar a conhecer aos
alunos e aos pais e encarregados de educação as classificações parciais.
Imagine-se agora que a Tarefa 4 é o último teste do trimestre ou do semestre e que se
pretendia organizá-lo por objetivos de aprendizagem. Uma forma possível de
apresentar a estrutura do teste aos alunos poderia ser, por exemplo, a seguinte:

Este exemplo mostra que os alunos podem ser informados antecipadamente dos
objetivos de aprendizagem que são considerados mais relevantes, indicando o numero
de questões por cada uma das áreas consideradas e, igualmente, os pontos que são
atribuídos a cada uma. A natureza das questões deve igualmente ser discutida com os
alunos. Aliás, há estratégias de avaliação sumativa sem propósitos classificatórios que
permitem familiarizar os alunos com a natureza de uma diversidade de questões (e.g.,
quizzes, testes, perguntas orais no grupo turma). Esta prática é reconhecidamente
aconselhável, pois está associada à melhor preparação dos alunos para a realização
de tarefas de avaliação sumativa com fins classificatórios. Naturalmente, os objetivos
indicados no exemplo são apenas possibilidades. O que de facto importa é que, tanto
quanto possível, representem o que é mais importante aprender. Outros aspetos que
se considerem relevantes relacionados por exemplo com critérios tais como
Comunicação e Autonomia, podem ser avaliados através das outras tarefas.
Uma outra abordagem que começa a ser utilizada entre nós decorre do chamado
referencial comum de avaliação e é baseada em critérios que são definidos para a
escola ou agrupamento. Estes critérios são independentes do ano de escolaridade e
das respetivas disciplinas. Isto é, como já atrás se discutiu, um dado critério (e.g.,
Conhecimento, Comunicação) pode ser utilizado desde a educação pré-escolar até ao
ensino secundário e mesmo ao superior em qualquer disciplina. De igual modo, os
descritores ou indicadores são comuns a toda a escola ou agrupamento e constituem
a orientação fundamental a considerar em qualquer disciplina ou ano de escolaridade.
É possível, quiçá até desejável, que, em determinadas situações de uma dada
disciplina, seja necessário proceder a algumas adaptações. Mas tal tem de ser feito
tendo em conta o referencial comum para garantir a respetiva consistência. A Figura
26 ilustra como, por exemplo, se poderá proceder para organizar o processo de
classificação de cada aluno tendo em conta os critérios definidos para a escola ou

Figura 26 Exemplo de um registo de classificação (ensino básico) baseado nos critérios


definidos para a escola ou agrupamento.

agrupamento e o estudo prévio do currículo (sendo óbvio que os domínios, temas ou


áreas do programa não desaparecem; trata-se apenas de uma organização diferente).
Ou seja, para cada um dos domínios, temas ou áreas do programa, utilizam-se os
objetivos elou critérios que estão definidos.
Esta abordagem tem algumas caraterísticas das quais destaco as que se seguem.

 Define uma diversidade de critérios (e.g., Conhecimento, Organização do


Trabalho) que indicam o que é importante avaliar e, por isso, o que é primordial
aprender.

 Apoia os professores na elaboração e distribuição de feedback com mais


qualidade, mais significado e mais útil para os alunos.

 Apoia os professores na organização e desenvolvimento do ensino com maior


enfoque nas aprendizagens que é necessário desenvolver.

