Você está na página 1de 31

O ESTADO DE NECESSIDADE NO ORDENAMENTO

JURÍDICO BRASILEIRO
Dayara Nepomuceno de LIMA 1

RESUMO: Cada vez mais o convívio social


se fortalece e ocasiona situações que
merecem uma análise especial, este é o caso
da aplicação do Estado de Necessidade, que
ganhou grande importância nos dias atuais.
Assim, o presente trabalho visa tratar do
referido Instituto desde as suas origens até
a atualidade, suas características e as
discussões acerca do tema.

PALAVRAS -CHAVE:Teoria do Direito.


Tipicidade. Ilicitude. Cul pabilidade. Estado
de Necessidade Causas Justificantes.
Causas Exculpantes .

INTRODUÇÃO

O intuito do presente trabalho é tratar de uma das espécies de


Excludente de Ilicitude no ordenamento jurídico brasileiro, qual seja: o
Estado de Necessidade.

O referido Instituto foi inserido no rol do art. 23, do CP e


especificamente tratado no art. 24.

1
Discente do 4º ano do curso de Direito das Faculdades Integradas “Antônio Eufrásio de Toledo” de Presidente
Prudente. dayaralima@unitoledo.br
2

Este trabalho trata especificamente do Estado de Necessidade,


desde as suas origens, evolução e aplicação no Direito Penal Brasileiro, com
embasamento nas vertente s doutrinárias que tratam do assunto.

Inicia-se o trabalho com a explanação da Teoria do Delito, que


serve de base para que o referido Instituto viesse a surgir e evoluir. Assim, é
através desta teoria que se verifica que o homem tem como instinto a
sobrevivência, e a partir de seu estudo pode -se estabelecer quando o ser
humano poderá alegar este tipo de defesa.

Passa-se então a analisar o Instituto do Estado de Necessidade


mais a fundo, começando pela sua origem e evolução, para tratar depois de
seu conceito e definição sob os diversos enfoques dado s pela doutrina. O
próximo passo é estabelecer qual a natureza jurídica do Instituto e então
verificar quais os fundamentos para sua adesão ao ordenamento.

Tecidas tais considerações, passa -se a examinar as Teori as que


surgiram sobre o assunto, ponderando os pontos fortes e fracos de cada uma.
E por fim, estabelecendo qual foi a adotada pelo legislador brasileiro.

Ao fim do trabalho iniciam-se as considerações acerca da s


modalidades do Estado de Necessidade e dos requisitos necessários para sua
configuração e quais as co nsequências no caso do excesso n a referida causa
justificante.

1. TEORIA GERAL DO DELITO

A Teoria Geral do Delito visa estudar quais as características


necessárias para que uma conduta seja penalmen te relevante, isto é, busca
estudar os elementos necessários para a configuração do delito , aplicando-se a
máxima, “Nullum crime, nulla poena, sine lege previa ”. Assim , busca-se
encontrar o melhor método para se chegar à pacificação social e a um Direito
Penal justo.
3

O intuito maior da Teoria Geral do Delito é estabelecer quais os


requisitos necessários para que quando um fato acarrete um dano ou ocasione
perigo a algum bem jurídico tutelado seja necessária a atuação estatal para se
restabelecer a segurança assegurada aos cidadãos através do Pacto Social
estabelecido pelo Estado Democrático de Direito.

A partir desta Teoria passa-se a analisar a pena sob dois


enfoques, como meio de prevenção geral e como meio de prevenção especial ,
visando-se exatamente os ideais de justiça e de segurança social.

Não obstante, para se chegar a estas conclusões faz -se mister


analisar o conceito de delito, o que far -se-á a seguir.

1.1 Conceito de Delito

O conceito de delito pode ser dividido sob três aspectos, que,


entretanto, s e complementam.

Sob o aspecto formal crime é toda conduta que é penalmente


relevante, isto é, toda conduta contrária a um tipo penal .

Sob o aspecto material crime é conceituado como toda conduta


que lesa ou expõe a perigo algum bem jurídico tutelado.

E por fim, é possível verificar que sob o aspecto analítico crime


pode ser conceituado como toda conduta (ação ou omissão) que constitua um
fato típico, antijurídico e culpável .

Assim, percebe-se que o delito é constituído por três elementos,


quais sejam: a tipicidade, antijuridicidade ou ilicitude e a culpabilidade.

1.2 Tipicidade
4

A tipicidade nada mais é do que a adequação do fato a norma.


Nos dizeres de Francisco Muñoz Conde (1988, p. 4):

A e st e p r o c e sso d e se l eção n a l ei d e açõ e s q ue o l e gi s lad o r q u er


sa nc io n ar p e nal me nt e c ha ma - s e tip i cid a d e . A t ip ic id ad e é, p o i s, a
ad eq uaç ão d e u m fa to c o ncr eto à d e s criç ão q ue d es se fato s e faz na
lei. A tip ic id ad e é u ma co n seq u ê nc ia d o p r i nc íp io d a le ga lid ad e, j á
q ue só at r a vé s d a d e scr i ção d a s co nd uta s p ro ib i d as no s tip o s p e n ai s
se c u mp r e o p ri nc íp io d o n u llu m c ri me s in e leg e .

A tipicidade é formada pelos seguintes elementos, conduta,


resultado, nexo de causalidade e tipo penal. A conduta pode ser tanto dolosa
quanto culposa, praticada sob a forma comissiva ou omissiva. O r esultado
deve ser danoso ao bem jurídico tutelado. O nexo de causalidade é o vínculo
entre a conduta e o resultado. E por fim, o tipo é a adequação perfeita entre o
fato narrado na norma e o fato concreto, isto é, o amoldamento da conduta,
resultado e nexo de causalidade a uma regra positiva.

Assim assevera Gabriel César Zaccaria de Inellas (2001, p.XI):

[ ...] to d a co nd u ta h u ma na, p o s it i va o u ne ga ti v a (ação o u o mi s são ),


p o r ta nto , u m fa to , q u e se e nq uad re e m a l g u ma no r ma p e n al
in cr i mi nad o r a, d e no mi n a - s e fa to típ ico . [.. .] P o rta nto , p o d e mo s
af ir ma r q ue: fa to típ ico é o co mp o rt a me n to h u ma no , q ue p ro vo c a
u m r e s ult ad o , p r e vi sto n a Le i P e na l co mo i n fra ç ão .

É com a análise da tipicidade que se inicia o estudo para se


concluir se de fato uma conduta deve ou não se r penalmente punida, isto
significa, que verificada a tipicidade de um fato presume -se que a conduta
será ilícita.

1.3 Antijuridicidade ou Ilicitude


5

A ilicitude trata das condutas que são contrárias ao Direito, ou


seja, daqueles comportamentos que são adver sos ao que estipula o
ordenamento jurídico. Assim conforme ensina Gabriel César Zaccaria de
Inellas (2001, p. XI):

An ti ju r id i cid a d e é a re l ação d e co ntra ried ad e e nt r e o fa to típ ico e a


No r ma P e na l. I mp o r ta nt e no tar q ue u ma co nd ut a d es cri ta na No r m a
P ena l i n cr i mi n ad o r a, se rá il íc ita o u a nt ij ur íd i c a, q u a nd o não fo r
exp r e ss a me n te d ec lar ad a líc it a. As si m, o co n c eito d e il ici t ud e d e
u m f ato típ ico ser á e nco n trad o p o r e xc l u são : s erá a nt ij ur íd ico ,
q ua nd o n ão d ec lar ad o líc ito p o r q u alq u er ca u sa d e e xc l us ão d a
ili ci t ud e.

