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APOSTILA DE

HEMOTERAPIA

BIOMEDICINA – UNIP

Parte 1

Profa. Hellen Cintra de Paula


Goiânia, agosto de 2014
Parte 01
1. História da Hemoterapia

O sangue como dom de cura foi utilizado pelo homem já há muitos séculos. Os
Romanos, egípcios e antigos noruegueses acreditavam que se banhar ou beber sangue
seria importante na cura de doenças como elefantíase, epilepsia e escorbuto.
A primeira complicação referente ao uso de transfusões ocorreu em 1492. O
Papa Inocêncio VIII estava em coma, devido a uma doença renal crônica. Foi então
infundido o sangue de três meninos no pontífice agonizante (por via oral) por sugestão
de um médico. Entretanto, o Papa e os meninos morreram.
No século XVI, o médico britânico William Harvey foi o primeiro a descrever
apropriadamente a circulação sanguínea. No século seguinte, pesquisas mais
sofisticadas sobre transfusão de sangue começaram, com experimentos bem sucedidos,
envolvendo animais. As tentativas sucessivas com seres humanos, no entanto,
continuavam tendo resultados fatais. As primeiras transfusões de sangue foram
realizadas em animais no século XVII por Richard Lower, em Oxford, no ano de 1665.
Dois anos mais tarde, Jean Baptiste Denis, médico de Luis XIV, professor de
filosofia e matemática na cidade de Montpellier, através de um tubo de prata, infundiu
um copo de sangue de carneiro em Antoine Mauroy, de 34 anos, doente mental que
perambulava pelas ruas da cidade que faleceu após a terceira transfusão. Na época, as
transfusões eram heterólogas (entre espécies diferentes) e Denis defendia sua prática
argumentando que o sangue de animais estaria menos contaminado de vícios e paixões.
Esta prática considerada criminosa e proibida inicialmente pela Faculdade de Medicina
de Paris, posteriormente em Roma e na Royal Society, da Inglaterra.
A primeira transfusão com sangue humano é atribuída a James Blundell, obstetra
do Guy’s Hospital em Londres, em 1818. Blundell, que transfundiu mulheres com
hemorragias pós-parto, constatou a impossibilidade de transfusões entre diferentes
animais e postulou que somente sangue humano poderia ser utilizado em humanos.
No final do século XIX, problemas com a coagulação do sangue e reações
adversas continuavam a desafiar os cientistas. Em 1869, foram iniciadas tentativas para
se encontrar um anticoagulante atóxico, culminando com a recomendação pelo uso de
fosfato de sódio, por Braxton Hicks. Simultaneamente desenvolviam-se equipamentos
destinados à realização de transfusões indiretas, bem como técnicas cirúrgicas para
transfusões diretas, ficando esses procedimentos conhecidos como transfusões braço a
braço.
Em 1901, o imunologista austríaco Karl Landsteiner descreveu os principais
tipos de células vermelhas: A, B, O e mais tarde a AB. Como consequência dessa
descoberta, tornou-se possível estabelecer quais eram os tipos de células vermelhas
compatíveis e que não causariam reações desastrosas, culminado com a morte do
receptor.
A primeira transfusão precedida da realização de provas de compatibilidade, foi
realizada em 1907, por Reuben Ottenber, porém este procedimento só passou a ser
utilizado em larga escala a partir da Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
Em 1914, Hustin relatou o emprego de citrato de sódio e glicose como uma
solução diluente e anticoagulante para transfusões, e em 1915 Lewisohn determinou a
quantidade mínima necessária para a anticoagulação. Desta forma, tornavam-se mais
seguras e práticas as transfusões de sangue. Idealizado em Leningrado, em 1932, o
primeiro banco de sangue surgiu em Barcelona em 1936 durante a Guerra Civil
Espanhola.
Após quatro décadas da descoberta do sistema ABO, um outro fato revolucionou
a prática da medicina transfusional, a identificação do fator Rh, realizada por
Landsteiner. No século XX, o progresso das transfusões foi firmado através do
descobrimento dos grupos sanguíneos; do fator Rh; do emprego científico dos
anticoagulantes; do aperfeiçoamento sucessivo da aparelhagem de coleta e de aplicação
de sangue, e, do conhecimento mais rigoroso das indicações e contra indicações do uso
do sangue. Após a Segunda Guerra Mundial, com os progressos científicos e o
crescimento da demanda por transfusões de sangue, surgiram no Brasil os primeiros
Bancos de Sangue.

2. Conceitos imuno-hematológicos básicos


O termo imuno-hematologia refere-se ao estudo sorológico, genético,
bioquímico e molecular dos antígenos associados a estruturas da membrana nos
constituintes celulares do sangue, além das propriedades imunológicas e das reações de
todos os componentes e constituintes sanguíneos.
As descobertas fundamentais na área da imuno-hematologia tiveram papel
integral no desenvolvimento da medicina da transfusão, que representa um ramo da
patologia clínica que abrange a transfusão de sangue e seus componentes e derivados.
Nessa relação integrada, os imuno-hematologistas realizam uma variedade de exames
laboratoriais, avaliam e interpretam as reações observadas e promovem investigações
avançadas selecionadas para ajudar no estudo da patogênese, do diagnóstico, da
prevenção e do tratamento da imunização associada à transfusão, à gestação e ao
transplante de órgãos.
Muitas estruturas associadas à membrana das células sanguíneas e constituintes
do plasma podem ser definidas como antígenos por terem a capacidade de reagir com
um anticorpo complementar ou um receptor celular. Em sua maioria, esses antígenos
são também imunógenos, capazes de desencadear uma resposta imune mediada por
anticorpo se introduzidos como substância estranha em um hospedeiro responsivo.