 Define um referencial de avaliação que é comum para toda a escola ou


agrupamento e que evidencia o que é importante que todos os alunos de todos
os graus de ensino e de todas as disciplinas têm de aprender.
O significado das notas é uma questão que gera questões relevantes de natureza
ética pedagógica e social que é preciso enfrentar para melhorar o processo de
classificação de uma escola ou de um agrupamento. Se pensarmos nas tarefas de
avaliação sumativa que se realizam ao longo do ano (e.g., testes, relatórios,
experiências, ensaios análises textuais, desenho, pintura, desempenho numa prova
física) a questão fundamental é a de garantir que a respetiva nota traduza, o mais
fielmente possível, o que alunos sabem e são capazes de fazer nos diferentes
domínios do currículo que foram objeto de avaliação. Isto quer dizer que um 15,
considerada, entre nós, uma boa nota numa escala de 0-20, numa dada tarefa não
tem, em geral, um significado claro. Na verdade, pode ser uma agregação de
classificações parciais que se referem a domínios ou a áreas diferentes do programa
da disciplina e, assim, o seu significado não é claro, podendo até ser enganador. No
limite, como já vimos atrás através de alguns exemplos, o aluno pode ter tido
excelentes classificações parciais em grupos ou itens que avaliam aspetos menos
relevantes do programa e classificações sofríveis ou medíocres em grupos ou itens
que avaliam aspetos mais relevantes. Por esta razão, tem sido recomendado que se
atribuam classificações parciais nessas tarefas tendo em conta os domínios a que as
questões se referem clarificando, desse modo, o significado das notas. Se, por outro
lado, pensarmos nas chamadas notas finais de período, semestre ou ano letivo, será
eventualmente necessário começar por clarificar o que tem sido uma prática
generalizada ainda que a sua origem e fundamentação sejam desconhecidas. Tal
prática tem-se traduzido em orientações tais como os critérios de avaliação do
agrupamento são 80% cognitivo e 20% não cognitivo ou a avaliação deve basear-se
nos seguintes critérios: 85% cognitivo e 15% não cognitivo. É importante sublinhar
antes de mais que, em rigor, não estamos perante critérios de avaliação que devem
definir o que é importante aprender. De facto, estamos perante um algoritmo que se
pode utilizar para determinar as classificações dos alunos. Convenhamos, no entanto,
que, para além de não termos critérios de avaliação definidos para cada um dos
objetos de classificação, também não temos definidos o significado de cognitivo (que
normalmente se refere aos conhecimentos e competências de natureza académica)
nem de não cognitivo. Neste caso, desde o esforço, à assiduidade e à participação
nas aulas, até ao comportamento, tudo parece poder ser incluído como objeto de
classificação. Assim, o real significado da classificação final da componente referida
como não cognitivo é, para dizer o mínimo, pouco claro, pois não se conhecem os
seus critérios de avaliação, nem os seus descritores, nem os processos de recolha de
informação utilizados e menos ainda como se obtém a respetiva classificação.
Estamos assim perante uma questão que tem de ser clarificada, começando
eventualmente por definir quais são os objetos de classificação que se vão considerar.
E aqui as escolhas podem ser diversas, mas, em geral, as que são mais consideradas
e discutidas são as seguintes:

 A classificação deve incidir sobre os conhecimentos e as competências


académicas constantes no currículo, nomeadamente nas AE, no PASEO e na
ENEC.

 A classificação deve incidir sobre os conhecimentos e as competências


académicas e também sobre aspetos de natureza sociocomportamental e
socioemocional constantes no currículo.