Deste modo, conforme se verifica na doutrina supracitada o


estudo da ilici tude está intimamente ligado as suas causas de exclusão, e,
portanto, há apenas uma presunção relativa de que um fato típico será também
ilícito. Neste mesmo sentido também Fr ancisco Muñoz Conde (1988, p. 43):

A tip ic id ad e d e u m co mp o rta me nto n ão i m p lic a, p o i s, a s u a


an tij ur id ic id ad e , se não ap e na s u m i nd í cio d e q ue o co mp o r ta me n t o
p o d e s er a n tij uríd ico ( fu nç ão i nd ic iár ia d o tip o ). [...]
Di s so s e d ep re e nd e q ue tip o e a nt ij ur id i cid ad e são d ua s
car ac ter í st ica s d i st i nt as d a teo ria ger al d o d eli to . O t ip o p o d e
d ese mp e n har u ma fu nç ão i nd i ciá ria da an tij urid icid ad e
( ra t io co g n o sc en d i ), ma s não p o d e se id e nt i fi car co m e la ( ra t io
es sen d i ) .
A id e nt i f ica ção e ntr e ti p o e ant ij u rid icid ad e c o nd uz à t eo ria d o s
ele men to s n eg a tivo s d o tip o . Se g u nd o e s ta te o ria, a s ca u sa s d e
j us ti f ica ção e xc l ud e n te s d a ant ij ur id i cid ad e (le g íti ma d e fe sa, e s tad o
d e ne ce ss id ad e etc.) d ev e m se r co n s id erad a s co mo ele me nto s
ne g at i vo s d o tip o , d e ta l fo r ma q u e q ue m ma ta e m le g it i ma d e fes a
ne m s eq uer r eal iza o t i p o d e d el ito d e ho mi cí d io , ma s ap e na s u m
nad a j ur íd ico - p e na l o u, co mo d iz W e lz el , s ua a ção s eri a , d o p o n to
d e v i sta d o Di rei to P e n al, t ão ir rel e va nt e co m o se ti ve s se ma t ad o
u ma mo s ca. Na ve rd ad e, d i fic il me n t e p o d e - se eq uip ar ar u ma
co nd u ta a típ ic a ( ma tar u ma mo s ca) co m u ma co nd u ta típ ica, ma s
a mp ar ad a p o r u ma ca u sa d e j us ti fic ação ( ma t ar o utr a p e s so a e m
le gí ti ma d e fe sa). P o r o u tro lad o , a i nd ag ação ac erca d a
an tij ur id ic id ad e só t e m se n tid o , se, p r e via me nt e , j á se e st ab el ece u a
tip i cid ad e d o co mp o rt a me n to . ( c fr. Ce rezo , p á g s. 3 7 5 e se g s.)

As causas de justificação que excluem a antijuridicidade estão


enumeradas no art. 23, do CP:
6

Ar t. 2 3 . N ão há cri me q ua nd o o a ge n te p r at ica o fato :


I – e m e s tad o d e nec es s i d ad e;
I I – e m le gí ti ma d e fe sa;
I I I – e m e str ito c u mp r i me n to d e d e v er l e gal o u no e xer cíc io r e g ula r
d o d ir e ito .

Assim, percebe -se que o Código Penal Brasileiro se preocupou


em estabelecer os critérios utilizados para a definição dos atos ilícitos, pois
conforme já visto, a ilicitude é encontrada por exclusão, sendo que só são
ilícitas as condutas que não forem declaradas lícitas por meio destes
institutos de exclusão .

O presente trabalho tratará mais adiante especificamente do


Estado de Necessidade e de suas características.

1.4 Culpabilidade

A culpabilidade pode ser vista sob três enfoques, conforme a


teoria adotada. Assim é possível analisar através da Teoria Psicológica da
Culpabilidade, Teoria Psicológico-Normativa e Teoria Normativa Pura, e
dependendo de qual teo ria se adota a culpabilidade pode se tornar mero
pressuposto da pena e não mais elemento do Crime.

Também há de se verificar que conforme a abordagem o conceito


de culpabilidade se modifica.

Deste modo, para os adeptos da Teoria Psicológica da


Culpabilidade esta se dá em razão da responsabilidade subjetiva do agente, ou
seja, da relação entre a vontade e a previsibilidade do resultado danoso,
aplicando se ao sujeito a ideia de que há “culpa” quando o resultado for por
ele querido ou assumido, haja vista que era previsível que a conduta poderia
acarretar um dano a outrem. Assim, o conceito de culpabilidade é a
reprovabilidade da conduta em razão do nexo psíquico que se estabelece entre
o autor e o fato. Tal Teoria estabelece que dolo e culpa seriam espécies d e
7

culpabilidade. Conforme se depreende do que ensina Joe Tennyson Velo


(1993, p.28):

Ne ste mo me n to hi s tó ric o -d o g má t ico , a no ção d e d elito co mp ree nd i a


d ua s p ar t es fu nd a me n ta i s: u ma e xt er na (o ato e m s i, me câ n ico , p uro
d e v alo r a çõ e s s ub j e ti v as), e a i n ter na ( a re lação p s íq uic a, na s
esp é ci es d e d o lo e c ulp a e str ito se n so ). O p o s t ul ad o é c a u sal id ad e.
A c u lp ab il id ad e é o el e me n to p s ico ló gico , “co n st atad o ” no a g e nte a
p ar tir d e s u a a ção . [...] A re laç ão p si co ló g ica c o mp r ee nd id a e n tre a
p es so a e se u ato é o ele me n to co mu m d a s d ua s e sp éc ie s d e
cu lp ab il id ad e, o d o lo (vo n tad e d o r es u lt ad o típ ico ) e a c ulp a
( f u nd ad a na só p re vi s ib i lid ad e d o e v e nto ).

A Teoria Psicológica foi amplamente rebatida pelos penalistas,


tendo em vista que a culpa é uma espécie exclusivamente normativa, enquanto
que o dolo é exclusivamente psicológico, e, portanto, não poderiam ser faces
da mesma moeda.

Aqueles que aderem a Teoria Psicológico -Normativa acreditam


que a culpabilidade deve ser analisada no âmbito social, e não somente na
ideia individual entre agente e fato. Deste modo, passou a constituir um
elemento normativo da culpabilidade a reprovação social, sendo que o dolo e
a culpa passaram a ser vistos como elementos subjetivos da culpabilidade e
não mais como espécies , tornando-se ainda a culpabilidade um meio de
prevenção geral. Assim, o conceito dialético de culpabilidade seria a
reprovabilidade da conduta do sujeito que agiu voluntariamente (dolo) ou com
previsibilidade de um resultado danoso (culpa), ou seja, aqui a análise não é
puramente subjetiva, levando -se em consideração além da vontade do sujeito
e o fato, também a reprovabilidade social que o fato gera.

O principal nome a tratar de tal teoria foi Reinhard Frank em sua


obra “Uber den Aufbaudes Über Schuldbegriffs ” (Sobre a Est rutura do
Conceito de Culpabilidade). Leciona Joe Tennyson Velo (1993, p. 40) :

As s i m, co m a teo ri a no r ma ti v a, o co nce ito d o g má ti co d e


cu lp ab il id ad e p a ss a a co n s is tir n u ma v alo ra ç ão so b r e e le me n to s
p si co ló g ico s e re feri d o s a fa to s d o mu nd o e xt erio r. E st a
d ial et icid ad e q u e o i n ter io r d o co n cei to re v el a fo i i n ici at i va r eal d o
8

ale mã o R ei n har t Fr a n k , atra vé s d e s ua mo n o gra fia “ Ub er d e n


Au f b a ud e s Üb er Sc h u ld b egr i ffs ”, p ub li cad a p e la U n i ver s id ad e d e
Gie s se n e m 1 9 8 7 .
Fr a n k e xp ô s q u e a c ulp a b ilid ad e es tá p r es e nt e q ua nd o o s uj e ito a g e
d e mo d o co ntr ário ao e x ig id o p e lo o rd e na me nto j uríd ico . I n tro d uz i u
no co nce ito u m el e me nto no r ma ti vo : a r ep r o vab il id ad e d o a to
p r ati cad o . Re so l vi a -s e, ai nd a, o p ro b le ma d a u n icid ad e d o co n cei to .
O d o lo e a c ulp a e m s en tid o es tri to d e i xa va m d e se r e sp éc ie s d a
cu lp ab il id ad e p ara ser e m s e us ele me nto s, o b j eto s d a v alo r açã o
so b r e o s q u ai s i ncid ia o j uízo . A c ulp ab i lid ad e p as sa a ser o p ró p rio
j uízo d e c u lp a, p o i s es te „cri a ‟ a c ulp ab i lid ad e, não a r eco n he ce, n a
p r eci sa acep ção et i mo ló gi ca d es ta p al a vra.