3. Imunoglobulinas em resposta imune


As Imunoglobulinas, ou anticorpos, são moléculas específicas de proteína produzidas
em resposta à estimulação antigênica. São divididas em cinco grupos (IgG, IgM, IgA,
IgD e IgE) e apresentam estrutura e funções distintas (Tabela 1). Em geral, as
imunoglobulinas apresentam uma sequência polipeptídica comum, consistindo de duas
cadeias leves e duas pesadas, ligadas covalentemente por pontes dissulfídicas (Figura
1). As cadeias pesadas dividem-se em cinco grupos (γ,µ,α,δ e ε) e as leves em duas
(kappa e lambda). Três seguimentos distintos são observados nas cadeias leves: variável
(V), Junção (J) e constante (C) enquanto nas cadeias pesadas observa-se um outra –
diverso (D) – entre os seguimentos V e J. O tratamento com enzimas (papaína) ocasiona
a formação de dois fragmentos: Fc (fração constante) e Fab (fração que liga ao
antígeno) (Figura 2). As funções das imunoglobulinas dentro do sistema imune incluem
a ligação a antígenos, a ativação do sistema complemento e a fixação de receptores
celulares.

IgG
Formada por um monômero com duas cadeias pesadas (γ) e duas leves (κ ou λ).
Segundo diferenças do segmento C, dividem-se em: IgG1, IgG2, IgG3 e IgG4.
Atravessam a placenta e fixam o complemento (exceto IgG4). Formam os principais
anticorpos eritrocitários imunes (Rh, Kell, Duffy, Kidd). Também são responsáveis pela
maioria dos casos de anemias hemolíticas auto-imunes a quente.

IgM
Formada por um pentâmero que pode ser destruído por agentes redutores, como
o 2-mercaptoetanol. Apresenta grande capacidade de fixar complemento, mas não
atravessa a placenta. Forma a maioria dos anticorpos naturais (ABH, Lewis, I, P, MN) e
ocasiona anemias hemolíticas auto-imunes a frio.

IgA
Encontra-se no soro como monômero e nas secreções (saliva, colostro) como
dímero. Apresenta pouca importância imuno-hematológica, sendo descritos alguns
casos de anticorpos reativos a frio ou com especificidade para o sistema Rh. Indivíduos
deficientes em IgA sérica podem ser susceptíveis a reações anafiláticas por transfusões.

IgD
De função pouco conhecida e sem importância imuno-hematológica

IgE
Importante na formação de reações alérgicas, mas sem importância imuno-
hematológica.

A Resposta Imune
O desenvolvimento da resposta imune a antígenos eritrocitários é bem
conhecido. Após o estímulo inicial com um antígeno ausente no receptor, pode-se
observar após algumas semanas (duas a 12 em geral), o aparecimento de baixas
concentrações de IgM (resposta primária). Se não houver mais estímulos antigênicos,
ocorre uma queda gradual da produção do anticorpo; todavia, se houver um novo
estímulo, há uma rápida formação de IgG com altos títulos após dois a cinco dias
(resposta secundária). Este mecanismo apresenta grande importância na etiologia de
reações hemolíticas do tipo tardio.

4. Sistema ABO

Descoberto originalmente em 1900, o sistema ABO de grupo sanguíneo é o mais


importante para a seleção e a transfusão de sangue. Os antígenos deste grupo são
encontrados em muitos tecidos e líquidos corporais, inclusive hemácias, plaquetas e
células endoteliais.
O sistema ABO consiste em 3 antígenos, A, B e H e 4 fenótipos, A, B, AB e O.
Os antígenos A e B são codominantes autossômicos e expressam-se nos eritrócitos dos
grupos A, B e AB, respectivamente. Em contraste, o fenótipo do grupo O é autossômico
recessivo, refletindo ausência de um gene ABO funcional. Os indivíduos do grupo O
expressam o antígeno H, que é o precursor biossíntético dos antígenos A e B. Portanto,
o antígeno H, codificado a partir do gene H, sob ação do gene A, há a codificação da
enzima N-acetilgalactosaminiltransferase que adiciona um açúcar (N-
acetilgalactosamina) ao antígeno H convertendo-o em antígeno A. Da mesma forma
sob ação do gene B, há a codificação da enzima D-galactosiltransferase que adiciona
um açúcar (D-galactose) ao antígeno H convertendo-o em antígeno B. Desta forma
indivíduos do grupo AB possuem ambos genes ativos A e B, enquanto o grupo O não
possui nenhum dos genes A ou B, apresentando antígeno H sem conversão em suas
hemácias. Os raros indivíduos pertencentes ao fenótipo Bombay não apresentam a
capacidade de transformar a substância precursora H, A e B nas suas hemácias.

4.1 Subgrupos de A
Existem vários subgrupos do antígeno A; os mais importantes são: A1 (80%) e
A2 (19%). Embora o açúcar imunodominante seja o mesmo (N-acetilgalactosamina), é
possível que ocorram diferenças quantitativas a nível de transferases. A diferenciação
do subgrupo A1 pode ser feita mediante reação positiva com o uso de lectina anti-A1
(Dolichos biflorus).
4.2 Subgrupos de B
Embora não haja diferenciação de antígenos B1 e B2, raramente podem ocorrer
subgrupos de B. Não existem lectinas específicas para sua diferenciação.
4.3 Antígeno B adquirido
Pacientes do grupo A1 portadores de infecções por algumas bactérias ou câncer
podem apresentar (por ação enzimática bacteriana) a degradação do antígeno A em
galactosamina, comportando-se como se fosse AB. Bactérias como P. vulgaris ou E.
coli também podem produzir substâncias B-Like que são adsorvidas às hemácias,
originando o mesmo fenômeno.
4.4 Anticorpos
Os anticorpos do sistema ABO costumam ocorrer naturalmente. Embora não
estejam presentes ao nascimento, são detectados no soro após 3 a 6 meses de vida. É
provável que carboidratos presentes em bactérias e sementes possam estimular a
produção desses anticorpos. Indivíduos A ou B costumam produzir apenas IgM, ao
passo que O produzem IgM e IgG naturais. Os títulos de anti-A são maiores que anti-B.
Indivíduos de raça negra produzem mais anticorpos que os de raça branca. Anticorpos
imunes (IgG) ocorrem após transfusão de hemácias ou plasma incompatível, gestações,
vacinações ou infecções bacterianas. A distribuição de antígenos e anticorpos encontra-
se na Tabela 02.

