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CARLOTA: Percentil 90 de estatura, o que significa, consultando as tabelas do

boletim de saúde infantil e juvenil, que aos 14 anos, o Jaime tem cerca de 1
metro e 74 cm.
CARLOTA: O Síndrome de Marfan é uma doença genética autossómica CARLOTA: Analisando mais detalhadamente o gene da fibrilina-1:
dominante, com uma prevalência de 1 para 5000 ou 1 em 5 para cada 10.000 A fibrilina-1 é constituída por múltiplos domínios:
indivíduos, dependendo da bibliografia. -47 domínios homólogos do fator de crescimento epidérmico EGF. Dos quais
Descrita pela primeira vez em 1896 por um pediatra francês Antonin Marfan, 43 são domínios do EGF ligado ao cálcio.
que caracterizou como uma síndrome caraterística em pacientes com Os domínios do tipo EGF são intercalados por 7 módulos do tipo proteína de ligação
aracnodactilia (dedos das mãos e pés muito compridos e delgados). do fator de crescimento transformador beta (TGF) -β e proteínas de ligação do TGF-β
Neste síndrome existe distúrbio do tecido conjuntivo, resultante em 90% dos latentes estruturalmente relacionadas (LTBPs).
casos de mutações do gene da fibrilina-1 localizado no braço longo do Contém ainda um módulo híbrido com características do domínio EGF ligado ao
cromossoma 15, na região 2, banda 1, sub-banda 1. Ca2+. E próximo do seu N terminal apresenta um módulo rico em prolina.
A fibrilina-1 é uma glicoproteína e é o principal componente das microfibrilas Os domínios EGF são essenciais na estabilização tridimensional da
da matriz extracelular, portanto a fibrilina 1 polimeriza-se para formar as glicoproteína através de ligações dissulfureto entre 6 resíduos de cisteína
microfibrilas que formam a periferia da fibra elástica, atuando como um andaime existente em cada domínio. Os domínios do EGF ligado ao Ca2+ têm um papel
para a deposição de elastina. Assim, as microfibrilas fornecem elasticidade e suporte fundamental na proteção da proteólise da glicoproteína, na promoção da
estrutural de longo prazo aos tecidos elásticos presentes nos pulmões, vasos interação entre os monómeros de fibrilina-1 e outros componentes das
sanguíneos, pele, rins e músulos. Também são fundamentais no suporte estrutural microfibrilas componentes da matriz extracelular. Por isso, mutações neste gene
em tecidos não elásticos, como a zonula ciliar, os tendões e a córnea afetam a síntese, processamento, secreção, polimerização ou estabilidade da fibrilina
1. É inibida a formação de fibrilina 1 normal ou estimula uma proteólise inadequada.
Dentro da síndrome de Marfan típica, menos de 10% dos indivíduos afetados É importante referir que a haploinsuficiência também colabora para a patogenia do
apresentam total deleção do gene ou alteração da sua regulação. síndrome e que as mutações induzem perda de função, são dominante negativas.
E 20 a 35% dos pacientes apresentam mutações de novo. Os restantes domínios quando mutados vão estar associados a disfunção da
sinalização TGF-beta, interação com integrinas e fatores de crescimento e
diferenciação celular GDF e BMP.
superior) ou Micrognatia (mandíbula pequena), e fissuras palpebrais inclinadas para
inferior.

ANA: Tendo em consideração a informação já abordada, como devem imaginar o


síndrome de Marfan induz um distúrbio multissistémico, devido à presença de fibrilina
1 em diversos tecidos e às funções associadas. Sendo um exemplo de uma doença
pleotrópica, que acontece quando um único gene controla diversas características do
fenótipo que muitas vezes não estão relacionadas.

