Você está na página 1de 11

149

MIELOMENINGOCELE

José Francisco M. Salomão


Antônio Rosa Bellas

INTRODUÇÃO Tabela 1 Mielomeningocele: principais características


a. Anomalias vertebrais que incluem, entre outras, ausência de arcos
A mielomeningocele (MMC) é a forma mais frequen- posteriores, redução do diâmetro anteroposterior do canal raquidiano e
aumento da distância interpedicular
te de espinha bífida cística (EBC) e corresponde a meta-
b. Anomalia estrutural da medula espinal caracterizada por placódio
de dos defeitos do fechamento do tubo neural (DTNs), neural, ou placa neural, mediaimente localizado em níveis torácicos
incidindo em aproximadamente 0,5/1.000 nascidos vi- inferiores, lombares e sacros, exteriorizada por defeito dos arcos
vos1·5·21·26·52·53·1º1É a mais complexa malformação do sis- vertebrais posteriores e sem revestimento cutâneo
tema nervoso central compatível com sobrevida prolon- c. Cisto contendo líquido cefalorraquidiano (LCR), que excede os limites
do canal vertebral, em parte constituído por meninge que se confunde
gada, localizando-se preferencialmente nas regiões mais
mediaimente com o placódio e lateralmente com epiderme de
baixas da coluna vertebral.92 As suas principais caracte- espessura variável
rísticas encontram-se relacionadas na Tabela 1.96•98 d. Dura-máter aderida à epiderme remanescente e demais tegumentos,
Nos últimos trinta anos houve uma importante mu- em continuidade com o estojo durai normal acima e, em alguns casos,
dança de atitude em relação à correção dessas malfor- abaixo do defeito
mações, não mais se justificando critérios de seleção, pois e. Associação à malformação de Chiari do tipo li (MCh li)
sabe-se que os maiores limitativos intelectuais são infec- f. Associação a hidrocefalia, na maioria dos casos
ções do SNC e hemorragias intracerebrais.54·61·63·1º5 As- g. Associação a anomalias encefálicas, medulares, nervosas, esqueléticas
sim, a tendência atual é oferecer tratamento vigoroso e e viscerais
agressivo aos pacientes que não tenham outras malfor-
mações incompatíveis com a vida. Ademais, as recentes
técnicas de tratamento intrauterino do defeito abrem no- HISTÓRICO
vas perspectivas para o tratamento e prognóstico dos pa-
cientes.1·2 Van Forest, em 1610, descreveu o primeiro caso de
Os pacientes com MMC têm sobrevida prolongada EBC e promoveu a ligadura do pedículo de uma lesão
e muitos têm quociente intelectual normal. Por deman- cervical, tendo a criança falecido após o procedimen -
darem cuidados especiais, seu acompanhamento é cau- to. 33·35 Tulp, em 1641, introduziu o termo spina bifida, re-
sa de intenso desgaste emocional para os cuidadores. Por latou seis casos e observou estruturas nervosas em seu
necessitarem de assistência médica ao longo de toda a interior.33·35 Ruysch, em 1691, publicou 10 casos de MMC,
vida, os custos financeiros são imensuráveis. Por serem afirmando que a malformação se desenvolvia durante a
em grande parte oriundos dos estratos menos favoreci- vida intrauterina e se associava a hidrocefalia.33 Morgag-
dos da sociedade, o acesso às modernas tecnologias nem ni, em 1769, concluiu serem essas lesões relacionadas à
sempre é disponível. Outro aspecto é o reconhecimento hidrocefalia e à hidromielia associadas. 35 Cruveilhier, em
e tratamento precoce de complicações que possam pôr 1832, postulou que a MMC era uma malformação fetal
em risco sua vida ou função. É importante ressaltar que, e fez detalhada descrição da que seria posteriormente
mesmo após décadas de acompanhamento, a mortalida- conhecida como malformação de Arnold-Chiari ou MCh
de e a morbidade não se estabilizam e são, em grande 11.33 Lebedeff, em 1881, descreveu um caso de mielome-
parte, consequência de disfunções em sistemas de deri- nigocele associada a anencefalia e sugeriu a influência de
vações ventriculares. fatores genéticos e ambientais. 37·51 Cleland, em 1883, des-
1734 Tratado de Neurocirurgia

creveu as herniações cerebelares que seriam detalhadas


por Chiari em 1891e1896.46 Von Recklinghausen, em
1886, afirmou que a spina bifida cistica era um defeito de
fechamento do tubo neural. 1º9
Na época, as diversas técnicas de tratamento incluíam
punção, ligadura, esclerose e compressão do cisto, com
resultados desastrosos.34 As modernas técnicas de repa-
ro por camadas e a rotação de retalhos cutâneos foram
introduzidas no início do século passado, após o adven-
to da anestesia geral. 37•45