Tabela 02. Principais antígenos e anticorpos do sistema ABO


Fenótipo Antígenos Anticorpos
A1 A1, A, H Anti-B
A2 A, H Anti-B e Anti-A1 (2%)
B B,H Anti-A
A1B A, A1, B, H -
A2B A, B, H Anti-A1(25%)
O H Anti-A, Anti-B
Bombay - Anti-A, Anti-B, Anti-H
4.5 Importância Clínica
Por serem potentes anticorpos naturais e fixadores de complemento, o sistema
ABO é o mais importante sistema a ser seguido em compatibilidades transfusionais.
Indivíduos Bombay apresentam um potente anti-H, além de anti-A e anti-B e só podem
ser transfundidos com hemácias Bombay.
O sistema ABO também pode ocasionar incompatibilidade materno-fetal, com
desenvolvimento da doença hemolítica perinatal (DHPN). Apresenta também
importância em transplantes renais ou cardíacos, com menor papel nos hepáticos ou de
medula óssea. Alterações quantitativas dos antígenos em células epiteliais em
neoplasias do cólon ou bexiga costumam se correlacionar com desenvolvimento de
metástases. A perda parcial de A ou B pode ocorrer em leucemias (especialmente
mielóide); a ocorrência desse fenômeno em anemias sideroblásticas geralmente indica
uma progressão para leucemias agudas.

5. Sistema Rh
Trata-se do segundo sistema eritrocitário em maior importância clínica e o
primeiro em complexidade, envolvendo cerca de 50 antígenos. A caracterização dos
antígenos do sistema Rh veio de estudos de Landsteiner e Wiener (1940), envolvendo a
imunização de cobaias e coelhos com eritrócitos de macacos Rhesus. O antissoro
resultante aglutinou 85% dos eritrócitos humanos e o antígeno definido foi denominado
fator Rh. Trata-se de uma proteína com importante papel na integridade da membrana
eritrocitária.
O termo Rh positivo refere-se à presença do antígeno D (Fisher-Race) ou Rho
(Wiener). Estão associados mais quatro outros antígenos (C, c, E, e); esses cinco
antígenos respondem por cerca de 98 a 99% dos casos clínicos ligados ao sistema Rh.
Embora C e c, E e e sejam antígenos contrários, não se conseguiu ainda identificar o
antígeno d (contrário ao D); aceita-se atualmente que as pessoas Rh negativas na
realidade apresentam ausência de D.
O principal antígeno do sistema é o antígeno D, devido ao seu alto grau de
imunogenicidade. Os indivíduos que o possuem são classificados com Rh positivos,
enquanto os Rh negativos não contêm o antígeno.

5.1 Conceito de Fisher-Race (CDE)


Com o objetivo de explicar a alta complexidade do sistema Rh, duas
nomenclaturas diferentes foram descritas: a teoria de Fisher-Race, de três loci (C, D, E),
os quais estão intimamente ligados e de Wiener (Rh-hr), que se refere à presença de
vários alelos em um único locus. A primeira nomenclatura (linguagem CDE) tem sido
utilizada de modo bastante amplo na interpretação da maioria das reações sorológicas e
na comunicação dos resultados. Sobre o conceito de Fishcer-Race foi sugerido que os
antígenos do sistema Rh fossem codificados por três genes distintos, porém muito
próximos um dos outros, que seriam transmitidos como um todo, comportando-se como
um haplótipo onde o crossing-over raramente ocorreria. Os genes antitéticos seriam D e
d, C e c; E e e. A combinação desses seis genes formaria oito combinações diferentes
(Tabela 3).
Tabela 03

5.2 Antígeno D
O antígeno D é codificado pelo gene RHD, em indivíduos Rh positivos, sendo
que na ausência do gene, não haverá a produção do respectivo antígeno. Já o gene
RHCE é o responsável pela codificação dos antígenos C ou c, juntamente com E ou e.
Há variações dentro do antígeno D, como o fenótipo Du (D fraco), onde antígeno tem a
sua expressão diminuída ou enfraquecida. Somente técnicas mais complexas, como
tratamento enzimático das hemácias e Teste de Coombs Indireto (descrito adiante) são
capazes de detectar o antígeno D fraco. Na prática transfusional, as hemácias Du devem
ser obrigatoriamente classificadas como Rh positivas.
Outra variação envolvendo o antígeno D é o D parcial. O antígeno D
normalmente se apresenta como um mosaico de nove subunidades ou epítopos (epD1 a
epD9). A maioria das hemácias Rh positivas apresentam todos esses epítopos
antigênicos. No entanto, em alguns dos indivíduos Rh positivos, há a falta de uma ou
outra dessas subunidades, o que leva à produção de anticorpos anti-D específicos contra
as subunidades ausentes. Desse modo, indivíduos com fenótipo D parcial devem
obrigatoriamente receber sangue Rh negativo. Como a identificação desses pacientes
por meio de técnicas sorológicas é difícil, os pacientes com antígeno D parcial são
identificados somente após terem sido aloimunizados, sendo que as técnicas de análise
molecular são mais eficientes na detecção do antígeno. As diferentes categorias de D
parcial são DII, DIII, DIV, DV, DVI, DVII, DFR, DBT e DHAR, que se diferenciam
umas das outras segundo a presença ou ausência de um ou mais epítopos antigênicos.
Existem ainda os raros fenótipos Rh null e Rh mod. No primeiro caso, ocorre a
ausência de expressão dos antígenos Rh na membrana das hemácias, enquanto nos
indivíduos Rh mod os antígenos do sistema são fracamente expressos na membrana dos
eritrócitos. Pessoas com fenótipo Rh null apresentam uma anemia crônica, cujo grau é
variável, juntamente com esferocitose, fragilidade osmótica anormal e elevação da
permeabilidade a cátions.
5.3 Anticorpos Rh
Praticamente todos os anticorpos anti-Rh ocorrem devido à estimulação imune
(aloimunização) por transfusão sanguínea ou por gestação, sendo as transfusões
sanguíneas a forma mais comum de sensibilização. Apesar disso, o anti-E, em alguns
casos, pode ocorrer naturalmente. Em sua maioria, os anticorpos do sistema pertencem à
classe IgG (IgG1 ou IgG3). No entanto, alguns anticorpos da classe IgM podem ocorrer
de modo transitório no início da aloimunização. Em torno de 80% dos indivíduos Rh
negativo que recebem transfusões de aproximadamente 200ml de sangue contendo o
antígeno D produzem anticorpos anti-D.
Aloimunização contra os antígenos E, e, C, c também são encontradas em
indivíduos politransfundidos, porém com menor frequência. Isso ocorre porque o
antígeno D é o que possui maior imunogenicidade (capacidade de desencadear uma
resposta imune). Os anticorpos Rh de maior frequencia, nos indivíduos aloimunizados,
em ordem decrescente, são: anti-D, anti-c, anti-E, anti-C e anti-e, com associações anti-
D + anti-C e anti-c + anti-E sendo frequentes.
A transfusão de sangue compatível para o antígeno D (além dos antígenos ABO)
já é uma prática habitual há muito tempo. Porém, há vários outros antígenos
eritrocitários, pertencentes a diversos sistemas sanguíneos.

