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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 727.196 - SP (2005/0029204-2)


DIREITO SINDICAL. RECURSO ESPECIAL. CONTRIBUIÇÃO
SINDICAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA TRABALHISTA. ART. 114,
INCISO III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EC Nº 45 DE 08 DE
DEZEMBRO DE 2004. APLICAÇÃO IMEDIATA. ART. 87 DO CPC.
1. Recurso especial interposto contra acórdão oriundo de ação objetivando o
recebimento de contribuição sindical rural fundada no art. 578 e seguintes da
Consolidação das Leis Trabalhistas em c/c o DL nº 1.166/71.
2. A EC nº 45 dispõe, conforme redação que deu ao art. 114, III da CF/88, que:
"Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: ... III - as ações sobre
representação sindical, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e
empregadores."
3. As ações ajuizadas por entidades sindicais atinentes à cobrança de contribuição
sindical devem ser processadas e julgadas na Justiça Trabalhista em face da carga
cogente do art. 114, inciso III, da Constituição Federal. Competência atribuída pela
EC nº 45 de 08 de dezembro de 2004.
4. No tocante ao fenômeno da aplicação da Emenda Constitucional referida no tempo,
tenho que ela se aplica, desde logo, em virtude do disposto na parte final do art. 87 do
CPC. Todos os processos, em conseqüência, qualquer que seja a fase em que se
encontrem, devem ser enviados à Justiça do Trabalho, sob pena de nulidade absoluta.
5. Diante da incompetência absoluta deste Tribunal para conhecer da matéria
discutida no presente recurso especial, determino que sejam os autos remetidos ao
egrégio Tribunal Superior do Trabalho.

QUESTÃO DE ORDEM

O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO (RELATOR): A EC nº 45 dispõe, conforme


redação que deu ao art. 114, III, da CF/88, que: "Compete à Justiça do Trabalho processar e
julgar: ... III - as ações sobre representação sindical, entre sindicatos e trabalhadores, e
entre sindicatos e empregadores."

Sérgio Bermudes, em "A Reforma do Judiciário pela Emenda Constitucional nº 45",


Forense, 2005, p. 83, explicando o referido dispositivo, registra:

"O § 2º do art. 114 já reconhecia a competência da Justiça do Trabalho


para ações dos sindicatos. O inciso III desdobrou aquele parágrafo, tornando
explícito o que nele já estava de modo implícito. As ações sobre representação
sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, entre sindicatos e
empregadores. São da competência da Justiça do Trabalho, quando versarem
sobre a função institucional das entidades, ou pretensões de pessoas vinculadas
por uma relação de emprego. Situações comuns, como seria a questão
possessória entre sindicatos ocupantes do mesmo prédio, ou da locação feita
por quem, coincidentemente, é empregador ou empregado, são da justiça comum
porque as relações jurídicas emergentes são desagarradas de relação de
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emprego."

Walber de Moura Agra, comentando o art. 114, III, da CF, conforme EC nº 45, na obra
coletiva "Comentários à Reforma do Poder Judiciário", Forense, 2005, p. 270, destaca:

"A Justiça do Trabalho ganhou competência, que saiu da esfera da Justiça


Estadual, para analisar as ações sobre representação sindical, que engloba as
relações entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores e sindicatos e
empregadores. Nesse caso, podem ser citados como exemplos a legitimidade dos
sindicatos para atuarem em determinada base territorial e a contestação da
cobrança da contribuição confederativa (art. 115, III).
O sindicato é uma pessoa jurídica de direito privado que tem a função de
proteger os interesses coletivos e individuais dos trabalhadores. Ele é criado
pelos próprios interessados através de registro no órgão competente, seguindo o
princípio da autonomia organizativa, que foi agasalhada no Texto
Constitucional. Se as ações sobre representação sindical decorrem das relações
laborais, nada mais plausível do que elas pertencerem à esfera de atribuições da
Justiça do Trabalho."

Edilton Meirelles, em "A Nova Justiça do Trabalho. Competência e Procedimentos",


capítulo da obra coletiva "Nova Competência da Justiça do Trabalho", LTR, 2005, pgs. 71/72,
explica sobre o inc. III do art. 114: "Em face da reforma, a Justiça do Trabalho passou, ainda,
a ter a competência para as ações sobre o direito de representação sindical, entre
sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores."

Aqui, em face mesmo de a matéria ser diretamente vinculada ao direito laboral,


assegurou-se a competência ao juiz do trabalho para as causas em que se discute o poder de
representação de uma entidade sindical. Essa competência, por sua vez, não desperta grandes
controvérsias.