 A classificação deve incidir sobre os conhecimentos e as competências


académicas constantes no currículo, nomeadamente nas AE, no PASEO e na
ENEC, e os aspetos de natureza sociocomportamental e socioemocional
devem ser objeto de avaliação, mas não de classificação ou de uma
classificação própria, distinta da classificação referente aos conhecimentos e
competências académicas.
A escolha de qualquer uma destas possibilidades tem implicações de natureza
diversa, mais ou menos complexas, mais ou menos adequadas às circunstâncias c
aos contextos das instituições que é necessário ter em conta.
Por exemplo, se a opção recair na classificação de aspetos de natureza
socioemocional e sociocomportamental, então será necessário definir quais são,
definir os respetivos critérios e descritores, assim como os processos através dos
quais se recolhe a informação que os permite avaliar e classificar. Se tal não for
realizado, então estaremos numa situação em o significado das notas será, no
mínimo, difuso, pois resulta de uma espécie de mistura de impressões pouco
concretas e imprecisas e até pouco relacionadas com o que é importante que os
alunos aprendam relativamente àqueles aspetos. Além do mais, será necessário
assegurar a sua conformidade com os normativos legais em vigor. Independentemente
da opção adotada, parece certo que as notas poderão ter um significado mais claro e
mais orientado para o desenvolvimento das aprendizagens dos alunos.
Em todo o caso, as chamadas competências e aprendizagens não cognitivas ainda
que, em geral, não sejam explicitamente ensinadas, nem sejam avaliadas e
classificadas de forma consistente, acabam por ter muitas vezes um papel relevante
nas notas que são atribuídas aos alunos. Por isso, têm vindo a ganhar importância nas
discussões que se desenvolvem acerca da sua relação com o sucesso escolar dos
alunos. Os aspetos cognitivos estão obviamente muito relacionados com os não
cognitivos, bastando pensar-se que, em geral, os alunos que se esforçam, que
persistem e que acreditam que podem progredir obtêm normalmente boas
classificações como resultado das aprendizagens que foram capazes de realizar. Por
outro lado, os alunos que não trabalham, que não se esforçam e que não acreditam
que podem evoluir, obtêm fracas classificações porque não aprenderam. Mas a
verdade é que, apesar destas óbvias relações, características tais como a
perseverança, o esforço e a confiança são bem diferentes do que efetivamente se
aprende no que se refere aos aspetos académicos. E é por essa razão que, em geral,
na literatura contemporânea se considera que, por exemplo, não faz sentido que
aspetos tais como a persistência e o esforço sejam misturados com os resultados
académicos para determinar uma nota. Nesta perspetiva, considera-se inadequado ou
mesmo erróneo misturar hipotéticas medidas de objetivos não cognitivos com
hipotéticas medidas de objetivos cognitivos pois, no limite, não faria sentido atribuir a
mesma classificação a um aluno que se esforça muito, mas obtém fracos resultados
académicos e a um aluno que, não se esforçando, obtém excelentes resultados
académicos. Neste caso, a classificação estaria a não comunicar claramente o que
cada um dos alunos sabia e era capaz de fazer. No entanto, se aqueles aspetos
fossem Classificados e/ou avaliados separadamente, o problema estaria resolvido.

 Classificação de aspetos não cognitivos


Para pôr em prática um sistema credível e transparente de avaliação e/ou de
classificação dos chamados aspetos não cognitivos é necessário ter em conta alguns
procedimentos essenciais, tais como os que se indicam a seguir.

 Definir quais são os aspetos não cognitivos que os alunos devem aprender e o
que os alunos têm de demonstrar para que seja possível determinar que foram
aprendidos.
 Prever processos, métodos e tarefas que, no desenvolvimento do currículo,
permitam que os alunos aprendam e se tornem competentes nos aspetos não
cognitivos que foram considerados relevantes.

 Distribuir feedback para que os alunos orientem o desenvolvimento das suas


competências e aprendizagens neste domínio.

 Avaliar ou classificar os alunos acerca das aprendizagens e competências


desenvolvidas, informando os pais ou encarregados de educação.
A definição dos aspetos não cognitivos que os alunos devem aprender tem de
decorrer de uma cuidada análise do currículo, nomeadamente do PASEO, da ENEC e
das AE. Por exemplo, o PASEO faz referência a áreas de competência,
necessariamente genéricas, que devem merecer atenção, tais como:

 Relacionamento Interpessoal
 Desenvolvimento Pessoal e Autonomia
 Bem-Estar Saúde e Ambiente
 Por seu lado, também a título de exemplo, a ENEC prevê três eixos
organizadores:
 Atitude Cívica Individual (Identidade Cidadã, Autonomia Individual, Direitos
Humanos)
 Relacionamento Interpessoal (Comunicação, Diálogo)
 Relacionamento Social e Intercultural (Democracia, Desenvolvimento Humano
Sustentável, Globalização e Interdependência, Paz e Gestão de Conflitos).
E prevê igualmente uma diversidade de domínios organizados em três grupos com
matérias que se deverão igualmente considerar. A análise destes e de outros aspetos
ditos não cognitivos constantes no currículo deverá permitir que se identifiquem
aqueles que estão mais fortemente relacionados com as aprendizagens académicas
dos alunos e, por isso, com bons resultados. A vasta literatura existente acerca desta
matéria tem vindo a identificar os aspetos que parecem mais relevantes para
desenvolver as aprendizagens académicas dos alunos de todas as idades e de
qualquer nível de escolaridade. E o mais importante é que tais aspetos se
desenvolvem no ambiente pedagógico em que os alunos estudam e aprendem. Em
geral, tais aspetos aparecem organizados em áreas de competência (como no
PASEO), categorias ou domínios. Na Figura 27 apresentam-se três das cinco
categorias de aspetos não cognitivos que um grupo de investigadores da Universidade
de Chicago (Farrington et al, 2012) identificou como estando relacionados com o

