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Já decorreram mais de 6000 anos desde que o Homem procura explicar as causas das doenças.
Para que se passasse das sobrenaturais explicações da doença para descobertas como as
relacionadas com os telómeros e a enzima telomerase, a Medicina teve de definir a sua unidade,
a célula, para atingir esta fase mais racional e científica, tal como o haviam feito a Química
(molécula) e a Física (átomo).
A teoria celular para as causas das doenças foi enunciada por Virchow, que escreveu um tratado
de patologia celular, atribuindo então às alterações finas que ocorrem nas células, as disfunções
e a génese das doenças.
Nesta altura do séc. IX, para a explicação das doenças, predominavam as correntes anatómica,
fundada na teoria de Virchow, e fisiológica, que defendia que os morfologistas observavam
apenas o produto final e que seriam necessários fundamentos na área da fisiologia para se
perceber ao certo como se geravam as doenças. Para isso muito contribuiu Claude Bernard, que
aplicou o método experimental à Fisiologia e à Medicina, introduzindo os conceitos de meio
interior – líquido em que se encontram envolvidas todas as células – e de estabilidade do meio
interior – algo essencial para regular o
funcionamento das células, dos órgãos, do
organismo na sua relação consigo próprio e
com o meio que o rodeia, no sentido de
garantir um estado de saúde. Essa estabilidade,
não sendo imutável, representa um equilíbrio
que pode ser alterado quer por alterações do
próprio organismo, quer pela relação com o
meio exterior. A este conceito junta-se outro
introduzido por Cannon (fisiologista
americano): o de homeostase – condição de
estabilidade do meio interior e ao conjunto de
todos os mecanismos que podem atuar de uma
forma coordenada, no sentido de repor o
equilíbrio perdido. Portanto, existe uma
condição de equilíbrio e existem agressões que podem provocar alterações/lesões, sendo que a
alteração do meio interior pode ser quantitativamente ou qualitativamente tão acentuada que
se localize numa rampa de irreversibilidade que conduz inevitavelmente à morte. No entanto,
se tal não acontecer, nós possuímos mecanismos homeostáticos de autorregulação que são
capazes de repor o equilíbrio perdido. Naturalmente, estes conceitos têm
uma ligação com os conceitos da sobrevivência do mais forte de Darwin:
quanto mais eficazes forem estes mecanismos homeostáticos, maior a
probabilidade de sobrevivência.
Pode-se distinguir a Fisiopatologia da Patofisiologia, uma vez que esta última se dedica ao
estudo dos efeitos produzidos pelos processos patológicos nas atividades fisiológicas normais.
Foi Herrick o primeiro investigador a chamar a atenção para esta doença, ao observar numa
jovem estudante jamaicana com um quadro de anemia grave a forma peculiar dos seus glóbulos
vermelhos. Não sabia o seu significado, nem se essa alteração era primária ou secundária, mas
resolveu publicar numa revista conceituada o relato do caso com uma fotografia da forma em
foice dos glóbulos vermelhos, dado que ainda não havia sido descrito na literatura. Ao fim de
algum tempo verificou-se que os doentes que apresentavam glóbulos vermelhos com aquela
forma tinham quadros clínicos muito diversos, com manifestações clínicas muito variadas:
Como relacionar uma única alteração num aa das cadeias beta da Hb com o conjunto tão
complexo e diversificado de alterações apresentado?
Esta alteração molecular está relacionada com uma alteração de um gene no cromossoma 11
que codifica para as cadeias β. Nos glóbulos cheios de Hb S a desoxigenação leva à formação dos
polímeros.
Nomenclatura
Hemólise – anemia
Os polímeros levam a que os glóbulos assumam formas falciformes e interferem com a função
da membrana, podendo haver rotura da mesma, levando a hemólise intravascular: destruição
dos GV em circulação. Estes glóbulos alterados são também reconhecidos e fagocitados pelos
macrófagos, sendo esta chamada de hemólise extravascular que acontece essencialmente em
órgãos com sistema monócito-macrófago como o baço.
Há ainda uma interação dos glóbulos com as células endoteliais e desta interação pode resultar
a obstrução dos vasos, dando origem a complicações vaso-oclusivas. Adicionalmente, estes
glóbulos passam com muita dificuldade ou então não passam nos capilares. O diâmetro do
glóbulo vermelho é 8µm e o diâmetro de um capilar é 3µm, logo o GV tem de se deformar
transitoriamente para conseguir passar e tal é possível para os glóbulos normais, mas não para
os rígidos transformados pela presença da Hb S desoxigenada. Esta situação anómala leva então
à obstrução da microcirculação.
Fatores protetores
• Eritrostase/congestão → Esplenomegalia
• Hipóxia, trombose, isquémia, enfartes repetidos
• Atrofia/fibrose → Auto-esplenectomia
o Defeito opsono-fagocítico
o Defeitos na via alternativa do complemento
o Saturação do sistema monócito-macrófago
o Maior suscetibilidade a microrganismos capsulados (Streptococcus pneumoniae
e Haemophilus influenzae)
Variabilidade fenotípica:
Há doentes com “mais hemólise e vasoconstrição” e outros com “mais isquémia e crises vaso-
oclusivas”
Terapêutica atual
• Terapêutica de suporte (ácido fólico, profilaxia das infeções, profilaxia e tratamento das
complicações)
• Hidroxicarbamida
o ↑ %HbF diminuindo a polimerização da HbS
o ↑ VGM (efeito de “diluição” da HbS)
o Efeito mielossupressor (↓leucócitos e plaquetas)
o Efeitos a longo prazo?? – até agora parece seguro
• Transfusões e transfusões-permuta
• Transplante medular (raro)
RESUMO – VARIABILIDADE
Sub-fenótipos
Como a maior parte dos mecanismos, este pode ser benéfico, mas, se mal controlado, será
prejudicial, como os mecanismos de inflamação crónica que podem estar na base das doenças
auto-imunes inflamatórias, onde temos uma reação inflamatória desmedida e exagerada contra
o próprio organismo. Temos 2 tipos de inflamação:
• Calor
• Dor
• Edema/tumor
• Rubor
• Perda de função
Inflamação aguda
Existem várias células do sistema imunitário – células fagocitárias, dendríticas e células epiteliais
– que apresentam recetores denominados pattern recognition receptor – PRR – que vão
reconhecer estruturas comuns a microorganismos como bactérias e vírus, denominados PAMPs
(pathogen associated molecular patterns) ou células mortas, denominados DAMPs (damage
associated molecular pattern).
• Toll like receptor (TLRs), que vão promover o aumento da expressão de moléculas de
adesão bem como a libertação de citocinas;
• Inflamossomas, que vão promover a ativação da caspase 1 de forma a clivar a IL-1 para
a sua forma biologicamente ativa (IL-1 como IL pro-inflamatória).
Alterações vasculares
Existe vasodilatação e aumento da permeabilidade dos vasos. Consoante as alterações, pode-se
formar:
Alterações celulares
Depois do leucócito atingir o local da inflamação, irá ser ativado de forma a aumentar a sua
capacidade fagocítica, de produção de substâncias microbicidas bem como de citocinas
ativadoras de outros leucócitos. O mecanismo pelo qual há degradação das estruturas
fagocitadas passa pela formação de EROs, pelo que, caso exista destruição destes leucócitos, as
EROs poderão afetar os tecidos envolventes, daí que na resposta inflamatória não se consiga
atuar única e exclusivamente sobre as células danificadas e se acabe por atingir, paralelamente,
células saudáveis.
• Resolução e reparação
• Cicatrização e fibrose (perda de função)
• Inflamação crónica
Não esquecer:
Inflamação crónica
Inflamação que dura mais do que alguns dias, onde os fenómenos de eliminação, reparação e
fibrose ocorrem simultaneamente. É caraterizada por:
Quanto aos linfócitos, temos os linfócitos B e os linfócitos T, sendo que os linfócitos B originarão
os plasmócitos com capacidade de formação de anticorpos específicos aos antigénios que
querem destruir. Por oposição à imunidade humoral (linfócitos B), a imunidade celular (linfócitos
T) é mais uma atuação “mano a mano”. Podemos dividir os linfócitos T em CD4+ (TH) ou CD8+
(Tc), sendo que os primeiros estão associados ao MHC II, enquanto os linfócitos CD8+ estão
associados ao MHC I.
Pode haver fusão dos vários macrófagos ativados que poderão originar células gigantes
multinucleadas.
Os granulomas são típicos de algumas doenças como tuberculose, sarcoidose, doença de Crohn
e granuloma de corpo estranho.
O TNF-α e a IL-1 têm funções biológicas semelhantes, enquanto a IL-6 vai atuar, principalmente,
ao nível do fígado, levando à produção de proteínas de fase aguda positiva (como a PCR, por
exemplo).
Febre
Assim, faz sentido que os AINE’s, ao inibirem as enzimas COX, bloqueiem a síntese de PGE2, pelo
que vão baixar a febre.
Pirogéneos → podem ser exógenos (lipossacáridos de bactérias) ou endógenos (IL-1, TNF-α, IL-
6, IFN-α).
Uma vez que o set point hipotalâmico aumente, os neurónios no centro vasomotor são ativados
e começa a vasoconstrição. Os arrepios, que aumentam a produção de calor nos músculos,
podem também começar, mas não são necessários se os mecanismos de conservação de calor
aumentarem a temperatura suficientemente. A produção de calor pelo fígado também contribui
para o aumento da temperatura corporal.
Hipertermia = aumento temperatura corporal sem alteração do set point hipotalâmico. Não
envolve pirogénios. (ex de causas: insolação, exercício físico, consumo drogas que bloqueiam
sudorese, alterações vasculares, …)
NOTA: definição febre → clínica (a partir dos 38ºC) ≠ fisiopatológica (a partir dos 37,5ºC)
• Infeções
• Traumas
• Necrose tecidular
• Resposta Inflamatória
• Doenças autoimunes
• Hipertiroidismo
• Neoplasias
A maior parte das proteínas do plasma são produzidas no fígado e, aquando de uma infeção, há
um aumento da síntese de determinadas proteínas (as proteínas de fase aguda POSITIVA) em
detrimento das proteínas de fase aguda NEGATIVA, pela ação da IL-6 (e não das outras citocinas
inflamatórias). Há 3 proteínas principais cuja produção aumenta numa resposta inflamatória:
Leucocitose
Temos um aumento do nº de leucócitos no sangue, que nos pode indicar/sugerir uma patologia:
O stress oxidativo é uma perturbação entre a produção de espécies oxidantes (ERO) e espécies redutoras (defesas
antioxidantes), isto é, do equilíbrio redox biológico, que culmina na lesão celular e molecular.
Espécies reativas de oxigénio (ERO): moléculas com potencial de reação com constituintes celulares (DNA, proteínas
e/ou lípidos) (NÃO reage contra glícidos). 2 famílias:
• Propriedades bioquímicas:
o Reatividade variável (a OH é a mais reativa de todas);
o Semi-vida curta;
o O seu potencial lesivo depende da co-localização com o substrato (compartimentação celular/metais
de transição);
o A toxicidade (biológica) não se correlaciona necessariamente com o potencial (intrínseco) de
reatividade.
Metais de transição: apresentam eletrões não-emparelhados nas órbitas atómicas e são espécies radicalares (exceto
o Zn). Ex: Cobre e Ferro.
Em condições normais, o ferro não está cataliticamente biodisponível, visto que esse encontra ligado a proteínas
transportadoras ou armazenadoras (como a transferrina ou a ferritina). No entanto, existem determinadas situações
em que o ferro se encontra na forma livre, entrando em reações em que se formam espécies reativas altamente
lesivas.
Reação de Fenton: O ferro, na sua forma ferrosa e na presença de peróxido de hidrogénio, vai levar à formação do
radical hidroxilo.
Reação de Haber-Weiss, também catalisada por metais, leva à formação de hidroxilo, a partir do peróxido de
hidrogénio e do anião superóxido.
Nota: o nosso organismo possui [Fe3+]>>> [Fe2+], pelo que é necessário que a reação de Haber-Weiss 1 ocorra antes
da reação de Fenton, de modo a proporcionar o ião ferroso Fe2+ necessário à reação de Fenton.
Fontes exógenas
• Radiação γ-ionizante e UV
• Fármacos (bleomicina, adriamicina, narcóticos, anestésicos…)
• Poluentes (fumo do tabaco, fumo do escape, derivados do NO)
• Comida (peróxidos, aldeídos, ácidos gordos oxidados)
• Xenobióticos (pesticidas, paraquat…)
• Toxinas
Fontes endógenas
Outros:
Para a formação de radicais livres, é necessário que ocorram transformações químicas específicas, tais como:
Fatores que podem levar a lesão oxidante por formação de radicais livres como as ERO
• Derivados do oxigénio:
o Superóxido
o Peróxido
o Hidróxilo
o Peróxilo
o Alcóxilo
• Outros:
o Monóxido de azoto
o Triclorometil
o Radicais sulfidrilo
o Radical cobre (II)
• Espécies radicalares que, não sendo radicais livres, desempenham papeis semelhantes a estes como:
o Oxigénio singuleto
o Peróxido de Hidrogénio
Eritrocupreína
• Proteína eritrocitária que contém cobre no seu centro ativo, e que, através da enzima superóxido-dismutase,
metaboliza o ião superóxido.
• Contudo, nesta reação, forma-se peróxido de hidrogénio, molécula potencialmente lesiva.
• Sendo assim, a capacidade antioxidante da eritrocupreína é relativa, já que, por metabolizar ERO, também
gera outros radicais livres.
• No entanto, a catalase e outras peroxidases podem neutralizar o peróxido de hidrogénio produzido.
Fagocitose
• A enzima NADP-oxidase 2, após a ativação do neutrófilo, vai catalizar a formação do radical anião superóxido,
contribuindo para a destruição dos microorganismos patogénicos.
Produção de NO
Assim sendo, a administração de antioxidantes em excesso pode inibir algumas vias fisiológicas necessárias à
homeostasia.
• Mecanismos:
o Modificação das bases de DNA;
o Quebras simples e duplas da cadeia de DNA;
o Perda de purinas;
o Lesão das desoxirriboses;
o Ligações cruzadas DNA proteínas;
o Disfunção das enzimas de reparação.
• Principais produtos:
o 8-Hidroxidesoxiguanosina;
o 8 Hidroxiadenina;
o Timina peróxido;
o Timina glicol
Lesão dos lípidos (não saturados): os principais mediadores são OH•, RO•, ONOOH
• Mecanismo: lipoperoxidação
1. Iniciação (remove-se um H+ de um ácido gordo não saturado);
2. Propagação (adiciona-se um O2 a um ácido gordo e retira-se um H+ a outro ácido gordo,
iniciando-se uma reação em cadeia);
3. Terminação (contacto com agente antioxidante, como uma vitamina lipossolúvel, que vai doar
o H+ perdido inicialmente, interrompendo o ciclo);
• Principais produtos: aldeídos, endoperóxido, isoprotano, hidrocarbonos.
• Mecanismo
o Peroxidação;
o Modificação da estrutura terciária;
o Degradação e fragmentação.
• Principais produtos
o 3- Nitrotirosina (ONOO+tirosina)
o Aldeídos
o Compostos cetónicos
o Carbonilos
• Via intrínseca (via mitocondrial porque depende de danos celulares dentro da célula, daí intrínseca);
• Via extrínseca (ativada por ligandos externos à célula, as substâncias da família Fas-ligando).
Necrose: condensação e fragmentação do núcleo, hipereosinofilia e rutura da membrana celular, com fluxo de
substâncias intra e extracelular. Pode levar à formação de DAMPs que vão ativar o sistema imunitário inato como
forma de sinalização para fagocitose das células necrosadas.
Mecanismos diretos
Enzimas
Peroxidase
• Se [H2O2] for baixa, utiliza-se a peroxidase porque a regeneração do glutatião consegue acompanhar a
necessidade
• Se [H2O2] for alta, utiliza-se a catalase porque o organismo não consegue regenerar o glutatião de forma rápida
o suficiente para as necessidades do organismo.
Antioxidantes BMP
Consequências clínicas
Homeostasia oxidativa: equilíbrio entre a produção de oxidantes, como os radicais livres, e a de antioxidantes.
A produção excessiva de radicais livres ou reduzida de antioxidantes pode levar a lesão oxidante celular.
Existem quatro reações que são particularmente responsáveis pela lesão celular causada por radicais livres:
1. Formação de ligação cruzada entre proteínas – resulta num aumento de degradação ou perda de capacidade
enzimática.
2. Fragmentação de polipéptidos.
3. Fragmentação do DNA – os radicais livres reagem com a timina dos ácidos nucleicos nucleares e mitocondriais,
produzindo single-strandbreaks. A fragmentação do DNA também já foi relacionada com a morte celular, o
envelhecimento e a transformação maligna de células.
4. Lipoperoxidação
• Ocorre nas células que têm fosfolípidos e ácidos gordos poli-insaturados com duplas ligações nas
membranas;
• Pode ser iniciada por ERO nomeadamente pelo radical hidroxilo, e caracteriza-se por ser uma cascata
não controlada enzimaticamente que leva à oxidação dos constituintes das biomembranas.
• Este processo inicia-se quando há a perda de moléculas membranares antioxidantes, como as
vitaminas lipossolúveis (A, D, E, K);
• Processo:
i. Os ácidos gordos poli-insaturados com duplas ligações, devido à ação dos radicais livres,
perdem um hidrogénio, dando origem a um dieno conjugado.
ii. Este, após sofrer rearranjo molecular, e na presença de oxigénio molecular, vai levar à
formação do radical peroxilo.
iii. Este radical, na presença de metais de transição, vai levar a um processo contínuo em que,
por remoção de mais átomos de hidrogénio, se formam outros radicais lipídicos, os
hidroperóxidos lípidicos (LOOH).
iv. Finalmente, após reações complexas, estes novos radicais vão formar os produtos terminais
da lipoperoxidação, como o malonil de aldeído, o etano e o pentano.
• Os produtos da lipoperoxidação podem ser quantificados, de forma a avaliarmos o grau de stress
oxidativo nas células e nos tecidos.
i. O etano e o pentano são voláteis e podem ser quantificados por cromatografia gasosa no ar
expirado.
ii. O malonil de aldeído pode ser avaliado laboratorialmente, por análise de sangue, soro, e
outros fluídos biológicos.
• A lipoperoxidação das membranas das células vai ter consequências importantes:
• Formação de ligações cruzadas entre lípidos, entre proteínas e entre lípidos e proteínas,
alterando a permeabilidade membranar → perda de seletividade para entrada e/ou saída de
nutrientes e substâncias tóxicas.
• Conduz à alteração de proteínas transmembranares que têm função de bomba (como a Ca2+
ATPase ou a Na+/K+ ATPase) → alterações osmóticas e aumento da concentração intracelular
de cálcio, o que pode desencadear fenómenos de morte celular por apoptose ou necrose.
A teoria dos radicais livres defende que o envelhecimento se deve aos efeitos cumulativos das ERO e na atualidade
esta teoria tem sido usada abusivamente. Contudo, não está comprovada a eficácia da terapia antioxidante na
prevenção do envelhecimento.
No Japão o que causou os cancros não foi a radiação diretamente, mas a água que tinha sofrido radiólise. A formação
de ERO lesou indiretamente o DNA das células dos indivíduos expostos à radiação ionizante, contribuindo para a
carcinogénese.
Paracetamol
• Metabolizado por algumas vias do citocromo P450 formando ERO e consumindo excessivamente o glutatião
intramitocondrial.
Etanol
• Caso haja reperfusão, teoricamente, o equilíbrio das células que estiveram transitoriamente em isquémia
deveria ser reestabelecido.
• No entanto, com a reperfusão, a célula torna a ser oxigenada, o que leva à ativação da via enzimática
catalisada pela xantina-oxidase, transformando a hipoxantina e formando ácido úrico e o radical anião
superóxido.
• Com a formação de superóxido dentro da mitocôndria, consome-se glutatião intramitocondrial, há entrada
de cálcio para a mitocôndria, há alterações da osmolaridade e da permeabilidade mitocondrial.
• Consequentemente, as mitocôndrias vão libertar o citocromo C, o que desencadeia a apoptose celular.
• Por outro lado, na isquémia, vai ocorrer ainda ativação dos fagócitos que se infiltram nos tecidos necrosados,
formando também ERO, nomeadamente, o superóxido e o peróxido de hidrogénio, pelas vias dos
leucotrienos e das prostaglandinas.
• Além disto, nos tecidos isquémicos, a passagem do metabolismo de aeróbio para anaeróbio leva a formação
de lactato. O lactato vai diminuir o pH intracelular e extracelular, o que contribui para a libertação do ferro
das proteínas a que está ligado, como a ferritina e a transferrina. Assim, este metal torna-se disponível para
catalisar reações como a de Fenton e a de Haber- Weiss, formando hidroxilo.
Todos estes fenómenos contribuem para a lesão de isquémia/reperfusão que ocorre quer no miocárdio, quer no SNC,
quer no intestino.
Artrite reumatóide
• A formação de placas ateroescleróticas é outro processo patológico em que participam os radicais livres.
• Na aterogénese, a oxidação de componentes lipídicos, como as LDL, pelos radicais livres é essencial na
formação das células esponjosas.
• SIDA
• Doença hepática alcoólica
• Cataratas
• DPOC
• Hemocromatose
• Anemia hemolítica
• Doença de Parkinson
• Doença de Alzheimer
• Esclerose Lateral Amiotrófica
• Fototoxicidade
• Choque
• Queimaduras extensas
• Outras doenças inflamatórias autoimunes
• Demência
• Carcinogénese
o ↓ Mn-SOD - ↑ ERO - ↑ proliferação erros DNA
• Síndrome da dificuldade respiratória (ARDS)
o PMN – NADPH oxidase/ H2O2 – lesão alveolar. Há formação de peróxido de hidrogénio com consumo
de NADPH, havendo lesão dos alvéolos
• Lesão isquémia – reperfusão (após EAM)
Quando em défice por lesão hipóxica, tem um papel na morte celular, quando em excesso ou quando se cria
determinadas condições, gera espécies radicalares que também podem provocar lesão e morte celular.
Existem mecanismos de defesa que permitem a neutralização da ação nociva dos radicais livres:
1. Para reparar o ácido ascórbico oxidado são precisos grupos sulfidrilícos e o NADPH.
1. Enzimas
a. Superóxido dismutase (SOD) – enzima presente em inúmeras células que cataliza o radical superóxido
a peróxido de hidrogénio e oxigénio.
b. Catalase (CAT) – enzima dos peroxissomas que degrada o peróxido de hidrogénio a água e oxigénio.
c. Peroxidase do glutatião (GPX) – enzima que lidera os hidroperóxidos, mas que tem como um co-fator
o selénio, por isso o selénio é um anti-oxidante.
2. Metais
a. Zinco (Zn)
b. Manganésio (alguns microorganismos sem superóxido dismutase são ricos em manganésio)
3. Vitaminas
a. Vitamina A
b. Vitamina C
c. Vitamina E
d. Carotenóides
e. Ubiquinol
• Dieta equilibrada – contém uma maior concentração de antioxidantes (vitaminas, polifenóis ou flavenóides).
• Pensa-se que a administração de quantidades superiores às fisiológicas de antioxidantes exogénos vai inibir
a formação de antioxidantes endógenos e inibir as vias em que os radicais livres contribuem para o
funcionamento do organismo, mas isto ainda não foi provado.
• Utilização de antioxidantes endógenos na terapêutica fotodinâmica utilizada certos tipos de cancro. Consiste
na ativação de várias moléculas na presença de oxigénio, originando oxigénio singuleto (não é um radical livre,
mas uma forma ativada de oxigénio que pode lesar outras células).
• Pensa-se que a produção de radicais livres de forma localizada possa vir a trazer esperança para o tratamento
de alguns tipos de neoplasias.
Suplementos de α-tocoferol e de β-caroteno foram associados ao aumento da mortalidade em pacientes com enfarte
do miocárdio prévio.
O efeito a longo prazo da suplementação nos eventos cardiovasculares e cancro:
NOTAS FINAIS
A perturbação deste equilíbrio origina condições de stress oxidativo implicadas em múltiplos mecanismos
fisiopatológicos.
A recente descoberta dos efeitos biológicos benéficos das ERO aumenta a complexidade deste equilíbrio e pode
explicar o fracasso das tentativas de terapia antioxidante.
Perturbações iónicas e pH
A água é um dos principais constituintes do organismo, sendo que varia nos dois sexos e com a
idade:
• Homens: 50-60%
• Mulheres: 45-50%
• Crianças ↑ → idosos ↓
A pressão osmótica é entendida como a força que um compartimento tem em manter a água
naquele local. É tanto maior quanto maior for o nº de solutos nesse compartimento. A água, por
osmose, move-se do local com menos solutos para o local com mais solutos.
Cada compartimento tem um soluto que é responsável pela pressão osmótica naquele local:
Assim, o armazenamento de Na+ é fulcral para regular o volume do líquido extracelular (vascular
e intersticial), sendo que este ião tem uma grande regulação por parte do rim.
Há 2 tipos de recetores:
• Recetores intra-renais: células justaglomerulares na camada muscular da arteríola
aferente do glomérulo
• Recetores extra-renais: células no arco aórtico, no seio carotídeo e na aurícula
esquerda.
A arteríola aferente, regulada não só pela angiotensina II (que promove a vasoconstrição) como
pela PGE2 (que promove a vasodilatação), vai ditar a TFG.
A aurícula esquerda possui recetores que vão permitir perceber o grau de enchimento da
aurícula (que acaba por traduzir a volémia do doente), pelo que vai regular a volémia do doente
pela libertação de ANP (que atua no TC).
O arco aórtico e o seio carotídeo vão transmitir informação pelo SN Simpático ao coração, de
tal forma que podem influenciar a FC e, desta forma, regular a PA.
Uma pessoa com edema tem um aumento do volume no espaço extracelular, nomeadamente
no espaço intersticial, o que faz com que o espaço intravascular “pareça” estar mais vazio do
que o habitual, pelo que podemos ter a PA mais baixa que o suposto. No entanto a água está
apenas no sítio errado!
No entanto, o que acontece é que os recetores de pressão intra e extrarenais (os sensíveis à
variação da volémia) vão ter a perceção que existe uma baixa da volémia, pelo que vão ativar os
respetivos mecanismos (ativação do SRAA bem como bloqueio da libertação do ANP e aumento
da libertação de catecolaminas para aumentar a FC).
Hiponatrémia
• Com hipovolémia: diminuição da água e de Na+, mas o Na+ diminui mais que a água
o Causas renais (quando o organismo tem uma diurese aumentada devido à
presença de substâncias osmoticamente ativas, como a glicose no caso dos
diabéticos)
o Causas extrarrenais (vómitos, diarreia, hemorragias)
• Com euvolémia: acumulação de água, Na+ está igual, e acabou por ficar diluído
o Síndrome de secreção inapropriada de ADH, hipersensibilidade à ADH,
polidipsia psicogénica (a pessoa bebe água de forma incessante sem ter sede)
• Com hipervolémia: doenças em que há edema → IC, insuficiência hepática,
hipoalbuminémia
Manifestações clínicas:
• Sintomas Neurológicos
• Edema celular generalizado
• Insuficiência Respiratória
• Náuseas
• Vómitos
Hipernatrémia
Menos comum do que hiponatrémia. Acontece mais nos idosos (perda do estímulo da sede). Ou
seja, não é necessariamente a [Na+] que aumenta, mas sim a água para diluir esse Na+ que vai
diminuir.
Manifestações clínicas:
• Febre
• Náuseas
• Vómitos
• Alterações no Estado de Consciência
Alterações na [K+]
O K+ é um ião que se encontra, principalmente, a nível intracelular, pelo que os seus níveis séricos
dependem:
Numa situação de acidose temos um aumento da [H+], sendo que existe um trocador iónico ao
nível da célula entre K+ e H+, pelo que há uma certa reciprocidade entre estes 2 iões:
• Uma acidose vai promover uma hipercaliémia porque o H+ entra dentro das células e
aumenta a saída de K+ para o sangue
• Uma hipocaliémia vai promover a saída de K+ das células para a corrente sanguínea, pelo
que ao sair K+ vai entrar H+, podendo promover uma alcalose.
Hipocaliémia
Principais causas:
• Diarreia crónica
• Uso de diuréticos
• Hiperaldosteronismo (aumenta secreção de K+ nos TC)
• Deficiência na ingestão de K+
Manifestações clínicas:
• Fraqueza muscular
• Arritmias
• Patologia renal intersticial
Hipercaliémia
• Principais causas:
o Após prática de exercício físico vigoroso
(normalmente insignificante)
o Aumento da libertação de K+ pela célula
e diminuição da sua excreção renal
o Muitas vezes por erro médico (toma
concomitante de IECA com diurético
poupador de potássio)
• Manifestações clínicas:
o Alterações cardíacas
o Parésias musculares
Equilíbrio ácido-base
A [H+] intra e extracelular é um mecanismo muito bem regulado, uma vez que o pH é o -log[H+],
por isso uma pequena variação na [H+] dá, efetivamente, uma alteração logarítmica no pH.
NOTA:
A nossa dieta é especialmente rica em substâncias ácidas, pelo que têm de existir mecanismos
tampão que consigam neutralizar estas substâncias de forma a não influenciarem a [H+] sérica
e, consequentemente, o pH.
Sistemas tampão
Assim, quando existe uma situação de acidose que faça aumentar a [H+], vamos ter um aumento
dos reagentes, pelo que a equação se desloca para a direita, ou seja, há consumo de HCO3- para
formar ácido carbónico (H2CO3) que, na presença de anidrase carbónica, se vai converter em CO2
e H20.
Assim, para “reaver” o bicarbonato perdido, a solução está no rim: vamos aumentar a secreção
de H+ no rim de forma a reabsorver o bicarbonato que tinha sido filtrado no sangue.
Este mecanismo só serve para reabsorção do bicarbonato, não serve para eliminar H+.
Excreção renal de H+
Existe muito H+ a ser secretado no TCP ao nível do antiporte Na+/H+. No entanto, este H+ acaba
por ser reabsorvido na forma de ácido carbónico, sendo depois novamente secretado em H+…
Ou seja, forma-se um loop onde o H+ acaba por não ser realmente desperdiçado para a urina.
Assim, a sua secreção vai ocorrer distalmente no nefrónio.
As células intercaladas β vão atuar em situações de alcalémia, ou seja, vão promover a secreção
para o lúmen/urina de HCO3- e a reabsorção de H+, pelo que têm a função oposta.
A secreção de H+ para a urina ocorre como forma de eliminação de ácido. A urina é, por isso,
ácida, ou seja, pH < 7. No entanto, caso a urina fique com pH < 4, o rim deixa de conseguir
eliminar H+ para lá. Como é que isto se resolve? Existem mecanismos de tampão na urina que
vão manter o pH > 4, de forma a possibilitar a secreção de H+.
Há 2 mecanismos principais:
Equilíbrio ácido-base
Alcalose metabólica: o pH está normal ou a aumentar. O sistema respiratório vai ventilar pouco
de forma a tentar aumentar a componente ácida através da retenção de CO2, pelo que este está
alto. Por outro lado, o bicarbonato estará alto também, uma vez que é uma alcalose metabólica.
Esta resposta compensatória não é aleatória, existe uma proporção em termos de
“reajustamento” do equilíbrio com resposta respiratória ou renal em função da origem do
estímulo. Numa situação de
acidose metabólica, por cada
diminuição da concentração
plasmática de 1 mmol/L HCO3-,
vamos ter o “desperdício” de
CO2 em 1,25 mmHg PaCO2. Por
outro lado, numa alcalose
metabólica, pelo aumento de 1
mmol/L HCO3-, vamos ter a
retenção de CO2 para aumentar a sua pressão marcial em 0,75 mmHg.
Numa alcalose respiratória, por cada perda de PaCO2 em 10 mmHg, perde-se 2 ou 4 HCO3-
consoante seja aguda ou crónica, respetivamente.
• Existe um mecanismo de correção imediato: sistemas tampão, que vão alterar de forma
rápida (mas em pouca quantidade) a concentração de HCO3-
• Mecanismo de correção respiratório inicia-se 30 min depois do desequilíbrio e
completa-se entre 12 a 24h
• Mecanismo de correção renal que regula a reabsorção ou excreção de H+ que demora
horas a iniciar, mas só se completa ao final de alguns dias
Acidose metabólica
Caracteriza-se como:
• pH < 7,35
• [HCO3-] < 22 mmol/L
• PaCO2 < 35 mmHg
Ou seja, podemos ter uma acumulação de ácido no organismo ou uma perda de base (perda de
HCO3-), sendo que estas situações têm origens e causas diferentes. Como fazemos para distinguir
uma da outra? Calculamos o anion gap.
Anion Gap:
Sabe-se que:
Os catiões mais representativos são o Na+ (cuja concentração varia entre 135 e 145 mmol/L) e
o K+ (cuja concentração varia entre 3.5 e 5 mmol/L). Depois existem outros catiões que não são
medidos, mas que existem no sangue, como o Ca2+ e o Mg2+ que são chamados de catiões não
medidos, porque sabemos que existem, mas a sua concentração no sangue é baixa.
Quanto aos aniões, destaca-se o Cl- e o HCO3- bem como outros aniões que sabemos que não
existem mas que não são medidos, chamados de aniões não medidos.
Assim:
[Na+] + [K+] + catiões não mensurados = [Cl-] + [HCO3-] + aniões não mensurados
Aniões não mensurados – catiões não mensurados = ([Na+] + [K+]) – ([Cl-] + [HCO3-])
Na acidose metabólica, a primeira coisa que fazemos é calcular o anion gap e, a partir daí,
perceber se:
• Estamos a perder base (HCO3-), sendo que o anion gap se mantém → acidose
metabólica hiperclorémica ou com anion gap normal
• Estamos a acumular um outro ácido no nosso organismo, pelo que o anion gap vai
aumentar porque vamos aumentar os aniões não mensurados → acidose metabólica
normoclorémica ou com anion gap aumentado
Acidose metabólica por ganho de ácido – este junta-se aos aniões não medidos → aumenta o
anion gap
Acidose metabólica por perda de base → cloro aumenta para compensar a perda de bicarbonato
→ anion gap não altera
A perda de bicarbonato pode ser por causa renal ou extrarrenal. Sabemos que, numa situação
de acidose metabólica com um funcionamento normal do rim, vamos tentar eliminar H+ para a
urina, urina esta que deve manter um pH > 4 para permitir esta excreção de H+ ativa. Assim,
sintetiza-se amoníaco (NH3) ao nível das células do TCP, que vai reagir com o H+ secretado para
a urina e formar o ião amónia (NH4+). Esta amónia é excretada na urina como NH4Cl, pelo que,
se conseguirmos dosear o Cl- na urina, conseguimos estimar a eliminação de NH4+.
Por outro lado, para que ocorra essa eliminação com o Cl-, é preciso que ocorra reabsorção renal
de HCO3-, pelo que conseguimos depreender que se houver pouca reabsorção de bicarbonato
haverá pouca quantidade de Cl- na urina, pelo que estamos a perder bicarbonato para a urina
→ perda renal de bicarbonato.
No entanto, se a [Cl-] urinária for alta, significa que conseguimos eliminar bastante ácido pela
urina e que foi reabsorvido bicarbonato, pelo que exclui a causa renal de perda de bicarbonato
e sugere perda extrarrenal de bicarbonato.
O anion gap urinário (AGu) pode ser definido como a diferença entre catiões e aniões urinários.
Numa situação de perda extrarrenal de HCO3- vamos ter uma grande eliminação renal de Cl-,
pelo que depreendemos que a eliminação de NH4+ é, igualmente, alta e que as suas
concentrações na urina são grandes. Consequentemente, a diferença entre catiões e aniões é
negativa porque temos bastantes aniões na urina, pelo que o AGu é negativo.
Se o AGu é positivo, significa que [catiões]urinário > [aniões]urinário, ou seja, [Cl-]urinário é baixa. Se é
baixa, então é porque se reabsorveu pouco HCO3- ao nível do rim, pelo que estamos a perder
bicarbonato de forma renal → perda renal de HCO3-.
NOTA! Se tivermos um doente com um pH normal, mas o AG (sanguíneo, não o urinário) estiver
aumentado, então temos de pensar que está a ocorrer pelo menos um processo de acidose
metabólica!
Distúrbios mistos
Outra das importâncias do anion gap é a possibilidade de perceber se está a ocorrer algum tipo
de distúrbio misto. Vamos primeiro definir duas coisas:
A variação do AG é a diferença entre o anion gap do doente e o seu valor normal (entre 8 a 10),
ou seja, esta variação basicamente diz-nos se temos uma acidose com aumento de anion gap
(normoclorémica) ou não.
Exemplo: situação de acidose metabólica com aumento do anion gap no contexto de acidose
lática. A variação de AG vai ser positiva porque temos o anion gap aumentado. Por outro lado,
perante a acumulação de ácido, o bicarbonato vai ser consumido de uma forma proporcional à
quantidade de ácido que existe no organismo, pelo que a variação de bicarbonato é positiva
também (de acordo com as fórmulas mencionadas em cima). Consequentemente, o ratio das
variações de AG/bicarbonato será positivo.
Exemplos:
Numa situação de vómitos perde-se ácido gástrico, pelo que teremos uma alcalose metabólica.
Essa alcalose metabólica vai fazer com que a variação de bicarbonato seja negativa, ou seja, o
doente vai ter mais bicarbonato do que seria suposto.
Por outro lado, a acidose lática vai originar uma acidose metabólica com aumento do anion gap,
pelo que AG vai ser positivo. Logo, se temos uma variação de bicarbonato negativa e uma
variação de AG positiva, vamos ter uma discrepância no ratio entre estas duas variações, isto
porque temos uma alcalose metabólica + acidose metabólica com aumento do anion gap →
distúrbio misto.
Assim, vemos que a variação de AG é positiva. No entanto temos como se fossem “duas
acidoses” pelo que a perda de bicarbonato é maior do que a que seria expectável, pelo que
temos uma discrepância nas duas variações. Isto acontece porque temos um distúrbio misto
→ acidose metabólica hiperclorémica (diarreia) + acidose metabólica com aumento de anion
gap (acidose lática).
Alcalose metabólica
Caracteriza-se por:
• pH> 7,45
• [HCO3-] > 30mmol/L
• PaCO2 > 45mmHg
Por vezes pode estar associada a uma situação de hiperaldosteronismo, onde temos uma grande
reabsorção de Na+ com eliminação de K+ originar uma hipocaliémia, com consequente saída de
K+ e entrada de H+ na célula, o que origina uma acidose intracelular e uma alcalose metabólica.
Acidose respiratória
Caracteriza-se por:
• pH < 7,35
• [HCO3-] > 30mmol/L
• PaCO2 > 45mmHg
Alcalose respiratória
Caracteriza-se por:
• pH > 7,45
• [HCO3-] < 22mmol/L
• PaCO2 < 35mmHg
Ocorre em caso de hiperventilação → o doente está a perder demasiado CO2 de tal forma que
entra em alcalose respiratória. O organismo, para compensar, vai aumentar a perda de
bicarbonato (principalmente de forma renal). Esta hiperventilação pode ser com ou sem
patologia respiratória:
Exercício:
Anion Gap = (129 + 6,4) – (11 + 96) = 22 logo está aumentado → acidose metabólica por ganho
de ácido
Insuficiência renal
Contrabalanço
• Tentativa por parte da porção não danificada do rim de realizar as funções da porção danificada.
• A remoção de um rim leva a um aumento no tamanho do rim contralateral.
• Se um rim sofrer isquémia e o outro estiver intacto, o rim que sofreu isquémia atrofia. Contudo, se for
removido o contralateral, o rim que sofreu isquémia aumenta primeiro de tamanho antes de ocorrer atrofia.
Se o rim contralateral estiver presente, ocorre vasoconstrição e diminuição do fluxo renal para o rim que
sofreu isquémia, mas isto é rapidamente revertido se o rim contralateral for removido.
Hipertrofia
A perda de nefrónios resulta em alterações anatómicas e funcionais dos restantes nefrónios. Existe um aumento do
fluxo sanguíneo para os glomérulos restantes, com potenciais efeitos adversos ao longo do tempo devido ao aumento
do tamanho dos restantes glomérulos e da hiperfiltração. Para além disso, ocorre hipertrofia dos túbulos, através de
vários mediadores:
Outras adaptações
Potássio
A maior parte do K+ filtrado é reabsorvido no TCP, pelo que a excreção é determinada pela secreção no nefrónio distal.
A homeostase do potássio está alterada na DRC para proteger o organismo de uma potencial hipercaliémia.
A hipercaliémia é comum em pacientes com DRC, e é adaptativa visto que promove a secreção de K+ pelas células
principais no ducto coletor. O efeito direto da hipercaliémia na secreção de K+ é independente de alterações nos níveis
de aldosterona, mas é necessário que existam níveis normais de aldosterona para que se verifique o efeito da
hipercaliémia na excreção de potássio. O aumento do K+ estimula a produção de aldosterona → a aldosterona
aumenta a densidade e atividade da Na+-K+ ATPase basolateral e aumenta o nº de canais de Na+ na membrana apical
do ducto coletor. Na DRC, a excreção do potássio ingerido na dieta ocorre à custa da elevação da concentração sérica
de potássio.
Sódio
À medida que a função renal diminui, a capacidade de excretar Na+ também diminui, pelo que pacientes com doença
renal avançada apresentam um aumento do volume extracelular. Contudo, inicialmente, existe alguma preservação
do balanço glomerulotubular com aumento da reabsorção de Na+ e água no TCP, associado a aumento dos trocadores
Na/H na membrana apical. O feedback glomerulotubular dos restantes nefrónios é sensível à ingestão de sódio. Com
aumento da ingestão de sódio num rim com função normal, ocorre um processo de feedback negativo: o aumento da
secreção distal resulta numa redução da TFG e da filtração de sódio. Na DRC, a TFG torna-se um processo de feedback
positivo: o aumento da secreção distal resulta num aumento da filtração de modo a excretar o sódio existente em
maior quantidade em cada nefrónio. Esta resposta pode tornar-se mal adaptativa, resultando num aumento da
pressão hidrostática intraglomerular com aumento da tensão sobre as paredes dos capilares e sobre os podócitos e
aumento da glomerulosclerose.
Equilíbrio ácido-base
Com a diminuição das unidades funcionais do rim, existe uma resposta adaptativa para aumentar a excreção de H+
pelos restantes nefrónios → aumento da amoniagénese e aumento da secreção de H+ no nefrónio distal, que é
mediada pelo sistema renina-angiotensina e pela endotelina-1. Contudo, o mecanismo de aumento da secreção de H+
pode ser mal adaptativo e contribuir para a inflamação do rim e fibrose e consequentemente facilitando a progressão
de DRC.
Apesar da produção de PTH e de FGF-23 serem inicialmente tentativas para manter os níveis de fosfato ao aumentar
a sua excreção no rim, tornam-se mecanismos mal adaptativos devido a efeitos sistémicos no sistema cardiovascular
e no osso, à medida que a função renal se deteriora.
A PTH e o FGF-23 diminuem a capacidade do rim em reabsorver fosfato ao diminuírem os níveis do co-transportadores
fosfato-sódio NaPi2a e NaPi2c na membrana apical e basolateral. O FGF-23 também reduz a capacidade do rim em
gerar 1,25(OH)2D3.
Função renal
• Depuração – filtração, secreção e excreção de moléculas hidrossolúveis (as proteínas e as substâncias que a
elas estão ligadas não são excretadas em situações normais), sendo esta a principal função do rim.
• Regulação da pressão arterial
• Regulação do equilíbrio ácido-base
• Regulação do equilíbrio hidroeletrolítico
• Funções endócrinas e metabólicas (nomeadamente a produção de eritropoietina e a ativação de vitamina D).
No entanto, quando falamos em insuficiência renal, apenas nos estamos a referir a uma falência na função
depuradora. Não significa que não possa haver alterações nas outras funções, mas o termo insuficiência renal traduz
o que se passa com a depuração.
Filtração glomerular
Em cada rim existem cerca de 1 milhão de nefrónios e cada um contribuiu para a filtração total dos rins. O filtrado
glomerular é o somatório do filtrado individual de cada um destes nefrónios. Diariamente, filtramos cerca de 180L de
água, mas reabsorvemos 178L, daí que só urinemos 1 a 2 L por dia. Um rim sem patologia é extremamente eficaz a
poupar o que é útil e a eliminar o que não é, mantendo a homeostasia.
O melhor marcador da função renal é a creatinina, que resulta do metabolismo muscular da fosfocreatina. A creatinina
tem as vantagens de ser totalmente solúvel e de ser eliminada pelo rim (ou seja, quando há disfunção renal, há
aumento da creatininémia) e as desvantagens de ser parcialmente eliminada por secreção tubular (o melhor seria ser
apenas por filtração) e de variar de indivíduo para indivíduo (consoante, por exemplo, massa muscular e atividade
física).
Para entender bem a lesão renal aguda (que pode ter várias etiologias e manifestações), é necessário compreender
como ocorre a filtração glomerular e quais os seus determinantes.
Para cada nefrónio, ao nível da cápsula de Bowman, existe uma arteríola aferente e uma arteríola eferente, com um
sistema de capilares entre elas, o glomérulo. Estas arteríolas são bastante vasoativas, o seu tónus (vasoconstrição ou
vasodilatação) encontra-se sob regulação rigorosa de vários mecanismos. Funcionam como resistências de um circuito
elétrico, que vão gerir a pressão hidrostática glomerular, que é o principal determinante da filtração. Por exemplo, se
por qualquer motivo ocorrer uma hipoperfusão renal pontual, há vasodilatação da arteríola aferente e vasoconstrição
da arteríola eferente para manter o filtrado glomerular.
• A pressão hidrostática glomerular resulta da tensão que o fluido no glomérulo exerce sobre as paredes
capilares, favorecendo a filtração. Quanto maior a pressão hidrostática glomerular, maior a TFG. Esta pressão
pode ser aumentada por vasodilatação da arteríola aferente e por vasoconstrição da arteríola eferente.
• A pressão oncótica glomerular resulta da quantidade de proteínas ao nível do glomérulo, opondo-se à
filtração. Quanto maior a pressão oncótica glomerular, menor a TFG.
• A pressão hidrostática na cápsula de Bowman resulta da tensão que o fluido na cápsula de Bowman exerce
sobre as paredes capilares, opondo-se à filtração. Quanto maior a pressão hidrostática na cápsula, menor a
TFG.
• A pressão oncótica na cápsula de Bowman resulta da quantidade de proteínas ao nível da cápsula de Bowman,
favorecendo a filtração. No entanto, como não existem proteínas no filtrado em condições fisiológicas, a
pressão oncótica na cápsula é de 0 mmHg, pelo que esta parcela é frequentemente omitida nas fórmulas.
• O coeficiente de permeabilidade é dependente da permeabilidade da membrana de filtração e do somatório
da superfície de filtração de todos os glomérulos, favorecendo a filtração. Quanto maior a permeabilidade e
quantos mais glomérulos funcionais tivermos, maior a TFG.
Esta fórmula diz-nos que uma diminuição da TFG (como acontece na lesão renal aguda) é obrigatoriamente causada
por uma alteração nalguma das parcelas, sendo que a parcela alterada vai depender da etiologia e fisiopatologia da
lesão renal aguda.
Definição de Lesão Renal Aguda: subida da creatinina de pelo menos 0.3 mg/dL (ou 50%) em relação ao basal em 24
a 48 horas OU redução do débito urinário para <0.5 mL/kg/h desde há pelo menos 6 horas.
Etiologia e fisiopatologia
A lesão renal aguda (LRA) é caracterizada por uma perda de função renal súbita (esta perda refere-se à depuração,
não às outras funções renais, que podem estar alteradas ou normais), com acumulação de substâncias que
normalmente seriam eliminadas pelo rim.
A LRA não corresponde a uma doença única, mas a um grupo heterogéneo de situações que partilham características
diagnósticas: aumento do BUN (blood urea nitrogen) e/ou da SCr (creatinina sérica), frequentemente com diminuição
do volume urinário (oligúria ou mesmo anúria).
A gravidade da LRA pode ir desde alterações assintomáticas e transitórias de parâmetros laboratoriais da TFG que se
corrigem rapidamente sem ser sequer necessária intervenção médica até perturbações massivas e rapidamente fatais
da regulação do volume circulatório efetivo e dos equilíbrios eletrolítico e ácido-base.
• Adquirida na comunidade – causas mais comuns: hipovolémia, efeitos adversos fármacos e obstrução do trato
urinário
• Nosocomial – causas mais comuns: sépsis, cirurgia, doenças críticas que envolvam insuficiência cardíaca ou
hepática, administração IV de contraste e administração de fármacos nefrotóxicos.
A LRA é tradicionalmente dividida em 3 grandes categorias, consoante aquilo que está na sua origem: pré-renal,
renal/intrínseca/parenquimatosa e pós-renal/obstrutiva.
1. Pré-renal
A azotémia pré-renal é a forma mais comum de LRA. Corresponde a um aumento na concentração séria de creatinina
ou ureia devido a hipoperfusão renal e diminuição da pressão hidrostática glomerular.
As condições clínicas mais associadas a lesão pré-renal são hipovolémia (hemorragia, terapêutica diurética,
desidratação por queimaduras, vómitos ou diarreia…), débito cardíaco diminuído (insuficiência cardíaca,
tamponamento cardíaco…), fármacos que interfiram com as respostas reguladoras intrínsecas do rim (AINEs e iECAs)
e vasodilatação sistémica (sépsis, fármacos vasodilatadores…).
Quando a hipoperfusão é ligeira e pontual, os mecanismos autorregulatórios do rim são suficientes para manter a TFG
normal. Estes incluem:
• Reflexo miogénico – quando a pressão de perfusão na arteríola aferente é baixa, ocorre uma vasodilatação
direta da mesma, para aumentar a pressão hidrostática glomerular.
• Feedback tubuloglomerular – quando o fluxo ao nível do TCD é reduzido e pobre em Na+, as células da mácula
densa respondem aumentando a produção renal de prostaglandinas, o que vai, por um lado, causar
vasodilatação da arteríola aferente e, por outro, estimular a síntese de renina pelo aparelho justa-glomerular.
• Retenção de Na+ e de água e vasoconstrição sistémica – mediadas pelo sistema renina-angiotensina-
aldosterona, com contribuição do sistema nervoso simpático, com o objetivo de aumentar a volémia, a
pressão arterial e a perfusão renal. A filtração glomerular pode ser mantida apesar da redução da perfusão
renal através da vasoconstrição da arteríola eferente pela angiotensina II, que mantém a pressão hidrostática
glomerular perto do normal, prevenindo reduções marcadas da TFG se a hipoperfusão não for excessiva.
No entanto, existe um limite, e quando a perfusão é demasiado baixa ou quando os mecanismos não são eficazes,
ocorre efetivamente LRA pré-renal, ou seja, a TFG diminui. Caso o distúrbio hemodinâmico seja corrigido, a TFG volta
ao normal e deixa de haver LRA.
A azotémia pré-renal pode coexistir com lesão renal intrínseca na medida em que períodos prolongados de
hipoperfusão renal culminam também em lesão isquémica, frequentemente denominada necrose tubular aguda.
Existem fatores que determinam a eficácia da resposta autorregulatória e o risco de azotémia pré-renal:
• A aterosclerose, hipertensão e idade avançada podem levar a hialinose e a hiperplasia da camada íntima,
diminuindo o lúmen das arteríolas intrarenais e diminuindo a capacidade de dilatação da arteríola aferente;
• Os AINEs inibem a produção de prostaglandinas renais, limitando a vasodilatação da arteríola aferente; os
IECAs e os ARAs limitam a vasoconstrição da arteríola eferente. Portanto, uma combinação de AINEs com
IECAs ou ARAs aumenta o risco de desenvolver azotemia pré-renal.
2. Renal
As causas mais comuns de LRA intrínseca são sépsis, isquémia e nefrotoxinas endógenas ou exógenas (podendo a
primeira cursar inicialmente com LRA pré-renal). Neste tipo de situação, verifica-se lesão do parênquima renal,
denominando-se classicamente necrose tubular aguda (apesar de fenómenos de apoptose e inflamação contribuírem
também para a fisiopatologia). Outras causas menos comuns podem ser agrupadas anatomicamente consoante a
porção do parênquima mais afetada: glomérulos (glomerulonefrites), tubulointerstício (doenças infiltrativas, infeções
com infiltrado inflamatório proeminente…) e vasos (vasculites).
Neste tipo de LRA, o que se encontra alterado na fórmula é o coeficiente de filtração, o que traduz que ou existe uma
diminuição na permeabilidade capilar ou na superfície total de filtração (ou seja, uma diminuição no número de
nefrónios funcionais).
LRA associada a sépsis
Os efeitos hemodinâmicos da sépsis (vasodilatação arterial generalizada, mediada em parte por citocinas que
aumentam a expressão da NO sintase na vasculatura) podem levar a diminuição da TFG. Os mecanismos podem ser
excessiva vasodilatação da arteríola eferente, ou vasoconstrição renal pela ativação do SN Simpático, sistema renina-
angiotensina-aldosterona, ADH e endotelina. A sépsis pode levar a dano endotelial, que resulta em trombose
microvascular, ativação de espécies reativas de oxigénio e adesão e migração leucocitária, que podem danificar as
células tubulares renais.
A LRA desenvolve-se mais frequentemente quando a isquémia ocorre em contexto de reserva renal limitada (doença
renal crónica ou idosos) ou com situações concomitantes como sépsis, fármacos vasoativos ou nefrotóxicos,
rabdomiólise ou estados inflamatórios sistémicos associados a queimaduras e a pancreatite. A LRA intrínseca
isquémica ocorre frequentemente por sépsis (com um componente inflamatório da fisiopatologia mais marcado), no
pós-operatório (especialmente em operações que envolvam perdas de sangue significativas ou hipotensão
intraoperatória), na pancreatite aguda e em queimaduras extensas (por diminuição acentuada da volémia), entre
outras situações.
LRA associada a nefrotoxinas
A LRA intrínseca pode também ser induzida por inúmeras nefrotoxinas, endógenas ou exógenas, as quais exercem
efeitos diretos sobre as células do rim, podendo afetar as tubulares, as intersticiais ou as endoteliais. A fisiopatologia
deste tipo de LRA é bastante variável consoante as toxinas, podendo envolver vasoconstrição renal, necrose tubular
aguda, inflamação local, stress oxidativo, precipitação intratubular obstrutiva, entre outros mecanismos. No entanto,
existe alguma coincidência entre vários dos mecanismos da LRA nefrotóxica e da puramente isquémica.
Tal como noutras formas de LRA, fatores de risco para a nefrotoxicidade incluem idade avançada, doença renal crónica
e azotémia pré-renal. A hipoalbuminémia pode aumentar o risco de algumas formas de LRA associada a nefrotoxinas
devido ao aumento da concentração de fármaco/toxina livre em circulação.
• Exógenas
o Agentes de contraste (mais tóxicos em doentes com doença renal crónica)
o Antibióticos: aminoglicosídeos, anfotericina B…
o Antineoplásicos: cisplatina, carboplatina, ifosfamida, bevacizumab…
o Ingestão de tóxicos ambientais e industriais.
• Endógenas
o Mioglobina e hemoglobina (na rabdomiólise e hemólise, respetivamente, causando nefropatia de
pigmentos).
o Ácido úrico.
o Cadeias leves de mieloma.
3. Pós-renal
A LRA pós-renal ou obstrutiva ocorre quando o fluxo urinário é bloqueado subitamente, levando a acumulação de
urina a montante da obstrução, com aumento da pressão hidrostática na cápsula de Bowman, o que diminui a TFG.
Em indivíduos saudáveis com dois rins, esta obstrução tem de afetar ambos os rins; caso afete apenas um, o outro
consegue compensar. Uma obstrução que afete exclusivamente um rim só causa LRA no contexto de indivíduos com
apenas um rim, indivíduos com doença renal crónica ou, raramente, quando é desencadeado vasospasmo reflexo no
rim contralateral.
Para além do aumento da pressão hidrostática da cápsula de Bowman, a fisiopatologia da LRA pós-renal envolve
também alterações hemodinâmicas causadas por um aumento súbito das pressões intratubulares. Apesar de
inicialmente ocorrer uma vasodilatação da arteríola aferente, estas situações acabam por cursar com vasoconstrição
intrarenal por aumento de angiotensina II, tromboxano A2 e ADH e diminuição da produção de NO (apesar de a TFG
estar reduzida, o rim interpreta as pressões intratubulares elevadas como resultado de uma filtração excessiva e ativa
mecanismos de retenção, que agravam a situação).
Também na LRA pós-renal é de extrema importância descobrir rapidamente a causa pois a correção da obstrução, seja
por algaliação, urostomia ou outras abordagens, geralmente interrompe a progressão da lesão.
Complicações
O rim tem um papel central no controlo homeostático da volémia, pressão arterial, composição eletrolítica do plasma
e equilíbrio ácido-base e na excreção de produtos azotados tóxicos. Tudo isto pode estar afetado numa LRA,
dependendo da gravidade e da presença ou não de outras patologias associadas. LRA ligeira a moderada pode ser
completamente assintomática.
Urémia
A acumulação de produtos azotados, com um aumento da concentração sérica de BUN, é característica da lesão renal
aguda. Em concentrações inferiores a 100mg/dL, a BUN raramente apresenta toxicidade, mas com níveis mais
elevados podem surgir alterações nervosas, musculares e metabólicas, entre outras.
Além da ureia, pensa-se que outras substâncias (nomeadamente fenóis, polióis, nucleósidos, carbonilos, guanidinas…)
normalmente eliminadas pelo rim possam também estar na origem deste conjunto de sinais e sintomas que
caracteriza a síndrome urémica.
A correlação entre as concentrações de BUN e SCr e os sintomas urémicos é extremamente variável, em parte devido
às diferentes taxas de formação destes produtos entre indivíduos.
Hipervolémia e hipovolémia
Expansão do volume extracelular é uma complicação major da LRA oligúrica/anúrica, devido a excreção ineficiente de
sal e de água. Isto pode cursar com aumento de peso, edema dependente, pressão venosa jugular aumentada e edema
pulmonar.
A recuperação da LRA é por vezes acompanhada de poliúria, a qual, se não tratada, pode levar a depleção de volume
significativa. Esta fase poliúrica da recuperação deve-se a uma diurese osmótica da ureia e outras toxinas acumuladas
durante a LRA e também a uma recuperação gradual das funções reabsortivas dos túbulos renais.
Hiponatrémia
A hiponatrémia pode surgir caso, numa fase oligúrica, o doente continue a ingerir água (elimina pouco sódio e água e
ingere mais água que sódio – hiponatrémia por diluição) ou pode ser uma complicação da terapêutica (administração
excessiva de fluídos cristalóides hipotónicos ou de dextrose isotónica). Esta hiponatrémia pode cursar com
complicações neurológicas, nomeadamente convulsões.
Hipercaliémia
As anormalidades na composição eletrolítica plasmática na LRA podem ir desde ligeiras a bastante severas.
Frequentemente a mais preocupante é a hipercaliémia. Esta é mais marcada quando a causa de LRA é rabdomiólise,
hemólise ou síndrome de lise tumoral, por libertação de potássio intracelular. Pode resultar em fraqueza muscular,
mas a sua mais complicação mais preocupante é ao nível da condução cardíaca, provocando disritmias potencialmente
fatais.
Acidose metabólica
A acidose metabólica, geralmente de hiato aniónico elevado, é bastante comum na LRA, por retenção de metabolitos
ácidos que seriam normalmente excretados (sulfatos, fosfatos…). A excreção de ião hidrogénio pode também estar
afetada numa LRA intrínseca (pois a função secretória dos túbulos renais está afetada), podendo causar uma acidose
metabólica de hiato aniónico normal.
A gravidade e fisiopatologia da acidose metabólica acaba por ser muito variável, consoante a etiologia da LRA, o grau
de dano do parênquima renal e outras patologias concomitantes.
Hiperfosfatémia e hipocalcémia
A hiperfosfatémia deve-se a retenção de fosfato e é mais severa em estados particularmente catabólicos ou em LRA
causadas por rabdomiólise, hemólise e síndrome de lise tumoral, por libertação de fosfato intracelular.
A hipocalcémia deve-se, essencialmente, à precipitação do cálcio sérico com o fosfato em excesso, podendo ocorrer
deposição metastática de fosfato de cálcio. Adicionalmente, irregularidades no eixo vitamina D – PTH – FGF-23
também podem contribuir para a hipocalcémia (estes mecanismos tornam-se mais relevantes na doença renal
crónica). A hipocalcemia é usualmente assintomática, mas pode levar a parestesias, cãibras musculares, convulsões e
prolongamento do intervalo QT.
Outras
Podem ocorrer complicações hematológicas, nomeadamente anemia e hemorragia, causadas por eritropoiese
reduzida e disfunção plaquetária, respetivamente.
Adicionalmente, podem ocorrer complicações cardíacas, não só as disritmias causadas por distúrbios eletrolíticos
(hipercaliémia) mas também pericardite e efusão pericárdica.
Está também descrita uma fragilização do sistema imunitário, podendo haver maior predisposição para infeções.
Por fim, dado que a LRA provoca frequentemente um estado hipercatabólico severo, malnutrição é uma complicação
major frequente.
A DRC traduz-se por uma perda lenta e gradual do filtrado glomerular, enquanto a LRA está associada a uma alteração
súbita da função glomerular.
Fisiopatologia da DRC
• Mecanismos específicos desencadeantes da etiologia propriamente dita (por exemplo defeitos genéticos
aquando do desenvolvimento renal, deposição de complexos imunes e inflamação associada a certos tipos de
glomerulonefrite, exposição a toxinas (decorrente de doenças renais
intersticiais e/ou tubulares));
• Mecanismos de progressão da doença, envolvendo hiperfiltração e
hipertrofia dos nefrónios funcionantes, consequência da redução da massa
renal, independentemente da etiologia primária. Este mecanismo será
desenvolvido posteriormente.
A lesão renal manifesta-se de diversas maneiras, nomeadamente através da diminuição do filtrado glomerular e da
proteinúria.