5.4 DHRN
A doença hemolítica do recém-nascido (DHRN) decorre de sensibilização
materna contra antígenos eritrocitários fetais, herdados do pai (que estão ausentes na
mãe) com a produção de anticorpos IgG que atravessam a placenta e se fixam às
hemácias fetais com subsequente destruição. A DHRN costuma decorrer da
incompatibilidade dos antígenos Rh e ABO entre a mãe e o feto. Em raros casos, alguns
outros antígenos eritrocitários podem ser responsáveis por este distúrbio. A gravidade
clínica é variável, podendo causar desde um simples achado laboratorial (teste de
coombs direto positivo) até a morte fetal intra-uterina.
Na DHRN devido à incompatibilidade Rh, a sensibilização prévia é necessária
para iniciar o processo patológico. A sensibilização geralmente ocorre durante a
gestação quando eritrócitos fetais Rh (D) cruzam a placenta e entram na circulação
materna com células Rh-negativo. A sensibilização materna também pode ocorrer por
uma transfusão prévia incompatível. Em qualquer uma dessas circunstancias, anticorpos
maternos IgG são produzidos contra células fetais. Se ocorrer uma nova gestação em
uma mulher sensibilizada, os eritrócitos fetais novamente atingem a circulação materna
e reestimulam a resposta imune, resultando na transferência de anticorpo anti-Rh (D)
através da placenta e redução da sobrevida dos eritrócitos fetais.
Anticorpos contra antígenos Rh são uma das principais causas de DHRN. Todas
as mulheres Rh negativas devem receber imunoglobulina Rh (IgG anti-D)
profilaticamente no meio da gravidez, após um procedimento invasivo e imediatamente
após o parto, para prevenir que ocorro aloimunização.
No sistema ABO, anticorpos anti-A ou anti-B da classe IgG podem surgir
espontaneamente na mãe. Sua presença não exige a existência de uma transfusão ou
gestação prévia. Assim, o primeiro filho pode apresentar DHRN quando existir
incompatibilidade ABO, no entanto a doença é menos grave que a observada quando há
incompatibilidade Rh.
As características clínicas da DHRN, decorrentes da incompatibilidade Rh varia
enormemente. Alguns recém-nascidos apresentam apenas uma icterícia leve. Outros
apresentam inicialmente palidez acentuada e, a seguir, apresentam icterícia. Eles podem
apresentar hepatoesplenomegalia proeminente. A doença pode ser complicada por uma
diátese hemorrágica, desequilíbrios acidobásicos acentuados e kernicterus. Em casos
muito graves o paciente pode apresentar hidropsia fetal.

5.5 Teste de coombs ou teste de anticorpos incompletos


O teste de Coombs (ou anticorpos incompletos) foi introduzido por meio de um
estudo sobre anemias hemolíticas em 1945, com a finalidade de detectar tanto
autoanticorpos quanto aloanticorpos antieritrocitários.
Quando um soro contendo anticorpos da classe IgG é colocado em contato com
hemácias que contêm o antígeno correspondente, estas retêm as moléculas de IgG em
sua superfície, tornando-se sensibilizadas. Juntando-se um soro anti-IgG a essas
hemácias recobertas por esse tipo de imunoglobulina, elas se aglutinam. O soro anti-
IgG, também conhecido como soro de Coombs, é obtido de coelhos sensibilizados com
soro humano total ou frações protéicas.
O fenômeno descrito é a base do Teste ou Reação de Coombs, que é utilizada,
por exemplo, para pesquisar a existência de anticorpos que circulam em gestantes
sensibilizadas, em indivíduos aloimunizados contra diferentes antígenos eritrocitários,
em pacientes com Anemia Hemolítica Autoimune (AHAI) ou ainda em recém-nascidos
cujas hemácias possam estar sensibilizadas por anticorpos originários de suas mães.
Quando são pesquisados anticorpos fixados diretamente à hemácia, o teste é
denominado Coombs Direto. E no caso de pesquisa de anticorpos no soro, temos a
Reação de Coombs Indireta, onde o soro do paciente é incubado com eritrócitos
normais, os quais são posteriormente são lavados e, por fim, testados com o soro de
Coombs. Na figura 3, são demonstrados os testes de Coombs Direto e Indireto.
O Teste de Coombs permitiu uma importante melhora na segurança
transfusional e possibilitou a descoberta de diversos antígenos eritrocitários.
6. Outros grupos sanguíneos

6.1 Sistema Lewis


Os antígenos desse sistema não são especificamente eritrocitários, mas
produzidos no trato gastrintestinal e liberados como antígenos solúveis no plasma (e
outros fluidos) onde são posteriormente adsorvidos à membrana eritrocitária. Os tecidos
e líquidos que expressam Lewis incluem plasma, saliva, eritrócitos, plaquetas,
linfócitos, endotélio, uroepitélio e mucosa intestinal.
Obsevam-se 3 fenótipos Lewis em adultos, o Le (a+b-), o Le (a-b+) e o Le (a-b-
). O fenótipo Le (a+b+) só é observado raramente. A quantidade do antígeno Lewis nos
eritrócitos é influenciada pela idade e também pelo tipo ABO.
Os antígenos do sistema Lewis não são detectados ao nascimento [Fenótipo (a-b-
)], mas somente dois a três meses de idade. Sob a ação do gene Le, codifica-se uma
enzima (flucosiltransferase) que adiciona a L-flucose ao açúcar subterminal da cadeia
precursora do Tipo 1, resultando o antígeno Lea, convertendo-o em Leb [fenótipo Le(a-
b+)]. Os indivíduos portadores do alelo le em homozigose (lele) não formam o antígeno
Lea e são fenotipicamente Le(a-b-). Outros 4 antígenos (Leab, LebH, ALeb, BLeb)
refletem a influência do sistema ABO na síntese e na antigenicidade do Lewis.
Os anticorpos do sistema Lewis costumam ser naturais (IgM), por esse motivo
não ultrapassam a barreira placentária e não causam DHRN. Embora tais anticorpos
fixem complemento, raramente são ativos a 37º e não costumam causar hemólise, não
tendo, portanto, importância clínica. Como os antígenos Lea e Le b são
glicoesfingolipídeos, a reatividade do anticorpo pode ser acentuada pelo tratamento
prévio dos eritrócitos com enzimas. A reatividade do anticorpo é neutralizada pelo
acréscimo da substância Lewis solúvel disponível no comércio ou de plasma contendo o
antígeno Lewis solúvel de interesse.