Figura 27 Exemplo de fatores não cognitivos fortemente relacionados com as


aprendizagens académicas (Adaptado de Farrington et al., 2012).
desenvolvimento académico dos alunos. As outras duas são Atitudes (Mindsets) e
Estratégias de Aprendizagem (LearningStrategies).
Segundo estes investigadores a categoria Comportamentos Académicos é a que está
mais fortemente relacionada com melhorias significativas no desenvolvimento das
aprendizagens e competências dos alunos. A categoria Competências Sociais é a que
está menos relacionada com tal desenvolvimento. Como atrás se sugeriu, a análise
das áreas de competência do PASEO, dos eixos constantes na ENEC e dc outros
elementos do currículo, pode chegar a uni conjunto de aspetos não cognitivos,
organizados ou não em categorias, que a escola ou o agrupamento vão considerar
para efeitos de avaliação e/ou classificação.
Uma vez definido o que se considera que a escola ou o agrupamento deve avaliar elou
classificar no que se refere a aspetos de natureza sociocomportamental, socioafetivo
e/ou socioemocional, porque são claramente relevantes para que os alunos
desenvolvam as suas aprendizagens académicas e, em geral, o seu desenvolvimento
como pessoas, então é necessário delinear estratégias pedagógicas para que os
alunos aprendam e se tornem competentes naqueles aspetos. Em qualquer caso, tal
como para os aspetos ditos cognitivos, é imperativo que, para os aspetos não
cognitivos, se defina um número de objetivos e/ou critérios de avaliação relativamente
contido e, por isso, é necessário discernir o que é realmente mais relevante. É
impossível considerar todos os aspetos sob pena de se criar um sistema ingerível,
irracional e sem qualquer sentido. Assim, a solução só pode mesmo passar por
selecionar os aspetos não cognitivos considerados mais importantes quer para as
aprendizagens académicas dos alunos, quer para o seu desenvolvimento como
cidadãos. A partir dessa seleção, é necessário definir os objetivos e/ou os critérios que
sejam comuns a toda escola ou agrupamento independentemente das disciplinas e
dos anos de escolaridade. (Tem de admitir-se que podem eventualmente haver
situações que aconselhem que se foque num dado aspeto no ensino secundário que,
por exemplo, não faz qualquer sentido no primeiro ciclo. Num caso destes, será
necessário proceder aos ajustamentos que se considerem adequados.) Neste sentido,
toda a comunidade desenvolve as suas ações pedagógicas para trabalhar os aspetos
não cognitivos selecionados de forma clara, transparente e consistente, pois estão
identificados os aspetos a considerar e definidos objetivos elou critérios que permitem
proceder à sua avaliação. Isto significa que a avaliação e/ou classificação tem de ser
articulada entre todos os docentes da escola ou agrupamento e uma forma de o
conseguir é, por exemplo, assegurar a consistência dos meios para avaliar e/ou
classificar (e.g., rubricas de avaliação, tarefas), do feedback que se distribui e da(s)
forma(s) como se avalia elou classifica e se comunicam os resultados.
As rubricas que podem ajudar a avaliar e/ou classificar os aspetos não cognitivos
considerados deverão permitir a elaboração de descrições que traduzam o
desempenho dos alunos relativamente a cada um deles. Para isso, é importante que
sejam construídas tendo em conta cada uma das caraterísticas que se enunciam de
seguida.

 As rubricas devem incluir os critérios considerados mais determinantes para


avaliar as competências dos alunos. Isto significa que é necessário discernir
entre o que é verdadeiramente essencial do que pode ser acessório.

 Para cada critério é necessário assegurar a definição de indicadores ou


descritores que traduzam diferentes níveis de desempenho, pois assim os
alunos podem orientar melhor os seus esforços para melhorar e alcançar
plenamente os objetivos definidos.