EPIDEMIOLOGIA

A incidência mundial média de DTNs é estimada Figura 1 A hemimie lomeningoce le combina defeito da gas-
trulação e da ne urulação primária. (A) Placódio lateralizado. (B)
em 1/1.000 nascidos vivos, divididos igualmente entre Malformação da medula fendida do t ipo 1 (diast ematomielia)
EBC e anencefalia. 52 A maior atenção das entidades de com placódio à esquerda (HM) e septo cartilaginoso (SC) inter-
saúde pública, o aconselhamento genético, a melhora dos posto entra as hemimed ulas .
cuidados pré-natais, os novos métodos diagnósticos, bem
como a suplementação dietética e o enriquecimento de
alimentos com ácido fólico, resultaram em acentuado hidrodinâmica, segundo a qual o tubo neural já fechado
declínio na incidência de DTNs. 17,21,52,53•1º1•1º3 Na Améri- reabriria em função de forças hidráulicas que atuariam
ca do Sul, a sua incidência, estimada em 5,1/10 mil nas- sobre o canal central da medula, é de difícil aceitação
cidos vivos, decaiu significativamente após a introdução pela maioria dos embriologistas.35•83 Seja qual for o me-
do ácido fólico nas dietas. 15,53 O risco de recidiva de DTNs canismo envolvido, o tubo neural permanece aberto em
após um primeiro evento é estimado em 5%, triplican- extensão variável, sem proteção da epiderme e sujeito
do após um segundo filho malformado. 14 A incidência aos efeitos deletérios do líquido amniótico.
familiar varia entre 2 e 6%. Os mais importantes fatores
ambientais são relacionados às más condições de saúde, ETIOLOGIA E GENÉTICA
higiene e nutrição. 52•75
A neurulação depende de uma precisa organização
EMBRIOPATOGENIA temporal e espacial da expressão de múltiplos genes em
níveis determinados e que também envolvem separada-
Os disrafismos espinais resultam de alterações do mente as porções anterior e posterior do tubo neural. Ci-
desenvolvimento embrionário durante a gastrulação, a tem-se como exemplos a proteína Sonic Hedgehog (SHH),
neurulação primária e a neurulação secundária. Na gas- essencial à indução da porção ventral do tubo neural, e
trulação desenvolve-se o embrião trilaminar formado os membros da família do fator de crescimento beta (TGF-
por ectoderma, mesoderma e endoderma. A mielome- -B) que participam da formação de porção dorsal do
ningocele é um defeito da neurulação primária. A neu- mesmo. Admite-se que a mutação de grande quantida-
rulação secundária envolve alterações regressivas na cau - de de genes seja reponsável por DTNs em animais, mas,
da do embrião, já totalmente recoberto por pele. 52•72 A em humanos, a etiologia é multifatorial, coexistindo fa-
superposição cronológica dos estágios embriológicos tores genéticos e ambientais em quantidade e natureza
pode resultar em múltiplas malformações e um clássico não determinadas. 14•25
exemplo é a hemimielomeningocele, na qual coexistem A possibilidade de deficiências vitamínicas serem
defeitos da neurulação primária e da gastrulação (Figu- causadoras de DTNs foi sugerida pela primeira vez por
ra 1). A descrição detalhada do desenvolvimento em- Smithells et al., em 1983. 103 Em 1991, um estudo multi-
briológico foge ao escopo deste capítulo. cêntrico internacional demonstrou o efeito positivo do
Admite-se que a anencefalia, a craniorraquisquise e ácido fólico na prevenção de DTNs em gestantes de alto
a MMC resultem da ausência de fechamento ou do fe- risco e, um ano após, seu uso foi recomendado a todas as
chamento defeituoso do tubo neural entre o 25 e o 27° mulheres em idade reprodutiva capazes de engravidar. 17•71
dia após a ovulação, conforme proposto por Lebedeff5 1 e O ácido fólico previne a ocorrência de DTNs por es-
von Recklinghausen 109 e, posteriormente, suportado por timular as reações de metilação celular, e altos títulos de
outros autores, com algumas variações.25,29•94•11º A teoria autoanticorpos para receptores de folatos foram detecta-
149 Mielomeningocele 1735

dos em mulheres previamente afetadas.6 Existe também


uma maior incidência dessas anomalias em gestantes ex-
postas a fenitoína e carbamazepina, que sabidamente in-
terferem na absorção de folatos. 67 No entanto, nem todos
os DTNs respondem à suplementação com ácido fólico,
admitindo-se que alguns casos refratários poderiam se
beneficiar da adição de inositol às dietas. 16