6.2 Sistema P
O sistema P foi descoberto por Landsteiner e Levine em 1927, que injetaram
hemácias humanas em coelhos e isolaram, posteriormente, um anticorpo classificado
como anti-P. Em 1951, Levine e Cols descreveram o anticorpo atualmente denominado
anti-P P1 Pk, que por sua vez reagia contra um antígeno de alta frequência encontrado
em pessoas P+ e P-. Esses indivíduos passaram a ser denominados P nulo. Desse modo,
os antígenos do sistema foram reclassificados da seguinte forma: o fenótipo P+ tornou-
se P1; o P- tornou-se P2 e o P nulo passou a ser p.
Nesse sistema, cinco fenótipos são definidos por três antígenos (P1, P e Pk), os
quais são reconhecidos por anticorpos naturais (Tabela 4).

Indivíduos dos fenótipos P1 e P2 possuem uma pequena quantidade do antígeno


Pk em suas hemácias. Portanto, não produzem anti-Pk. Já os indivíduos com fenótipo p
(silencioso) desenvolvem os anticorpos anti-P, anti-P1 e anti-Pk (anti-PP1Pk), por não
possuírem nenhum dos antígenos (P1, P e Pk). Indivíduos com o raro fenótipo p
produzem o anticorpo anti-PP1Pk, reativo a 37ºC e hemolítico; mulheres com esse
fenótipo costumam apresentar abortos espontâneos no primeiro trimestre da gestação.
O anticorpo anti-P1 é provavelmente o anticorpo natural mais comum fora do
sistema ABO, sendo da classe IgM e ocorrendo em baixos títulos. Na maioria dos casos,
não tem importância transfusional. Porém, quando há infestações por vermes, pode
reagir a 37ºC, apresentando caráter hemolítico. O anti-P é encontrado em todos os
indivíduos dos fenótipos p e Pk e possui amplitude térmica, ou seja, pode reagir a
temperatura ambiente e a 37ºC, tendo atividade hemolítica e apresentando, portanto, um
alto risco em transfusões.
6.3 Sistema MNS
Após o sistema Rh, o sistema MNS é o segundo mais complexo, contendo 40
antígenos associados, porém apenas cinco são os mais importantes: M, N, S, s e U. Os
antígenos M e N foram descobertos por Landsteiner e Levine, em 1927, a partir da
imunização de coelhos com hemácias humanas. O antígeno S foi descrito em 1947 e o s
em 1951. Wiener, em 1953, relatou a existência do antígeno U, o qual acabou sendo
incluído no sistema, já que foi observado que todas as hemácias U negativas também
eram S e s negativas.
Análises Bioquímicas mostraram a presença de duas glicoproteínas definindo os
antígenos M e N (glicoforina A) e os antígenos SsU (glicoforina B). A genética do
sistema MNS é muito complexa, sendo que MN e Ds são pseudo-alelos que se
combinam, formando quatro haplotipos (MS, Ms, NS, Ns). Os genes M e N são
antitéticos, ou seja, um indivíduo pode apresentar M, N ou ambos. O mesmo fenômeno
ocorre com S e s.
Os anticorpos anti-M e anti-N costumam ser naturais, da classe IgM, reagindo a
4ºC. Portanto, não possuem importância clínica, na maioria dos casos. Porém, há relatos
de reações transfusionais causadas por anti-M reativos a 37ºC. Desse modo, alguns anti-
M que reagem a 37ºC ou na fase da antiglobulina humana, nas provas de
compatibilidade, devem ser considerados como anticorpos de significância clínica.
Alguns anti-N imunes já foram encontrados em reações hemolíticas tardias. Além disso,
casos de DHRN e casos graves de doença hemolítica perinatal por anticorpos anti-M da
classe IgG, também foram relatados.
Os anticorpos anti-S, anti-s e anti-U normalmente possuem significância clínica,
por serem da classe IgG e imunes. Podem causar reações hemolíticas ou DHRN.
Apresentam temperatura ótima de reação a 37ºC, sendo mais bem detectados nos testes
que utilizam a antiglobulina humana. Em indivíduos que produzem anti-U, as unidades
compatíveis são raramente identificadas, pois não há doadores U negativos na raça
branca e apenas 1% dos negros não contém o antígeno.

6.4 Sistema Ii
Contém 2 antígenos relacionados em termos biossintéticos, o I e o i. Precursor
biosintético do antígeno I, o antígeno i encontra-se nas células do cordão umbilical, por
causa de atrasos do desenvolvimento na enzima responsável pela síntese do antígeno I.
Por volta dos 18 meses de idade, i diminui e I aumenta para os níveis observados nos
eritrócitos adultos. Apenas num raro número de casos não se observa a conversão do
fenótipo i para I. Os antígenos Ii não são específicos das hemácias, podendo ser
encontrados no plasma, saliva, urina, líquido amniótico, leite humano e em cistos
ovarianos ou hidáticos.
Os anticorpos anti-I e anti-i são do tipo IgM e reativos à temperatura ambiente.
Autoanticorpos para o I são relativamente comuns e em geral são aglutininas frias de
baixo título. Algum anti-I pode ter especificidade IH, reagindo mais fortemente com
eritrócitos dos grupos O e A2. Embora geralmente benigna, observa-se hemólise
secundária a altos títulos de anti-I na anemia hemolítica autoimune fria (CAD). A CAD
pode ocorrer no contexto de malignidade e infecção, em particular por Mycoplasma
pneumonie. Esses anticorpos exibem uma grande amplitude térmica, em geral
aglutinando eritrócitos a temperaturas de 30 a 34°C. Em contraste o aloanti-I é
relativamente raro, sendo encontrado como um anticorpo de ocorrência natural em
adultos com fenótipo iadulto. O anti-i também é incomum, mas foi relatado na
mononucleose infecciosa e na cirrose alcoólica.