 As rubricas são meios importantes através dos quais se avalia, ensina e


aprende. Por isso, devem conter apenas o que é efetivamente mais importante
para que os professores e os alunos possam facilmente reter o que têm de
fazer para que se desenvolvam as aprendizagens e as competências
previamente definidas.
A participação dos alunos no processo de construção das rubricas é desejável e é o
ideal porque, no mínimo, contribui fortemente para a sua tomada de consciência
relativamente à relevância dos aspetos não cognitivos nas suas aprendizagens de
natureza académica. Se tal não for viável por qualquer razão, então devem, pelo
menos, ser apresentadas e discutidas com os alunos para garantir que todos
compreendem o seu conteúdo, natureza e propósitos nos processos de ensino,
aprendizagem e avaliação, incluindo, naturalmente, a avaliação entre pares e a
autoavaliação.
A Figura 28 apresenta parte de uma rubrica possível para apoiar o ensino, a
aprendizagem e a avaliação da Participação no Trabalho de Grupo. Decidi identificar
dois critérios reconhecidamente relevantes para o trabalho de grupo mas, para
completar a rubrica, poderiam ser acrescentados, por exemplo, Comunicação, Clima
de Aprendizagem e Assiduidade. Considerei ainda três níveis de desempenho
referentes a cada critério, representados pelos símbolos "+++", "++" e "+" que
sintetizam os descritores definidos para cada critério.

Figura 28 Exemplo de uma parte de uma rubrica de avaliação da participação no


trabalho de grupo.

Como é normal, as rubricas devem, antes de mais, apoiar o desenvolvimento das


aprendizagens e das competências dos alunos e, por isso, devem ser meios de apoio
à distribuição de feedback, à autoavaliação e à avaliação entre pares. Numa palavra,
devem, predominantemente, ser utilizadas no âmbito da avaliação formativa. No
entanto, podem de igual modo ser utilizadas no âmbito das avaliações sumativas,
nomeadamente nas que são de natureza classificatória. Neste último caso, torna-se
necessário definir os procedimentos que se considerem mais adequados no contexto
da escola ou do agrupamento para que seja possível gerar as respetivas
classificações (e.g., definição das tarefas, definição da escala de classificação,
consideração de eventuais ponderações por critério).
Em suma, apresentei e discuti o que me pareceram ser ideias e orientações mais
relevantes no que se refere à avaliação e/ou classificação dos chamados aspetos não
cognitivos tendo fundamentalmente em vista que se o fizermos temos de o fazer
obedecendo a ideias e processos que contribuam para a sua transparência, clareza e
adequação ética. A situação com que vimos convivendo há demasiados anos, parece-
me questionar estes princípios e isso parece-me pouco aceitável num sistema
democrático de ensino. Além do mais, contraria, a muitos títulos, o que está previsto
no currículo nacional.
Fica, porém, um problema ou um dilema que as escolas ou agrupamentos terão de
resolver. Trata-se de atribuir classificações agregando aspetos cognitivos e não
coputiros, numa mistura que, pelas razões já atrás aduzidas, não faz real sentido, e,
desse modo, contribuírem para que as notas não tenham um significado claro junto
dos alunos e da comunidade em geral. Ou terminar com essa mistura, mas informando
sistematicamente os alunos, os pais e encarregados de educação e a comunidade em
geral, acerca da real importância das competências envolvidas nos aspetos não
cognitivos e encontrando as estratégias e processos considerados mais adequados
para que todos compreendam a sua forte relação com o desenvolvimento dos
conhecimentos académicos. Poderia ainda considerar-se a possibilidade, quiçá a mais
desejável, de atribuir duas classificações. Uma relativa aos aspetos cognitivos e outra
aos aspetos não cognitivos. Mas esta possibilidade, para já, parece-me não ser
possível entre nós pois o nosso sistema prevê uma nota única para cada disciplina. No
entanto, as políticas públicas de educação, mais tarde ou mais cedo terão de se
confrontar com esta situação.
Em suma, a classificação, ou a nota como é habitual dizer-se entre nós, pode ser um
processo mais transparente, mais justo, melhor fundamentado e com um claro
propósito pedagógico: contribuir para que os alunos possam compreender o seu
significado sem ambiguidades para que, desse modo, possam aprender mais e
melhor, com mais compreensão. Por isso, parece-me importante que as práticas
utilizadas para determinar as classificações, ou para dar notas, evoluam no sentido do
que aqui se apresentou e discutiu e que, no fundo, se resume a algumas ações
fundamentais: a) clarificar o significado e o propósito das notas; b) relacionar a
atribuição de classificações com a formulação de objetivos e/ou de critérios; c)
associar, sempre que possível, feedback de qualidade às classificações; d) introduzir
transparência na avaliação elou classificação dos aspetos ditos não cognitivos; e e)
clarificar 0 significado das notas considerando, para efeitos da sua determinação,
apenas os aspetos ditos cognitivos.
Na secção seguinte apresentam-se algumas reflexões finais acerca do que foi
apresentado e discutido ao longo deste trabalho.