Também Leonardo Isaac Yarochewsky (2000, p. 25):

E m sí n te se, a c ulp ab il i d ad e, s e g u nd o e ss a co n cep ção no r ma t i va, é


co mp o s ta d o s se g ui n te s ele me n to s: i mp u tab i lid ad e, d o lo o u c ulp a
str ic to se n s u ( ne gl i gê n c ia, i mp r ud ê nci a, i mp er í cia) e e xi g ib i lid ad e,
na s cir c u n s tâ nc ia s d e u m co mp o rt a me n to co n fo r me o D ire ito .

Teoria Normativa Pura baseia-se na Teoria Finalista da Ação,


diferentemente dos adeptos da Psicológica que se apoiam na Teoria Causal da
Ação. Para essa corrente doutrinária a culpabilidade s e fundamenta na
finalidade da ação, de modo que se não há vontade também não haverá
culpabilidade, e ainda, o dolo e a culpa não integram a culpabilidade, mas sim
fazem parte da conduta (tipicidade), sendo os elementos presentes na
culpabilidade a potencia l consciência de ilicitude, a imputabilidade e
exigibilidade de conduta diversa.

Alcides Munhoz Netto (1978, p.105,106), expõe:

[ ...] si t ua nd o o d o lo e a cu lp a na tip ic id ad e, o fi na li s mo , co mo j á se
vi u , e xp u n g e a c u lp ab il id ad e d e q u alq u er e le m en to p s ico ló g ico . A
cu lp ab il id ad e é só p ro ces so d e va lo ra ção , o u sej a, s ó j u ízo d e
ce ns u r a q ue r eca i so b re o au to r, p o r n ão ha ver ab s tid o v io la ção d a
no r ma , q u a nd o tal ab st e nção l h e era p o s sí ve l. I nte gr a nt es d a
cu lp ab il id ad e, e m co n se q uê n cia , s ão o s fato r es ne ce s sár io s a q u e a
vo n tad e o u fal ta d e c ui d ad o d o auto r l h e p o s s a m ser rep ro v ad a s.
T ais fa to re s são a i mp ut ab i lid ad e, a ex i gib il id ad e de
co mp o r ta me nto ad eq ua d o à no r ma e a p o t e n cia l co n sci ê nc ia d e
an tij ur id ic id ad e .
9

Desta forma, o conceito de culpabilidade passa a ser o juízo de


censura de determinada conduta que é considerada ilícita.

2. ESTADO DE NECESSIDADE

Como já visto o Estado de Necessidade Constitui uma das Causas


Excludentes de Ilicitude Penal , e que é adotado pelo Ordenamento Jurídico
Brasileiro e esp ecificamente tratado pelo art. 24, do CP.

2.1 Origem e Evolução

O Estado de Necessidade nem sempre foi regulado pelo Direito.


Em tempos remotos ele somente era aplicado casuisticamente, não havendo
legislação específica sobre o tema.

Ainda no Direito Ro mano não havia normas especificando o


Instituto, de modo que havia apenas a aplicação do Princípio de que não
haveria configuração de delito quando a conduta fosse necessária para a
salvaguarda de um bem de valor superior ou igual ao atingido.

Assim leciona Alberto Rufino R. Rodrigues de Souza (1979),


apud André de Oliveira Pires (2000, p. 5):

No Dir ei to Ro ma n o , e m b o ra o cas u í s mo so b r e a ma tér ia p er si s ti s se,


p as so u a vi g o rar o p ri nc íp io d e q u e n ão ha v eria cr i me q u a nd o o
10

co met i me n to d a l es ão fo s se i mp re sc i n d í v el à sa l va ção d e u m b e m d e
va lo r i g ual o u s up erio r . Fo i aq ui, ta mb é m, q u e s ur g i u a e x i gê n cia
d o el e me n to s ub j et i vo d a aç ão sa l vad o r a, b e m co mo a nec e ss id ad e
d e a si t uaç ão p er i go s a n ão ter s id o cr iad a p o r u m ato vo l u nt ário d o
ag e nte .

No Direito Canônico passou a vigorar o princípio de que


necessitas caret legem (necessidade de nenhuma lei) . Contudo, aplicava -se o
instituto nos casos onde havia reconhecida necessidade, e, que, portanto, eram
consideradas justificáveis. Neste sentido Gabriel Cesar Zaccaria Inellas
(2001, p.1):

O D ir ei to Ca nô n ico ad o to u o p ri nc íp io d e q ue n ece s si ta s c are t


le ge m. T o d a via , reco n h ecia , co mo s it ua çõ e s n e ces s ária s e p o rt a nto ,
j us ti f icá v ei s, cri me s co mo o s u icíd io p a ra p re s erv ar a ca st id ad e , o
f ur to f a mé lico , o ab o rto p ara sa l var a v id a d a ge st a nte a vio laç ão d o
d esc a n so d o mi n ica l .

No período medieval houve a normatização do Estado de


Necessidade, mas de forma limitada, de modo que somente se aplicava o
referido Instituto quando os bens em conflito fossem a vida e a integridade
física. Um dos exemplos mais tratados neste período era a questão do furto
famélico, conforme explica Alberto Rufino R. Rodrigues de Souza (1979),
apud André de Oliveira Pires (2000, p. 5):

[ ...] Ne s se p erío d o , d e nt re as h ip ó t e se s ma is v er sad a s p o r j uri s ta s e


teó lo go s , e nco n tra va - s e a q ue st ão d o fur to fa mé li co , r eco n he cid o
co mo u ma d a s p ri nc ip a is ca u sa s j u st i fica ti v as, fac e à s co n st a nte s
ep id e mi a s q ue a sso la v a m o med i e vo .

Segundo Gabriel Cesar Zaccaria de Inellas (2001, p. 1) foram os


Jusnaturalistas que c hegaram a uma noção geral do significado do Estado de
Necessidade, e a partir daí, transplantaram -na para o Direito Penal.

Entretanto, foi só com o advento do Direito Moderno que se


passou a aprofundar o estudo do Instituto, especialmente pelos doutrinador es
11

germânicos, e que se chegou a um entendimento semelhante ao que se tem


atualmente.

No Brasil o Estado de Necessidade foi previsto desde o Código


Criminal do Império (1830), onde adotava uma teoria objetiva em relação aos
bens, isto é, só configuraria ca usa excludente de ilicitude quando o bem
agredido tivesse menor importância social, assim o intuito seria causar um
mal menor para se evitar um mal maior.

No Código Penal de 1890 o legislador optou por seguir a ideia da


teoria objetiva.

E por fim, no atual Código Penal Brasileiro de 1940 foi adotada a


Teoria Unitária do Estado de Necessidade, onde somente se configura o
Instituto as causas de justificação, não podendo alegar Estado de Necessidade
se a conduta se basear em alguma das causas de exculpação. Di ferentemente,
o Código Penal de 1969 adotava a Teoria Diferenciadora do Estado de
Necessidade, ou seja, o Instituto conforme a alegação poderia constituir
excludente de ilicitude se baseado em causa de justificação ou excludente de
culpabilidade se baseado em causa de exculpação. Contudo, como bem se sabe
o Código de 1969 foi revogado ainda durante a vacatio legis , não tendo
vigorado nenhuma das suas disposições.

Deste modo, o Código de 1940 que adotava a teoria unit ária ainda
vigora, mesmo após a reforma da parte geral do Código em 1984, haja vista
que esta manteve a concepção unitária do Estado de Necessidade.

2.2 Conceito

O conceito do Estado de N ecessidade pode ser expresso através


do que assevera Franz Von Liszt apud André de Oliveira Pires (2000, p. 9):
12

[ ...] se b a se ia, v ia d e re gra , no co n cei to d e car á ter ge nér ico e xp o sto


p o r Fr a nz Vo n Lis zt. S e g u nd o Li sz t, “El e stad o d e nec es id ad e s u na
si t uac ió n d e p e li gro a ct ua l d e lo s i nt ere se s p ro te g id o s p o r el
Der e c ho , e n la c ua l q u ed a o tro re med io q u e l a vio la ció n d e lo s
in ter es e s d e o tro , j uríd ic a me nt e p ro t e gid o s” .

Também leciona Francisco de Assis Toledo (1994, p. 175), que o


Estado de Necessidade é :

[ ...] u ma s it u ação d e p e ri go a t ua l, p a ra i nter e s se s p ro t e gid o s p elo


Dir e ito , e m q u e o a g en te, p ara s al var u m b e m p ró p rio o u d e
ter c eir o , n ão t e m o u tro me io se n ão o d e le sar o in ter es s e d e o u tre m.