PATOLOGIA
A

A patologia da mielomeningocele e da MCh II serão


abordadas conjuntamente, pois a segunda é quase sem-
pre associada à primeira.
O placódio neural, também denominado placa neu-
ral, é a porção não neurulada da medula espinal. Ele é
achatado, emerge na linha média em uma área despro-
vida de pele íntegra e assemelha-se a um livro aberto cuja
superfície dorsal corresponde ao que seria o epêndima.
A sua rafe mediana se continua com o canal ependimá-
rio, cujo diâmetro varia de acordo com o grau de dilata-
ção. O placódio é rico em vasos primitivos (zona mielo- Figura 2 (A) O placódio neura l, porção não neurulada da
vasculosa) e a sua periferia corresponde à transição entre medula espinal, se asseme lha a um livro aberto. (8) Det alhe
do placódio neura l, onde se observam as raízes nervosas
a placa neural e a pele (zona epiteliosa), resultado da fa- emergindo anteriormente ao mesmo. RM: Rafe mediana; ZN:
lha na disjunção entre os ectodermas cutâneo e neural zona neurovasculosa; ZE: zona epiteliosa; M: meninges.
(Figura 2A). Nesse nível, a dura-máter se confunde com
a pele e se continua com o estojo durai normal superior- Tabela 2 Anomalias do SNC associadas à MCh li (modificado de Gilbert e
mente e, em alguns casos, inferiormente. O espaço su- Peach)3s,as
baracnóideo anterior ao placódio é bastante amplo e nes- Crânio Craniolacunia (Luckenschadel)
. , Festonamento (scal/opin[/) da porção posterior do rochedo
se compartimento encontram-se as ra1zes nervosas
Alargamento do forame magno
anteriores e posteriores, as últimas situadas lateralmen- Adelgaçamento e cavitação do clivus inferior
te às primeiras (Figura 2B).
Dura-máter Hipoplasia ou fenestrações da foice do cérebro
O diâmetro anteroposterior do canal espinhal é re- Hipoplasia tentorial com aumento da incisura
duzido no nível da malformação. Meninges malforma- Tronco Hipoplasia/aplasia de núcleos de nervos cranianos
d.as, íntegras ou não, se interpõem entre as zonas neuro- encefálico Hipoplasia/aplasia das olivas
vasculosa e epiteliosa. No primeiro caso, o placódio se Hipoplasia/aplasia dos núcleos basais pontinos
Aplasia quase completa do tegmento
eleva da superfície dorsal de um cisto contendo LCR. Embicamento (beakjndJ da placa tectal
Caso contrário, o cisto colapsa e o placódio repousa so-
Córtex Poligiria
bre os remanescentes do canal espinal aberto. Placódios cerebral lnterdigitação da porção medial dos lobos occipitais
lateralizados sugerem hemimielomeningocele. Heterotopias
Nódulos subependimários
A MCh II está presente em praticamente todos os
Polimicrogiria
portadores de mielomeningocele. 16•2º· 1º8 O epônimo mal- Laminação desordenada
formação de Arnold-Chiari foi cunhado por discípulos Ventrículos Hidrocefalia com IV ventrículo pequeno e alongado
de Arnold, em seu laboratório em Heidelberg, para ca- Aumento da massa intermédia do tálamo
racterizar as herniações cerebelares associadas a EBC. Colpocefalia
Ausência de septo pelúcido
Todavia, a participação de Arnold foi discreta e limitou- Deformidade angu lar da porção inferior dos
-se à descrição de um único caso.46 Uma série de anoma- prolongamentos frontais
lias do sistema nervoso é observada em associação à MCh Alongamento e deslocamento caudal do IV ventrículo
II e encontra-se na Tabela 2. Cerebelo Migração superior do cerebelo pela incisura
McLone e Knepper65 acreditam que a MCh II tenha Inversão do cerebelo
Torção da porção dorsal do bulbo
origem no escoamento de LCR por intermédio do defei- Posição extraventricular dos plexos coroides
to aberto. A baixa pressão liquórica é incapaz de manter Heterotaxias
a distensão do sistema ventricular primitivo, necessária Heterotopias
1736 Tratado de Neurocirurgia