Relativamente ao processo de filtração glomerular, é importante ter em conta que a barreira de filtração do glomérulo
restringe a passagem de proteínas com determinado peso molecular. A albumina, cujo volume e peso moleculares são
ligeiramente menores do que o próprio poro, não é filtrada devido às suas cargas elétricas negativas. A acrescentar a
este facto, as células endoteliais apresentam um conjunto de “pés extracelulares” - podócitos - que também têm
cargas elétricas negativas, contribuindo para impedir a filtração da albumina. Quando há lesão renal, este processo
está perturbado, culminando no aparecimento de proteínas na urina. Este aparecimento é indicativo de que a
capacidade de reabsorção tubular no TCP (local onde ocorre a endocitose das proteínas e degradação da albumina)
foi ultrapassada e houve uma disfunção endotelial suficientemente significativa para justificar a proteinúria.
As principais manifestações de lesão renal vão ter repercussões na morfologia do rim, ou seja, o rim vai sofrer
alterações na sua forma e tamanho, que são detetáveis através dos métodos de imagem, como a ecografia (principal
método de imagem utilizado para este fim), a tomografia computorizada e a ressonância magnética, conforme a
radiação.
Apesar de, à partida, a maior parte das pessoas nascer com os dois rins a funcionar normalmente, à medida que vamos
envelhecendo, vamos assumindo alguns fatores de riscos para a perda do filtrado glomerular e, consequentemente,
para a DRC:
• Envelhecimento (fisiológico);
• Diabetes;
• Hipertensão;
• Obesidade;
• Dislipidémia;
• Sedentarismo;
• Fármacos nefrotóxicos;
• Lesão Renal Aguda;
• Doenças autoimunes;
• Componente genética
Os fatores de risco estão associados à perda lenta e progressiva (“um a um”) do nº de nefrónios funcionantes e, por
conseguinte, do filtrado glomerular. É, por isso, fundamental na prática clínica, identificar e controlar os fatores de
risco que levam à perda da função renal.
Na história natural da doença, definem-se estadios, de 1 a 5, baseados na TFG. O cálculo destes estadios é feito a partir
da creatinina, com fórmulas (MDRD ou CKD) que nos dão estimativas da TFG. Estas fórmulas foram obtidas a partir de
estudos que correlacionavam a creatinina e as características das pessoas com a TFG. Por exemplo, as pessoas negras
têm mais massa muscular, que se correlaciona com um aumento normal da creatinina sérica e isto tem de ser corrigido
nas fórmulas. De uma forma análoga, o mesmo valor de creatinina para uma mulher e para um homem não implica
TFG iguais, tendo mais uma vez em linha de conta a massa muscular. Um outro fator que influencia a fórmula é a
idade.
Progressão da doença
Normalmente, o valor de referência para a TFG é de 100-120mL/min. Este obtém-se dividindo 180L (ultrafiltrado
diário) por 1440 min (minutos diários). O valor de TFG para o qual diagnosticamos uma insuficiência renal é TFG ≤ 60
mL/min. Com a evolução, esta perda pode levar a uma fase de falência completa do rim. Neste estadio terminal, a
sobrevivência depende da diálise ou da transplantação renal. Dada a epidemiologia pouco favorável de DRC em
Portugal, cabe ao médico evitar que se chegue a esta fase terminal, pelo que é fundamental intervir ao longo da
história natural da doença, através da promoção de alterações do estilo de vida e recurso a fármacos.
Diabetes e DRC
Albuminúria
Os doentes diabéticos, a partir de uma certa altura (cerca de 5 anos se não forem bem controlados), vão manifestar
repercussões microvasculares nos vários órgãos-alvo desta doença, nomeadamente, na retina, no sistema nervoso e
no rim.
Por vezes, associados à diabetes, surgem no interstício glomerular depósitos de proteínas que clinicamente se
manifestam causando proteinúria. Os anatomopatologistas designam esta lesão por Glomerulopatia de Kimmelstiel
Wilson. Esta lesão pode resultar da evolução da nefropatia diabética. Portanto, a lesão glomerular intersticial vai levar
a uma perda de função e esta perda de função vai fazendo com que haja evolução ao longo da história da doença
natural.
• Glomerulonefrite;
• Uropatias;
• Necrose Tubular Iatrogénica;
• Doenças hereditárias;
• Hipertensão arterial;
• Fármacos analgésicos e AINEs.
A destruição individual dos nefrónios não ocorre em todos simultaneamente. Gradualmente, os nefrónios que não
foram afetados vão sofrer um processo de hiperplasia compensatória e, incongruentemente, será a hipertrofia que, a
longo prazo, levará à destruição do próprio rim.
Num glomérulo normal, um podócito envolve várias ansas capilares. No entanto, à medida que vai existindo a tal
hipertrofia compensatória, existe também uma hipertrofia do podócito que acaba por ceder, levando à própria lesão
de toda uma estrutura glomerular. Assim sendo, vai existir um aumento de passagem de proteínas, como a albumina,
para o espaço urinário. Em adição, a perda de nefrónios funcionantes vai levar a um aumento do fluxo glomerular,
perda da densidade das células epiteliais, “fusão” dos podócitos e colapso dos capilares. Isto vai acabar por resultar
em colapso e destruição de partes do glomérulo. Este processo de autodestruição dos glomérulos é muito lento e,
portanto, passa completamente despercebido pelas pessoas que, na maioria dos casos, são assintomáticas.
É necessário ter em atenção que a retenção de solutos não é equiparável entre eles. De facto, há mecanismos de
adaptação que fazem com que certos solutos sejam muito bem adaptados à perda de função renal. Assim sendo,
alguns compostos, como os fosfatos e os uratos, não aumentam a fração de excreção urinária até fases já muito
avançadas da doença. O marcador ideal seria aquela que à medida que baixava a TFG existiria um aumento sérico do
soluto, no entanto este não existe. Efetivamente, mesmo os níveis plasmáticos de creatinina (tipicamente o marcador
da função renal) não se elevam nas primeiras fases da doença, decorrente da secreção ativa desta.
Homeostasia da água e Na+: a maioria dos doentes com DRC estável tem um aumento ligeiro dos níveis de sódio e
água, impercetível ao exame objetivo. Em alguns casos de glomerulonefrites, se a ingestão de sódio for superior à sua
excreção urinária, existirá um aumento do volume do líquido extracelular, o que condiciona o desenvolvimento de
hipertensão arterial que, por sua vez, leva a uma diminuição do número de nefrónios por lesão renal. Desde que a
ingestão de água não exceda a capacidade de clearance da água, a expansão do volume extracelular é isotónica e o
paciente terá uma concentração plasmática de sódio normal – a hiponatremia não é frequente na DRC, mas quando
presente geralmente corresponde a restrição de água. Por outro lado, quando há uma causa extrarenal que leve à
perda de água e sódio (ex: perda no TGI ou terapia diurética), pode ocorrer diminuição do volume extracelular devido
à incapacidade do rim em reabsorver adequadamente o sódio filtrado.
Homeostasia do K+: na DRC, a diminuição da TFG não é necessariamente acompanhada por uma diminuição da
excreção urinária de potássio, uma vez que, apesar da filtração estar diminuída, esta vai ser compensada pela secreção
aldosterona-dependente ao nível do túbulo distal. Devido a este mecanismo, numa situação de hipercaliémia,
despoletada quer por diminuição da TFG para níveis inferiores a 15-20 mL/min, ou por aumento do intake de potássio
na dieta, ou catabolismo proteico, hemólise, hemorragia, inibidores do SRAA e diuréticos poupadores de potássio…
vai existir uma tentativa de compensação por parte da aldosterona, a fim de secretar mais potássio e absorver mais
sódio. Eventualmente isto vai culminar num hiperaldosteronismo compensatório.
Acidose metabólica
A acidose metabólica é um distúrbio comum na DRC em estadios avançados. A maioria dos pacientes ainda é capaz de
acidificar a urina, no entanto, produz menos amónia e, por esse motivo, não é capaz de excretar a quantidade normal
de protões em combinação com este tampão urinário. Ainda assim, nos estádios iniciais da DRC (1 a 3) pode-se
desenvolver uma acidose metabólica hiperclorémica, ou seja, sem anion-gap. Nestes casos, o que se verifica é uma
diminuição da produção de amónia, perdendo-se também o seu efeito de tampão da urina. Os níveis de amónia
encontram-se ainda mais deprimidos em casos em que existe hipercaliémia. Quando existe uma deterioração mais
acentuada na função renal, o que se verifica é que a excreção de ácido se encontra ainda mais limitada, levando à sua
retenção. Passa-se, então, a ter uma acidose metabólica com aumento do anion-gap.
2. Mecanismo fosfocálcio
A diminuição da TFG (< 60 mL/min) condiciona uma redução da excreção de fosfato e, consequentemente, a sua
retenção. Por sua vez, o fosfato “retido” estimula a secreção de FGF-23, pelos osteócitos, e de PTH (estimulando o
aumento do tecido glandular das paratiroideias). Níveis reduzidos de cálcio ionizado, resultante da supressão do
calcitriol pelo FGF-23 e pela disfunção renal, bem como a retenção de fosfato, também levam à estimulação da
produção de PTH. Estes baixos níveis de calcitriol contribuem para o hiperparatiroidismo, não só porque levam à
hipocalcémia, mas também por efeito direto na transcrição do gene da PTH. Neste caso, trata-se de
hiperparatiroidismo secundário à disfunção renal. O hiperparatiroidismo estimula o turnover ósseo e leva a osteitis
fibrosa cystica/tumores castanhos. As manifestações clínicas do hiperparatiroidismo severo incluem dor e fragilidade
óssea, tumores castanhos, síndrome de compressão e resistência à eritropietina em parte relacionada com a fibrose
da medula óssea. Para além disso, a PTH é considerada uma toxina urémica.
Estudos demonstram correlação entre hiperfosfatémia e aumento da mortalidade por causas cardiovasculares em
doentes com DRC de estadio 5, ou até anteriores. O mecanismo pelo qual isto acontece ainda não foi bem
estabelecido. No entanto, há uma possível correlação entre os doentes com DRC e uma maior incidência de
calcificação, não só da túnica média das artérias coronárias, mas também das válvulas cardíacas.
3. Anormalidades cardiovasculares
As doenças cardiovasculares são a principal causa de mortalidade e morbilidade na DRC, em qualquer estadio. A
maioria das pessoas com DRC morre de causa cardiovascular antes de alcançar o estadio 5 da mesma.
Doença vascular isquémica:
A existência de DRC, independentemente do estadio, é fator de risco para doenças cardiovasculares de origem
isquémica. Estas ocorrem, maioritariamente, devido a:
• Hipertensão;
• Hipervolémia;
• Dislipidemia;
• Hiperatividade simpática;
• Hiperhomocisteinémia;
• Anemia;
• Hiperfosfatémia;
• Hiperparatiroidismo;
• ↑ FGF-23;
• Apneia do sono;
• Inflamação generalizada.
Insuficiência cardíaca:
A disfunção cardíaca secundária à isquémia do miocárdio, hipertrofia do ventrículo esquerdo e cardiomiopatia severa,
associadas à retenção de sal e água - típicas da DRC - frequentemente resultam em insuficiência cardíaca ou até edema
pulmonar.
A hipertensão é uma das complicações mais comuns da DRC. Normalmente inicia-se nos estadios mais precoces da
DRC e está associado a mau prognóstico, incluindo desenvolvimento de hipertrofia ventricular e perda acelerada da
função renal. Muitos estudos mostraram que existe relação entre os níveis de pressão arterial e a progressão da
doença renal de origem diabética e não-diabética. A hipertrofia do ventrículo esquerdo encontra-se entre os fatores
com maior risco de morbilidade e mortalidade cardiovasculares associados à DRC. Isto está maioritariamente
relacionado com hipertensão prolongada e sobrecarga do volume extracelular. Para além disso, tanto a anemia como
a colocação de uma fístula arteriovenosa para hemodiálise podem gerar um aumento do débito cardíaco, levando à
Insuficiência Cardíaca.
4. Anormalidades hematológicas
Anemia
A anemia normocítica e normocrómica é frequentemente observada em doentes com DRC no estadio 3, e quase
sempre em doentes no estadio 4. A principal causa de anemia nestes doentes é a produção insuficiente de
eritropoietina (EPO). Entre outros fatores incluem-se a diminuição do tempo de sobrevida dos eritrócitos, diátese
hemorrágica, deficiência de ferro, …
Hemostasia anormal
Os doentes nos estadios mais avançados da DRC podem apresentar um aumento do tempo de coagulação, diminuição
do fator III plaquetário, adesão e agregação plaquetárias anormais e disfunção na conversão de protrombina em
trombina. Clinicamente, este estado de hemostasia manifesta-se através de hemorragias em diversos locais.
5. Anormalidades neuromusculares
As neuropatias do SN Central, Periférico e Autónomo, bem como anomalias na estrutura e função musculares estão
frequentemente associadas à DRC. Geralmente, a neuropatia periférica torna-se clinicamente evidente a partir do
estado 4 da DRC. Por sua vez, a doença neuromuscular urémica apresenta manifestações clínicas subtis a partir do
estadio 3. Entre as manifestações clínicas da neuropatia do SN Central destacam-se as perturbações de memória, da
concentração e do sono e a irritabilidade neuromuscular (através de soluços, cãibras e fasciculações). Num estadio
avançado da doença não tratada, podem ainda observar-se asterixis, mioclonia, convulsões e coma.
6. Anormalidades gastrointestinais
O fetor urémico - hálito com odor a urina - resulta da conversão de ureia em amónia na saliva e está frequentemente
associado a um sabor metálico desagradável (disgeusia). Pode-se ainda observar, em doentes urémicos, gastrite,
doença péptica e ulcerações na mucosa a qualquer nível do trato gastrointestinal. Consequentemente surgem
manifestações como dor abdominal, anorexia, náuseas, vómitos e hemorragias gastrointestinais.
7. Distúrbios endócrinos
Na DRC, o metabolismo da glicose vai estar comprometido, refletindo-se numa diminuição da capacidade de reduzir
os níveis séricos de glicose após refeições. Assim sendo, num estado pós prandial, após um mesmo intervalo de tempo,
um indivíduo com DRC vai apresentar níveis de glicose mais elevados no sangue que uma pessoa sem esta patologia.
No entanto, os níveis de glicose em jejum estão normais ou ligeiramente elevados. Adicionalmente, uma vez que os
rins participam na excreção de insulina sérica, os níveis plasmáticos da mesma vão estar ligeira ou moderadamente
elevados, quer num estado de jejum ou pós-prandial. Devido à diminuição da excreção renal de insulina, os doentes
medicados com insulina poderão ter de ser sujeitos a ajustes de dose.
Relativamente às hormonas esteróides (femininas - estrogénios; masculinas - testosterona) ambas estarão diminuídas,
o que terá repercussões clínicas associadas.
8. Anormalidades dermatológicas
São prevalentes na DRC, manifestando-se sobretudo através de prurido. Doentes sujeitos a diálise têm,
frequentemente, melhorias dos sintomas dermatológicos.
Na DRC avançada, mesmo que o doente esteja em diálise, este pode apresentar-se com hiperpigmentação, resultado
da deposição de metabolitos pigmentados - urocromos. A DRC está, também, associada a uma condição dermatológica
única denominada dermopatia fibrosante nefrogénica.
SEMINÁRIO HTA
Caso clínico
Temos um homem de 50 anos, obeso, com um volume abdominal também aumentado, fumador, supostamente
sedentário e que é escriturário, o que não lhe confere características de sedentário, mas é.
Esta noite chegou ao hospital com uma situação de cefaleias intensas, e foi internado. Tem uma história anterior, que
começou aos 38 anos, se queixas, numa consulta médica, apresentava uma pressão arterial de 155/95mmHg.
A pressão arterial não é normal, mas isso não faz deste doente um hipertenso. Precisamos de saber qual é o valor a
partir do qual existe HTA (acima de 140 de sistólica e/ou acima de 90 de diastólica), mas para o estabelecimento do
diagnóstico de HTA são necessários, pelo menos, duas medições no mesmo momento, separadas por alguns minutos,
e em, pelo menos, duas visitas ou dois encontros com o profissional de saúde. Só quando isto é estabelecido, duas
medições, duas vezes separadas no tempo, é que se pode dizer que há HTA e assim estabelecer o diagnóstico, para
este homem de 38 anos, na altura.
Foi pedido pelo seu médico assistente na altura, no âmbito da medicina do trabalho, uma medição em ambulatório
da sua PA, através do MAPA, que é um exame que se faz com monitorizações da PA num dia normal da vida do doente,
com medições da PA de 15 em 15 ou de 30 em 30 minutos, ao longo de 24 horas. Os resultados foram estes: HTA
estabelecida ao longo das 24 horas, e sem alteração significativa da PA durante o sono.
O doente já era tido como hipertenso antes de fazer este exame ou não? Sim, o doente já era hipertenso, mas, se
houvesse suspeita de HTA da bata branca ou de PA que não é igual nas 24 horas, então, nessa ocasião, é necessário
fazer um MAPA, para estabelecer o diagnóstico do padrão de HTA. E, de facto, quando nós olhamos para as indicações
deste exame, fazemos por suspeita de HTA da bata branca, ou, no sentido oposto, por suspeita de HTA que não se
documenta na consulta (que ocorre nos doentes que têm, aparentemente, lesão subclínica de algum órgão, mas que
nunca conseguimos detetar valores de PA elevados) e, nestas situações, é necessário a realização de um MAPA. Neste
doente não havia dados que fossem suscetíveis de pensarmos que se tratava de uma HTA de bata branca, pois o
doente tinha outros fatores de risco (fumador, obeso, sedentário, etc) e, por outro lado, nunca nos tinha dito que
tinha feito uma medição ocasional fora do gabinete de consulta em que a PA estivesse normal. E, por isso, este exame,
em particular para este doente, não era necessário.
Mas, ainda assim, há um dado importante que aqui diz, que é o facto de ele não ter uma diminuição significativa da
PA durante o sono.
• Os valores considerados fisiologicamente normais consistem numa diminuição da PA durante o sono, como
era espetável pela sua variação circadiana.
• No padrão nondipping, que neste caso, corresponde a PAS medidas no MAPA, mostra que as PAS não só são
elevadas em relação ao normal, como não têm esta diminuição durante a noite.
A existência de um padrão nondipping é tradutor de maior mortalidade cardiovascular e num maior evento
cardiovascular que conduz, ou não, à morte.
Um estudo recente demosntrou um padrão nondipping VS um padrão dipping, e, no padrão dipping, a mortalidade
subiu 33 vezes face ao controlo, assim como a mortalidade cardiovascular.
E, se olharmos para a metanálise dos eventos cardiovasculares que conduzem ou não conduzem à morte, também
verificamos que a súmula estatística dos vários estudos publicados e, alguns portugueses, é a favor de pior prognóstico
quando não há padrão dipping.
(Padrão non-dipping = padrão de PA caracterizado pela não diminuição da mesma durante as horas em que a pessoa
está a dormir).
Depois de estabelecido o diagnóstico de HTA damos-lhe conselhos sobre estilo de vida, alimentação, exercício físico e
tratamos o doente (farmacologicamente). Mas atenção, é necessário estabelecer a etiopatogénese da PA. É
necessário investigar a presença de lesão em algum órgão, para sabermos o quão grave é esta PA elevada. Temos de
definir o risco cardiovascular total, uma vez que vai ser importante tratar, não só a HTA, mas também os outros
problemas e fatores de risco que vão ser concomitantes, nestes doentes.
Para estabelecer a causa, é necessário fazer uma história clínica, um exame objetivo e pedir exames complementares
de diagnóstico.
O doente fez uma ecografia renal, uma TC da suprarrenais e, dada a idade, que aparece no caso clínico, fez uma
determinação da atividade de renina plasmática e um renograma.
Saber os valores da renina num doente com HTA, modifica a terapêutica? Temos alguma guideline
internacional que diga: se renina elevada é este o fármaco, se não elevada é este, etc? Não. Não há nenhuma
evidência que na HTA essencial, a variação dos valores da renina plasmática influencie a decisão terapêutica. Se esta
análise for necessária, é por outro motivo.
É expectável uma aterosclerose aos 38 anos? Não. Apenas a partir dos 50.
1. Displasia fibromuscular das artérias renais (estenose não provocada por aterosclerose)
2. Situações de hiperaldosteronismo por tumor secretório das suprarrenais, como o feocromocitoma.
3. Apneia do sono (é uma situação muito particular, que normalmente relaciona-se riscos cardiovasculares
clássicos, e tem sido apresentada/documentada de forma controversa, mas pode ser uma causa).
4. Síndrome de Cushing
Isto significa que não tem causa? Não, é claro que tem uma causa. Mas então porque é que é essencial? Essencial, em
medicina, costuma ser sinónimo de idiopático, ou seja, sem causa documentada. É essencial porque não tem apenas
uma causa, mas um conjunto de fatores que a causa, isto é, é uma HTA multifatorial.
Os fatores que contribuem para o desenvolvimento da HTA são fatores genéticos (quase metade da etiopatogénese
da HTA essencial tem fatores genéticos associados, nomeadamente polimorfismos, que não são doenças com
manifestações clínicas), fatores relacionados com a hemodinâmica (como a diminuição da excreção de sódio a nível
renal), com o sistema nervoso simpático, com o estilo de vida, dentre outros.
Como é que se explica o aparecimento de HTA Essencial? Classicamente, a explicação dependia de uma situação
designada curva de pressão de diurese, que é um conceito que tem sido abandonado há alguns anos.
Aquilo que se pensava sobre os fatores iniciadores da HTA é que indivíduos geneticamente predispostos a
polimorfismos em múltiplas enzimas e proteínas envolvidas na função neuro-renal, na forma como o rim responde à
dieta, etc, e, sobretudo, na função endotelial, definem dois tipos de suscetibilidade:
O que é que isto quer dizer? Quer dizer que se pensou durante muito tempo (que esta teoria já é dos anos 80), que,
quando nós aumentamos a nossa ingestão de sal na alimentação, de 1 vez o normal para 6 vezes o normal
(concentrem-se na linha do meio da imagem abaixo, que é o equilíbrio), aquilo que se verifica é que a PA passa de 100
para sensivelmente 140.
E isto entende-se porque o sódio é uma carga osmoticamente ativa, que vai aumentar o volume intravascular e
consequentemente o retorno venoso e o volume sistólico e de ejeção, aumentando o débito cardíaco e, levando, em
última instância, ao aumento da HTA.
1. Ou não a capacidade adaptativa deste indivíduo e a PA mantém-se elevada, o que acontece nos indivíduos
sal-sensível.
Isto significa que, nos indivíduos sal-resistentes, o balanço de sódio no organismo vai tender a ser neutro, pois
aumentou tanto a sua ingestão como a sua excreção.
Nos outros, aumentou a ingestão, mas não foi possível aumentar a excreção, e o seu balanço foi superior ao normal.
O problema foi que, quando se fez uma investigação, que eticamente até foi um bocadinho discutível, num curto
período curto de tempo (cerca de uma semana), verificou-se que o balanço de sódio, quando se aumentou a ingestão
de sódio na alimentação, no dia 0, foi igual nos dois grupos.
Isto significa que, apesar de se verificar esta diferença muito significativa da PA entre sal-resistentes e os sal-sensível,
não é o balanço de sódio que fica no organismo, que está a contribuir para esta diferença de pressão.
Portanto, tem de haver outro mecanismo que não seja, pelo menos isoladamente, o aumento da natriurese, que
justifique estas diferenças de PA.
A diferença está na resistência vascular periférica. Nos doentes sal-sensível, não há uma diminuição compensatória
da RVP, enquanto que nos sal-resistentes, em resposta ao aumento do volume intravascular, por aumento da ingestão
de sódio, verifica-se uma diminuição da RVP.
E isto é aquilo que restabelece o equilíbrio, e não só o aumento da excreção de sódio a nível renal.
Isto leva-nos a uma coisa que nos permite integrar rapidamente a fisiopatologia da HTA, no polo fisiopatológico dos
fatores genéticos e o sal, um segundo, que é o síndrome metabólico da disfunção endotelial.
E porque é que há indivíduos que conseguem responder ao aumento da ingestão de sal, tendo a resposta fisiológica
compensatória da diminuição da RVP, e outros que não? E a resposta está na disfunção endotelial.
Há indivíduos que têm disfunção endotelial, e, como tal, não conseguem fazer uma utilização vasodilatadora do NO e,
como tal, ficam com vasoconstrição e respondem com HTA, que são os sal-sensível. E há outros que, não tendo
disfunção endotelial, têm valores normais de utilização vasodilatadora do NO e, por isso, conseguem reduzir a RVP de
forma compensatória e restabelecer o equilíbrio.
A pergunta que agora vamos ter de fazer é: porque é que há indivíduos com e outros sem disfunção endotelial? E a
resposta está no síndrome metabólico. Os indivíduos com fatores de risco, nomeadamente, obesidade, sedentarismo,
erros alimentares e tabagismo, são aqueles que, instituem um estado pró-inflamatório, pró-isquémico, pró-
trombótico, que, em todo o organismo, gera disfunção endotelial. Estes são aqueles que não podem diminuir
compensatoriamente a RVP e, como tal, apresentam HTA em resposta a fatores genéticos e alterações alimentares.
Despois destes dois polos, fatores genéticos e sal, e síndrome metabólico e disfunção endotelial, estarem instalados,
a resposta renal vai ser cada vez pior. Isto é, se há fatores pró-inflamatórios, pró-trombóticos, pró-isquémicos, a vaso-
circulação renal entra também neste mecanismo de alterações da microcirculação, trombose, hiperfiltração
glomerular, hipertensão glomerular e iniciam-se mecanismos de perpetuação da retenção de sódio, da perpetuação
da HTA e, mais importante aqui, inicia-se a via fisiopatológica da doença renal crónica e esta vai ter as piores
consequências, para além de AVC e da HTA.
A etiopatogénese da HTA está estabelecida. Quanto à presença de lesão no órgão-alvo, os exames que terão de ser
feitos são alguns dos que já fizemos anteriormente, nomeadamente ECG, sempre que houver sugestão na história,
não esquecer a sugestão de isquemia miocárdica, e a avaliação renal.
Dependendo do score, isto é, para além de sabermos se o doente tem ou não tem lesão de órgão alvo, sabemos que
isso compromete um maior risco cardiovascular. É possível com o score verificar que se considerarmos a presença de
lesões órgão alvo num score inferior a 5 ou num score superior a 5 têm um risco cardiovascular bastante diferente e
independentemente das lesões de órgãos alvo serem as mesmas nos dois grupos. Portanto, o estabelecimento do
score é importante porque é preditor do fator cardiovascular e porque nos ajuda a estabelecer os restantes fatores
de risco cardiovasculares do doente.
O doente explica a informação de que tinha um pai que tinha falecido aos 60 anos com um enfarte do miocárdio. É
um fator de risco? Não. O fator de risco para a descendência é doença cardiovascular precoce. Significa doença
cardiovascular antes dos 55 anos para o sexo masculino. O pai tinha 60 anos. Se o pai tivesse morrido com 40 anos
com enfarte agudo do miocárdio, era fator de risco cardiovascular para a descendência. Mas não é o caso. Portanto,
o fator de risco familiar para a doença cardiovascular é a existência de doença cardiovascular precoce que se define
com evento cardiovascular antes dos 55 anos no sexo masculino e antes dos 65 anos no sexo feminino. Estas idades
são para os familiares, não para o próprio doente.
Portanto, este senhor, o Manuel, tem uma história de HTA que começa aos 38 anos e que vai até aos 50. Há a
necessidade de identificar a causa da hipertensão, no fundo identificar situações que nós possamos tratar, porque há
sempre uma causa (multifatorial neste caso). No caso do senhor não foi indicada nenhuma patologia e, como era
fumador, obeso, tinha uma vida sedentária e tinha a dieta com muito sal, o médico prescreveu as seguintes
recomendações para reduzir a pressão arterial ou para reduzir o risco cardiovascular:
Estas são as recomendações da DGS, que são as mesmas que as guidelines europeias e americanas.
Quanto ao exercício, há estudos que mostram que deve ser feito num maior período (45 min) e com uma intensidade
à volta dos 50% considerando o volume de oxigenação, pois é onde se obtém maior redução de pressão arterial.
Estudos mostram que se houver um tempo maior, mais prolongado de exercício físico com maior carga em termos de
exercício, não é acompanhado de uma continuada redução da pressão arterial.
Base biológica para explicar porque é que há redução da PA com o exercício físico:
Em relação ao peso, há estudos que demonstram que a sua redução é acompanhada da redução da pressão arterial.
Relativamente ao consumo de sal, não deve ser superior a 5,8 gramas por dia (que é uma colher de chá rasa por dia),
o que corresponde a 2,3 gramas diárias de Na.
Quanto à dieta: foi feito um estudo (chamado DASH) em que havia um grupo controlo, um grupo com uma dieta que
foi feita com vegetais e um com dieta DASH.
E o café? É um assunto muito debatido, há muitos trabalhos sobre o café. Ao fim de algumas horas após a ingestão de
café há um aumento da pressão arterial. Mas atenção, em indivíduos hipertensos, a ingestão de cafeína produz um
aumento da pressão arterial por cerca de 3 horas. Contudo, a evidência não suporta a associação entre o uso
continuado de cafeína e o aumento da pressão e o aumento do risco cardiovascular em doentes hipertensos. Há
uma tendência para os médicos serem restritivos, proibirem tudo, neste caso proibirem o café, cujos dados científicos
não fazem sentido. De acordo com estudos, não há problema em tomar um café por dia, duas, três vezes. A cafeína
numa toma exagerada está fora de questão, não faz bem.
Agora, sobre o ponto de vista de restrição em relação a um doente que apenas usufrui do gosto pelo café, não tirem
ao doente aquilo que lhe dá prazer.
Os picos do café podem ser lesivos? Não, os picos não são suficientemente elevados. A pressão arterial não é um valor
sempre 12/8. Tudo faz alterar a pressão arterial, como dar a aula e fazer exercício. O que interessa saber é onde estão
as médias. Não há nenhuma prova que diga que o café tomado em doses moderadas faça mal.
Portanto, qual é a primeira coisa que temos de fazer ao doente quando tem hipertensão? Alterações do estilo de vida.
Estas alterações não têm efeitos adversos, custam é muito porque as pessoas têm hábitos.
Os fármacos, por outro lado, normalmente dão efeitos adversos. Mas o que devemos fazer é uma terapêutica que
tenha o mínimo de efeitos adversos.
Ora, no nosso doente foi prescrita uma nifedipina de ação prolongada. Alguém sabe o que é uma nifedipina? É uma
dihidropiridina e é um bloqueador dos canais de cálcio. O aqui se pergunta é o seguinte. Quando se dá um fármaco,
porque é que não damos dois? Ou porque é que não damos três? Porque não damos todos?
Há quem defenda que dar dois aumenta a possibilidade de tratarmos. Mas assim mais efeitos adversos (hipertensores
não competem entre si atenção), mais gastos, maior confusão para o doente por ter de tomar mais fármacos. E se
estiver tudo no mesmo comprimido? Para evitar falta de adesão à terapêutica por ser mais do que uma substância
podemos pôr tudo no mesmo comprimido. Mas assim temos um problema, que é se depois quisermos ajustar a
terapêutica, é difícil ajustar, porque tem duas substâncias. Se quiser aumentar a A e diminuir a B, não vai dar.
Na literatura existe que quando damos um medicamento, um terço dos doentes vai responder à terapêutica.
Quando damos 2, 45% vai responder à terapêutica. E com 3, 78%. Quanto mais medicamentos dermos, mais redução
da pressão arterial dentro população existe.
Vocês não vão querer ser tratados por três medicamentos quando um era eficaz. Um medicamento pode tratar entre
25% a um terço da população.
Então, quais são as recomendações das guidelines europeias? Depende da situação de administrarmos um fármaco,
depende da hipertensão que temos, depende do risco cardiovascular. Começar por um agente ou dois na combinação
de dois, conforme a situação. E depois quando não há resposta com um fármaco, ou aumentamos a dose desse
fármaco ou damos outro que seja sinérgico, que potencie a ação do outro. E segue-se sempre esta ideia até que se
atinja a dose máxima dos dois fármacos ou adiciona-se outro fármaco que atue sinergicamente. Portanto, o racional
de utilizar outro fármaco é através deste sinergismo de ação. Por exemplo, juntar dois diuréticos que atuem no
mesmo sítio não faz sentido, mas juntar um bloqueador de cálcio com um diurético já pode fazer sentido porque
atuam em sítios diferentes.
Bem, neste doente foi escolhido um bloqueador do canal de cálcio. Bem ou mal? As guidelines europeias colocam os
diuréticos, os beta-bloqueantes, os bloqueadores de canais de cálcio, os IECA, os ARA, todos podem ser em
monoterapia ou associados. Em termos de guidelines, qualquer destes fármacos pode ser usado, tendo em conta que
temos de adaptar os fármacos à situação do doente. Todos estes são considerados de 1ª linha.
Aqui percebe-se quando se deve tomar um ou dois fármacos. Numa monoterapia, quando se opta por um diurético,
deve ser dada preferência à indapamida ou à clortalidona porque têm um tempo de semivida maior, mas
particularmente porque têm maior eficácia no controlo da doença cardiovascular.
Os ingleses e os americanos discordam que os beta-bloqueantes sejam fármacos de 1ªlinha, porque os beta-
bloqueantes, quando comparados com outros fármacos, eles em relação ao AVC, não reduzem assim tanto o risco
como os outros → essa redução, em relação aos outros, é de 18%. Para além disso, os beta bloqueantes também são
usados nas rações dos animais. Têm tendência a provocar insulino resistência, dislipidémia, aumento de peso, e isto
pode contribuir para o aumento do risco cardiovascular. Não está tão demonstrado quanto isso que isto aconteça. A
utilização de beta bloqueantes na ração das vacas é para aumentar o peso, mas isto também acontece no homem.
Os IECA são uma classe homogénea, os ARA são uma classe homogénea, não diferem entre si. Mas os beta-
bloqueantes diferem entre si. E muitos dos estudos foram feitos sempre com o atenolol, e extrapola-se a informação
do atenolol para todos os outros. E aqui há um problema de análise importante.
Em relação à seletividade dos beta-bloqueantes, eles diferem entre si em relação à atividade simpaticomimética
intrínseca, por exemplo, entre outros aspetos. Ou seja, há diferenças grandes entre eles e essas diferenças são
marcadas comparativamente ao atenolol, que é o fármaco de referência. Mas esta é a informação que temos, se a
indústria farmacêutica considera que os outros beta-bloqueantes são melhores do que o atenolol, então têm de
demostrar e não somos nós que temos de andar à procura dessa informação.
Em conclusão, na hipertensão não complicada os beta-bloqueantes não devem ser os primeiros a serem utilizados.
Estes devem ser só utilizados na HTA complicada ou que possa estar associada a arritmias, doença coronária,
insuficiência cardíaca e atividade simpática. Os beta-bloqueantes não são um fármaco a não utilizar, pelo contrário!
Eles têm um valor muito elevado nestas situações. Na hipertensão dos jovens, onde há quantidade simpática mais
aumentada, os beta-bloqueantes são uma das primeiras opções.
Ora bem, o nosso doente tinha edemas maleolares e foi medicado, para além do que já fazia, com clorotalidona.
Concordam? Os bloqueadores dos canais de cálcio têm efeitos adversos. Os efeitos adversos provocam cefaleias,
flushing, tonturas, e também edemas maleolares. Este edema maleolar resulta de um efeito de dilatação pré-capilar
e uma constrição reflexa com saída de água. Podemos dizer que é quase “um edema traumático”: se dermos uma
martelada no dedo e o dedo incha, não vamos tomar um diurético para tratar o edema. Aqui a situação é semelhante
na medida em que esta dilatação/saída de água para o interstício não representa um aumento da volémia. A
administração de diuréticos justifica-se em situações de aumento da volémia, que não é a situação do nosso doente.
Se administrarmos um IECA ou um ARA há um efeito que se opõe ao efeito do edema maleolar. Assim, uma das
terapêuticas para as situações em que o doente esteja medicado com um bloqueador dos canais de cálcio é
administrar um IECA ou um ARA que diminui este efeito do edema periférico maleolar.
“Seis meses depois de ter iniciado esta terapêutica, o doente abandonou a consulta do médico assistente e a
medicação por queixas de disfunção eréctil.”
Importa saber aqui se a disfunção erétil pode ser atribuída ao medicamentos anti-hipertensores. Ela por si só está
associada à hipertensão. Em relação aos fármacos anti-hipertensores, a maioria deles pode levar à disfunção erétil
principalmente aqueles que têm uma ação central.
Uma coisa que é preciso tomarem sempre em atenção é que normalmente como aconteceu com este caso clínico, o
doente não tinha sintomas. Só passou a estar doente quando foi ao médico, e só começou a ficar ainda mais doente
quando começou a tomar a medicação.
“Cerca de 5 anos mais tarde voltou a consultar o seu médico. A PA era de 170/108 mmHg. As análises mostraram
valores elevados de colesterol total (280 mg/dl) e de LDL colesterol (180 mg/dl) e albuminúria (80 mg/24 horas).”
A albuminúria é um marcador de lesão de órgão alvo. Portanto até aqui, o doente apresentava valores de PA elevada,
tinha fatores de risco cardiovasculares (dieta e estilo de vida), mas agora há evidência de lesão de órgão alvo,
nomeadamente, renal. Esta é a principal diferença, independentemente de os valores de PA continuarem elevados
que podem ser justificados pelo facto do doente ter deixado de tomar a terapêutica.
Porque é que a albuminúria é um marcador de lesão subclínica renal? Será que quando se instala um quadro de
albuminúria este é irreversível ou reversível? A resposta está na origem da albuminúria. Essa origem pode ser uma de
duas: ou há lesão transitória tendencialmente reversível das cargas negativas dos podócitos; ou há lesão celular. Isto
é, quando há hipertensão e hiperfiltração glomerular, a primeira lesão é a das cargas negativas do podócitos, significa
isto que não é mais possível repulsionar a albumina que também é de carga negativa, mantendo-a em circulação e
não entrando para o nefrónio. Importa então dizer que para manter proteínas em circulação é necessário o excesso
de carga negativas dos podócitos que permitem manter as proteínas afastadas dos sinusóides. E esta fase é reversível
uma vez que se corrigirmos a hipertensão e hiperfiltração glomerular este problema de cargas pode ser resolvido. O
problema é que quando há destruição membranar, ou seja, quando não é uma questão elétrica, mas sim lesão
tecidular, os podócitos que deixam de ter capacidade de manter poros suficientemente pequenos para impedir a
passagem de proteínas para urina e quando isto acontece a lesão é irreversível.
A albuminúria tem sido definida com uma excreção urinária de albumina entre 30-300 mg acima das 24 horas. Acima
deste valor designa-se proteinúria/(micro)albuminúria. Também se pode avaliar em amostra de urina, ou seja, não é
necessário e obrigatório fazer uma urina de 24 horas para fazer uma avaliação deste parâmetro, mas o mais
importante saber é que este é um marcador fisiopatológico de um processo que está a ocorrer a nível sistémico na
vasculatura e não só no rim.
E de facto verificamos, se olharmos para este estudo que tinha aproximadamente 2000 doentes (Arterial
Hypertension, Microalbuminuria, and Risk of Ischemic Heart Disease), vemos que a microalbuminúria só por si tem
um risco relativo de desenvolvimento de doenças cardíacas muito elevado, sendo muito superior àquele que resulta
da junção de todos os fatores de risco estudados até aqui. Os doentes com microalbuminúria são aqueles que têm
uma maior probabilidade desenvolver doença cardiovascular. E porque é que isto acontece, ou seja, porque é que a
microalbuminúria (marcador de lesão vascular glomerular) está a condicionar o risco cardiovascular?
No estudo de 2004 demonstra que quando há microalbuminúria, a capacidade de dilatação endotelial sistémica é
inferior às situações em que não há albuminúria, estabelecendo-se pela primeira vez aqui que há de facto uma relação
direta entre a presença de microalbuminúria e o estado vascular disfuncionante sistémico.
Atenção a microalbuminúria não é a causa da doença cardiovascular, mas sim um marcador deste processo!
Voltando ao caso clínico o doente tinha 3 queixas na re-avaliação: cefaleias, visão turva e dispneia. Destes 3 sintomas,
qual deles levou à realização do ecocardiograma? A dispneia, porque é um sintoma de edema pulmonar/ sintoma de
um processo fisiopatológico da unidade pulmão-coração.
Neste doente a causa mais provável é de ter origem cardíaca, porque neste doente em particular a dispneia chama a
atenção para o eventual inconveniente de risco de insuficiência cardíaca.
Realizou um ecocardiograma que mostrou uma hipertrofia ventricular esquerda e que mostrou também disfunção
diastólica. Assim, com base neste exame, história e na queixa de dispneia podemos deduzir que o doente tem uma
cardiopatia hipertensiva.
Quando vocês vão administrar os diferentes fármacos para a hipertensão têm de tomar em atenção os seus riscos e
as morbilidades que lhes estão associadas. Por exemplo, no caso de hipertrofia ventricular esquerda, os estudos
mostram melhores resultados são com dietas que induzir uma redução da hipertrofia ventricular esquerda.
O tratamento da albuminúria com resultados na redução da doença cardiovascular não é muito claro. É eficaz porque
reduz a albuminúria, mas sobre a redução cardiovascular é de duvidar. De qualquer forma o tratamento da
albuminúria é feito com um IECA e ARA.
Qual é que é o fundamento racional para administrar um IECA ou um ARA? O nosso doente foi administrado com uma
dieta hipossalina, com um IECA e um diurético. A adição do IECA reduz a angiotensina II, que é responsável por
constrição da arteríola eferente. A vasodilatação dessa arteríola leva a redução da albuminúria. Este efeito dura
enquanto se administra o IECA. Quando se suspende o IECA, a albuminúria volta a agravar-se. Portanto, não há aqui
uma alteração estrutural. O IECA não tem um efeito estrutural, mas sim hemodinâmico.
E como é que nós podemos juntar os fármacos? Existem estudos que foram feitos que demonstram como é que se
devem juntar os fármacos. Digamos que um dos princípios será sempre dar com um diurético. Os diuréticos na maioria
das situações são sempre indicados com um IECA ou um ARA. Já com os beta-bloqueantes não são recomendados
porque aumentam o risco diabetogénico.
Juntar um IECA com um ARA? Um IECA atua em locais diferentes do ARA. Mas quando juntamos os dois há um risco
muito aumentado de hipercaliémia (principalmente em pessoas idosas ou pessoas com a diminuição da função renal).
Por isso não é recomendado juntar IECA com ARA.
Comparando o estado do doente aos 50 anos com o estado de saúde que tinha aos 44 anos, qual é o sintoma que se
destaca por ser o mais preocupante? Confusão mental.
Porquê? Porque é indicativo de lesão do SNC causado pelo edema vasogénico simétrico bilateral envolvendo a
substância branca subcortical nos lobos parieto-occipitais, que pode comprometer os reflexos cruciais para a
manutenção da vida. Por isso perante esta situação que é a confusão mental que leva à decisão de internar o doente.
Fizeram análises: 10 g de hemoglobina (anemia), tinha 1.4 de creatinina (significa que tem disfunção renal), tinha um
ionograma normal, colesterol elevado, mantinha a microalbuminúria e tinha uma eritrocitúria ligeira na urina II, e
tudo isto em conjunto em termos de topografia renal, a lesão que se localiza no glomérulo e não no interstício renal
ou nas porções mais distais do nefrónio.
Realizou uma TAC encefálica seguida de RM que mostrou lesões hiperintensas na região posterior. Isto em conjunto
com a história clínica permitiu o diagnóstico de encefalopatia posterior reversível, que é a consequência mais
frequente da hipertensão arterial elevada sobretudo por flutuações súbitas quer para cima quer para baixo no SNC.
O ecocardiograma mostrava cardiopatia hipertensiva e também realizou um ecodoppler das artérias renais. Porque
é que se realizou um ecodoppler nas artérias renais no ecocardiograma? Porque este exame avalia o fluxo das artérias
renais e permite ver se há estenose. Contudo, tendo em conta este doente que aos 38 anos não apresentava HTA
secundária, pelo que não havia obstrução das artérias renais e não havia hipertensão renovascular. Agora de repente
há uma estenose aos 50 anos vão fazer um ecodoppler das artérias renais, porquê?
Para além de termos um agravamento da situação clinica, esse agravamento também pode ser a causa da própria
estenose, ou seja, uma causa etiológica que leva ao aparecimento da própria estenose. De facto, o reaproximamento
dos doentes para as causas de hipertensão arterial secundária deve ser continuo ao longo do tempo, não é só no
momento do diagnostico, porque as coisas mudam, como sabem o organismo humano é dinâmico, e de facto quando
a hipertensão arterial num doente já hipertenso modifica o seu padrão, porque é súbita, porque dá disfunção de órgão,
pode ser, e é quase sempre obrigatório o reequacionamento das causas da hipertensão arterial secundaria, e é
exatamente isto que aqui está.
Obviamente que o diagnóstico de estenose nas artérias renais tem fundamentalmente duas causas; a causa
aterosclerótica (relacionada com os fatores de risco cardiovascular e hipertensão por si) e a displasia fibromuscular
(que é uma doença genética), obviamente que neste homem aos 50 anos, com a história que já conhecem a hipótese
diagnostica é estenose das artérias renais aterosclerótica, não vamos voltar a equacionar a displasia fibromuscular,
como fizemos quando o doente tinha 38 anos, mas isto é para chamar a atenção que o despiste inicial de hipertensão
arterial secundaria não invalida que se volte a fazer, e de facto hipertensão rapidamente progressiva, sobretudo se
associada a disfunção renal ou repetidas admissões hospitalares por insuficiência cardíaca descompensada, devem
voltar a tornar mandatório o despiste desta situação critica.
O doente fez uma fundoscopia, e tinha uma retinopatia hipertensiva de grau 4, que corresponde ao último grau, que
é o mais grave, e diagnostica-se que existe edema da papila devido à incapacidade de visualização correta da papila
ótica,
Isto significa que o doente tem uma emergência hipertensiva. A distinção entre uma urgência e emergência
hipertensiva é algo controversa, mas tem se mantido assim ao longo dos anos. Urgência é quando existe elevação
isolada, sem lesão de órgãos, da pressão arterial, habitualmente superior a 180/220 da pressão sistólica, as
limitações variam, e superior a 100/120 da pressão diastólica; quando há para além disso lesão de órgão alvo, aqui
temos encefalopatia posterior reversível e retinopatia de grau 4, há uma emergência hipertensiva.
A importância de definir a diferença de urgência e emergência não é só na nomenclatura medica → uma emergência
hipertensiva e uma urgência hipertensiva têm abordagens terapêuticas diferentes.
O que acontece muitas vezes nos pacientes com urgências hipertensivas, não é o nosso doente, é que têm uma
urgência hipertensiva porque suspenderam a terapêutica por alguma razão, o que é necessário fazer, é retomar a
terapêutica, ou associar mais alguma coisa para além de retomar a terapêutica.
Não se deve administrar nifedipina nem captopril de maneira a baixar rapidamente para obter uma pressão
desejável, é bem mais correto fazer a redução da pressão arterial de uma forma gradual do que muito rápido.
Quanto à emergência hipertensiva, que é o caso do nosso doente, temos aqui três fármacos que são: o nitroprussiato
do sódio, o labetalol e a nitroglicerina,
Na encefalopatia hipertensiva, o que é preciso é reduzir nas primeiras horas para esses valores, a pressão arterial
media deve estar a volta dos 20%, a pressão diastólica deve descer para valores inferiores a 100 mm Hg, e na disseção
aórtica, que não é o caso do nosso doente, os critérios são diferentes.
O que é importante saber é que urgência e emergência são situações diferentes, uma urgência pode perfeitamente
ser tratada num centro de saúde com vigilância do doente, sem utilização de medidas que possam provocar uma
redução acentuada da PA e que levem a uma hipoperfusão dos órgãos com lesão, com o risco de desencadear um AVC
ou um EAM.
O nosso doente aos 38 anos apresentava uma PA aumentada, foi medicado com nifedipina e alterações de estilo de
vida, desenvolveu edemas maleolares e o médico receitou Clorotalidona, para resolver esse edema, e nós chegamos
a conclusão que não era o mais indicado, esta associação levou ao surgimento de uma disfunção erétil, o que o fez
suspender a medicação.
Ao suspender a medicação a PA voltou a subir, foi novamente analisado e apresentava albuminúria e hipertrofia
ventricular esquerda, foi medicado com o lisinopril, para reduzir a albuminúria e a hipertrofia ventricular esquerda,
com isso houve uma redução da PA, mais tarde vem desenvolver-se uma emergência hipertensiva com encefalopatia,
apresentando 180/120 mmHg e foi medicado com labetalol. Nesta situação tem alta, com uma PA aumentada, e aqui
com a clorotalidona, o lisinopril, a amlodipina e a clonidina, quatro fármacos que têm mecanismos de ação diferentes,
isto é o que se chama de hipertensão resistente.
Uma das formas de medirmos fora do consultório, foi o que fizemos com o nosso doente, é através do MAPA, o MAPA
continuava a apresentar valores elevados fora do consultório, portanto era uma verdadeira hipertensão, para além do
MAPA, podemos também pedir ao doente que meça a sua tensão ao longo do dia e nos traga o registro que fez ao
longo do dia. Esta pseudo-hipertensão resistente, pode ter a ver com a hipertensão da bata branca, com a pouca
aderência do doente a terapêutica (quer pelos efeitos adversos, quer por ele ser normalmente desatento a
terapêutica), com o facto de estarmos a prescrever os fármacos nas doses inadequadas ou por estarmos a fazer
combinações de fármacos inadequada.
A hipertensão refrataria é uma hipertensão em que se utiliza pelo menos cinco fármacos; a hipertensão resistente é
muito menos frequente que a hipertensão dita não resistente e a hipertensão refratária é muito menos frequente,
nesta população apenas 0,5% tem hipertensão refrataria, significa 3,6% da hipertensão resistente, é mais prevalente
nos negros, nos que têm albuminúria e nos que têm diabetes.
Umas das preocupações é a seguinte, como se juntam os fármacos? Temos sempre essas opções, os IECA, os ARA ou
os BCC, essas três classes são sempre a primeira opção, como é obvio podem sempre haver contraindicações, mas
temos sempre um IECA ou ARA mais um BCC mais um diurético, e o quarto qual é? Aqui começa a controvérsia na
decisão de qual será o quarto.
No nosso doente demos a clonidina que tem uma ação central, mas os estudos mostram que provavelmente temos
muitas vezes um hiperaldosteronismo, mesmo que não sejamos capazes de identificar tumores de aldosterona,
poderão haver situações em que as quantidades não são suficientes para que possamos identificar no plasma ou na
urina, mas poderá haver aumento da aldosterona, o que pensa em dar-se então, é um antagonista da aldosterona.
Isto é muito importante porque recentemente foi publicado um estudo feito pelo British Hypertension Society, em
que nestes doentes que são difíceis de tratar, e que já estão medicados com um IECA ou ARA, mais um bloqueador
de cálcio, mais um diurético, juntaram a espironolactona, a doxazosina (bloqueador alfa) e um β-bloqueante. Viu-se
que a redução maior foi com a espironolactona, portanto é considerada neste momento como sendo um padrão,
terão de haver mais estudos, mas a espironolactona poderá ser um dos fármacos a administrar como o quarto da
linha.
Há terapêuticas a se desenvolverem a nível experimental, muitas delas já se conheciam a muito tempo e agora estão
a ser um pouco recuperadas. Como por exemplo esta situação da desnervação simpática renal, outra que é a
estimulação de barorrecetores ou ainda a anastomose arteriovenosa central.
Como referi, estas situações não são novas, já são conhecidas há algum tempo, como por exemplo esta da
simpatectomia cirúrgica, colocava-se um cateter e cortava-se os nervos simpáticos para reduzir a atividade simpática,
isto em 1925, a desnervação bilateral do rim fez-se em 1934, portanto são coisas que já se fizeram, e existe ainda esta
demonstração, isto foi publicado em 1948, que foi a esplancnetomia, ao fim de anos de follow up viu-se que reduzia
a PA, mas a pessoa deixava de ter mecanismos de controlo, isto porque, sem simpático tem de ter hipotensão, não há
hipertensão mas há hipotensão ortostática, pois não há regulação.
Na desenervação simpática, coloca-se um cateter e cortam-se as fibras simpáticas que se encontram ao nível das
artérias renais, viu-se que isto era muito eficaz, e só na Alemanha haviam 200 clinicas a fazer este procedimento, mais
tarde, viu-se que não há este efeito quando foi comparado com uma simulação de desnervação, ou seja, desnervar a
artéria renal, podendo provocar estenoses na artéria renal, ou simular que se está a fazer isso, têm o mesmo resultado
segundo um estudo publicado há dois anos no New England Journal of Medicine, isto porque todos os estudos que
estavam a ser feitos, eram feitos sem uma simulação e quando se fez a simulação era igual, portanto a conclusão é
está, todos os ensaios clínicos têm de ser feitos com um controlo para a avaliação de novas técnicas ou equipamentos.
O mais interessante é este estudo feito pelos Noruegueses, em que eles foram comparar a situação de desnervação
simpática com a administração de um fármaco e o ajustamento deste fármaco, e os resultados foram iguais, portanto
a desnervação simpática neste momento foi parada forçosamente por razoes éticas, pois a desnervação tem um valor
incerto na redução da pressão arterial.
A desnervação simpática é um processo cuja ineficácia não é justificada, tem uma base fisiopatológica, e até que hajam
mais estudos bem feitos, não deve ser feita, portanto a desnervação renal simpática não é uma opção, a melhor opção
é seguir melhor os doentes e tratá-los melhor.
Por ultimo, num estudo que foi publicado no Lancet, que tomava em consideração que na DPOC havia uma situação
de hipertensão pulmonar, para a resolução da hipertensão o que se fez foi criar aqui uma comunicação da artéria
com a veia femoral, e com isso esperava-se reduzir a tensão, pensou-se que se podia fazer o mesmo para a hipertensão
arterial, o resultado foi que, em 42 doentes, 29% desenvolveram estenose venosa, isto mostra que realmente vale
tudo, fizeram isto sem nunca terem feito uma situação de controlo.
RESUMO:
O diagnóstico de HTA define-se, em avaliação de consultório, como a elevação persistente, em várias medições e em
diferentes ocasiões, da pressão arterial sistólica (PAS) igual ou superior a 140 mmHg e/ou da pressão arterial diastólica
(PAD) igual ou superior a 90 mmHg.
A hipertensão arterial classifica-se em três graus, correspondendo o grau 1 a hipertensão arterial ligeira, o grau 2 a
hipertensão arterial moderada e o grau 3 a hipertensão arterial grave.
No quadro abaixo assinalam-se os limites de referência da pressão arterial para o diagnóstico de hipertensão arterial,
de acordo com o tipo de medição realizado:
Esta definição de HTA é válida para pessoas de idade igual ou superior a 18 anos, que não sujeitas a tratamento
farmacológico anti-hipertensor e que não apresentem patologia aguda concomitante ou se encontrem grávidas.
Para o diagnóstico de HTA é necessário que a PA se mantenha elevada nas medições realizadas em, pelo menos, duas
diferentes consultas, com um intervalo mínimo entre elas de uma semana. Como regra, o intervalo entre consultas
poderá ser tanto maior quanto mais próximos da normalidade estejam os valores de PA. Em cada consulta deve medir-
se a PA, pelo menos duas vezes, com um intervalo mínimo entre elas de um a dois minutos, sendo registadas no
processo clínico o valor mais baixo registado da PAS e da PAD. Considerar uma terceira medição se houver uma grande
discrepância entre os dois valores iniciais medidos e assinalar essa diferença no processo clínico.
Todos os doentes com HTA grau 3, assim como todos os doentes com grau 1 e 2 com risco cardiovascular (CV) alto ou
muito alto, são candidatos a tratamento farmacológico precoce.
MAPA
Os valores considerados fisiologicamente normais consistem numa diminuição da PA durante o sono, como era
espetável pela sua variação circadiana.
Padrão non-dipping = padrão de PA caracterizado pela não diminuição da mesma durante as horas em que a pessoa
está a dormir. A existência de um padrão nondipping é tradutor de maior mortalidade cardiovascular e num maior
evento cardiovascular que conduz, ou não, à morte.
Sabemos que o doente é hipertenso e damos-lhe conselhos sobre estilo de vida, alimentação, exercício físico e
tratamos o doente (farmacologicamente). Mas é preciso pensar na fisiopatologia, é preciso saber a causa da HTA.
Tratamos de forma igual todas as pessoas? Não. É preciso saber a causa da HTA. Se não, vamos tratar o quê?
É necessário estabelecer a etiopatogénese da PA e investigar a presença de lesão em algum órgão, para sabermos o
quão grave é esta PA elevada. Temos de definir o risco cardiovascular total, uma vez que vai ser importante tratar,
não só a hipertensão arterial, mas também os outros problemas
e fatores de risco que vão ser concomitantes nestes doentes.
A história é importante para que, logo na 1ª linha, façamos um despiste de eventuais causas de HTA secundárias.
A HTA essencial não tem apenas uma causa, mas
um conjunto de fatores que a causa, isto é, é uma
HTA multifatorial.
A aterosclerose é uma doença inflamatória crónica e a sua patogénese envolve lípidos, trombose,
elementos da parede vascular e células do sistema imune.
• Íntima: células endoteliais que atuam como uma barreira metabolicamente ativa entre o sangue
circulante e a parede do vaso
• Média: é a camada mais espessa. É limitada pelas lâminas elásticas interna e externa, que
separam a camada média da íntima e da adventícia, respetivamente. A média é constituída por
células musculares lisas e matriz extracelular, e apresenta função contrátil e elástica → a
componente elástica, mais proeminente nas grandes artérias, estica durante a alta pressão da
sístole e depois volta ao normal durante a diástole, impulsionando o fluxo de sangue; a
componente muscular, mais proeminentes em pequenas artérias ou arteríolas, contrai ou relaxa
para alterar a resistência do vaso e portanto o fluxo sanguíneo no lúmen.
• Adventícia: contém nervos, vasos e os vasa vasorum, que nutrem as células da parede.
• As células endoteliais formam uma barreira que impede a passagem de moléculas grandes da
circulação para o espaço subendotelial.
• Produzem moléculas antitrombóticas, sendo que algumas se encontram na superfície endotelial
(ex: sulfato de heparano, trombomodulina e ativadores plasminogénio), enquanto outras entram
na circulação (ex: prostaciclinas e NO).
• O endotélio também produz várias moléculas protrombóticas quando sujeito a stress
• Secreção de substâncias que modulam a contração das células musculares lisas da camada média
– vasodilatadores (ex: NO e prostaciclinas) e vasoconstritores (ex: endotelina) – alterando assim
a resistência do vaso e o fluxo sanguíneo. Alguns dos produtos endoteliais referidos também
inibem a proliferação de células musculares lisas na camada íntima.
• Modulação da resposta imune: na ausência de uma estimulação patológica, as células endoteliais
resistem à adesão leucocitária, opondo-se à inflamação local. Contudo, as células endoteliais nas
vénulas pós-capilares respondem a infeção/lesão local secretando quimiocinas (substâncias
químicas que atraem leucócitos para a área da lesão) e produzindo moléculas de adesão à
superfície, que ancoram as células mononucleares ao endotélio e facilitam a sua migração para
o local da lesão. Estes efeitos podem ser mediados em parte via KLF2 (Kruppel-like factor 2), um
gene regulador nas células endoteliais.
Assim, o endotélio normal providencia uma superfície protetora, não-trombogénica com propriedades
vasodilatadoras e anti-inflamatórias.
Apresentam função contrátil e sintetizadora. Várias substâncias vasoativas modulam a função contrátil,
resultando em vasodilatação ou vasoconstrição, e incluem moléculas circulantes (ex: angiotensina II),
moléculas libertadas nas terminações nervosas locais (ex: acetilcolina) e outras que se originam no
endotélio (ex: endotelina e NO).
Matriz extracelular
A matriz extracelular dos vasos (colagénio, proteoglicanos e elastina) mantém a integridade estrutural
dos vasos e regula o crescimento das células. Para além disso, influencia a resposta celular a estímulos –
as células ligadas na matriz respondem de uma forma específica a fatores de crescimento e são menos
propensas a apoptose.
A parede arterial é um sistema dinâmico e regulado, mas certos elementos podem perturbar a
homeostase e levar à aterogénese. Por exemplo, as células endoteliais e musculares lisas dos vasos
reagem a mediadores inflamatórios, tais como IL-1 e TNF-α. Estes agentes inflamatórios podem levar as
células a produzir IL-1 e TNF-α, ou seja, as células imunitárias não são a única fonte de agentes pró-
inflamatórios.
Estria lipídica
Disfunção endotelial
A lesão do endotélio arterial pode resultar da exposição a diversos agentes, tais como forças físicas e
irritantes químicos. A predisposição das bifurcações ao desenvolvimento de ateromas apoia o papel do
stress hemodinâmico. Nas secções retas das artérias, as forças laminares normais favorecem a produção
de NO (vasodilatador, inibidor da agregação plaquetária e substância anti-inflamatória). Para além disso,
o fluxo laminar não só ativa KLF-2 como também aumenta a expressão da enzima superóxido dismutase,
que protege contra ERO produzidas por agentes químicos ou isquémia transitória. Pelo contrário, o fluxo
nas bifurcações arteriais é mais turbulento, pelo que estas funções ateroprotetoras estão diminuídas, logo
as bifurcações dos vasos, como a bifurcação da artéria carótida comum e da artéria coronária esquerda,
são locais comuns de formação de ateromas.