Ambos os conceitos se enquadram no que estabelece o tipo do art.


24, do Código Penal Brasileiro:

Ar t. 2 4 . Co n sid e ra - se e m es tad o d e ne ce s sid ad e q u e m p ra ti ca o fato


p ar a sal v ar d e p eri g o at ua l, q ue não p ro vo co u p o r s ua vo ntad e, ne m
p o d ia d e o utro mo d o ev itar , d i re ito p ró p r i o o u al h eio , c uj o
sac r i f ício , na s c irc u n st â nc ia s, n ão era razo á ve l ex i gir - s e.
§ 1 º . Não p o d e ale gar es tad o d e nec es s id ad e q ue m ti n h a o d ev er
le ga l d e e n fre n tar o p eri go ;
§ 2 º . E mb o ra sej a raz o áv el e x i gir - s e ao s a cri fí cio d o d i rei to
a meaç ad o , a p e na p o d er á s er red u zid a d e u m a d o is ter ço s .

A partir do texto legal é possível extrair algumas considerações,


tais como a natureza jurídica do Instituto, os r equisitos necessários para a
configuração etc., o que será feito adiante.

2.3 Natureza Jurídica

Cabem algumas considerações acerca da natureza jurídica do


Estado de Necessidade. Para os Naturalistas o Estado de Necessidade não
fazia parte do Direito, ha ja vista que ele não era considerado conf orme nem
desconforme ao Direito , em razão do fato de que a partir do instante em que
13

os homens não pudessem conviver entre si não haveria o porquê de se falar


em Direito.

Para os Positivistas a conduta praticada em Estado de


Necessidade era impunível, visto que o comportamento do sujeito não era
considerado perigoso à sociedade, pois não poderia exigir -se do sujeito um
comportamento diverso quando confrontados um direito seu e outro direito
alheio.

Para os adeptos da Teoria que buscam dar a pena um caráter de


repressão, a conduta praticada em Estado de Necessidade não merece ser
penalmente punida, uma vez que nestas situações não se encontraria
finalidade na pena.

E por fim, Hegel introduziu uma análise objetiva ao Estado de


Necessidade, onde buscava -se através de um critério objetivo ponderando o
conflito entre os bens.

No Brasil não há discussão acerca da natureza jurídica do Estado


de Necessidade, haja vista que o próprio legislador o estabeleceu ao inclui -lo
no rol do art. 23, do CP, que trata das hipóteses de exclusão de ilicitude.

2.4 Fundamentos

A fundamentação para a configuraçã o do Estado de Necessi dade


jaz na ideia do que alguns costumam dizer ser um Princípio, qual seja: o da
Inexigibilidade de Conduta Div ersa. Desta forma, o fundamento é político,
onde se entende que há certas situações em que não é plausível a
punibilidade. Expõe Gabriel Cesar Za ccaria de Inellas (2001, p. 11):

A j u s ti f ica ti v a d o e st ad o d e nec es s id ad e fu nd a - s e no cri tér io


p o lít ico d e q ue não é o p o rt u no p u n ir ato s, p re vi s to s e m lei co mo
d eli to s, co me t id o s so b o i mp ul so d o i n st i nto d e co n se r vação , me s mo
q ue ta i s a to s l es e m, i nj u st a me n te, d ire ito s al he io s. O fu nd a me n t o
14

j ur íd ico d o e s tad o d e ne ce s sid ad e re sid e n o fa to d e q u e, e m


d eter mi n ad as c irc u n st â n cia s, na s q u ai s se e n co nt ra o ag e nte , u ma
co nd u ta d i fer e nte d a q ue te ve, não p o d ia ser e xi g id a.

Portanto, o fundamento é de que em certos casos não se pode


exigir do sujeito o sacrífico de um direito para salvaguarda de outro.

2.5 Teorias Acerca do Estado de Necessidade

Dentre as várias teorias que surgiram com embasamento no


fundamento jurídico são duas as que se destacam: Teoria Unitária e a Teoria
Diferenciadora.

Num primeiro momento a Teoria Unitária se embasava num


critério subjetivo, an alisando sob enfoque da coação psicológica, de modo que
os adeptos desta teoria entendiam que em determinados casos quem pratica a
conduta lesiva não deve ser penalmente punido, haja vista que havia impelido
no autor uma coação moral irresistível que imped ia que tivesse uma condut a
diversa. Neste sentido esclarece Gabriel Cesar Zaccaria de Inellas (2001, p.
12):

Teo ria S u b j et iva : p re n d e - s e à id ei a d o co n s tra n g im en to mo ra l ,


ca us ad o p ela e x tre m a ne ce ss id ad e, le va n d o a exc l uir a
i mp utab il id ad e e p o r co n se g u i n t e, to r na nd o i n ú ti l a p e na, p el a
car ê nc ia d e se u e fei to , i nt i mi d at i vo e e xe mp lar.

Com o decorrer do tempo a teoria evoluiu e ganhou novos


contornos, embasando -se num critério objetivo, onde passou-se a analisar o
estado de necessidade enfocando o valor do s bens em conflito, de modo que
só configuraria o estado de necessidade se o bem sacrificado fosse de menor
valor. Assim, assevera André de Oliveira Pires (2000, p. 14):
15

[ ...] teo r ia u n it ária o b j e ti va, e m q ue a q u es tão va lo ra ti v a d o s b e ns


er a r eq ui s ito e s se nc ia l. A p art ir d aí , e ntão , as açõ e s p rat ic ad a s e m
es tad o d e n ece s sid ad e p a ss ara m a s er j us ti f icad a s p e lo Dire ito
P ena l, d esd e q ue o b e m p ro t e gid o fo s se d e v alo r s up erio r ao
sac r i f icad o .

O ordenamento jurídico brasileiro é adepto desta teoria, assim


verificando-se que o Estado de Necessidade só é acolhido na sua forma
justificante, ou seja, como forma de Exclusão da Ilicitude.

A Teoria Diferenciadora fundamenta-se em critérios


predominantemente objetivos, abarcando tanto os casos de causas
justificantes quanto de causas exculpantes . Deste modo, nos casos onde o bem
sacrificado for de valor inferior incide o Estado de Necessidade como
Excludente de Ilicitude, pois a causa que origina a lesão é justificadora.
Assim assenta André de Oliveira Pires (2000, p. 15):

B ase ad a e m u m cr it ério e mi ne n te me n te o b j eti v o , a teo ria d u al is t a


ad mit e a ca u sa j us ti fic a ti va q u a nd o o b e m p re s erv ad o fo r d e valo r
s up er io r ao o fe nd id o . Ne ss as hip ó te se s, o o r d en a me n to j ur íd ico
fa c ul ta ao a ge nt e a p r áti ca le s i va p ara a sa l va ção d o b e m ma i s
va lio so , se nd o , p o r c o n se g u i nte , care n te d e ilic it ud e a ação
p r ati cad a .

Ainda admite a Teoria Diferenciadora a possibilidade do Estado


de Necessidade configurar apenas uma Excludent e de Culpabilidade, pois
baseado numa causa de exculpação, sendo as sim, a conduta é considerada
ilícita, porém não culpável, haja vista que inexigível a conduta conforme o
Direito. Neste sentido André de Oliveira Pires (2000, p. 15):

Ad mi te ai nd a, v al e nd o - se d e u m p r i nc íp io d e não e x i gib il id ad e d e
o ut r a co nd ut a, a e xc u l p ação d a p rá tic a le si v a, q u a nd o e fet i vad a
co n tr a b e ns d e i g ual o u i n fer io r va lo r ao p r es e rvad o , s e d o a g e nt e
não er a e xi gí v el co mp o r ta me n to d i ver so . Ne ss e s ca so s a
cu lp ab il id ad e ser á a fa st ad a, o u sej a, a co nd ut a ser á il íc ita , to d a v ia ,
car ec er á d e rep ro va ção , vez q ue d o ag e nt e nã o se p o d eria e x i gi r
o ut r o co mp o r ta me n to .
16

Ainda no que se refere às teorias do Estado de Necessidade faz-se


necessário tecer algumas considerações acerca das causas de justificação e
das causas de exculpação.