à formação do encéfalo e dos ossos do crânio. Sem a atua- Os sinais indiretos são as alterações do formato do
ção dessas forças, a fossa posterior não se desenvolve ade- crânio fetal, da conformação do cerebelo e do volume e
quadamente, sendo incapaz de acomodar suas estrutu- forma dos ventrículos laterais. O sinal do limão (Figura
ras. Esses mesmos mecanismos são responsáveis pelas 3B) é a representação sonográfica do contorno côncavo
alterações mesenquimais que resultam nas malforma- ou linear dos ossos frontais, particularmente identificá-
ções descritas. vel até a 24ª semana de gestação.73 Ele é também visto em
fetos normais e em portadores de anomalias distintas da
DIAGNÓSTICO PRÉ-NATAL, mielomeningocele.74 Alguns autores sugerem que seja
ACONSELHAMENTO GENÉTICO um precedente da craniolacunia,79•8º enquanto outros
E CONSIDERAÇÕES OBSTÉTRICAS acreditam que se deva à baixa pressão intracraniana de-
corrente do escape de LCR pela lesão aberta.88
A dosagem da a -fetoproteína (AFP) é amplamente O sinal da banana expressa a curvatura anterior dos
utilizada para a detecção de DTNs, tanto no líquido am - hemisférios cerebelares, obstruindo a cisterna magna.
niótico quanto no sangue. 10,11 O aumento de sua concen- Embora menos frequente que o sinal do limão, parece
tração é consequência do escoamento direto do sangue ser específico da MMC e indicativo de MCh II.3,79
fetal pela lesão aberta, o que não ocorre em disrafismos A ventriculomegalia é frequentemente associada à
fechados. 50 A concentração de AFP no líquido amnióti- MMC e algumas casuísticas registram uma incidência
co atinge o máximo entre a 12ª e a 14ª semanas de ame- superior a 80% de todos os casos examinados por USG. 13,79
norreia, declinando quatro semanas depois. No soro ma- Certas alterações presentes na M Ch II, como agenesia
terno, o aumento é um pouco mais tardio, detectado ou disgenesia do corpo caloso, heterotopias corticais e
entre a 13ª e a 32ª semanas de amenorreia, atingindo seu polimicrogiria, conferem uma forma característica ao
ápice próximo à 18ª semana.89 sistema ventricular, na qual o átrio e os prolongamentos
A acetilcolinesterase (AChE) é uma enzima relacio- occipitais são desproporcionalmente volumosos. Essa
nada ao metabolismo dos neurotransmissores e ligada à condição é denominada colpocefalia e não deve ser con-
membrana neuronal, por meio da qual se difunde ao fundida com hidrocefalia. 30
LCR, e em casos de DTNs, ao líquido amniótico.78 Sua Imagens por ressonância nuclear magnética (RNM)
determinação é apenas qualitativa, porém bastante con- são úteis para diferenciar os disrafismos abertos dos fe-
fiável, específica e altamente sensível. chados.77 A RNM fetal provê uma maior resolução ana-
A acurácia da ultrassonografia gestacional (USG) va- tômica das estruturas e melhor definição dos tecidos (Fi-
ria conforme a experiência do examinador, aproximan- gura 3C). No entanto, as imagens podem ser degradadas
do-se de 100% em centros de referência. 19 Na USG pro- por movimentos maternos e fetais, hoje minimizados
curam-se sinais diretos e indiretos do defeito. Os sinais por sequências ultrarrápidas. A avaliação de fetos mui-
diretos podem ser vistos a partir da 16ª ou 17ª semanas to jovens com órgãos muito pequenos pode ser um pro-
de gestação, quando a coluna vertebral fetal já está sufi- blema adicional. 102 A RNM ganhou maior importância
cientemente ossificada. Eles se expressam por solução de no diagnóstico pré-natal pela capacidade de fornecer da-
continuidade dos tegumentos, melhor observada em cor- dos relativos à localização e extensão da lesão, à MCh II
tes longitudinais e transversais. A imagem habitual é a e demais malformações associadas, fundamentais ao pla-
de um cisto contendo LCR em seu interior (Figura 3A), nejamento das correções intrauterinas da MMC. 57
provocando abaulamento na porção posterior da raque. 3