A disfunção endotelial também pode resultar de exposição a um ambiente químico tóxico, como tabaco,
aumento dos níveis de lípidos em circulação e diabetes, ambos fatores de risco de aterosclerose que
promovem a disfunção endotelial. Há um aumento da produção endotelial de ERO – nomeadamente
superóxido – que interage com outras moléculas intracelulares, influenciando as funções de síntese e
metabólicas do endotélio. Neste ambiente, as células promovem inflamação local → a função de barreira
do endotélio é afetada, ocorre libertação de citocinas inflamatórias, aumento da produção de moléculas
de adesão, recrutamento de leucócitos, alteração da libertação de substâncias vasoativas (prostaciclinas
e NO) e ocorre interferência nas propriedades antitrombóticas do endotélio.
Dentro da íntima, o LDL acumula-se no espaço subendotelial ao ligar-se aos proteoglicanos, o que permite
um aumento do tempo de permanência da LDL na parede vascular, onde a lipoproteína pode sofrer
modificações químicas, críticas para o desenvolvimento de lesões ateroscleróticas.
A HTA, um fator de risco major para aterosclerose, pode promover a retenção de lipoproteínas na íntima
ao acentuar a produção nas células musculares lisas de proteoglicanos que se ligam às LDL.
As LDL podem sofrer oxidação, resultante da ação local de ERO e enzimas pró-oxidantes derivadas de
células musculares lisas, células endoteliais ativadas ou de macrófagos. Para além disso, o microambiente
do espaço subendotelial impede o contacto das LDL com antioxidantes no plasma. Em pacientes
diabéticos com hiperglicemia continuada, pode ocorrer glicação da LDL, que a torna antigénica e pró-
inflamatória.
Estas modificações bioquímicas da LDL são precoces e contribuem para os mecanismos inflamatórios
iniciados pela disfunção endotelial, e podem continuar a promover inflamação ao longo do tempo de vida
da placa. Nas estrias lipídicas, e ao longo do desenvolvimento da placa de ateroma, as LDL modificadas
(m LDL) promovem o recrutamento de leucócitos e a formação de células esponjosas.
Recrutamento leucocitário
O recrutamento de leucócitos (monócitos e linfócitos T) para a parede vascular é uma etapa chave da
aterogénese. Este processo depende da expressão de moléculas de adesão leucocitárias (LAM) na
superfície endotelial luminal e de sinais quimiotáxicos (MCP-1, IL-8, interferon-inducible protein-10) que
dirigem a diapedese para o espaço subintimal. Há 2 grupos de LAM que persistem na placa aterosclerótica
inflamada: a superfamília das imunoglobulinas (particularmente VCAM-1 e ICAM-1) e as selectinas
(particularmente a E- e P-seletina).
Apesar do papel central dos linfócitos T no sistema imune, as LAM e os sinais quimiotáxicos dirigem
maioritariamente monócitos para a lesão, principalmente um subgrupo de monócitos pró-inflamatórios,
caracterizados pela expressão de altos níveis de citocinas pró-inflamatórias (IL-1 e TNF-1), mas também
há linfócitos T dentro das placas, onde constituem outra fonte de citocinas.
Depois dos monócitos aderirem e penetrarem na íntima, diferenciam-se em macrófagos e estes fagocitam
as lipoproteínas, formando células esponjosas.
As células esponjosas não derivam do uptake de LDL pelo recetor de LDL, porque o conteúdo elevado de
colesterol dentro destas células leva à supressão da expressão dos recetores LDL. Para além disso, o
recetor LDL clássico não reconhece as m LDL. Assim, os macrófagos usam recetores “scavenger” que se
ligam e internalizam preferencialmente m LDL. Ao contrário da via clássica, a entrada de m LDL por estes
recetores escapa à inibição de feedback negativo e permite o ingurgitamento dos macrófagos, resultando
na aparência típica de células esponjosas.
Apesar deste uptake ser benéfico inicialmente, o efluxo comprometido destas células, comparando com
a quantidade de influxo, leva a acumulação local na placa, diminuindo assim o seu papel protetor e
promovendo a apoptose das células esponjosas e a libertação de citocinas pró-inflamatórias que
promovem a progressão da placa aterosclerótica. O centro da placa, formado por células esponjosas
necróticas, é denominado core necrótico.
Progressão da placa
Enquanto as células endoteliais desempenham um papel fundamental na formação das estrias lipídicas,
a migração de células musculares lisas para a íntima domina o início da progressão da placa. Durante
décadas de desenvolvimento, as placas ateroscleróticas típicas adquirem um core lipídico trombogénico
recoberto por uma capa fibrosa protetora. Nem todas as estrias lipídicas progridem para lesões
fibrolipídicas, e não se sabe por que é que umas evoluem e outras não.
O início do crescimento da placa está associado a uma remodelação compensatória da parede arterial
que preserva o diâmetro do lúmen e permite a acumulação da placa sem limitação do fluxo sanguíneo,
logo não vão existir sintomas isquémicos. Mais tarde, o crescimento da placa pode ultrapassar o
alargamento compensatório da artéria, diminuindo o lúmen do vaso e impedindo uma correta perfusão
– estas placas podem provocar então isquémia dos tecidos, causando sintomas como angina de peito ou
claudicação intermitente das extremidades.
A maioria dos síndromes coronários agudos (enfarte agudo do miocárdio e angina de peito instável)
ocorrem quando a capa fibrosa de uma placa aterosclerótica rompe, expondo as moléculas pró-
trombóticas do core lipídico e precipitando assim trombose aguda que oclui subitamente o lúmen arterial.
As placas crescem continuamente e gradualmente, mas esta progressão pode ser pontuada por eventos
subclínicos com surtos de replicação do músculo liso. Por exemplo, evidências morfológicas de
hemorragias intraplaca resolvidas indicam que podem ocorrer pequenas falhas na integridade da placa
sem que se verifiquem sinais ou sintomas clínicos. Estas falhas expõem o fator tecidual derivado das
células esponjosas, que ativa a coagulação e a formação de microtrombos. As plaquetas ativadas dentro
destes microtrombos libertam outros fatores potentes, como PDGF e heparinase, que podem estimular
uma onda local de migração e proliferação de células musculares lisas. A heparinase degrada o sulfato de
heparano, um polissacarídeo na matriz que inibe a migração e proliferação dos miócitos. Por outro lado,
linfócitos Treg e Th2 podem produzir TGF-β e IL-10 que inibem a proliferação dos miócitos, regulando o
crescimento da placa.
A deposição de matriz depende do balanço entre a síntese pelas células musculares lisas e a degradação,
mediada em parte por uma classe de enzimas proteolíticas, as MMP (matrix metaloproteinases).
Enquanto o PDGF e o TGF-β estimulam a produção de colagénio, o IFN-γ derivado dos linfócitos T inibe a
síntese de colagénio. Para além disso, citocinas
inflamatórias estimulam a secreção de MMP pelas
células esponjosas, enfraquecendo a placa fibrosa
e predispondo-a a rutura.
Disrupção da placa
Integridade da placa
O tamanho do core lipídico tem implicações biomecânicas na estabilidade da placa → com o crescimento
e protusão para o lúmen arterial, o stress mecânico foca-se na periferia da placa, na transição com o
tecido normal; a acumulação de células esponjosas e linfócitos T neste local acelera a degradação da
matriz, o que torna esta região a mais propensa a rotura da
placa.
Potencial trombogénico
A propensão da pessoa para a coagulação pode ser aumentada pela genética (ex: presença de uma
mutação génica pró-coagulante e protrombínica), comorbilidades (ex: diabetes) e/ou estilo de vida
(tabagismo, obesidade visceral, …). Consequentemente, o conceito de placa vulnerável deve ser
expandido para um conceito de paciente vulnerável para reconhecer outras contribuições para o risco
vascular da pessoa.
Complicações da aterosclerose
As placas ateroscleróticas desenvolvem-se primeiro no aspeto dorsal da aorta abdominal e nas artérias
coronárias proximais, depois nas artérias popliteias, aorta torácica descendente, artérias carótidas
internas e artérias renais. Portanto, as regiões irrigadas por estes vasos são as que mais sofrem com as
complicações da aterosclerose.
As complicações podem ter graves consequências clínicas devido a restrição aguda do fluxo sanguíneo e
a alterações na integridade da parede vascular.
Antes da menopausa, as mulheres têm menor incidência de eventos coronários do que os homens, mas
depois da menopausa as taxas já são semelhantes, o que sugere que o estrogénio pode ter propriedades
ateroprotetoras. Níveis fisiológicos de estrogénio nas mulheres pré-menopausa aumentam HDL e
diminuem LDL. O estrogénio também apresenta ação antiplaquetária e antioxidante potencialmente
benéficas e aumenta a vasodilatação dependente do endotélio.
Homocisteína
Vários estudos mostram uma relação significativa entre níveis elevados do aa homocisteína em circulação
e a incidência de doença arterial coronária, cerebral e periférica. O mecanismo pelo qual a homocisteína
pode aumentar o risco aterosclerótico permanece indeterminado, mas sugere-se que níveis muito
elevados promovam stress oxidativo, inflamação vascular e adesão plaquetária. Apesar do ácido fólico e
de outros suplementos com vitamina B reduzirem os níveis séricos de homocisteína, ensaios clínicos sobre
esta terapia não mostraram redução da doença aterosclerótica nem das suas complicações.
Lipoproteína a
A Lp(a) é uma variante da LDL cuja apolipoproteína principal (apo B-100) se liga por uma ponte disulfito a
outra proteína, a apo(a), que estruturalmente se assemelha ao plasminogénio, uma proteína do plasma
importante na lise endógena de coágulos de fibrina. Pensa-se que a Lp (a) compita com a atividade normal
do plasminogénio. A Lp (a) entra na intima e encoraja inflamação e trombose.
Há uma prevalência de níveis mais elevados de Lp (a). Tal como a homocisteína, nem todos os estudos
apoiam uma associação entre a Lp (a) e o risco cardiovascular. Também não existe evidência de que a
redução da Lp (a) por terapia farmacológica melhore os outcomes cardiovasculares.
Destas moléculas, a PCR mostrou ser a mais promissora como marcador de inflamação sistémica de baixo
grau associada à aterosclerose. Apesar de ser um marcador de risco, não existe evidência de que a PCR
seja um mediador da aterogénese.
Genética
É um fator de risco não modificável. Foram identificados vários loci associados com a aterosclerose. A
maior conexão entre a doença coronária e o enfarte do miocárdio localiza-se no cromossoma 9p21.3. Esta
região contém genes que codificam 2 inibidores da cinase dependentes de cicilina que estão envolvidos
na regulação do ciclo celular e que podem participar na via inibitória TGF-β. Outras associações incluem
o cromossoma 6q25.1, com um gene que codifica uma sintase C1-tetrahidrofolato mitocondrial que está
envolvida na síntese de metionina, e o cromossoma 2q36.3, uma região sem genes funcionais conhecidos.
Doença cardíaca isquémica
A doença cardíaca isquémica é uma condição em que ocorre perda do balanço entre o fornecimento e o
consumo miocárdico de O2, maioritariamente causada pela aterosclerose das artérias coronárias. As
manifestações clínicas são muito variáveis, formando várias síndromes:
Fornecimento de O2 ao miocárdio
Tal como nos outros vasos, o fluxo coronário é diretamente proporcional à pressão de perfusão do vaso
e é inversamente proporcional à resistência vascular coronária. Ao contrário de outros sistemas arteriais,
a predominância da perfusão coronária ocorre durante a diástole, uma vez que o fluxo sistólico é
comprometido pela compressão dos pequenos ramos das coronárias devido à contração do miocárdio.
Portanto, no caso das coronárias, a pressão de perfusão corresponde aproximadamente à pressão aórtica
diastólica. Condições que diminuam a pressão aórtica diastólica (como hipotensão ou regurgitação
aórtica) diminuem a pressão de perfusão das coronárias e o fornecimento de O2 ao miocárdio.
A resistência vascular coronária é modulada por forças que comprimem externamente as artérias
coronárias e fatores que alteram o tónus coronário intrínseco.
• Compressão externa: ocorre durante o ciclo cardíaco pela contração do miocárdio. O grau de
compressão está diretamente relacionado com a pressão intramiocárdica, logo é maior durante
a sístole. Para além disso, quando o miocárdio contrai, o subendocárdio, adjacente à elevada
pressão intraventricular, é sujeito a uma maior força do que as outras camadas, o que o torna
uma das regiões mais vulneráveis a lesão isquémica.
• Controlo intrínseco do tónus arterial coronário: ao contrário de outros tecidos, o coração não
consegue aumentar a extração do O2 que é fornecido porque, no seu estado basal, remove todo
o O2 que é possível. Portanto, qualquer necessidade adicional de O2 precisa do aumento do fluxo
sanguíneo, sendo a autorregulação da resistência vascular coronária um importante mediador
deste processo. Os fatores que participam na regulação da resistência vascular coronária são:
o Acumulação de metabolitos locais: durante estados de hipoxemia, o metabolismo
aeróbio e a fosforilação oxidativa na mitocôndria estão inibidos, não sendo possível
regenerar ATP. Consequentemente, acumula-se ADP e AMP, que são degradados a
adenosina, um potente vasodilatador → ao ligar-se aos recetores no músculo liso
vascular, diminui a entrada de cálcio nas células, o que conduz a relaxamento,
vasodilatação e aumento do fluxo coronário. Outros metabolitos que atuam localmente
como vasodilatadores incluem lactato, acetato, hidrogeniões e CO2.
o Fatores endoteliais:
▪ As células endoteliais produzem substâncias vasoativas, entre as quais
vasodilatadores (NO, prostaciclinas e EDHF) e vasoconstritores (endotelina 1)
▪ O NO regula o tónus vascular ao se difundir e relaxar o músculo liso vascular
adjacente através de um mecanismo dependente de GMP cíclico. A produção
de NO pelo endotélio normal ocorre no estado basal e é estimulada
adicionalmente por várias substâncias e situações. Por exemplo, a sua
libertação aumenta quando o endotélio é exposto a ACh, trombina, produtos
de plaquetas agregadas (serotonina e ADP),… Apesar do efeito direto de muitas
destas substâncias causar vasoconstrição, a libertação de NO que é induzida
resulta em vasodilatação.
▪ A prostaciclina, um metabolito do ácido araquidónico, tem propriedades
vasodilatadoras semelhantes às do NO. É libertada pelas células endoteliais em
resposta a hipoxia, tensão de cisalhamento, ACh e produtos plaquetários
(como serotonina). Causa relaxamento do músculo liso vascular através de um
mecanismo dependente de AMP.
▪ O EDHF (endothelium derived hyperpolarizing factor) é uma substância
difusível libertada pelo endotélio que hiperpolarizam (e portanto relaxa) as
células musculares lisas vasculares adjacentes. É libertado por muitos dos
fatores que estimulam o NO, incluindo ACh e o fluxo sanguíneo pulsátil normal.
Na circulação coronária, o EDHF parece ser mais importante no relaxamento
de pequenas arteríolas do que nas artérias maiores.
▪ A endotelina 1 é um potente vasoconstritor que contraria parcialmente as
ações dos vasodilatadores endoteliais. A sua libertação é estimulada pela
trombina, angiotensina II, epinefrina e tensão de cisalhamento do fluxo
sanguíneo. Sob circunstâncias normais, o endotélio normal promove a
vasodilatação através da libertação de vasodilatadores, cuja ação predomina
sob vasoconstritores endoteliais. Contudo, a disfunção endotelial (por
exemplo, nos vasos ateroscleróticos) reduz a libertação de vasodilatadores,
causando uma alteração do balanço a favor da vasoconstrição.
o Fatores neuronais
▪ O controlo neuronal da resistência vascular apresenta uma componente
simpática e outra parassimpática.
▪ Sob circunstâncias normais, a contribuição do SN Parassimpático é reduzida,
mas os recetores simpáticos desempenham um papel importante. Os vasos
coronários contêm recetores adrenérgicos α e β2. A estimulação dos recetores
α resulta em vasoconstrição enquanto a estimulação dos recetores β2
promove a vasodilatação.
É a interação entre os fatores reguladores metabólicos, endoteliais e neuronais que determina o impacto
no tónus vascular. Por exemplo, a estimulação por catecolaminas pode causar inicialmente vasoconstrição
das coronárias por estimulação dos recetores α. Contudo, as catecolaminas também aumentam o
consumo de O2 do miocárdio ao aumentarem a frequência cardíaca e a contractilidade (efeito β2), e a
resultante produção de metabolitos locais induz a dilatação das coronárias.
Consumo miocárdico de O2
O stress da parede ventricular é a força tangencial que atua nas fibras do miocárdio, tendendo a afastá-
las, e há gasto de energia ao opor-se a esta força. O stress da parede está relacionado com a pressão
intraventricular, o raio do ventrículo e a espessura da parede ventricular.
Fisiopatologia da isquémia
A redução do fluxo sanguíneo na doença arterial coronária resulta de uma combinação entre o
estreitamento fixo de um vaso e um tónus vascular anormal, para o qual contribui a disfunção endotelial
induzida pela aterosclerose.
As artérias coronárias apresentam segmentos epicárdicos proximais maiores e arteríolas distais mais
pequenas. Os vasos proximais estão sujeitos a estenose provocada por placas de ateroma, enquanto os
segmentos distais estão geralmente livres destas placas e conseguem ajustar o seu tónus vasomotor em
resposta às necessidades metabólicas. As arteríolas têm uma função de reserva,
aumentando o seu diâmetro para corresponder ao aumento do consumo de O2 e
dilatam, mesmo em repouso, se uma estenose proximal for suficientemente
severa.
Apesar de conexões colaterais poderem ocorrer entre coronárias não obstruídas e em locais distais às
estenoses, frequentemente isto não é suficiente para prevenir a isquémia durante esforço.
Disfunção endotelial
Vasoconstrição inapropriada
Para além das ações vasodilatadoras, os fatores libertados pelo endotélio (incluindo NO e prostaciclinas)
também apresentam propriedades antitrombóticas ao interferirem com a agregação plaquetária. Como
na disfunção endotelial a libertação destas substâncias está diminuída, também o efeito antitrombótico
é atenuado. Portanto, em síndromes caracterizadas por trombose, o comprometimento da libertação de
NO e prostaciclinas permite que as plaquetas se agreguem e que secretem procoagulantes e
vasoconstritores.
Um profundo aumento na necessidade de consumo miocárdica de O2 pode causar isquémia, por exemplo,
em taquicardias, hipertensão aguda e estenose aórtica severa.
Consequências da isquémia
O destino final do miocárdio sujeito a isquémia depende da gravidade e duração do desequilíbrio entre o
consumo miocárdico e o fornecimento de O2. Pensava-se que a lesão isquémica cardíaca resultava em
necrose irreversível do miocárdio (EAM) ou recuperação rápida e completa da função dos miócitos (depois
de um breve episódio de angina). Sabe-se atualmente que para além destes desfechos, a isquémia pode
por vezes resultar num período de disfunção contrátil prolongado sem necrose dos miócitos, e que pode
seguir-se a recuperação da função normal.
Por exemplo, miocárdio atordoado refere-se ao tecido que, após sofrer um episódio de isquémia aguda
transitória e severa (mas sem necrose), demonstra disfunção sistólica prolongada mesmo depois do
retorno de fluxo sanguíneo normal. As anormalidades funcionais, bioquímicas e ultraestruturais a seguir
à isquémia são reversíveis e a função contrátil recupera gradualmente. O mecanismo envolvido neste
atraso envolve a sobrecarga de cálcio nos miócitos e a acumulação de radicais livres derivados do oxigénio
durante a isquémia. Em geral, a magnitude do atordoamento é proporcional ao grau da isquémia
precedente, e este estado é provavelmente uma resposta fisiopatológica a uma lesão isquémica que por
pouco não causou necrose irreversível.
Por outro lado, o miocárdio hibernante refere-se ao tecido que manifesta disfunção contrátil ventricular
crónica devido a uma redução persistente do fornecimento sanguíneo, geralmente por doença coronária
que atinge múltiplos vasos. Nesta situação, não ocorre dano irreversível e a função ventricular pode
melhorar logo que seja restaurado o fluxo sanguíneo apropriado (por exemplo, através de angioplastia
coronária ou bypass).
Os conceitos de miocárdio atordoado e hibernante são muito importantes na clínica. Estas regiões do
miocárdio contraem pouco no ECG ou angiografia de contraste e podem parecer indistinguíveis de EAM
irreversível. Contudo, podem serfiferenciados de regiões necróticas por estudos especiais de imagem
(ECG dobutamina, estudo viabilidade thallium-201, PET). Esta distinção influencia a decisão de recorrer a
procedimentos de perfusão percutâneos ou cirúrgicos, porque o miocárdio atordoado e hibernante
melhoraria com revascularização mecânica, enquanto um verdadeiro EAM não.
Síndromes isquémicas
Angina estável
A angina estável crónica manifesta-se como um padrão transitório de desconforto no peito durante
esforço físico ou stress emocional. É geralmente causado por placas de ateroma fixas e obstrutivas em
uma ou mais artérias coronárias. O padrão de sintomas está relacionado com o grau de estenose →
quando o lúmen da artéria está diminuído em mais de 70%, a redução do fluxo pode ser suficiente para o
consumo miocárdico de O2 em repouso, mas insuficiente para compensar um aumento no consumo de
O2. Durante o exercício físico, a ativação do SN Simpático resulta num aumento da FC, PA e
contractilidade, todas as quais aumentam o consumo miocárdico de O2. Quando o consumo excede o
fornecimento de O2 disponível, ocorre isquémia, geralmente acompanhada pelo desconforto no peito da
angina. A isquémia e os sintomas persistem até que a necessidade aumentada de O2 diminua e seja
restaurado o equilíbrio no balanço de O2.
Para alguns pacientes com angina estável, alterações no tónus desempenham um papel mínimo no
fornecimento diminuído de O2, e o nível de atividade física requerida para precipitar angina é constante
→ angina com threshold fixo. Noutros casos, o grau de obstrução dinâmica causada pela vasoconstrição
ou vasoespasmo tem um papel predominante → angina com threshold variável (estes pacientes podem
ter sintomas num dia e noutros não, com o mesmo consumo miocárdico de O2).
Angina instável
É um aumento na duração e intensidade de episódios isquémicos, que pode ocorrer em baixo esforço
físico e mesmo em repouso, podendo ser um percursor de EAM. A angina instável e o EAM são também
conhecidos como síndromes coronárias agudas e resultam frequentemente de rutura de uma placa
aterosclerótica instável com subsequente agregação plaquetária e trombose.
Angina de Prinzmetal
Isquémia silenciosa
Episódios assintomáticos de isquémia cardíaca que podem ocorrer em pacientes que já tiveram angina
sintomática, ou podem ser a única manifestação de doença coronária. A presença de isquémia silenciosa
pode ser detetada em eletrocardiografia contínua em ambulatório ou durante o teste de esforço físico. A
razão pela qual ocorre a isquémia silenciosa não é conhecida. É mais comum em pacientes diabéticos
(possivelmente devido a uma perda da sensação de dor por neuropatia periférica), nos idosos e nas
mulheres.
Síndrome X
Pacientes com sintomas típicos de angina de peito em que não há presença de estenose aterosclerótica
significativa nas coronárias nos angiogramas coronários. A patogénese neste caso está relacionada a uma
reserva vasodilatadora inadequada das arteríolas coronárias → as arteríolas (que são demasiado
pequenas para serem vistas na angiografia coronária) podem não dilatar apropriadamente durante
períodos de maior consumo miocárdico de O2, sendo que a disfunção microvascular, vasoespasmo e
hipersensibilidade à dor podem contribuir para esta síndrome. Os pacientes com síndrome X têm melhor
prognóstico do que os que têm doença aterosclerótica.
• História clínica
• Qualidade
o A angina é frequentemente descrita como pressão, desconforto, aperto ou sensação de
peso no peito. Não é uma dor aguda e não varia significativamente com a inspiração ou
movimento da parede torácica. É um desconforto estável que dura mais do que alguns
segundos e que não ultrapassa os 10 min, o que permite diferenciar da dor
musculoesquelética, por exemplo.
o Sinal de Levine: quando solicitado a localizar a sensação, o doente tipicamente coloca
uma mão sobre o esterno, por vezes com um punho fechado, para indicar um
desconforto em aperto, central e subesternal.
• Localização
o Difusa, na área retroesternal ou no precórdio esquerdo, mas pode ocorrer em qualquer
parte do peito, nos braços, pescoço, ace inferior e abdómen superior. Por vezes irradia
para os ombros ou parte interna dos braços, especialmente no lado esquerdo.
• Outros sintomas
o A estimulação simpática e parassimpática resulta em taquicardia, diaforese e náuseas.
A isquémia também provoca uma disfunção transitória da contração do ventrículo
esquerdo e do relaxamento diastólico – a resultante elevação da pressão diastólica do
ventrículo esquerdo é transmitida aos vasos pulmonares e muitas vezes causa dispneia
durante o episódio.
• Precipitantes
o A angina, quando não causada por vasoespasmo puro, é precipitada por condições que
aumentem o consumo miocárdico de O2 (aumento da FC, contractilidade e stress na
parede), como esforço físico e stress emocional, uma refeição pesada ou o frio (frio →
vasoconstrição periférica → aumento stress na parede pois ventrículo contrai mais
contra o aumento da resistência).
o Geralmente alivia passado uns minutos da cessação da atividade que a precipitou e
ainda mais rápido se for utilizada nitroglicerina sublingual.
• Frequência
o Apesar do nível de esforço que é necessário para precipitar angina ser constante, a
frequência dos episódios varia consideravelmente porque os pacientes aprendem
rapidamente quais as atividades que causam o desconforto e evitam-nas.
• Fatores de risco
o Tabaco, dislipidemia, hipertensão, diabetes e história familiar de doença coronária
• Diagnóstico diferencial
Exame físico
Se for possível examinar um doente durante um episódio de angina, podem ser detetados vários sinais
físicos transitórios:
No exame físico também deve constar a avaliação de sinais de doença aterosclerótica noutros locais:
sopros carotídeos, na artéria femoral ou pulsos diminuídos nas extremidades inferiores, …
Estudos diagnósticos
Eletrocardiograma (ECG)
Stress testing
Como o ECG obtido pode estar normal, os testes de esforço físico e testes farmacológicos são úteis para
o diagnóstico e prognóstico.
• Teste de esforço físico: o paciente anda/corre numa passadeira ou numa bicicleta estática com
aumento progressivo do esforço e observa-se se ocorre desconforto no peito ou dispneia
excessiva. Monitoriza-se a FC, PA e ECG. O teste continua até que ocorra angina, apareçam sinais
de isquémia do miocárdio no ECG, seja alcançada a FC alvo ou que o paciente esteja demasiado
cansado para continuar.
• Testes de imagem nuclear
• Teste de esforço físico com ecocardiograma (EEG)
Angiografia coronária
Os doentes com angina estável podem manter um padrão de isquémia estável por vários anos. Noutros
isto pode ser pontuado pela ocorrência de angina instável, EAM ou morte cardíaca súbita. Estas
complicações relacionam-se com trombose aguda no local de disrupção da placa aterosclerótica.
A localização e a extensão das estenoses coronárias são importantes, mas também há outros fatores
preditivos de mortalidade, que incluem a magnitude do comprometimento da função contrátil
ventricular, baixa capacidade física e a magnitude dos sintomas da angina.
A mortalidade associada à doença coronária tem diminuído significativamente devido a redução do risco
aterosclerótico por mudança do estilo de vida (cessação tabágica, diminuição da ingestão de gorduras,
prática de exercício físico), melhoria das estratégias terapêuticas e longevidade após síndrome coronária
aguda e avanços na terapêutica da doença coronária crónica.
Patogénese
Mais de 90% das síndromes coronárias agudas (SCA) resultam da disrupção de uma placa aterosclerótica
com subsequente agregação plaquetária e formação de um trombo intracoronário. O trombo provoca
oclusão grave ou completa, e o comprometimento da perfusão leva a um desequilíbrio entre o
fornecimento e o consumo miocárdico de O2.
Um trombo parcialmente oclusivo é a causa típica de angina instável e de EAM sem elevação do segmento
ST (historicamente referido como EAM sem onda Q), sendo a angina instável e o EAM são distinguidos
pela presença ou não de necrose. Um trombo completamente obstrutivo provoca isquémia mais severa
e mais necrose, manifestando-se como EAM com elevação ST (ou EAM com onda Q).
O trombo é formado pelas interações entre a placa aterosclerótica, o endotélio, as plaquetas circulantes
e o tónus vasomotor dinâmico da parede vascular, que se sobrepõem aos mecanismos naturais
antitrombóticos.
Hemostase normal
Quando um vaso é lesado, a superfície endotelial sofre disrupção e o tecido conjuntivo trombogénico fica
exposto. A hemóstase primária é a 1ª linha de defesa contra a hemorragia. Este processo começa
segundos após a lesão do vaso e é mediado pelas plaquetas circulantes, que aderem ao colagénio no
subendotélio vascular e se agregam formando um tampão plaquetário. Depois, a exposição de fatores
teciduais subendoteliais estimula a cascata de coagulação plasmática, iniciando o processo de hemóstase
secundária. As proteínas de coagulação plasmáticas envolvidas na hemóstase secundária são ativadas
sequencialmente no local da lesão e formam um coágulo de fibrina através da ação da trombina, que
estabiliza e fortalece o tampão plaquetário.
O ativador do plasminogénio tecidual (tPA) é uma proteína secretada pelas células endoteliais em
resposta a vários estímulos de formação de coágulos. Cliva o plasminogénio para formar plasmina ativa,
sendo que esta degrada enzimaticamente os coágulos de fibrina. Quando a tPA se liga à fibrina num
coágulo em formação, a sua capacidade de converter plasminogénio em plasmina é aumentada.
O NO também é secretado pelas células endoteliais – atua localmente ao inibir a ativação plaquetária e
também é um potente vasodilatador.
Depois da rutura da placa, a exposição do fator tecidual do núcleo do ateroma desencadeia a via da
coagulação, enquanto a exposição do colagénio subendotelial ativa as plaquetas. As plaquetas ativadas
libertam o conteúdo dos seus grânulos, que incluem facilitadores da agregação plaquetária (ADP e
fibrinogénio), ativadores da cascata de coagulação (fator Va) e vasoconstritores (tromboxano e
serotonina). Tanto o desenvolvimento do trombo intracoronário como a hemorragia intraplaca e a
vasoconstrição contribuem para a estenose, criando um fluxo turbulento que contribui para a tensão de
cisalhamento e ativação plaquetária.
Patologia e fisiopatologia
O EAM (quer com elevação do segmento ST quer sem elevação do segmento ST) ocorre quando a isquémia
é suficientemente grave para provocar necrose dos miócitos. Apesar de por definição a angina instável
não resultar em necrose, pode suceder-se EAM se a patofisiologia do padrão instável da angina não for
rapidamente corrigido.
Para além das classificações clínicas, os enfartes podem ser descritos patologicamente, de acordo com a
extensão da necrose:
• Enfarte transmural: resulta da oclusão total e prolongada de uma artéria coronária epicárdica
• Enfarte subendocárdico: o subendocárdio é particularmente suscetível a isquémia porque é a
zona sujeita a maior pressão da câmara ventricular, tem poucas anastomoses colaterais e é
irrigado por vasos que têm de passar através das camadas do miocárdio contrátil.
O miocárdio que é irrigado diretamente pelo vaso ocluído pode sofrer necrose rapidamente. O tecido
adjacente pode não sofrer logo necrose se for suficientemente irrigado por vasos próximos. Contudo, as
células adjacentes podem tornar-se progressivamente isquémicas, visto que o consumo miocárdico de O2
continua face a uma diminuição do fornecimento de O2, pelo que a região de enfarte se pode estender.
Assim, a quantidade de tecido que sofre enfarte relaciona-se com a massa de miocárdio perfundida pelo
vaso ocluído, com a magnitude e duração do fluxo coronário afetado, com o consumo de O2 da região
afetada, com a existência de anastomoses colaterais e com o grau de resposta do tecido que modifica o
processo isquémico.
As alterações fisiopatológicas durante o EAM ocorrem em 2 fases: alterações durante o EAM e alterações
durante a recuperação e remodelação do miocárdio.
Alterações iniciais
Incluem a evolução histológica do enfarte e o impacto funcional da provação de O2 na contractilidade
miocárdica. Estas alterações culminam em necrose de coagulação em 2-4 dias.
Alterações celulares
Estas alterações metabólicas diminuem a função miocárdica 2 min após a trombose oclusiva. Sem
intervenção, ocorre lesão celular irreversível em 20 min, marcada por defeitos na membrana. Enzimas
proteolíticas saem através da membrana danificada e lesam o miocárdio adjacente. A libertação de certas
macromoléculas na circulação serve como marcador clínico de enfarte agudo.
O edema do miocárdio desenvolve-se em 4-12 horas, à medida que a permeabilidade vascular aumenta
e a pressão oncótica intersticial aumenta (devido ao extravasamento de proteínas intracelulares). A
resposta inflamatória aguda, com infiltração de neutrófilos, começa após 4 horas e aumenta ainda mais
o dano tecidual. Dentro de 18-24h, a necrose de coagulação torna-se evidente.
Alterações macroscópicas
Não aparecem até 18-24h após a oclusão da coronária, apesar de certas técnicas de coloração permitirem
ao patologista identificar as regiões de enfarte mais cedo. Na maioria das vezes, a isquémia e o enfarte
começam no subendocárdio e depois estendem-se lateralmente e para fora em direção ao epicárdio.
Alterações tardias
Incluem a remoção dos detritos necróticos e a formação de cicatriz. Os macrófagos invadem o miocárdio
depois da infiltração neutrofílica e removem o tecido necrótico. Esta remoção, combinada com a
diminuição da espessura e dilatação da zona de enfarte, resultam em fragilidade estrutural da parede
ventricular, com a possibilidade de se romper. Depois ocorre fibrose, e a cicatrização está completa 7
semanas após o enfarte.
Alterações funcionais
Durante a síndrome coronária aguda, o ventrículo esquerdo também é comprometido por disfunção
diastólica. A isquémia e/ou o enfarte afetam o relaxamento diastólico (um processo dependente de
energia), o que reduz a compliance ventricular e contribui para pressões de enchimento ventriculares
elevadas.
Miocárdio atordoado
Pré-condicionamento isquémico
Períodos breves de isquémia numa região do miocárdio podem aumentar a resistência do tecido a
episódios subsequentes – pré-condicionamento isquémico. A relevância clínica é que pacientes que
sofrem EAM no contexto de um episódio recente de angina apresentam menor morbilidade e mortalidade
do que aqueles sem episódios isquémicos precedentes. O mecanismo deste fenómeno é desconhecido
mas parece envolver várias vias de sinalização. Substâncias libertadas durante a isquémia, como
adenosina e bradicinina, podem ser desencadeantes destas vias.
Remodelação ventricular
Após o EAM, ocorrem alterações no miocárdio que sofreu e que não sofreu enfarte, ao nível do tamanho
da câmara cardíaca e da espessura da parede, que afetam a função cardíaca a longo prazo e o prognóstico.
Inicialmente, após o EAM, pode ocorrer expansão dos segmentos ventriculares afetados sem necrose
adicional. A expansão do enfarte representa o desgaste e dilatação da zona necrótica do tecido,
resultando numa diminuição do volume de miócitos na região. A expansão aumenta o tamanho do
ventrículo, o que aumenta o stress na parede, afeta a função contrátil sistólica e aumenta a probabilidade
de se formar um aneurisma. Para além disto, a remodelação do ventrículo também pode envolver
dilatação dos segmentos sobrecarregados que não sofreram enfarte, que estão sujeitos a aumento do
stress na parede. A dilatação continua durante semanas-meses. Inicialmente, a dilatação da câmara
apresenta um papel compensatório porque aumenta o débito cardíaco via o mecanismo de Frank-Starling,
mas pode progressivamente levar a insuficiência cardíaca e predispor a arritmias ventriculares.
A remodelação ventricular adversa pode ser modificada através de várias intervenções. No período do
enfarte, terapias de reperfusão limitam o tamanho do enfarte e portanto diminuem a probabilidade de
ocorrer expansão. Para além disso, fármacos que interferem com o sistema renina-angiotensina atenuam
a remodelação progressiva e reduzem a mortalidade a curto e longo prazo.
Apresentação clínica
Angina instável
Consiste numa aceleração dos sintomas isquémicos numa das seguintes formas:
• Padrão em crescendo, em que o paciente com angina crónica estável experiencia um súbito
aumento na frequência, duração e/ou intensidade dos episódios isquémicos
• Episódios de angina que ocorrem em repouso
• Novos episódios de angina num paciente sem sintomas prévios de doença coronária.
A angina instável pode progredir para enfarte a não ser que a condição seja reconhecida e rapidamente
tratada.
A dor característica, tal como na angina, resulta da libertação de mediadores, como a adenosina e o
lactato, das células que sobrem isquémia para as terminações nervosas. Como a isquémia no EAM persiste
e progride para necrose, estas substâncias continuam a acumular-se e ativam os nervos aferentes durante
mais tempo – dermátomos C7 a T4, incluindo pescoço, ombros e braços. Ao contrário de um episódio de
angina, a dor não diminui em repouso e pode haver pouca resposta à administração de nitroglicerina
sublingual. A dor é muitas vezes severa, mas 25% dos doentes com EAM são assintomáticos durante a
fase aguda – isto é comum em pacientes diabéticos em que a sensação de dor está afetada por neuropatia
periférica.
A combinação de dor intensa e de menor ativação dos barorrecetores (se estiver presente hipotensão)
desencadeia uma elevada resposta simpática. Sinais sistémicos da subsequente libertação de
catecolaminas incluem diaforese (sudorese), taquicardia e pele fria e húmida causada por vasoconstrição.
Os achados físicos durante um EAM dependem da localização e extensão do enfarte. O som S4 e S3 podem
estar presentes. Também pode existir um sopro sistólico se a disfunção dos músculos papilares causar
insuficiência mitral ou se for criado um defeito no septo interventricular.
A necrose também ativa uma resposta inflamatória sistémica. Citocinas como IL-1 e TNF são libertadas
pelos macrófagos e pelo endotélio em resposta à lesão dos tecidos, e provocam febre.
Nem todos os pacientes com dor severa no peito apresentam EAM ou angina instável:
Diagnóstico
O diagnóstico de e a distinção entre síndromes coronárias agudas são baseados nos sintomas do doente,
nas anormalidades presentes no ECG e na deteção de biomarcadores específicos de necrose do miocárdio.
Anormalidades no ECG:
Biomarcadores séricos
A troponina é uma proteína reguladora nas células musculares que controla as interações entre a miosina
e a actina. Apresenta 3 subunidades: TnC, TnI e TnT. Apesar destas subunidades serem encontradas tanto
no músculo esquelético como no cardíaco, as formas cardíacas de troponina I (cTnI) e troponina T (cTnT)
são estruturalmente únicas. Como em pessoas saudáveis elas praticamente não se encontram em
circulação, mesmo uma elevação mínima serve como um marcador potente e sensível da lesão de
miócitos.
Nota: as troponinas cardíacas podem ser detetadas em pequenas quantidades noutras condições que
causam inflamação ou tensão cardíaca aguda (exacerbação de insuficiência cardíaca, miocardite, crise
hipertensiva ou embolismo pulmonar).
Creatinina cinase
Existem 3 isoenzimas de CK: CK-MM (músculo esquelético), CK-BB (cérebro) e CK-MB (coração).
Nota: existe uma pequena quantidade de CK-MB fora do coração, incluindo no útero, próstata, intestino,
diafragma e língua. A CK-MB também representa 1-3% da creatina cinase no músculo esquelético. Na
ausência de trauma nos órgãos referidos, a elevação da CK-MB é altamente sugestiva de lesão no
miocárdio. Para facilitar o diagnóstico de EAM usando este marcador, calcula-se a razão entre a CK-MB e
a CK total. A razão é geralmente > 2,5% na lesão do miocárdio e menor de a elevação da CK-MB for devida
a outra fonte.
Os níveis séricos de CK-MB começam a aumentar 3-8h após o enfarte, atinge o pico às 24h e depois volta
ao normal dentro de 48-72h. Esta sequência temporal é importante porque outras fontes de CK-MB (ex:
lesão musculoesquelética) ou outras condições cardíacas que aumentem os níveis da isoenzima (ex:
miocardite) não mostram este padrão.
A CK-MB não é tão sensível nem tão específica para a deteção de lesão do miocárdio como as troponinas
cardíacas.
Como as troponinas e a CK-MB não aumentam até algumas horas após o início dos sintomas de EAM, a
sua utilidade diagnóstica é limitada àquele período crítico. Assim, decisões iniciais a tomar nos pacientes
com síndrome coronária aguda são apoiadas principalmente na história clínica e nos achados no ECG.
Técnicas de imagem
Por vezes o EEG é útil no diagnóstico, e tipicamente revela anormalidades na contração ventricular na
região de isquémia ou enfarte.
Tratamento de síndromes coronárias agudas
Complicações
Na angina instável, as potenciais complicações incluem morte (5 a 10%) ou progressão para enfarte (10 a
20%) nos dias-semanas seguintes ao episódio. As complicações do enfarte resultam de anormalidades
inflamatórias, mecânicas e elétricas induzidas pelo miocárdio necrosado. As iniciais resultam da própria
necrose, enquanto as mais tardias refletem inflamação e cicatrização.
Isquémia recorrente
Arritmias
• Interrupção anatómica do fluxo sanguíneo para estruturas da via de condução (ex: nódulo sino-
auricular, nódulo AV, feixe de His, ramo esq e dto)
• Acumulação de produtos metabólicos tóxicos (ex: acidose) e concentração anormal de iões
transcelulares devido a fugas pela membrana
• Estimulação autonómica (simpática e parassimpática)
• Administração de fármacos potencialmente arritmogénicos (ex: dopamina)
A fibrilhação ventricular (atividade elétrica ventricular rápida e desorganizada) é responsável por muitos
casos de morte súbita durante o EAM. Episódios que ocorram durante as primeiras 48h do EAM estão
relacionados com instabilidade elétrica transitória, e o prognóstico a longo prazo dos sobreviventes não
é afetado. Contudo, fibrilhação ventricular que ocorra depois das 48h reflete disfunção ventricular grave
e está associada a elevadas taxas de mortalidade.
Disfunção do miocárdio
A isquémia cardíaca aguda afeta a contractilidade ventricular (disfunção sistólica) e aumenta a rigidez do
miocárdio (disfunção diastólica), ambas as quais podem levar a sintomas de insuficiência cardíaca. Para
além disso, remodelação ventricular, arritmias e complicações mecânicas agudas do EAM podem culminar
em insuficiência cardíaca. Os sinais e sintomas incluem dispneia e presença de S3.
Choque cardiogénico
É uma condição em que ocorre diminuição grave do débito cardíaco e hipotensão com inadequada
perfusão dos tecidos periféricos que se desenvolve quando mais de 40% do ventrículo esquerdo sofre
enfarte. O choque cardiogénico perpetua-se porque a hipotensão leva a diminuição da perfusão
coronária, que exacerba a lesão isquémica, e o volume sistólico diminuído aumenta o tamanho do
ventrículo esquerdo, e portanto aumenta o consumo miocárdico de O2. O choque cardiogénico ocorre
em cerca de 10% dos pacientes após o enfarte, e a taxa de mortalidade é >70%. A cateterização cardíaca
precoce e a revascularização podem melhorar o prognóstico.
Aproximadamente 1/3 dos doentes com enfarte da parede inferior do ventrículo esquerdo também
desenvolvem necrose em porções do ventrículo direito, porque a mesma artéria coronária irriga ambas
as regiões. A resultante contração anormal e diminuição da compliance do ventrículo direito leva a sinais
de insuficiência cardíaca direita (como ingurgitamento jugular). Para além disso, pode originar-se
hipotensão profunda se a disfunção ventricular direita afetar o fluxo sanguíneo para os pulmões, fazendo
com que o ventrículo esquerdo não seja totalmente preenchido.
Complicações mecânicas
A necrose isquémica e a rutura de um músculo papilar do ventrículo esquerdo pode ser rapidamente fatal
devido à regurgitação mitral aguda grave, quando os folhetos da válvula deixam de estar ancorados. A
rutura parcial, com regurgitação moderada, não é imediatamente letal mas pode resultar em sintomas de
insuficiência cardíaca ou edema pulmonar. Como tem uma menor irrigação, o músculo papilar póstero-
medial do ventrículo esquerdo é o mais suscetível.
Pode ocorrer nas primeiras 2 semanas após o enfarte. É mais comum em mulheres e em doentes com
hipertensão. A hemorragia para o espaço pericárdico resulta em rápido tamponamento cardíaco, no qual
o sangue preenche o espaço pericárdico e restringe o enchimento ventricular. A sobrevivência é rara.
Pode formar-se um pseudoaneurisma se a rutura da parede for incompleta e se um coágulo preencher a
rutura do miocárdio.
A passagem de sangue do ventrículo esquerdo para o direito precipita insuficiência cardíaca congestiva
devido à sobrecarga de volume nos capilares pulmonares. Ouve-se um sopro sistólico no bordo esternal
esquerdo.
Aneurisma ventricular
A parede ventricular fica enfraquecida pela remoção do tecido necrótico e o resultado é uma discinesia
quando o músculo residual contrai. Não envolve comunicação do ventrículo com o pericárdio, pelo que
não se desenvolve rutura nem tamponamento. As potenciais complicações incluem formação de trombo,
arritmias ventriculares e insuficiência cardíaca.
Pericardite
Tromboembolismo
A hemostasia normal consiste numa série de processos regulados que mantêm o sangue em
estado fluido, sem coágulos, nos vasos normais, formando ao mesmo tempo e rapidamente um
tampão hemostático, localizado no sítio de lesão vascular. A contraparte patológica da
hemostasia é a trombose, a formação de coágulo sanguíneo (trombo) dentro de vasos intactos.
Tanto a hemostasia como a trombose envolvem três elementos: parede vascular, plaquetas e
cascata de coagulação.
Hemostasia normal
Endotélio
Plaquetas
Interações plaquetárias-endoteliais
Cascata de coagulação
A cascata de coagulação constitui uma série
sucessiva de reações enzimáticas amplificadoras. A
cada etapa do processo, uma proenzima sofre
proteólise para se tornar uma enzima ativa, a qual
por sua vez faz a proteólise da proenzima seguinte
na série, levando eventualmente à ativação da
trombina e à formação de fibrina.
A capacidade dos fatores de coagulação II, VII, IX e X de se ligarem ao cálcio requer que grupos
γ-carboxílicos adicionais sejam um complemento enzimático de certos resíduos do ácido
glutâmico nessas proteínas. Essa reação
requer vitamina K como cofator e é
antagonizada por fármacos como o
coumadin, que tem uso amplo como
anticoagulante.
The immediate trigger for coagulation is vascular damage that exposes blood to TF that is
constitutively expressed on the surfaces of subendothelial cellular components of the vessel
wall, such as smooth muscle cells and fibroblasts. TF is also present in circulating
microparticles, presumably shed from cells including monocytes and platelets. TF binds the
serine protease factor VIIa; the complex activates factor X to factor Xa. Alternatively, the
complex can indirectly activate factor X by initially converting factor IX to factor IXa, which
then activates factor X. The participation of factor XI in hemostasis is not dependent on its
activation by factor XIIa but rather on its positive feedback activation by thrombin. Thus,
factor XIa functions in the propagation and amplification, rather than in the initiation, of the
coagulation cascade. Factor Xa can be formed through the actions of either the TF/ factor
VIIa complex or factor IXa (with factor VIIIa as a cofactor) and converts prothrombin to
thrombin, the pivotal protease of the coagulation system. The essential cofactor for this
reaction is factor Va. Like the homologous factor VIIIa, factor Va is produced by thrombin
induced limited proteolysis of factor V. Thrombin is a multifunctional enzyme that converts
soluble plasma fibrinogen to an insoluble fibrin matrix. Fibrin polymerization involves an
orderly process of intermolecular associations. Thrombin also activates factor XIII (fibrin-
stabilizing factor) to factor XIIIa, which covalently cross-links and thereby stabilizes the fibrin
clot.
Os laboratórios clínicos avaliam a função dos dois braços da via usando dois testes-padrão:
• O tempo de protrombina (TP) faz a triagem da atividade das proteínas na via extrínseca
(fatores VII, X, II, V e fibrinogénio). O TP é realizado por adição de fosfolípidos e fator
tecidual ao plasma citrado do paciente (o citrato de sódio quela o cálcio e impede a
coagulação espontânea), seguido pelo cálcio, e o tempo para a formação de coágulo de
fibrina (geralmente 11-13 segundos) é registado. Como o fator VII é um fator de
coagulação dependente de vitamina K com semi-vida menor (aproximadamente 7
horas), o TP é usado para guiar o tratamento dos pacientes com antagonistas de
vitamina K.
• O tempo de tromboplastina parcial (TTP) faz a triagem da atividade das proteínas na
via intrínseca (fatores XII, XI, IX, VIII, X, V, II e fibrinogénio). O TTP é realizado com a
adição de um ativador com carga negativa do fator XII (p. ex., vidro moído) e fosfolípidos
ao plasma citrado do paciente, seguido por cálcio, registrando-se o tempo necessário
para a formação do coágulo (normalmente, 28-35 segundos). O TTP é sensível aos
efeitos anticoagulantes e, portanto, é usado para
monitorar a sua eficácia.
Depois de ativada, a cascata de coagulação deve ser fortemente restrita ao local da lesão para
prevenir a coagulação inadequada e, em outra parte da árvore vascular, a coagulação
potencialmente perigosa. Além da ativação do fator de restrição em locais de fosfolípidos
expostos, a coagulação também é controlada por três categorias gerais de anticoagulantes:
• Antitrombina (p. ex., antitrombina III) inibe a atividade da trombina e outras serinas
proteases, ou seja, fatores IXa, Xa, XIa e XIIa. A antitrombina III é ativada pela ligação a
moléculas do tipo heparina nas células endoteliais — daí a utilidade clínica da
administração de heparina para limitar a trombose.
• Proteína C e proteína S: são duas proteínas dependentes da vitamina K que agem num
complexo para a inativação proteolítica dos fatores Va e VIIIa.
• Inibidor da via do fator tecidual (IVFT) é uma proteína secretada pelo endotélio (e
outros tipos celulares) que inativa o fator Xa e os complexos fator tecidual-fator VIIa.
A coagulação também põe em movimento uma cascata fibrinolítica que modera o tamanho
final do coágulo. A fibrinólise é realizada principalmente pela plasmina, que quebra a fibrina e
interfere na sua polimerização. Os resultantes produtos da divisão da fibrina (FSPs ou produtos
de degradação da fibrina) também podem agir como fracos anticoagulantes. Níveis elevados de
FSPs (mais notavelmente os dímeros D derivados de fibrina) podem ser usados para
diagnosticar estados trombóticos anormais, incluindo coagulação vascular disseminada (CID),
trombose venosa profunda ou tromboembolismo pulmonar.
Trombose
1. Lesão endotelial
O fluxo sanguíneo turbulento e estático contribui para a trombose numa série de quadros
clínicos:
3. Hipercoagulabilidade
• Síndrome trombocitopénica induzida por heparina (TIH). Essa síndrome ocorre em até
5% dos pacientes tratados com heparina não fracionada (para anticoagulação
terapêutica). É marcada pelo desenvolvimento de autoanticorpos que ligam complexos
de heparina e proteína de membrana plaquetária (fator 4 plaquetário). Embora o
mecanismo não seja claro, parece que esses anticorpos também podem ligar complexos
semelhantes presentes nas superfícies plaquetária e endoteliais, resultando em
ativação, agregação e consumo de plaquetas (portanto, em trombocitopenia) e causar
lesão de célula endotelial. O resultado geral é um estado pró-trombótico, mesmo diante
da administração da heparina e baixas contagens plaquetárias. Recentes preparações
de heparina fracionada de baixo peso molecular induzem autoanticorpos com menos
frequência, mas ainda podem causar trombose caso os anticorpos já tenham se
formado.
• Síndrome do anticorpo antifosfolipídico. Esta síndrome tem manifestações
multiformes, incluindo trombose recorrente, abortos repetidos, vegetações em válvulas
cardíacas e trombocitopénia; está associada a autoanticorpos direcionados contra
fosfolípidos aniónicos (p. ex., cardiolipina) ou, mais precisamente, antigénios de
proteína plasmática que são revelados pela ligação a esses fosfolípidos (p. ex.,
protrombina). In vivo, esses anticorpos induzem um estado hipercoagulável, talvez pela
indução de lesão endotelial, por ativação de plaquetas ou complementos diretamente
ou interação com os domínios catalíticos de certos fatores de coagulação. In vitro (na
ausência de plaquetas e endotélio), porém, os anticorpos interferem na montagem do
complexo fosfolipídico, inibindo, portanto, a coagulação (daí a denominação
anticoagulante lúpico). Em pacientes com anticorpos anticardiolipina, testes serológicos
para sífilis produzem um resultado falsopositivo porque o antigénio nos testes-padrão
é incrustado em cardiolipina. Os pacientes com síndrome do anticorpo antifosfolipídico
enquadram-se em duas categorias. Muitos têm síndrome antifosfolipídica secundária
decorrente de doença autoimune bem definida, como o lúpus eritematoso sistémico. O
resto desses pacientes mostra somente manifestações de um estado hipercoagulável
sem evidência de outra desordem autoimune (síndrome antifosfolipídica primária).
Embora os anticorpos antifosfolipídicos estejam associados a diáteses trombóticas, eles
também ocorrem em 5-15% das pessoas aparentemente normais; a implicação é que
sua presença pode ser necessária, mas não suficiente, para causar síndrome do
anticorpo antifosfolipídico total.
Destino do trombo:
Correlação clínica
Os trombos são significativos por causarem obstrução de artérias e veias podendo dar origem a
êmbolos. O efeito de maior importância clínica dependerá do local da trombose. Assim, embora
os trombos venosos possam causar congestão e edema nos leitos vasculares distais a uma
obstrução, eles são mais preocupantes pelo seu potencial para embolizar para os pulmões. Por
outro lado, embora os trombos arteriais possam embolizar e causar enfarte tecidual, a sua
tendência a obstruir os vasos (p. ex., nos vasos coronários e cerebrais) é consideravelmente mais
importante.
Embolia
Um êmbolo é uma massa sólida, líquida ou gasosa que é transportada pelo sangue para um local
distante de seu ponto de origem. A vasta maioria dos êmbolos deriva de um trombo desalojado
— daí o termo tromboembolismo. Tipos menos comuns de êmbolos são as gotículas de gordura,
bolhas de ar ou nitrogénio, detritos ateroscleróticos (êmbolos de colesterol), fragmentos
tumorais, pedacinhos de medula óssea e líquido amniótico. Inevitavelmente, os êmbolos
alojam-se em vasos muito pequenos para permitir a sua passagem, resultando em oclusão
vascular parcial ou completa; dependendo do local de origem, os êmbolos podem se alojar em
qualquer parte da árvore vascular. A consequência primária da embolização sistémica é a
necrose isquémica (enfarte) dos tecidos a jusante, enquanto a embolização na circulação
pulmonar leva a hipóxia, hipotensão e insuficiência cardíaca direita.
Tromboembolismo pulmonar
Em mais de 95% dos casos, os êmbolos venosos originam-se de trombos nas veias profundas da
perna proximais à fossa poplítea. Os trombos fragmentados são transportados através de canais
progressivamente maiores e, em geral, atravessam o lado direito do coração antes de pararem
na vasculatura pulmonar. Dependendo do tamanho, o EP pode ocluir a principal artéria
pulmonar, alojar-se na bifurcação das artérias pulmonares direita e esquerda (êmbolo em sela)
ou passar para o interior de arteríolas menores, ramificantes. Com frequência, ocorrem
múltiplos êmbolos, sequencialmente ou como uma saraivada de êmbolos menores
provenientes de um trombo único e maior; um paciente que teve um êmbolo pulmonar está em
grande risco de ter mais trombos. Raramente um êmbolo atravessa um defeito atrial ou
ventricular e entra na circulação sistémica (embolia paradoxal). As principais características
clínicas e patológicas são as seguintes:
Tromboembolismo sistémico
A maioria dos êmbolos sistémicos (80%) surge dos trombos murais intracardíacos, 2/3 estão
associados a enfartes ventriculares esquerdos e outros 25% à aurícula esquerda dilatada (p. ex.,
doença de válvula mitral secundária). O restante origina-se de aneurismas aórticos, trombos
sobrejacentes a placas ateroscleróticas ulceradas, vegetações valvulares fragmentadas ou
sistema venoso; 10-15% dos êmbolos sistémicos são de origem desconhecida. Em oposição aos
êmbolos venosos, que se alojam principalmente no pulmão, os êmbolos arteriais podem se
deslocar praticamente para qualquer parte; o seu local de repouso final depende de seu ponto
de origem e das taxas de fluxo sanguíneo relativas para os tecidos a jusante. Os locais de
embolização arteriolar comuns incluem extremidades inferiores (75%) e SNC (10%); intestinos,
rins e baço são alvos menos comuns. As consequências da embolização dependem do calibre do
vaso ocluído, da irrigação colateral e da vulnerabilidade do tecido afetado à anóxia; os êmbolos
arteriais muitas vezes alojam-se nas artérias terminais e causam enfarte.
• Neoplastic cells can produce a variety of products that can stimulate hormonal,
hematologic, dermatologic, and neurologic responses.
• Paraneoplastic syndromes is the term used to refer to the disorders that accompany
benign or malignant tumors but are not directly related to mass effects or invasion.
• Tumors of neuroendocrine origin, such as small-cell lung carcinoma (SCLC) and
carcinoids, produce a wide array of peptide hormones and are common causes of
paraneoplastic syndromes.
Insuficiência cardíaca
A IC caracteriza-se por:
Em alguns casos, o débito cardíaco pode ser normal ou estar mesmo aumentado - insuficiência
cardíaca de alto débito. É o caso, por exemplo, da anemia, em que vai haver um aumento do
débito cardíaco para tentar satisfazer as necessidades do organismo, mas que, mesmo assim,
não é suficiente.
Causas da IC
A IC pode ser causada por qualquer patologia cardíaca ou qualquer afeção cardíaca:
Há dilatação (neste caso, do VE) e disfunção ventricular sistólica, diminuição da função contráctil
e substituição do tecido muscular por tecido fibroso. A espessura da parede encontra-se normal
ou um pouco diminuída.
Existem várias causas que podem levar à miocardiopatia dilatada, sendo que muitas vezes não
é possível chegar ao diagnóstico → miocardiopatia dilatada idiopática. Sabe-se, contudo, que
muitas destas têm uma causa genética, com diminuição de proteínas contrácteis. Pode ser
inflamatória, como consequência de uma infeção, de uma miocardite viral, ou não infecciosa.
Pode ser uma consequência tóxica do álcool para o coração e dos seus aditivos, que podem
conduzir a uma miocardiopatia dilatada reversível - se o doente deixar de beber há melhoria. A
quimioterapia é outra causa nefasta, pelo uso da adriamicina, que é um tóxico cardíaco que
provoca danos irreversíveis. O mecanismo que leva à lesão cardíaca parece estar relacionado
com a produção de radicais livres de oxigénio. Estão também associadas causas metabólicas e
neuro-musculares. Hoje em dia sabe-se que a miocardiopatia dilatada pode, no fundo, só ter um
predomínio de envolvimento cardíaco e ter causa familiar por alteração das proteínas
contrácteis cardíacas.
Uma outra causa de miocardiopatia dilatada é a miocardite viral. Apenas 5% das infeções virais
têm envolvimento cardíaco, e destas só 0,5 a 5% dos doentes têm sintomas, o que significa que
ela pode ser assintomática e, mais tarde, encontraremos o doente com uma miocardiopatia
dilatada. Os vírus envolvidos são os das infeções normais. A patogénese pode ser por invasão
direta e replicação do vírus com necrose dos miócitos ou por um mecanismo imunológico,
mediado por células, contra novas alterações ou novos antigénios relacionados com mais de
duas dúzias de vírus. Este mecanismo é demonstrado por um marcado aumento de complexos
de antigénios de histocompatibilidade major. Um exemplo de um vírus que provoca miocardite
é o HIV (por infeção do próprio vírus, por infeções oportunistas ou pelo tratamento). Quanto ao
prognóstico: pode haver uma recuperação completa; pode desenvolver uma insuficiência
cardíaca que se assemelha à miocardiopatia dilatada; ou o doente também pode ter tido uma
miocardite viral a alguns anos atrás, ter recuperado na altura, e depois de um período de
latência, aparecer com a miocardiopatia dilatada.
Quando há lesão dos miócitos, há uma diminuição da contração e, por sua vez, uma diminuição
do volume de ejeção ventricular. Então, na tentativa de compensar este facto, o ventrículo vai
sofrer dilatação (pelo mecanismo da Lei de Frank-Starling – quanto maior o volume
telediastólico, maior a distensão das fibras para que seja proporcionada uma contração
ventricular mais vigorosa).
Por outro lado, a diminuição do volume de ejeção leva ao aumento das pressões intracavitárias
que vão ter consequências tanto na circulação pulmonar, como na circulação sistémica. Com a
elevação da pressão hidrostática a montante, há um aumento da permeabilidade e consequente
saída de líquidos, que estão na origem da congestão pulmonar, provocando dispneia, ortopneia
e fervores crepitantes. Ao nível da circulação sistémica, vai haver um aumento da pressão
venosa (pela incapacidade de bombeamento eficaz do coração), provocando congestão
sistémica e consequente edema nos membros inferiores, podendo também levar ao edema da
cavidade abdominal (em casos de maior gravidade), designada por ascite, verificando-se
também ingurgitamento jugular. A dilatação ventricular leva a que os folhetos da válvula mitral
não cooptem eficazmente, conduzindo à regurgitação mitral (sopro de regurgitamento mitral).
b. Miocardiopatia hipertrófica
Uma das consequências é a morte súbita nos desportistas, dado que a hipertrofia ventricular
esquerda predispõe a arritmias por vários mecanismos. A obstrução da câmara de saída (que
também é uma causa de síncope, outra das consequências desta miocardiopatia), substituição
do tecido muscular por tecido fibroso e alterações nas próprias coronárias são alguns dos fatores
predisponentes para uma situação de morte súbita. A hipertrofia, por outro lado, ao provocar
uma dificuldade no enchimento ventricular, vai levar a uma aumento da pressão telediastólica
do VE, com consequente aumento da pressão auricular que, por sua vez, provoca um aumento
da pressão capilar e consequente edema pulmonar, o qual está na origem da dispneia. O
mecanismo que conduz à angina está relacionado com a obstrução da câmara de saída do V.E,
tal como com a hipertrofia, as quais vão conduzir ao aumento das necessidades de oxigénio do
miocárdio.
c. Miocardiopatia restritiva
Os ventrículos são de dimensões pequenas e as aurículas é que têm que lutar para esvaziar. Não
é de estranhar, então, que o que caracteriza esta miocardiopatia são ventrículos pequenos e
aurículas grandes.