Há uma sensível diferenci ação entre as causas justificantes e as


causas exculpantes. As primeiras tratam das situações onde os bens em
conflito são valorados de tal modo pelo ordenamento jurídico que no cas o
concreto um necessita sobrepor -se ao outro, isto é, o próprio ordenamento
estabelece qual bem deve prevalecer. Assim , verifica-se este entendimento no
ensinamento de Claus Roxin (2007, p. 230):

U ma ca u sa d e j us ti fic a ção p re ss up õ e q u e d o i s in tere s se s co lid e m


en tr e e le s d e t al ma n e ira q ue so me n te u m d ele s p o d e i mp o r - se.
Lo go , é t ar e fa d as ca u s as d e j u s ti fica ção e mp r ee nd er a re g u la ção
so c ial me nt e co rre ta d o s in ter es se s e m co n fl ito . Isto s uc ed e a s si m
se m e x ceçõ es q ua nd o s e p er mi te a a fir maç ão d o s i nt ere s se s q ue o
o r d en a me n to j uríd ico v alo ra ma is a c us ta d aq u ele d e me n o r va lo r ;
só no c aso d o e xc ep cio n al me n te r aro d e q u e e nt r e m e m co li s ão d o i s
d ev er e s d e a ção d e i g u al v alo r, o o rd e na me n t o j ur íd ico d e i xa ao
p r ó p r io a u to r d a d ec i sã o so b re a q u al d e a mb o s d e v ere s q u ere m
cu mp r ir . A co nd ição d e b en s j uríd ico s d e o u tro o u d a ge n era lid ad e
é a c ei ta p elo o rd e na m en to j uríd ico q ua nd o o co rre se g u i nd o o s
p ar â me tr o s d a s c a us a s d e j u st i fi caç ão não é i nj u sto 2

Já as causas de exculpação não tem valoração feita pelo


ordenamento jurídico, de tal modo que não é possível o sujeito alegar que
agiu conforme o Direito, isto é, a conduta é ilícita, contudo a prática da
conduta não é punida. Leciona Claus Roxin (2007, p. 230):

[ ...] u ma ca u sa d e e xc u l p ação o u, co mo e u p r e fi ro d izer , u m c aso d e


ex cl u são d a re sp o n sab i l id ad e p e nal p r e ss up õ e e m p ri me iro l u gar,
q ue o a u to r haj a a t uad o an tij uri d ica me nt e, é d izer q ue n ão p o d e
in v o car u m i nt ere s se c o nt rap o sto r eco n he cid o p elo o rd e n a me n to
j ur íd ico . Lo go , é t are fa d as c a u sa s d e e x c ulp a ção p ro p o rc io nar o s
cr it ér io s q u e, no ca so d e ap re s e ntar - s e, faze m q ue o d irei to n e g ue a

2
Una causa de justificación presupone que dos intereses colisionan entre ellos de tal manera que sólo uno de
ellos puede imponerse. Luego, es tarea de las causas de justificación emprender la regulación socialmente
correcta de los intereses en conflicto. Esto sucede así sin excepciones cuando se permite la afirmación del interés
que el ordenamiento jurídico valora más a costa del aquél de menor valor; sólo en el caso do excepcionalmente
raro de que entren en colisión dos deberes de acción de igual valor, el ordenamiento jurídico deja al proprio actor
la decisión sobre cuál de ambos deberes quiere cumplir. La afección de bienes jurídicos de otro o de la
generalidad es aceptada por el ordenamiento jurídico cuando ocurre siguiendo los parámetros de las causas de
justificación no es injusto.
17

p o s sib ili d ad e o u a ne ce s sid ad e p o lí ti co -cr i mi n a l d e u ma p u ni ção ,


p ese ao c ar á ter so c ia l me nt e errô n eo d a ação 3

As causas exculpantes têm função apenas de regulamentação das


condutas, ou seja, se deve ou não haver punição, e nquanto que as de
justificação têm caráter de estabelecer condutas lícitas, de regular
comportamentos em situações extremas. Neste sentido , Claus Roxin (2007, p.
230):

[ ...] a s ca u sa s d e j u st i fi cação d ize m o q u e é q u e o p art ic ul ar d e ve


fa zer o u o mi t ir no ca so d e co li são d e i nt ere s se s. E l as d ão p a ut as d e
co nd u ta e traz e m a fro n teir a e ntr e d ire ito e o i nj u s to . As ca u s as d e
ex c ulp a ção , p e lo co nt rá rio , não tê m q u e v er c o m o d e v id o , s e não
co m a q ue s tão d e q ue se p o d e o u d e v e s a nc io nar - se p e nal me nt e u ma
co nd u ta so c ia l me n te err ô ne a d e v id o à s c irc u n st ân cia s esp ec iai s d o
caso . Atr a vé s d e s ta d i fer e nt e ta re fa d e a mb a s a s ca te go r ia s s e
exp li ca ta mb é m q ue a s ca u sa s d e e xc u lp aç ão sej a m u ma ma tér ia
p ur a me nt e j uríd ico p e n al, e nq ua n to q u e as ca u sa s d e j u st i fic ação
não o s ão . 4

Assim verifica-se que em ambas as teorias há o critério regulativo


do Princípio da Ponderação de Interesses. Entretanto, a Teoria Dualista acaba
sendo mais ampla, pois também tem o intuito de estabelecer quais as práticas
devem ou não ser puníveis.

2.6 Modalidades

3
[...] una causa de exculpación o, como yo prefiero decir, un caso de exclusión de la responsabilidad penal
presupone en primer lugar, que el autor haya actuado antijurídicamente, es decir que no pueda invocar un interés
contrapuesto reconocido por ele ordenamiento jurídico. Luego, es tarea de las causas de exculpación
proporcionar os criterios que, en caso de presentarse, hacen que el derecho niegue la posibilidad o la necesidad
político-criminal de una punición, pese al carácter socialmente erróneo de la acción.
4
[...] las causas de justificación dicen qué es lo que el particular debe hacer u omitir en caso de colisión de
intereses. Ellas dan pautas de conducta y trazan la frontera entre derecho e injusto. Las causas de exculpación,
por el contrario, no tienen que ver con lo debido, sino con la cuestión de si puede o debe sancionarse penalmente
una conducta socialmente errónea debido a circunstancias especiales del caso. A través de esta diferente tarea de
ambas as categorías se explica también que las causas de exculpación sean una materia puramente jurídico-
penal, mientras que las causas de justificación no lo son.
18

É possível fazer uma classificação das modalidades de espécie


social, seja em razão do sujeito, das circunstâncias e ainda pelo meio
utilizado para a defesa.

No que se refere ao sujeito o Estado de Necessidade pode ser


classificado como:

a) Estado de Necessidade Próprio: Ocorre quando a prática da


conduta é realizada para defender um bem próprio. André de Oliveira Pires
(2000, p. 18), conceitua como:

Car act er i za - se, p o i s, o es tad o d e n ece s sid ad e na mo d al id ad e aq ui


es t ud ad a co mo a si t uaç ão e m q ue, d ia n te d e u m gr a ve p er i go , o
ag e nte p r o d u z u m r es u ltad o l e si vo - típ ico ú nic a e ex cl u si v a me n t e
co m o i nt u ito d e d e fe nd er u m b e m j u ríd ico d o q ua l é t it u lar. Co mo
se d ep r ee nd e , o a ge nt e sa l vad o r d e v e se r, i ne x o rav el me n t e, t it u lar
d o b e m q ue v is a d e fe n d er, p o rq ua n to a ti t ula r id ad e d es te é fa to r
d eter mi n a n te p ar a a ca ract eriz ação d es sa mo d alid ad e d e si t uaç ão
ne ce s sár i a.

Para que se configure esta modalidade de Estado de Necessidade


é necessário que o sujeito esteja perante um grave risco , e que a pratica lesiva
seja efetuada para se defend er desta situação e ainda que seja tit ular do bem
que está ameaçado.

b) Estado de Necessidade de Terceiro: nesta situação o sujeito


age com o intuito de defender um bem alheio. Gabriel Cesar Zaccaria de
Inellas (2001, 19) estabelece a seguinte definição:

[ .. .] ta mb é m co n h ecid o co mo a u xí lio d e t erc ei ro o u a u x íl io


n ece s sá r io . Ne s se c aso , o age n te a ti vo p ro d uto r d o res ul tad o l es i vo ,
não é o t it u lar d o b e m j ur íd ico a meaç ad o ; o a ge nt e, ver i fic a nd o q u e
u ma d e ter mi n ad a si t ua ção ap re se nt a p eri go a u m b e m j uríd ico
p er te n ce nt e a u m t erce i ro , age e m s ua d e fe sa p ara q u e tal b e m não
s uc u mb a, e m v ir t ud e d o p eri go e x i ste n te.