Figura 3 Diagnóstico pré-nata l por imagem: (A) USG mostrando cist o contendo LC R (setas) abau lando a porção posterior da
coluna lombar e (8) sinal do limão. (C) Ressonância magnética fet al most rando o defeito na porção inferior da coluna vertebral
fet al (MMC).
149 Mielomeningocele 173 7

O aconselhamento genético deve ser oferecido a ca- rizam a deformidade lacunar do crânio, também conhe-
sais que já geraram filhos com DTNs, pelo maior risco cida como craniolacunia ou Luckenschi:idel, vista em mais
de recidiva do defeito em gestações subsequentes. 14•7 1 de 80% dos recém-nascidos e que desaparece nos seis
Casos de MMC com ou sem hidrocefalia devem ser primeiros meses de vida.93
conduzidas mediante parto cesáreo. Partos por via vagi- Deformidades ortopédicas são observadas em apro-
nal podem ser responsáveis por paralisias severas e in- ximadamente 60% dos pacientes e as mais comuns são
fecções do sistema nervoso. 59 pé torto, luxação do quadril e deformidades da coluna
vertebral. 104
CONSIDERAÇÕES CLÍNICAS O exame neurológico do recém-nascido é difícil pela
natureza passiva do paciente. Sinais e sintomas da MCh
O recém-nascido deve ser mantido em decúbito ven- II raramente estão presentes por ocasião do nascimen-
tral ou lateral, em leito aquecido; a lesão deve permane- to. Eles podem se manifestar por dificuldade de ingerir
cer coberta e umidificada com soro fisiológico, isolada líquidos, mamada prolongada e ineficaz acompanhada
do orifício anal. de tosse, cianose e sinais de asfixia. Refluxo gastroesofá-
A preocupação em dividir lesões em íntegras e ro- gico, regurgitação de alimentos e secreções pelas fossas
tas, estabelecendo assim critérios para cirurgias de emer- nasais e boca, bem como a perda dos reflexos orofarín-
gência, não é relevante, uma vez que o revestimento me- geo e traqueobrônquico, predispõem a pneumonias de
níngeo não é barreira natural à invasão do SNC por aspiração recidivantes.60•91 Crises de apneia podem ser
bactérias. É importante inspecionar atentamente todo o causadas por obstrução de vias aéreas ou disfunção bul-
dorso, pois assinaturas cutâneas de outros disrafismos har.63•1º8 No primeiro caso, a paralisia bilateral dos abdu-
espinais como hipertricose, fístulas neuroectodérmicas, tores das cordas vocais é responsável por respiração es-
crateras, etc., podem estar presentes (Figura 4) e devem tertorosa e esforço respiratório, precedendo a parada.
ser exploradas, pela possibilidade de segunda malforma- Essa forma é aliviada por intubação orotraqueal ou tra-
ções nesse nível. 47•85 queostomia. A apneia mediada por mecanismos centrais
Alguns recém-nascidos com spina bifida cística apre- também se associa a paralisia bilateral de cordas vocais
sentam-se com o pescoço retrofletido, possível manifes- e pode apresentar componente obstrutivo. Caracteristi-
tação da MCh II. Alterações do eixo da coluna vertebral, camente, ela ocorre imediatamente após a criança ser
notadamente cifose e escoliose, podem estar presentes. manipulada ou submetida a situações de intenso descon-
O perímetro cefálico dos neonatos pode ser normal, forto. A apneia ocorre durante a expiração, é prolonga-
diminuído ou aumentado, a despeito da existência ou d.a, acompanhada de intensa cianose e não costuma ser
não de hidrocefalia. A fossa posterior é pequena. Áreas aliviada por intubação ou traqueostomia.24
não ossificadas palpáveis na abóbada craniana caracte-

A B

Figura 4 Estigmas cut âneos associados a MMC: (A) hipertricose sacral. (B) A exploração dist al à lesão (MMC) evidenciou mal-
formação da medula fendida tipo 1 (MMF). (C) Outro exemplo de malformação associada revelada por estigma cutâneo de linha
média.
1738 Tratado de Neurocirurgia