Classificação da IC
Alto-débito VS Baixo-débito
Maioria é de baixo débito. Esta classificação é baseada no mecanismo fisiopatológico, mas tem
pouca aplicação clínica, uma vez que quase todas as insuficiências cardíacas estão associadas a
uma situação de diminuição do débito, por falência da bomba cardíaca. Na IC de alto débito, não
há falência da bomba, mas apenas uma sobrecarga de volume. O coração é obrigado a bombear
quantidades maiores de sangue para satisfazer as necessidades de oxigénio dos tecidos. Esta é,
geralmente, causada por alterações circulatórias que provocam uma diminuição da resistência
periférica, obrigando o coração a bombear grandes quantidades de sangue para fornecer a
quantidade adequada aos tecidos.
Aguda VS Crónica
Esta classificação é muito mais utilizada por ser baseada nos sintomas, na clínica. No entanto,
do ponto de vista fisiopatológico, não tem interesse porque ela tem em conta se as causas têm
maior impacto do lado direito ou esquerdo do coração, desprezando o facto de o coração
funcionar como uma unidade integrada. Isto porque, uma IC que começa no ventrículo esquerdo
(e tendo em conta que este não funciona independentemente do direito, uma vez que estão
unidos pelo septo interventricular), a longo prazo, esta disfuncionalidade esquerda vai-se
repercutir no ventrículo direito.
Causas:
Sinais:
• Dispneia de esforço
• Ortopneia
• Dispneia paroxística nocturna
• Cansaço
• Confusão mental – resulta da diminuição da perfusão cerebral;
• Nictúria – tem a ver com a reabsorção de edemas que ocorre durante a noite, levando
a um excesso de líquido no compartimento intravascular, aumentando a perfusão renal,
o que vai obrigar o doente a urinar muitas vezes durante a noite para excretar o excesso
de líquido.
• Dor torácica – pode ser provocada pelo aumento das necessidades cardíacas ou pelo
aumento do stress da parede. Assim, por uma dilatação ou hipertrofia do ventrículo
esquerdo, o doente pode apresentar dor torácica idêntica a um doente com angina de
peito.
Sinais:
Montante VS Jusante
2/3 das IC são causadas por disfunção sistólica e 1/3 por disfunção diastólica. Neste último caso,
o coração é de dimensões normais e os doentes têm as mesmas manifestações de edemas,
cansaço, etc, e só através do ecocardiograma e do estudo da função diastólica é que chegamos
à conclusão que é uma insuficiência cardíaca diastólica.
NOTA! Ter em conta que uma disfunção diastólica, a longo prazo, dará origem a uma disfunção
sistólica.
Fisiopatologia da IC
Portanto, a tensão na parede aumenta em resposta a um aumento da pressão (ex: HTA) ou por
aumento do raio do ventrículo (ex: ventrículo esquerdo dilatado). Por outro lado, um aumento
na espessura da parede apresenta um papel compensatório ao diminuir a tensão da parede,
uma vez que a força está distribuída por uma maior massa por unidade de superfície de área no
miocárdio.
Alterações na pré-carga:
Alterações na pós-carga:
Um aumento na pós-carga resulta num aumento da pressão sistólica ventricular
e do aumento do volume telesistólico do ventrículo esquerdo. Portanto, o
volume de ejeção ventricular (= volume telediastólico – volume telesistólico)
diminui. Quanto maior a pós-carga, maior será o volume telesistólico – relação
volume-pressão telesistólica (ESPVR).
Alterações na contractilidade:
Em resumo:
Fisiopatologia
IC com FE reduzida
Na disfunção sistólica, o ventrículo apresenta menor capacidade de ejetar sangue devido a
comprometimento da contractilidade ou sobrecarga de pressão (pós-carga excessiva). A
diminuição da contractilidade pode resultar de destruição de miócitos, função anormal dos
miócitos ou fibrose. A sobrecarga de pressão afeta a ejeção ventricular ao aumentar a
resistência ao fluxo.
Na curva pressão-volume, a ESPVR está desviada para baixo, pelo que o esvaziamento sistólico
termina a um volume telesistólico superior ao normal, logo o volume de ejeção diminui. Quando
se adiciona um retorno venoso pulmonar normal ao volume telesistólico aumentado que
permaneceu no ventrículo devido a esvaziamento incompleto, o volume diastólico aumenta,
resultando num aumento do volume e da pressão telediastólicos. Enquanto este aumento da
pré-carga induz um aumento compensatório no volume de ejeção (via mecanismo de Frank-
Starling), a contractilidade comprometida e a FE reduzida fazem com que o volume telesistólico
permaneça elevado.
IC com FE preservada
IC direita
Em comparação com o ventrículo esquerdo, o ventrículo direito tem paredes mais finas e é mais
complacente, aceitando o sangue a pressões baixas e ejetando-o contra a baixa resistência
vascular pulmonar. Como resultado da alta compliance, o ventrículo direito não tem dificuldade
em aceitar uma grande variabilidade de volumes de enchimento sem alterações significativas
das pressões de enchimento. Por outro lado, é suscetível a insuficiência em situações onde
ocorra aumento súbito da pós-carga, como no TEP agudo.
1. Mecanismo de Frank-Starling
2. Hipertrofia com ou sem dilatação ventricular
3. Ativação dos sistemas neuro-humorais
4. Redistribuição do débito cardíaco
Mecanismo de Frank-Starling
Sistema RAA:
O estímulo principal para o aumento da secreção de renina nas células justaglomerulares inclui
a diminuição da perfusão renal devido à diminuição do DC, a diminuição da apresentação de
sódio à mácula densa devido a alterações na hemodinâmica intrarenal e a estimulação direta
dos recetores β2 justaglomerulares pelo SN Simpático.
ADH/Vasopressina:
A secreção desta hormona está aumentada em pacientes com IC, presumivelmente devido aos
barorrecetores arteriais e aos níveis elevados de angiotensina II. A ADH contribui para o
aumento do volume intravascular ao promover a reabsorção de água no túbulo coletor. A ADH
também parece contribuir para a vasoconstrição sistémica.
Péptidos natriuréticos:
O ANP (atrial natriuretic peptide) é armazenado nas células das aurículas e libertado em resposta
à distensão auricular. O BNP (B-type natriuretic peptide) não é detetado no coração normal, mas
é produzido quando o miocárdio ventricular é sujeito a stress hemodinâmico (IC ou durante
EAM). Estudos mostram a relação entre os níveis séricos de BNP e a gravidade clínica da IC.
As ações dos péptidos natriuréticos são mediadas por recetores específicos e opostas pela ação
das outras hormonas libertadas na
IC. Estes péptidos promovem a
excreção de sódio e água,
vasodilatação, inibição da secreção
de renina e antagonizam os efeitos
da angiotensina II nos níveis de
aldosterona e ADH. Apesar destes
efeitos serem benéficos,
normalmente não são suficientes
para contrariar totalmente os
efeitos dos outros sistemas
hormonais.
Outros péptidos:
O tipo de sobrecarga hemodinâmica que é imposto ao coração é que vai determinar o tipo de
hipertrofia. Se essa sobrecarga for causada por pressão, como na HTA ou estenose aórtica, vai
dar origem a uma hipertrofia concêntrica. Há aumento do stress sistólico → adição de
miofibrilhas em paralelo → aumenta a espessura da parede. Se a sobrecarga é devida a um
excesso de volume, como acontece na regurgitação mitral ou aórtica crónicas, aumenta o
retorno venoso, que vai provocar alterações nas relações do stress da parede e levar a uma
hipertrofia excêntrica. Há um aumento do stress diastólico, adição de miofibrilhas em série,
aumento da massa muscular e dilatação da câmara que leva a essa hipertrofia excêntrica. A
relação massa/volume permanece normal. Quando a hipertrofia não é compensatória para
manter o stress normal da parede, segundo a lei de Laplace, chama-se afterload missmatch. É
este mecanismo é que vai levar à disfunção ventricular esquerda.
Fatores de crescimento:
• Noradrenalina
• Angiotensina II;
• Endotelina
• TGF β (transforming growth factor β)
• IGF 1 (insulin like growth factor)
• Citocinas
Disfunção miocárdica
Fatores precipitantes
Para além das causas primárias da IC temos, também, as causas que precipitam a IC. O doente,
normalmente, permanece assintomático, por ação dos mecanismos de compensação. No
entanto, e de um momento para o outro, a ação de um fator precipitante pode conduzir a uma
descompensação, surgindo as manifestações da IC.
Manifestações clínicas
Resultam da diminuição do débito cardíaco e/ou de pressões venosas elevadas. Um doente pode
apresentar sintomas de IC crónica ou, em certos casos, de súbita descompensação da função
cardíaca.
Sintomas
Também pode ocorrer dispneia mesmo na ausência de congestão pulmonar → redução do fluxo
sanguíneo para os músculos respiratórios → acumulação de ácido láctico.
A dispneia paroxística noturna é sensação severa de falta de ar que acorda o doente 2 a 3 horas
após este ter ido dormir. Este sintoma resulta da reabsorção gradual para a circulação do edema
intersticial das extremidades inferiores após o doente se deitar, com subsequente expansão do
volume intravascular e aumento do retorno venoso para o coração e pulmões.
Na IC direita, as pressões venosas sistémicas elevadas podem resultar em dor abdominal devido
a hepatomegália e à distensão da cápsula do fígado. A anorexia e náuseas podem resultar de
edema no TGI. O edema periférico, especialmente nos pés e tornozelos, também reflete
pressões venosas sistémicas elevadas. Devido à gravidade, tende a piorar durante o dia. Mesmo
antes do edema periférico, pode ocorrer ganho de peso como resultado da acumulação de
fluido intersticial.
Sinais
Um paciente com grave IC crónica pode apresentar caquexia devido, em parte, a diminuição do
apetite, e também ao aumento das necessidades metabólicas devido a maior esforço para
respirar.
Podem desenvolver-se derrames pleurais tanto na IC esquerda como na IC direita, uma vez que
as veias pleurais drenam tanto para as veias sistémicas como para as veias pulmonares.
IC Aguda
Mecanismos de arritmogénese
Quando pensamos na fisiopatologia das arritmias, temos que ter presentes 2 vertentes:
Nas células pacemaker do nódulo SA, alterações nas outras 3 correntes iónicas também
contribuem para a despolarização gradual da fase 4:
1. Entrada lenta de Ca2+ pelos canais Ca2+ tipo L, que são ativados quando se aproxima o
fim da fase 4
2. Diminuição progressiva da saída de K+
3. Entrada de Na+ adicional, mediada pela ativação do trocador Na+-Ca2+ pela libertação
de Ca2+ do retículo sarcoplasmático.
Overdrive supression
Interações eletrónicas
As células miocárdicas no
ventrículo e no sistema
Purkinje repolarizam a um
potencial de -90 mV,
enquanto as células
pacemaker do nódulo SA e
nódulo AV repolarizam a
um potencial diastólico
máximo de -60 mV.
Quandos estes dois tipos
de células estão
adjacentes, estão
eletricamente acoplados
através de gap junctions
nos discos intercalados.
Este acoplamento resulta num compromisso dos potenciais elétricos devido ao fluxo de corrente
entre as células, causando uma hiperpolarização relativa das células pacemaker e uma
despolarização relativa das células não pacemaker. A corrente hiperpolarizante na célula
pacemaker acoplada reduz a automaticidade da célula. Descoplamento de células normalmente
suprimidas, como as do nódulo AV, por exemplo por lesão isquémica, podem reduzir a influência
eletrónica inibitória e aumentar a automaticidade, produzindo ritmos ectópicos pelos
pacemakers latentes.
3. Ritmos de escape
Automatismo anormal
Uma lesão do tecido cardíaco pode originar alterações patológicas da formação de impulsos, em
que células não pertencentes ao sistema cardionetor adquirem automatismo. Como estas
células não possuem canais pacemaker, não conduzem correntes funny. O mecanismo que
explica que uma lesão leva à despolarização espontânea ainda não é completamente percebido.
Contudo, pensa-se que a lesão torne o sarcolema mais “permeável” (“leaky”), tornando os
cardiomiócitos incapaz de controlar os movimentos iónicos transmembranares (ficando
parcialmente despolarizadas). A isso, adicionam-se os iões libertados para o espaço extracelular
(EEC) pelas células apoptóticas. Estes fenómenos (a que se associa a diminuição da
permeabilidade membranar ao K+) originam correntes despolarizantes nas células miocárdicas
lesadas, mas ainda funcionantes, levando a que adquiram um automatismo anormal.
Atividade triggered
Os atrasos de condução e bloqueios ocorrem quando, por alguma razão, o impulso não é
conduzido, ou a sua condução ocorre de forma anormalmente lenta. Nestas situações,
geralmente geram-se bradiarritmias. Contudo, em determinadas circunstâncias, podem
verificar-se mecanismo de reentrada e gerar-se taquiarritmias.
Bloqueio de condução
Um impulso é bloqueado quando encontra uma região que não é eletricamente excitável. Este
bloqueio pode ser transitório ou permanente, unidirecional ou bidirecional. Vários fenómenos
podem condicionar bloqueios de condução, como a isquémia, a fibrose ou a inflamação. Quando
este bloqueio ocorre porque o impulso encontra células que ainda estão refratárias, o bloqueio
diz-se funcional. No caso de o bloqueio ser originado por uma barreira física à condução (quando
o tecido miocárdico é substituído por tecido fibrótico), existe um bloqueio fixo. Caso este
bloqueio ocorra dentro do sistema cardionetor, a propagação do impulso para locais mais distais
deste sistema não ocorre, pelo que a Overdrive Suppression não existe, o que permite que
pacemakers latentes a jusante do bloqueio gerem batimentos e ritmos ectópicos. Os bloqueios
AV são situações comuns de bloqueio de condução e uma das principais razões para a
implantação de pacemakers.
Fenómenos de reentrada
1. Área de bloqueio – tecido inexcitável ao redor do qual o impulso pode ser propagado
2. Bloqueio de condução unidirecional
3. Via de condução lenta - que gera um atraso de condução suficiente que permite a
recuperação de excitabilidade do tecido ao redor da área de bloqueio.
4. Massa tecidular suficiente –
adjacente ao bloqueio e capaz de
conduzir impulsos reentrantes
5. Estímulo iniciante (“gatilho”)
O conhecimento e compreensão das arritmias e da sua fisiopatologia são essenciais, visto serem
condições muito prevalentes (e cada vez mais, com o envelhecimento populacional). Assim,
perante um paciente com um ritmo cardíaco alterado, é vital ter presente 5 grandes questões:
Bradiarritmias
Nódulo sinusal
Bradicardia sinusal
A bradicardia sinusal traduz a diminuição do ritmo cardíaco normal para uma FC inferior a 60
bpm, por decréscimo da frequência de disparo do nódulo SA. Isto ocorre frequentemente e de
forma benigna em repouso e durante o sono, sendo também muito comum em atletas
altamente treinados, que tipicamente apresentam um tónus vagal basal aumentado. É por isso
errado pensar em bradicardia sinusal como sinónimo de patologia, visto que uma FC<60 bpm
não é, por si mesmo, uma doença. Na verdade, uma bradicardia só se torna clinicamente
relevante quando leva a um decréscimo do débito cardíaco (o que tipicamente ocorre quando
FC<50 bpm), que pode ser associado a sinais e sintomas clínicos, dos quais se destacam:
• Fadiga;
• Dispneia/Ortopneia;
• Intolerância ao exercício;
• Angina;
• Tonturas;
• Alterações cognitivas;
• Lipotimia (perda generalizada da força muscular, sem perda de consciência);
• Síncope (perda momentânea, súbita e espontaneamente resolúvel da consciência, com
perda da força muscular).
Quando é patológica, a bradicardia sinusal pode resultar de fatores que levam à depressão do
automatismo sinusal:
A síndrome do nódulo sinusal (SSS, do inglês Sick Sinus Syndrome) é uma bradiarritmia causada
por uma disfunção intrínseca do nódulo SA. Está comummente associada a sintomas como
tonturas, confusão mental e síncope. Caso não se consiga fazer a correção farmacológica desta
condição, e a mesma se torne crónica, a implantação de um pacemaker é necessária como
medida terapêutica.
Esta síndrome é mais prevalente em idosos, que são também mais suscetíveis a taquicardias
supraventriculares (TSVs), particularmente fibrilhação auricular (FA). Quando estas duas
condições estão simultaneamente presentes, estaremos na presença de uma síndrome
bradicardia-taquicardia. Relativamente a esta síndrome, pensa-se que surja como resultado de
um processo fibrótico auricular que acometa o nódulo SA e predisponha à FA (ou ao flutter
auricular) sendo que, nos períodos
taquiarrítmicos, ocorre overdrive
suppression do nódulo SA, que quando
termina leva a períodos de profunda
bradicardia sinusal reflexa.
Ritmos de escape
Caso ocorra um bloqueio à condução dos impulsos sinusais ou haja disfunção persistente do
nódulo SA, podem gerar-se ritmos de escape distais, que têm uma função protetora.
Designa-se por ritmo de escape juncional aquele que tem origem no nódulo AV ou na porção
proximal do feixe de His. Neste caso, o ECG apresenta uma FC de 40 a 60 bpm e complexos QRS
ligeiramente estreitados (ou normais). Não há ondas P normais a preceder o QRS porque o
impulso origina-se abaixo das aurículas, podendo, no entanto, surgir ondas P retrógradas e
invertidas (deflexão negativa nas derivações II, III e aVF), sinónimas de ativação auricular a partir
do ventrículo.
Já no ritmo de escape ventricular, o pacemaker situa-se num dos ramos do feixe de His. O ECG
apresenta uma FC de 30 a 40 bpm e um QRS alargado (porque os ventrículos não são
despolarizados de forma rápida e simultânea através dos 2 ramos do feixe de His), sendo a sua
morfologia dependente do local de origem do estímulo. Caso tenha origem no feixe esquerdo,
o QRS tem uma morfologia similar a encontrada num bloqueio de ramo direito (porque o
impulso despolariza primeiro o VE e só depois, lentamente, o VD). Se tiver origem no feixe
direito, o QRS é similar ao verificado num bloqueio completo de ramo esquerdo.
Ritmos de escape com origem ainda mais distal, no próprio miocárdio ventricular, apresentam-
se com QRS ainda mais alargado, visto haver uma condução de impulsos externa ao sistema
cardionetor.
Sistema de condução AV
Bloqueio AV de 1º grau
No BAV de 1º grau, o defeito de condução está geralmente localizado no próprio nódulo AV.
Pode resultar de uma causa reversível (tónus parassimpático aumentado, isquemia transitória
do nódulo AV, fármacos antiarrítmicos) ou estrutural (EAM, doenças degenerativas do sistema
de condução). Neste tipo de BAV, a condução do impulso sinusal é atrasado por um período
anormalmente elevado no nódulo AV, mas é conduzido até aos ventrículos. Assim, num ECG,
verificamos uma correspondência 1:1 entre ondas P e complexos QRS, porém com um aumento
do intervalo PR (>0,2s). É uma condição tipicamente benigna, assintomática e que não requer
tratamento.
O BAV de 2º grau caracteriza-se por uma falha intermitente na condução AV, fazendo com que
algumas ondas P não sejam sucedidas de um complexo QRS. É possível dividir este tipo de BAV
em 2 subtipos: Mobitz tipo I (ou Wenckebach) e Mobitz tipo II.
No Mobitz tipo I, o atraso de condução (quase sempre com origem no nódulo AV) é maior a
cada batimento, até que um impulso seja completamente bloqueado e não haja condução para
o ventrículo (podendo haver, nessa altura, um batimento ventricular de escape). No ECG,
verifica-se o progressivo alargamento do intervalo PR até que um único QRS esteja ausente,
após o qual o intervalo PR regressa ao estado inicial e o ciclo se reinicia. Este tipo de BAV é
geralmente benigno, podendo ser encontrado em crianças, atletas treinados e pessoas com
tónus vagal elevado, particularmente durante o sono. Também pode ocorrer, de forma
habitualmente transitória, durante um EAM. Não requer tratamento senão em casos
sintomáticos (síncopes, tonturas, fadiga e fraqueza muscular), com antagonistas muscarínicos
ou simpaticomiméticos (pacemaker reservado para casos mais severos e refratários à terapia
farmacológica).
Já no Mobitz tipo II, em que o bloqueio é geralmente distal ao nódulo AV, a perda de condução
é súbita, sem que haja anteriormente um progressivo alargamento do intervalo PR.
Normalmente classifica-se este tipo de acordo com o rácio batimentos conduzidos: batimentos
bloqueados (ex – 2:1, por cada 2 batimentos conduzidos, 1 é bloqueado), apesar de o bloqueio
ser relativamente aleatório. No ECG, verifica-se a manutenção do intervalo PR, ondas P não
sucedidas de QRS e alargamento do QRS. Em alguns casos, que se dizem de bloqueio AV de alto
grau, verifica-se a perda de condução sucessiva de mais do que um batimento. Em termos
etiológicos, destacam-se EAM com envolvimento do SIV e doenças degenerativas do sistema de
His-Purkinje. É um tipo de BAV que habitualmente indica doença severa e que pode progredir a
qualquer momento para BAV completo, pelo que exige usualmente a colocação de pacemaker,
mesmo em doentes assintomáticos.
O BAV de 3º grau ou completo quando não há condução entre aurículas e ventrículos. Verifica-
se uma desconexão elétrica conhecida como dissociação AV. Como tal, no ECG, não se verifica
qualquer relação entre ondas P e complexos QRS, que ocorrem a ritmos completamente
distintos. As ondas P estão dependentes do disparo sinusal, enquanto os QRS dependem de um
ritmo de escape distal e mais lento. As causas mais comuns são EAM e processos degenerativos
do sistema de cardionetor que ocorrem com a idade.
Taquiarritmias
Taquiarritmias supraventriculares
Taquicardia sinusal
As sístoles auriculares prematuras (SAPs) são comuns em corações normais e doentes, sendo o
consumo de cafeína e de álcool e a estimulação adrenérgica (ex: stress emocional) condições
que predispõem ao seu aparecimento.
Contudo, se o foco auricular anormal disparar demasiado cedo, o impulso pode não ser
conduzido para os ventrículos por encontrar um nódulo AV refratário – SAP bloqueada. Pode
também acontecer que a condução através do nódulo AV se faça, mas que haja porções do
sistema de His-Purkinje refratárias. Nestas circunstâncias, gera-se um QRS alargado, porque a
condução ao longo dos ventrículos será anormalmente lenta – SAP com condução aberrante. O
tratamento farmacológico só está indicado em condições sintomáticas, sendo importante o
controlo dos fatores predisponentes.
Flutter auricular
O flutter auricular caracteriza-se por atividade elétrica auricular regular a um ritmo elevado (180
a 350 bpm). Dada a grande frequência de disparo, alguns dos impulsos podem atingir o nódulo
AV durante o período refratário do mesmo, não sendo conduzidos, o que faz com que o ritmo
de contração ventricular seja inferior ao de contração auricular. Assim, se o ritmo auricular for
de 300 bpm e o houver um rácio 2:1 de bloqueio no nódulo AV (isto é, conduz um, bloqueia um),
o ritmo ventricular será de 150 bpm. Noutro exemplo, se o ritmo auricular for de 270 bpm e
houver um bloqueio AV de 3:1, o ritmo ventricular será de 90 bpm (e não teremos uma
taquicardia supraventricular, pois o ritmo ventricular é inferior a 100 bpm). Em termos
eletrocardiográficos, e visto que uma grande porção do tecido auricular está despolarizada ao
longo do ciclo, as ondas P têm uma aparência em “dentes de serra”.
A causa de um flutter auricular é em geral a presença de circuito de reentrada anatómico. Na
forma mais prevalente, o tipo I (ou clássico), o circuito de reentrada situa-se ao nível do anel da
válvula tricúspide (mais concretamente, no istmo cavotricúspide) e o impulso é conduzido de
forma anti-horária ao longo das paredes da AD (para um observador situado no VD). No flutter
de tipo II (ou atípico), o circuito é menos definido e pode situar-se em qualquer das aurículas.
Fibrilhação auricular
A FA é um ritmo caótico auricular tão rápido (350 a 600 bpm) que não são discerníveis ondas P
no ECG, sendo a linha basal pautada por ondulações de baixa amplitude, correspondendo à
despolarização de pequenas regiões auriculares. O resultado final é uma ausência de contração
auricular coordenada e, por isso, de sístole auricular. Tal como no flutter, apenas algumas
despolarizações auriculares são transmitidas aos ventrículos, sendo essa transmissão muito
irregular, traduzida por intervalos R-R altamente variáveis. Os ventrículos geralmente contraem
com uma frequência entre 100 e 175 bpm na FA não tratada.
A FA é uma condição que por si não é problemática, mas que se pode tornar perigosa porque:
Desta forma, o tratamento varia consoante o risco de cada paciente, mas que tipicamente
considerará em 3 aspetos:
Num coração normal, o nódulo AV é uma estrutura lobulada que consiste numa porção inferior
compacta e em 2 ou mais extensões auriculares que conduzem os impulsos até à parte compacta
do nódulo. Em algumas pessoas, estas extensões têm velocidade de condução diferentes. Diz-
se então que têm reentrada do nódulo AV.
Mesmo nesses casos, um impulso chegará ao nódulo e será conduzido a partir de ambas as vias
(lenta e rápida), mas o impulso conduzido pela via rápida chegará primeiro à porção compacta,
e é ele que será transmitido ao feixe de His. Já o impulso conduzido pela via lenta encontrará
um feixe de His refratário e extinguir-se-á. Nesta situação, não existe taquicardia, nem circuito
de reentrada.
Contudo, quando espontaneamente se desenvolve uma sístole auricular prematura, e visto que
a via rápida tem um período refratário prolongado, este impulso é apenas conduzido pela via
lenta, cujo período refratário é pequeno (bloqueio unidirecional). Quando o impulso atinge a
porção compacta do nódulo, a via rápida já repolarizou, e o impulso pode ser conduzido quer
distalmente, para o feixe de His, quer retrogradamente pela via rápida. Ao chegar às aurículas,
este impulso retrógrado não só as despolariza, como pode circular de novo através da via lenta,
gerando-se então um circuito de reentrada e iniciando-se uma taquicardia.
O ECG de uma TRNAV apresenta uma FC entre 150 e 250 bpm, complexos QRS normais e
ausência de ondas P, porque a despolarização retrógrada coincide temporalmente com a
despolarização ventricular. Por isso, a onda P retrógrada estará “escondida” pelo QRS. Quanto
a sintomas, em adolescentes e adultos cingem-se às palpitações, que podem ser motivo de crises
de ansiedade, e às tonturas e dispneia devido às taquicardias rápidas. Em idosos ou doentes
com comorbilidades cardíacas, podem originar-se sintomas severos como síncopes, angina e
edema pulmonar.
2. Taquicardias de reentrada auriculoventriculares – TRAVs.
As TRAVs são similares à TRNAV, excetuando o facto de nas TRAVs uma das vias de reentrada
ser um feixe acessório não relacionado com o nódulo AV. Estas vias acessórias permitem a
condução da aurícula para o ventrículo – ortodrómica, do ventrículo para a aurícula –
antidrómica, ou em ambas as direções. Dependendo das características destas vias, uma de 2
entidades podem aparecer:
Cerca de 5% dos doentes apresentam uma TRAV antidrómica, em que o impulso elétrico é
conduzido através do feixe acessório para os ventrículos anterogradamente e depois
retrogradamente, através do nódulo AV, para as aurículas. Ao nível do ECG, tem-se um complexo
QRS prolongado, pois os ventrículos são despolarizados unicamente pelo feixe acessório.
A Taquicardia Auricular Focal (TA) resulta de ou automaticidade ectópica num local da aurícula,
ou de um fenómeno de reentrada. O ECG aparenta uma taquicardia sinusal, mas possui uma
onda P com uma morfologia anormal antes do complexo QRS, o que indica despolarização da
aurícula a partir de uma localização anormal.
A Taquicardia Auricular Multifocal (MAT) apresenta no ECG um ritmo irregular, com ondas P
com múltiplas morfologias (pelo menos 3), intervaladas por uma linha de base isoelétrica (o que
a distingue da FA). A frequência cardíaca média é superior a 100bpm.
Tal como o nome indica, a MAT é provocada por automaticidade anormal em vários focos nas
aurículas ou atividade triggered, sendo com frequência despoletada por doença pulmonar
severa ou hipoxemia. A mortalidade associada a esta arritmia é alta e o seu tratamento é
principalmente vocacionado para a doença de base.
Taquiarritmias ventriculares
As SVP ocorrem quando um foco ectópico ventricular dispara um potencial de ação. Ao nível
eletrocardiográfico, observa-se um complexo QRS alargado, visto que o impulso viaja desde o
foco ventricular ectópico para todo o ventrículo através de conexões célula-a-célula lentas (e
não pelo sistema de His-Purkinje, mais rápido). É de notar ainda que as extrassístoles não são
precedidas de ondas P.
Se cada batimento for precedido de uma SVP, estamos perante um ritmo bigeminal. Por outro
lado, se a cada 2 batimentos normais se seguir uma SVB, temos um ritmo trigeminal. SVPs
consecutivas são denominados dísticos (2 de seguida) ou tripletos (3 de seguida).
As SVPs são comuns na população saudável e são quase sempre assintomáticas e benignas.
Podem ser desencadeadas por alguns fármacos (destacam-se os digitálicos), cafeína, distúrbios
eletrolíticos e hipoxia. Estão presentes na doença cardíaca estrutural, aumentando a sua
frequência proporcionalmente à severidade da depressão da contractilidade ventricular –
aparecem, por isso, associadas a um risco aumentado de morte súbita em doentes com
insuficiência cardíaca ou EAM. Em doentes com doença estrutural cardíaca avançada com
características que os colocam em risco de arritmias ventriculares mortíferas, é recomendada a
colocação de um desfibrilhador cardioversor implantável.
Taquicardias ventriculares
A Taquicardia Ventricular (TV) corresponde a uma série de 3 ou mais SVPs. Pode ser dividida em:
• TV mantida: persiste durante mais de 30s, produzindo sintomas severos como síncope
OU requer reversão com cardioversão ou administração de um fármaco antiarrítmico;
• TV não-mantida: curta, com autorreversão dos episódios.
Ambas as formas são encontradas sobretudo em doentes com doença cardíaca estrutural
(isquemia, EAM, IC, hipertrofia ventricular, doenças elétricas primárias/genéticas – ex:
síndromes do QT longo, valvulopatias e anomalias cardíacas congénitas).
O complexo QRS está prolongado (>120ms) e a frequência cardíaca muito aumentada, entre 100
e 200bpm ou mais. Também se pode categorizar a TV com base na morfologia dos complexos
QRS:
Fibrilhação auricular
A Fibrilhação Ventricular (FV) é uma arritmia rapidamente fatal. Provoca estimulação rápida,
desordenada e descoordenada dos ventrículos, o que resulta em cessação do débito cardíaco e
morte, se não for rapidamente revertida. Esta arritmia ocorre em doentes com doença cardíaca
severa subjacente e é a maior causa de mortalidade no EAM.
No ECG, é caracterizada por uma aparência irregular e caótica sem complexos QRS. Sem
tratamento, a FV evolui para a morte. A desfibrilhação elétrica dever ser realizada o mais
rapidamente possível, após a qual poderá ser necessária a administração IV de antiarrítmicos
para prevenir recorrências. Doentes estabilizados devem colocar um DCI.
Doença pulmonar
Anatomia
O sistema respiratório consiste nos pulmões recobertos pela pleura visceral, contidos pela
parede torácica, e o diafragma, este último servindo em condições normais como o principal
músculo para a ventilação. Os pulmões são divididos em lobos, cada
um demarcado pela pleura visceral interveniente. Cada pulmão
possui um lobo superior e um lobo inferior; o lobo médio e a língula
são os terceiros lobos nos pulmões direito e esquerdo,
respetivamente. No final da expiração, a maior parte do volume dos
pulmões é ar, enquanto quase metade da massa dos pulmões
corresponde ao volume sanguíneo. Uma prova da delicada estrutura
da região de troca de gases dos pulmões é que o tecido alveolar tem
um peso total de apenas 250 g, mas uma área de superfície total de
75 m2.
Os pulmões são inervados por fibras nervosas dos sistemas parassimpático (vagal), simpático, e
dos chamados sistemas não-adrenérgico e não-colinérgico (NANC). As fibras eferentes incluem:
(1) fibras parassimpáticas, com eferentes colinérgicos muscarínicos que medeiam a
broncoconstrição, a vasodilatação pulmonar, e a secreção das glândulas mucosas; (2) fibras
simpáticas, cuja estimulação produz o relaxamento do músculo liso brônquico, a vasoconstrição
pulmonar e a inibição da atividade das glândulas secretoras; e (3) o sistema NANC, com múltiplos
transmissores implicados, incluindo o ATP, o NO, e os neurotransmissores peptídicos, como a
substância P e o péptido intestinal vasoativo (VIP). O sistema NANC participa nos eventos
inibitórios, incluindo broncodilatação, e pode funcionar como o balanço recíproco
predominante ao sistema colinérgico excitatório.
Os aferentes pulmonares consistem principalmente nas fibras sensoriais vagais. Estas incluem:
Os vasos linfáticos pulmonares desenvolvem-se ao longo das vias respiratórias e dos sistemas
vasculares do pulmão. Os linfáticos são encontrados nos espaços de tecido conjuntivo da pleura
visceral, da membrana peribroncovascular e dos septos interlobulares. Os linfáticos são
encontrados distalmente até aos bronquíolos respiratórios terminais, porém não penetram no
espaço do tecido conjuntivo das paredes alveolares. Portanto, o líquido que percorre o seu
caminho para o interior do interstício alveolar precisa de ultrapassar uma pequena distância até
à região dos bronquíolos terminais para obter acesso aos linfáticos drenantes. As pleuras visceral
e parietal contêm vasos linfáticos associados. Esses vasos — em particular, os linfáticos
associados à pleura parietal — são responsáveis pela limpeza rápida do líquido do espaço
pleural.
De todos os órgãos do corpo, os pulmões têm uma especial exposição a agressões hostis. Num
adulto, a ventilação diária em repouso totaliza cerca de 6000 L de ar por dia, uma quantidade
que é aumentada substancialmente com o exercício. Essa exposição a um ambiente aberto, não-
estéril, implica um risco constante de agressões tóxicas, infecciosas ou inflamatórias. Além do
mais, a circulação pulmonar contém o único leito capilar no corpo através do qual todo o volume
sanguíneo circulante tem que fluir a cada ciclo cardíaco. Como consequência, o pulmão funciona
como o principal local de defesa contra a disseminação hematogénica de infeções ou outras
influências nocivas. A proteção dos pulmões contra agressões ambientais e infecciosas envolve
um grupo de respostas complexas capazes de providenciar uma defesa oportuna e bem-
sucedida contra a agressão, através das vias respiratórias ou pelo
leito vascular. Separa-se essas respostas em duas grandes categorias
— proteções químicas e físicas inespecíficas, e estruturas e ações
imunes específicas — todas operando de forma a prevenir lesões ou
invasões microbiológicas das grandes áreas epitelial e vascular do
pulmão.
Fisiologia
O pulmão mantém o seu parênquima extremamente fino sobre uma enorme área de superfície
por meio de uma intrincada arquitetura de suporte de colagénio e fibras de elastina.
Anatomicamente, assim como fisiologica e funcionalmente, o pulmão é um órgão elástico.
A tendência de um corpo deformável retornar à sua forma básica é o seu recoil elástico. O recoil
elástico da parede torácica é determinado pela forma e estrutura da caixa torácica. Dois
componentes contribuem para o recoil elástico pulmonar. O primeiro é a elasticidade do tecido;
o segundo está relacionado com as forças necessárias para alterar a forma da superfície de
contato ar-líquido dos alvéolos. A expansão dos pulmões requer a superação das forças da
superfície local que são diretamente proporcionais à tensão superficial local. A tensão superficial
é uma propriedade física que reflete uma maior atração entre as moléculas de um líquido do
que entre as moléculas desse líquido e do gás adjacente. Na interface ar-líquido do pulmão, as
moléculas de água são atraídas mais fortemente umas às outras do que ao ar acima delas. Isso
cria uma força final que direciona as moléculas de água em conjunto na interface. Se a interface
é esticada sobre uma superfície curva, essa força atua fechando a curvatura. A lei de Laplace
quantifica essa força: a pressão necessária para manter a curva aberta (neste caso, representada
por uma esfera) é diretamente proporcional à tensão superficial da interface e inversamente
proporcional ao raio da esfera.
• Diminui a pressão de recoil elástico dos pulmões, minimizando, desse modo, a pressão
necessária para inflá-los. Isto resulta na redução do trabalho de respiração.
• Permite que as forças de superfície variem com a área da superfície alveolar,
promovendo assim a estabilidade alveolar e protegendo contra a atelectasia.
• Limita a redução da pressão hidrostática no interstício pericapilar, causada pela tensão
superficial. Isto reduz as forças que promovem a transudação do líquido e a tendência
ao acúmulo de edema intersticial.
Estados patológicos podem resultar de mudanças no recoil elástico do pulmão relacionado com
um aumento na complacência (enfisema), um decréscimo na complacência (fibrose pulmonar),
ou uma rutura do surfactante com um aumento nas tensões superficiais (síndrome da angústia
respiratória na infância [SARI]).
A insuflação dos pulmões deve superar três forças opositoras: o recoil elástico, incluindo as
tensões superficiais; a inércia do sistema respiratório; e a resistência do fluxo de ar. Por a inércia
ser insignificante, o trabalho da respiração pode ser dividido entre o trabalho para superar as
forças elásticas e o trabalho para superar a resistência ao fluxo.
A resistência das vias respiratórias é determinada por diversos fatores. Muitos estados de
doença afetam a tonicidade do músculo liso brônquico e causam broncoconstrição, produzindo
um estreitamento anormal das vias respiratórias. As vias respiratórias também podem ser
estreitadas por hipertrofia (bronquite crónica) ou infiltração (sarcoidose) da sua mucosa.
Fisiologicamente, a tração radial do interstício pulmonar suporta as vias respiratórias e aumenta
os seus calibres à medida que aumenta o volume pulmonar. Contrariamente, com a diminuição
do volume pulmonar, o calibre da via respiratória também diminui e a resistência ao fluxo do ar
aumenta. Os pacientes com obstrução do fluxo de ar geralmente respiram com volumes
pulmonares grandes, num esforço para maximizar o recoil elástico pulmonar; isso aumenta o
calibre da via respiratória e assim minimiza a resistência.
As análises em termos de fluxos laminares e turbulentos supõem que as vias respiratórias são
tubos rígidos. Na verdade, eles são fortemente compressíveis. A compressibilidade das vias
respiratórias expõe-nas ao importante fenómeno do fluxo independente de esforço. É uma
antiga observação clínica que o nível de fluxo de ar durante a expiração pode ser aumentado,
com esforço, apenas até determinado ponto. Além desse ponto, posteriores aumentos no
esforço não aumentam os níveis do fluxo. A explicação para esse fenómeno encontra-se no
conceito de ponto de igual pressão.
O ponto de igual pressão não é um local anatómico, mas um resultado funcional que ajuda a
esclarecer diferentes mecanismos de obstrução do fluxo de ar. É devido à pressão condutora do
fluxo de ar expiratório que o pulmão tem pressão de recoil elástico, uma redução na pressão de
recoil conduzirá à cessação do fluxo nos volumes superiores dos pulmões. Os pacientes com
enfisema perdem o recoil elástico do pulmão e podem ter o fluxo expiratório gravemente
comprometido, mesmo com as vias respiratórias com calibre normal. Ao contrário, um aumento
na pressão de recoil irá se opor à compressão dinâmica. Os pacientes com fibrose pulmonar
podem ter um aumento anormal dos níveis de fluxo apesar dos volumes bastante reduzidos dos
pulmões. A presença de doenças nas vias respiratórias aumenta a queda na pressão ao longo
das vias respiratórias e pode gerar um ponto de igual pressão nos volumes superiores dos
pulmões.
O trabalho da respiração
Uma ventilação-minuto constante pode ser alcançada através de múltiplas combinações entre
frequências respiratórias e volumes de ar respirados. As duas componentes do trabalho
respiratório — forças elásticas e resistência ao fluxo de ar — são afetadas de maneiras opostas
pelas mudanças na frequência e na profundidade da respiração. A resistência elástica é
minimizada pela respiração rápida, superficial; as forças de resistência ao fluxo de ar são
minimizadas pela respiração lenta, de grande volume de ar respirado. A Fig. 9.10 mostra como
essas duas componentes podem ser somadas para oferecer um trabalho total de respiração para
diferentes frequências numa ventilação-minuto constante. O ponto de ajuste da respiração é
aquele em que o trabalho total de respiração é minimizado. Em pessoas saudáveis isso ocorre
com uma frequência de aproximadamente 15 respirações/min. Em diferentes doenças, esse
modelo é alterado para compensar a anormalidade fisiológica subjacente.
Distribuição ventilação-perfusão
O fluxo de sangue pulmonar é um sistema de baixa pressão que funciona num campo
gravitacional através de 30 cm verticais. A distribuição do fluxo de sangue para os pulmões não
é uniforme sob condições de repouso. Na posição vertical, há um acréscimo quase linear no
fluxo de sangue do ápice para a base pulmonar. Além da gravidade, múltiplos fatores regulam
o fluxo de sangue. O mais importante é a vasoconstrição pulmonar hipóxica. As células do
músculo liso das arteríolas pulmonares são sensíveis ao PO2 alveolar (muito mais do que ao PCO2
arterial). À medida que o PO2 alveolar cai, ocorre uma constrição arteriolar, um aumento na
resistência local ao fluxo e uma redistribuição do fluxo para as regiões de alto PO2 alveolar. Esse
é um mecanismo extremamente eficaz quando regionalizado. Ele pode diminuir bastante o fluxo
sanguíneo local sem um aumento significativo da pressão arterial pulmonar média, quando
afeta menos de 20% da circulação pulmonar. A hipóxia alveolar global resulta em hipertensão
pulmonar.
A associação ventilação-perfusão
O papel funcional dos pulmões é colocar o ar ambiente próximo do sangue em circulação para
permitir a troca gasosa por difusão simples. Para conseguir isso, o ar e o fluxo sanguíneo devem
ser direcionados para o mesmo local, ao mesmo tempo, ou seja, a ventilação e a perfusão devem
ser associadas. Uma falha na associação entre a ventilação e a perfusão, ou dissociação V/Q,
está subjacente à maior parte das anormalidades na troca de O2 e CO2.
Um shunt ocorre quando a ventilação é eliminada, porém a perfusão continua, como pode
acontecer com o pulmão atelectasiado ou em áreas de consolidação pulmonar (alvéolos
preenchidos com líquido/exsudado) (quadrado B). Tal shunt direita-esquerda permite que o
sangue venoso misturado passe para a circulação arterial sistémica sem entrar em contato com
o gás alveolar. Isso causa caracteristicamente uma queda, tanto na PO2 como na PCO2. A
hiperventilação de algumas regiões do pulmão pode compensar um shunt através de outras
regiões, mas apenas por um possível aumento da PCO2 e não pela queda na PO2. A razão está
no facto de o CO2 contido no sangue estar linearmente relacionado e ser inversamente
proporcional à ventilação alveolar. A ventilação aumentada numa unidade respiratória pode
reduzir o CO2 contido no sangue que deixa aquela unidade. O conteúdo de CO2 da mistura é a
média das duas unidades. Por a PCO2 ser diretamente proporcional ao conteúdo de CO2, o
conteúdo reduzido de CO2 das unidades hiperventiladas compensa a falta de ventilação do
espaço morto.
O efeito fisiológico das áreas com baixa relação V/Q é semelhante ao efeito dos shunts:
hipoxémia sem hipercapnia. O sangue shuntado passa sem contato com o ar inspirado;
portanto, nenhuma quantidade adicional de oxigénio fornecido ao ar inspirado irá reverter a
queda da PO2 arterial sistémica. Uma área de baixa relação V/Q entra em contato com o ar
inspirado e pode ser revertida com o aumento de oxigénio inspirado. O shunt verdadeiro é o
caso limítrofe de uma área com baixa V/Q onde a relação é igual a zero.
Numa área com fluxo sanguíneo diminuído, porém com a ventilação mantida, existe uma
elevada relação V/Q. O efeito das elevadas relações V/Q é aumentar a quantidade de ventilação
necessária para manter a PCO2 arterial normal. Em decorrência do sistema de controle da
respiração ser bastante sensível a pequenas mudanças na PaCO2 e os pulmões apresentarem
uma enorme capacidade de excesso, o efeito fisiológico de áreas com elevada relação V/Q é
aumentar a respiração para manter a PaCO2. Isso pode ser feito de forma inconsciente, e
transforma-se num problema clínico quando o indivíduo não consegue manter uma ventilação-
minuto aumentada.
Controlo da respiração
Esses músculos estão tanto sob o controle autónomo, como o voluntário. O ritmo da respiração
espontânea é originado no tronco cerebral, especificamente em vários grupos de neurónios
interconectados na medula → complexo pré-Bötzinger. Eles são inspiratórios ou expiratórios e
podem disparar cedo, tarde ou de modo acelerado durante o ciclo respiratório. O seu resultado
integrado é um sinal eferente através do nervo frénico (diafragma) e nervos espinhais
(intercostais e parede abdominal) para gerar a contração e o relaxamento rítmicos da
musculatura respiratória. O resultado é a respiração espontânea sem controle consciente. No
entanto, a alimentação, a fala, o canto, o nado, a defecação, todas dependem do controle
voluntário sobre a respiração automática.
a. Estímulo sensorial
b. Respostas integradas
c. Situações especiais
• Hipercapnia crónica — nos pacientes com hipercapnia crónica, o pH cerebral volta ao
normal através das alterações compensatórias nos níveis de bicarbonato. Isso torna os
quimiorreceptores centrais menos sensíveis a posteriores mudanças na PaCO2 arterial.
Nessa situação, a ventilação mínima de um paciente pode depender dos estímulos
tónicos dos corpos carotídeos. Se a esses pacientes forem administradas elevadas
concentrações de oxigénio inspirado, isso poderá reduzir a resposta do corpo carotídeo
e levar a uma queda na ventilação-minuto. Em casos raros, pode ser grave o suficiente
para causar um rápido acréscimo na PaCO2 e o coma.
• Hipoxia crónica — a residência durante um longo período num local de altitude elevada
— ou a apneia do sono com repetidos episódios de grave dessaturação de oxigénio —
pode diminuir a resposta ventilatória hipóxica. Nesses indivíduos, o desenvolvimento de
doença pulmonar e hipercapnia pode remover qualquer estímulo endógeno à
respiração. Esse modelo é visto nos pacientes com a síndrome da obesidade-
hipoventilação.
• Exercício — o exercício pode aumentar a ventilação-minuto até 25 vezes acima do nível
de repouso. Num indivíduo saudável, o exercício vigoroso, porém abaixo do extremo,
caracteristicamente não causa nenhuma mudança, ou apenas um leve aumento, na
PaO2 como resultado do aumento do fluxo sanguíneo pulmonar e da melhor
combinação entre ventilação e perfusão, sem nenhuma mudança ou apenas uma
pequena queda na PaCO2. No entanto, mudanças na oxigenação arterial não são um
fator subjacente ao aumento da ventilação em resposta ao exercício. Não é conhecida
com precisão a razão para o aumento da resposta ventilatória. Os dois fatores
contribuintes são o aumento na produção de dióxido de carbono e o aumento da
descarga aferente dos propriorreceptores das articulações e dos músculos.
1. ASMA
a. Apresentação clínica
A asma é uma doença inflamatória da via respiratória associada à obstrução do fluxo de ar,
caracterizada pela presença de sintomas intermitentes, que incluem os sibilos, a constrição
torácica, encurtamento da respiração (dispneia), e a tosse, junto com hipersensibilidade
brônquica demonstrável. A exposição a determinados alergénios ou a vários estímulos
inespecíficos inicia uma cascata de eventos da ativação celular nas vias respiratórias, resultando
em processos inflamatórios, tanto agudos como crónicos, mediados por uma variedade
complexa integrada de citocinas libertadas localmente e de outros mediadores. A libertação
desses mediadores pode alterar o tónus e a sensibilidade do músculo liso das vias respiratórias,
produzir hipersecreção mucosa, e danificar o epitélio da via respiratória. Esses eventos
patológicos resultam cronicamente em anormalidades da arquitetura e da função da via
respiratória.
b. Etiologia e epidemiologia
A asma é a doença crónica pulmonar mais comum, afetando entre 15 a 17% da população. É
mais comum em crianças e ocorre mais frequentemente no sexo masculino. Os dados relativos
às mortes decorrentes de asma são incompletos e algo variáveis, mas sugerem uma tendência
no sentido de um aumento na taxa de mortalidade nas décadas recentes — isso apesar de uma
maior disponibilidade de tratamentos farmacológicos mais eficazes. Várias explicações têm sido
apresentadas, incluindo os efeitos colaterais deletérios dos medicamentos e a crescente
exposição à poluição domiciliar e industrial.
c. Patogénese
d. Patologia
e. Fisiopatologia
Os eventos celulares locais nas vias respiratórias têm efeitos importantes na função pulmonar.
A hipersensibilidade do músculo liso e o estreitamento da via respiratória aumentam
significativamente a resistência dessa via em consequência da inflamação. Desse modo, quando
em circunstâncias fisiológicas normais o pequeno calibre das vias respiratórias periféricas não
contribui de forma significativa para a resistência do fluxo de ar, agora elas passam a ser locais
de resistência aumentada. Isso é agravado pela hipersecreção mucosa concorrente e por
qualquer estímulo broncoconstritor adicional. A função neural brônquica também parece
desempenhar um papel na evolução da asma, ainda que provavelmente seja de importância
secundária. A tosse e o reflexo broncoconstritor mediados pela estimulação dos eferentes vagais
acompanham a estimulação dos recetores irritantes brônquicos. Os neurotransmissores
peptídicos também são importantes. A substância pró-inflamatória neuropeptido P pode ser
libertada por fibras aferentes amielínicas dentro das vias respiratórias e induzir a contração do
músculo liso e a liberação de mediadores pelos mastócitos. O peptídio vasoativo intestinal (VIP)
é o neurotransmissor de alguns neurónios não-adrenérgicos, não-colinérgicos das vias
respiratórias e pode funcionar como um broncodilatador; a interrupção da sua ação, através da
clivagem do VIP, pode gerar a broncoconstrição.
A obstrução da via respiratória ocorre difusamente pelos pulmões, ainda que de forma não-
homogénea. Como resultado, a ventilação das unidades respiratórias torna-se não uniforme e
a associação entre ventilação e perfusão é alterada. De forma anormal, existem tanto áreas com
relação V/Q elevada, como com relação diminuída, sendo que as regiões de relação diminuída
contribuem para a hipoxemia. Ainda que os tampões de muco sejam uma descoberta comum,
o shunt autêntico é raro na asma, particularmente nas asmas grave e fatal. Habitualmente, a
tensão arterial do CO2 é normal ou baixa, dado o aumento observado na ventilação nas
exacerbações da asma. A hipercapnia é vista como um sinal tardio e nefasto, indicando a
obstrução progressiva da via respiratória, a fadiga do músculo e a ventilação alveolar
decrescente.
f. Manifestações clínicas
2 – Sibilos: a contração do músculo liso, junto com a hipersecreção e a retenção de muco, resulta
na redução do calibre da via respiratória e no fluxo de ar prolongado e turbulento, produzindo
a auscultação dos sibilos. A intensidade dos sibilos não é bem correlacionada com a gravidade
do estreitamento da via respiratória. Por exemplo, com a obstrução extrema da via respiratória,
o fluxo de ar pode ser tão reduzido que o sibilo é quase impercetível.
8 - Defeitos obstrutivos nas provas de função pulmonar: os pacientes com asma leve podem ter
a função pulmonar inteiramente normal entre as crises. Durante crises agudas de asma, todos
os índices do fluxo de ar expiratório estão reduzidos, incluindo FEV1, FEV1/CVF e a taxa do pico
do fluxo expiratório. O CVF também está frequentemente reduzido como resultado prematuro
da obstrução da via respiratória antes da expiração completa. A administração de um
broncodilatador melhora a obstrução do fluxo de ar. Como consequência dessa obstrução, o
esvaziamento incompleto das unidades do pulmão no fim da expiração resulta na
hiperinsuflação aguda e crónica; a capacidade pulmonar total (CPT), a capacidade funcional
residual (CFR) e o volume residual (VR) podem estar elevados. A capacidade de difusão pulmonar
para monóxido de carbono (DlCO) está frequentemente aumentada como consequência do
aumento do volume pulmonar (e do sangue capilar pulmonar).
A DPOC está presente apenas se ocorrer obstrução crónica do fluxo aéreo; a bronquite crónica
sem obstrução do fluxo não está incluída na DPOC.
a. Apresentação clínica
i. Bronquite crónica: é definida pela história clínica por tosse produtiva
por 3 meses durante 2 anos consecutivos. A dispneia e a obstrução da
via respiratória, frequentemente reversíveis, estão presentes de forma
intermitente ou contínua. O tabagismo é a principal causa, ainda que
outros irritantes inalatórios possam produzir o mesmo
desencadeamento. O evento patológico predominante é um processo
inflamatório das vias respiratórias, com o espessamento mucoso e a
hipersecreção de muco, resultando na obstrução difusa.
ii. Enfisema: condição de alargamento anormal permanente dos espaços
aéreos distais aos bronquíolos terminais, acompanhado pela destruição
das suas paredes sem fibrose evidente. Em contraste com a bronquite
crónica, o defeito patológico primário no enfisema não está dentro das
vias respiratórias, porém mais exatamente nas paredes das unidades
respiratórias, onde a perda do tecido elástico resulta na perda da tensão
de recuo apropriada para apoiar as vias respiratórias durante a
expiração. A dispneia progressiva e a obstrução irreversível
acompanham a destruição do espaço aéreo sem a tosse produtiva
significativa. Além disso, a perda da área de superfície alveolar e a
concomitante perda da camada capilar de troca de gases contribuem
para a hipóxia e a dispneia progressivas. Distinções patológicas e
etiológicas podem ser feitas entre as várias características do enfisema,
porém as apresentações clínicas de todas são muito uniformes.
b. Etiologia e epidemiologia
As DPOC afetam mais de 10 milhões de pessoas nos EUA; a bronquite crónica é o diagnóstico
em aproximadamente 75% dos casos e o enfisema no restante. As taxas de incidência,
prevalência e mortalidade pela DPOC aumentam com a idade e são mais altas entre os homens
caucasianos e pessoas de classe média baixa. O tabagismo permanece como a principal causa
em até 90% dos pacientes com bronquite crónica e enfisema. O risco de DPOC aumenta com a
intensidade do hábito de fumar, quantificada em UMA (unidades maço-ano). No entanto,
apenas 10 a 15% dos fumadores desenvolvem DPOC. As razões para as diferenças na
suscetibilidade à doença são desconhecidas, mas devem incluir fatores genéticos. O fator de
risco mais importante, isolado e identificado, para a evolução da DPOC — diferente do
tabagismo — é a deficiência do inibidor da α1-protease. A sua ausência pode levar ao
surgimento precoce dos primeiros sintomas do enfisema grave. O inibidor da α1-protease é uma
proteína circulante capaz de inibir vários tipos de proteases, incluindo a elastase dos neutrófilos,
que está implicada na génese do enfisema. Mutações autossómicas dominantes, especialmente
em indivíduos do nordeste europeu, produzem níveis séricos e teciduais anormalmente baixos
desse inibidor, alterando o equilíbrio entre a síntese do tecido conjuntivo e a proteólise. Uma
mutação homozigótica (o genótipo ZZ) resulta em níveis de inibidor de 10 a 15% do normal. O
risco de enfisema, particularmente nos fumadores que carregam essa mutação, é
significativamente elevado.
Estudos de base populacional sugerem que a poeira crónica (incluindo sílica e algodão) ou a
exposição a poluentes químicos podem conduzir à DPOC, mas a contribuição destes fatores
parece ser menor, quando comparada com o tabagismo.
c. Fisiopatologia
Bronquite crónica:
Os aspetos clínicos da bronquite crónica podem ser atribuídos à lesão crónica e ao estreitamento
da via respiratória. As principais características patológicas são a inflamação, particularmente
das pequenas vias respiratórias, e a hipertrofia das glândulas mucosas das grandes vias
respiratórias, associadas à elevada secreção de muco, que causa a sua obstrução. A mucosa da
via respiratória está variavelmente infiltrada com células inflamatórias, incluindo leucócitos
polimorfonucleares e linfócitos. A inflamação da mucosa pode estreitar substancialmente o
lúmen brônquico. Como consequência da inflamação crónica, o epitélio colunar
pseudoestratificado ciliado normal é frequentemente substituído pela metaplasia escamosa em
placa. Na ausência do epitélio brônquico ciliado normal, a função de remoção mucociliar está
intensamente diminuída ou completamente abolida. A hipertrofia e a hiperplasia das glândulas
submucosas são características proeminentes, com as glândulas sendo em geral responsáveis
por mais de 50% do espessamento da parede brônquica. A hipersecreção de muco acompanha
a hiperplasia da glândula mucosa, contribuindo para o estreitamento luminal. A hipertrofia do
músculo liso brônquico é comum, e a hipersensibilidade a estímulos broncoconstritores
inespecíficos (incluindo a histamina e a metacolina) podem ser observadas. Os bronquíolos
estão frequentemente infiltrados por células inflamatórias e distorcidos, com fibrose
peribrônquica associada. A impactação de muco e a obstrução luminal das vias respiratórias
menores são frequentemente observadas. Na ausência de quaisquer processos sobrepostos,
como a pneumonia, o parênquima pulmonar de troca gasosa, composto pelas unidades
respiratórias terminais, está significativamente preservado. O resultado dessas mudanças
associadas é a obstrução crónica e a diminuição da remoção das secreções das vias respiratórias.
Enfisema:
Acredita-se que o principal evento patológico do enfisema seja o processo destrutivo contínuo
resultante do desequilíbrio entre a lesão oxidante local e a atividade proteolítica
(particularmente elastólica) causada pela deficiência dos
inibidores das protéases. Os oxidantes, sejam endógenos
(aniões superóxido) ou exógenos (p. ex., tabagismo), podem
reprimir a função protetora normal dos inibidores das
proteases, permitindo a destruição progressiva do tecido. Em
contraste com a bronquite crónica, o enfisema não é uma
doença primariamente das vias respiratórias, mas do
parênquima pulmonar circundante. As consequências
fisiológicas são o resultado da destruição das unidades
respiratórias terminais e a perda do leito capilar alveolar e, de
forma importante, das estruturas pulmonares de suporte,
incluindo o tecido conjuntivo elástico. A perda do tecido
conjuntivo elástico gera um pulmão com recoil elástico
diminuído e com complacência aumentada. Na ausência do
recoil elástico normal, o suporte não cartilaginoso normal das vias respiratórias é perdido, e
estabelece-se o colapso expiratório prematuro das vias respiratórias, com sintomas obstrutivos
característicos e achados fisiológicos.
d. Manifestações clínicas
Bronquite crónica:
2 – Sibilos: o estreitamento persistente das vias respiratórias e a obstrução por muco podem
produzir sibilos localizados ou difusos. Eles podem responder aos broncodilatadores,
representando um componente reversível da obstrução.
5 – Imagem: os achados típicos do RX tórax incluem o aumento dos volumes pulmonares, com
diafragmas relativamente deprimidos, compatível com a hiperinsuflação. São comuns as
proeminentes linhas paralelas de reflectância diminuída das paredes brônquicas espessadas. A
área cardíaca pode estar aumentada, sugerindo a sobrecarga de volume da aurícula direita. As
artérias pulmonares proeminentes são comuns e consistentes com a hipertensão pulmonar.
Enfisema:
Apresenta-se como uma doença não inflamatória manifestada pela dispneia, pela obstrução
progressiva irreversível das vias respiratórias e pelas anormalidades nas trocas gasosas,
particularmente durante o exercício.
1 - Ruídos respiratórios: tipicamente, os ruídos respiratórios são menos intensos no enfisema,
refletindo a diminuição do fluxo de ar, o prolongamento do tempo expiratório e a significativa
hiperinsuflação pulmonar. Os sibilos, quando presentes, são de baixa intensidade. Os ruídos das
vias respiratórias, incluindo as crepitações e os roncos, são incomuns na ausência de um
processo sobreposto como a infeção.
A DPOC é um distúrbio progressivo, mas o ritmo de perda de função pulmonar sofre redução
significativa com bastante frequência caso haja cessação tabágica. Nos indivíduos saudáveis,
o FEV1 alcança o pico vital por volta dos 25 anos de idade, entra numa fase de plateau e
diminui de modo gradual e progressivo. Os indivíduos podem desenvolver DPOC por
sofrerem uma redução na função pulmonar máxima alcançada, por uma fase de plateau
encurtada ou por um declínio acelerado da função pulmonar.
Os sintomas ocorrem com frequência somente quando a DPOC se encontra numa fase
avançada; assim, para a identificação precoce, torna-se necessária a realização de um teste
espirométrico. A PaO2 mantém-se quase normal até que o FEV1 tenha caído para < 50% do
valor previsto. A hipercapnia e a hipertensão pulmonar são mais comuns quando o FEV1 caiu
para < 25% do valor previsto.