A configuração do Estado de Necessidade nesta espécie ocorre


quando o sujeito causa uma lesão a um bem para defender de perigo outro
bem de terceiro, do qual não é titular.
19

Quanto às circunstâncias as modalidades são:

a) Estado de Necessidade Real: ocorre quando de fato há uma


situação de perigo, de ameaça, é causa excludente de ilicitude. Nesta situação
preenchem-se todos os requisitos para a configuração do Estado de
Necessidade, ou seja, que a prática lesiva decorra da defesa de um risco atual,
causado por alguma causa alheia a vontade do agente, que não houvesse outro
meio para a defesa do bem. Assim, conclui Gabriel Cesar Zaccaria de Inellas
(2001, p. 20):

[ ...] p ar a q ue se ver i fiq ue o e stad o d e n ece s sid ad e rea l, é


i mp r e sc i nd í ve l a e x is tê n cia d e to d o s o s req u is ito s d o p rece ito le ga l .
A a u sê n cia d e q u alq u e r u m d e s se s r eq ui si to s , d e sco n fi g u rará o
es tad o d e nec es s id ad e.

b) Estado de Necessidade Putativo: ocorre quando o sujeito lesa


outro bem acreditando sinceramente que se encontrava numa situação que
estaria abarcada pelo estado de necessidade, de modo, que se de fato a
situação estivesse ocorrendo haveria a excludente de ilicitude. Contudo, neste
caso o que pode haver é apenas uma causa de exclusão de culpabilidade, haja
vista que se trata de uma discriminante putativa. Assim, leciona Gabriel Cesar
Zaccaria de Inellas (2001, p. 20):

[ ...] e s tad o d e n ec es s id ad e p ut at i vo é o q ue o co rre se mp r e q ue o


ag e nte a t i vo ca u sa u m res u ltad o d a no so , mo vi d o p o r erro , p o u co
i mp o r t a nd o i n cid a ta l erro , so b re o s p re s s up o sto s fát ico s d a
ex cl u são d a i li ci t ud e o u so b re a e x is tê n cia j ur íd i ca.

Conforme se percebe para definir o que é se faznos casos


putativos deve haver primeir amente uma análise acerca do erro no
ordenamento jurídico brasileiro.

Assim, o CP estabelece u a adoção da Teoria Limitada da


Culpabilidade, de modo que é possível se depreender a existência do Erro de
Tipo e do Erro de Proibição.
20

No caso do Erro de Tipo é necessário que a análise verifique se


este era evitável ou inevitável , conforme estabelece o art. 20, do CP . Assim,
no caso do erro ser inevitável, o estado de necessidade putativo seria causa
excludente de ilicitude, visto que ao equivocar-se quando aos pressupostos
fáticos, o dolo ou a culpa não podem incidir sobre a conduta do agente, sendo
assim a conduta atípica. Contudo, se o erro em relação aos pressupostos
fáticos era evitável, o dolo não pode incidir sob re a conduta, entretanto o
sujeito poderá ser punido a título de culpa.

Se o Estado de Necessidade decorre de Erro de Proibição, isto é,


sobre a ilicitude do fato, também haverá dois desdobramentos. Se o erro fosse
inevitável, de modo que o sujeito não tivesse consciência da ilicitude do fato
e nem tivesse possibilidade de chegar a ter não haverá punibilidade, pois
embora o sujeito aja dolosamente, não há culpabilidade, em razão da falta do
requisito da potencial consciência de ilicitude necessário para a sua
configuração. Já se o erro era evitável a conduta será punida dolosamente,
entretanto o CP estabelece, em seu art. 21, que haverá diminuição de 1/6 a 1 3
da pena.

Quanto ao meio de defesa se classifica como:

a) Estado de Necessidade Defensivo: ocorre quando o agente


impelido pelo instinto de conserv ação lesiona o bem que lhe causou ou
contribuiu para causar o perigo. Assim, leciona André de Oliveira Pires
(2000, p. 33):

Car act er i za o es tad o d e n ece s sid ad e d e fe n si v o q ua nd o , u ma v e z


p r ee nc h id o s o s r eq ui si to s i nd i sp e n sá ve i s à co n fi g ura ção d a s it u ação
ne ce s sár i a, o a g e nte, n o a fã d a s al va ção , i n v e st e co n tra i n tere s se
q ue ca u so u o u co ntr ib ui u n a ca u sa ção d a s it u açã o p eri go sa.

b) Estado de Necessidade Agressivo: acontece quando o sujeito


para salvar bem próprio ou de terceiro de perigo lesiona bem de um terc eiro
inocente, que não deu causa e nem contribuiu para a situação de risco. Deste
modo ensina Gabriel Cesar Zaccaria de Inellas (2001, p. 23), “[...] configura -
21

se o estado de necessidade agressivo, quando sacrifica -se o direito de pessoa


inocente, isto é, contra bem que pertença a quem não causou ou não
contribuiu para a situação de perigo.”

É possível notar, portanto, que esta modalidade de Estado de


necessidade decorre apenas contra terceiro inocente que vem sofre o dano.

2.7 Requisitos Para a Configuração

O art. 24, do CP, estabelece alguns requisitos necessários para a


configuração do Estado de Necessidade. São eles: perigo atual,
involuntariedade do perigo, inevitabilidade de causar dano a outrem, ameaça a
direito próprio ou alheio, ausência de dever legal de enfrentar o perigo,
inexigibilidade de conduta diversa, consciência da situação de perigo .

2.7.1 Perigo atual

Conforme é possível se depreender da leitura do art. 24, do CP, é


necessário para que se configure uma justificadora que o perigo seja atual,
isto é presente. Contudo, tanto a doutrina como a jurisprudência vem
entendendo que também é possível configurar se o perigo for iminente.

Assim, cabe tecer algumas considerações acerca dos conceitos de


perigo, atualidade e iminência.

O perigo se c aracteriza pelo fato de que há a possibilidade de se


prever um risco, com base no conhecimento empírico do ser humano.

A atualidade é aquilo que está ocorrendo, isto é, que é presente


no momento.
22

A iminência é aquilo que está prestes a acontecer, que não é


atual, mas que está próximo de chegar à atualidade.

Desta forma, para caracterizar tal requisito faz -se necessário que
esteja ocorrendo ou prestes a ocorrer à imposição de um risco a um bem
jurídico.

2.7.2 Involuntariedade

Este requisito refere -se ao fato de que não pode te r o sujeito por
sua vontade causado o dano. Todavia, neste aspecto cabe discussão acerca da
interpretação do texto legal, “que não provocou por sua vontade” , de modo
que, questiona-se se somente se enquadra no caso doloso ou também n os
casos de culpa.

Tanto a doutrina quanto a jurisprudência discutem estas


possibilidades. Assim, há quem o diga que o legislador ao introduzir estes
termos no texto legal quis tratar apenas do dolo. Enquanto, há aqueles que
discordam dizendo que também a culpa foi abrangida pelo legislador. Assim,
nota-se que em relação ao dolo não há o que se questionar, havendo o sujeito
agindo com dolo não pode alegar o estado de necessidade. Entretanto, será de
suma importância a interpretação nos casos de culpa.

Assim, doutrinadores como Damásio de Jesus admitem a


possibilidade da incidência do Estado de Necessidade, quando o agente agiu
com culpa, com base no fundamento de que a voluntariedade que o legislador
se referiu trata da vontade de causar o perigo, ou seja, a borda apenas o dolo.
Isto em razão de o Código Penal só punir culposamente o agente nos casos
expressos em lei, o que de fato não ocorre no texto do art. 24. E ainda alegam
que através de uma interpretação sistemática do código, utilizando do texto
que se refere a tentativa, onde o termo utilizado também é vontade, e que
23

refere-se apenas ao dolo, e, portanto, com base num a interpretação


sistemática, nota -se que o termo “vontade” é indicador apenas do dolo.