5.Uma Síntese Reflexiva


Este texto foi pensado e desenvolvido para apresentar e discutir questões essenciais e
reconhecidamente relevantes para melhorar de forma sustentada e sustentável
práticas de ensino e de avaliação que apoiem o que os alunos têm de aprender e
saber fazer. Assim, o seu propósito era construir um racional que fosse capaz de
enquadrar a avaliação pedagógica para ser possível compreender a sua natureza, os
seus fundamentos e os seus propósitos e, a partir daí, apresentar e discutir práticas
que, de maneira comprovada, contribuem para melhorar significativamente as
aprendizagens e as competências dos alunos de qualquer grau de ensino. Para
prosseguir este propósito, parti de quatro princípios que a seguir enuncio e a partir dos
quais organizei e desenvolvi as ideias e as sugestões que pretendia partilhar com as
leitoras e os leitores.

 Os educadores e professores são profissionais do ensino altamente


qualificados, capazes de pensar sobre as suas práticas, de criar ambientes em
que os alunos e as suas aprendizagens estão no centro das ações que
desenvolvem e de se envolverem em processos inovadores para melhorar a
vida pedagógica nas suas turmas e escolas; assim, os alunos são sempre uma
parte ativa no desenvolvimento das práticas pedagógicas que os ajudam a
aprender e a saber fazer.

 A inovação pedagógica, entendida como um processo contínuo de


re(invenção) das práticas e formas de estar com os alunos e com as matérias,
materiais e objetos de aprendizagem que dão forma e sentido à profissão, tem
de ser o contexto cultural aglutinador de todas as ações destinadas a melhorar
a qualidade do trabalho que se desenvolve nas escolas.

 A avaliação pedagógica só pode fazer real sentido se estiver intrinsecamente


associada ao ensino e à aprendizagem e, nestes termos, a Pedagogia, o
Currículo e a Avaliação são três domínios do conhecimento que têm de ser
compreendidos na sua natureza e propósitos e cujas relações se devem
discutir e perspetivar para que a melhoria das práticas possa ser devidamente
sustentada e sustentável.

 A avaliação e o ensino são empreendimentos humanos que se desenvolvem


através das interações sociais que se estabelecem entre os alunos e entre
estes e os seus professores e, nesse sentido, não são meras técnicas que se
aplicam independentemente dos contextos em que se trabalha; por
conseguinte, as práticas pedagógicas têm sempre de ser pensadas e
planeadas, não se desenvolvendo através de qualquer tipo de prescrições ou
receituários prontos a usar.
A Figura 29 representa um esforço de síntese do que se pensou e do que se fez ao
longo das páginas desta publicação. Permite visualizar que todos os domínios
considerados estão fortemente relacionados, destacando a Inovação Pedagógica
como base estruturante e agregadora de todas as ações que se desenvolvem nas
escolas e nas salas de aula. A Pedagogia, o Currículo e a Avaliação são uma parte
estruturante desta representação e as suas relações permitem o desenvolvimento
sustentado e sustentável das práticas pedagógicas. Repare-se que os fundamentos
teóricos e conceituais e as práticas ocupam o cerne desta representação,
devidamente enquadrados pelos Professores e pelos Alunos, atores primordiais desta
forma de entender o trabalho pedagógico. As Tarefas, ou melhor, a sua seleção e
utilização, ocupam um lugar central nesta figura uma vez que a sua natureza, a sua
diversidade e as formas como os alunos se organizam para as resolver são
determinantes para o desenvolvimento das suas aprendizagens. De facto, a resolução
de qualquer tarefa deverá sempre constituir um momento privilegiado para que alunos
e professores, ambos focados no trabalho da sua resolução, possam aprender,
ensinar e avaliar.