Os pacientes com DPOC com valores semelhantes de FEV1 podem apresentar variação
acentuada nos sintomas respiratórios e na deterioração funcional. Com frequência, a DPOC
inclui períodos com sintomas respiratórios mais acentuados, como dispneia, tosse e
produção de muco, conhecidos como exacerbações, desencadeadas com frequência por
infeções respiratórias bacterianas e/ou virais, e que se tornam mais comuns à medida que
aumenta a gravidade da DPOC.
Apresentação clínica
Etiologia e epidemiologia
A fibrose pulmonar idiopática apresenta-se tipicamente da quinta à sétima décadas de vida, com
uma leve predominância masculina. Não há nenhum agente causador conhecido. Muitas
exposições ambientais e doenças sistémicas específicas podem produzir um modelo clínico
semelhante, se não idêntico, àquele observado na fibrose pulmonar idiopática. É importante
considerar causas alternativas quando da avaliação de um paciente com doença pulmonar
parenquimatosa difusa, porque podem alterar a avaliação ou as opções de tratamento. Uma
forma familiar da fibrose pulmonar foi descrita, mas é incomum; os casos típicos não parecem
ter base genética.
Fisiopatologia
A agressão primária que leva à resposta fibrótica é desconhecida. Existe, no entanto, uma série
de eventos celulares comuns que medeiam e regulam o processo inflamatório e a resposta
fibrótica. Esse conjunto de eventos inclui (1) lesão inicial do tecido; (2) lesão e ativação
vasculares, com aumento da permeabilidade, transudação de proteínas do plasma para dentro
do espaço extravascular, associado à trombose e à trombólise em graus variados; (3) lesão e
ativação do epitélio, com a perda da integridade da barreira, e a libertação de mediadores pró-
inflamatórios; (4) aumento da aderência dos leucócitos para ativar o endotélio, com o trânsito
de leucócitos ativados para dentro do interstício; e (5) processos contínuos de lesão e reparação
caracterizados por alterações das populações celulares e aumento da produção da matriz.
A ocorrência fisiopatológica inicial na fibrose pulmonar idiopática é a lesão e a ativação do
epitélio e do endotélio alveolar. As células tipo I do epitélio são perdidas e substituídas pelas
células proliferativas tipo II. As células epiteliais das vias respiratórias participam do
recrutamento e da ativação das células inflamatórias, incluindo os neutrófilos e os linfócitos,
mediados por citocinas. O recrutamento e a ativação, tanto dos neutrófilos como dos linfócitos,
também são mediados pela lesão e ativação do endotélio vascular; isso ocorre através da ação
coordenada de múltiplas citocinas e a exibição de um repertório específico de moléculas de
adesão celular, tanto nas células endoteliais, como nos leucócitos específicos. Os fibroblastos
também são ativados por essas citocinas pró-inflamatórias, com proliferação no interstício, na
submucosa e no lúmen alveolar. Os fibroblastos servem a uma função dupla, ampliando os
eventos inflamatórios locais através de libertação de citocinas, enquanto produzem as
moléculas-matrizes, incluindo o colagénio, envolvido na fibrose tecidual. A perpetuação desse
modelo de ativação e proliferação do fibroblasto — e elevado depósito de matriz tecidual —
ocorre sob a influência das células inflamatórias. Essas incluem não apenas os linfócitos,
macrófagos alveolares e neutrófilos, como também os mastócitos residentes e os eosinófilos, os
quais estão aumentados em graus variados.
Manifestações clínicas
Sinais e sintomas
Imagem
Gasimetria arterial
Hematopoiese
Todas as células sanguíneas derivam de células estaminais pluripotentes, que são suportadas
por células estromais, que também influenciam a hematopoiese. As células estaminais
apresentam 2 propriedades – autorrenovação, e a sua proliferação e diferenciação em células
progenitoras, comprometidas com uma linhagem celular específica.
Incluem:
• Eritropoietina
• IL-3
• IL-6
• IL-7
• IL-11
• IL-12
• Β-catenina
• SCF (stem cell factor)
• Fms-tirosina cinase 3 (Flt3)
A trombopoietina (que, tal como a eritropoietina, é produzida nos rins e também no fígado)
controla a produção de plaquetas, em conjunto com a IL-6 e a IL-11. Para além destes fatores
que estimulam a hematopoiese, outros inibem o processo, incluindo o TNF e o TGF-β. Muitos
destes fatores de crescimento são produzidos por células T ativadas, monócitos e células
estromais da medula óssea, como fibroblastos, células endoteliais e macrófagos, que também
estão envolvidas na resposta inflamatória.
Sangue periférico
• VGM (volume globular médio) dos eritrócitos é um índice utilizado para classificar
anemias
• RDW (red cell distribution width): quando está elevado sugere variação no tamanho dos
eritrócitos (anisocitose), o que é visto em deficiência em ferro. Na β-talassémia, o RDW
geralmente está normal.
• Contagem de glóbulos brancos
• Reticulócitos: são glóbulos vermelhos imaturos, que geralmente representam <2% do
total de eritrócitos. A contagem de reticulócitos demonstra a atividade eritrocitária da
medula óssea. Uma contagem aumentada é verificada no aumento da maturidade da
medula (depois de hemorragia ou hemólise e durante resposta a tratamento com um
determinado hematínico). A diminuição da contagem na presença de anemia indica uma
resposta inapropriada da medula óssea e pode ser vista na falência da medula óssea
(por qualquer causa) ou quando há uma deficiência num hematínico.
• Velocidade de sedimentação: velocidade de deposição de eritrócitos numa coluna de
sangue. É uma medida de resposta de fase aguda. O processo patológico pode ser
imunológico, infecioso, isquémico, maligno ou traumático. Uma velocidade de
sedimentação aumentada reflete um aumento na concentração plasmática de grandes
proteínas, como o fibrinogénio e imunoglobulinas. Estas proteínas causam o
“empilhamento” dos eritrócitos, que se depositam mais rápido. A velocidade de
sedimentação também aumenta com a idade, e é mais elevada nas mulheres do que
nos homens.
Eritropoiese
• Eritropoietina
• IL-3
• GM-CSF
• TGF-β
• IL-1α
• IL-1β
• IL-2
• IL-6
• IFNγ
• TNFα
Síntese de hemoglobina
Função da hemoglobina
A ligação do O2 pode ser influenciada por iões hidrogénio, CO2 e 2,3-bifosfoglicerato (2,3-BPG):
os iões H+ e o CO2 reduzem a afinidade da ligação do O2 à Hb (efeito Bohr), enquanto a
oxigenação da Hb reduz a sua afinidade para o O2 (efeito Haldane) → estes efeitos ajudam nas
trocas de O2 e CO2 nos tecidos.
O metabolismo dos glóbulos vermelhos produz 2,3-BPG a partir da glicólise. O 2,3-BPG acumula-
se porque é sequestrado ao ligar-se à desoxihemoglobina. A ligação de 2,3-BPG estabiliza a
conformação T e reduz a sua afinidade para o O2. A P50 é a pressão parcial de O2 na qual a
saturação da hemoglobina é 50%. A P50 aumenta com as concentrações de 2,3-BPG (que
aumenta quando a disponibilidade de O2 está reduzida devido a hipoxia ou anemia) e com o
aumento da temperatura corporal.
ANEMIA
Definição: “Diminuição da hemoglobina para níveis que comprometam a oxigenação dos tecidos
(nível de Hb < 13g/dL no sexo masculino e < 12 g/dL no sexo feminino)” – OMS.
Mecanismos de adaptação
Mecanismos intra-eritrocitários
Adaptação geral
A anemia, devido a fenómenos de hipóxia, vai responder levando a mecanismos de adaptação
tais como:
Apresentação clínica
No que toca às manifestações clínicas da anemia, por um lado, vão surgir manifestações que
estão dependentes da diminuição do transporte de oxigénio aos tecidos como o cansaço e a
astenia.
Por outro lado, a ativação do SN simpático vai ser responsável por outras manifestações como
as palpitações, o choque de ponta mais impulsivo e o sopro sistólico. Esta ativação pode
conduzir a insuficiência cardíaca de alto débito, com as suas manifestações típicas como
retenção de água e sal e edema.
Análises
Sangue periférico
• Índices eritrocitários
• Contagem de leucócitos
• Contagem de plaquetas
• Contagem de reticulócitos (indica a atividade da medula óssea)
• Esfregaço de sangue, uma vez que a morfologia dos eritrócitos pode indicar o
diagnóstico. Quando se observam 2 populações de eritrócitos diferentes, diz-se que o
esfregaço é dimórfico, o que pode ser visto quando os doentes têm “deficiências duplas”
(combinação de deficiência em ferro e em ácido fólico, ou após tratamento de doentes
anémicos com um hematínico apropriado)
Medula óssea
Analisa-se:
• Celularidade da medula
• Tipo de eritropoiese (normoblástica ou
megaloblástica)
• Celularidade das várias linhagens celulares
• Infiltração da medula – presença de células não
hematopoiéticas como células cancerígenas
• Reservas de ferro
Fisiopatologia
• Anemia por diminuição da produção dos glóbulos vermelhos (medula óssea não
responde ao estímulo eritropoiético)
• Anemia hemolítica em que há aumento da destruição precoce dos glóbulos vermelhos
• Anemia por perda de sangue:
o Perda crónica: perda constante de pequenas quantidades de sangue,
nomeadamente pelo tubo digestivo e/ou pelo aparelho genito-urinário,
levando a carência de ferro - no fundo esta acaba por pertencer ao grupo das
anemias por défice de produção, visto que, com a diminuição das reservas de
ferro, ocorre diminuição da produção de glóbulos vermelhos.
o Hemorragia aguda: nestes casos o aspeto hemodinâmico da perda de volume
de sangue (que pode levar a choque hipovolémico) sobrepõe-se à anemia
propriamente dita do ponto de vista de intervenção médica
A taxa de reticulócitos é importante na classificação das anemias visto que permite indicar se a
medula está a responder ou não à anemia. Quando temos anemia, há aumento da eritropoietina
que vai estimular maior proliferação e diferenciação de células da linhagem hematopoiética.
Este aumento de produção de glóbulos vermelhos faz com que células ainda jovens não
completamente amadurecidas saiam para a corrente sanguínea, aumentando a taxa de
reticulócitos. Se não ocorrer aumento da produção dos glóbulos vermelhos, a taxa de
reticulócitos não aumenta adequadamente e torna-se um indicador da falência de produção de
glóbulos vermelhos pela medula óssea.
1. ANEMIA MICROCÍTICA
A deficiência em ferro é a causa mais comum de anemia, afetando 30% da população mundial.
Isto ocorre devido à capacidade limitada do corpo em absorver ferro e à perda frequente de
ferro devido a hemorragia. Apesar de o ferro ser abundante, encontra-se maioritariamente na
sua forma férrica insolúvel, Fe3+, que tem menor biodisponibilidade do que a sua forma ferrosa,
Fe2+.
As outras causas de anemia microcítica hipocrómica são a anemia de doença crónica, anemia
sideroblástica e a talassémia. Na talassémia, ocorre um defeito na síntese de globina, em
contraste com as outras três causas, onde o defeito está na síntese de heme.
Ferro
Dieta
A dieta diária em média contém 15-20 mg de ferro, mas apenas 10% é absorvido. A absorção
pode ser aumentada em 20-30% na deficiência em ferro e na gravidez.
O ferro não-heme é derivado dos cereais, que são frequentemente fortificados em ferro. O ferro
do heme deriva da hemoglobina e da mioglobina presente na carne vermelha e nos órgãos de
animais – este é melhor absorvido do que o não-heme, cuja biodisponibilidade é mais afetada
por outros constituintes da dieta.
Absorção
Dentro da célula mucosa, o ferro é transferido da célula para o plasma, ou armazenado como
ferritina; a quantidade de ferro no organismo na altura em que a célula da cripta se estava a
desenvolver numa célula absortiva é provavelmente o fator decisivo crucial. O ferro armazenado
sob a forma de ferritina vai ser perdido para o lúmen do tubo intestinal à medida que as células
mucosas são exfoliadas, o que regula o balanço do ferro. O mecanismo de transporte de ferro
pela superfície basolateral das células mucosas envolve a ferroportina 1 (FPN 19 através do seu
elemento de resposta ao ferro (IRE). Esta proteína de transporte requer uma proteína acessória,
a hefaestina.
Ainda não se sabe porque é que as anemias caracterizadas por eritropoiese comprometida,
como a talassémia, estão associadas a excessiva e inapropriada absorção de ferro. Sugere-se
que a absorção aumentada de ferro na β-talassémia seja mediada pela downregulation da
hepcidina e upregulation da ferroportina.
Transporte no sangue
A concentração plasmática normal de ferro é 13-32 µmol/L, sendo que os níveis são mais
elevados de manhã. O ferro é transportado para o plasma ligado à transferrina, que é sintetizada
no fígado. Cada molécula de transferrina liga-se a 2 iões férricos e normalmente 1/3 da
transferrina está saturada. A maior parte do ferro ligado à transferrina derivado dos macrófagos
do sistema reticuloendotelial e não do ferro absorvido no intestino. A transferrina com ferro
liga-se a recetores específicos nos eritroblastos e reticulócitos na medula óssea e o ferro é
removido.
Armazenamento de ferro
Cerca de 2/3 do ferro total do corpo encontra-se na circulação na hemoglobina (2,5-3 g num
homem adulto). O ferro é armazenado nas células reticuloendoteliais, hepatócitos e células
musculares esqueléticas (500-1500 mg), sendo que cerca de 2/3 deste é armazenado sob a
forma de ferritina e 1/3 sob a forma de hemossiderina. Pequenas quantidades de ferro são
encontradas no plasma (4 mg ligadas à transferrina), na mioglobina e em enzimas.
Perde-se diariamente 0,5-1,0 mg de ferro nas fezes, urina e suor. Na menstruação as mulheres
perdem 30-40 mL de sangue por mês. Esta perda de ferro normalmente resulta em deficiência
em ferro visto que a aumento da absorção intestinal de ferro pode não compensar. A
necessidade de ferro também aumenta durante o crescimento (0,6 mg/dia) e na gravidez (1-2
mg/dia). No adulto, o conteúdo de ferro no corpo mantém-se relativamente fixo. O aumento da
quantidade de ferro no organismo (hemocromatose) é classificado em:
Deficiência em ferro
A anemia ferropénica desenvolve-se quando não existe ferro suficiente para a síntese de
hemoglobina. As causas são:
• Hemorragias
• Aumento da demanda no crescimento e na gravidez
• Diminuição da absorção (ex: pós-gastrectomia)
• Diminuição da ingestão
A carência de ferro é avaliada pela medição das reservas, tanto extra como intraeritrocitárias, e
apresenta vários estádios:
Manifestações clínicas:
• Unhas quebradiças
• Coiloníquia (unhas em forma de colher)
• Atrofia das papilas da língua
• Inflamação das comissuras labiais
• Cabelo quebradiço
• Síndrome de disfagia e glossite – síndrome de Plummer-Vinson ou Paterson-Brown-Kelly
O diagnóstico de anemia ferropénica baseia-se na história clínica, que deve incluir questões
acerca da dieta, de automedicação com AINEs (que aumentam o risco de hemorragia
gastrointestinal) e a presença de sangue nas fezes (que pode ser sinal de hemorroidas ou de
carcinoma da parte distal do intestino). Nas mulheres, deve-se ter em conta a duração da
menstruação, a ocorrência de coágulos e o nº de tampões/pensos higiénicos usados por dia.
Contagem células e esfregaço sangue periférico: os eritrócitos são microcíticos (VGM < 80 fL) e
hipocrómicos (HGM < 27 pg). Existe poiquilocitose (variação na forma) e anisocitose (variação
no tamanho).
O exame do TGI muitas vezes é requerido para determinar a causa de deficiência em ferro.
Tratamento:
• Tratar a causa
• Administrar ferro para corrigir a anemia e aumentar as reservas de ferro
Anemia sideroblástica
A anemia sideroblástica pode ser uma doença ligada ao cromossoma X, ou pode ser adquirida,
sendo algumas causas a mielodisplasia, distúrbios mieloproliferativos, leucemia mieloide,
fármacos (isoniazida), consumo de álcool e intoxicação por chumbo, bem como na artrite
reumatoide, carcinomas e anemias megaloblásticas e hemolíticas.
2. ANEMIA NORMOCÍTICA
3. ANEMIA MACROCÍTICA – pode ser dividida de acordo com os achados da medula óssea
em:
3.1 ANEMIA MACROCÍTICA MEGALOBÁSTICA
É caracterizada pela presença na medula óssea de eritroblastos com maturação nuclear atrasada
devido a defeitos na síntese de DNA (megaloblastos). Os megaloblastos são células grandes com
um grande núcleo imaturo. A cromatina nuclear está mais dispersa o que o normal e tem uma
aparência em pontilhado. Para além disso, são muitas vezes vistos metamielócitos gigantes –
estas células apresentam 2 vezes o tamanho de células normais e têm muitas vezes o núcleo
retorcido.
Achados hematológicos
• VGM elevado, a menos que exista uma causa concomitante de microcitose, pelo que
pode verificar-se um quadro dimórfico com VGM normal/baixo.
• O esfregaço de sangue periférico mostra macrócitos ovais com polimorfos
hipersegmentados com 6 ou mais lobos no núcleo
• Se severa, pode haver leucopénia e trombocitopenia
Vitamina B12
Os seres humanos obtêm esta vitamina através da carne, peixe, ovos e leite, mas não de plantas.
A dieta diária contém cerca de 5-30 µg de vitamina B12, dos quais 2-3 µg são absorvidos. As
reservas no adulto constituem cerca de 2-3 mg, encontrando-se no fígado, e pode levar 2 anos
ou mais após falência absortiva para que a deficiência em vitamina B12 se desenvolva.
Estrutura e função
A vitamina B12 é libertada de complexos proteicos nos alimentos pelas enzimas gástricas e
depois liga-se à proteína ligante da vitamina B12. Depois é removida desta pelas enzimas
pancreáticas e fica ligada ao fator intrínseco, secretado pelas células parietais gástricas. O fator
intrínseco leva a vitamina B12 a recetores específicos na superfície da mucosa do íleo - a
vitamina B12 entra nas células ileais e o fator intrínseco
permanece no lúmen e é excretado. A vitamina B12 é
transportada dos enterócitos para a medula óssea e outros
tecidos pela glicoproteína transcobalamina II (TCII).
É comum nos idosos, e mais nas mulheres do que nos homens. Existe uma associação com outras
doenças autoimunes, particularmente doença tiroideia, doença de Addison e vitiligo.
Os anticorpos contra células parietais estão presentes em 90% dos doentes, mas muitas vezes
também em idosos com atrofia gástrica. Por outro lado, anticorpos contra o fator intrínseco,
presentes em 50% dos doentes com anemia perniciosa, são específicos para o diagnóstico.
Manifestações clínicas:
As alterações neurológicas, se não tratadas, podem ser irreversíveis. Estas ocorrem com níveis
muito baixos de vitamina B12, e consistem em polineuropatia que envolve progressivamente os
nervos periféricos e as colunas posteriores e laterais da medula espinhal. Os pacientes
apresentam parestesia simétrica dos dedos, perda da sensação vibratória e propriocetiva e
progressiva fraqueza e ataxia. Também podem ocorrer demência, problemas psiquiátricos,
alucinações e atrofia do nervo óptico.
Exames:
Diagnóstico diferencial: a deficiência em vitamina B12 deve ser diferenciada de outras causas de
anemia megaloblástica, principalmente deficiência em folatos, mas normalmente isto é obvio
pelo nível plasmático das duas vitaminas. A anemia perniciosa também deve ser distinguida de
outras causas de deficiência em vitamina B12 – qualquer doença que envolva o íleo terminal ou
o sobrecrescimento bacteriano pode levar a deficiência em vitamina B12, tal como a
gastrectomia, a longo prazo.
Ácido fólico
Um aumento do VGM com macrocitose no esfregaço de sangue periférico pode ocorrer mais
frequentemente com uma medula óssea normoblástica do que com uma medula óssea
megaloblástica.
• Alcoolismo
• Doença hepática
• Reticulocitose
• Hipotiroidismo
• Alguns distúrbios hematológicos (anemia aplástica, anemia sideroblástica, …)
• Fármacos (ex: hidroxicarbamida, azatioprina)
Nestas condições, encontra-se níveis normais de vitamina B12 e de folato. Existe um aumento
de deposição de lípidos na membrana dos eritrócitos.
Um consumo elevado de álcool é uma causa frequente de aumento do VGM, e nestes pacientes
o VGM pode ser utilizado como um “marcador” para monitorizar o consumo excessivo de álcool.
Também pode ocorrer anemia megaloblástica no consumo excessivo de álcool, devido ao efeito
tóxico do álcool na eritropoiese e/ou à deficiência de folatos.
ANEMIA APLÁSICA
Verifica-se:
• Pancitopénia
• Ausência de reticulócitos
• Medula óssea hipocelular ou aplástica, com aumento dos espaços lipídicos
ANEMIAS HEMOLÍTICAS
Deve-se a excesso de destruição dos eritrócitos, o que se reflete no tempo médio de vida
eritrocitária. Na prática, a determinação do tempo médio de vida eritrocitária é um exame
complicado. Assim, usamos um indicador indireto da mesma, que é a taxa de reticulócitos
(infere a capacidade da medula óssea de produzir glóbulos vermelhos em resposta à anemia).
Este tipo de anemias ocorre devido a anomalias do próprio eritrócito, em que a sua produção é
normal mas ocorre hemólise devido a:
Anemias extracorpusculares
Neste tipo de anemias, de carácter adquirido, a hemólise ocorre devido a alterações extrínsecas
ao glóbulo vermelho (o eritrócito em si é completamente normal, mas o ambiente à sua volta
não o é) como:
Hemólise intravascular
Este tipo de hemólise gera situações mais graves do que a extravascular e pode ocorrer devido
a transfusão de sangue não compatível.
Quando a hemólise é intravascular, o glóbulo vermelho liberta hemoglobina no sangue que vai,
posteriormente, ser captada por proteínas de transporte. Consequentemente, a destruição do
glóbulo vermelho leva à libertação também de ferro, que participa em reações oxidação-
redução, e é um agente agressivo para o organismo.
Nesta destruição, o grupo heme é captado maioritariamente pela hemopexina e/ou pela
albumina, mas também pela haptoglobina. Estas proteínas sanguíneas vão sendo retidas no
fígado que, através da ação dos macrófagos, as destrói, diminuindo a sua concentração
sanguínea (indicador de hemólise intravascular). Os dímeros de hemoglobina que também se
formam após a hemólise acabam por ser destruídos a nível renal, podendo aparecer na urina
sob a forma de hemoglobinúria (urina de cor vermelho-acastanhada; para tal também pode
contribuir a excreção de hemoglobina livre oxidada). O transportador inespecífico da albumina,
ao ligar-se à hemoglobina, leva à formação de metahemoglobina, que se acumula no sangue
(metahemoglobinémia). Adicionalmente, na hemólise intravascular também se pode observar:
• Toxinas que reagem com os fosfolípidos levando à destruição direta dos eritrócitos
• Formação de auto-anticorpos contra eritrócitos com ativação do complemento e lise
direta (por exemplo, quando há uma transfusão de sangue não isogrupal)
• Hemólise intravascular microangiopática: destruição de eritrócitos devido ao seu
choque com outras estruturas que não deveriam estar no aparelho circulatório, como
válvulas mecânicas cardíacas. Há presença de esquizócitos, que são eritrócitos
fragmentados, em circulação.
Hemólise extravascular
Ocorre nos órgãos que normalmente exercem a função de hemocaterese (baço, medula óssea,
…). Neste tipo de destruição eritrocitária, as consequências são mais ligeiras do que na
intravascular e caracterizam-se pela produção de bilirrubina (devido à degradação do grupo
heme) com consequente deposição, levando a icterícia, e a aumento dos níveis de
desidrogenase láctica (indicador inespecífico de lesão celular).
O que acontece é: o eritrócito vai
passando pelos sinusóides e, como
perdeu parte da sua elasticidade, fica
perturbado, acabando por ser destruído
pelos fagócitos – daí que seja um processo
mais tranquilo do que a intravascular, não
deixando de ser, contudo, uma anemia
hemolítica que causa problemas. Nestes
casos, não costuma haver diminuição da
haptoglobina nem da hemopexina.
Causas:
Causas:
A perda de sangue geradora de anemia pode ser crónica (ver anemia da doença crónica) ou
aguda.
Doente anémico:
Sistema imunológico - coleção de células e moléculas que são responsáveis pela defesa do
organismo contra os microrganismos patogénicos no meio ambiente.
Imunidade inata – mediada por células e proteínas que estão sempre presentes e prontas para
lutar contra os microrganismos.
• Linfócitos;
• Produtos dos linfócitos.
Imunidade humoral: mediada por proteínas solúveis chamadas anticorpos, produzidos por
linfócitos B. Os anticorpos conferem proteção contra microorganismos extracelulares no
sangue, secreções mucosas e tecidos.
Linfócitos:
A grande maioria (superior a 95%) das células T reconhece apenas fragmentos peptídicos de
antigénios ligados a proteínas do complexo principal de histocompatibilidade (MHC).
Restrição de MHC: em cada pessoa, as células T reconhecem apenas péptidos apresentados por
moléculas de MHC dessa pessoa.
Os antigénios peptídicos apresentados por moléculas próprias de MHC são reconhecidos pelo
recetor de células T (TCR).
TCR
O CD28 funciona como recetor para as moléculas co-estimuladoras, como a CD80 e a CD86
(expressas nas células apresentadoras de antigénio).
Existem ainda várias moléculas de adesão que reforçam a ligação entre as células T e as APCs, e
controlam a migração das células T para diferentes tecidos.
Linfócitos γδ
Células T NK
MHC
Cada pessoa herda um alelo HLA de cada progenitor → duas moléculas diferentes são expressas
para cada loci de HLA.
▪ Uma pessoa heterozigótica pode expressar seis classes diferentes de moléculas HLA de
classe I (3 de origem materna e 3 de origem paterna).
▪ Da mesma forma, determinado individuo expressa alelos maternos e paternos do loci
do MHC de classe II (mistura de algumas cadeias HLA-D α e β) e cada célula de classe II
que se expressa pode ter até 20 diferentes moléculas de MHC de classe II.
O polimorfismo de genes do MHC surgiu para permitir a exibição e a resposta a qualquer péptido
microbiano concebível encontrado no ambiente.
Linfócitos B
As células B expressam várias moléculas invariantes que são responsáveis pela transdução do
sinal e ativação das células.
▪ IgG
▪ IgM
▪ IgA – isótopo importante em secreções mucosas;
▪ IgD – expressa na superfície das células B, mas não é secretada
▪ IgE - presente na circulação em concentrações muito baixas e também é encontrada
colada às superfícies dos mastócitos teciduais.
Células apresentadoras de antigénios: estas células têm como função capturar antigénios
microbianos e apresentá-los aos linfócitos.
• 1ª classe: células dendríticas – principais células que apresentam antigénios proteicos
às células T-naive para iniciar a resposta imune.
Células dendríticas
Células efetoras
As células NK pertencem à linha da frente no que toca a reagir rapidamente contra as células
em stress.
Os linfócitos, as células T CD4+ auxiliares e as CTLs CD8+ são células efetoras da imunidade
mediada por células.
Os macrófagos ligam-se aos microorganismos que estão revestidos por anticorpos ou produtos
do complemento e atuam fagocitando e destruindo esses microrganismos. Também respondem
a sinais de células T auxiliares, o que melhora a sua capacidade de destruir microrganismos
fagocitados. São células efetoras de ambos os tipos de imunidade: imunidade humoral e
imunidade celular.
Os linfócitos T secretam citocinas que recrutam e ativam outros leucócitos, como neutrófilos e
eosinófilos, e, em conjunto, esses tipos de células funcionam na defesa contra vários agentes
patogénicos.
Tecidos linfoides
São divididos em órgãos linfoides primários (timo e medula óssea), cujos linfócitos expressam
recetores de antigénio e são maduros, e órgãos linfoides secundários, onde se desenvolvem
respostas imunes adaptativas (gânglios, baço e tecidos linfoides das mucosas e cutâneos.
As principais barreiras entre o hospedeiro e o meio que o cerca são o epitélio da pele e dos
tratos gastrointestinal e respiratório.
Quando os microorganismos infeciosos tentam invadir o organismo, deparam-se inicialmente
com o epitélio, uma barreira física e funcional, que elimina os microorganismos através da
produção de péptidos antibióticos e da ação de linfócitos intraepiteliais.
As células NK destroem células infetadas por vírus e produzem a citocina IFN-γ ativadora de
macrófagos.
Em adição ao combate das infeções, a resposta imunológica inata estimula uma imunidade
adaptativa subsequente, provendo sinais que são essenciais para o início da resposta das células
T e B.
Nos microrganismos que entram através dos epitélios, os seus antigénios proteicos são
capturados pelas DCs que residem nesses epitélios e transportados para os gânglios linfáticos
regionais . Os antigénios proteicos são processados nas APCs para gerar péptidos que são
mostrados na superfície dessas células ligados às moléculas do MHC. Antigénios em diferentes
compartimentos celulares são apresentados por moléculas do MHC distintas, sendo
reconhecidos por subtipos diferentes de células T:
Imunidade Mediada por Célula: Ativação dos Linfócitos T e Eliminação dos Microrganismos
Associados às Células
Os linfócitos T naive são ativados pelo antigénio e coestimuladores nos órgãos linfoides
periféricos, proliferam e diferenciam-se em células efetoras, das quais a maioria migra para
qualquer local em que o antigénio (microrganismo) esteja presente. Quando ativados, os
linfócitos T secretam proteínas solúveis, as citocinas, que atuam como fatores de crescimento e
de diferenciação para os linfócitos e outras células, e são mediadoras da comunicação entre
leucócitos.
Citocinas
• São sintetizadas e
secretadas em
resposta a estímulos
externos que podem
ser produtos
microbianos, reconhecimento de antigénio e outras citocinas.
• A sua secreção é tipicamente transitória e controlada por mecanismos de transcrição e
pós-transcricionais.
• A ação das citocinas pode ser autócrina, parácrina e, mais raramente, endócrina
• Os efeitos tendem a ser pleiotrópicos (uma citocina pode ter atividade biológica diversa,
mesmo em muitos tipos celulares) e redundantes (múltiplas citocinas podem ter a
mesma atividade).
• Molecularmente definidas, as citocinas são chamadas de interleucinas, referindo-se à
sua habilidade de mediar a comunicação entre leucócitos.
As citocinas podem ser agrupadas em diversas classes com base nas suas atividades e funções
biológicas:
Uma das primeiras respostas das células T auxiliares CD4+ é a secreção da citocina IL-2 e a
expressão de recetores de alta afinidade para a IL-2. A IL-2 é um fator de crescimento que atua
nessa classe de linfócito T, estimulando a sua proliferação e levando a um aumento no número
de linfócitos específicos para o antigénio. Algumas das células oriundas da expansão das células
T diferenciam-se em células efetoras que secretam diferentes grupos de citocinas e, assim,
desempenham funções diferentes. Os subtipos mais bem definidos das células auxiliares CD4+
são os tipos TH1, TH2 e TH17:
• Células T
independentes.
Muitos antigénios
polissacarídeos e
lipídicos possuem múltiplos determinantes antigénicos idênticos (epítopos) que são
capazes de se ligar a diversos recetores de antigénios em cada célula B e iniciar o
processo de ativação de células B.
• Células T dependentes. Antigénios proteicos globulares típicos não são capazes de se
ligar a muitos recetores de antigénios, e a resposta completa das células B a proteínas
antigénicas necessita de ajuda a partir das células T CD4+. As células B podem também
atuar como APCs — elas ingerem proteínas antigénicas, degradam-nas e expõem os
seus péptidos ligados à molécula de MHC de classe II para reconhecimento pelos
linfócitos T auxiliares. Os linfócitos T auxiliares expressam CD40L e secretam citocinas,
que trabalham em conjunto para ativar as células B.
Cada plasmócito secreta anticorpos que possuem o mesmo local de ligação de antigénios que
os anticorpos da superfície (recetores de células B) que primeiro reconheceram o antigénio. Os
polissacarídeos e os lípidos estimulam, principalmente, a secreção do anticorpo IgM. Os
antigénios proteicos, devido às ações da célula T auxiliar induzidas pelo CD40L e pelas citocinas,
induzem a produção de anticorpos de diferentes classes (IgG, IgA, IgE). Essa produção de
anticorpos diferentes funcionalmente, todos com a mesma especificidade, é chamada de troca
de classe da cadeia pesada (isótipo); isso oferece plasticidade à resposta dos anticorpos,
permitindo que eles desempenhem diversas funções. As células T auxiliares também estimulam
a produção de anticorpos com alta afinidade pelo antigénio. Esse processo, denominado
maturação da afinidade, melhora a qualidade da resposta da imunidade humoral.
Os anticorpos IgG circulantes possuem meia-vida de cerca de três semanas, o que é muito maior
do que a maioria das proteínas do sangue, como consequência dos mecanismos especiais para
reciclagem de IgG e redução do seu catabolismo. Alguns plasmócitos secretores de anticorpos
migram para a medula óssea e vivem por anos, continuando a produzir baixos níveis de
anticorpos.
A ativação inicial dos linfócitos também gera células de memória que sobrevivem por muitos
anos após a infeção. As células de memória representam um grupo expandido de linfócitos
antigénio-específico que respondem mais rápido e efetivamente contra o antigénio do que
células naive. É por isso que as células de memória são um objetivo importante da vacinação.
As respostas imunológicas que normalmente são protetoras são também capazes de causar
lesões teciduais. As reações imunológicas prejudiciais estão agrupadas como hipersensibilidade,
e as doenças resultantes são chamadas de doenças de hipersensibilidade. Normalmente, a
erradicação de organismos infecciosos não causa lesão grave aos tecidos do hospedeiro. No
entanto, as respostas imunológicas podem ter um controle inadequado ou ser mal direcionadas
contra tecidos do hospedeiro e, nessas situações, a resposta normalmente benéfica é a causa
da doença.
Como os estímulos para essas respostas imunológicas anormais são difíceis ou impossíveis de
ser eliminados e o sistema imunológico tem muitas vias intrínsecas de feedback positivo
(mecanismos de amplificação), uma vez que a resposta imunológica patológica se inicia é difícil
controlá-la ou finalizá-la. Consequentemente, essas doenças de hipersensibilidade tendem a ser
crónicas, quase sempre debilitantes, representando um desafio terapêutico. Já que a
inflamação, tipicamente a inflamação crónica, é o principal componente da patologia dessas
desordens, às vezes elas são agrupadas sob a nomenclatura de doenças inflamatórias mediadas
pelo sistema imunológico.
Sequência de eventos:
Pode ser sistémico ou local, sendo que a natureza da reação é determinada pela via de exposição
ao alergénio:
Atopia → predisposição familiar a reações localizadas tipo I. Os genes que estão envolvidos na
suscetibilidade à asma e outras alterações atópicas incluem aqueles que codificam as moléculas
HLA, citocinas (que podem controlar a resposta Th2), um componente do FcεRI e ADAM33, uma
metaloproteinase que pode estar envolvida na remodelação tecidual das vias aéreas.
A resposta imunológica dependente das células TH2 e da IgE —em particular, reação
inflamatória de fase tardia — desempenha um papel protetor importante nas infeções
parasitárias. A IgE é produzida em resposta a diversas infeções helmínticas, e a sua função
fisiológica é marcar os helmintas para que possam ser destruídos pelos eosinófilos e mastócitos.
Os anticorpos marcam as células para que sejam fagocitadas, ativam o sistema do complemento
e ligam-se aos recetores Fc dos fagócitos.
Uma vez depositados os complexos no tecido, inicia-se a reação inflamatória. Durante essa fase
(cerca de 10 dias após a administração do antigénio), aparecem sintomas clínicos como febre,
urticária, artralgias, linfadenopatia e proteinúria. Sempre que ocorre depósito de complexos
imunes, ocorre dano tecidual característico. Esses complexos ativam o sistema do
complemento, levando à libertação de fragmentos biologicamente ativos, como as
anafilatoxinas (C3a e C5a), que aumentam a permeabilidade vascular e são quimiotáticas para
os neutrófilos e monócitos. Os complexos também se ligam aos recetores Fcg nos neutrófilos e
mastócitos, ativando-os. A tentativa de fagocitar os complexos imunes pelos leucócitos resulta
na secreção de uma variedade de substâncias inflamatórias, incluindo prostaglandinas, péptidos
vasodilatadores e substâncias quimiotáticas, assim como enzimas lisossómicas capazes de
digerir a membrana basal, colagénio, elastina e cartilagem, e ERO, que danificam os tecidos. Os
complexos imunes também causam a agregação plaquetária e ativam o fator de Hagernan; essas
duas reações iniciam a formação de microtrombos que contribuem para a lesão tecidual
produzindo isquemia local. A lesão patológica resultante é chamada de vasculite, se ocorrer nos
vasos sanguíneos; glomerulonefrite, se ocorrer nos glomérulos renais; artrite, se afetar as
articulações, e assim por diante.
Previsivelmente, as classes de anticorpos que induzem essas lesões são os anticorpos que fixam
o complemento (p. ex., IgG e IgM) e anticorpos que se ligam aos recetores Fc das células
fagocitárias (IgG). Durante a fase ativa da doença, o consumo de complemento pode resultar na
redução dos seus níveis séricos. O papel da inflamação dependente do complemento e recetor
Fc na lesão tecidual é apoiado pela observação de que a depleção experimental dos níveis
séricos do complemento ou a eliminação dos recetores Fc reduz de modo significativo a
gravidade das lesões, assim como a depleção de neutrófilos.
Um exemplo é a reação de Arthus, na qual aparece uma área de necrose tecidual causada por
vasculite aguda mediada por complexos imunes. A reação é produzida de forma experimental
injetando-se um antigénio na pele de um animal previamente imunizado. Devido ao excesso
inicial de anticorpos, complexos imunes são formados à medida que o antigénio se difunde
através da parede vascular; eles precipitam-se no local da reação, desencadeando a mesma
reação inflamatória e aparência histológica da doença sistémica mediada por complexos
imunes. As lesões de Arthus evolvem no decorrer de algumas horas, atingindo o seu pico 4-10
horas após a injeção, quando o local da injeção desenvolve edema visível com hemorragia grave,
às vezes seguida por ulceração.
Dois tipos de reações das células T são capazes de causar lesão tecidual e doença:
• A sequência de eventos nas reações inflamatórias mediadas por células T começa com
a primeira exposição ao antigénio. Os linfócitos T CD4+ naive reconhecem antigénios
peptídicos de proteínas próprias ou microbianas, em associação com moléculas de MHC
classe I na superfície das DCs (ou macrófagos) que tenham processado os antigénios.
• Se as DCs produzirem IL-12, as células T naive diferenciam-se em células efetoras do tipo
TH1. A citocina IFN-γ, produzida pelas células NK e pelas próprias células TH1,
promovem ainda mais a diferenciação das TH1, proporcionando um circuito de feedback
positivo poderoso. Se as APCs produzem IL-1, IL-6 ou IL-23 em vez de IL-12, as células
CD4+ desenvolvem-se em TH17 efetoras.
• Em exposição subsequente ao antigénio, as células efetoras anteriormente geradas são
recrutadas para o local de exposição ao antigénio e ativadas pelo antigénio apresentado
pelas APCs locais. As células TH1 secretam IFN-γ, que é a mais potente citocina ativadora
de macrófago conhecida. Os macrófagos ativados têm aumento da atividade fagocítica
e microbicida, e também expressam mais moléculas de MHC de classe II e
costimulatores, levando ao aumento da capacidade de apresentação do antígeno, e as
células secretam mais IL-2, assim estimulando mais respostas TH1. Após a ativação por
antigénios, as células TH17 efetoras secretam IL-17 e várias outras citocinas, que
promovem o recrutamento de neutrófilos (e monócitos) e, assim, induzem a inflamação.
• Como as citocinas produzidas pelas células T melhoram o recrutamento e ativação de
leucócitos, essas reações inflamatórias tornam-se crónicas, a menos que o agente
agressor seja eliminado ou o ciclo seja interrompido terapeuticamente.
A hipersensibilidade do tipo retardado (DTH) é uma reação mediada por células T que se
desenvolve em resposta a um antigénio em indivíduos previamente sensibilizados. Em contraste
com a hipersensibilidade imediata, a reação de DTH é adiada durante 12-48 horas, que é o
tempo que leva para que as células T efetoras sejam recrutadas para o local do antígeno e
ativadas pelas citocinas secretadas. O clássico exemplo da DTH é a reação à tuberculina, num
indivíduo sensibilizado com o bacilo da tuberculose. Cerca de 8-12 horas após a injeção
intracutânea de tuberculina, aparece uma área local de eritema e endurecimento, atingindo um
pico (tipicamente de 1-2 cm de diâmetro) em 24-72 horas e explicando a designação
“retardado”. No exame histológico, a reação de HR é caracterizada pelo acúmulo perivascular
(cuffing) de células T auxiliares CD4+ e macrófagos. A secreção local de citocinas por essas
células inflamatórias mononucleares leva a um aumento da permeabilidade microvascular,
causando edema dérmico e depósito de fibrina; esta última é a maior responsável pela
induração de tecido nessas respostas. O teste de tuberculina é usado para identificar indivíduos
com exposição prévia à tuberculose que, por isso, possuem células T de memória na circulação
específicas para as proteínas microbianas. Notavelmente, a imunossupressão ou a perda de
células T CD4+ (p. ex., resultado da infeção pelo HIV) pode levar a uma resposta negativa para
tuberculina, mesmo na presença de infeção severa.
Tolerância imunológica
A radiação ultravioleta (UV) provoca a morte celular e pode levar à exposição dos antigénios
nucleares, os quais provocam respostas imunológicas patológicas imunitárias no lúpus; esse
mecanismo é a explicação proposta para a associação de lúpus com exposição à luz solar. O
tabagismo é um fator de risco para a artrite reumatoide, talvez porque leva à modificação
química de antigénios próprios. Lesão do tecido local, por qualquer razão, pode conduzir à
libertação de antigénios próprios e respostas autoimunes.
Muitas das doenças autoimunes são mais comuns em mulheres que em homens. Os
mecanismos subjacentes ainda não são bem compreendidos, e podem incluir os efeitos das
hormonas e outros fatores.
Uma resposta autoimune pode por si mesma promover ainda mais ataques autoimunes. A lesão
tecidual causada por uma resposta autoimune ou qualquer outra causa pode levar à exposição
de epitopos antigénicos que antes eram escondidos, mas são agora apresentados às células T
em forma imunogénica. A ativação dessas células T autorreativas é chamada de “espalhamento
de epitopo” porque a resposta imune “espalha” os epitopos que não foram reconhecidos
inicialmente. Esse é um dos mecanismos que podem contribuir para a cronicidade das doenças
autoimunes.
O lúpus eritematoso sistémico (LES) é uma doença autoimune que afeta diversos órgãos, com
manifestações multiformes e comportamento clínico variável. Do ponto de vista clínico, é uma
doença imprevisível, remitente e recorrente, de início súbito ou insidioso, que pode envolver
virtualmente qualquer órgão; no entanto, ela afeta sobretudo pele, rins, serosas, articulações e
coração. Sob o aspeto imunológico, a doença está associada a uma grande variedade de
autoanticorpos, classicamente incluindo anticorpos antinucleares (AANs). A apresentação
clínica é variável e possui várias manifestações em comum com outras doenças autoimunes
(artrite reumatoide, polimiosite e outras), pelo que foi necessário desenvolver critérios
diagnósticos para o LES. O diagnóstico é estabelecido se o paciente apresentar quatro ou mais
critérios durante o período de observação.
Existe forte predominância do sexo feminino (cerca de 9:1), e a doença afeta 1 em 700 mulheres
em idade fértil. O LES é mais comum e mais grave em negros americanos, afetando 1 em 245
mulheres nesse grupo. O início geralmente é na
segunda ou terceira década de vida, mas pode-se
manifestar em qualquer idade, inclusive na infância.
Fatores genéticos
Fatores ambientais
• Interferões tipo I. As células do sangue mostram notável assinatura molecular que indica
exposição ao IFN-α, um tipo de interferão do tipo I que é produzido principalmente por
DCs plasmocitoides. Alguns estudos mostraram que tais células de pacientes com LES
também produzem quantidades anormalmente elevadas de IFN-α.
• Sinais de TLR. Estudos em modelos animais mostraram que TLRs que reconhecem o DNA
e o RNA, notavelmente o DNA reconhecendo a TLR9 e o RNA reconhecendo o TLR7,
produzem sinais que ativam as células B específicas para autoantigénios nucleares.
• Falha de tolerância das células B. Estudos com as células B a partir de pacientes com LES
sugerem a presença de defeitos na tolerância central e periférica, resultando em maior
frequência de células B autorreativas.
Com base nestas evidências, foi proposto um modelo para a patogénese do LES:
O maior dano em órgãos no LES é causado pela deposição de complexos imunes. Esses depósitos
de complexos imunes vêm sendo pensados como a causa de danos nos tecidos através da
ativação da via clássica do complemento (hipersensibilidade de tipo III); 75% dos pacientes terão
redução dos níveis séricos de C3 e C4 no momento de surtos do LES, presumivelmente porque
o complemento será ativado e consumido mais rápido do que pode ser produzido. No entanto,
pessoas deficientes em C1q não estão protegidas do LES e na verdade podem,
espontaneamente, desenvolver LES, levantando a possibilidade de que os mecanismos
independentes de complemento também podem contribuir para o dano tecidual.
Não há evidência de que ANAs podem permear células intactas. No entanto, se os núcleos das
células são expostos, os ANAs podem ligar-se a eles. Nos tecidos, os núcleos das células
danificadas reagem com os ANAs, perdem o seu padrão de cromatina e tornam-se homogéneos,
para produzir os chamados corpos LE ou corpos hematoxilínicos. Um correlato in vitro a ele é a
célula LE, o neutrófilo ou macrófago que engurgitou o núcleo desnaturado de outra célula
lesada. Quando o sangue é retirado e agitado, vários leucócitos são suficientemente danificados
para expor os seus núcleos para os ANAs, com a ativação secundária do complemento; esses
anticorpos e núcleos opsonizados pelo complemento são então prontamente fagocitados.
Embora o teste para célula LE seja positivo em até 70% dos pacientes com LES, é agora
amplamente de interesse histórico.
Morfologia
1. Vasos sanguíneos. Uma vasculite necrosante aguda, que afeta as pequenas artérias e
arteríolas, pode estar presente em qualquer tecido. A arterite é caracterizada pela
necrose e depósitos fibrinóides na parede dos vasos que contêm anticorpos, DNA,
fragmentos do complemento e fibrinogénio; um infiltrado leucocitário transmural e
perivascular é encontrado com frequência. Nos estágios crónicos, os vasos apresentam
um espessamento fibroso com redução do lúmen vascular.
2. Rins. O envolvimento dos rins é uma das manifestações clínicas mais importantes e a
insuficiência renal é a causa mais comum de óbito. Aqui, o foco está na patologia
glomerular, mas lesões intersticiais e tubulares também podem estar presentes. A
patogénese de todas as formas de glomerulonefrite no LES envolve o depósito de
complexos de DNA/anti-DNA nos glomérulos. Eles desencadeiam uma resposta
inflamatória que pode causar a proliferação de células endoteliais, mesangiais e/ou
epiteliais e, nos casos mais graves, necrose do glomérulo. Apesar de os rins terem
aparência normal na microscopia ótica em 25-30% dos casos, praticamente todos os
casos de LES apresentam alguma anormalidade renal se forem examinados pela
microscopia eletrónica. Existem 6 padrões de doença glomerular no LES:
a. Nefrite lúpica mesangial mínima (classe I) é raramente encontrada nas biópsias
renais. Os complexos imunes estão presentes no mesângio, mas não existe
nenhuma alteração estrutural concomitante detetável pela microscopia óptica.
b. Nefrite lúpica mesangial proliferativa (classe II) ocorre em 10-25% dos casos e
está associada a sintomas clínicos leves. Os complexos imunes depositam-se no
mesângio, com discreto aumento na matriz e celularidade mesangiais.
c. Nefrite lúpica focal (classe III) afeta 20-35% dos pacientes e as lesões só afetam
porções de menos de metade dos glomérulos e podem estar segmentadas ou
globalmente distribuídas em cada glomérulo. As lesões ativas são caracterizadas
pelo edema e proliferação das células endoteliais e mesangiais, infiltração de
neutrófilos e/ou depósitos fibrinoides com trombos capilares. A apresentação
clínica pode variar entre hematúria e proteinúria microscópicas leves a uma
transição para sedimento urinário mais ativo, com cilindros hemáticos de
glóbulos vermelhos fundidos e insuficiência renal grave aguda.
d. Nefrite lúpica difusa (classe IV): é a forma mais grave e também é a mais
comum, afetando 35-60% dos pacientes. A maioria dos glomérulos apresenta
proliferação endotelial e mesangial, afetando todo o glomérulo, causando
hipercelularidade difusa dos glomérulos, produzindo, em alguns casos,
crescentes epiteliais que preenchem o espaço de Bowman. Quando extensos,
os complexos imunes criam um espessamento generalizado da parede capilar,
dando-Ihes aparência semelhante a “alças de arame” na microscopia ótica de
rotina. A microscopia eletrónica revela complexos imunes subendoteliais
eletrodensos (entre o endotélio e a membrana basal). A lesão evolui com fibrose
(glomeruloesclerose). A maioria desses pacientes apresenta hematúria com
proteinúria moderada a grave, hipertensão e insuficiência renal.
e. Nefrite lúpica membranosa (classe V) ocorre em 10-15% dos casos, sendo
caracterizada pelo espessamento generalizado da parede capilar, causado pelo
depósito aumentado de material semelhante à membrana basal, assim como
pela acumulação de complexos imunes. Pacientes com essa alteração
histológica quase sempre apresentam proteinúria e síndrome nefrótica franca.
f. Nefrite lúpica avançada esclerosante (classe VI) é caracterizada pela completa
esclerose em mais de 90% dos glomérulos e corresponde ao estágio terminal da
doença renal.
3. Pele. Está envolvida na maioria dos pacientes; observa-se erupção eritematosa ou
maculopapular característica nas eminências malares e nariz (lesão “em borboleta”) em
cerca de metade dos pacientes. A exposição à luz do sol (luz UV) causa uma exacerbação
do eritema (fotossensibilidade). Sob o aspeto histológico, há degeneração e liquefação
da camada basal da derme, edema na junção dermoepidérmica e infiltrado
mononuclear em torno dos vasos sanguíneos e anexos cutâneos. A microscopia de
imunofluorescência revela depósitos de Ig e complemento na junção dermoepidérmica;
depósitos semelhantes de Ig e complemento podem estar presentes na pele
aparentemente normal.
4. Articulações. O envolvimento articular é comum, mas não costuma estar associado a
alterações anatómicas marcantes ou deformidade da articulação. Quando presente,
consiste em edema e infiltrado mononuclear inespecífico nas membranas sinoviais. A
erosão da membrana e a destruição da cartilagem articular, semelhante ao que ocorre
na artrite reumatoide, são extremamente raras.
5. SNC. O envolvimento do SNC também é muito comum, com défices neurológicos focais
e/ou sintomas neuropsiquiátricos, devido a lesões vasculares que causam isquemia ou
microenfartes cerebrais focais. A angiopatia dos vasos pequenos com proliferação não
inflamatória da íntima é a lesão patológica mais comum; a presença de vasculite franca
é rara. A angiopatia pode resultar da trombose causada por anticorpos antifosfolipídios.
Há desenvolvimento de aterosclerose precoce que pode contribuir para a isquemia do
SNC. Outro mecanismo postulado para a doença vem de danos no SNC a partir de
anticorpos antineuronais que possam causar disfunção neuronal, mas essa hipótese
permanece sem comprovação.
6. Outros órgãos
a. O baço pode estar ligeiramente aumentado de tamanho. É comum a presença
de espessamento da cápsula, assim como hiperplasia folicular com numerosos
plasmócitos na polpa vermelha.
b. O pericárdio e a pleura podem apresentar derrames serosos (na fase aguda) a
exsudatos fibrinosos que progridem para opacificação fibrosa nos estágios
crónicos. O envolvimento do coração se manifesta, primariamente, na forma de
pericardite. Miocardite, na forma de infiltrado de células mononucleares
inespecíficas, e lesões valvulares, chamadas de endocardite de Libman-Sacks,
também ocorrem, mas são mais raras. A base da aterosclerose acelerada não é
bem entendida, mas parece ser multifatorial; complexos imunes podem-se
depositar na vasculatura coronariana e, assim, danificar o endotélio.
c. Muitos outros órgãos e tecidos podem estar envolvidos. As alterações
consistem, essencialmente, em vasculite aguda dos pequenos vasos, focos de
infiltrado mononuclear e depósitos fibrinóides. Além disso, nos pulmões pode
ocorrer fibrose intersticial associada à inflamação pleural; o fígado apresenta
inflamação inespecífica dos espaços porta.
Manifestações clínicas
Artite reumatoide
A artrite reumatoide (AR) é uma doença inflamatória crónica sistémica, que afeta muitos
tecidos, atacando principalmente as articulações para produzir sinovite não supurativa
proliferativa que frequentemente progride para destruir a cartilagem articular e o osso,
resultando em artrite incapacitante (ver aula osteoarticular).
Síndrome de Sjögren
A síndrome de Sjögren é causada por reações de células T CD4+ contra antigénios desconhecidos
nas células epiteliais ductais das glândulas exócrinas. Há também hiperatividade sistémica de
células B, tal como evidenciado pela presença de ANAs e fatores reumatoides (mesmo na
ausência de AR associada). A maioria dos pacientes com síndrome de Sjögren primária tem
autoanticorpos para os antigénios SS-A (Ro) e SS-B (La) das ribonucleoproteínas (RNP); estes
anticorpos também estão presentes em alguns pacientes com LES e, portanto, não são
diagnóstico para síndrome de Sjögren. Embora os pacientes com alto título de anticorpos anti-
SS-A sejam mais propensos a ter manifestações sistémicas (extraglandulares), não há nenhuma
evidência de que os autoanticorpos causem lesão tecidual primária. Um desencadeador viral
também tem sido sugerido, mas nenhum vírus causador foi identificado de forma conclusiva.
Variáveis genéticas desempenham um papel na patogénese da síndrome de Sjögren. Tal como
acontece com o LES, a herança de certos alelos de MHC classe II predispõe ao desenvolvimento
de autoanticorpos específicos de RNP.
Morfologia:
As glândulas lacrimais e salivares são os alvos primários, mas outras glândulas secretoras,
incluindo as localizadas na nasofaringe, vias aéreas superiores e vagina, também podem ser
acometidas. Os exames histológicos apresentam um infiltrado intenso de linfócitos (sobretudo
células T CD4+) e plasmócitos formando, ocasionalmente, folículos linfoides com centros
germinativos. Ocorre destruição associada da arquitetura nativa . A destruição das glândulas
lacrimais resulta na ausência de lágrimas, levando ao ressecamento do epitélio da córnea e
inflamação, erosão e ulceração subsequentes (ceratoconjuntivite). Alterações semelhantes
podem ocorrer na mucosa oral como resultado da perda da secreção das glândulas salivares,
levando à atrofia da mucosa com fissuras inflamatórias e ulceração (xerostomia). O
ressecamento e a formação de crostas no nariz podem ocasionar a formação de ulcerações e
até mesmo perfuração do septo nasal. Quando as vias respiratórias estão envolvidas, laringite,
bronquite e pneumonites secundárias podem-se desenvolver. Aproximadamente 25% dos
pacientes (sobretudo os que apresentam anticorpos anti-SS-A) desenvolvem doença
extraglandular afetando o SNC, pele, rins e músculos. As lesões renais tomam a forma de nefrite
intersticial leve associada a defeitos no transporte tubular; ao contrário do LES, a
glomerulonefrite é rara.
Evolução clínica:
Cerca de 90% dos casos ocorrem em mulheres na faixa etária de 35-45 anos. Os pacientes
apresentam boca seca, ausência de lágrimas e as complicações resultantes. Em geral, as
glândulas salivares estão aumentadas de tamanho por causa dos infiltrados linfocíticos. As
manifestações extraglandulares incluem sinovite, fibrose pulmonar e neuropatia periférica.
Cerca de 60% dos pacientes com a síndrome de Sjögren apresentam uma desordem autoimune
concomitante, como a AR. O mais notável é que esses pacientes têm um risco 40 vezes maior
de desenvolver um linfoma não Hodgkin de células B durante a intensa proliferação policlonal
inicial de células B.
A esclerose sistémica (SS) é caracterizada por fibrose excessiva em múltiplos tecidos, doença
vascular obliterante e evidência de autoimunidade, principalmente a produção de múltiplos
autoanticorpos. É comumente chamada de esclerodermia porque a pele é um alvo importante.
O envolvimento cutâneo costuma ser o sintoma inicial e desenvolve-se em cerca de 95% dos
casos, mas é o envolvimento visceral — do TGI, pulmões, rins, coração e músculos esqueléticos
— que é o responsável pela maior morbidade e mortalidade. A SS pode ser classificada em dois
grupos com base na sua evolução clínica:
Patogénese:
Morfologia:
• Pele. A grande maioria dos pacientes apresenta atrofia esclerótica difusa da pele, em
geral começando nos dedos e nas regiões distais dos membros superiores, estendendo-
se proximalmente para a porção superior dos braços, ombros, pescoço e face. Nos
estágios iniciais, as áreas de pele afetada apresentam-se algo edematosas, com
aparência massuda. Os capilares e as artérias menores podem apresentar
espessamento da membrana basal, lesão das células endoteliais e oclusão parcial. Com
a progressão da doença, a fase edematosa é substituída por fibrose progressiva da
derme, que se torna muito presa às estruturas subcutâneas. Há aumento acentuado do
colagénio compacto na derme associado a afinamento da epiderme, atrofia dos anexos
cutâneos e espessamento hialino da parede das arteríolas e capilares da derme. Podem
ocorrer calcificações focais e, algumas vezes, difusas, sobretudo nos pacientes com
síndrome de CREST. Nos estágios avançados, os dedos vão afinando nas pontas, dando
aparência de garra, com limitação da mobilidade articular, e a face torna-se uma
máscara rígida. A perda do suprimento de sangue pode levar ao desenvolvimento de
ulcerações cutâneas e alterações atróficas nas falanges terminais, incluindo a
autoamputação.
• Trato gastrointestinal. O TGI é afetado em cerca de 90% dos pacientes. Atrofia
progressiva e substituição da camada muscular por colagénio fibroso pode ocorrer em
qualquer nível, mas é mais grave no esófago, onde os dois terços distais adquirem
ausência quase total de flexibilidade. A disfunção associada do esfíncter esofagiano
inferior causa refluxo gastroesofágico e as suas complicações, incluindo metaplasia de
Barrett e estenose. A espessura da mucosa está diminuída, podendo apresentar
ulcerações, e há um depósito exagerado de colagénio na lâmina própria e submucosa.
A perda das vilosidades e microvilosidades no intestino delgado é a base anatómica da
síndrome de má absorção que se desenvolve em alguns pacientes afetados.
• Sistema musculoesquelético. Hiperplasia e inflamação sinoviais são comuns nos
estágios iniciais da doença, sendo seguidas de fibrose. Apesar de essas alterações serem
semelhantes às que ocorrem na AR, a destruição da articulação não é comum na ES. Um
número pequeno de pacientes (cerca de 10%) pode desenvolver miosite inflamatória
difícil de distinguir da polimiosite.
• Pulmões. Os pulmões são afetados em mais de 50% dos pacientes; pode-se manifestar
como hipertensão pulmonar e/ou fibrose intersticial. O vasoespasmo pulmonar
resultante da disfunção do endotélio vascular pulmonar é considerado importante para
a patogénese da hipertensão pulmonar. Quando presente, a fibrose pulmonar não pode
ser diferenciada da fibrose pulmonar idiopática.
• Rins. Anormalidades renais ocorrem em 2/3 dos pacientes com ES, sendo típica sua
associação com o espessamento da parede vascular das artérias interlobulares. Apesar
de semelhantes às alterações que ocorrem na hipertensão maligna, as alterações na ES
restringem-se aos vasos de 150-500 mm de diâmetro e não costumam estar associadas
à hipertensão. A hipertensão ocorre em 30% dos pacientes, e em 20% deles apresenta
evolução maligna (hipertensão maligna). Nos pacientes hipertensos, as alterações
vasculares são mais pronunciadas e com frequência associadas à necrose fibrinoide das
arteríolas relacionada a trombose e enfarte. Esses pacientes morrem de insuficiência
renal, que é responsável por cerca de metade dos óbitos nos pacientes com ES. Não há
alterações glomerulares específicas.
• Coração. Fibrose miocárdica, distribuída em placas, com espessamento das arteríolas
intramiocárdicas, ocorre em 1/3 dos pacientes; ela é quase sempre causada por lesão
microvascular e consequente isquemia (chamada de Raynaud cardíaco). Por causa das
alterações pulmonares, o desenvolvimento de hipertrofia e insuficiência do ventrículo
direito (cor pulmonale) é frequente.
Evolução clínica:
A SS afeta três vezes mais mulheres do que homens, com maior incidência na faixa de 50-60
anos de idade. Há uma sobreposição substancial da apresentação entre ES e AR, LES e
dermatomiosite; a manifestação característica da SS é o estreito envolvimento cutâneo. Quase
todos os pacientes desenvolvem o fenómeno de Raynaud, uma desordem vascular
caracterizada pelo vasoespasmo reversível das artérias. Tipicamente, as mãos ficam brancas ao
serem expostas ao frio, refletindo o vasoespasmo, seguido de coloração azulada, por causa de
isquemia e cianose. Por fim, a cor muda para vermelho em consequência da vasodilatação
reativa. A deposição progressiva de colagénio na pele ocasiona atrofia das mãos, com aumento
da rigidez que evolui até a imobilização definitiva das articulações. A dificuldade de deglutição
é consequência da fibrose do esófago e consequente hipomotilidade. Eventualmente, a
destruição da parede do esôfago causa atonia e dilatação. Pode ocorrer má absorção se a atrofia
e a fibrose da submucosa e da camada muscular envolverem o intestino delgado. Dispneia e
tosse crónica refletem as alterações pulmonares; com o envolvimento avançado dos pulmões,
pode ocorrer o desenvolvimento de hipertensão pulmonar secundária, levando à insuficiência
cardíaca direita. A disfunção renal secundária, não só à SS avançada como à hipertensão
maligna concomitante, é frequentemente bastante acentuada.