Aqueles que entendem que a voluntariedade abrange t ambém a


culpa rebatem a fundamentação da corrente anterior afirmando que o Código
só admite que seja punido culposamente quando expressamente estabelecido
os fatos que são tipificados por n ormas proibitivas de conduta, por normas
incriminadoras, o que não ocorre com o Estado de Necessidade, que trata na
verdade de uma norma permissiva. Ainda alegam que embora o sujeito que
atua culposamente inicialmente possa ter agido licitamente, ao não ter o
devido cuidado passa a responder sim pelos danos que a sua cond uta possa vir
a causar. Aqui cabe uma advertência feita por Francisco Assis de Toledo
(1994, p. 185):

[ ...] n ão s e co nc l ua, c o mo fa ze m a l g u n s a ut o res, q ue só o ato


d o lo so , não o c u lp o so a fa s ta o e st ad o d e nece s s id ad e. E ss es a u to re s
co n f u nd e m „p ro vo caç ão d e p er i go ‟ co m „p ro vo cação d e re s u ltad o ‟,
d ua s s it u açõ e s b a st a nte d iver s as . Q ue m p ro vo ca co ns cie n te me n t e
u m p er i go a g e „p o r s ua vo n tad e ‟ e, e m p r i nc íp io , a t ua l ic ita me nt e,
ma s p o d e ca u sar, p o r n ão ter ap li cad o a d i li g ên cia o u o c u id ad o
d ev id o s, r e s u ltad o s d a no so s e c ulp o so s. N e ss a hi p ó te se, cara cte riz a -
se u ma co nd ut a c u lp o sa q ua nto ao re s ul ta d o , p o rt a nto cri me
cu lp o so , a d e sp e ito d e o p eri go ter sid o p ro vo c ad o p o r u m at o
vo l u n tár io d o a ge nt e.
Também cabe ressaltar o posicionamento de Magalhães de
Noronha (1975) apud André de Oliveira Pires (2000, p. 41):

[ ...] ler - s e „...p er i go a t ua l, q ue não p ro vo co u p o r s ua vo nt ad e.. . ‟


não é i nd ic at i vo d e d o l o , j á q u e na c ulp a ( str i cto se n s u) ta mb é m
ex i ste vo n tad e – vo nta d e n a aç ão ca u sa l, e, p o r ex ceç ão , a té n o
p r ó p r io r e s ul tad o . A nó s no p ar ece q u e ta mb é m o p eri go c ulp o so
i mp ed e o u o b s ta o e stad o d e nec es s id ad e.

Assim, verifica -se que na própria culpa também há vontade, não


sendo o termo apenas indicativo de dolo, mas também de culpa.

2.7.3 Inevitabilidade de causar dan o a outrem:


24

É necessário que a conduta lesiva seja o único meio para


salvaguarda do bem em perigo, isto é, que a única forma para salvar um bem
seja lesando outro. Assim, se houver outro meio de cessar o perigo que sej a
menos gravoso ou que esteja confor me o Direito não haverá causa
justificante. Assim expõe Grazielle Zampoli Pereira (2005, p. 46) em sua
monografia:

I sto q uer d izer q ue o c o mp o r ta me n to le s i vo q u er si g n i fi car q ue o


co mp o r ta me nto le s i vo d ev e ser a ú n ica s aíd a d e q u e d i sp õ e o
ag e nte . A tra n s gre s são à o rd e m j ur íd i ca só p o d e ser ad mi tid a se o
ag e nte não ti ve r ne n h u m o u tro me io d e co nj ur a -l o .

Portanto, é preciso que o agente pratique a conduta lesiva como


ultima ratio para a salvação do bem.

Ainda deve-se notar que a análise acerca da prática l esiva deve


ser feita observando -se o caso concreto, de modo que o órgão julgador
conclua casuisticamente se a conduta foi lícita de fato.

2.7.4 Ameaça a direito próprio ou alheio:

Neste requisito também cabe algumas considerações acerca dos


termos utilizados.

O termo “direito” expressa que a ameaça deve ser a qualquer bem


ou interesse jurídico tutelado pelo ordenamento jurídico.

A ameaça consiste em ser provável a configuração de um dano,


isto é, uma presunção de periculosidade. Esta ameaça pode ser cont ra bem
próprio ou bem alheio, como se extrai do art. 24, do CP.
25

2.7.5 Ausência de dever legal de enfrentar o perigo:

Aqui se ressalta que para que o agente possa alegar o estado de


necessidade não pode ter o dever legal de enfrentar o perigo. Assim, no mais
das vezes não podem alega -lo o bombeiro, o policial, o salva -vidas etc.

Contudo, há divergência na doutrina sobre qual dever o legislador


quis se referir. Alguns alegam ser apenas o dever legal enquanto outros dizem
também ser cabível para deveres con tratuais, morais, religiosos e
costumeiros.

O primeiro entendimento faz uma interpretação literal da lei, pois


o código fala em dever legal, portanto, aquele que se origina da lei.

O segundo posicionamento estabelece que fica a critério do órgão


julgador a incidência ou não do Estado de Necessidade. Assim argumenta
Alberto Rufino Rodrigues de Sousa ( 1979) apud André de Oliveira Pires
(2000, p.45):

[ ...] e m “d e v er l e ga l” d e e n fre n tar o p er i go . O q u e p o r c erto não


i mp ed i r á, d e ntro d a a mp la mar ge m d e ap rec iaç ão q ue o s
d isp o s iti v o s re lat i vo s a o es tad o d e n ece s sid ad e d ei x a m fr a nq uead a
ao ap li cad o r d a l ei ( n o tad a me n te o s e n u nc ia d o s d o art. 2 0 , d o
Có d i go d e 1 9 4 0 e d o a rt. 2 5 , d o Có d i go d e 1 9 6 9 ), q ue ta mb é m a
p r es e nça e a e xt e ns ão d e d e vere s o r i u nd o s d e p recei to s d e d ir ei to
co s t u me ir o , a s si m co m o d e p re ce ito s mo r ai s o u r el i gio so s sej a m
co n s id er ad o s e i n fl ua m no res u lt ad o fi nal d a va lo ra ção acer ca d a
ili ci t ud e o u d a c u lp ab il i d ad e.

Atualmente a discussão está cessada, haja vista que a reforma de


1984 do Código Penal esclareceu a dúvida, ao estabelecer no art. 13, § 2º, do
CP, as pessoas que tem o dever de agir:
26

§ 2 º A o mi s são é p e n al me n te re le v a nte q ua nd o o o mit e nt e d e via e


p o d ia p ar a e v it ar o re s u l tad o . O d e v er d e a gir i n cu mb e:
a) te n ha p o r le i o b r i gaç ão d e c uid ad o , p r o teç ão o u vi g il â nc ia;
b ) d e o ut r a fo r ma, a s s u mi u a resp o n s ab i lid ad e d e i mp ed i r o
r es u ltad o ;
c) co m se u co mp o rt a me n to an ter io r , crio u o r i sco d a o co rrê nc ia d o
r es u ltad o .

Desta forma, o Estado de Necessidade não poderá incidir se o


agente que praticou a conduta lesiva tinha o dever legal, contratual ou
originou o perigo.

2.7.6 Inexigibilidade de conduta diversa

No ordenamento jurídico brasileiro a apreciação da


inexigibilidade de conduta diversa é feita sob o aspecto objetivo, haja vista
que é necessário que o sujeito faça uma confrontação entre os bens em
conflito, para delimitar qual deles deve preponderar.

Essa análise objetiva decorre do fato de que o Brasil adotou a


Teoria Unitária do Estado de Necessidade, sendo assim abrange apenas as
causas justificantes.

O que pode ocorrer é que em alguns casos não é exigível do


sujeito que ele deixe prevalecer um direito superior sobre o seu, contudo, est a
conduta não pode ser lícita, sendo apenas uma causa exculpante, e, portanto,
passível de exclusão de culpabilidade .

2.7.7 Consciência da situação de perigo:

Para configurar o Instituto é requisito que o sujeito tenha


consciência da situação de perigo, e mais que tenha o intuito de se proteger
27

em razão do perigo. Isto significa, que além de ter conhecimento do perig o, a


conduta do sujeito deve ter um elemento subjetivo, qual seja: a vontade de
salvaguarda de seu bem. Assim, assevera André de Oliveira Pires (2000, p.
53):

As s i m, co mo se i n fe re, ex i gir - s e -á d o a g e nt e q ue a co nd u ta l es i va
p r ati cad a te n ha sid o mo ti vad a p ela vo n tad e d e sa l vaç ão , p o i s ca so
co n tr ár io , me s mo q ue p res e nte s o s e le me nto s o b j e ti vo s d a
j us ti f ica ção , não se p o d erá fal ar e m e stad o d e ne ce ss id ad e. P o r
co n se g u i nt e, re sp o nd erá o a ge nt e p e lo d e li to p ra tic ad o .