Vamos ter manifestações esqueléticas que conduzem frequentemente à suspeita


diagnóstica. Para além das anomalias esqueléticas já descritas como a
Aracnodactilia, apresentam estatura desproporcionalmente, como é o caso do Jaime
do caso clínico, com membros superiores e inferiores muito longos. Deformidades no
tórax como o pectus escavatum ou pectus carinatum devido ao aumento do
crescimento longitudinal das costelas. Escoliose toracolombar, flacidez das
articulações e palato estreito. Camptodactilia (flexão permanente de uma ou mais
articulações interfalângicas de um ou mais dedos, mas geralmente do dedo mínimo),
geralmente em crianças com grave e rápida progressão da doença.
Várias características faciais estão tipicamente presentes:
-dolicocefalia - crânio alongado, cujo diâmetro ântero-posterior é sensivelmente
maior que o transversal,
-palato ogival - palato alto e arqueado,
-sobreposição dentária,
-malares deprimido
-pode existir retrognatismo (maxilar inferior posterior significativamente ao maxilar
ANA: A principal manifestação cardiovascular consiste na dilatação da raiz da aorta ANA: Anomalias pulmonares incluem o pneumotórax espontâneo e um padrão
e da aorta ascendente proximal, resultante da desorganização e fragmentação das ventilatório restritivo condicionado por grave deformação do esterno ou ca coluna
fibras elásticas na túnica média da aorta, o que induz um aumento da rigidez e uma vertebral.
diminuição da elasticidade/distensibilidade da parede da aorta. Mais tarde, pode
existir calcificação difusa na túnica média da aorta, porque a rede microfibrilar com Relativamente a manifestações oculares a mais comum é a luxação do cristalino
esta desorganização fica mais suscetível à deposição de cálcio. (ectopia lentis) presente em 60-80% dos casos, e é o caso do pai do Jaime.
Pode existir dissecção da aorta, que é a principal causa de morte prematura nos O cristalino é a lente do olho, responsável por focalizar os raios de luz sobre a retina,
doentes, sendo que 50% dos doentes com uma disseção aórtica e idade inferior a 40 na qual a imagem é formada.
anos apresentam a Síndrome de Marfan. A subluxação do cristalino, consiste na adoção de um posicionamento incorreto do
Secundariamente à dilatação da raiz aórtica, os pacientes podem apresentar cristalino a partir de sua localização anatômica correta. Esta condição pode ser
insuficiência da válvula aórtica com regurgitação, prolapso das válvulas auriculo- assintomática ou causar astigmatismo leve, distorção óptica, uveíte...
ventriculares. Assim existirá dilatação e compromisso da função ventricular esquerda
e hipertensão pulmonar. Podem ainda ocorrer miopia precoce e severa, descolamento da retina, início
precoce de cataratas ou glaucoma, córnea achatada e hipoplasia (desenvolvimento
Adicionalmente podem se desenvolver aneurismas na aorta ascendente e torácica. deficiente de um órgão ou de uma estrutura por alteração de desenvolvimento) da
Arritmias cardíacas são comuns e uma potencial causa de morte súbita. íris.
E alterações morfofuncionais das válvulas auriculo-ventriculares correlacionam-se
com a sinalização TGF-beta. Outras manifestações sistémicas incluem estrias atróficas cutâneas e hérnias
inguinais, tanto na altura do nascimento como na adolescência, com risco elevado de
recorrência após cirurgia. Bem como a ectasia da dura máter com alargamento do
canal raquidiano ao nível da região lombo-sagrada.

Como referido a maior causa de morte prematura nestes pacientes corresponde à


disseção da aorta, contudo com o acompanhamento médico, aconselhamento de
exercício físico restrito, tratamento farmacológico com bloqueadores beta e IECAS e
cirúrgico da dilatação da aorta aperfeiçoado, a sobrevida dos pacientes melhorou.
Passando de 32 anos em 1972, para 72 anos em 1993. Mas um diagnóstico precoce
é fundamental.

Outras manifestações sistémicas incluem estrias atróficas cutâneas e hérnias


inguinais, tanto na altura do nascimento como na adolescência, com risco elevado de
recorrência após cirurgia. Bem como a ectasia da dura máter com alargamento do
canal raquidiano ao nível da região lombo-sagrada.