O Texto Constitucional, no entanto, é aparentemente restrito. Fala em sindicato e não em


entidade sindical. Tal opção pode conduzir à interpretação de que se o litígio envolver outra
espécie de entidade sindical (federação, confederação ou mesmo centrais sindicais), a matéria não
estará sujeita à competência da Justiça do Trabalho, o que seria, data vênia, uma contradição do
sistema. Vale lembrar, inclusive, que o art. 8º da CF também se utiliza da expressão "sindicato",
mas se entende que ela quis se referir às entidades sindicais, quando tratou das questões ali
postas.
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O exame da doutrinação exposta revela que ocorreu "uma mudança de paradigma


para a interpretação da competência da Justiça do Trabalho (competência em razão da
matéria). Quando se tratar de controvérsia decorrente da relação de trabalho (autônomo
ou subordinado, eventual ou contínuo, pessoal e oneroso) a regra geral de interpretação é
de que a competência será da Justiça Laboral, por força do inciso I do art. 114 da
Constituição Federal."

Na mesma linha das manifestações que acabamos de expor, há o posicionamento de


Grijalbo Fernandes Coutinho, Juiz do Trabalho em Brasília, conforme está presente no artigo de
sua autoria "O Mundo que atrai a Competência da Justiça do Trabalho", capítulo da obra "Nova
Competência da Justiça do Trabalho", LTR, 2005, pgs. 169/170:

"O dissídio intersindical não coletivo, por vezes, trava-se entre sindicato e
entidade sindical de grau superior, objetivando um pronunciamento declaratório
de vínculo jurídico-sindical, de maneira a que o primeiro possa filiar-se à
segunda.
Litígio dessa natureza recai agora na competência da Justiça do Trabalho,
em face do art. 114 inc. III da CF/88, pois se equaciona à luz do direito
sindical".

Prossegue o autor:

"Reputam-se dissídios intrasindicais, ou internos, os dissídios individuais


em que se degladiam um sindicato, atuando na tutela de direito pessoal da
entidade, e um associado, ou membro da categoria profissional, ou da categoria
econômica.
Atualmente, no direito brasileiro, os casos mais comuns de disputas
intestinais envolventes do sindicato são os seguintes: a) por direitos trabalhistas
de dirigente sindical licenciado; b) para anulação de eleição sindical, ou de
assembléia geral sindical; c) para cobrança de contribuições sindicais".

A respeito da competência para cobrança das contribuições sindicais, o objetivo principal


da causa que se examina, em grau de recurso especial, observa, com precisão, o autor último
citado (ob. cit. pgs. 169/170):

"3.3. Sindicais sobre contribuições


Dentre as fontes de receita das entidades sindicais, sobrelevam as
seguintes contribuições: a) desconto ou contribuição assistencial, ou "taxa de
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reversão salarial”, prevista em norma coletiva; b) contribuição confederativa
(CF/88, art. 8º, inc. IV); c) contribuição sindical (CLT, arts. 548, a, e 578); d)
mensalidade do associado (CLT, art. 548, b).
As mencionadas contribuições constantemente provocam dissídios
individuais envolvendo as entidades sindicais: ora entre sindicato profissional e
empregador, ora entre sindicato e associado, ora entre sindicato e membro da
categoria econômica, ou da categoria profissional.
Cuidando-se sempre de litígios regulados e dirimidos apenas por normas e
princípios do Direito do Trabalho, em face do art. 114 inc. III da Constituição
Federal passaram a gravitar, todos, na órbita da Justiça do Trabalho, ainda
quando não assentados em instrumento normativo. Vale dizer: a circunstância de
a cobrança – por exemplo, de contribuição assistencial, ou de contribuição
confederativa – lastrear-se apenas em deliberação de assembléia geral da
categoria não mais tem o condão de retirar a causa da competência da Justiça
do Trabalho, mesmo que o dissídio trave-se entre sindicato patronal e membro
da categoria econômica.
Não permanece mais à margem da Justiça do Trabalho sequer a cobrança
executiva da contribuição sindical propriamente dita visto que promovida pelas
entidades sindicais em face de um empregador.
Sabe-se que, disciplinada em lei de modo minucioso (CLT, arts. 578 a 610),
a cobrança judicial da contribuição sindical opera-se mediante execução de
título extrajudicial, com os privilégios da Fazenda Pública, exclusive "foro
especial" (CLT, art. 606 e §§).
Uma vez que se trata de lide entre sindicato e empregador, toca agora à
Justiça do Trabalho, em virtude do que reza o art. 114 inc. III da CF/88,
executar o empregador inadimplente em contribuição sindical, a requerimento
do interessado.
Naturalmente, a contribuição sindical não gera apenas execução de título
extrajudicial. Com efeito, as lides intersindicais de representatividade,
multiplicadas pela vigente Constituição Federal, não raro suscitam dúvida sobre
a quem efetuar o recolhimento desse tributo, provocando, em decorrência, um
litígio paralelo sobre a contribuição sindical (às vezes, também sobre o desconto
assistencial). Surge, então, uma ação de consignação em pagamento intentada
pelo empregador em desfavor de dois ou mais sindicatos que disputam entre si a
primazia da representação legal da categoria.
A exemplo de qualquer outra controvérsia entre sindicato e empregador, a
lide da ação de consignação em pagamento entre empresa e sindicato passa a
integrar a competência material da Justiça do Trabalho, seja ante o que reza
art. 114 inc. III da CF/88, seja porque respeita a um instituto de Direito Sindical.
A jurisprudência em contrário do STJ e do STF não foi recepcionada pelo novel
mandamento constitucional."