Figura 29 Síntese da visão pedagógica da avaliação apresentada e discutida nesta


publicação.

A Figura 29 traduz uma visão pedagógica da avaliação que me propus apresentar e


discutir neste texto e que está muito associada à melhoria das aprendizagens de todos
os alunos e, muito particularmente, daqueles que normalmente são referidos como
tendo dificuldades de aprendizagem. A conceção desta visão, em que se procuram
integrar e relacionar processos e ideias que normalmente não são discutidos quando
se problematizam as práticas de avaliação, tem naturalmente implicações que podem
questionar a conceção e as práticas que estão mais ou menos enraizadas na nossa
cultura pedagógica.
Neste sentido, tratei os assuntos de forma simples, pois as coisas da educação têm de
ser vistas e discutidas como empreendimentos humanos e, como tal, parece-me
importante que façamos da simplicidade e da humildade meios para lidar com a sua
Imprevisibilidade, os seus desafios e tudo aquilo que ainda conhecemos mal ou até
desconhecemos. A humildade será, quiçá, determinante para reconhecermos que
poderemos sempre aprender a melhorar as nossas práticas pedagógicas. Sermos
simples, tratarmos os problemas de forma simples, não significa que não saibamos
reconhecer a complexidade que, invariavelmente, os caracteriza. E que não
reconheçamos a imperiosa necessidade de estudarmos, de observarmos, de
analisarmos, para que possamos pensar e agir fundamentadamente sobre as
realidades pedagógicas no sentido de as melhorar.
Procurei ainda dessacralizar certos mitos, certas ideias, que persistem na nossa
cultura pedagógica e que vão desde a ideia de que a avaliação é um processo objetivo
e acima de qualquer suspeita, até à convicção de que as classificações traduzem com
clareza e sem qualquer ambiguidade o que os alunos sabem e são capazes de fazer.
Estas e outras questões de semelhante natureza foram sendo discutidas e espero que
tenha ficado claro que para uma diversidade de problemas que temos de resolver
(e.g., definir objetivos de aprendizagem e critérios de avaliação, determinar
classificações, definir políticas de avaliação e de classificação numa escola ou
agrupamento) não há uma e uma só resposta possível. Na verdade, podem haver
diferentes respostas, muitas vezes dependentes da situação concreta em que estamos
a trabalhar. Por isso se diz que as práticas pedagógicas são situadas, isto é,
contextualizadas em certos tempos e espaços, e, consequentemente, não há receitas
que lhes possam valer. É, sempre, preciso pensar e inovar.
Procurei ainda desenvolver o meu discurso no sentido de mostrar que pode estar ao
nosso alcance questionar as chamadas Pedagogias da Conformidade que continuam
a prevalecer largamente no nosso e noutros sistemas escolares e que, de facto, têm
efeitos comprovadamente nefastos no que e como os alunos aprendem, dando origem
a situações de desigualdade e de exclusão há muito estudadas e bem definidas,
pouco compatíveis com um sistema democrático de ensino. O racional das ideias que
fui discutindo ao longo do texto baseou-se em fundamentos teóricos e práticos
devidamente enquadrados em literatura que há mais de meio século nos vem
mostrando que existem Pedagogias Socialmente Mais Justas em que as práticas são
pensadas e desenvolvidas para que todos, e cada um dos alunos, possam realmente
aprender. Nestes casos, os alunos seguem as suas vidas para ocupar os centros das
sociedades e não são, pura e simplesmente, largados nas suas margens. A avaliação,
tal como aqui a apresentei e discuti, pode dar um contributo para que as pedagogias
possam realmente fazer uma diferença positiva substantiva no sentido de a educação
e as escolas poderem cumprir o inestimável papel que lhes compete de combater as
desigualdades sociais e a exclusão.

Espero ter conseguido integrar e relacionar estas e outras ideias que considero
essenciais para melhorarmos as nossas práticas pedagógicas de ensino e de
avaliação e para prosseguirmos o desígnio de construir uma escola mais justa, mais
igual e onde se possa ensinar e aprender com mais alegria e com mais gosto.

Domingos Fernandes

Santa Luzia, Tavira, 3 de fevereiro de 2022

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