6.5 Sistema Kell


Identificado em 1945, também compõe um complexo sistema, com 24 antígenos
descritos, de alta e baixa frequência. Do ponto de vista prático, há três principais grupos
de alelos antitéticos (com comportamento co-dominante). O antígeno kell é concentrado
nos eritrócitos, nas células progenitoras das séries eritroides e nos megacariócitos, do
músculo esquelético e dos testículos. Os eritrócitos expressam aproximadamente de
2000 a 6000 cópias da proteína Kell por célula.
Os antígenos do sistema Kell são expressos principalmente na membrana das
hemácias, mas também podem ser encontrados no cérebro, coração, órgãos linfóides,
músculo esquelético, testículos, pâncreas e células progenitoras mielóides. Tais
antígenos podem apresentar pares opostos ou serem independentes, os quais não
possuem pares conhecidos. Os antígenos com pares conhecidos são K (K1) e k (K2);
Kpa (K3), Kpb (K4) e Kpc (K21); Jsa (K6) e Jsb (K7); K11 e K17; K24 e K14. Já os
antígenos cujos pares não são conhecidos são denominados para-Kell. Há ainda o
antígeno Kx, que também tem sido estudado em conjunto com o sistema Kell, apesar de
não ser considerado oficialmente um membro do sistema.
K0K0 é um fenótipo nulo verdadeiro, autossômico recessivo e completamente
ausente de todos os antígenos Kell. Em consequência esses indivíduos podem elaborar
um aloanticorpo para proteína Kell (anti-Ku). Esses indivíduos têm expressão acentuada
de antígeno Kx, presente na proteína KX. Há uma diminuição significativa ou ausência
dos antígenos Kell nos eritrócitos McLeod, um fenótipo recessivo ligado ao X que se
caracteriza pela ausência da proteína KX nos eritrócitos, acantócitos e distúrbios
neuromusculares. Esses indivíduos podem formar anloanticorpos para XK e Kell.
Assim esses indivíduos são incompatíveis tanto com eritrócitos Kell positivo quanto
K0K0. Foi relatada depressão transitória dos antígenos Kell em pacientes sépticos e
anemia hemolítica autoimune devida a autoanticorpos anti-Kell.
Os aloanticorpos contra antígenos no grupo sanguíneo Kell têm significado
clínico. Eles podem estar associados a reações hemolíticas transfusionais imen=diatas e
tardias. Os anticorpos anti-Kell também estão associados à DHRN. A DHRN secundária
a anticorpos anti-kell maternos em geral caracteriza-se por reticulopenia, com pouca ou
nenhuma bilirrubina. Atualmente, sabe-se que o anti-kell materno (anti-KEL1) suprime
diretamente os progenitores eritroides, ocasionando uma anemia reticulopênica
neonatal, decorrente da supressão de megacariócitos na medula óssea pelo anti-KEL1.
O anticorpo encontrado mais comumente contra o grupo sanguíneo kell é o anti-
KEL1, que em termos de imunogenicidade, perde apenas para o Rh D. Os anticorpos
contra antígenos Kell são do isotipo IgG, surgindo da estimunlação imune via
transfusão ou gravidez, embora sejam conhecidos como aloanticorpos de ocorrência
natural. Como os antígenos Kell são sensíveis aos agentes redutores de sulfidrila, a
atividade dos anticorpos anti-kell pode ser elimindada mediante ao tratamento prévio
dos eritrócitos com 2-ME por exemplo.
6.6 Sistema Duffy
O sistema Duffy tem sido alvo de pesquisas, devido a sua importância
fisiológica e transfusional. Sua descrição ocorreu graças à descoberta do anticorpo anti-
Fya (anti-Duffy a) em 1950, por Cutbush e colaboradores, que encontraram uma
aglutinina no soro de um indivíduo hemofílico politransfundido. O anticorpo recebeu o
nome em homenagem ao paciente em questão (Sr. Duffy). Tal anticorpo reagiu com
64,9% de 205 amostras sanguíneas testadas, provenientes de indivíduos não aparentados
na população inglesa. No ano seguinte (1951), Ikin e colaboradores descreveram o
anticorpo anti-Fyb (anti-Duffy b). E em 1955, Sanger e colaboradores observaram que o
fenótipo Fy (a-b-) era o mais frequente em afroamericanos, representando
provavelmente um produto de alelo silencioso (FY).
Os antígenos desse sistema atuam como receptores de merozoítas do
Plasmodium vivax e Plasmodium knowlesi, responsáveis pela malária no homem e
também em primatas, observando-se que os eritrócitos Fy (a-b-), ou Fy nulo, eram
resistentes à invasão por P. knowlesi cultivados in vitro, proporcionando uma vantagem
seletiva para as populações que vivem em áreas onde a malária é endêmica, o que
provavelmente explica a prevalência do fenótipo Fy nula em pessoas negras.
Posteriormente, outros antígenos foram descritos dentro do sistema, além de Fya
e Fyb, como Fy3, Fy4, Fy5 e Fy6, graças à descoberta dos respectivos anticorpos. Na
prática transfusional, Fya e Fyb são considerados os principais antígenos do sistema,
encontrando-se desenvolvidos ao nascimento e sendo detectados em embriões com seis
a sete semanas de gestação.
A imunogenicidade dos antígenos Duffy é moderada e os anticorpos dificilmente
são detectados, por baixarem seus títulos rapidamente. Contudo, esses anticorpos
normalmente provocam reações hemolíticas pós-transfusionais severas, imediatas e,
com maior frequência, tardias, podendo também levar à DHRN.
O anticorpo anti-Fya possui uma frequência aproximadamente três vezes inferior
a do anti-K. Já o anti-Fyb é cerca de 20 vezes menos frequente na população do que o
anti-Fya, ocorrendo geralmente associado a outros anticorpos. O anti-Fya, que em geral
não é raro na população, também pode ocorrer em associação com outros anticorpos. De
acordo com alguns estudos, verificou-se que o anticorpo, na maioria das vezes, é do tipo
IgG1 e que 50% deles possuem capacidade de fixação do sistema complemento. O
mesmo ocorre com o anti-Fyb. O anti-Fya já foi descrito como causador de reações
hemolíticas imediatas e tardias e de vários casos de doença hemolítica perinatal
moderada ou até mesmo fatal. E há relatos de anti-Fyb envolvido em reação
transfusional hemolítica fatal, reação transfusional tardia, doença hemolítica perinatal e
anemia hemolítica autoimune.