Portanto, faz -se mister a presença tanto d os elementos objetivos


da conduta, como dos subjetivos da vontade do autor.

2.8 Excesso no Estado de Necessidade

Há determinadas situações onde o sujeito inicia sua conduta em


Estado de Necessidade, mas após cessado o perigo ainda prática atos que
lesionam o outro bem, e é nessas situações que se verifica a presença do
excesso.

O excesso, portanto, é a conduta que extrapola os limites


necessários para a cessação do perigo. E pode se dar de duas formas, dolosa e
culposa.

Na forma dolosa o excesso ocorre q uando o agente tem


consciência de que está extrapolando os limites de seu direito de defesa, da
causa de justificação. Leciona André de Oliveira Pires (2000, p. 60):

No ex ce s so d o lo so , o age n te ul trap a s sar á, co n sc ie n te me n te , o s


li mi te s d a c a us a d e j u st i fi c ação . Aq ui, o a ge n te te m co ns ci ê nci a d a
d es ne ce s sid ad e d a co nd ut a q ue p ra tic a ap ó s s u a at u ação l íc ita, i s to
é, o a ge n te s ab e q ue a s it u ação d e p er i go j á ce s so u, to d a vi a,
co n ti n u a at u a nd o le si v a me nt e, a go ra co m o in t ui to cri mi no so .
28

Dia n te d es s as cir c u n s tâ n c ia s, o a ge n te re s p o nd er á p e lo fa to
p r ati cad o e m e x ce sso a t ít ulo d e d o lo .

Também pode ocorrer o excesso quando o sujeito atua


culposamente. A culpa decorre do erro quanto aos pressupostos fáticos do
Estado de Necessidade, de modo que deve -se analisar se o erro era evitável ou
não. Assim explica André de Oliveira Pires (2000, p. 60), “[...] se evitável,
responderá o agente a título de culpa pela conduta excessiva praticada, desde
a mesma esteja prevista na modalidade culposa. Se inevitável, será o agente
isento de pena”.

Ainda há uma modalidade que é tratada pelos doutrinadores e que


não está inclusa no código, qual seja: excesso intensivo.

Esta modalidade decorre quando o sujeito impelido pelo medo,


susto e confusão causados pela ameaça tem uma conduta de magnitude
superior à necessária para a interrupção do perigo. Esta hipótese configura
uma causa exculpante, e, por conseguinte, causa de exclusão da culpabilidade.

CONCLUSÃO

Por fim, cabe dizer que a adoção da Teoria Unitária do Estado de


Necessidade por vezes acaba trazendo situações injustas, tendo em vista que a
sua adoção ocasiona certa insegurança, pois há casos em que o sujeito pode
vir a ser punido, mas de fato não há reprovabi lidade por parte da sociedade.
E, ainda, nem sempre quando verificada uma excludente supralegal de
29

culpabilidade têm os julgadores a aplicado com base na inexigibilidade de


conduta diversa.

Deste modo, é possível perceber que melhor seria a adoção da


teoria diferenciadora, tal como ocorre na Alemanha, haja vista que o Dir eito
se aproximaria mais de um ideal de justiça.

Também vale tratar acerca da questão da atualidade e da


iminência do perigo para a configuração do Instituto , sendo que não haveria
necessidade de risco atual, que seria amparada pela mera iminência, isto é,
não seria justo que o sujeito prevendo empiricamente a existência do risco
tivesse que esperar que o bem jurídico tutelado de fato estivesse em perigo
para somente então atuar.

Outro questionamento é concernente a involuntariedade de causar


o perigo, onde entendem que a culpa é causa que impede a configuração do
Estado de Necessidade, o que de fato ocorre, pois o agente age com dolo na
ação causal, isto é, o sujei to tem vontade praticar uma cond uta, e que
ocasiona resultado danoso que era previsível e evit ável.

Como já exposto, há determinadas condutas que não devem ser


penalmente punidas, haja vista que em certas circunstâncias não se deve
exigir do sujeito que ele tenha um comportamento conforme o Direito, e são
nestes casos, que pela teoria pátria adotad a, se deve aplicar a exclusão da
culpabilidade com base no princípio penal da inexigibilidade de conduta
diversa.

Portanto, conclui -se que a aplicação do Instituto tratado no


presente trabalho deve ser feita uma análise com o intuito de aliar o Direito
Positivo e a Justiça.
30

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Código penal (1940). Código penal, constituição federal, legislação penal. 16.
ed., rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

DEMONER, Waléria. Excludentes de Ilicitude Legais: o estado de necessidade e a legítima


defesa à luz da origem da situação de perigo e à agressão. JurisWay.
<http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=6864>. Acesso em 18. fev. 2012.

FONTES, Luciano da Silva. Culpabilidade: pressuposto da pena ou característica do crime?.


Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 271, 4 abr. 2004. Disponível em:
<http://jus.com.br/revista/texto/5047>. Acesso em: 17 fev. 2012.

FRANK, Reinhard. Sobre la estructura del concepto de culpabilidad. Buenos Aires:


JulioCésar Faira Ed., 2002/2004. (Maestros del derecho penal; 1)

FREUDENTHAL, Berthold. Culpabilidad y reproche en el derecho penal. Montevideo: B


de F, Buenos Aires: Julio César Faira Ed., 2003. 100 p. (Maestros del derecho penal; 11)

GOLDSCHMIDT, James Paul. La concepción normativa de la culpabilidad. 2. ed.


Montevideo: B de F, 2002. (Maestros del derecho penal;7)

INELLAS, Gabriel Cesar Zaccaria de. Da exclusão de ilicitude: estado de necessidade,


legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal, exercício regular de direito. São Paulo:
Ed. Juarez de Oliveira, 2001.

NAHUM, Marco Antonio R. Inexigibilidade de conduta diversa: causa supralegal,


excludente de culpabilidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

MUÑOZ CONDE, Francisco. Teoria geral do delito. Porto Alegre: Fabris, 1988.

MUNHOZ NETTO, Alcides. A ignorância da antijuridicidade em matéria penal. Rio de


Janeiro: Forense, 1978. 193p

PARENTONI, Roberto Bartolomeu. Estado de necessidade. Artigos.com. Disponível em:


<http://www.artigos.com/artigos/sociais/direito/estado-de-necessidade-1669/artigo/>. Acesso
em 18 fev. 2012.
31

PEREIRA, Grazielle Zampoli. Furto famélico : estado de necessidade ou inexigibilidade de


conduta diversa supralegal?. Presidente Prudente, 2005. Monografia (Graduação) -
Faculdades Integradas "Antônio Eufrásio de Toledo", Faculdade de Direito de Presidente
Prudente, 2005

PIRES, André de Oliveira. Estado de necessidade: um esboço à luz do art. 24 do código


penal brasileiro. São Paulo: Ed. Juarez de Oliveira, 2000.

ROXIN, Claus. La teoría del delito en la discusión actual. Lima: Grijley, 2007.

SANTOS, Priscila Maria Krodi dos; GOMES, Luís Roberto. Causas de exclusão da
tipicidade, ilicitude e culpabilidade nos crimes contra a fauna. Presidente Prudente, 2000..
Monografia (Graduação) - Associação Educacional Toledo, 2000

TAVARES, Heloisa Gaspar Martins. Estado de necessidade como excludente de


culpabilidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 508, 27 nov. 2004. Disponível em:
<http://jus.com.br/revista/texto/5959>. Acesso em: 18 fev. 2012.

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal: de acordo com a lei
n.7.209 de 11-07-1984 e a Constituição Federal de 1988. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994.

VELO, Joe Tennyson. O juízo de censura penal: o princípio da inexigibilidade de conduta


diversa e algumas tendências. Porto Alegre: Fabris, 1993.

YAROCHEWSKY, Leonardo Isaac. Da inexigibilidade de conduta diversa. Belo


Horizonte: Del Rey, 2000.

Você também pode gostar