A evolução clínica da SS é difícil de prever. Na maioria dos pacientes, a doença progride com
lentidão por muitos anos, apesar de, na ausência de envolvimento renal, a expectativa de vida
ser normal. A sobrevivência de 10 anos varia de 35-70%. As probabilidades de sobrevivência são
muito melhores para os pacientes com esclerodermia localizada que para aqueles com doença
progressiva difusa usual. A esclerodermia localizada, ou síndrome de CREST, frequentemente
tem o fenómeno de Raynaud como manifestação presente. Ela está associada ao envolvimento
limitado da pele, confinado aos dedos e à face, e essas duas manifestações podem estar
presentes por muitos anos antes do desenvolvimento de lesões viscerais.
Miopatias Inflamatórias
A doença mista do tecido conjuntivo pode se apresentar como artrite, edema das mãos,
fenómeno de Raynaud, dismotilidade esofágica, miosite, leucopenia e anemia, febre,
linfadenopatia e/ou hipergamaglobulinemia. Em virtude dessas manifestações que se
sobrepõem, não está claro se a doença mista do tecido conjuntivo é uma doença distinta ou se
representa tipos heterogéneos de LES, esclerose sistémica e polimiosite; a maior parte dos
especialistas não a considera uma entidade específica.
Muitas condições médicas vistas a longo prazo como confinadas aos órgãos individuais são parte
do espectro de IgG4-RD. Elas incluem a síndrome de Mikulicz (aumento e fibrose das glândulas
salivares e lacrimais), tireoidite de Riedel, fibrose retroperitoneal idiopática, pancreatite
autoimune e pseudotumor inflamatório da órbita, pulmões e rins, para citar alguns.
As anemias hemolíticas autoimunes são distúrbios adquiridos que resultam num aumento da
destruição de eritrócitos devido a autoanticorpos contra eritrócitos. Estas anemias são
caracterizadas pela presença de teste de Coombs positivo, que deteta autoanticorpos na
superfície dos eritrócitos dos pacientes.
As anemias hemolíticas autoimunes são divididas em tipo quente e tipo frio, consoante os
anticorpos aderem melhor às células à temperatura corporal (37ºC) ou a temperaturas mais
baixas.
O pâncreas endócrino tem uma grande capacidade de reserva; mais de 70% das células β devem
ser perdidas antes que ocorra a disfunção. Há quatro tipos de células dentro dos ilhéus e cada
um deles produz uma secreção diferente importante.
O fluxo sanguíneo vai do centro do ilhéu para a periferia, permitindo, dessa forma, que a
insulina, produzida pelas células centrais β, iniba a libertação de glicagina pelas células
periféricas α. O sangue dos ilhéus é drenado, então, para a veia porta. Assim, os produtos de
secreção passam diretamente para o fígado, um local primordial de ação da glicagina e da
insulina, antes de prosseguir para a circulação sistémica.
Tanto axónios parassimpáticos como simpáticos penetram nos ilhéus e, ou entram em contato
direto com as células, ou terminam no espaço intersticial entre elas. A regulação neuronal da
libertação de hormonas das células, tanto por via direta, através das fibras simpáticas, como
indiretamente, através da estimulação da libertação de catecolaminas pela medula da supra-
renal, desempenha um papel importante na homeostase da glicose durante o stress.
Insulina
A insulina é uma proteína composta de duas cadeias peptídicas (cadeias A e B) que são
conectadas por duas ligações dissulfito. O precursor da insulina, a pré-pró-insulina, é sintetizada
nos ribossomas e entra no retículo endoplásmico das células B, onde é clivada por enzimas
microssómicas, para formar a pró-insulina. A pró-insulina, que consiste nas cadeias A e B,
conectadas por um péptido C, é transportada para o aparelho de Golgi, onde é armazenada em
vesículas secretoras. Na vesícula secretora, a pró-insulina é clivada em dois locais, para formar
a insulina e o péptido C biologicamente inativo. A secreção de insulina é, portanto,
acompanhada por uma secreção equimolar de péptido C e também por quantidades pequenas
de pró-insulina, que escaparam da clivagem.
A glicose é o estimulante fisiológico primário da libertação de insulina. A glicose entra nas células
β via proteínas transportadoras de glicose, que estão em excesso e permitem o transporte
bidirecional da glicose, criando, assim, um equilíbrio entre as concentrações extracelular e
intracelular de glicose. Uma vez na célula, pensa-se que o metabolismo da glicose — e não a
própria glicose — estimule a secreção de insulina. A glicocinase, uma enzima com baixa
afinidade pela glicose, cuja atividade é regulada por esta, controla o primeiro passo no
metabolismo da glicose: a fosforilação da mesma para formar o glicose 6-fosfato. Tem-se a ideia
de que esta enzima possa funcionar como o sensor
de glicose nas células β. Os fatores metabólicos de
acoplamento produzidos pelo metabolismo da
glicose, como o ATP, inibem, então, a saída de K+ da
célula β. Isso despolariza a célula e permite a entrada
de Ca2+, que desencadeia a exocitose dos grânulos
que contêm insulina.
Glicagina
O fígado é o principal órgão-alvo para a ação da glicagina. Esta liga-se ao seu recetor, presente
na superfície celular dos hepatócitos. A ligação com a glicagina promove a interação do recetor
com uma proteína G estimulante, a qual, por sua vez, ativa a adenililciclase. O monofosfato
cíclico de adenosina, gerado pela adenililciclase, ativa a proteinocinase A, que promove a
fosforilação de enzimas responsáveis pela atividade biológica da glicagina no fígado.
Diabetes - Definição
A diabetes é caracterizada por ser um grupo de doenças metabólicas com um fenótipo clínico
comum, a ocorrência de hiperglicémia no organismo. Uma de duas coisas pode estar a ocorrer:
1) a glicose não é normalmente metabolizada e por isso acumula-se; 2) há um excesso de
ingestão de glicose.
Nas situações de diabetes, aquilo que está habitualmente alterado é a homeostasia do controlo
hormonal da glicose, quer pela ação/secreção da insulina (mais comum), quer pelo aumento da
ação das hormonas contrarreguladoras que se opõem aos efeitos da insulina, como é o caso da
glicagina. A deficiência funcional da insulina pode dever-se à diminuição da sua secreção pelas
células β ou por resposta diminuída dos tecidos-alvo a esta hormona, sendo que estes fatores
vão ser a base para a classificação de diabetes em diferentes subtipos. Há uma interação
complexa de fatores genéticos e ambientais na fisiopatologia desta doença. A diabetes é
normalmente irreversível e, apesar dos pacientes poderem ter vidas relativamente normais, as
complicações a longo prazo resultam numa menor esperança média de vida, com graves
problemas de saúde.
Classificação
A diabetes pode ser maioritariamente classificada em Diabetes tipo 1 e Diabetes tipo 2, segundo
o mecanismo que precede a hiperglicémia. Cerca de 90% das situações de diabetes enquadra-
se numa destas duas classificações, existindo 10% de casos que não correspondem a nenhuma
das duas.
Os 10% de doentes com hiperglicemia que não se enquadram nestas classificações fazem parte
de um conjunto de situações mais raras. Estas correspondem a diabetes gestacional e a formas
monogénicas de diabetes designadas comummente como diabetes MODY (Maturity Onset
Diabetes of the Young). Para além disso, podem estar associadas a um diverso conjunto de
situações, como endocrinopatias, situações traumáticas, situações tóxicas ou infecciosas graves,
ou mesmo alguns síndromes congénitos que também têm no seu conjunto de sinais e sintomas
a hiperglicemia.
Existem 6 variantes diferentes de MODY, estando este tipo de diabetes associado a defeitos
genéticos de células β, transmitidos como distúrbios autossómicos dominantes. A forma
monogénica constitui uma causa rara de diabetes tipo 2 (correspondendo a cerca de 1 a 5% dos
casos) e é caracterizada pelo início de diabetes leve em indivíduos magros com menos de 25
anos. Crianças que desenvolvem diabetes antes dos 6 meses têm uma elevada probabilidade de
ter um defeito monogénico e não uma verdadeira diabetes tipo 1. Deve-se ter isto em
consideração em casos onde há presença de diabetes com começo precoce, em que um parente
esteja afetado e em que haja presença de diabetes com começo precoce em, pelo menos,
metade dos familiares. Há também uma variante ‘slowburning’ da diabetes tipo 1, denominada
diabetes autoimune latente do adulto (LADA), com progressão lenta para défice de insulina que
vai ocorrer mais tarde na vida adulta, sendo difícil a sua distinção com diabetes tipo 2.
A diabetes gestacional ocorre em mulheres grávidas com uma incidência de 3 a 8%. Tende a ser
resolvida com o parto, no entanto até 50% dos casos podem progredir para diabetes
estabelecido, predominantemente diabetes tipo 2. Vai ocorrer na 2ª metade da gestação,
devido ao aumento de hormonas que têm efeitos contrarreguladores anti-insulina, como
somatomamotropina coriónica, progesterona, cortisol e prolactina.
Epidemiologia
Insulina
A insulina é uma hormona secretada nas células β dos ilhéus de Langerhans. Tem como principal
função metabólica o aumento da taxa de transporte da glicose para o interior de determinadas
células (como o músculo e tecido adiposo, enquanto o cérebro, por exemplo, não necessita de
insulina). A insulina tem efeitos anabólicos, com aumento da síntese e redução da degradação
do glicogénio, lípidos e proteínas. A insulina possui também várias funções mitogénicas,
incluindo o início da síntese de DNA. O precursor da insulina, pré-pró-insulina, é clivado no
retículo endoplasmático para formar a pró-insulina, que, por sua vez, é clivada formando
insulina e péptido C. Este último é depurado mais lentamente que a insulina e, assim sendo,
pode constituir um marcador útil da secreção de insulina e torna possível a discriminação das
fontes endógenas e exógenas de insulina na avaliação da hipoglicémia. A secreção de insulina é
proporcional à quantidade sanguínea de glicose: o estímulo mais importante para desencadear
a libertação de insulina é a própria glicose, que inicia a síntese insulínica nas células β
pancreáticas.
A glicose é recebida ao nível das células β por recetores GLUT-2, não dependentes de insulina.
A via de metabolização habitual é a via glicolítica, através da qual resulta um rácio aumentado
de ATP/ADP. Este rácio justifica o bloqueio dos canais de output de potássio, tendo como
consequência uma acumulação de cargas positivas no interior da célula, promovendo a
despolarização da membrana celular. A despolarização é, então, sentida por canais de cálcio
dependentes de voltagem, que levam à internalização de iões de cálcio e à exocitose de grânulos
com insulina no seu interior devido a mecanismos dependentes de calmodulina. Assim sendo, a
quantidade de grânulos que é secretada a este nível depende da quantidade de glicose que é
percetível ao nível das células β pancreáticas.
Estes mecanismos podem ainda ser modulados por incretinas, que têm sido um alvo na
terapêutica moderna da diabetes, dos quais se destaca a GLP-1, uma incretina de secreção
intestinal. A ocorrência deste mecanismo nas células β é acompanhada de uma diminuição
proporcional da secreção de glicagina pelas células α, através de mecanismos gabaminérgicos
intrínsecos no pâncreas.
Etiopatogénese
Diabetes tipo 1
Resulta de uma interação entre fatores genéticos, ambientais e imunológicos. Na diabetes tipo
1 há uma destruição autoimune dos ilhéus de Langerhans, existindo, habitualmente, uma
predisposição genética que inclui sobretudo haplótipos relacionados com o sistema imune:
Diabetes tipo 2
A diabetes tipo 2 é mais complexa, não apresentando destruição autoimune dos ilhéus de
Langerhans, contudo isto não significa que não haja também predisposição genética, tendo-se
verificado que os componentes genéticos associados ao tipo 2 são ainda mais fortes que no tipo
1. Este tipo de diabetes ocorre habitualmente na idade adulta, logo não é uma doença com
trigger imunológico ou uma doença autoimune, surgindo só vários anos ou décadas após a
instalação de síndrome metabólico. Na diabetes tipo 2, há resistência periférica à insulina,
sendo este o seu principal fator etiopatogénico. Numa fase inicial, a insulina é secretada de
forma normal pelas células β do pâncreas, mas não é possível que esta hormona seja sentida ao
nível dos tecidos periféricos dependentes da insulina, nomeadamente no músculo esquelético,
no fígado e no tecido adiposo. Consequentemente, a glicose não é internalizada e permanece
fora das células, condicionando alguma hiperglicemia.
1. PREDISPOSIÇÃO GENÉTICA
A predisposição genética está relacionada com fatores metabólicos, nomeadamente fatores que
controlam a homeostasia da glicémia e do metabolismo complementar, do qual se destaca o
PPARƴ e, nalguns casos, o Kir6.2 (canal de potássio nas células β que justifica a despolarização
seguida da entrada de potássio e exocitose de insulina), transcription factor 7-like 2 (TCF7L2) e
calpaína 10. O componente genético na diabetes tipo 2 é superior à da diabetes tipo 1, ou seja,
é mais provável um descendente de um pai e de uma mãe com diabetes tipo 2 ter a doença do
que um descendente de uma família com diabetes tipo 1.
2. SÍNDROME METABÓLICO
A elevada disposição da diabetes tipo 2 que se observa está relacionada com a obesidade e
estilo de vida → síndrome metabólico.
• Obesidade
• Hipertensão arterial
• Hipo-HDL
• Hipertrigliceridémia
• Intolerância à glicose e/ou diabetes tipo 2.
É importante perceber como é que uma pessoa com fatores de risco cardiovasculares (estilo de
vida sedentário, obesidade, com alimentação desequilibrada) tenha estado vários anos sem
hiperglicémia e diabetes tipo 2. Isto é essencial para a patogenia da diabetes tipo 2.
3. RESISTÊNCIA À INSULINA
• Downregulation
• Diminuição dos insulin-receptor substractes (IRS)
• Diminuição da atividade da tirosina quinase
• Perturbação da translocação e fusão do GLUT-4 com a membrana celular.
A hiperplasia compensatória falha ao longo do tempo, progredindo para falência das células β
do pâncreas, através de dois mecanismos: o mecanismo metabólico e o mecanismo proteico.
O mecanismo proteico está associado à secreção do péptido amilina. Em concentrações
isosmolares, a secreção de insulina pelas células β é acompanhada de secreção do polipeptídeo
amilóide dos ilhéus (IAPP) ou amilina. Este péptido associado ao pâncreas é uma substância
amilóide que, quando é secretado em concentrações fisiológicas, em concomitância com a
insulina, não se deposita, não agrega e não tem consequências patológicas. Pelo contrário,
durante a fase de hiperplasia compensatória, devido à maior secreção de insulina, as
concentrações deste péptido são também maiores. O aumento da concentração do péptido
conjugado com as características do meio do local, nomeadamente o pH, leva à sua deposição.
Consequentemente, passa a existir um quadro de amiloidose pancreática, que justifica a
ativação de vias apoptóticas (através da ativação da p53, p21 e ERO), o compromisso dos
organelos celulares e a existência de pseudo-canais com influxo de cálcio. Pode também iniciar
vias de necrose, ainda que sejam menos frequentes que as apoptóticas.
Conclui-se, então, que a própria hiperplasia compensatória tem um efeito deletério uma vez
que perpetua a deposição de amilina pancreática, com consequente destruição das células β.
Logo, este mecanismo de hiperplasia compensatória não vai persistir ao longo do tempo. Para
além disso, a persistência da hiperglicémia e dos ácidos gordos livres em circulação no contexto
do síndrome metabólico tem também mecanismos de toxicidade direta para os ilhéus do
pâncreas, nomeadamente através de stress oxidativo e inflamatório, no caso dos mecanismos
glicídicos, ou através de ativação de apoptose, no caso dos mecanismos lipídicos. A
glicotoxicidade inclui aumento das ERO, sendo que as células β fisiologicamente apresentam
baixas concentrações de catalase e de superóxido dismutase, diminuição da PDX-1 e aumento
do NFkB, com consequentes efeitos pró-inflamatórios. A lipotoxicidade inclui, por sua vez, a
ativação dos canais de K+, o aumento da ceramida, com consequente aumento da apoptose, e
aumento da UCP-2, com diminuição do ATP.
Manifestações clínicas
Critérios de diagnóstico
É necessário repetir estes testes pelo menos duas vezes para documentar o diagnóstico de
diabetes, excetuando o último que não necessita de repetições pela presença de sintomas. Deve
haver um período de um mês de intervalo antes de ser repetido o teste e, caso não se verifiquem
alterações no segundo exame, é recomendada nova repetição do teste um mês depois para se
confirmar ou rejeitar o diagnóstico de diabetes.
• Hiperglicémia
• Hipoglicémia (quase sempre iatrogénica)
• Cetoacidose diabética
• Estados de hiperosmolaridade
Cetoacidose
Após um quadro que habitualmente é acompanhado pelo aumento das necessidades de insulina
como doenças, infeções ou trauma, há uma rápida descida do rácio de insulina-glicagina que
altera completamente a forma como o metabolismo complementar hepático (e não só) está a
ser regulado. Ocorrem vários fenómenos importantes, entre os quais alterações diretas através
da diminuição da ação da insulina sobre determinadas enzimas envolvidas na glicólise,
gliconeogénese e glicogenólise. Desta forma vai haver diminuição da degradação de glicose
(glicólise) e aumento da sua produção (glicogenólise e gliconeogénese). Há, assim, uma
diminuição da atividade da fosfofrutoquinase e piruvato quinase (com consequente
acumulação/aumento do substrato fosfoenolpiruvato) responsáveis pela glicólise e um
aumento da ação da frutose 1,6 bifosfatase envolvida na gliconeogénese e na glicogenólise. Esta
alteração ocorre em simultâneo com uma tentativa de gerar corpos cetónicos como substrato
metabólico, através da cetogénese. Para além disso, há diminuição da lipoproteína lipase
concomitante com hipertrigliceridemia, que faz parte das manifestações da cetoacidose
diabética.
Pode ocorrer hiperglicemia grave, com níveis de glicose atingindo uma média de 500 mg/dl, se
falhar a compensação para a diurese osmótica, associada à hiperglicemia. Inicialmente, quando
os níveis elevados de glicose causam um aumento da osmolalidade, um desvio de água do
espaço intracelular para o extracelular e o aumento da ingestão de água, estimulado pela sede,
ajudam a manter o volume intravascular. Se a poliúria continuar e esses mecanismos
compensatórios não conseguirem acompanhar as perdas líquidas — particularmente, ingestão
diminuída, em consequência de náuseas, e perdas aumentadas, resultantes dos vómitos que
acompanham a cetoacidose —, a depleção de volume intravascular leva à diminuição do fluxo
sanguíneo renal. A capacidade do rim de excretar glicose fica, portanto, reduzida. A hipovolemia
também estimula as hormonas contrarreguladoras. Por conseguinte, os níveis de glicose
elevam-se de forma aguda, devido à produção aumentada de glicose, estimulada por esses
hormônios, e à diminuição da excreção pelos rins, uma fonte importante de depuração de
glicose na ausência de captação da mesma, mediada por insulina.
Do ponto de vista da ativação das vias da cetogénese, verifica-se que os corpos cetónicos, por si
só, atuam na área quimiorreceptora e justificam as manifestações de náuseas e vómitos, para
além do fetor cetónico. Para além disso, são a causa direta da acidose metabólica através da
produção de acetoacetato e hidroxibutirato, os principais corpos cetónicos produzidos pelo
fígado. Essa acidose justificará o aparecimento duma respiração tipo Kussmaul (respirações
características, profundas e rápidas).
Para além da água, perde-se Na+ durante a diurese osmótica que acompanha a cetoacidose
diabética. Em geral, os níveis séricos de Na+ são baixos devido à atividade osmótica da glicose
elevada, que puxa água para o espaço extracelular e, dessa maneira, diminui a concentração de
Na+ (o Na+ sérico cai 1,6 mmol/l, aproximadamente, para cada 100 mg/dl de aumento de
glicose). O K+ também é perdido pela diurese e pelos vómitos. No entanto, a acidose, a baixa
insulina e os níveis elevados de glicose causam um desvio de K+ para fora das células, mantendo,
assim, os níveis séricos normais, ou mesmo elevados, de K+, até que a acidose e a hiperglicemia
sejam corrigidas. Com a administração de insulina e a correção da acidose, o K+ sérico cai à
medida que o K+ se movimenta de volta para dentro das células. Sem tratamento, o K+ pode
diminuir para níveis perigosamente baixos, levando a arritmias cardíacas potencialmente letais.
Portanto, a suplementação de K+ é feita rotineiramente no tratamento da cetoacidose
diabética. De modo semelhante, a depleção de fosfato acompanha a cetoacidose diabética,
embora a acidose e a carência de insulina possam determinar que os níveis séricos de fósforo
sejam normais antes do tratamento. A reposição de fosfato só é fornecida em casos de depleção
extrema, dados os riscos da sua administração (o fosfato intravenoso pode formar complexos
com o Ca2+, resultando em hipocalcemia, e depósito de fosfato de Ca2+ nos tecidos moles.)
Coma hiperosmolar
Hipoglicémia
Os diabéticos tipo 1 têm uma tendência especial à hipoglicemia. Em indivíduos com produção
endógena de insulina deficiente, a resposta da glicagina à hipoglicemia está virtualmente
ausente. Além do mais, episódios hipoglicémicos recentes reduzem a resposta das
catecolaminas à hipoglicemia subsequente, e causam uma falta de perceção da hipoglicemia ao
reduzir a resposta simpatoadrenal e os sintomas neurogénicos resultantes. Essa falha
autonómica induzida pela hipoglicemia, que é distinta da neuropatia autonómica diabética, é
revertida pela prevenção da hipoglicemia, mas exacerbada pelo exercício ou pelo sono, que
podem ambos diminuir ainda mais a resposta das catecolaminas a um dado grau de
hipoglicemia.
As complicações crónicas são aquelas que mais contribuem para a mortalidade dos doentes com
diabetes, sobretudo tipo 2. Podem dividir-se em função do calibre vascular atingido, sendo
designadas por complicações microvasculares (retinopatia, nefropatia e neuropatia) e
macrovasculares (aterosclerose acelerada associada a doença coronária, doença
cerebrovascular e doença arterial periférica). A principal causa de mortalidade nos doentes com
diabetes tipo 1 e tipo 2 é cardiovascular, associada à aterosclerose, portanto são as
complicações macrovasculares que estão mais associadas a mortalidade nestes doentes e, não
propriamente, as microvasculares. Para além disto, existem muitas outras complicações como
cataratas, glaucoma, doença dentária, pé diabético, gastroparésia, diarreia, uropatia, disfunção
sexual, complicações dermatológicas e complicações infecciosas, com alguns agentes que são
particularmente importantes do ponto de vista epidemiológico na diabetes tipo 1 e tipo 2. É
fundamental perceber como uma situação de hiperglicémia, que no fundo define, quer diabetes
tipo 1, quer diabetes tipo 2, leva fisiopatologicamente ao aparecimento da retinopatia,
nefropatia e neuropatia. O preenchimento deste elo designa-se fisiopatologia das complicações
crónicas e vai ser dependente da via metabólica da glicólise.
Apesar de existir resistência à insulina, vai existir mais glicose dentro das células. Isto é explicado
pelo facto de algumas células serem insulinodependentes e outras não. Portanto, as
complicações da diabetes dividem-se e têm consequências diferentes consoante os órgãos são
dependentes de insulina, como é o caso do músculo esquelético, ou não dependentes de
insulina para a internalização da glicose, como é o caso do fígado. Conclui-se que a principal via
fisiopatológica das complicações crónicas da diabetes inicia-se nos órgãos que não dependem
da insulina para a internalização da glicose. Nos doentes com diabetes há hiperglicémia, e
consequentemente há uma tentativa de aumentar a insulina para tentar que a glicose entre em
órgãos como o músculo esquelético, que dependem da insulina para a sua internalização.
Contudo, isto não vai ser possível e a glicémia que persiste no organismo vai ser captada pelos
órgãos que não dependem da insulina para a internalização da glicose, ou seja, a internalização
não é dependente de GLUT-4. Assim, nestes órgãos (dos quais se destaca o fígado), a
concentração intracelular de glicose é suprafisiológica visto que não entrou nos outros tecidos.
Portanto, as consequências fisiopatológicas da diabetes dependem do tipo de GLUT que cada
órgão utiliza para a internalização da glicose e a via da glicólise ocorre em órgãos como o fígado,
enquanto que grande parte do fenótipo de hiperglicémia é à custa de órgãos que dependem da
insulina para a internalização da glicose.
Muitas células contêm aldose redutase, uma enzima que converte aldeídos
tóxicos nos seus alcoóis respetivos. Normalmente esta enzima tem baixa
afinidade para a glicose, porém, em condições de hiperglicémia intracelular,
pode ser responsável por até um terço do fluxo de glicose. Vai convertê-la
em sorbitol e, eventualmente, em frutose, utilizando o NADPH como cofator.
Dados recentes sugerem que o consumo de NADPH durante a redução da
glicose possa ser o culpado por dano osmótico e não, como se pensava
anteriormente, o excesso de sorbitol. O NADPH é fundamental para a
regeneração da glutationa reduzida, no entanto, o facto de ele ser usado
nesta via impede a regeneração deste antioxidante e consequente
depuração de radicais livres. O dano causado por esta via a células nervosas
é considerável, no entanto o seu papel na vasculatura é menos evidente.
Quando os níveis intracelulares de glicose são elevados, a maior parte vai ser metabolizada
através da glicólise, formando inicialmente glicose-6-fosfato, seguida de frutose-6-fosfato antes
de continuar no resto da via glicolítica. Parte deste intermediário glicolítico é desviado para via
das hexosaminas. A enzima GFAT converte a frutose-6-fosfato em glicosamina-6-fosfato e,
finalmente, em UDP N-acetil glicosamina. Este composto vai ser colocado em resíduos de fatores
de transcrição, podendo resultar em alterações patológicas da expressão genética. Modificação
do fator de transcrição SP-1 resulta no aumento da TGF-β1 e do Inibidor do Ativador do
Plasminogénio (PAI-1), ativando vias pró-inflamatórias e pró-fibróticas. Assim, a via das
hexosaminas vai condicionar um espessamento da íntima e, portanto, está diretamente ligada
aos mecanismos de aterogénese nos doentes diabéticos.
A via dos PFGA (AGEs em inglês) ocorre como tentativa de diminuição da hiperglicémia, através
da ligação da glicose livre em circulação a proteínas plasmáticas. Quando está presente em
elevadas concentrações, a glicose pode reagir, de forma reversível e não enzimática, com grupos
aminas de proteínas originando um intermediário instável, base de Schiff, que irá sofrer
rearranjo interno para formar uma proteína glicosilada mais estável. Formam-se, então,
produtos precoces da glicosilação, também designados por produtos de Amadori, dos quais o
mais conhecido é a
hemoglobina A1C, podendo
ser tão funcional do ponto de
visto do transporte como a
hemoglobina normal. Quando
nós medimos a hemoglobina
A1C, que não é mais que a
ligação não enzimática da
glicose livre em excesso à
hemoglobina, estamos a
documentar num
determinado doente a
existência de uma via ativada
de produtos finais da
glicosilação avançada. A
dosagem de HbA1C serve então como índice de controlo glicémico em doentes diabéticos.
Produtos iniciais de glicosilação podem sofrer uma série de reações químicas e arranjos
adicionais, muitas vezes envolvendo intermediários de carbonila reativos, levando à formação
irreversível de AGEs. A formação de dicarbolina a partir da autooxidação da glicose também
contribui para a produção dos AGEs. Estes produtos vão danificar a microvasculatura por três
meios:
A via dos PFGA, para além de ser útil no diagnóstico e no acompanhamento dos doentes, uma
vez que que está na génese do aparecimento da hemoglobina glicosilada, é também responsável
por ativar muitos outros mecanismos, como:
Complicações microvasculares
Retinopatia
Nefropatia
A diabetes é a causa mais comum de doença renal em fase terminal em todo o mundo. A
nefropatia diabética resulta principalmente de função glomerular desordenada. Na nefropatia
não são predominantes os mecanismos vasculares, ao contrário da retinopatia, evidenciando-
se os mecanismos de fibrose com presença de depósitos de fibrina. Os mediadores que se
iniciam pelas 4 vias fisiopatológicas das complicações crónicas vão estar presentes novamente
neste caso, havendo um aumento de VEGF e de NO a que se associa hiperfiltração e hipertensão
renal. No rim de um diabético vai haver:
Neuropatia
A neuropatia diabética ocorre em cerca de 60% dos doentes, sendo a principal causa de
morbilidade. Tem como principais mediadores moleculares os produtos das 4 vias das
complicações crónicas da diabetes, sobretudo a via dos polióis. Tal como na retinopatia,
funcionam, maioritariamente, fatores de isquemia microvascular dependentes de stress
oxidativo, devido a aumento de ERO pela via do sorbitol. Ocorre desmielinização e perda de
fibras nervosas com regeneração reduzida dos axónios, acompanhando-se de lesões
microvasculares, inclusive espessamento das membranas basais. Há atuação de vias
apoptóticas e diminuição das neurotrofinas (NGF) com compromisso nutricional neuronal e
diminuição do péptido C. A participação de mecanismos imunológicos (↑ autoanticorpos),
apesar de pouco esclarecida, está também presente em alguns casos.
Complicações macrovasculares
A doença cardiovascular aumenta de incidência nos indivíduos com diabetes tipo 1 e tipo 2. Foi
verificado um aumento acentuado de doença coronária, enfarte de miocárdio, insuficiência
cardíaca, doença arterial periférica e morte súbita nos diabéticos. Parece haver um sinergismo
entre a hiperglicémia e outros fatores cardiovasculares. Os fatores de risco para doença
macrovascular em diabéticos incluem dislipidemia, hipertensão, obesidade, atividade física
reduzida e tabagismo, micro/macroalbuminúria, elevação da creatinina sérica e função
plaquetária anormal.
Conclusões:
Doenças reumáticas
Numa biópsia da membrana sinovial de um doente com AR, observa-se células mononucleadas,
linfócitos B e T, plasmócitos, monócitos que se diferenciam em macrófagos (orla epitelióide),
células gigantes, resultantes da fusão de monócitos formando células multinucleadas, há neo-
vascularização com vénulas de endotélio alto - HEV (órgãos linfóides) onde há diapedese dos
leucócitos. É, por isso, um tecido completamente diferente, imunologicamente extremamente
ativo, e tem a propriedade de poder afetar diretamente a estrutura do osso, invadi-lo, quase
como se fosse uma lesão tumoral.
Patogénese:
Como outras doenças autoimunes, a AR é uma doença na qual fatores genéticos e ambientais
contribuem para a interrupção da tolerância a autoantigénios.
• Várias hipóteses:
o Estamos sempre a mexê-las – ponto de tensão mecânica
o São bem irrigadas
Nota: com frequência as inflamações focam-se nas articulações (bacteriémia → artrite séptica).
Fisiopatologia:
Embora a etiologia da artrite reumatóide (AR) seja ainda desconhecida, as vias fisiopatológicas
que conduzem a um estado inflamatório sustentado encontram-se bem caracterizadas. A
avaliação das características da membrana sinovial reumatóide, conjugada com estudos em
modelos animais e com a avaliação do comportamento in vitro das principais células envolvidas,
sustenta um papel crucial para os linfócitos T e B na fisiopatologia da AR, em cooperação com
os macrófagos, osteoclastos e fibroblastos, num processo caracterizado essencialmente por
uma perturbação funcional imunológica, proliferação e recrutamento celular e falência dos
mecanismos de apoptose.
Os linfócitos da membrana sinovial reumatóide têm, nalguns doentes com AR, um padrão de
organização que se aproxima de um gânglio linfático. Existem zonas de predomínio de linfócitos
T, em relação próxima com linfócitos B, os quais tendencialmente se organizam em folículos
linfóides e, uma vez diferenciados em plasmócitos, migram para fora dos centros germinativos.
Esta presença dos linfócitos B, embora em menor número do que os T, tem relevância
fisiopatológica. De facto, a AR está associada à produção de uma série de autoanticorpos (entre
os quais se destacam anticorpos anti-IgG (contra a porção constante) - o fator reumatoide FR),
existindo imunocomplexos circulantes e no interior das articulações. Estes podem assumir a
forma de dímeros de FR IgG, com capacidade de ativação celular, e multímeros, que podem
ativar o complemento e gerar atividade inflamatória. Um dos papéis mais importantes dos
linfócitos B na sinovite reumatóide será seguramente a apresentação de antigénios aos
linfócitos T, existindo neste momento evidência sugestiva de que estes sejam as células sinoviais
mais eficazes nesta tarefa, particularmente os linfócitos B produtores de FR, que interiorizam
complexos imunes e apresentam os antigénios aos linfócitos T. Mas, efetivamente, o argumento
principal para a relevância dos linfócitos B no processo fisiopatológico da AR advém dos
resultados extremamente favoráveis da terapêutica desta doença com anticorpos monoclonais
anti-CD20, depletores de linfócitos B.
Mesmo garantida a sobrevivência dos clones de linfócitos B produtores de FR, a tendência deste
para formar imunocomplexos resultaria naturalmente na sua eliminação pelo recetor de
complemento 1 dos glóbulos vermelhos. No entanto, os dímeros de FR são de pequenas
dimensões e não fixam o complemento, o que lhes permite escapar a este mecanismo. Estes
dímeros têm grande afinidade para o recetor FcγRIIIa (CD16) presente nos macrófagos,
induzindo a produção de TNF-α e IL-1 e a consequente cascata de fenómenos inflamatórios da
AR. Além disso, a expressão deste recetor macrofágico segue uma distribuição anatómica
compatível com os locais de envolvimento da AR (sinóvia, fígado, pulmão, pericárdio, medula
óssea, gânglios linfáticos, derme exposta a stress, glândulas salivares), explicando assim
adequadamente as características sistémicas da AR, por um mecanismo centrado no linfócito B
e no FR.
Um dos aspetos mais característicos da sinovite reumatóide, embora nem sempre presente, é a
formação do pannus, um conjunto de células, dominado pelos fibroblastos sinoviais, com um
comportamento invasivo e destrutivo, aproximando-se do padrão típico dos tecidos
neoplásicos. Esta transformação celular é acompanhada por perda de inibição de contacto,
atividade telomerásica e ativação de diversos oncogenes: egr-1, c-fos, c-jun, c-myc, c-ras e c-sis.
Embora não totalmente clarificada, esta alteração do fenótipo sinovial poderá ter origem no
estímulo sobre o fibroblasto dos radicais livres de oxigénio, presentes em abundância na sinovite
reumatóide, induzindo mutações nos genes controladores da apoptose, entre os quais o p53,
criando-se condições para a transformação celular. Por outro lado, o fibroblasto é sensível à
estimulação por vários mensageiros do processo inflamatório sinovial, com destaque para o
TNF-α e a IL-1. Estes estímulos ativam fatores de transcrição como o nuclear factor-kappa B (NF-
κB), o activator protein 1 (AP1) e o mitogen-activated protein kinases (MAPK) que induzem a
proliferação sinovial e a produção de IL-6, granulocyte macrophage colony stimulating factor
(GM-CSF), quimocinas, proteases e prostaglandinas. Por sua vez, o GM-CSF tem a capacidade de
criar um ciclo de feedback positivo ao estimular o macrófago a produzir mais IL-1, mantendo
assim a proliferação e a atividade fibroblástica.
Pertencem ainda à família de MMPs as agrecanases (as quais não entram nesta nomenclatura
numérica), que estão também envolvidas no processo de agressão tissular reumatóide.
As MMPs têm inibidores naturais da sua atividade, conhecidos por tissue inhibitor of matrix
metalloproteinase (TIMP), que estão também expressos em grande quantidade na AR. No
entanto, o índice MMP/TIMP é mais elevado na AR do que, por exemplo na OA, indicando um
desequilíbrio nos mecanismos de controlo das MMPs. Um complexo composto pelo TIMP-2,
MMP-14 e MMP-2 tem sido identificado como o responsável pela degradação da matriz nos
locais de invasão sinovial da cartilagem.
Em resumo, a teia de proteases gerada pelos fibroblastos é complexa, sendo provável que a
ação do MMP-2 e MMP14 seja fundamental na agressão da cartilagem e os MMP-1, MMP-3 e
catepsina K sejam os principais responsáveis pela erosão óssea.
A ação do fibroblasto sinovial não se esgota na invasão e destruição dos tecidos articulares. Na
realidade, estas células contribuem para o recrutamento de linfócitos T CD4 (através da
produção de IL-16) e para a apresentação de antigénios a estas células, pelo menos sob o
estímulo de super-antigénios. Como referido atrás, os fibroblastos são também muito
importantes para manter um estímulo de sobrevivência para os linfócitos B produtores de FR.
Por outro lado, os fibroblastos sinoviais são responsáveis pela produção de IL-11, envolvida no
estímulo da osteoclastogénese e responsável por outro ciclo de retroação positivo parácrino da
sinóvia reumatóide, ao estimular os macrófagos a produzir TNF-α, o qual é por sua vez, em
sinergia com a IL-1, um indutor da produção de IL-11 fibroblástica. Por fim, os fibroblastos
produzem, ainda, o Vascular endothelium growth factor (VEGF) e o Fibroblast Growth Factor b
(FGFb), os dois fatores mais relevantes na angiogénese, um processo precoce e fundamental na
AR, ao permitir a entrada de mais células na sinóvia e também de nutrientes, viabilizando a
expansão sinovial. O VEGF induz a produção por parte das células endoteliais de DAF e da
integrina αvβ3, que protegem as células do complemento ativado e regulam a angiogénese, em
equilíbrio com fatores antiangiostáticos como a trombospondina, a angiostatina e a endostatina.
O argumento mais importante para o papel fundamental do TNF-α na AR é dado, sem dúvida,
pela excelente resposta que esta doença apresenta à terapêutica com anticorpos monoclonais
anti TNF-α e com recetores solúveis do TNF-α.
A IL-1 atua sob controlo do TNF-α e está envolvida na indução da degradação dos
proteoglicanos, inibição da síntese dos proteoglicanos, aumento da síntese das MMPs e ativação
osteoclástica, sendo por isso a interleucina mais diretamente relacionada com a destruição
articular.
As células que estão envolvidas na sinovite reumatóide caracterizam-se, por um lado, pela sua
elevada atividade e, por outro, pelo aumento do seu número, em relação ao aspeto normal da
membrana sinovial. Este infiltrado celular está dependente do recrutamento de células
circulantes e da proliferação local. A falência dos mecanismos naturais de controlo da eliminação
celular pode ser uma explicação adicional para esta expansão celular. De facto, utilizando
métodos morfológicos, encontram-se muito poucos núcleos apoptóticos na sinóvia reumatóide
e há evidências sugestivas da existência de um defeito dos mecanismos de apoptose dos
linfócitos T na membrana sinovial reumatóide. Paradoxalmente, existe uma expressão elevada
de Fas (CD95), um dos principais recetores celulares indutores de apoptose, na sinóvia
reumatóide. Uma das justificações para se manterem baixos níveis de apoptose, apesar da
expressão elevada de Fas, poderá residir na baixa expressão do ligando do Fas na sinovite
reumatóide. Outra razão para esta perturbação da apoptose poderá estar relacionada com uma
perturbação funcional do gene supressor tumoral p53, cuja expressão está aumentada na AR. O
gene p53 está sob o controlo de oncogenes como o c-myc e, em condições normais, é
responsável pela paragem do crescimento celular e/ou pela indução de apoptose. No entanto,
na AR, ocorrem várias mutações, semelhantes a outras previamente detetadas em neoplasias,
com características dominantes e capazes de suprimir a função habitual do p53, permitindo a
proliferação celular e inibindo a apoptose. Outro possível mecanismo inibidor da apoptose
poderá residir na expressão aumentada, na sinóvia dos doentes com AR, de Bcl-2e Bcl-x(L), duas
proteínas anti-apoptóticas pertencentes à família do gene Bcl-2, um proto-oncogene envolvido
no controlo da apoptose. Recentemente, foi descrita a presença de uma proteína na sinóvia
reumatóide, conhecida por Fas-associated death domain-like interleukin-1beta converting
enzyme-inhibitory protein (FLIP), que está associada à inibição da apoptose induzida pelo Fas e
à promoção do crescimento tumoral, constituindo mais outro estímulo para a sobrevivência
celular. Outros factores anti-apoptóticos têm sido detectados na membrana sinovial em doentes
com AR: o óxido nítrico, que interfere com a apoptose mediada pelo Fas; a ativação,
provavelmente pelo TGF-β, da via do protein kinase B (Akt), inibidora da apoptose; as proteínas
inibidoras das caspases, que são proteases cisteínicas pró-apoptóticas. O estímulo anti-
apoptótico é também potenciado por alguns mediadores pró-inflamatórios, nomeadamente o
TNFα e a IL-1. Reúnem-se, assim, numerosos estímulos que explicam a sobrevivência anormal
das células responsáveis pela perpetuação dos ciclos viciosos de estimulação celular existentes
na sinovite reumatóide.
Inflamação:
• Aceleração aterogénese
• Alterações SNC: depressão (devido às
citocinas)
• Alterações metabólicas
Manifestações clínicas:
O LES continua a ter uma etiopatogenia pouco esclarecida. Os aspetos patológicos caracterizam-
se por inflamação, vasculite, deposição de imunocomplexos e vasculopatia. Embora a maioria
dos casos de LES sejam esporádicos, existe uma predisposição genética, como atesta a
concordância entre gémeos monozigóticos de 25 a 50% e entre gémeos dizigóticos de 5%. A
suscetibilidade à doença é conferida por muitos genes diferentes, sendo estimado que pelo
menos 4 genes de suscetibilidade tenham que estar presentes para que a doença se
desenvolva. São exceções a esta teoria as deficiências dos primeiros componentes do
complemento (C1q, C1r/s e C2), as quais são fatores de risco isolados para o LES e para doenças
lúpus-like. Por este motivo existe associação, em alguns grupos étnicos, com alguns genes HLA
classe III, para além da associação clássica com o HLA DR2 e DR3, da classe II, que confere um
aumento do risco de ocorrência de LES de cerca de 2 a 5 vezes.
Outro aspeto relevante na patogénese desta doença é a sua clara associação ao sexo feminino
e às flutuações das hormonas sexuais ao longo da vida. Existem vários argumentos fundamentais
para esta associação:
A prolactina poderá também ter um papel relevante no LES, como atesta a correlação dos níveis
desta hormona com a atividade da doença e o efeito positivo sobre as formas ligeiras de LES da
bromocriptina, um agonista da dopamina que inibe a secreção hipofisária da prolactina de forma
selectiva. A prolactina potencia o efeito dos estrogénios sobre os linfócitos B, promove a
produção de anticorpos por estas células e pode também ser produzida pelos próprios linfócitos,
atuando como um mediador autócrino e parácrino.
Para além dos aspetos hormonais referidos, existe evidência para uma ligeira disfunção do eixo
hipotálamo-hipófise-suprarenal nos doentes com LES. Esta conclusão baseia-se na resposta
inadequada da suprarenal destes doentes à hipoglicémia, embora a valorização de alterações
do eixo hipotálamo-hipófise suprarenal seja muito difícil pela maioria dos doentes com LES
estarem sob corticoterapia. Em modelo animal existem dados que sugerem a relevância de um
defeito neste eixo hormonal na génese de doenças autoimunes. Por exemplo, as fêmeas dos
ratos Lewis, que são muito suscetíveis à indução de doenças autoimunes, têm um defeito da
produção hipotalâmica da hormona libertadora de corticotrofina (CRH) em resposta a estímulos
ativadores imunológicos e os ratos MRL/lpr, têm uma diminuição da CRH associada ao
envelhecimento que se correlaciona inversamente com a produção de autoanticorpos e com o
desenvolvimento de uma doença semelhante ao LES.
O LES ocorre no contexto de uma miríade de
aberrações imunológicas que concorrem no sentido
da proliferação e ativação policlonal dos linfócitos B,
aumento da produção de anticorpos, com
consequente hipergamaglobulinémia e formação de
complexos imunes. Concomitantemente, os
linfócitos T mantêm um excessivo e descontrolado
sinal positivo à diferenciação e ativação de linfócitos
B produtores de autoanticorpos. É desconhecido o
sinal inicial que provoca este desequilíbrio
imunológico, mas são conhecidos alguns estímulos indutores da formação de anticorpos anti-
DNA, nomeadamente alguns produtos químicos, DNA bacteriano, fosfolípidos da parede celular,
antigénios virais e autoantigénios, como complexos de DNA ou RNA com proteínas. Estes
antigénios são fagocitados por células apresentadoras de antigénios ou são captados por
anticorpos à superfície dos linfócitos B, que os processam em pequenos péptidos e os
apresentam às células T. Por seu turno, as células T ativadas estimulam os linfócitos B na sua
atividade produtora de autoanticorpos, através do contacto direto, que requer moléculas
coestimuladoras, como os sistemas CD40/CD40L e B7/CD28/CTLA-4, e também através de
interleucinas Th2, entre as quais se destaca a IL-10. Este processo de produção de
autoanticorpos é potenciado pelo defeito, nos doentes com LES, das células CD8 supressoras e
das células NK, responsáveis, em condições normais, pela supressão da ativação dos linfócitos
B. A produção de autoanticorpos está associada à formação de complexos imunes que são
habitualmente eliminados por vários mecanismos. No LES estes mecanismos são defeituosos,
devido a um baixo número de receptores CR1 para o complemento, a defeitos funcionais nos
recetores celulares e a uma fagocitose inadequada dos complexos que contêm IgG2 e IgG3.
Existem fatores ambientais que poderão estar envolvidos no desencadear das perturbações
imunológicas que determinam o aparecimento do LES. Agentes infeciosos podem através de
processos de mimetismo molecular perturbar a imunorregulação, fatores dietéticos podem
afetar a produção de interleucinas, fármacos (procainamida e hidralazina, por exemplo) e
toxinas (corantes do cabelo, por exemplo) são capazes de alterar a resposta celular e a
imunogenicidade de autoantigénios e existem agentes químicos ou físicos (como a radiação
ultravioleta) com efeitos pró-inflamatórios e indutores de apoptose.
Em resumo, a patogénese do LES resulta da interação de uma série de fatores. Existem genes
que conferem suscetibilidade para a doença, a qual é potenciada pelo meio hormonal
(hormonas sexuais, prolactina, eixo hipotálamo-hipófise-suprarenal) e pela capacidade de
eliminação de complexos imunes e de células apoptóticas. O desequilíbrio deste sistema é
provavelmente desencadeado por fatores ambientais múltiplos ainda mal conhecidos. Gera-se
então a perda de tolerância imunológica, aumento da atividade Th2, hiperatividade dos
linfócitos B e produção de autoanticorpos patogénicos.
VASCULITES
Entre as vasculites primárias, aquelas que têm um mecanismo melhor compreendido são as
vasculites associadas aos anticorpos anti citoplasma do neutrófilo (ANCA). Estas vasculites
envolvem pequenos e médios vasos e apresentam características clínicas parcialmente
sobreponíveis, com um predomínio de lesão glomerular (glomerulonefrite pauci-imune) e
pulmonar (alveolite). Incluem-se neste grupo a Granulomatose de Wegner, a Poliangeíte
Microscópica e a síndrome de Churg-Strauss. Os ANCA estão diretamente envolvidos na
fisiopatologia destas vasculites por causarem uma agressão oxidativa e desgranulação dos
neutrófilos e monócitos, com consequente lesão endotelial.
• Os ANCA podem ser dirigidos à mieloperoxidase (MPO), caso em que estão mais
associados a um padrão perinuclear, designado por ANCA-p, e à Poliangeite
Microscópica e ao síndrome de Churg Strauss.
• Quando os ANCA estão dirigidos para a proteiase 3 (PR3) surgem geralmente com um
padrão citoplásmico (ANCA-c), mais associado à Granulomatose de Wegner.
Embora os ANCA sejam um fator determinante neste grupo de vasculites, existem outros
componentes relevantes. A resposta inflamatória é sustentada pelas células T e a produção de
anticorpos está associada a um número aumentado de linfócitos B. Estes linfócitos B não
produzem apenas ANCA. Um outro componente relevante são os anticorpos anti células
endoteliais (os quais estão presentes noutras vasculites para além das 3 associadas aos ANCA)
que podem causar lesão da célula endotelial através de mecanismos dependentes de
citotoxicidade mediada por anticorpos, fixação do complemento, promoção da formação de
trombos e recrutamento de neutrófilos para o local da lesão inicial, com consequente
agravamento da lesão, por mecanismos mediados agora pelos ANCA.
ESPONDILITE ANQUILOSANTE
Fisiopatologia:
A associação entre a espondilite anquilosante (EA) e o HLA B27 constitui a mais forte associação
imunogenética entre as doenças imunológicas humanas (nota – 8% da população saudável
também tem). Estão descritos 25 subtipos, com base na homologia das sequências de
nucleótidos, que codificam 23 proteínas diferentes. Os subtipos B2705 e B2702 são os mais
frequentes nos caucasianos e estão ambos associados à EA.
Na zona de ligação antigénica da molécula HLAB27 existem várias bolsas (designadas de A a F),
onde se localizam as cadeias laterais e as terminações amino e C dos péptidos que a ela se ligam.
Foi possível demonstrar que a bolsa B, assinalada pela posição 45 da glutamina no ápex da bolsa,
está conservada em todos os subtipos, mas é diferente das outras moléculas HLAB98. Por outro
lado, os subtipos B2709 e B2706, não associados à EA, diferem do B2705 (associado à EA), na
posição 116, localizada na bolsa F, sendo que esta diferença altera a especificidade de ligação
do B27 e o reconhecimento por linfócitos T citotóxicos. Estas observações sugerem que
determinadas conformações da molécula B27, com especial destaque para a bolsa B, poderão
estar associadas à ligação de um hipotético péptido artritogénico.
O papel primário das moléculas da classe I do HLA, como o B27, é o de ligação a péptidos,
derivados da proteólise intracelular de proteínas, num complexo trimolecular com a β2-
microglobulina, apresentando depois estes péptidos, à superfície de células apresentadoras de
antigénios, às células T citotóxicas. No contexto da EA, coloca-se a hipótese de que as células T
citotóxicas autoreactivas, existentes nesta doença, sejam induzidas durante a defesa contra
bactérias, mediada por células T e pelo B27, durante a qual seja apresentado também ao B27
um autoantigénio artritogénico (derivado dos tecidos articulares ou das inserções ligamentares).
Uma variante desta hipótese admite que os péptidos bacterianos apresentados possam ter uma
antigenecidade cruzada com algum tecido articular. Em alternativa, os péptidos derivados do
próprio B27 poderão ser artritogénicos, quando apresentados às células T citotóxicas.
Em modelos animais (ratos transgénicos para o B27) verificou-se que as manifestações clínicas
não surgiam enquanto os animais não fossem colocados num ambiente exposto a bactérias. A
este dado deve juntar-se a observação de que 60% dos doentes com EA têm envolvimento
intestinal inflamatório, demonstrado por endoscopia, particularmente aqueles que têm
envolvimento periférico. De forma consistente com estes trabalhos, foi demonstrado uma
alteração da permeabilidade intestinal e um aumento dos linfócitos B CD45Ro+ circulantes,
células de memória imunológica, sugestivas da exposição a antigénios do lúmen intestinal, quer
nos doentes com EA, quer nos seus parentes assintomáticos de primeiro grau. Outros
argumentos que reforçam a potencial participação de um estímulo antigénico bacteriano
intestinal são a identificação de expansões de linfócitos T na membrana sinovial e no intestino
e o aumento da IgA sérica contra várias bactérias (Klebsiella pneumoniae, Escherichia coli e
Proteus mirabilis). Não foram, no entanto, identificados produtos bacterianos nas articulações
sacroíliacas, nem foram observados linfócitos CD8 com especificidade para antigénios
bacterianos na EA, ao contrário do que se verifica na artrite reativa. O papel exato das bactérias
na fisiopatologia da EA não está ainda perfeitamente esclarecido. Independentemente dos
hipotéticos mecanismos envolvidos na interação entre o HLAB27 e eventuais antigénios
bacterianos, a avaliação da sinovite associada à EA revela a presença de macrófagos e linfócitos
CD4 e CD8, embora em menor número do que o que é habitualmente observado na AR. A
expressão do TNF-α está aumentada, mas não a da IL-1. Outras diferenças em relação à AR
relacionam-se com o padrão de produção de interleucinas dos linfócitos CD4. Embora na artrite
reativa predomine, à semelhança da AR, um padrão Th2, este aspeto é menos evidente na EA.
OSTEOARTROSE
A osteoartrose caracteriza-se, a nível fisiopatológico, por uma alteração degenerativa da
cartilagem. Ao longo do tempo, ocorre diminuição e alterações da cartilagem com degradação
e com alterações da sua constituição. Há fatores que vão fazer com que esse processo seja
acelerado. Nós podemos ter uma osteoartrose primária ao longo da idade, os próprios fatores
genéticos contribuem. A raça branca, o sexo feminino e a idade, por si só, são fatores de risco.
Mas depois vamos ter na esfera fisiopatogénica alguns fatores de risco, que são fatores causais,
também podem influenciar a artrose. Por exemplo, os microtraumatismos ou os traumatismos
de maior impacto. Mesmo que não seja um grande traumatismo, como um acidente de viação,
temos depois todo o tipo de microtraumatismos a nível profissional, de repetição, de esforços.
Por exemplo, estar muito tempo ao computador, utilizar mais o polegar ou o indicador, o que é
muito frequente, provocando, além de tendinites, como a tendinite de Quervain, situações de
necrose da massa do polegar, portanto, da articulação trapézio-metacárpica, como é o caso da
rizartrose.
Há artroses que têm algumas relações com a atividade profissional e depois há osteoartroses
secundárias a algumas doenças, por exemplo, secundária à doença de Perthes, a alterações
meniscais do joelho, tendo tendência para virem a ter osteoartroses ao nível dessas localizações.
Quem tem, por exemplo, alterações hematológicas, como hemofilias, que dão hemartroses, que
é o sangramento dentro do espaço articular do joelho, com formação de interleucinas pró-
inflamatórias, tende a ter, também, osteoartrose em idades jovens, tendo se se fazer, por
exemplo, a reposição dos fatores necessários.
Fisiopatologia
O aumento da produção de proteases pode ser explicado, inicialmente, como uma resposta aos
fatores condicionantes da atividade do condrócito. No entanto, a manutenção de uma
expressão elevada destas enzimas está associada a um ciclo vicioso que se gera entre os
produtos de degradação da cartilagem e a membrana sinovial. De facto, os produtos de
degradação da cartilagem geram um processo inflamatório, secundário, da membrana sinovial,
que induz a produção de diversas interleucinas, algumas delas responsáveis, por sua vez, por
uma ação catabólica sobre a cartilagem, promovendo a libertação de mais proteases, mais
degradação da cartilagem e, de novo, mais inflamação sinovial. A membrana sinovial das
articulações com OA, quando inflamada, expressa várias interleucinas pró-inflamatórias,
nomeadamente TNF-α, IL-1, IL-6, IL-8, IL-17 e IL-18. As duas mais importantes parecem ser o
TNF-α, como principal mediador do processo inflamatório, e a IL-1, principal ativador do sistema
enzimático catabólico. Em conjunto, aumentam a síntese enzimática proteolítica e diminuem a
produção dos inibidores fisiológicos destas enzimas, bem como a síntese de colagénio e
proteoglicanos. Para a ativação da IL-1 é necessária uma enzima, conhecida por enzima
conversora da IL-1 (ECI ou também caspase-1), cuja expressão se encontra aumentada nos
tecidos articulares de doentes com OA, por comparação com o normal. Além disso, o número
de recetores tipo I da IL-1 e do recetor 55 do TNF-α (responsáveis pela transdução do sinal nos
fibroblastos e condrócitos) está aumentado nas articulações artrósicas, em relação ao padrão
habitualmente observado nos controlos saudáveis. Existem, também, inibidores fisiológicos da
IL-1 e do TNF-α que estão presentes, nas articulações com OA, nomeadamente o IL-1Ra, os
recetores solúveis tipo I e II da IL-1, os recetores solúveis p55 e p75 do TNF-α e as interleucinas
com um perfil de ação essencialmente anti-inflamatório (IL-4, IL-10 e IL-13). A integridade da
cartilagem articular resulta, no fundo, de um balanço entre estímulos catabólicos e anabólicos,
originados por uma complexa rede de interleucinas. O conhecimento completo deste sistema
biológico significará novos alvos terapêuticos, os quais, adequadamente modulados, poderão
induzir, não só uma melhoria sintomática, mas poderão também ter um verdadeiro efeito
modificador da história natural da OA.
OSTEOPOROSE
A osteoporose é uma doença onde há alterações da densitometria óssea e, portanto, tem a ver
com o número de desvios padrões em que a pessoa difere de um adulto jovem do mesmo sexo,
uma vez que aqui é atingido o máximo de massa óssea, o que nos vai permitir então fazer a
comparação com o pico de massa óssea. Se tivermos mais de 2.5 desvios-padrão da normalidade
temos osteoporose, se for entre 1 e 2.5, temos osteopenia. Interessa-nos não só a densidade
mineral do osso (DMO), mas também nos interessa ver a microarquitectura óssea e a
organização do osso.
O tecido ósseo constitui um compromisso entre a rigidez, necessária para suportar a carga do
nosso organismo, flexibilidade, de forma a absorver impactos sem fraturar, e leveza, para
permitir movimentos rápidos. Em grande parte, estas características são moduladas pela
quantidade de cristais de hidroxiapatite que são depositados na tripla hélice de colagénio tipo
I: maior quantidade mineral aumenta a rigidez, mas sacrifica a flexibilidade. Geralmente o osso
humano tem um conteúdo mineral de cerca de 65% - se sofre uma desmineralização (por
situações em que aumenta a reabsorção óssea), torna-se demasiado flexível, flete demasiado
durante a carga e fratura-se; se fica excessivamente mineralizado (quando a reabsorção é
demasiado inibida) flete pouco durante a carga e fratura.
As fraturas mais comuns são as fraturas vertebrais e as fraturas da anca. Também temos as
fraturas do punho (Colles) que, mais uma vez, é mais frequente nas mulheres. Portanto, ao longo
da idade, vai haver um aumento da probabilidade destas fraturas a nível do osso.
GOTA
Existem várias evidências que sugerem que a incidência e a gravidade da gota têm vindo a
aumentar, por influência das alterações dos hábitos dietéticos e pela associação estreita entre
a hiperuricémia e a resistência à insulina, patologia também em crescimento a nível mundial.
No entanto, os fatores responsáveis pelo início dos fenómenos inflamatórios das crises de gota
e também pela sua resolução espontânea não são completamente conhecidos.
Converter os nutrientes dos alimentos numa forma em que possam ser absorvidos e eliminar os
desperdícios.
• Digestão
• Secreção
• Motilidade
• Absorção
Esófago
• Disfagia motora
o Esclerose lateral amiotrófica ou pós-AVC - na sequência de qualquer uma destas
patologias pode haver uma incapacidade central para a deglutição e isso leva a
que o doente tenha, não só dificuldade em engolir, como tenha também
tendência a se engasgar. Isto acontece porque no processo inicial da deglutição,
para além da abertura do EES há, reflexamente, o fecho da entrada da via aérea
superior e, se esse mecanismo fino de regulação fica perturbado, pode ocorrer
a passagem de alimentos para a via aérea superior com possibilidade de
pneumonias ou, simplesmente, de o doente se engasgar.
o Acalásia: é uma doença do músculo liso do esófago. Portanto, o que está
perturbado é sobretudo a musculatura da parte inferior do esófago. Existem
duas formas de acalásia:
▪ Acalásia primária: por um lado, o corpo esofágico perde
as suas contrações peristálticas e, por outro lado, o EEI
não relaxa normalmente em resposta à deglutição.
Assim, o esófago fica distendido, cheio de alimentos e
em baixo, nota-se uma pequena passagem para o
estômago que corresponde ao EEI que não chega a
relaxar. Curiosamente, quando se faz uma endoscopia
a estes doentes, o endoscópio passa porque não há
uma obstrução mecânica, mas sim uma incapacidade
de relaxar o esfíncter e, portanto, de deixar passar os alimentos, o que
resulta em fenómenos de emagrecimento progressivo. Pensa-se que a
causa desta acalásia esteja relacionada com a perda dos neurónios
intra-murais, que são os neurónios responsáveis pela inervação desta
musculatura lisa. Os neurónios inibitórios contendo VIP e óxido nítrico
são predominantemente envolvidos, mas os neurónios colinérgicos são
também afetados na doença avançada.
▪ Acalásia secundária – relacionada com várias doenças:
• Carcinoma gástrico com infiltração do esófago;
• Doença de Chagas, em que há uma destruição progressiva dos
plexos neuronais;
• Gastroenterite eosinofílica, em que há uma infiltração por
eosinófilos no esófago, levando a uma perturbação motora.
o Espasmo difuso do esófago
▪ É uma situação que não é muito frequente na prática clínica, mas que é
importante reconhecer, já que em algumas situações é necessário fazer
o diagnóstico diferencial, por exemplo, com a dor pré-cordial de causa
cardíaca. No espasmo difuso do esófago, há contrações não
peristálticas de amplitude variável (baixa, normal ou larga) na parte
inferior do esófago.
▪ No estado normal há apenas uma
contração e depois volta ao repouso, na
acalásia e na esclerodermia não existem
praticamente contrações, e no espasmo
difuso do esófago existem várias
contrações pequenas mantidas sem que
haja relaxamento. Esta situação provoca
dor intensa e dificuldade de passagem dos
alimentos. Pensa-se que esta dor se deve à
disfunção dos nervos inibitórios desta
parte inferior do esófago.