Como referido a maior causa de morte prematura nestes pacientes corresponde à


disseção da aorta, contudo com o acompanhamento médico, aconselhamento de
exercício físico restrito, tratamento farmacológico com bloqueadores beta e IECAS e
cirúrgico da dilatação da aorta aperfeiçoado, a sobrevida dos pacientes melhorou.
Passando de 32 anos em 1972, para 72 anos em 1993. Mas um diagnóstico precoce
é fundamental.
Alguns estudos indicam que podem existir variações fenotípicas devido a etnias, p.e.
famílias hispânicas que apresentaram mutações no gene FBN1 que resultam em
manifestações cardiovasculares sem manifestações esqueléticas, enquanto doentes
coreanos apresentam sobretudo dilatação e disseção aórtica, mas reduzida
percentagem de manifestações oculares e esqueléticas.

CARLOTA: Nos pacientes com síndrome de Marfan, foram descritas mais de 3000
mutações ao longo do gene, desde mutações pontuais, sendo a maioria missense, a
rearranjos de mutações. Estas mutações não apresentam uma correlação aparente
genótipo/fenótipo. Mais de 90% das mutações catalogadas traduzem mutações
privadas e únicas do indivíduo ou família afetados, verificando-se mesmo uma
significativa variação fenotípica no seio das famílias em que todos os indivíduos
afetados partilham a mesma mutação, pelo que se torna difícil inferir correlações
genótipo-fenótipo expressivas.
Este grau de variabilidade intra e interfamiliar sugere que fatores ambientais,
epigenéticos e estocásticos influenciam a expressão fenotípica da doença.
Contudo diversos estudos têm procurado documentar correlações genótipo-fenótipo,
sendo que a mais fortemente estabelecida corresponde ao Síndrome de Marfan
neonatal, associado a mutações nos exões 24-32, e que surge como a forma mais
severa da doença, manifestando-se logo à nascença, com uma sobrevida até aos 24
meses. Estes recém-nascidos exibem características comuns à Síndrome de Marfan
como a aracnodactilia e escoliose, e algumas particularidade fenotípicas como a
deformação das orelhas (com lobos muito grandes), contraturas congénitas em
flexão, enfisema pulmonar e descamação da pele. A principal causa de morte é a por
insuficiência cardíaca congestiva associada a regurgitação das válvulas aurículo-
ventriculares.

Embora a variabilidade clínica intrafamiliar possa ser extensa, a síndrome de Marfan