A função motora é avaliada por estimulação noci- TRATAMENTO CIRÚRGICO


ceptiva e observação dos padrões de movimentos. A pa-
ralisia de membros inferiores é quase sempre flácida e Os familiares devem ser esclarecidos de maneira isen-
sua distribuição está de acordo com os segmentos me- ta quanto à malformação e suas consequências imedia-
dulares acometidos. Pacientes com lesões no nível de T 12 tas e tardias. Devem ser informados de que não são obri-
ou acima são em geral paraplégicos; a flexão da coxa so- gados a autorizar qualquer procedimento de imediato e
bre o quadril denota que o miótomo de L1 encontra-se que decisões em contrário poderão ser revistas. Devem
intacto; a preservação de L2 e L3 permite a extensão no ser também alertados da necessidade de acompanha-
nível do joelho; a de L4 a inversão do pé; a de L5 a sua mento regular pelos diversos especialistas envolvidos.
eversão, enquanto a flexão plantar do pé indica preser- A maioria dos estudos mostra que quando os defei-
vação de Si.44' 93 tos são corrigidos na primeiras 48 horas de vid.a, a mor-
Uma estimativa grosseira do nível sensitivo é obtida bidade e mortalidade são menores que as observadas em
com estimulação dolorosa, observando-se em qual der- pacientes operados tardiamente.61·9º·98 Nossa experiência
mátomo uma resposta mais consistente é obtida. pessoal não mostrou diferença entre os pacientes nasci-
A constante saída de mecônio, a hipotonia do ânus e dos no nosso hospital, operados antes e depois das 48
o gotejamento de urina que aumenta com choro ou mo- horas de vida. As complicações infecciosas foram, no en-
vimentação indicam comprometimento dos esfíncteres tanto, significativamente mais elevadas em pacientes
anal e vesical. Uma escala quantitativa para avaliação da oriundos de outras instituições, refletindo nossa maior
EBC foi proposta por Oi e Matsumoto e pontua basica- preocupação com a higiene da lesão. 100 Todavia, concor-
mente a motilidade, os reflexos e a função esfincteriana. 81 damos e enfatizamos que a correção cirúrgica deve ser
A avaliação neonatal deve considerar malformações realizada sempre o mais cedo possível.
renais, cardíacas, esqueléticas e anorretais, além da ausên- Antibióticos de amplo espectro são sempre utiliza-
cia de órgãos vitais e síndromes genéticas, nem sempre dos e a duração do tratamento depende do momento da
perceptíveis ao exame inicial. O tórax pode ser disforme correção do defeito. Para os operados nas primeiras 24
e assimétrico com incursões respiratórias restritas, pela horas de vida sugere-se um esquema profilático de cur-
fusão ou ausência de arcos costais. Essas anomalias po- ta duração, enquanto que nos demais a duração do tra-
dem se acentuar em caso de deformidades espinais e ab- tamento é de, no mínimo, duas semanas.
dominais associadas. O abdome pode ser protuberante, Aproximadamente 80% dos nascidos com MMC cur-
refletindo hipoplasia ou agenesia de grupos musculares. sam com hidrocefalia que necessita de derivação ventri-
Crianças são particularmente propensas a alergia ao cular.20·98·105 Em muitos casos essa se desenvolve ou se
látex que se desenvolve após exposições repetidas a ar- acentua após a correção da lesão, admitindo-se um efei-
tefatos e luvas de borracha. Assim, precauções quanto ao to tampão do cisto no controle da hidrocefalia. 84·94 Pa-
seu uso devem ser tomadas precocemente.48 cientes com ventriculomegalia assintomática poderão ou
Imagens da coluna vertebral do recém-nascido são não necessitar de derivações após a correção da MMC.
dispensáveis antes do reparo da lesão pelo pequeno va- Na média, 20% tornam-se independentes de válvula, em-
lor prático e por nada revelarem além do esperado. O bora percentuais expressivamente menores de pacientes
mesmo pode ser dito em relação às radiografias simples derivados tenham sido relatados. 18 Como é possível que
do crânio. O tamanho e a forma dos ventrículos, o cor- a hidrocefalia se desenvolva lenta e progressivamente, a
po caloso, o septo pelúcido e a massa intermédia do tá- indicação de cirurgia pode ser difícil. É necessário con -
lamo são satisfatoriamente avaliados por ultrassonogra- siderar que na MMC a hidrocefalia pode compensar às
fia transfontanelar (USTF) com Doppler e aferição do custas de dilatação do canal central da medula ou do es-
índice de resistência vascular.28 A MCh II e estruturas da paço subaracnóideo espinal, dando a falsa impressão de
fossa posterior são satisfatoriamente estudadas por USTF, que se encontra resolvida.62·66
utilizando-se o forame magno alargado como janela.55 A Aproximadamente três quartos das hidrocefalias na
tomografia computadorizada do crânio (TCC) raramen- MMC são obstrutivas. Os mecanismos envolvidos são
te é de alguma utilidade nessa fase e há que se conside- bastante heterogêneos e podem ser resumidos conforme
rar os efeitos tardios de irradiação sobre cérebros ima- a seguir.3º·7º·93 A maioria das alterações que impedem o
turos.87 A RNM é importante no diagnóstico diferencial fluxo de LCR são encontradas na fossa posterior. O IV
com outras lesões císticas espinais e detecção de malfor- ventrículo e os seus orifícios de saída se insinuam no ca-
mações associad.as, mas pode ser postergada, até mesmo nal cervical pelo forame magno e a acentuada aracnoi-
pela baixa resolução das imagens em recém-nascidos e dite na região impede o fluxo liquórico tanto em direção
pela necessidade de anestesia geral. ao espaço subaracnóideo espinal quanto em direção à
149 Mielomeningocele 1739