• Disfagia por obstrução mecânica
o Estenoses pépticas, na sequência de uma esofagite
o Carcinoma do esófago, que produz uma obstrução mecânica à passagem dos
alimentos.
Doença de refluxo
A doença de refluxo é uma situação bastante frequente na prática clínica. Cerca de 15% dos
indivíduos têm queixas de refluxo numa qualquer altura da vida. O refluxo constitui a passagem
do conteúdo gástrico para o esófago, que não possui mecanismos protetores para o ácido, ao
contrário do estômago. Numa situação normal, o conteúdo do estômago não deve passar para
o esófago. Mesmo que o líquido esteja a encher todo o estômago, o EEI e uma série de
mecanismos relacionados impedem a passagem do líquido para dentro do esófago.
• EEI
• Diafragma crural
• Localização anatómica da junção gastrointestinal abaixo do hiato diafragmático.
O refluxo pode ser causado pela redução destas barreiras à passagem do conteúdo gástrico, por
um aumento do volume ou da pressão gástrica ou por uma redução do efeito de limpeza e
neutralização do ácido a nível do esófago (por exemplo, diminuição ou eliminação das
contrações secundárias em que há eliminação dos pequenos restos que podem refluir para o
esófago). Não está perfeitamente mostrado que haja sempre hipotensão do EEI. O que se pensa
atualmente é que essa hipotensão seja transitória, ou seja, o que acontece nos indivíduos com
refluxo é que há muitos episódios em que o EEI relaxa e deixa passar o líquido para o esófago.
Um dos conselhos que se dá habitualmente aos doentes com doença de refluxo é que evitem
usar roupa apertada, sobretudo ao nível da cintura, para impedir os fenómenos de refluxo.
Ainda se aconselha que, quando estão deitados, subam a cabeceira da cama (15 cm é suficiente)
para diminuir significativamente a possibilidade de existir refluxo durante a noite que pode levar
à lesão da parede esofágica.
Efeitos do refluxo:
Estômago
Doença ácido-péptica
Imagem endoscópica de uma úlcera péptica: fundo nacarado e pode ter bordos mais ou menos
elevados e hiperemiados, o que pode dificultar a distinção de uma neoplasia, sobretudo no
estômago (no bulbo duodenal raramente corresponderá a neoplasia).
A mucosa gástrica tem várias pregas com glândulas gástricas com células epiteliais altamente
especializadas, que variam de acordo com a sua localização anatómica. Cerca de 75% das
glândulas gástricas encontram-se na mucosa oxíntica e contêm células mucosas no colo, células
parietais, principais, endócrinas e enterocromafins. As glândulas pilóricas contêm células
mucosas e endócrinas (incluindo células
de gastrina) e encontram-se no antro.
Quando nos alimentamos, existem várias fases que promovem estimulação da célula parietal:
• A fase cefálica – o cheiro e a visão dos alimentos levam a uma estimulação do nervo
vago, com produção de acetilcolina. Esta, por si só, pode estimular a ativação da célula
parietal.
• A fase gástrica – quando os alimentos chegam ao estômago os próprios nutrientes vão
ativar as células G. Estas produzem gastrina, que pode ativar as células parietais de duas
formas: diretamente ou indiretamente, esta última através da estimulação das células
endócrinas, com produção de histamina que, por sua vez, ativa a célula parietal.
• As células D possuem um mecanismo de regulação negativa da produção do ácido.
Doença ácido-péptica
• Úlcera gástrica H. pylori, mas também álcool e stress, e AINE’s por redução dos fatores
protetores da mucosa e das prostaglandinas
• Gastrite erosiva - álcool e stress
• Gastrite crónica atrófica – é um conjunto heterogéneo de doenças em que há uma
infiltração por células inflamatórias com morte das células parietais e desaparecimento
das glândulas gástricas. Passa a haver um aumento da gastrina numa tentativa de
compensar a redução do ácido.Pode ser autoimune e progredir para anemia perniciosa
ou pode ser associada ao H. pylori
• Úlcera duodenal – associa-se sobretudo ao H. pylori mas também à dieta, ser fumador
e consumo excessivo de álcool, fenómenos de stress psicológico
Atualmente a causa mais frequente de úlcera péptica é o H. pylori, responsável por 30-60% das
úlceras gástricas e 50-70% das úlceras duodenais. O H.pylori pode provocar úlcera péptica
devido a:
Existem indivíduos que vivem com H.pylori num certo equilíbrio que não provoca doença nem
lesão, enquanto outros indivíduos desenvolvem a doença. Isso pode dever-se à estirpe de H.
pylori, a fatores do hospedeiro ou à altura da vida em que o indivíduo é infetado. Ser infetado
na infância, o que significa que passou a viver com o Helicobacter desde muito cedo, é diferente
de ser infetado mais tardiamente.
O H. pylori pode desencadear gastrite crónica que pode ser assintomática ou que pode evoluir
para doença ulcerosa péptica. Também se sabe que o H. pylori está bastante implicado no
Linfoma MALT (mucosa-associated lymphoid tissue). Se o linfoma estiver associado apenas à
mucosa e submucosa, com a eliminação do H.pylori tratamos a neoplasia. Esta é uma descoberta
recente que demonstra uma situação em que a administração de antibióticos consegue tratar
uma neoplasia.
A associação entre o cancro gástrico e o H. pylori também está bem demonstrada, apesar de
nem todos os cancros gástricos estarem associados ao Helicobacter. Em Portugal temos uma
altíssima prevalência de cancro gástrico e também uma elevada prevalência de H.pylori. A
questão se temos que erradicar o H.pylori em todos os indivíduos que o têm é, atualmente, alvo
de grande controvérsia. Aquilo que é indiscutível é que se um indivíduo tem doença ulcerosa
péptica, o Helicobacter tem de ser erradicado. Nas outras situações é discutível, sobretudo na
dispepsia, pois é uma situação em que existem todas as queixas da doença ulcerosa, mas à
endoscopia não são visíveis úlceras (dispepsia não-ulcerosa). No entanto tende-se a eliminar o
Helicobacter porque, sabendo que é um possível precursor do cancro gástrico, é preferível
erradicá-lo.
Entre os indivíduos que tomam AINE’s, surge dispepsia numa percentagem muito elevada - cerca
de 50 a 60%. No entanto, as úlceras surgem apenas em 15-30%, o que é, de qualquer maneira,
um valor elevado, sobretudo porque existem milhões de pessoas em todo o mundo a tomar
AINE’s. A principal razão para essa elevada utilização prende-se com o facto de estes
medicamentos serem muito eficazes, pois conseguem diminuir muito a dor, especialmente a
dor crónica. Sobretudo a partir de uma certa idade, a dor de causa osteo-articular é muito
frequente e mesmo os indivíduos que sabem que a doença ulcerosa constitui um risco para eles,
insistem em tomar AINE’s. Dentro da doença ulcerosa, a úlcera sangrante é também
relativamente frequente: 1,5% de todos os indivíduos que tomam AINE’s podem desenvolver
hemorragias como consequência da doença ulcerosa. Esta situação é particularmente
importante porque, muitas vezes, a hemorragia está associada a indivíduos de uma idade
bastante avançada e nos quais a mortalidade associada à ulcera sangrante é bastante elevada.
Isto coloca questões relacionadas com a necessidade de fazer terapêutica preventiva, por
exemplo, com inibidores da bomba de protões, nos indivíduos que tomam cronicamente AINE’s
ou modificar o tipo de anti-inflamatório de acordo com o risco de desenvolver doença ulcerosa.
Outra questão que pode surgir é se se justifica erradicar o H.pylori antes de começar a
terapêutica com AINE’s, uma vez que pode haver um efeito sinérgico das duas causas. Há
também que ter em atenção que o desenvolvimento da úlcera sangrante não depende só da
dose, pois há indivíduos para os quais são apenas necessárias 2 tomas de AINE’s para
desenvolver uma úlcera sangrante.
Deve-se a uma desordem intestinal funcional, que é caracterizada por dor abdominal
(característica principal) ou desconforto e alteração dos hábitos intestinais, na ausência de
alteração estrutural do intestino.
• Dor abdominal recorrente ou desconforto, pelo menos 3 dias por mês nos últimos 3
meses associado com dois dos seguintes:
o Melhoria com a defecação;
o Início associado com alteração na frequência das dejeções;
o Início associado com alteração na forma ou aspeto das fezes.
Estes indivíduos podem apresentar queixas de diarreia alternadas com queixas de obstipação,
mas o elemento comum é quase sempre a dor. Os doentes podem não apresentar queixas
durante largos períodos da vida e depois terem períodos de agravamento das queixas, que
podem estar relacionados com épocas de maior stress emocional ou psicológico.
Quanto às alterações motoras, sabe-se que estas não são alterações de repouso, surgem
sobretudo após a estimulação e por isso são frequentes após as refeições. No que diz respeito
às alterações sensoriais, há uma resposta exagerada à estimulação visceral. Por exemplo, nas
experiências em que é realizada a distensão rectal com um balão com água ou ar, enquanto um
indivíduo normal não sente dor com 80-100 ml, num indivíduo com intestino irritável a mesma
distensão rectal despoleta dor. Apesar disso, estes indivíduos não têm aumento de outro tipo
de sensibilidade, apenas uma seletiva alteração da sensibilidade para a enervação visceral e,
portanto, também podem apresentar outras manifestações da alteração da sensibilidade
dolorosa, como cefaleias, queixas genito-urinárias vagas ou dispepsia não-ulcerosa.
Alvos terapêuticos
O tipo de medicamentos a utilizar varia consoante a gravidade do quadro. Assim, nas formas
mais ligeiras, atua-se sobretudo a nível da mucosa, com anti-espasmódicos, modificações da
dieta, suplementos de fibra, enquanto nas formas mais graves a intervenção deve ser sobretudo
a nível do SNC.
A DII resulta do efeito combinado das alterações do hospedeiro com a microbiota intestinal,
disfunção epitelial intestinal, respostas imunes aberrantes e alteração da composição do
microbioma intestinal. Há um estado crónico de desregulação da função imune da mucosa em
indivíduos geneticamente predispostos para desenvolverem esta situação.
Na DII parece acontecer uma resposta inapropriada à flora endógena, com ou sem componentes
de auto-imunidade. Comporta-se um pouco como se o indivíduo tivesse uma infeção
gastrointestinal, mas que persiste, sendo crónica, como se os nutrientes fossem sentidos como
um agressor ou como um agente bacteriano. Uma das questões bastante discutida é até que
ponto é que esta doença poderá ser provocada por um agente infeccioso. Há a possibilidade de
se vir a descobrir algum agente infeccioso em especial que não tenha sido ainda identificado,
mas até ao momento considera-se que existe uma resposta imune inapropriada.
Patogénese da DII
• Doença de Crohn
o É uma patologia transmural (atinge todas as
camadas da parede) e pode afetar todo o
tubo digestivo, desde a boca até ao ânus.
o Características:
▪ Fibroestenótica
▪ Fistulizante
▪ Dor abdominal
▪ Episódios de sub-oclusão
▪ Perda de peso
▪ Doença peri-anal
▪ Massa abdominal
▪ Resposta aos antibióticos
▪ ASCA-positivo
• Colite ulcerosa
o É uma doença da mucosa e, por vezes, da sub-mucosa, manifestando-se de
maneira diferente e apenas no cólon:
▪ Rectorragias
▪ Diarreia
▪ Hematoquézias
▪ Passagem de muco
▪ Tenesmo
▪ Dor abdominal
▪ ANCA-positivo
Manifestações extraintestinais:
• Uveíte
• Poliartrite migratória
• Sacroileíte
• Espondilite anquilosante
• Eritema nodoso
• Clubbing das pontas dos dedos
• Colangite esclerosante
Malabsorção
A esteatorreia, caracterizada por excessiva gordura nas fezes e que são muito abundantes e
podem ser amareladas ou acinzentadas
Há várias causas de malabsorção a nível do intestino, e elas podem depender sobretudo de dois
tipos de situações: por digestão inadequada ou por alteração da absorção da mucosa/perda ou
defeito.
• Status pós-gastrectomia;
• Deficiência de enzimas pancreáticos:
o Pancreatite crónica
o Uso de alguns fármacos como o orlistat que bloqueia a produção dos enzimas
pancreáticos e portanto não permite a emulsão dos alimentos de forma a serem
absorvidos;
• Redução da concentração de ácidos biliares
o Doença hepática; colestase;
• Proliferação bacteriana
o Diabetes
o Estase intestinal, em que há alterações da mobilidade intestinal levando à
proliferação de bactérias que vão provocar má absorção e diarreia.
Não se sabe porque é que há indivíduos que vivem uma grande parte da vida sem manifestações
e só num determinado momento da sua vida se tornam intolerantes ao glúten, desenvolvendo
a doença celíaca.
• Aguda ou crónica
• Focal ou difusa
• Leve ou grave
• Reversível ou irreversível.
Os casos de doença hepática aguda (p. ex., causada por hepatite viral) são, na sua maioria, muito
discretos a ponto de nunca serem diagnosticados. Os sintomas transitórios de fadiga, perda do
apetite e náuseas frequentemente são atribuídos a outras causas (p. ex., gripe), e as
anormalidades bioquímicas menores referentes ao fígado, que seriam identificadas em análises
sanguíneas, não são descobertas. O paciente recupera-se sem qualquer consequência clínica
duradoura. Em outros casos de lesão hepática aguda, os sinais e os sintomas são graves → todas
as funções do fígado, ou apenas algumas, podem ser afetadas. Em certas ocasiões, causas virais,
fármacos e outras causas de lesão hepática aguda ocorrem de modo intenso, resultando em
morte maciça dos hepatócitos e falência multiorgânica progressiva. Essa síndrome de
insuficiência hepática fulminante está associada a uma elevada taxa de mortalidade; contudo,
a transplantação hepática de emergência aumenta a sobrevivência.
A lesão hepática pode prosseguir após o episódio agudo inicial ou pode ser recorrente (hepatite
crónica). Em alguns casos de hepatite crónica, a função hepática permanece estável, ou o
processo mórbido finalmente regride por completo. Em outros casos, observa-se uma
deterioração progressiva e irreversível da função hepática.
A cirrose representa a consequência de lesão hepática progressiva. Pode ocorrer cirrose num
subgrupo de casos de hepatite crónica que não regridem de modo espontâneo, ou após
episódios repetidos de lesão hepática aguda, como no caso do alcoolismo crónico. Na cirrose, o
fígado torna-se duro, retraído e nodular e exibe comprometimento das suas funções e reserva
diminuída, devido a uma redução na quantidade de tecido hepático funcional. Mais importante
ainda é a alteração da física do fluxo sanguíneo, com consequente elevação da pressão na veia
porta. Em consequência, o sangue é desviado ao redor do fígado, em lugar de ser filtrado através
dele → shunt portossistémico, que tem profundos efeitos sobre a função de vários sistemas
orgânicos.
Embora a doença hepática produzida por muitas causas diferentes possa se manifestar de uma
mesma maneira, o inverso também é verdadeiro (i. e., uma determinada doença hepática
resultante de causas específicas pode ter formas diferentes de apresentação em diferentes
pacientes). Essas variações na gravidade da doença hepática devem-se, provavelmente, a
fatores genéticos, imunológicos e ambientais (incluindo, talvez, nutricionais) que, hoje, não
estão bem elucidados.
A veia porta transporta sangue venoso do intestino delgado, rico em nutrientes recém-
absorvidos — bem como fármacos e toxinas —, diretamente para o fígado. A drenagem venosa
pancreática, rica em hormonas pancreáticas (insulina, glicagina, somatostatina e polipéptido
pancreático), também flui para a veia porta antes de penetrar no fígado. A veia porta forma um
leito capilar especializado, assegurando aos hepatócitos serem banhados diretamente por
sangue portal. É em parte devido a esse sistema de irrigação que o fígado é um local por
excelência de disseminação metastática de cancro, particularmente do trato GI, da mama e do
pulmão.
A. Lóbulos
B. Zonalidade funcional
O ácino do fígado é definido como a unidade de tecido hepático ao redor da vénula portal e
arteríola hepática, cujos hepatócitos formam anéis concêntricos de células, seguindo a ordem
com que entram em contato com o sangue portal, do primeiro ao último. Os hepatócitos em
ambos os extremos do ácino (zonas 1 e 3) parecem diferir tanto na sua atividade enzimática
quanto nas suas funções fisiológicas. Os hepatócitos da zona 1, expostos a concentrações mais
altas de oxigénio, são particularmente ativos na gliconeogénese e no metabolismo energético
oxidativo. Constituem também o principal local de síntese de ureia (visto que as substâncias
livremente difusíveis, como a amónia, absorvidas a partir da degradação das proteínas no
intestino, são extraídas, em grande parte, na zona 1). Por outro lado, os hepatócitos da zona 3
são mais ativos na glicólise e na lipogénese (processos que exigem menor quantidade de
oxigénio). Os hepatócitos da zona 2 exibem atributos das células das zonas 1 e 3.
As superfícies de um hepatócito não são todas iguais. Um dos lados, a superfície apical, forma
a parede do canalículo biliar, enquanto a superfície basolateral está em contato com a corrente
sanguínea através dos sinusóides. O domínio
lateral é delimitado pelas duas outras
superfícies. São observadas atividades muito
diferentes nessas regiões da membrana
plasmática do hepatócito; as junções íntimas
existentes entre os hepatócitos servem para
manter a segregação de domínios da membrana
plasmática apical e da basolateral. Os processos
relacionados com o transporte e a excreção de
bílis atuam na membrana plasmática apical. A
captação e a secreção na corrente sanguínea são
atividades que ocorrem através da membrana basolateral.
Não existe nenhuma delimitação bem definida entre as consequências do distúrbio das funções
apicais e basolaterais. A colestase, apesar de inicialmente ser um distúrbio do fluxo biliar apical,
manifesta-se, em última análise, na superfície basolateral. Com efeito, é nessa superfície que a
bilirrubina e outras substâncias excretadas através da membrana plasmática apical na bílis
devem ser inicialmente captadas da corrente sanguínea. De forma semelhante, qualquer
alteração do metabolismo energético ou da síntese de proteínas, apesar de envolver
inicialmente processos secretores e metabólicos do hepatócito, irá afetar, em última análise, o
mecanismo de transporte biliar na membrana plasmática apical.
Capacidade de regeneração
Embora o fígado normal contenha um nº muito pequeno de células em fase de mitose, quando
ocorre perda de hepatócitos, a proliferação dos hepatócitos remanescentes é estimulada por
mecanismos que ainda não estão bem elucidados. Isso explica por que, na maioria dos casos de
insuficiência hepática fulminante com morte hepatocelular intensa, a recuperação é completa
se o paciente sobreviver ao período agudo de disfunção hepática (habitualmente com terapia
clínica no hospital). De forma semelhante, a ressecção cirúrgica de tecido hepático é seguida de
proliferação dos hepatócitos remanescentes (hiperplasia). Numerosos fatores de crescimento
(HGF, TGF-α) e citocinas (TNF, IL-1, IL-6) estão envolvidos em manter o fígado num estado
contínuo entre proliferação e morte celulares.
O fluxo sanguíneo portal, por ser de natureza venosa, encontra-se normalmente sob baixa
pressão hidrostática (cerca de 10 mmHg). Por conseguinte, é necessário que haja pouca
resistência ao seu fluxo no interior do fígado, permitindo ao sangue permear através dos
sinusóides e ter contato máximo — para a troca de substâncias — com os hepatócitos. As
fenestrações nas células endoteliais e a ausência de uma membrana basal típica entre as
células endoteliais e os hepatócitos auxiliam a tornar o fígado um circuito de baixa pressão para
o fluxo de sangue portal. As fenestrações são espaços entre as células endoteliais que permitem
a passagem do plasma e proteínas, mas não de eritrócitos.
FISIOLOGIA
Produção de energia e interconversão de substratos
O fígado possui células específicas para o desempenho dessas funções, produzindo proteínas
especializadas que atuam como recetores, proteínas de ligação ou enzimas.
A bílis é uma substância sintetizada pelo fígado e permite que uma variedade de substâncias
insolúveis seja dissolvida em meio aquoso para o seu transporte para dentro ou para fora do
corpo. Os ácidos biliares, que constituem um importante componente da bílis, são reciclados
através da circulação enterohepática entre o fígado e o intestino. Após a sua síntese e transporte
ativo do citoplasma dos hepatócitos para o canalículo biliar (pela membrana plasmática apical
do hepatócito), a bílis é coletada no trato biliar (e, algumas vezes, é armazenada na vesícula
biliar) e excretada, através do ducto colédoco, no duodeno. Enquanto ainda estão no citoplasma
dos hepatócitos, muitos ácidos biliares são conjugados com açúcares, aumentando a sua
hidrossolubilidade. Uma vez no duodeno, os ácidos biliares servem para solubilizar os lípidos,
facilitando a digestão e a absorção das gorduras. No íleo terminal, os ácidos biliares, tanto
conjugados quanto não conjugados, são captados e transportados dos enterócitos até ao fluxo
sanguíneo portal. O sangue portal devolve esses ácidos biliares ao fígado, onde transportadores
especializados de ácidos biliares (predominantemente o co-transportador de taurocolato sódico
ou Ntcp) os transferem para o citosol do hepatócito, pela membrana plasmática basolateral
voltada para o espaço de Disse. No espaço de Disse, são submetidos a reconjugação e secreção
pela membrana apical, juntamente com outros componentes (p. ex., pigmento, colesterol) para
a formação de nova bílis. Daí em diante, começa outro ciclo de transporte enterohepático.
C. FASES DA BIOTRANSFORMAÇÃO
O corpo necessita de um mecanismo que torne os lípidos disponíveis para vários tecidos (p. ex.,
a síntese das membranas), e de outro mecanismo que possa remover qualquer excesso de
lípidos não utilizados pelos tecidos. Para que esses processos ocorram, o lípido precisa de ser
solubilizado numa forma dispersa, que possa ser transportada pela corrente sanguínea. Para
esse propósito, os hepatócitos sintetizam uma classe de apolipoproteínas especializadas. As
apolipoproteínas organizam-se numa variedade de partículas de lipoproteínas, que transportam
lípidos de vários tecidos pela endocitose mediada por recetores.
Diversas células no fígado sintetizam proteínas que se ligam a determinadas substâncias (p. ex.,
algumas vitaminas, minerais e hormonas). Em alguns casos, isso permite o transporte dessas
substâncias na corrente sanguínea, onde não seriam solúveis se não fosse a sua ligação (p. ex.,
esteróides ligados à globulina de ligação de esteróides, que é sintetizada e secretada pelos
hepatócitos). Em outros casos, as proteínas de ligação sintetizadas pelo fígado (p. ex., globulina
de ligação da hormona da tiroide) asseguram o transporte de substâncias específicas (p. ex.,
tiroxina) numa forma que não é totalmente acessível aos tecidos. Dessa maneira, a
concentração efetiva da substância limita-se à sua concentração livre em equilíbrio, e a fração
ligada forma um reservatório da substância, que se torna lentamente disponível à medida que
a fração livre é metabolizada, prolongando, assim, a sua semi-vida.
Embora as funções de solubilização sejam executadas, na sua maioria, nos hepatócitos, algumas
das funções de ligação e de armazenamento envolvem células acessórias. Assim, o
armazenamento da vitamina A ocorre em gotículas de gordura observadas nos lipócitos do
sistema reticuloendotelial, que foram implicados na patogénese da lesão hepática crónica e da
cirrose. A lesão de outras células liberta citocinas, que ativam os lipócitos. Os lipócitos
respondem por meio da proliferação e da síntese de colagénio e outros componentes da
membrana basal, levando a um aumento da matriz extracelular e contribuindo para o
desenvolvimento de fibrose hepática.
C. METABOLISMO DA AMÓNIA
Para avaliar a função hepática mais diretamente, podem-se utilizar vários outros testes. Os
níveis de albumina, os fatores da coagulação e a bilirrubina podem ser determinados em
amostras de sangue. Cada um desses testes possui vantagens e desvantagens, e nenhum deles
proporciona um indicador ideal isolado da função hepática. Por exemplo, a albumina apresenta
semi-vida relativamente longa (2 semanas); a sua síntese pode ser estimulada além de suas
necessidades, e pode ocorrer perda de albumina pelos rins na presença de doença renal. Além
disso, cerca de 66% da albumina corporal estão localizados no espaço extracelular extravascular,
de modo que a ocorrência de alterações na distribuição dos líquidos pode alterar a concentração
sérica de albumina. De modo semelhante, a medida mais simples dos níveis de fatores da
coagulação, o tempo de protrombina (PT), é uma medida relativamente insensível, visto que só
se torna anormal quando ocorre perda de mais de 80% da capacidade de síntese hepática. Além
disso, a deficiência de vitamina K, que é observada em pacientes com privação nutricional,
colestase crónica ou má absorção de gordura, pode prolongar o PT. A bilirrubina sérica constitui
uma boa medida de colestase, e a determinação da bilirrubina conjugada (direta) versus não-
conjugada (indireta) permite estabelecer de modo satisfatório se a colestase é intrínseca ao
fígado ou causada exclusivamente por obstrução (p. ex., por um cálculo no ducto colédoco).
Além disso, a colestase, mesmo quando provocada por doença hepática, muitas vezes não
reflete o grau de perda de outras funções hepáticas, e pode ocorrer hiperbilirrubinemia não-
conjugada por outras razões (p. ex., hemólise).
Por esses motivos, a avaliação acurada da função hepática exige a realização de vários testes
sanguíneos (p. ex., AST, ALT, albumina, PT, bilirrubina), bem como uma avaliação clínica do
paciente.
DOENÇA HEPÁTICA
Hipertensão portal
Quando processos patológicos (p. ex., fibrose) resultam em elevação da pressão venosa intra-
hepática normalmente baixa, o sangue reflui, e uma considerável fração procura vias
alternativas de volta à circulação sistémica, transpondo, assim, o fígado. Por conseguinte, o
sangue do trato GI é filtrado com menos eficiência pelo fígado antes de passar para a circulação
sistémica. As consequências desse shunt portossistémico consistem em perda das funções de
proteção e de depuração do fígado, anormalidades funcionais na homeostasia renal do sal e da
água e acentuado aumento no risco de hemorragia GI, devido ao desenvolvimento de vasos
sanguíneos ingurgitados transportando sangue venoso que transpõe o fígado (varizes
esofágicas, gástricas, umbilicais, …).
Em certas doenças hepáticas crónicas, como a cirrose biliar primária, o fluxo de bílis diminui em
consequência da destruição dos ductos biliares. A diminuição do fluxo biliar resulta em redução
da depuração dos lípidos pela bílis, com consequente desenvolvimento de hiperlipidémia. Com
frequência, esses pacientes apresentam acumulações subcutâneas de colesterol, denominados
xantomas.
Qualquer distúrbio do metabolismo das proteínas no fígado pode resultar numa síndrome de
alteração do estado mental e confusão, conhecida como encefalopatia hepática. À semelhança
do metabolismo dos glícidos, a alteração do metabolismo das proteínas pode resultar de
insuficiência dos hepatócitos ou shunt portossistémico, tendo por efeito final uma elevação das
concentrações sanguíneas de toxinas de ação central, incluindo a amónia gerada pelo
metabolismo dos aminoácidos.
Pode ser observada colestase — supressão da secreção de bílis — em muitas formas de doença
hepática. Pode ocorrer colestase em consequência de obstrução extra-hepática (p. ex., em
consequência de um cálculo biliar no ducto colédoco) ou de disfunção seletiva no mecanismo
de síntese e secreção da bílis no interior dos próprios hepatócitos (p. ex., em consequência de
uma reação a certos fármacos). Os mecanismos responsáveis pelas reações colestáticas a
fármacos ainda não estão bem elucidados. Todavia, independentemente do mecanismo
envolvido, as consequências clínicas da colestase grave podem ser profundas: a supressão da
secreção de bílis leva a uma incapacidade de solubilizar substâncias, como lípidos da dieta e
vitaminas lipossolúveis, resultando em má absorção e estados de deficiência, respetivamente.
Os sais biliares retidos também são citotóxicos; no entanto, na presença de colestase, os
hepatócitos adaptam-se e diminuem a captação de sais biliares através da infra-regulação de
Ntcp, porém mantendo a excreção de sais biliares. Em consequência, a necrose hepática é
minimizada nas síndromes predominantemente colestáticas, e os achados laboratoriais típicos
consistem em elevações mínimas dos níveis de AST e de ALT na presença de icterícia
pronunciada e de altos níveis de bilirrubina. Todavia, a exposição prolongada a sais biliares nas
doenças colestáticas crónicas, como a cirrose biliar primária, leva a uma lesão citotóxica e à
inflamação dos tratos portais, resultando em fibrose e cirrose.
Na colestase, as substâncias endógenas que são normalmente excretadas pelo trato biliar
podem acumular-se, atingindo níveis elevados. Uma dessas substâncias é a bilirrubina, um
produto de degradação do heme. A elevação da bilirrubina resulta em icterícia, que consiste em
pigmentação amarela das escleróticas e da pele. No adulto, o aspeto mais significativo da
icterícia reside na sua utilização como índice facilmente monitorado de colestase, que pode
ocorrer isoladamente ou em associação a outras anormalidades da função do hepatócito (i. e.,
como parte do quadro da hepatite aguda). Todavia, no recém-nascido, as concentrações
elevadas de bilirrubina podem ser tóxicas para o sistema nervoso em desenvolvimento,
produzindo uma síndrome denominada Kernicterus.
O papel desempenhado pelo fígado no metabolismo dos lípidos é ilustrado pelo defeito genético
responsável pela hipercolesterolemia familiar. Nesse contexto, a ausência de um recetor de LDL
funcional torna o fígado incapaz de depurar o LDL-colesterol da corrente sanguínea, resultando
em acentuada elevação dos níveis séricos de colesterol, bem como aterosclerose e
coronariopatia aceleradas. Os heterozigóticos com um alelo do recetor de LDL normal podem
ser tratados com fármacos (p. ex., inibidores da HMG-CoA redutase) que inibem a síntese de
colesterol endógeno e que, portanto, exercem uma supra-regulação nos níveis de recetor de
LDL. Por outro lado, não existe nenhum tratamento farmacológico efetivo para os
homozigóticos, visto que não apresentam nenhum recetor de LDL normal. O transplante de
fígado constitui um tratamento efetivo para a hipercolesterolemia familiar homozigótica,
porque fornece um fígado geneticamente diferente com recetores de LDL normais.
Uma função protetora do fígado consiste na sua atuação como filtro do sangue proveniente do
trato GI, através do qual são removidas várias substâncias do sangue portal antes de seu retorno
à circulação sistémica.
A depuração de bactérias pelas células de Kupffer do fígado constitui a linha final de defesa na
eliminação de bactérias intestinais da circulação sistémica. A perda dessa capacidade na doença
hepática em consequência de shunt portossistémico pode ajudar a explicar por que as infeções
em pacientes com doença hepática grave podem tornar-se rapidamente sistémicas, resultando
em sépsis.
Para além disso, o consequente nível sanguíneo elevado de amónia e de outros compostos
nitrogenados pode exercer uma supra-regulação dos recetores periféricos para produtos
endógenos semelhantes às benzodiazepinas. Esses efeitos podem contribuir para a alteração da
hemodinâmica sistémica na doença hepática.
HEPATITE AGUDA
A hepatite aguda é um processo inflamatório que leva à morte dos hepatócitos por necrose ou
por apoptose. A hepatite aguda é mais comumente causada por infeção por vários tipos de vírus.
Embora esses agentes virais possam ser diferenciados pelos testes laboratoriais serológicos com
base nas suas propriedades antigénicas, todos produzem doenças clinicamente semelhantes.
Outros agentes infecciosos menos comuns também podem resultar em lesão hepática. A
hepatite aguda também é, algumas vezes, causada por exposição a fármacos (p. ex., isoniazida)
ou venenos (p. ex., etanol).
Apresentação clínica
Etiologia
A. Hepatite viral
• Vírus da hepatite A
o O HAV, um pequeno vírus de RNA, causa doença hepática pela destruição direta
dos hepatócitos e resposta imune do hospedeiro aos hepatócitos infetados. É
transmitido de indivíduos infetados por via orofecal. Embora a maioria dos
casos seja leve, a hepatite A provoca, em certas ocasiões, insuficiência hepática
fulminante e necrose hepatocelular intensa, resultando em morte.
Independentemente da sua gravidade, os pacientes que se recuperam fazem-
no completamente, sem qualquer evidência de doença hepática residual, e
possuem anticorpos que os protegem de uma reinfeção.
• Vírus da hepatite B
o O HBV é um vírus de DNA transmitido por contato sexual ou pelo contato com
sangue ou outros líquidos orgânicos infetados. Esse vírus não mata as células
que infecta → os hepatócitos infetados morrem quase exclusivamente em
consequência do ataque do sistema imune após reconhecimento dos antigénios
virais sobre a sua superfície. Embora os casos de hepatite B sejam, em sua
maioria, assintomáticos ou só produzam doença leve antes da eliminação do
vírus, uma resposta imune excessiva pelo hospedeiro pode provocar
insuficiência hepática fulminante. Num nº ainda menor de pacientes —
tipicamente os que apresentam doença aguda leve —, a resposta imune é
inadequada para eliminar o vírus por completo, e verifica-se o desenvolvimento
de hepatite crónica.
• Vírus da hepatite C
o O HCV também é transmitido por contacto com sangue ou fluidos corporais, e
produz uma forma de hepatite semelhante à infeção pelo HBV, porém com uma
proporção bem maior de casos (70 a 85%) que progridem para a hepatite
crónica. A infeção aguda pode ser leve a moderada, mas normalmente é
assintomática. O HCV pode levar a cirrose e carcinoma hepatocelular
normalmente décadas após a infeção.
• Vírus da hepatite D
o O HDV, também conhecido como agente delta, é um vírus de RNA defeituoso,
que necessita das funções auxiliares do HBV para causar infeção. Por
conseguinte, os indivíduos cronicamente infetados pelo HBV correm alto risco
de infeção pelo HDV, enquanto os que foram vacinados contra o HBV não
apresentam nenhum risco. A infeção pelo HDV causa uma forma muito mais
grave de hepatite, tanto em termos de proporção de casos fulminantes, quanto
na percentagem de casos que progridem para a hepatite crónica.
• Vírus da hepatite E (HEV): é um vírus RNA com via de transmissão fecal-oral. A
apresentação clínica é geralmente benigna e autolimitada, semelhante à hepatite A,
mas a infeção por HEV pode resultar em falência hepática aguda em grávidas.
Outros vírus que podem causar hepatite aguda incluem o vírus Epstein-Barr (que causa a
mononucleose infecciosa), o citomegalovírus, o herpesvírus simples, o vírus da rubéola e o vírus
da febre amarela.
B. Hepatite tóxica
A maioria dos casos de doença hepática induzida por fármacos ocorre como hepatite aguda,
embora alguns se manifestem na forma de colestase ou exibam outros padrões.
As toxinas hepáticas podem ser ainda subdivididas em substâncias cuja toxicidade é previsível e
dependente da dose na maioria dos indivíduos (p. ex., paracetamol) e naquelas que causam
reações imprevisíveis (idiossincráticas),
sem qualquer relação com a dose.
Patogénese
A. Hepatite viral
Os agentes virais responsáveis pela hepatite aguda infetam em primeiro lugar os hepatócitos.
Durante o período de incubação, a intensa replicação do vírus nas células hepáticas leva ao
aparecimento de componentes virais (inicialmente, antigénios; posteriormente, anticorpos) na
urina, nas fezes e nos líquidos orgânicos. Em seguida, ocorre morte dos hepatócitos e resposta
inflamatória associada, seguidas de alterações nas provas de função hepática e aparecimento
de vários sinais e sintomas de doença hepática.
Existe uma considerável variação entre indivíduos na quantidade de etanol necessária para
causar lesão aguda do fígado. Ainda não foi estabelecido se existem fatores nutricionais,
genéticos ou outros responsáveis por essas diferenças.
Patologia
Na hepatite aguda, observa-se menos comumente (1 a 5% dos pacientes) uma lesão histológica
mais grave, denominada necrose hepática em ponte (também denominada necrose subaguda,
submaciça ou confluente). Formam-se pontes entre os lóbulos, visto que a necrose acomete
grupos contínuos de hepatócitos, resultando em grandes áreas de perda de células hepáticas e
colapso da rede de reticulina. As zonas necróticas (“pontes”), que consistem em reticulina
condensada, restos celulares inflamatórios e células hepáticas em degeneração, estabelecem
conexões entre áreas portais ou centrais adjacentes, ou podem acometer todo um lóbulo.
Manifestações clínicas
A. Hepatite viral
1. Pródromo — caracteriza-se por três conjuntos de sinais e sintomas: (1) sinais e sintomas
constitucionais inespecíficos: mal-estar, fadiga e febre baixa; (2) sinais e sintomas GI:
anorexia, náuseas, vómitos, alteração do olfato e do paladar e desconforto abdominal
no quadrante superior direito (aumento do tamanho do fígado), e (3) sinais e sintomas
extra-hepáticos: cefaleia, fotofobia, tosse, coriza, mialgias, erupção urticariforme,
artralgias ou artrite (10 a 15% dos pacientes com HBV) e, raramente, hematúria ou
proteinúria.
2. Fase ictérica — os sintomas constitucionais costumam melhorar, embora possa ocorrer
uma discreta perda de peso. Se a colestase for grave, ocorre prurido. A dor abdominal
no quadrante superior direito em consequência do aumento e da hipersensibilidade do
fígado, que estava presente na fase prodrómica, continua. Verifica-se a presença de
esplenomegalia em 10 a 20% dos pacientes.
A icterícia pode manifestar-se pela cor amarelada das escleróticas, da pele ou das mucosas. Em
geral, a icterícia só é percebida ao exame físico quando o nível sérico de bilirrubina ultrapassa
2,5 mg/dL (41,75 µmol/L). A hiperbilirrubinémia direta refere-se à elevação dos níveis de
bilirrubina conjugada na corrente sanguínea. A sua presença indica capacidade inalterada dos
hepatócitos de conjugar bilirrubina, porém com defeito na excreção de bilirrubina na bílis, em
consequência de colestase intra-hepática ou doença obstrutiva pós-hepática do trato biliar, com
transbordamento da bilirrubina conjugada fora dos hepatócitos para a corrente sanguínea.
As alterações na cor das fezes (que ficam mais claras) e na cor da urina (escurecimento)
precedem com frequência a icterícia clinicamente evidente. Isso reflete a perda de metabólitos
da bilirrubina das fezes em consequência de comprometimento do fluxo biliar. Os metabólitos
da bilirrubina hidrossolúveis (conjugados) são excretados na urina, enquanto os metabólitos
insolúveis em água acumulam-se nos tecidos, produzindo icterícia.
As equimoses sugerem coagulopatia, que pode ser causada pela perda da capacidade de
absorção da vitamina K do intestino (causada por colestase) ou pela diminuição da síntese de
fatores da coagulação. Raramente, a perda da depuração dos fatores da coagulação ativados
desencadeia uma coagulação intravascular disseminada. A coagulopatia em que o tempo de
protrombina pode ser corrigido com injeções de vitamina K, mas não com vitamina K por via
oral, sugere doença colestática, visto que a captação de vitamina K pelo intestino depende do
fluxo biliar. Se não houver correção do tempo de protrombina com vitamina K oral ou
parenteral, deve-se suspeitar de incapacidade de sintetizar os polipeptídios dos fatores da
coagulação (p. ex., em consequência de disfunção hepatocelular intensa). A correção do tempo
de protrombina com vitamina K oral apenas sugere mais uma deficiência nutricional do que uma
doença hepática como base da coagulopatia.
A insuficiência hepática fulminante pode ser complicada por disfunção renal. Pode-se verificar
o desenvolvimento de azotemia pré-renal nos pacientes afetados quando a TFG cai
secundariamente à depleção do volume intravascular. Um estado de depleção do volume
intravascular pode ser induzido pela combinação de ingestão oral diminuída, vómitos e
formação de ascite. Esse processo, se não for corrigido, pode levar à necrose tubular aguda e à
insuficiência renal aguda. Outras causas de disfunção renal na insuficiência hepática fulminante
incluem toxinas (p. ex., paracetamol ou envenenamento por Amanita) ou síndrome
hepatorrenal. O nível sérico de creatinina é uma medida mais precisa do que a ureia sanguínea
para o comprometimento renal na insuficiência hepática fulminante em decorrência da
produção hepática diminuída de ureia. Outras complicações da insuficiência hepática
fulminante incluem disfunção cardiovascular, em consequência de vasodilatação sistémica e
hipotensão, edema pulmonar, coagulopatia, sépsis e hipoglicemia.
HEPATITE CRÓNICA
A hepatite crónica faz parte de uma categoria de doenças caracterizadas pela combinação de
necrose dos hepatócitos e inflamação de gravidade variável, que persistem por mais de 6
meses. A hepatite crónica pode ser causada por infeção viral, fármacos e toxinas, fatores
genéticos e metabólicos, ou pode ser de etiologia desconhecida. A gravidade abrange desde
uma doença estável assintomática, caracterizada apenas por anormalidades laboratoriais, até
uma doença grave e gradualmente progressiva, culminando em cirrose, insuficiência hepática e
morte. Com base nos achados clínicos, laboratoriais e de biópsia, a hepatite crónica é mais bem
avaliada com base na (1) distribuição e gravidade da inflamação, (2) grau de fibrose e (3)
etiologia, que possui implicações importantes em termos de
prognóstico.
Apresentação clínica
Etiologia
Ambos os tipos de hepatite crónica podem ser causados por infeção por vários vírus da hepatite
(p. ex., hepatite B com ou sem superinfeção pelo vírus da hepatite D e hepatite C); por uma
variedade de fármacos e venenos (p. ex., etanol, isoniazida, acetaminofeno), frequentemente
em quantidades insuficientes para causar hepatite aguda sintomática; por distúrbios genéticos
e metabólicos (p. ex., deficiência de α1-antiprotease [α1-antitripsina], doença de Wilson); ou
por lesão imunologicamente mediada de origem desconhecida.
Patogénese
Em cerca de 5% dos casos de infeção por HBV e em 70 a 85% das infeções de hepatite C, a
resposta imune é inadequada para eliminar o vírus do fígado, resultando em infeção persistente.
O indivíduo torna-se um portador crónico e passa a produzir o vírus de modo intermitente,
permanecendo, assim, infeccioso para outras pessoas. A nível bioquímico, esses pacientes
frequentemente apresentam DNA viral integrado nos seus genomas, resultando na expressão
anormal de certas proteínas virais, com ou sem produção do vírus intacto. Os antigénios virais
expressos sobre a superfície celular dos hepatócitos estão associados a determinantes HLA da
classe I, induzindo, assim, a citotoxicidade linfocitária e resultando em hepatite. A gravidade da
hepatite crónica depende, em grande parte, da atividade da replicação viral e da resposta do
sistema imune do hospedeiro. Independentemente do risco de progressão para a cirrose, a
hepatite B crónica predispõe o paciente ao desenvolvimento de carcinoma hepatocelular. Ainda
não foi elucidado se a infeção pelo vírus da hepatite B constitui o fator iniciador ou simplesmente
um promotor no processo da tumorigénese.
Apresenta gravidade variável, desde fígado gordo não alcoólico (NAFL), onde a inflamação é
mínima, até esteatohepatite não alcoólica (NASH), onde a inflamação ativa aumenta o risco de
fibrose e progressão para cirrose.
A sua patogénese ainda não está bem esclarecida, mas as teorias indicam a resistência à insulina
como mecanismo chave que leva à esteatose hepática e à esteatohepatite. A lesão oxidativa
também pode desempenhar um papel. Em geral, pacientes com esteatose simples têm pouco
risco de progressão histológica, mas pacientes com NASH podem progredir para cirrose e estão
em risco de desenvolver carcinoma hepatocelular.
Patologia
Nos casos mais graves de hepatite crónica, ocorre expansão das áreas portais, que estão
densamente infiltradas por linfócitos, histiócitos e plasmócitos. Ocorre necrose dos
hepatócitos na periferia do lóbulo, com erosão da placa limitante que circunda as tríades
portais (necrose em saca bocado = piecemeal necrosis). Os casos mais graves também exibem
evidências de necrose e fibrose entre as tríades portais. Ocorre rutura da arquitetura normal do
fígado por bandas de tecido cicatricial e células inflamatórias, que ligam áreas portais entre si
e com áreas centrais (necrose em ponte). Essas pontes de tecido conjuntivo constituem uma
evidência de remodelação da arquitetura hepática, uma etapa crucial no desenvolvimento da
cirrose. A fibrose pode estender-se das áreas portais para os lóbulos, isolando os hepatócitos
em grupos e envolvendo os ductos biliares. Observa-se a regeneração dos hepatócitos com
figuras mitóticas, células multinucleadas, formação de rosetas e pseudolóbulos regenerativos.
A progressão para a cirrose é indicada pela fibrose extensa e nódulos de regeneração.
Manifestações clínicas
Alguns pacientes com hepatite crónica leve são totalmente assintomáticos e apenas
identificados por ocasião de um teste hematológico de rotina; outros apresentam início
insidioso de sintomas inespecíficos, como anorexia, mal-estar e fadiga, ou sintomas hepáticos,
como desconforto ou dor abdominal no quadrante superior direito. A fadiga na hepatite
crónica pode estar relacionada com uma alteração do eixo neuroendócrino hipotálamo-supra-
renal produzida pela neurotransmissão opioidérgica endógena alterada. A icterícia, quando
presente, é habitualmente leve. Podem ocorrer hepatomegalia hipersensível e discreta e
esplenomegalia ocasional. Nos casos graves, observa-se a presença de eritema palmar e
telangiectasias aracneiformes. Outras manifestações extra-hepáticas são incomuns. Por
definição, não há sinais de cirrose e hipertensão portal (p. ex., ascite, circulação colateral e
encefalopatia). Os exames laboratoriais revelam aumentos leves a moderados nos níveis
séricos de aminotransferase, bilirrubina e globulina. O nível sérico de albumina e o tempo de
protrombina estão normais até um estágio tardio na progressão da doença hepática.
CIRROSE
Apresentação clínica
Etiologia
A lesão inicial pode ser decorrente de uma ampla variedade de processos. Uma característica
importante é o facto de que a lesão hepática ser crónica e progressiva. Nos EUA, o uso abusivo
de álcool constitui a causa mais comum de cirrose. Em outros países, os agentes infecciosos
(particularmente o HBV e o HCV) representam as causas mais frequentes. Outras causas incluem
obstrução biliar crónica, distúrbios metabólicos, insuficiência cardíaca congestiva crónica e
cirrose biliar primária (auto-imune).
Patogénese
A fibrose hepática parece ocorrer em três situações: (1) como resposta imune, (2) como parte
do processo de cicatrização de feridas, e (3) em resposta a agentes que induzem fibrogénese
primária
O HBV e as espécies de Schistosoma são agentes que produzem fibrose numa base imunológica.
Certas substâncias, como o tetracloreto de carbono, ou o vírus da hepatite A, que atacam e
matam diretamente os hepatócitos, constituem exemplos de agentes que produzem fibrose
como parte da cicatrização de feridas. Tanto nas respostas imunes quanto na cicatrização de
feridas, a fibrose é desencadeada indiretamente pelos efeitos das citocinas libertadas pelas
células inflamatórias invasoras. Por fim, certos agentes, como o etanol e o ferro, podem causar
fibrogénese primária por meio do aumento direto da transcrição do gene do colagénio,
elevando, assim, a quantidade secretada de tecido conjuntivo pelas células.
O modo pelo qual o álcool provoca doença hepática crónica e cirrose ainda não está bem
esclarecido. No entanto, o uso abusivo crónico de álcool está associado a um comprometimento
da síntese e da secreção de proteínas, à lesão mitocondrial, peroxidação de lípidos, formação
de acetaldeído e a sua interação com proteínas celulares e lípidos da membrana, hipóxia celular
e citotoxicidade mediada por células e por anticorpos. A importância relativa de cada um desses
fatores na produção de lesão celular não é conhecida. Os fatores genéticos, nutricionais e
ambientais (incluindo exposição simultânea a outras hepatotoxinas) também influenciam o
desenvolvimento de doença hepática em alcoólicos. Por fim, a lesão hepática aguda (p. ex., em
consequência de exposição ao álcool ou a outras toxinas), cuja recuperação seria completa num
indivíduo com fígado normal, pode ser suficiente para provocar descompensação irreversível (p.
ex., síndrome hepatorrenal) num paciente com cirrose hepática subjacente.
Patologia
Em termos gerais, o fígado pode estar grande ou pequeno, porém sempre apresenta
consistência firme e muitas vezes nodular. A biopsia hepática constitui o único método para o
diagnóstico definitivo de cirrose.
Histologicamente, todas as formas de cirrose caracterizam-se por três achados: (1) acentuada
deformação da arquitetura hepática, (2) fibrose em consequência do depósito aumentado de
tecido fibroso e colagénio, e (3) nódulos regenerativos circundados por tecido cicatricial.
Quando os nódulos são pequenos (< 3 mm) e de tamanho uniforme, o processo é denominado
cirrose micronodular. Na cirrose macronodular, os nódulos medem > 3 mm e apresentam
tamanho variável. A cirrose em decorrência do uso abusivo de álcool é habitualmente
micronodular, mas pode ser macronodular, ou com os dois padrões juntos. A fibrose pode ser
mais intensa nas regiões centrais, ou faixas densas de tecido conjuntivo podem ligar áreas
portais e centrais.
Os achados histopatológicos mais específicos podem ajudar a estabelecer a causa da cirrose. Por
exemplo, a invasão e a destruição dos ductos biliares por granulomas sugerem cirrose biliar
primária (auto-imune); a deposição extensa de ferro nos hepatócitos e nos ductos biliares
sugere hemocromatose; e os corpos hialinos alcoólicos e infiltração com células
polimorfonucleares indicam cirrose alcoólica.
Manifestações clínicas
É definida como gradiente de pressão venosa portal > 5 mmHg. É causada por uma elevação na
resistência vascular intra-hepática. Perde-se a característica fisiológica de um circuito de baixa
pressão do fluxo sanguíneo observada no fígado normal. O aumento da pressão sanguínea no
interior dos sinusóides é transmitido de modo retrógrado para a veia porta. Como a veia porta
carece de válvulas, essa pressão elevada é transmitida de forma retrógrada a outros leitos
vasculares, resultando em esplenomegalia, shunt portossistémico, e em muitas das
complicações da cirrose.
B. Ascite
É importante reconhecer que a doença hepática com formação de ascite ocorre dentro de um
amplo espectro clínico. Num dos extremos, encontra-se a hipertensão portal totalmente
compensada, porém sem ascite, visto que o volume de ascite gerada é inferior à capacidade de
aproximadamente 800 a 1.200 mL/dia da drenagem linfática peritoneal. No outro extremo,
encontra-se a síndrome hepatorrenal tipicamente fatal, em que os pacientes com doença
hepática, geralmente com ascite intensa, sucumbem rapidamente à insuficiência renal aguda. A
síndrome hepatorrenal parece ser precipitada por vasoconstrição renal intensa e inapropriada
e caracteriza-se por extrema retenção de sódio, típica da azotemia pré-renal, porém sem
verdadeira depleção de volume. Todavia, a presença de ascite clinicamente aparente num
paciente com doença hepática está associada a uma sobrevida a longo prazo precária.
Ao longo dos anos, foram propostos diversos mecanismos para explicar a formação da ascite. A
hipertensão portal e a retenção renal inapropriada de sódio são elementos importantes em
todas as teorias formuladas. O resultado final da ascite é observado quando o excesso de líquido
peritoneal ultrapassa a capacidade de drenagem linfática, resultando em aumento da pressão
hidrostática. O líquido pode ser então visto exsudando dos linfáticos e acumulando-se na
cavidade abdominal como ascite.
Este distúrbio difere da azotemia pré-renal e da necrose tubular aguda. Caracteriza-se por
elevação progressiva dos níveis séricos de creatinina e diminuição do volume urinário. A
síndrome hepatorrenal tipo 1 é rapidamente progressiva, com duplicação da concentração
sérica de creatinina para um nível superior a 2,5 mg/dℓ em menos de 2 semanas, enquanto o
tipo 2 é lentamente progressivo. Tipicamente, a síndrome hepatorrenal ocorre em pacientes
com ascite tensa intensa, sendo frequentemente precipitada por tentativas muito agressivas de
diurese no hospital ou por um episódio de peritonite bacteriana espontânea.
O óxido nítrico apresenta um papel como 2º mensageiro celular, com efeitos vasodilatadores
sobre os leitos vasculares, e as endotelinas apresentam propriedades vasoconstritoras. Para
explicar a retenção de sal e de água na cirrose, foi sugerido um suposto papel para a
vasodilatação arterial periférica mediada pelo NO, combinada com o SN Simpático e a
vasoconstrição renal mediada pela endotelina. No caso extremo, esses mesmos mecanismos
podem dar origem à síndrome hepatorrenal.
Com a obstrução progressiva ao fluxo de sangue pelo fígado, ocorre elevação da pressão venosa
portal hepática. Em resposta à pressão venosa portal elevada, observa-se um aumento dos
vasos sanguíneos que se anastomosam com a veia porta, como os da superfície do intestino e
da porção inferior do esófago → varizes. O exame físico pode revelar um aumento dos vasos
hemorroidários e periumbilicais.
As varizes gastroesofágicas são clinicamente mais importantes pela sua tendência a sofrer
rutura, e a hemorragia intensa resultante é potencialmente fatal, visto que não é fácil tamponar
as varizes nesses locais. Nos pacientes com cirrose, a hemorragia GI de varizes e de outras fontes
(p. ex., úlcera duodenal, gastrite) é frequentemente exacerbado por coagulopatia concomitante.
G. Encefalopatia hepática
A encefalopatia hepática manifesta-se por alterações flutuantes do estado mental, que ocorre
em consequência de doença hepática descompensada avançada ou shunt portossistémico.
Fatores precipitantes:
As anormalidades incluem desde alterações subtis do estado mental até obnubilação profunda.
Com frequência, um sinal precoce consiste em alterações do padrão de sono, que começam com
hipersónia e progridem para reversão do ciclo de sono-vigília. As alterações cognitivas incluem
todo um espectro de anormalidades mentais, desde confusão leve, apatia, agitação, euforia e
inquietação até confusão pronunciada e mesmo coma. As alterações motoras incluem desde
tremor fino, coordenação lenta e asterixis até postura de descerebração e flacidez. O asterixis é
um fenómeno de silêncio mioelétrico intermitente, manifestado por muitos grupos musculares
e intensificado pela fadiga. É mais bem demonstrado pedindo-se que o paciente flexione os
punhos com os dedos em extensão, observando-se, então, um movimento adejante dos dedos.
Acredita-se que seja decorrente de uma diminuição de estímulo sensorial para a formação
reticular do tronco encefálico, resultando em lapsos transitórios da postura. O edema cerebral,
que constitui uma característica associada importante dos pacientes com encefalopatia na
doença hepática aguda, não é observado em pacientes cirróticos com encefalopatia.
H. Coagulopatia
Os fatores que contribuem para a coagulopatia na cirrose incluem a perda da síntese hepática
dos fatores da coagulação. Nessas circunstâncias, uma fonte mínima ou autolimitada de
hemorragia pode tornar-se intensa. Os hepatócitos também estão funcionalmente envolvidos
na manutenção de uma cascata da coagulação normal pela absorção de vitamina K (uma
vitamina lipossolúvel, cuja absorção depende do fluxo de bílis), que é necessária para a ativação
de alguns fatores da coagulação (II, VII, IX, X). Um mau sinal da gravidade da doença hepática
consiste no desenvolvimento de coagulopatia que não responde à vitamina K parenteral,
sugerindo mais uma deficiência na síntese de fatores da coagulação do que uma redução da
absorção de vitamina K devido a má absorção de gordura. Por fim, a perda da capacidade do
fígado de remover os fatores da coagulação ativados e os produtos de degradação da fibrina
pode desempenhar um papel na maior suscetibilidade à coagulação intravascular disseminada.
I. Esplenomegalia e hiperesplenismo
J. Carcinoma hepatocelular
Ocorre carcinoma hepatocelular em até 5% dos pacientes cirróticos por ano. Foram
identificados vários fatores etiológicos no desenvolvimento desse tumor.
K. Complicações pulmonares
Até 30% dos pacientes com cirrose descompensada apresentam problemas associados à
oxigenação. A síndrome hepatopulmonar está associada à insuficiência hepática avançada,
hipoxemia e derivação intrapulmonar em consequência de vasodilatação. A causa da
vasodilatação não é conhecida; todavia, acredita-se que estejam envolvidas certas substâncias,
como óxido nítrico, endotelina e ácido araquidónico. Em consequência do desequilíbrio de
ventilação-perfusão, os pacientes frequentemente apresentam platipneia (dispneia que se
agrava na posição ereta). O transplante de fígado leva à resolução da síndrome
hepatopulmonar. Todavia, a hipertensão pulmonar afeta alguns pacientes com insuficiência
hepática avançada e constitui uma contra-indicação para o transplante de fígado.
L. Outras manifestações
Outros achados no exame físico de pacientes com cirrose incluem angiomas aracneiformes
(vasos sanguíneos proeminentes com uma arteríola central e pequenos vasos que se irradiam
dessa arteríola, observados na pele, particularmente na face e na parte superior do tronco),
contraturas de Dupuytren (fibrose da fáscia palmar), atrofia testicular, ginecomastia (aumento
do tecido mamário em homens), eritema palmar, aumento das glândulas lacrimais e parótidas
e diminuição dos pêlos axilares e púbicos. Esses achados representam, em grande parte, uma
consequência do excesso de estrogénio, devido à depuração diminuída dos estrogénios
endógenos pelo fígado acometido, em combinação com a síntese hepática diminuída da
globulina de ligação das hormonas esteróides. Ambos os mecanismos fazem com que os tecidos
recebam concentrações de estrogénios maiores do que o normal. Além disso, a semi-vida mais
longa dos androgénios pode permitir maior grau de aromatização periférica, aumentando ainda
mais os efeitos semelhantes aos estrogénios em pacientes com cirrose. Podem ocorrer
xantomas das pálpebras e das superfícies extensoras dos tendões dos punhos e tornozelos na
colestase crónica, conforme observado na cirrose biliar primária. Por fim, a perda muscular e a
caquexia que ocorrem na cirrose refletem, provavelmente, uma diminuição da síntese hepática
de carboidratos, lipídios e aminoácidos.
Alcoolismo
Alcoolismo – enquadramento
Definição
Epidemiologia
Alcoolismo – enquadramento
Patogénese
A patogénese do alcoolismo vai estar dependente/ser influenciada por diversos fatores, que
incluem:
Uma pequena percentagem sofre uma primeira passagem ainda no estômago, sendo a
desidrogenase do álcool responsável por esta metabolização gástrica. Esta enzima é expressa
em maiores quantidades no homem e menos na mulher. Apesar de corresponder a uma
pequena percentagem, esta expressão enzimática diferencial, aliada ao diferente perfil de
massa gorda e distribuição de água, justifica a maior suscetibilidade da mulher ao álcool, com
maiores picos de concentração para a mesma quantidade de álcool consumida.
Para além deste metabolismo oxidativo, existe também o metabolismo não oxidativo do álcool.
Este inclui reações de conjugação, com formação de etilglicuronídeos, e a síntese de acilos
gordos. Esta última tem um papel particularmente importante em tecidos onde o mecanismo
oxidativo do álcool não é realizado.
Tolerância
Tolerância metabólica
Efeitos tóxicos
• Etanol
• Congéneres: metanol,
butanol, aldeídos,
ésteres, fenóis,
histamina, taninos,
ferro, chumbo, cobalto
…
• Um estado de má
nutrição primário
• Efeitos tóxicos dos congéneres - também os diferentes produtos que adicionalmente
compõem as bebidas alcoólicas têm efeitos tóxicos próprios e sinérgicos, podendo o
resultado do consumo de bebidas alcoólicas dever-se não só ao teor de álcool, mas
também à ação dos seus diferentes congéneres.
• Efeitos do etanol, nomeadamente efeitos diretos sobre as membranas e sobre as vias
não oxidativas (etil-ésteres de ácidos gordos), alterações das vias neuroquímicas,
indução de vias microssomais e das vias oxidativas para além de um estado pró-
inflamatório sistémico (com o aumento da produção de citocinas inflamatórias).
• A inibição da glicerofosfato
desidrogenase, com consequente
acumulação de glicerofosfato e
aumento da síntese de triglicéridos;
• Inibição da lactato desidrogenase
com acumulação de lactato,
inibição da gliconeogénese e
consequente potencial
hipoglicémia e acidose lática;
• Diminuição do oxaloacetato e
inibição da Isocitrato
desidrogenase com consequente
diminuição de alfa-cetoglutarato,
culminando na inibição do Ciclo
de Krebs (visto que são elementos
participantes neste ciclo). Como
resultado há um desvio da
acetilCoA para outras vias
metabólicas, nomeadamente para a cetogénese com consequente formação de corpos
cetónicos.
Aumento do acetaldeído
Stress oxidativo
Efeitos sistémicos
Mecanismos de ação do etanol
Intoxicação aguda
Intoxicação crónica
Abstinência
Efeitos comportamentais
• Défice de absorção
• Afeção hepática e alteração do metabolismo e armazenamento de nutrientes.
Como consequência do défice de aporte calórico, verifica-se uma perda ponderal, perda de
massa muscular, perda de tecido adiposo subcutâneo e um potencial estado de edema por
hipoalbuminémia (isto sobretudo já em doentes com uma eventual cirrose hepática).