Opinião idêntica as que acima registramos tem Adalberto Martins, autor de "Manual
Didático Processual do Trabalho", 2ª ed., 2005, Malheiros Editores, pgs. 78/79:

"Registre-se, ainda, que será competente a Justiça do Trabalho para


dirimir as controvérsias entre empregadores e sindicatos profissionais nas
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hipóteses legais em que estes últimos figuram como substitutos processuais dos
trabalhadores (art. 872, parágrafo único, e art. 195, § 2º, ambos da CLT), bem
como nas hipóteses em que o sindicato, atuando em nome próprio, pleiteia a
condenação no pagamento de contribuições assistenciais ou confederativas
previstas em sentença normativa (art. 114, VIII, da CF) ou acordos e convenções
coletivos (art. 1º, da Lei 8.984, de 1995), bem como ações sobre representação
sindical, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores
(art. 114, III, da CF), restando superada a restrição que se estabelecia na Lei
8.984/1995); e, ainda ações de indenização por dano moral ou patrimonial
decorrentes de relação de trabalho (art. 114, VI, da CF) e ações relativas a
penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de
fiscalização das relações de trabalho (art. 114, VII, da CF)".

Por último, ressalto a manifestação de Estevão Mallet, em trabalho intitulado


"Apontamentos sobre a competência da Justiça do Trabalho após a Emenda Constitucional nº 45",
no sentido de que:

"A Emenda Constitucional nº 45 corrige o erro de direito anterior.


Compete à Justiça do Trabalho, em conseqüência, julgar ações em que
discutida, como questão incidental ou principal, a representação de entidades
sindicais, tanto quanto diretamente em confronto os sindicatos, igualmente, em
caso de consignação em pagamento ajuizada por empregador, em caso de
dúvida sobre a entidade legitimada ao recebimento de parcelas devidas por
integrantes da categoria".

A egrégia Segunda Turma desta Corte, na sessão de 19/05/2005, julgou prejudicado, à


unanimidade, o AgRg no REsp nº 700.080/RS, da relatoria do eminente Ministro Castro Meira,
concluindo pela incompetência absoluta do Superior Tribunal de Justiça rever fundamento de
acórdão oriundo de ação de consignação em pagamento em que se discute valores referentes à
contribuição sindical, por envolver a lide disputa entre empregador e sindicatos, vez que após a
edição da Emenda Constitucional nº 45 de 08 de dezembro de 2004, compete, unicamente, à justiça
trabalhista apreciar e processar o feito, consoante o art. 114, inciso III da Constituição Federal.

O colendo Tribunal Superior do Trabalho, ao analisar o alcance do inciso III, do art. 114
da Carta Maior, quando do julgamento do Recurso de Revista nº 115/2003-771-04-00, DJ de 29 de
abril de 2005, assim lançou fundamento: "ISTO POSTO ACORDAM os Ministros da Quinta
Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, não conhecer do recurso de
revista quanto ao tema “preliminar de nulidade do julgamento por ausência de

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identificação das partes e de motivação”. Por unanimidade, conhecer do recurso de revista
no tocante ao item “contribuição assistencial dissídio entre sindicato de categoria
profissional e empresa do grupo econômico competência da Justiça do Trabalho”, por
violação do art. 114, inciso III, da Constituição Federal, e, no mérito, dar-lhe provimento
para declarar a competência material da Justiça do Trabalho e determinar o retorno dos
autos ao Eg. Tribunal Regional para prosseguir no julgamento do recurso, como entender
de direito. Brasília, 13 de abril de 2005. ALOYSIO CORRÊA DA VEIGA Ministro-Relator".

No tocante ao fenômeno da aplicação da EC nº 45 no tempo, tenho que ela se aplica,


desde logo, em face do disposto na parte final do art. 87 do CPC.

Todos os processos, em conseqüência, qualquer que seja a fase em que se encontrem,


devem ser enviados à Justiça do Trabalho.

Qualquer decisão proferida por órgão judiciário incompetente, após a vigência da EC 45,
é nula de pleno direito, por ser a incompetência absoluta inderrogável (art. 111 do CPC).

Em face de tudo quanto foi exposto e vinculado ao princípio de que a competência


jurisdicional, quando modificada pela Constituição Federal, aplica-se imediatamente, em qualquer
fase que se encontre o processo, reconheço a incompetência absoluta deste Superior Tribunal de
Justiça para processar e julgar o presente recurso especial, por entender ser competente o colendo
Tribunal Superior do Trabalho, em face da carga cogente do art. 114, III, da CF.

Sejam os autos remetidos.

É como voto.

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