convexidade dos hemisférios cerebrais. A aglomeração acesso à pele circund.a nte, uma vez que a rotação de re-
de estruturas na fossa posterior bloqueia a incisura ten- talhos pode ser necessária.
torial, podendo aumentar a resistência ao fluxo de LCR Os objetivos da cirurgia são o restabelecimento das
pelas cisternas e obstruir secundariamente o aqueduto barreiras naturais, a preservação da função neurológica
cerebral, que pode ser também congenitamente malfor- e a prevenção do ancoramento medular. Os princípios
mado. Adicionalmente, a compressão e obstrução de da técnica operatória consistem na identificação e disse-
veias da base do crânio pode ser causa de hidrocefalia, cação do placódio, reconstituição do tubo neural, fecha-
semelhante ao observado em algumas craniosinostoses. mento das meninges, reforço do defeito com fáscia e su-
É muito possível que diversas combinações desses me- tura da pele sem tensão.
canismos sejam responsáveis pelas diferentes respostas Inicialmente, o placódio é isolado circunferencial-
aos tratamentos oferecidos. 106 mente, cuidando-se para manter intactas as raízes ner-
Em alguns centros, válvulas têm sido implantadas si- vosas (Figuras SA e SB). Uma vez que a placa neural pode
multaneamente à correção da mielomeningocele.32·42•56 Uti- reter alguma capacidade funcional, tanto ela quanto sua
lizamos essa prática somente em pacientes operados nas suplência vascular devem ser preservadas. O placódio
primeiras 24 horas de vida e nascidos em nossa institui- deve ser totalmente liberado dos tecidos adjacentes, pois
ção. Nos casos corrigidos mais tardiamente e naqueles fragmentos cutâneos retidos podem gerar cistos dermoi-
oriundos de outros hospitais, a derivação é implantada so- des de inclusão e ancoramento medular.64·73 Nessa fase,
mente após a análise do LCR. Caso seja comprovada in- o uso de lupa ou do microscópio cirúrgico é de grande
fecção, o procedimento aconselhado é a instalação de uma valia. Se possível, o placódio deve ser reconstituído com
drenagem ventricular externa até a cura. suturas finas aplicadas aos bordos da pia-máter que são
A terceiroventriculostomia endoscópica (TVE) não aproximados, de modo a adquirir uma conformação se-
é aconselhável no tratamento da hidrocefalia de recém- melhante à da medula normal (Figura SC). 58·6º·64
-nascidos com mielomeningocele. Teo e Jones demons- Segue-se a identificação e a separação da dura-má-
traram que o índice de sucesso em menores de seis me- ter, que deve ser incisada próximo à sua linha de fusão
ses de idade é de 12,5% e que o procedimento é epidérmica. A dissecação continua superiormente até a
dificultado pelas variações anatômicas do III ventrícu- identificação do primeiro arco posterior, abaixo do qual
lo.107Em oposição, as possibilidade de sucesso são bem meninges íntegras são encontradas. Medialmente, o li-
mais elevadas em crianças mais velhas e quando a TVE mite é a gordura epidural e a emergência das raízes ner-
é realizada secundariamente à falência de uma deriva- vosas (Figura SD).
ção já implantada. 106·107 Após a definição da dura-máter, o seu conteúdo é ins-
Apesar de presente em praticamente todos os casos, pecionado em busca de outras malformações. Estas ge-
a MCh II é sintomática em apenas um terço dos neona- ralmente se encontram na área exposta ou imediatamen-
tos. Pacientes que desenvolvem sinais e sintomas da MCh te adjacente a ela, podendo, em alguns casos, ser
II nos primeiros seis meses de vida têm prognóstico bas- encontradas remotas à MMC. 100 As malformações da me-
tante reservado e muitos morrem de disfunção bulhar dula fendida e o filamento terminal espessado são as mais
ou de suas complicações tardias. 27·6º O tratamento inicial frequentes malformações associadas e, uma vez identifi-
das manifestações da MCh é a instalação de DVP ou re- cadas, devem ser tratadas no mesmo tempo cirúrgico (Fi-
visão de um sistema já implantado, sendo a descompres- gura 6). Uma laminotomia do tipo porta aberta pode ser
são craniocervical indicada em casos refratários, mas sua útil na identificação e no tratamento de malformações as-
eficácia em recém-nascidos e lactentes é discutível.26·55·62·97 sociadas que se estendem além dos limites da lesão.
O diagnóstico pré-natal permite mobilizar as equi- O fechamento da dura-máter deve ser hermético,
pes para o planejamento de um parto atraumático e re- evitando constrição de seu conteúdo e permitindo que
paro da lesão em ambiente asséptico.59A antissepsia deve o tubo neural criado permaneça envolto por LCR (Figu-
se estender por todo o dorso, com exceção do placódio, ra 7A). A aponeurose paravertebral pode ser utilizada
que é exaustivamente irrigado com soro fisiológico mor- como enxerto para aumentar o diâmetro do saco dural.
no. Compostos iodados devem ser evitados, pois há re- Uma vez completada a sutura, uma manobra de Valsal-
latos de hipotireoidismo associado à sua utilização. va permite identificar eventual ponto de saída de liquor.
Depois de anestesiado, o paciente é colocado em de- Em sequência, proeminências ósseas que pressio-
cúbito ventral com a face, o tórax e cristas ilíacas apoia- nem a pele são removidas. Deformidades cifóticas são
das e protegidas em superfícies macias, de modo a evi- tratadas nesse tempo. Os corpos vertebrais que consti-
tar compressão do abdome e úlceras de pressão. A tuem o ápice da deformidade são separados da dura-má-
colocação dos campos cirúrgicos deve permitir amplo ter e da musculatura circundante e removidos com goi-
1740 Tratado de Neurocirurgia