apresenta alta penetrância clínica.
CARLOTA: Também se verificou que nem todas as mutações no gene FBN1 estão CARLOTA: Adicionalmente estudos comprovaram a heterogeneidade genética em
associadas ao síndrome de Marfan. São pacientes com fenótipos clinicamente famílias de grande número, que não apresentavam alteração dos genes FBN1 e da
semelhantes à Síndrome de Marfan, mas sem cumprir os critérios nosológicos de fibrilina-2. Mas que apresentavam mutações no gene do recetor TGF-beta 2 que se
Ghent, posteriormente abordado no diagnóstico.É o exemplo do fenótipo MASS localiza no braço curto do cromossoma 3 que estão na base da Síndrome de Marfan
(miopia, prolapso da válvula mitral, dilatação da raiz da aorta sem disseção e tipo II, caraterizada por um envolvimento mais agressivo do sistema cardiovascular,
alterações cutâneas e esqueléticas) e a associação familiar de aneurismas e particularmente disseções da aorta em idades mais jovens e para diâmetros menores
disseções da aorta torácica. da artéria, lesões do sistema esquelético e envolvimento oftalmológico escasso ou
mesmo inexistente.
Adicionalmente estudos comprovaram a heterogeneidade genética em famílias de Mais tarde também se identificaram doentes com mutações pontuais no gene do
grande número, que não apresentavam alteração dos genes FBN1 e da fibrilina-2. recetor TGF-beta 1, que passou também a estar associado à Síndrome de Marfan
Mas que apresentavam mutações no gene do recetor TGF-beta 2 que se localiza no tipo II. Este apresenta o gene localizado no braço longo do cromossoma 9.
braço curto do cromossoma 3 que estão na base da Síndrome de Marfan tipo II,
caraterizada por um envolvimento mais agressivo do sistema cardiovascular,
particularmente disseções da aorta em idades mais jovens e para diâmetros menores
da artéria, lesões do sistema esquelético e envolvimento oftalmológico escasso ou
mesmo inexistente.
Mais tarde também se identificaram doentes com mutações pontuais no gene do
recetor TGF-beta 1, que passou também a estar associado à Síndrome de Marfan
tipo II.
CARLOTA: Voltando ao caso clínico. Tendo em consideração que o pai do Jaime foi
diagnosticado com Síndrome de Marfan e que vários familiares são conhecidos na ANA: Atualmente para se diagnosticar com síndrome de marfan segue-se um
consulta de genética, excluímos a possibilidade de se tratar de uma mutação de conjunto de critérios (que foram reformulados em 2010) em que:
novo. …
Tendo em consideração a sintomatologia dos familiares suspeita-se que desses
familiares, o tio do Jaime e a sua avó materna sofriam de Síndrome de Marfan, mas Pontuação z- Forma de avaliar o diâmetro da aorta. Sendo que o normal seria uma
não nos é dada confirmação diagnóstica. O Jaime mesmo não tendo diagnóstico pontuação Z é menor que 3 num adulto
confirmado apresenta características típicas do síndrome: estatura desproporcional
para a idade e uma dilatação da aorta ascendente aos 10 anos.
JAIME: 3, confirmamos SMF depois de realizarmos pontuação z e esta ser maior que
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ANA: O SMF tem um site oficial da doença que é uma grande ajuda para qualquer CARLOTA: O estudo genético para identificação do gene mutado (FBN1, TGFBRI
médico que suspeite da sindrome conseguir diagnosticar, com os devidos valores e ou TGFBRII) permitem efetuar confirmação do diagnóstico.
as guidelines. Portanto temos uma calculadora da pontuação Z e sistémica, assim Contudo, nem sempre são realizados, tudo depende do caso clínico. Se tivermos um
como o critério de diagnóstico e as guidelines para o diagnostico diferencial. indivíduo com características de Síndrome de Marfan mas sem história familiar e
ecocardiograma normal, não o fazemos. Mas no caso de suspeita, é sensato
efetuarmos uma triagem cardíaca regular.
Para além disso as nossas suspeitas aumentam quando o paciente apresenta
características da síndrome e existe história familiar de aneurismas da aorta
ascendente ou torácica ou dissecção da aorta em idades jovens, porque como
sabemos em idades a partir dos 60 anos muito provavelmente não existe
predisposição genética.
Os testes genéticos também permitem efetuar o diagnóstico diferencial como vimos
de outras síndromes.
Em Portugal, apesar do avanço da genética, o seu diagnóstico continua a basear-se
fundamentalmente nas manifestações clínicas e na presença de história familiar,
assumindo, deste modo, a anamnese e o exame objetivo, um papel fulcral.
Sendo esta uma doença de transmissão autossómica dominante, com penetrância
elevada, o estudo genético, apesar de não ser obrigatório para o diagnóstico, é
importante para orientar a terapêutica e a frequência da vigilância, na identificação
de familiares potencialmente afetados, assim como, futuramente, no diagnóstico pré-
natal, que já demonstrou sucesso na literatura. E é possível efetuar-se teste genético
pré-implantatório.
ANA: Assim: consideramos que a afirmação é verdadeira. Só rastreando é que
chegamos ao diagnostico, e o diagnostico desta sindorme permite a adequeação de
terapeutica e cirugica que aumenta muito significativamente a EMV destes doentes
(de 30 para 70 anos).
O diagnóstico do SMF por vezes é conseguido com o adiantar da idade já que
algumas caracteristicas vão surgir com o desenvolvimento, assim a avaliação de
diagnóstico deve ser ao longo de vário tempo como foi o caso do jaime que desde os
10 anos estava a fazer rastreio da dilatação da aorta.
Contudo, não esquecer que 20 a 35% dos casos resultam de mutações de novo.

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