Cardiomiopatia dilatada
o Deficiência de tiamina
o Exposições secundárias (tabaco, cobalto,
arsénico)
o Mutações DNA mitocondrial? Genótipos DD
do ECA?
o Efeito direto do Etanol
o Inibição síntese proteica
o Acetaldeído (via EROs; fosforilação
mitocondrial; vasospasmo; troponina T)
o Distribuição do cálcio/interação cálcio-
miofilamentos
o Diminuição do glutatião
o Etil Ésteres de ácidos gordos
o Resposta inflamatória (anticorpos contra adutos proteínas-acetaldeído)
o Redução de expressão de recetores
o Alteração de estrutura membranas
o Comorbilidades: Hipertensão arterial
• Atraso no crescimento
• Envolvimento do SNC (défices cognitivos e de aprendizagem )
• Dismorfologia facial
o Fendas palpebrais pequenas
o Lábio superior convexo e sem sulco
o Nariz pequeno
o Narinas antevertidas
• ADH fetal com atividade inferior a 10% do adulto.
• Líquido amniótico como reservatório de álcool
Sistema gastrointestinal
Pancreatite alcoólica
O álcool é uma das causas tanto de pancreatite aguda como de crónica. Devido à geração de
radicais livre e etil ésteres de ácidos gordos que ocorre durante a sua metabolização, o álcool
vai condicionar o funcionamento das células acinares e das células estreladas pancreáticas. Nas
células acinares pancreáticas haverá uma libertação do conteúdo dos lisossomas com
consequente degradação e morte celular, levando a lesão do parênquima com necrose e a um
processo pancreatite aguda alcoólica. Nesta, o álcool afeta ainda a regulação dos níveis de cálcio
intracelulares, levando a níveis aumentados deste, que irão promover a ativação do
tripsinogénio, processo que pode também levar a uma pancreatite. Por outro lado, na
pancreatite crónica há, para além da lesão parenquimatosa (com resposta inflamatória e
produção de radicais livres), uma ativação das células estreladas pancreáticas (homónimas das
do fígado) com consequente fibrose.
A microscopia revela lesão hepatocelular caracterizada por hepatócitos balonizados que muitas
vezes contêm corpos de Mallory rodeados por neutrófilos. A presença de esteatose também é
comum. A fibrose intrasinusoidal (no espaço entre as células endoteliais e os hepatócitos) é uma
característica da hepatite alcoólica. A fibrose perivenular, periportal e a cirrose, que são típicas
da fibrose alcoólica, muitas vezes coexistem com os achados da hepatite alcoólica. Achados
histológicos adicionais incluem degeneração dos hepatócitos e necrose.
A recuperação da hepatite alcoólica é ditada pela abstinência, presença de uma síndrome não
muito severa e pela implementação de terapêutica apropriada. Dentro de várias semanas após
a descontinuação do consumo de álcool, resolve-se a febre e a icterícia, mas a ascite e a
encefalopatia hepática podem persistir por vários meses. A icterícia prolongada e o
desenvolvimento de insuficiência renal estão associadas a um pior prognóstico. Apesar de os
pacientes aderirem ao tratamento médico, a recuperação da hepatite alcoólica não é garantida.
As vias de sinalização do TLR4 incluem a ativação do fator de transcrição EGR1 (early growth
response 1), do NF-kB e do TRIF (toll–interleukin-1–receptor domain-containing adapter-
inducing interferon-beta). O EGR1 desempenha um papel importante na produção de TNF-α
estimulada pelos lipócitos.
O TNF-α, produzido pelas células de Kupffer, parece ter um papel importante na génese da
hepatite alcoólica; os seus níveis circulantes são mais elevados em pacientes com hepatite
alcoólica. A citotoxidade hepática induzida pelo TNF-α é mediada pelo TNF-R1. A capacidade
peroxidativa do TNF-a nos hepatócitos está restrita às mitocôndrias e é exacerbada pela
depleção de glutationa mitocondrial induzida pelo álcool, o que sugere que a mitocôndria é o
alvo do TNF-a. O consumo alcoólico a longo prazo altera a balanço intracelular entre os níveis
de S-adenosilmetionina e S-adenosilhomocisteína, resultando numa diminuição do rácio S-
adenosilmetionina/S-adenosilhomocisteína. A diminuição deste rácio pode contribuir para a
lesão hepática uma vez que a S-adenosilhomocisteína exacerba a hepatotoxicidade do TNF-a,
enquanto que a S-adenosilmetionina a diminui.
O etanol promove a translocação do LPS (lipopolissacárido) do lúmen intestinal para a veia porta, onde
segue até ao fígado (imagem A).
O fígado normal consiste em sinusoides delimitados por células endoteliais. As células de Kupffer situam-se
nos sinusoides, enquanto as células estreladas se localizam entre as células endoteliais e os hepatócitos
(imagem B). Na célula de Kupffer, o LPS liga-se ao CD14, que se combina com o TLR4, levando à ativação de
múltiplos genes de citocinas. A NADPH oxidase liberta espécies reativas de oxigénio (ERO), que ativam genes
de citocinas nas células de Kupffer e que podem ter efeitos nos hepatócitos e nas células estreladas. A
citocinas como o TNF-α têm tanto efeitos parácrinos nos hepatócitos como efeitos sistémicos – febre,
anorexia e perda de peso. A IL-8 e o MCP-1 (monocyte chemotactic protein 1) atraem neutrófilos e
macrófagos. O PDGF e o TGF-β contribuem para a ativação, migração e multiplicação das células estreladas,
aumentando a fibrose hepática.
No hepatócito, o etanol é convertido a acetaldeído pela enzima citosólica ADH e pela enzima microssomal
CYP2E1 (imagem C). O acetaldeído é convertido em acetato. Estas reações produzem NADH e inibem a
oxidação de TAG e ácidos gordos. As EROs libertadas pelo CYP2E1 e mitocôndrias causam peroxidação
lipídica e produzem carbonilos proteicos. Os produtos da peroxidação lipídica podem combinar-se com o
acetaldeído e com proteínas para formar neoantigénios, que podem estimular a resposta autoimune. A
inibição do proteossoma reduz o catabolismo das proteínas danificadas e pode contribuir para a acumulação
de citoqueratina e formação dos corpos de Mallory. A redução de enzimas que convertem a homocisteína
em metionina causam um aumento da concentração de homocisteína, causando stress sob o retículo
endoplasmático. O SREBP-1c é libertado pelo retículo endoplasmático sob stress e inicia a transcrição de
genes envolvidos na síntese de TAG e ácidos gordos. A diminuição da ligação do PPAR-α ao DNA reduz a
expressão de genes envolvidos na oxidação dos ácidos gordos. O transporte de glutationa do citosol para a
mitocôndria está reduzido. A ativação do Fas e do TNF-R1 ativa a caspase 8, causando lesão mitocondrial e
abertura dos MTP (mitochondrial transition pore), libertando citocromo c e caspases que contribuem para
a apoptose. A ativação do TNF-R1 leva à ativação do NF-kB e à expressão de genes que promovem a
sobrevivência da célula.
O álcool, ao alterar e a fluidificar as membranas, altera o tamanho dos eritrócitos; por outro lado
o défice de ácido fólico dos doentes alcoólicos condiciona uma anemia macrocítica. Em doentes
com cirrose há também a trombocitopenia.
Alcoolismo – mortalidade
A neoplasia representa um espectro de doenças, caracterizado por crescimento celular e invasão anormais. Esta pode
ser classificada segundo o tecido de origem ou localização anatómica.
O cancro é uma doença com autonomia genética, ou seja, por alteração dos mecanismos genéticos, torna-se
competente/autónoma e cresce no hospedeiro, necessitando de uma inter-relação estreita com os tecidos do
hospedeiro para progredir. O mesmo tipo de cancro, com o mesmo tipo histológico e no mesmo estadio pode ter
comportamentos muito diferentes de hospedeiro para hospedeiro.
Todos os sintomas, sinais, quadros laboratoriais ou exames de imagem sujeitos a interpretação num doente com
diagnóstico de cancro têm sempre de ser analisados segundo o binómio que existe entre a doença oncológica e o seu
hospedeiro. As alterações encontradas podem ser próprias do hospedeiro (por exemplo, devido a patologias prévias)
ou específicas da doença oncológica (como a sua forma de progressão).
O cancro tem manifestações heterogéneas, ou seja, tem formas diferentes de se exprimir conforme o hospedeiro em
que se encontra.
Esta heterogeneidade é explicada pela biologia do cancro, que lhe confere três características principais:
• Órgão atingido
• Grau de desdiferenciação das células
• Capacidade de produzir fatores humorais.
Assim sendo, podemos dividir as manifestações do cancro em 3 grupos:
1. Obstrução
2. Hemorragia
3. Fistulização
4. Perfuração
5. Compressão de estruturas vizinhas
1. Obstrução
Vias respiratórias:
Vias urinárias:
• Hidronefrose – tumor da próstata ou da bexiga (carcinoma difuso) com afeção dos meatos ureterais;
• Infeção urinária de repetição – a inflamação recorrente dos fenómenos obstrutivos facilita a infeção das vias
urinárias.
Vias biliares:
• Icterícia colestática – tumor da cabeça do pâncreas (se o tumor estiver no corpo ou na cauda do pâncreas, a
primeira manifestação será dor por invasão do plexo solhar).
Tubo digestivo:
2. Hemorragia
Ocorre predominante nos órgãos ocos (como o pulmão ou o tubo digestivo) e pode ser oculta ou não oculta.
Vias respiratórias:
Este tipo de anemia surge frequentemente como consequência de neoplasia (sobretudo de adenocarcinomas do cólon
direito), pelo que, quando arrastada, deve ser alvo de análise cuidada. Muitas vezes esta é a única manifestação de
doença e os doentes chegam a apresentar valores de 6/7g de hemoglobina devido aos mecanismos adaptação crónica.
Vias urinárias
Ginecológica:
As metrorragias são a manifestação major dos tumores ginecológicos. No entanto, podem ser desvalorizadas em
mulheres em idade fértil. Nestes casos, devido à sua comicidade, manifestam-se frequentemente com anemia
ferropénica.
3. Fistulização
• Esófago – traqueia – carcinoma do esófago (causa frequente de infeções graves, dispneia e aspirações de
alimentos).
Nestes casos não se pode fazer radioterapia já que esta terapêutica agrava a fístula ao abrir mais o canal de
comunicação. Adicionalmente, deve ser utilizada uma prótese endobrônquica para evitar fenómenos de aspiração.
Tubo digestivo/Vias urinárias (não é raro):
• Cólon – bexiga – carcinoma do cólon sigmoideu: neste tipo de situações, ocorrem infeções urinárias de
repetição (devido à fistulização entre a sigmoideia/cólon esquerdo e a bexiga), podem haver retorragias
(podendo estas ser confundidas com patologia hemorroidária), fecalúria e hematúria.
4. Perfuração
Pode ser a primeira manifestação de um tumor primário (especialmente do tubo digestivo), embora seja pouco
frequente. Os tumores que lhe dão origem são geralmente de grandes dimensões e o seu crescimento leva-o a
atravessar a parede (não cresce para dentro do lúmen), necrosando espontaneamente e causando perfuração.
• Carcinoma do cólon ou gástrico – se a perfuração for tapada pode manifestar-se como peritonite localizada.
• Síndrome de Pancoast – tumor do vértice do pulmão. A compressão do plexo braquial resulta em cervicalgia
que pode atingir o braço e os dedos.
• Lesão do nervo recorrente – carcinoma laríngeo ou do esófago; este tipo de compressão traduz por
rouquidão.
Vasculares:
• Obstrução da veia cava inferior - sarcoma retroperitoneal. Manifesta-se por edema dos membros inferiores
e por circulação colateral com trajeto periférico ao nível da parede abdominal (diferente da cabeça de medusa
característica da cirrose hepática).
Alguns cancros têm locais preferenciais para metastização. Deste modo, para atuação diagnóstica precoce e
intervenção terapêutica mais eficaz, é importante entender o tropismo das células tumorais para determinado órgão
e conhecer o padrão comum de metastização dos diferentes tumores.
Cérebro
O crânio, por ser uma cavidade inextensível, é um local onde o conflito de espaço físico entre parênquima normal e
lesão neoplásica é maior.
Os tumores que mais frequentemente metastização para o SNC são: o cancro do pulmão, o da mama e o do rim.
A metastização pode manifestar-se com:
• Hipertensão intracraniana: pode ser a manifestação precoce de uma lesão em crescimento no tecido cerebral.
A hipertensão intracraniana de causa neoplásica é mais frequente em tumores com localização infratentorial e
tem como sintomas: cefaleias progressivas que se agravam com o decúbito e que podem acordar o doente durante
a noite (diferente das cefaleias de cansaço) e vómitos numa fase mais avançada.
É obrigatório fazer TAC crânio-encefálica em adultos com convulsões sem história de epilepsia ou de traumatismo
craniano para descartar a hipótese de neoplasia do SNC.
Por se tratar de uma inflamação (e não uma infeção), o termo correto seria meningiose, e não meningite.
Pele
• Ulceração;
• Hemorragia;
• Infeção.
Fígado
As metástases hepáticas têm origem, geralmente, em tumores coloretais, gástrico, da mama ou do pulmão e podem
manifestar-se com:
• Hepatomegália;
• Icterícia: devido a envolvimento hepático difuso ou em segmentos que levam à compressão dos canais
biliares;
• Ascite;
• Febre: por necrose tumoral e produção de interleucinas.
A febre com duração de várias semanas é normalmente causada por doença auto-imune ou neoplasia. Caracteriza-se
por ser vespertina e por ceder à administração de AINE’s (como o naproxeno – fármaco utilizado como diagnóstico
diferencial entre febre de origem neoplásica e infecciosa).
Peritoneal
A metastização peritoneal tem origem típica em cancros do ovário, do cólon e gástrico e cursa com:
O cancro do ovário raramente provoca metastização intra-hepática, mas afeta frequentemente a sua cápsula. De igual
forma, metastiza para a pleura, mas não origina metástases nodulares pulmonares.
Osso
Qualquer osso do organismo pode ser afetado com metástases, sem que haja predileção das células cancerígenas por
algum em especial.
Para o osso, metastizam frequentemente os cancros da mama, da próstata, do pulmão, do rim e da tiróide. Estas
metástases manifestam-se com:
Pulmão / Pleura
Os cancros que mais metastizam para o pulmão e para a pleura são: o cancro da mama, o do pulmão, o do rim, o do
cólon e os sarcomas. Estas metástases podem revelar-se com:
• Dificuldade respiratória: dispneia (a metastização pulmonar mais frequente é sob a forma de nódulos e só dá
dispneia na fase terminal da doença, quando há afeção de uma grande área de parênquima pulmonar);
• Derrame Pleural: resolve-se com toracocentese;
• Linfangiose carcinomatosa: neste caso, a metastização não é nodular caracteriza-se por infiltração dos septos
e bloqueio alveolocapilar, levando a manifestações de dispneia precoce com broncospasmo. Este padrão é
extremamente difícil de resolver;
• Obstrução brônquica (atelectasia): raro;
• Tosse;
• Hemoptise.
Fig. 16 - TAC: derrame pleural metastático.
Mediastino
O mediastino pode sofrer metastizações dos cancros da mama, do pulmão e dos linfomas. As metástases mediastínicas
podem manifestar-se com:
• Síndroma da Veia Cava Superior: cursa com dispneia, tosse, ingurgitamento das veias jugulares, edema em
estola, entre outros.
• Tamponamento cardíaco: deve-se à infiltração (de forma retrógrada a partir dos gânglios do mediastino) do
pericárdio. Resolve-se com pericardiocentese;
• Compressão de vias aéreas: o que leva a tosse persistente.
Gânglios linfáticos
• Linfedema: do membro superior por metástases do cancro da mama e do inferior por metástases (por
exemplo, ao nível dos gânglios inguinais) do cancro da próstata, do colo do útero e do ovário.
• Icterícia: devido a adenopatias no hilo hepático. Pode ocorrer como primeira manifestação do carcinoma
gástrico e de linfomas.
• Insuficiência renal por hidronefrose: devido a infiltração retroperitoneal com invasão dos ureteres por um
carcinoma colorretal, do colo do útero ou do ovário.
Síndromes paraneoplásicos
A expressão de PTHrp é importante em qualquer processo de metastização óssea. Em alguns casos o tumor utiliza
este fator humoral in loco, para a progressão no osso. Noutros consegue segregá-lo em grandes quantidades para a
circulação, simulando a ação da PTH e causando hipercalcémia.
Referindo alguns exemplos, temos afeções dos sistemas:
1) Endócrino
Hipoglicémia: pode ser uma manifestação da produção anómala de aumento de IGF-2, característica de sarcomas.
Síndroma Carcinóide: quadro típico que ocorre por produção de serotonina e outras substâncias (Histaminas,
Bradicininas) nos tumores neuroendócrinos.
Retinopatia: por produção de anticorpo dirigido à retina (anti-car) como no cancro do pulmão.
Degenerescência Cerebelosa Cortical Sub-aguda: por produção dos anticorpos: anti-yo, anti-Tr, anti-Hu. Pode ocorrer
devido a cancro do ovário, da mama e de pequenas células do pulmão.
Polineuropatia Desmielinizante: produção de anticorpo anti-mag que gera um quadro devastador e que se pode
observar em carcinoma gástrico, no linfoma e no mieloma.
Síndroma Miasténico de Eaton-Lambert: típico dos tumores de pequenas células do pulmão e, em menor escala, no
cancro da mama e da próstata. Simula a Miastenia Gravis devido a diminuição da libertação de acetilcolina por
produção de anticorpos contra os canais de cálcio da placa motora.
Polimiosite/Dermatosite: no adulto indica quase sempre síndroma paraneoplásico e adianta-se muitas vezes à
descoberta da neoplasia, podendo ser a primeira manifestação do cancro do pulmão ou da mama.
3) Hematológico
Eritrocitose: manifestação rara associada à produção anómala de eritropoietina em tumores do rim, hepatomas e
hemangioblastomas do cerebelo.
Granulocitose: síndroma paraneoplásico frequente que muitas vezes não é acompanhada de febre (o que poderia
fazer suspeitar de uma infeção em curso), ainda que possa associar-se a elevação da PCR. Pode acontecer em tumores
do tubo digestivo (especialmente do intestino), por produção de GCSF e GM-CSF, ou do pulmão, por produção de IL-
6.
Trombocitose: mais rara do que a granulocitose, ocorre devido à produção de IL-6 em cancros do tubo digestivo, do
pulmão e da mama.
Eosinofilia: ainda mais rara; surge por vezes em linfomas associada à produção de IL-5;
Hipercoagulabilidade (Síndrome de Trousseau, por exemplo): é frequente e grave, não sendo raros os casos de
flebotrombose do membro inferior como primeira manifestação de cancro do pâncreas (por produção de fator
tecidual). Também pode acontecer devido a carcinoma do pulmão (por produção de factor V) e do tubo digestivo (por
produção de mucinas).
Microangiopatia trombótica: associada a quadro de coagulação intravascular disseminada (CID), ocorrendo em alguns
carcinomas gástricos com invasão medular.
Anemia associada a Neoplasia
Caquexia
Recentemente, surgiu um novo conceito para a compreensão deste fenómeno: a produção de algumas citocinas pelo
hospedeiro (devido ao tumor) leva à metabolização do ácido araquidónico da membrana citoplasmática das células
e a consequente amplificação do sinal inflamatório, através da ativação do NFk- B.
A produção de outro fator, o PIF, também conduz à metabolização do ácido araquidónico, o que pode levar à produção
de um metabolito (15 HETE) que induz a sinalização de proteínas musculares e o seu reconhecimento pelo sistema de
proteossomas, levando à degradação da massa muscular que se observa nestes doentes.
É de salientar que, a caquexia não é proporcional ao tamanho do tumor, estando relacionada com a capacidade de
competição biológica entre este e o hospedeiro.
As neoplasias manifestam-se frequentemente por quadros clínicos que são devidos à produção de fatores humorais,
interleucinas (etc) por parte das células neoplásicas ou do hospedeiro e que são responsáveis por sintomas e sinais
importantes, tais como: anorexia, emagrecimento acentuado.
Um dos fatores identificados é o TNF (factor de necrose tumoral) que causa anorexia e emagrecimento.
O índice de “performance status” avaliado pela escala da OMS ou pelo índice de Karnofsky, é um bom indicador da
competição biológica entre hospedeiro e neoplasia. Aquele índice é, ainda hoje, um dos fatores de prognóstico mais
importantes.
Quando se diagnostica um doente oncológico sabe-se à partida que a história da doença já longa, visto que, existe um
longo processo desde a exposição aos agentes carcinogénios até ocorrerem as primeiras manifestações de doença.
As nossas possibilidades de atuação são completamente diferentes consoante a fase em que encontramos o doente:
• Se formos capazes de diagnosticar numa fase em que existe apenas displasia podemos fazer quimioprevenção.
• Quando a doença consiste apenas no tumor primário opta-se por uma atitude curativa, que habitualmente
passa pela cirurgia.
• Quando passamos de um carcinoma “in situ” para um carcinoma invasivo, que já tem potencial metastático a
estratégia deixa de ser apenas loco-regional e passa a ser também sistémica.
O principal objetivo da estratégia terapêutica é a antecipação à história natural da doença, já que, ou se destrói o
tumor, ou a neoplasia destrói o hospedeiro. Assim, não há possibilidade de curar um cancro se não se erradicar toda
a população tumoral.
Há formas de doença neoplásica em que é possível uma longa convivência com o hospedeiro, mas, a partir de um
determinado volume tumoral, devido ao conflito biológico (e não ao físico), esta torna-se impossível.
À partida, todos os indivíduos seriam capazes de suportar uma massa ativa de 1Kg células tumorais, no entanto, o
hospedeiro morre antes disso.
Outra característica das células tumorais é a capacidade de terem oncogenes ativos, o lhes permite crescer de forma
não controlada e metastizarem.
Terapêuticas Antineoplásicas
A cirurgia e a radiação removem ou matam o cancro, de forma regional, pelo que pequenos tumores e metástases
podem escapar e ocorrer uma recidiva.
A quimioterapia citotóxica atua por diversos mecanismos, mas eles partilham a propriedade de afetar primariamente
células em rápida replicação.
A quimioterapia, por exemplo, não ultrapassa a barreira hemato-encefálica, o que torna a radioterapia muito
importante para tratar lesões intra-cerebrais. Mas, enquanto a radioterapia é uma terapêutica localizada, a
quimioterapia é sistémica, o que permite atuar sobre populações que não vemos mas têm um alto risco de estar
presentes.
Quando o doente aparece em fase loco-regional é importante perceber qual o risco da doença reaparecer noutros
órgãos, o que se faz através da avaliação do tamanho do tumor, dos gânglios envolvidos, do grau de diferenciação
celular e da expressão de oncoproteínas.
Se existir um tratamento demonstrado em fase 3 que reduza este risco, então esta terapêutica deve ser administrada
como adjuvante. Caso não exista, o doente vive com o risco e é apenas realizada vigilância.
O intuito curativo de um cancro pressupõe a eliminação de todas as células tumorais. Se a doença for sistémica existem
apenas 10% de hipóteses de ser altamente sensível à terapêutica sistémica e potencialmente curável.
Caso as terapêuticas conhecidas e com eficácia comprovada não resultem, ficamos com uma doença disseminada,
sobre a qual se tem um intuito paliativo. A paliação pressupõe a melhoria da qualidade de vida dos doentes e o
prolongamento da sobrevida e resulta do balanço entre: eficácia na terapêutica antineoplásica e efeitos adversos
provocados.
Em oncologia quando o termo terapêutica paliativa designa terapêutica antineoplásica (quimioterapia, imunoterapia,
radioterapia ou cirurgia) que não consegue eliminar toda a população neoplásica (curar o doente) mas ao reduzir a
população neoplásica existente ou, ao impedir o seu crescimento, obtém uma regressão ou melhor controlo dos
sintomas causados pelo cancro.
No entanto a terapêutica empregue, ou a sequência de terapêuticas, causam frequentemente efeitos adversos, que
em alguns casos podem ser particularmente graves.
Frequentemente os inconvenientes provocados são compensados pelo alívio obtido com a eficácia da terapêutica.
Todavia esta margem de benefício tende a diminuir com o tempo, à medida que a doença neoplásica vai adquirindo
resistência à terapêutica.
Métodos de terapêutica neoplásica
1) Cirurgia Oncológica: pretende-se que seja eficaz no controlo da doença, o menos mutilante possível e informadora
sobre o estado loco-regional 10.
A radioterapia adjuvante é aplicada após a cirurgia e visa diminuir o risco de recidiva local. É feita sobre o “leito
tumoral” e sobre as cadeias ganglionares regionais.
a) Cancro da mama tratado com cirurgia conservadora (não mastectomia) para evitar a recidiva na restante
mama, ou quando há glânglios envolvidos.
b) Cancro do reto com glânglios regionais positivos para tumor.
A radioterapia neoadjuvante é feita sobre tumores localmente avançados e pretende tornar estes tumores
ressecáveis. Isto é, com o efeito da radioterapia o tumor diminui de dimensões, fica mais circunscrito e, portanto,
abordável pela cirurgia. Quase sempre a radioterapia neoadjuvante faz-se acompanhar de quimioterapia
neoadjuvante.
3) Citostáticos: em terapêutica adjuvante, tentam fazer-se associações para aumentar o espectro de atividade e
reduzir a toxicidade individual de cada fármaco. Na doença metastática, a filosofia deixa de ser esta.
• Cancro da mama;
• Cancro colo-rectal;
• Cancro do ovário;
• Sarcomas.
Tumores em estadio avançado com indicação para Quimioterapia Curativa (apenas 10% dos tumores neste estadio):
• Cancro da mama;
• Cancro do ovário;
• Cancro do cólon;
• Cancro do estômago;
• Cancro da cabeça e pescoço;
• Cancro do pulmão;
Quando se utilizam citostáticos, quanto maior for a dose administrada, mais células morrem. No entanto, quanto
maior a dose, maior a toxicidade para as células saudáveis também. Assim, é preciso encontrar um equilíbrio e
administrar uma dose eficaz e com toxicidade reduzida. Esta é a razão pela qual se respeitam religiosamente os tempos
entre os ciclos de administração de citostáticos na quimioterapia adjuvante.
Leis de:
1. Skipper;
2. Norton & Simon;
3. Goldie, Coldman & Schimke.
Esta Lei está na base da elaboração de uma plano quimioterapêutico curativo e prevê que um citostático administrado
na mesma dose e com a mesma regularidade leva à morte de uma fração constante da população tumoral (fraccional
cell kill). Ou seja, entre ciclos de quimioterapia curativa, existe um determinado número de células entra em ciclo
celular, repovoando parte da população tumoral que foi eliminada com o quimioterapêutico.
Num linfoma (doença curável), tem que ser administrada a dose certa nos tempos certos, porque, se não se der a
remissão o mais rapidamente possível, o tumor pode passar a exprimir glicoproteína p170 e a estar resistente à
adriamicina, à qual era tão sensível inicialmente.
Hormonoterapia
Até aos dias de hoje, tem sido desenvolvido o conhecimento acerca de alguns oncogenes:
Modificadores da
resposta biológica
A nível molecular, o imatinib tem como alvo uma parte especifica da
região da tirosina cinase na Bcr-Abl, c-Kit, and PDGF-R.
Mecanismo de ação:
Causas de choque:
Muitas vezes o choque resulta de uma combinação de fatores (ex: na sépsis, o choque
distributivo é muitas vezes complicado por hipovolémia e depressão miocárdica).
FISIOPATOLOGIA
RESPOSTA NEUROENDÓCRINA
Citocinas
A libertação de TNF inicia muitas das respostas à endotoxina e age sinergicamente com a IL-1,
em parte através da indução da COX, fator ativador plaquetário (PAF) e sintase do NO.
Subsequentemente, outras citocinas, como IL-6 e IL-8, aparecem em circulação. A IL-6 é o maior
estimulador da síntese hepática de proteínas de fase aguda e está envolvida na indução de
febre, anemia e caquexia, enquanto a IL-8 é quimioatrativa. A rede de citocinas é muito
complexa, envolvendo mecanismos auto-reguladorres endógenos – por exemplo, são libertados
recetores solúveis do TNF pelas células durante a resposta inflamatória, ligando-se ao TNF e
reduzindo a sua atividade biológica. Também foi identificada uma proteína que se liga
competitivamente ao recetor de IL-1.
Também são libertados mediadores anti-inflamatórios, como a IL-10. Quando excessiva, esta
resposta anti-inflamatória está associada a hiporresponsividade imune inapropriada.
As HSPs são sintetizadas após exposição a vários estímulos nocivos, como calor, citocinas,
hipoxia,endotoxina, vários químicos e radicais livres de oxigénio. Parecem ser protetores na
sépsis, provavelmente porque reconhecem e formam complexos com proteínas desnaturadas,
induzindo um correto dobramento das proteínas e, quando necessário, a sua degradação
proteolítica. Também protegem proteínas normais e funcionais contra a degradação e inibem a
apoptose. As HSPs são referidas como “chaperones moleculares”.
Moléculas de adesão
A adesão de leucócitos ativados à parede vascular e a sua migração extravascular é mediada por
ICAMs (inducible intercelular adhesion molecules) que se encontram na superfície dos
leucócitos e das células endoteliais. A expressão destas moléculas pode ser induzida pela
endotoxina ou por citocinas pró-inflamatórias. As seletinas iniciam o processo de rolamento
leucocitário no endotélio vascular, enquanto membros da família das imunoglobulinas (ICAM-1
e vascular cel adhesion molecule-1) estão envolvidas na migração dos leucócitos para os tecidos.
• Prostaciclina
• Endotelina (potente vasoconstritor)
• NO. O NO é sintetizado pela NOS (sintase do óxido nítrico); inibe a agregação e adesão
plaquetária e produz vasodilatação ao ativar a guanilato ciclase no músculo liso vascular
para formar cGMP a partir de GTP. Existem várias NOS:
o NOS constitutiva ou endotelial: está presente nas células endoteliais e é
responsável pela libertação basal de NO; está envolvida na regulação fisiológica
do tónus vascular, PA e perfusão tecidual.
o NOS neuronal. O papel dos nervos que contêm esta enzima não é claro, mas
eles provavelmente estão associados ao tónus vasodilatador neurogénico. No
SNC, a NOS neuronal pode ser um regulador do fluxo sanguíneo local bem como
pode estar envolvida na modulação aguda do comportamento da ativação
neuronal.
o NOS indutível: é induzida nas células musculares lisas vasculares e nos
monócitos num período de 4-18h após estimulação pela endotoxina e por
citocinas como o TNF. O aumento prolongado da síntese de NO pode ser a causa
de vasodilatação sustida, hipotensão e reduzida reatividade aos agonistas
adrenérgicos que carateriza o choque séptico. O NO gerado pelos macrófagos
contribui para a função de destruição de patogénicos intra e extracelulares dos
macrófagos, em parte como consequência da sua capacidade em ligar-se à
citocromo oxidase e inibir o transporte de eletrões, mas também via produção
do radical altamente reativo peroxinitrite.
Desequilíbrio redox
O balanço redox é controlado por antioxidantes, que tanto previnem a formação de radicais (ex:
transferrina e lactofferina ligam ião ferro, um catalisador da formação de radicais) ou
removem/inativam espécies reativas de oxigénio e azoto (ex: superóxido dismutases, vitamina
C e E e glutationa). Também existem mecanismos para remover ou reparar moléculas com dano
oxidativo e para preservar a integridade do DNA. Na inflamação sistémica severa, a produção
não controlada de radicais livres de oxigénio e espécies reativas de nitrogénio, como superóxido,
radicais OH, peróxido de hidrogénio (H2O2) e peroxinitrito (ONOO-), em particular pelos
leucócitos polimorfonucleares ativados, pode superar os mecanismos de defesa e causar:
• Vasodilatação
• Má distribuição do fluxo sanguíneo regional
• Anormalidades na microcirculação:
o Capilares “stop-flow” – fluxo intermitente
o Capilares “no-flow” – capilares obstruídos
o Falência no recrutamento capilar
o Aumento da permeabilidade capilar com edema intersticial
Apesar destas anormalidades vasculares e microvasculares poderem contribuir parcialmente
para a reduzida extração de oxigénio pelas células no choque séptico, também existe um defeito
primário na utilização de oxigénio causado por disfunção mitocondrial. Inicialmente, antes de
ocorrer hipovolémia, ou quando a terapêutica de reposição de volume circulante é adequada, o
DC está geralmente elevado e a resistência periférica reduzida. Estas alterações podem estar
associadas a comprometimento do consumo de oxigénio, redução da diferença arteriovenosa
de conteúdo de oxigénio, aumento da SvO2 e acidose láctica. A vasodilatação e o aumento da
permeabilidade vascular também ocorrem no choque anafilático.
Nos estádios iniciais de outras formas de choque, e por vezes quando acontece hipovolémia e
depressão miocárdica na sépsis e anafilaxia, o DC é baixo e o aumento da atividade simpática
causa vasoconstrição, o que ajuda a manter a PA sistémica.
Lesão de reperfusão
Esta é iniciada e controlada pelo sistema neuroendócrino e por várias citocinas (IL-6), sendo
caracterizada inicialmente por hipermetabolismo – aumento do gasto de energia. A
gluconeogénese é estimulada por aumento da glicagina e catecolaminas, e a glicogenólise
também aumenta. As catecolaminas inibem a libertação de insulina e reduzem a captação
periférica de glicose. Em combinação com níveis elevados de outros antagonistas da insulina,
como cortisol, e com a downregulation dos recetores de insulina, estas alterações causam
hiperglicemia na maioria dos pacientes. A hipoglicémia pode surgir depois, sendo precipitada
pela depleção das reservas hepáticas de glicogénio e inibição da gluconeogénese. A síntese de
ácidos gordos também aumenta, levando a hipertrigliceridémia.
Ocorre quebra de proteínas para providenciar energia através dos aminoácidos, e a síntese
proteica no fígado está aumentada produzindo-se preferencialmente reagentes de fase aguda.
A glutamina é mobilizada do músculo para ser usada como fonte energética para as células em
rápida divisão, como leucócitos e enterócitos, e também para a produção hepática de
glutationa, um captador de radicais livres. Quando severa e prolongada, esta resposta
metabólica pode levar a perda de peso considerável. A quebra proteica está a fraqueza e perda
de músculo esquelético e respiratório, prolongando a necessidade de ventilação mecânica e a
imobilização. A reparação, cicatrização e função imune estão também comprometidas.
Apesar de muitas manifestações clínicas serem comuns a todos os tipos de choque, eles diferem
em alguns aspetos.
CHOQUE HIPOVOLÉMICO
✓ Perfusão tecidual inadequada
o Pele: pálida, fria, diaforética, aumento do tempo de reperfusão capilar
o Rins: oligúria, anúria
o Cérebro: alteração do estado de consciência (obnubilação, desorientação,
confusão mental)
✓ Aumento do tónus simpático:
o Taquicardia, pressão de pulso fraca ou filiforme
o Sudorese
o PA: pode ser mantida inicialmente (apesar de uma redução de 25% no volume
circulante se o paciente for jovem e saudável), mais depois ocorre hipotensão.
✓ Acidose metabólica: taquipneia compensatória.
CHOQUE CARDIOGÉNICO
CHOQUE OBSTRUTIVO
CHOQUE ANAFILÁTICO
O diagnóstico de sépsis é facilmente não realizado, particularmente em idosos, que podem não
apresentar os sinais clássicos. Confusão, taquicardia e taquipneia podem ser as únicas pistas,
por vezes associadas a hipotensão inexplicável, redução do débito urinário, aumento da
creatinina plasmática e intolerância à glicose.
Os sinais clínicos de sépsis (desencadeados por PAMPs) não são sempre associados a
bacteriémia e podem ocorrer em processos não infecciosos, como pancreatite, bypass
cardiopulmonar ou trauma grave (desencadeados por DAMPs). O termo síndrome de resposta
inflamatória sistémica (SIRS) descreve inflamação disseminada que se pode complicar com
vários distúrbios.
Definições:
A falência sequencial dos órgãos vitais ocorre progressivamente ao longo de semanas, apesar
de o padrão de disfunção orgânica ser variável. Na maioria dos casos os pulmões são os
primeiros órgãos a serem afetados – ARSD (síndrome de dificuldade respiratória do adulto) –
em associação com instabilidade cardiovascular e deterioração da função renal. O dano na
mucosa do TGI, como resultado da redução do fluxo sanguíneo esplâncnico e lesão de
reperfusão, permite que as bactérias no lúmen intestinal/componentes da sua parede celular
entrem em circulação. As defesas hepáticas, muitas vezes comprometidas por baixa perfusão,
são ultrapassadas e os pulmões e os outros órgãos são expostos a toxinas bacterianas e
mediadores inflamatórios libertados pelos macrófagos do fígado. Infeção pulmonar secundária,
que complica a ARDS, também é outro estímulo para a resposta inflamatória. Mais tarde
desenvolve-se lesão renal aguda e disfunção hepática. A falência GI, com incapacidade de tolerar
alimentação entérica, e ileo paralítico são comuns. A disfunção do SNC incluem alteração do
estado de consciência e pode progredir para coma. Caracteristicamente, estes pacientes
inicialmente têm uma circulação hiperdinâmica com vasodilatação e elevado DC, associado a
um aumento da taxa metabólica. Contudo, eventualmente segue-se colapso cardiovascular.
Choque circulatório
1. Hipotensão arterial sistémica – mas esta pode ser apenas moderada especialmente se
o paciente for hipertenso. Em adultos, a pressão arterial sistólica costuma ser inferior a
90 mm Hg ou pressão arterial média é inferior a 70 mm Hg, com taquicardia associada;
2. Sinais de hipoperfusão tecidual:
• Sinais cutâneos: pele fria e suada, com vasoconstrição e cianose (achados mais
evidentes nos estados de baixa perfusão)
• Sinais renais: débito renal inferior a 0.5 ml por Kg de peso corporal por hora);
• Sinais neurológicos: alteração do estado de consciência, que inclui obnubilação,
desorientação e confusão
3. Hiperlactacidémia, decorrente do metabolismo celular de oxigénio anormal; o lactato
normal é aproximadamente 1 mmol por litro, mas o nível está aumentado (superior a
1.5 mmol por litro) na insuficiência circulatória aguda.
Mecanismos patofisiológicos
Os 3 primeiros mecanismos referidos são caracterizados por uma diminuição do débito cardíaco
e transporte inadequado de oxigénio aos tecidos.
Diagnóstico diferencial
O choque séptico, uma forma de choque distributivo, é a forma mais comum em pacientes nos
cuidados intensivos, seguido de choque cardiogénico e choque hipovolémico; o choque
obstrutivo é relativamente raro.
O tipo e a causa podem parecer óbvios pela história clínica, exame físico e investigação clínica.
Devemos ressuscitar o paciente, enquanto a causa do choque não é descoberta. Uma vez
descoberta a causa, deve ser corrigida de imediato (controlo da hemorragia, intervenção
coronária percutânea nas síndromes coronárias, trombólise ou embolectomia no caso de
embolismo pulmonar, administração de antibióticos no caso de choque séptico).
A menos que a condição seja rapidamente reversível, um cateter arterial deve ser introduzido
para monitorizar a pressão arterial e fazer colheita de sangue. Também um cateter venoso deve
ser introduzido para infusão de fluídos, agentes vasoativos e para guiar a fluidoterapia.
Suporte ventilatório
O uso de agentes sedativos deve ser feito com precaução, uma vez que pode estar associado a
uma queda abrupta da pressão arterial e output cardíaco.
Reposição de fluidos
Terapia com fluidos serve para aumentar o fluxo sanguíneo microvascular e o aumentar o débito
cardíaco, mas devemos ter cuidado porque a administração de fluídos pode agravar edema
existente.
Agentes vasoativos
Vasoconstritores
Nas formas de choque distributivo, no qual ocorre geralmente uma diminuição da quantidade
de ADH/vasopressina, a sua administração pode elevar a PA.
Agentes inotrópicos
Vasodilatadores
Ocorre com um balão intraaórtico que reduz a pós-carga do ventrículo esquerdo e aumenta o
fluxo sanguíneo das coronárias. Mas esta intervenção não é recomendada de momento por não
ter demonstrado ter um impacto significativo na redução da mortalidade.
A sépsis é uma resposta inflamatória sistémica a infeção. Pode resultar de diversas causas e a
septicémia pode ou não estar presente.
Classifica-se como sépsis severa/grave quando está associada a disfunção orgânica aguda.
Choque séptico: sépsis complicada quer por hipotensão que é refratária a reposição de fluidos
ou por hiperlactacidémia.
Agentes:
Fatores de risco para sépsis grave → relacionados tanto com a predisposição do paciente para
infeções como com a sua probabilidade de desenvolver disfunção orgânica aguda se se
desenvolver uma infeção.
Características clínicas
Os sinais da infeção e da disfunção orgânica podem ser subtis. A disfunção orgânica atinge mais
frequentemente os sistemas cardiovascular e respiratório.
• Respiratório: ARDS, definida por hipoxémia com infiltrados bilaterais sem origem
cardíaca.
• Cardiovascular: manifesta-se com hipotensão e níveis elevados de lactato.
• O cérebro e os rins são bastante
afetados.
o A disfunção do SNC é
tipicamente manifestada
como delirium e
obnubilação. Estudos
imagiológicos não
mostram geralmente
lesões focais e os
achados no
eletroencefalograma são
consistentes geralmente
com encefalopatia não
focal.
o A lesão aguda renal
manifesta-se com uma
diminuição do débito
urinário e aumento do
nível sérico de
creatinina, que pode ter
de ser resolvido com
hemodiálise.
• A polineuropatia e a miopatia
são comuns, especialmente em
pacientes que permaneceram um longo período de tempo nos cuidados intensivos.
• Íleo paralítico;
• Níveis de aminotransferases elevados, glicémia alterada;
• Trombocitopénia e coagulação intravascular disseminada;
• Disfunção adrenal;
• Euthyroid sick syndrome
Outcome
Patofisiologia
Resposta do hospedeiro
Em geral, são as reações pró-inflamatórias dirigidas à eliminação dos patogénios que são
responsáveis pela lesão colateral dos tecidos, enquanto que os mecanismos anti-inflamatórios
estão implicados na suscetibilidade a segundas infeções.
Imunidade inata
Os recetores TLRs, C-type lectin receptors, retinoic acid inducible gene 1–like receptors, e
nucleotide-binding oligomerization domain–like receptors reconhecem estruturas que são
conservadas na maioria dos micróbios (PAMPs - pathogen-associated molecular patterns). Isto
resulta na up-regulation da transcrição de genes inflamatórios e à iniciação da imunidade inata.
Estes recetores também percebem a lesão celular (DAMPs - damage-associated molecular
patterns – e alarminas – B1, S100, RNA, DNA e histonas). As alarminas são libertadas durante o
trauma.
Anormalidades da coagulação
A sépsis está geralmente associada a distúrbios da coagulação, podendo mesmo estar presente
a coagulação intravascular disseminada.
• O input sensorial é feito pelas fibras aferentes do nervo vago até ao bulbo raquidiano.
As fibras eferentes do nervo vago ativam o nervo esplénico no plexo celíaco, que
desencadeia a libertação de norepinefrina nas células do baço e de acetilcolina por
células T CD4+. A acetilcolina atua sobre os recetores colinérgicos α7 ao nível dos
macrófagos, inibindo a secreção de citocinas pró-inflamatórias.
Os pacientes que sobrevivem à sépsis inicial e que permanecem dependentes têm evidência de
imunossupressão, em parte por expressão reduzida do HLA-DR em células mieloides. Estes
pacientes frequentemente têm foci infecciosos permanentes, apesar de terapêutica
antimicrobiana, ou reativação de infeção viral latente.
Terapêutica
O choque vasodilatador por ser a via comum final de choque severo e duradouro de qualquer
causa. Em pacientes com marcada hipotensão e diminuição da perfusão tecidual devido a
choque cardiogénico ou hipovolémico, a correção do problema inicial pode não curar a
hipotensão, porque pode acontecer a seguir vasodilatação. Por exemplo, o choque
vasodilatador pode seguir-se a restituição de volume em pacientes que tiveram hipotensão
prolongada e severa devido a hemorragia, o que é conhecido como a última fase do choque
cardiogénico. Também pode acontecer em pacientes com insuficiência cardíaca grave que foram
tratados com aparelhos de assistência mecânicos e com bypass cardiopulmonar prolongado.
Outras condições que são caracterizadas por colapso cardiovascular e que se podem associar a
vasodilatação incluem acidose láctica devido a intoxicação por metformina, algumas doenças
mitocondriais, envenenamento por cianeto, etc.
Devido à sua importância clínica, o choque séptico é a forma mais estudada de choque
vasodilatador. Contudo, as generalizações devem ser feitas com precaução, uma vez que é
provável que diferentes mecanismos sejam ativados em diferentes tipos de choque
vasodilatador. Apesar disso, devem existir mecanismos comuns entre os diferentes tipos de
choque vasodilatador. Foram implicados 3 mecanismos nesta síndrome:
Conclusão:
As 4 grandes definições de ARDS evoluíram ao longo dos anos, mas retiveram as características
centrais da descrição inicial da doença feita há 50 anos (taquipneia, hipoxemia refratária e
opacidades difusas no RX tórax após infeção ou trauma).
Como a permeabilidade pulmonar, o edema e a inflamação não são medidos rotineiramente na
clínica e não existem biomarcadores diagnósticos disponíveis, estas definições baseiam-se nas
manifestações clínicas e na imagiologia do tórax.
Definição de Berlim:
A ARDS não se desenvolve na maioria dos pacientes com fatores de risco (pneumonia, sépsis ou
trauma), o que sugere que outros fatores, incluindo suscetibilidade genética, desempenham um
papel na patogénese deste distúrbio. Contudo, diferenças nos fatores de virulência (ex: H1N1
influenza), condições coexistentes (ex: pneumonia pneumocócica após esplenectomia) e
exposição ambiental (consumo álcool ou tabaco ou práticas ventilatórias mecânicas lesivas)
podem complicar a interpretação dos achados genéticos.
Patogénese
A resposta inicial do pulmão à lesão (fase exsudativa) é caracterizada por dano mediado por
células imunes inatas na barreira alveolar endotelial e epitelial e acumulação de edema rico em
proteínas dentro do interstício e nos alvéolos. Os macrófagos residentes nos alvéolos secretam
citocinas pró-inflamatórias, levando ao recrutamento de neutrófilos e monócitos ou
macrófagos, bem como à ativação de células epiteliais alveolares e células T efetoras,
promovendo e sustentando inflamação e lesão tecidual. A ativação endotelial e a lesão
microvascular também contribuem para a disrupção da barreira na ARDS e pioram por
estiramento mecânico.
Os processos de reparação que se iniciam durante a fase proliferativa da ARDS são essenciais
para a sobrevivência do doente. Uma vez que a integridade epitelial seja reestabelecida, a
reabsorção do edema alveolar e a matriz provisória restaura a função e arquitetura alveolar.
A fase final é a fase fibrótica, que não ocorre em todos os pacientes, mas que foi associada a
ventilação mecânica prolongada e a aumento da mortalidade.
A lesão é iniciada na estrutura alveolar
do pulmão distal e na
microvasculatura associada. Na fase
exsudativa, os macrófagos alveolares
residentes são ativados, levando a
libertação de mediadores pró-
inflamatórios e a quimiocinas que
promovem a acumulação de
neutrófilos e monócitos. Os neutrófilos
ativados contribuem ainda mais para a
lesão ao libertarem mediadores
tóxicos. A lesão resultante leva a perda
da função da barreira, bem como a
extravasamento para o interstício e
para dentro dos alvéolos. A expressão
de fator tecidual mediada pelo TNF
promove a agregação plaquetária e a
formação de microtrombos, bem
como a coagulação intraalveolar e a
formação de membranas hialinas.
1. Terapêutica de suporte
2. Terapêutica farmacológica
Nenhuma terapêutica farmacológica mostrou reduzir a mortalidade nem a curto nem a longo
prazo.
• NO inalado
• Glucocorticoides
3. Prevenção
Boas práticas nas unidades de cuidados intensivos, reposição de volume e antibióticos na sépsis,
estratégias restritivas de uso de produtos sanguíneos, …
Diagnóstico diferencial
A história clínica e o exame objetivo são vitais, uma vez que condições diferentes podem
produzir anormalidades laboratoriais semelhantes. Por exemplo, a insuficiência cardíaca
terminal e a coagulação intravascular disseminada produzem trombocitopénia e alterações
semelhantes nos testes de coagulação, e, no entanto, o tratamento e o prognóstico são muito
diferentes.
O esfregaço de sangue periférico é um instrumento vital para confirmar uma baixa contagem de
plaquetas e a presença/ausência de outras características diagnósticas, como fragmentação de
eritrócitos, anormalidades morfológicas das plaquetas ou evidência de displasia ou deficiência
hematínica.
Uma vez que seja determinado que a causa da coagulopatia não é a resposta a agentes
terapêuticos que modificam a resposta coagulativa (tratamento com antagonistas da vitamina
K, heparinoides ou inibidores diretos do fator Xa ou IIa), é necessário avaliar o padrão da
hemorragia, que pode incluir petéquias e hemorragia das mucosas nos distúrbios plaquetários,
hemorragias lentas de superfícies desepitelizadas e hemorragias rápidas devido a lesão em
grandes vasos.
Hemorragia major
O ácido tranexâmico deve ser administrado em todos os pacientes com hemorragia major após
trauma. Pacientes que receberam ácido tranexâmico dentro de 3 horas após a lesão tiver
redução na mortalidade por hemorragia. A administração do ácido tranexâmico deve ser feita o
mais rapidamente possível após a lesão, uma vez que este fármaco deixa de oferecer benefício
e está associado a aumento da mortalidade se for administrado mais de 3h após a lesão. A
incidência de trombose não foi aumentada nos pacientes. Estudos mostram que o ácido
tranexâmico reduz a necessidade de transfusão sanguínea em cirurgias, apesar do seu efeito nos
eventos tromboembólicos e na mortalidade destes pacientes permanecer incerto.
Não existem evidências que apoiem o uso profilático de plasma congelado para corrigir
alterações nos testes da coagulação (tempo de protrombina, APTT e fibrinogénio) antes de
procedimentos invasivos. A ingestão na dieta de vitamina K, que é necessária para a formação
dos fatores de coagulação II, VII, IX e X, pode ser inadequada nos cuidados intensivos. Apesar da
falta de evidências e da incapacidade da vitamina K de corrigir coagulopatias causadas por
doença hepática, neste artigo recomenda-se a suplementação com vitamina K em pacientes cos
cuidados intensivos em risco.
É uma síndrome adquirida caracterizada por ativação intravascular da coagulação com perda
de localização, que ocorre devido a diferentes causas. Esta condição tipicamente origina-se na
microvasculatura e pode causar lesões a ponto de levar à disfunção orgânica.
O consumo das proteínas da coagulação e das plaquetas provoca uma tendência à hemorragia,
com trombocitopenia, PT e APTT prolongados, hipofibrinogenémia e níveis elevados de
produtos de degradação da fibrina, como os D-dímeros. Os anticoagulantes fisiológicos também
são consumidos no processo de inibir os fatores de coagulação ativados. Na coagulação
intravascular disseminada fulminante, o consumo e aporte diminuído de plaquetas e de
proteínas da coagulação resulta em oozing em locais de acesso vascular e em feridas, mas
ocasionalmente causa hemorragia grave.
A abordagem desta condição consiste no tratamento da causa (ex: sépsis). Podem não ser
necessários outros tratamentos em pacientes com anormalidades médias na coagulação e sem
evidência de hemorragia. As guidelines sugerem reposição de proteínas da coagulação e
plaquetas em pacientes com hemorragia. A transfusão plaquetária é indicada para manter um
nível plaquetário superior a 50 000/mm3, em conjunto com a administração de plasma
congelado e fibrinogénio.
Trombocitopénia
Mecanismos fisiopatológicos
Diagnóstico diferencial:
Causas imunológicas
Como regra geral, uma redução abrupta da contagem plaquetária com história de cirurgia
recente sugere uma causa imunológica ou reação adversa à transfusão (púrpura pós-transfusão
ou trombocitopenia induzida por fármacos).
Púrpura pós-transfusional
É um distúrbio hemorrágico raro causado por aloanticorpos específicos para plaquetas – HPA-
1a (anti-human platelet antigen 1a) no paciente que recebe a transfusão. Os HPA-1ª reagem
com as plaquetas do dador, destruindo-as, e também com as plaquetas do recipiente. A maioria
dos pacientes são mulheres multíparas que sofreram sensibilização durante a gravidez.
Microangiopatias trombóticas
Doença hepática
Se ocorrer hemorragia na doença hepática, está comprovado que uma abordagem restritiva de
transfusão (limiar – nível Hb < 7g/dL) em pacientes com hemorragia GI aguda está associada a
maiores taxas de sobrevivência e menores taxas de hemorragias adicionais, quando comparada
com uma estratégia liberal (limiar – nível Hb < 9g/dL). Para além disso, a estratégia liberal, ao
contrário da restritiva, foi associada a aumento da pressão da circulação portal.
Em pacientes com doença hepática e testes laboratoriais que indiquem uma síntese anormal de
fatores de coagulação, deve-se administrar-se vitamina K para ajudar à síntese dos fatores de
coagulação.
A doença hepática leva a alterações hemostáticas complexas, uma vez que o fígado produz os
fatores de coagulação, anticoagulantes fisiológicos e trombopoietina, sendo também o local
do metabolismo dos resíduos de ácido siálico do fibrinogénio, dos fatores de coagulação
ativados e do ativador do plasminogénio tecidual. Estes defeitos resultam em diminuição da
reserva coagulativa, disfibrinogenémia e aumento do potencial fibrinolítico.
Doença renal
A disfunção plaquetária resulta de alterações que incluem disfunção do fator de von Willebrand,
diminuição da produção de tromboxano, aumento dos níveis de AMPc e GMPc, toxinas
urémicas, anemia e grânulos plaquetários alterados.
A anemia que acompanha frequentemente a doença renal leva a perda do fluxo laminar nas
arteríolas, pelo que os eritrócitos já não empurram as plaquetas para o endotélio, levando a
prolongamento do tempo de hemorragia; o tratamento da anemia pode corrigir parcialmente
este problema. A fibrinólise também pode estar comprometida em pacientes com doença renal.
Hemorragia fibrinolítica
A hiperfibrinólise consiste na fibrinólise excessiva que afeta a integridade dos coágulos. Esta
condição é difícil de diagnosticar devido à ausência de um teste de rotina específico. Deve-se
suspeitar em casos nos quais a hemorragia continua apesar de terapêutica de reposição
hemostática, quando os níveis de plaquetas estão relativamente conservados, mas os de
fibrinogénio estão desproporcionalmente reduzidos, e os níveis de D-dímeros estão
desproporcionalmente elevados.
A hemorragia fibrinolítica deve ser considerada particularmente em pacientes com doença
hepática ou com cancro disseminado. O uso de ácido tranexâmico é benéfico no controlo da
hemorragia.
A doença de von Willebrand adquirida também pode ocorrer em pacientes nas unidades de
cuidados intensivos. Pode ser causada por vários mecanismos: autoanticorpos, distúrbios
mieloproliferativos e linfoproliferativos, ou pela quebra de multímeros do fator de von
Willebrand devido a elevado stress de cisalhamento intravascular ou em circuitos
extracorporais.
É tratada usando quer desmopressina, que estimula a libertação de fator de von Willebrand
armazenado nas células endoteliais, quer através de concentrado de fator de von Willebrand,
sendo este considerado a terapêutica mais eficaz. Pode ser considerado o uso de
antifibrinolíticos e, quando presente, deve-se remover a causa do elevado stress de
cisalhamento.
A insuficiência renal aguda é definida como a rápida diminuição da TFG num período de minutos
a dias. Como a taxa de produção de resíduos metabólicos excede a taxa de excreção renal nesta
circunstância, as concentrações séricas de marcadores da função renal (creatinina e ureia)
aumentam.
Na azotémia pré-renal e pós-renal há recuperação completa 1-2 dias após a remoção do fator
lesivo → a perfusão normal/fluxo urinário é reestabelecido antes que ocorram alterações
estruturais.
As duas formas de insuficiência renal aguda isquémica – azotémia pré-renal e necrose tubular
aguda – representam mais de metade dos casos de insuficiência renal dos pacientes
hospitalizados. Pacientes com insuficiência renal aguda isquémica tipicamente apresentam
baixa perfusão sistémica, por vezes causada por depleção de volume, apesar de a sua PA não
diminuir drasticamente, mas sim manter-se nos níveis normais. Nestes casos, na ausência de
hipotensão franca, os clínicos podem especular se uma diminuição não observada da PA poderá
ter causado a insuficiência renal. Apesar de este cenário não poder ser excluído, podem ser
identificados outros mecanismos. Este tipo de insuficiência renal aguda isquémica (normotensa)
pode ocorrer devido a vários processos, sendo que a maioria destes envolve o aumento da
suscetibilidade do rim a reduções modestas da pressão de perfusão. Felizmente, os fatores que
levam a insuficiência renal isquémica em pacientes com PA aparentemente normal são
discerníveis a maioria das vezes, pelo que o reconhecimento destes fatores permite um
diagnóstico precoce e facilita as intervenções que podem ajudar a
reestabelecer a hemodinâmica renal normal.
Condições em que esta perturbação se pode desenvolver incluem hipertensão, doença renal
crónica, e idade avançada. Outras incluem cirrose, infeção, EAM e insuficiência cardíaca
congestiva, bem como diminuição da ingestão de alimentos. Para além disso, os diuréticos
diminuem o volume extracelular, podendo comprometer o débito cardíaco, e os AINEs e os
IECAs interferem com a autorregulação do rim.
Na insuficiência renal aguda isquémica clássica, quando um paciente entra em choque, o médico
deve procurar uma diminuição no débito urinário e um aumento na concentração de creatinina
sérica. Na variante normotensiva, quando o débito urinário diminui ou a creatinina aumenta, o
médico deve procurar a presença de um estado de baixa perfusão que pode não ter sido
aparente. No 1º dia em que a creatinina aumenta, a PA geralmente está abaixo do normal do
paciente.
• O paciente poderia estar na fase inicial de sépsis mas no início do quadro não ter febre
ou outros sintomas localizadores. Estes pacientes geralmente têm um ou mais dos
seguintes sinais e sintomas: hipotermia, confusão, extremidades frias, leucocitose,
“bandemia” (nível elevado de leucócitos em bandas), leucopénia ou acidose láctica
inexplicável.
• Um paciente estável que recebe diuréticos para tratamento de hipertensão ou
insuficiência cardíaca congestiva pode manifestar anorexia, parar de comer por outra
razão ou diminuir a ingestão de sal. O balanço de sódio progressivamente negativo
resulta em depleção de volume e a uma descida da PA.
Para além de verificar estados de baixa perfusão, os médicos devem tentar identificar fatores
de suscetibilidade para isquémia renal. Uma vez que a insuficiência renal aguda isquémica
normotensiva é multifatorial, podem estar presentes vários estados de baixa perfusão e vários
fatores de suscetibilidade. É importante perguntar ao doente se se automedica com AINEs, e
verificar as concentrações de cálcio. A sépsis, a hipercalcémia e a síndrome hepatorrenal podem
causar estados de baixa perfusão e aumentar a resistência da arteríola aferente.
Os fatores de suscetibilidade podem por vezes resultar em insuficiência renal aguda isquémica
na ausência de estados de baixa perfusão. Nestes casos, os fatores resultam em vasoconstrição
renal grave que cause redução crítica da função renal. Exemplos são agentes de radiocontraste
dados a pacientes com doença renal crónica, e ciclosporina, tacrolimus, AINEs ou inibidores da
COX-2 em doses muito elevadas ou supraterapêuticas.
Pacientes com hipertensão maligna, estenose unilateral da artéria renal ou estenose bilateral
da artéria renal apresentam hipertensão severa, mas também apresentam comprometimento
da perfusão renal.
Uma vez que sejam reconhecidos estados de baixa perfusão e fatores de suscetibilidade, pode
ser feito o diagnóstico, suportado por achados laboratoriais e por uma resposta à terapêutica.
Achados laboratoriais
Estados de baixa perfusão desencadeiam mecanismos de conservação de água e Na. Portanto,
na altura em que a pressão capilar glomerular e a TFG diminuem, o túbulo renal reabsorve mais
água e Na, o que também pode aumentar a reabsorção passiva de ureia. Portanto, a densidade
da urina está aumentada, enquanto a excreção urinária de sódio e ureia diminui, e o rácio ureia
plasmática/creatinina plasmática aumenta de 10:1 para 20:1 ou superior.
Se a isquémia continuar e causar necrose tubular aguda, os túbulos lesados não vão conseguir
aumentar a reabsorção de água, Na e ureia → a urina torna-se isostenúrica, semelhante à do
plasma, a excreção urinária de Na e ureia aumenta e o rácio ureia plasmática/creatinina
plasmática diminui de volta para os 10:1. O sedimento urinário apresenta células tubulares e
detritos, formando aglomerados granulares acastanhados.
Muitos pacientes apresentam um intermédio entre azotémia pré-renal e necrose tubular aguda
devido à presença de achados mistos.
Terapêutica e resposta
Os estados de baixa perfusão e os fatores de risco para isquémia renal são muitas vezes
tratáveis, pelo que devem ser identificados e resolvidos precocemente. Se possível, a PA que
esteja no extremo inferior dos valores normais deve ser aumentada através de correção de
hipovolémia ou por redução da dose/descontinuação de medicação antihipertensiva e de outros
medicamentos que baixem a PA. Deve verificar-se se existe alguma infeção e trata-la. Se ainda
não tiver ocorrido necrose tubular aguda, a terapêutica pode reverter o aumento da
concentração de creatinina em 24-48 horas. Por outro lado, quando já há necrose tubular aguda,
são necessários vários dias para se notar melhoria do quadro, mesmo após tratar as causas
subjacentes.
Uma vez que estas pessoas são altamente suscetíveis a lesão renal recorrente, depleção de
volume e hipotensão, devem ser evitados AINEs e fármacos nefrotóxicos, anestesia
desnecessária, e quando possível cirurgia e radiocontraste.
Assim, muitos casos podem ser resolvidos rapidamente com reposição de volume, tratamento
de infeções, ou parar medicações como AINEs, diuréticos, IECAs ou ARAs.