6.7 Sistema Kidd


Os antígenos pertencentes a esse sistema foram descobertos entre 1951 e 1953,
sendo Jka (Kidd a) e Jkb (Kidd b) os principais. Ao contrário dos antígenos de outros
sistemas, são exclusivamente eritrocitários, não sendo encontrados em nenhum outro
tecido. Assim como os antígenos Duffy, os antígenos Kidd possuem moderada
imunogenicidade.
Em 1951, um novo anticorpo havia sido detectado no soro de uma mulher cujo
filho desenvolveu DHRN. As denominações Kidd e Jk surgiram, respectivamente, do
nome da mãe e das iniciais da criança. Dois anos após, em 1953, foi identificado o
anticorpo anti-Jkb, em uma paciente que desenvolveu reação hemolítica pós-
transfusional.
Como no sistema Duffy, os anticorpos anti-Jka (anti-Kidd a) e anti-Jkb (anti-
Kidd b) normalmente não se encontram em altos títulos, tendendo a diminuir sua
concentração com grande facilidade. Por esses motivos, também são dificilmente
detectados. Além disso, na maioria dos casos, surgem associados a outros anticorpos.
Entretanto, possuem grande importância clínica, podendo causar reações hemolíticas
pós-transfusionais e DHRN. A DHRN, no sistema Kidd, é pouco frequente e não muito
severa.
O anti-Jka possui maior frequência na população do que o anti-Jkb.
Normalmente, são anticorpos imunes, da classe IgG, podendo ocorrer associações de
IgG e IgM. Possuem alta capacidade de fixação do sistema complemento, induzindo
hemólise in vivo e in vitro e apresentando uma resposta rápida e intensa, além de
estarem envolvidos em um terço de todos os casos de reações hemolíticas transfusionais
tardias, as quais são geralmente graves. Quando um paciente desenvolve algum
anticorpo Kidd, a localização de unidades compatíveis não é difícil, já que cerca de 25%
dos doadores caucasianos são negativos para cada antígeno. No entanto, como os
anticorpos desse sistema normalmente surgem associados a outros anticorpos, encontrar
bolsas compatíveis, em geral, não é uma tarefa fácil. Há ainda no sistema Kidd o
aloanticorpo anti-Jk3, o qual é produzido apenas por indivíduos Jk (a- b-) e pode ser
encontrado de forma isolada ou associado a anti-Jka e/ou anti-Jkb.

7. Sistema HLA (MHC Humano)


Trata-se de um complexo sistema antigênico, de alto grau de polimorfismo e
composto por múltiplos genes, com grande importância na imunologia de transplantes e
na elaboração da resposta imune. A tarefa de apresentar antígenos associados a células
do hospedeiro para seu reconhecimento por células T CD4+ e CD8+ é desempenhada
por proteínas especializadas, denominadas moléculas do complexo principal de
histocompatibilidade (MHC) também chamadas de antígeno linfocitário humano
(HLA). Seus genes estão divididos em classe I (HLA-A, HLA-B e HLA-C), classe II
(D, DR, DP e DQ) e “classe III” (componentes do sistema complemento: C4, Fator B,
C2; citocinas).
As moléculas de HLA de classe I e de classe II codificadas dentro do complexo
principal de histocompatibilidade desempenham um papel significativo na
especificidade e na natureza das respostas imunes. O extenso polimorfismo dessas
moléculas produz a diversidade necessária para garantir a sobrevida em um ambiente de
patógenos hostis e adaptativos. Infelizmente, essa capacidade do sistema imune em
distinguir antígenos próprios de não-próprios estende-se para o reconhecimento de
moléculas de HLA estranhas após transplante de tecido.
A definição e caracterização de alelos e moléculas HLA são combinadas com
protocolos clínicos para maximizar a compatibilidade e minimizar o impacto exercido
pela resposta imune sobre o tecido estranho. Esses avanços têm contribuído para o
desenvolvimento de transplante como uma modalidade terapêutica bem-sucedida na
substituição do tecido enfermo.
7.1 Importância Clínica do Sistema HLA
Devido ao seu extremo polimorfismo, o sistema HLA é um importante elemento
no estudo de genéticas populacionais, de movimentos migratórios antropológicos ou de
testes de exclusão de paternidade.
A presença de aloimunização a antígenos HLA em receptores de sangue
ocasiona o aparecimento de reações febris não-hemolíticas ou quadros de refratariedade
plaquetária. O manuseio do primeiro caso é feito mediante o uso de produtos
sanguíneos pobres em leucócitos; para o controle da refratariedade plaquetária pós
transfusional torna-se necessária a seleção de doadores por esse sistema. A presença de
anticorpos HLA no plasma de doadores poderá desencadear a instalação de um edema
pulmonar não-cardiogênico no receptor.
Devido ao seu importante papel na modulação da resposta imune (por inter-
relação entre linfócitos T e antígenos classe I e II) o sistema HLA é fundamental para
seleção de doadores em transplante de órgãos (particularmente rim e medula óssea).
Por um mecanismo ainda não bem esclarecido, alguns antígenos estão
associados a determinadas patologias, sendo a associação HLA B27 e espondilite
anquilosante a mais conhecida. Outras associações frequentes são diabetes mellitus tipo
I (DR3/DR4), narcolepsia (DR2), artrite reumatoide (DR4) e síndrome de Reiter (B27).
A deleção de alguns genes de classe III leva a algumas doenças congênitas,
como a deficiência de C2 e C4 e da 21-hidroxilase (hiperplasia adrenal congênita).
Ainda que o MHC seja a região do genoma mais intensivamente estudada, nem todos os
genes expressos junto ao MHC foram identificados. É provável que alguns genes de
MHC não identificados, sejam determinantes de suscetibilidade a certas doenças
associadas ao HLA.

7.2 Classificação
Os antígenos de classe I (locus A, B, C) estão presentes em todas as células
nucleadas do organismo e apresentam uma expressão limitada em plaquetas (que só
contêm os loci A e B). Não estão presentes nas hemácias normais, porém, ainda são
detectadas nos eritroblastos e reticulócitos, representando atividade antigênica residual
correspondente aos antígenos eritrocitários: Bga (B7), Bgb (B17) e Bgc (A28).
Apresentam importante função na mediação e modulação da resposta imune, o
mecanismo de rejeição de órgãos transplantados e na eliminação de células infectadas
por alguns vírus.
Os antígenos de classe II (locus D, DR, DR e DP) apresentam uma distribuição
tissular limitada e restringem-se apenas a linfócitos B, células T ativadas, células
fagocíticas, algumas células endoteliais e nas células da ilhotas de Langerhans. Também
apresentam participação na elaboração da resposta imune a antígenos estranhos
(tissulares, bacterianos ou virais).
A detecção dos antígenos dos loci A, B , C, DR e DQ é feita mediante testes
sorológicos e moleculares. Os antígenos D e DP (Classe II) são detectados por reações
celulares (cultura mista linfocitária) ou por técnicas mais sofisticadas imunoquímicas ou
por tipagem molecular.
7.3 Bioquímica
Os antígenos da classe I são formados por uma cadeia pesada de polipeptídio
glicosilado transmembrana de 44kDa a 47kDa (cadeia α), contendo três domínios (α1,
α2 e α3) associado de forma covalente com β2-microglobulina (12kDa). Os domínios α1
e α2 apresentam uma sequencia variável de aminoácidos (que justificam o alto
polimorfismo) e compõem os sítios antigênicos, reconhecidos por técnicas sorológicas.
O domínio α3 apresenta uma sequencia constante homóloga à região constante das
imunoglobulinas e assim como a β2-microglobulina não apresentam importância nas
variações antigênicas (figura 4).

Os antígenos da classe II são formados por duas cadeias glicoproteicas α


(33kDa) e β (28kDa), codificados pelos genes da região D. Cada cadeia apresenta dois
domínios (α1, α2, β1 e β2), sendo que α1 e α2 são constantes e apresentam homologia
com a região constante das imunoglobulinas (Figura 5).
7.3 Genética
Os genes que codificam os antígenos do sistema HLA estão situados no braço
curto do cromossomo 6, na região p.21.3. O lócus do MHC contém dois tipos de genes
do MHC polimórficos, os genes do MHC de classe I e de classe II, que codificam dois
grupos de proteínas estruturalmente distintas, porém homólogas, e outros genes não
polimórficos, cujos produtos estão envolvidos na apresentação de antígeno. As
moléculas do MHCde classe I apresentam peptídeos e são reconhecidas pelas células
TCD8+, enquanto as moléculas de MHC de classe II apresentam peptídeos às células T
CD4+; cada um desses tipos de células T desempenha diferentes funções na proteção
contra microorganismos.
Os genes do MHC são expressos de forma codominante, em outras palavras,
para um determinado gene do MHC, cada indivíduo expressa os alelos de cada um dos
pais. Os genes de MHC de classes I e II são os genes mais polimórficos presentes no
genoma. O número total de alelos HLA é estimado em 3500. Logo, a probabilidade de
se encontrar irmãos idênticos (desde que não sejam univitelinos) será de 1 em 4, visto
que cada indivíduo apresenta 2 haplótipos. Por outro lado, a possibilidade de se
encontrar pessoas não relacionadas que sejam haplotipicamente idênticas é muito baixa;
devido ao extremo polimorfismo do sistema HLA. Esses aspectos são muito
importantes para a identificação de doadores de órgãos, pois traduzem uma certa
individualidade biológica.
Existem três genes HLA de classe I, denominados HLA-A, HLA-B e HLA-C, que
codificam 3 moléculas do MHC da classe I com os mesmos nomes. Existem 3 loci de
genes HLA de classe I, denominados DP, DQ e DR. Cada molécula do MHC de classe
II é composta de um heterodímero de polipeptídeos α e β, e os loci DP, DQ e DR
contêm, cada um deles, genes separados denominados A ou B, que codificam as cadeias
α e β, respectivamente. Mais recentemente, foram utilizados métodos de
sequenciamento do DNA para definir com mais precisão os genes do MHC e suas
diferenças entre indivíduos. A figura 6 mostra um mapa molecular do MHC humano.
A nomenclatura do lócus HLA leva em consideração o enorme polimorfismo
(variação entre indivíduos) identificado por métodos sorológicos e moleculares. Por
conseguinte, com base na moderna tipagem molecular, os alelos individuais podem ser
denominados HLA-A*0201, referindo-se ao subtipo 01 do HLA-A2 ou HLA-
DRB1*0401, referindo-se ao subtipo 01 do alelo DR4 no gene B1, e assim por diante.
O conjunto de alelos do MHC presente em cada cromossomo é denominado
haplótipo MHC. Por exemplo, um indivíduo pode ser HLA-A2, HLA-B5, HLA-DR3 e
assim por diante. Naturalmente todos os indivíduos heterozigotos possuem dois
haplótipos HLA.
Figura 6: Mapa do MHC humano (HLA)

Os genes localizados dentro do lócus do MHC humano estão ilustrados. Além


dos genes do MHC de classe I e II, os genes HLA-E, HLA-F e HLA-G e os genes MIC
codificam moléculas semelhantes à classe I, muitas das quais são reconhecidas pelas
células NK; os genes C4, C2 e fator B codificam proteínas do complemento; tapasina,
DM, DO, TAP e o proteassoma codificam proteínas envolvidas no processamento do
antígeno; LTα, LTβ e TNF codificam citocinas. Muitos pseudogenes e genes, cujos
papéis nas respostas imunes ainda não estão estabelecidos, estão localizados no
complexo HLA, porém não estão ilustrados na figura 6.

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