diais que são refletidos e suturados do lado oposto (Fi-


gura 7B). Esse procedimento é de fácil execução nas re-
giões torácica e lombar superior, onde a fáscia é bem
desenvolvida. Na região lombossacra, essa manobra é
mais difícil, pois a aponeurose é escassa. Nesse caso, re-
talhos obtidos de regiões mais altas podem ser refletidos
inferiormente.
A última etapa é o fechamento da pele. Os diversos
métodos de reparo estão sumarizados na Tabela 3.
Na maioria das vezes, a aposição dos bordos cutâ-
neos é conseguida sem grandes problemas ou apenas
com moderado descolamento subcutâneo. Caso a epi-
derme se mostre anormalmente pálida após a aproxima-
ção dos bordos da ferida, é aconselhável algum tipo de
retalho. Diversos procedimentos têm sido descritos para
a correção de grandes defeitos (Figura 8). No entanto,
Figura 5 Diversos t empos cirúrgicos na correção de MMC: descolamentos extensos e tensão exagerada na pele po-
(A) isolamento circunferencial do placódio neural, (B) notando-
-se a posição anterior das raízes nervosas (*) em relação ao
mesmo; (C) reconstrução do p lacódio (P) com sut uras piais,
com os bordos da dura-máter (DM) já definidos; (D) dissecação
da dura-mát er (DM) que tem como li mite ant erior a gordura
epidural (GE).

Figura 6 Malformação associada . (A) Diastematomielia (*).


(B) Filamento terminal lipomatoso (*) caudal ao placódio (P).

vas ou brocas de alta rotação. Por si só, o fechamento da


musculatura paravertebral sobre o defeito é suficiente
para manter as vértebras alinhadas.
Ocasionalmente, o canal espinal pode ser reconsti-
tuído aumentando-se o diâmetro anteroposterior com
fraturas em galho verde de apófises transversas hipertro-
fiad.as, que são medialmente aproximadas e fixadas. 73
Figura 7 (A) A dura-máter deve ser hermeticamente fechada.
A seguir, a aponeurose é separada da musculatura, (B) Representação esquemática do reforço aponeurótico sobre
confeccionando-se retalhos bilaterais com pedículos me- o defeito.
149 Mielomeningocele 1741

Tabela 3 Métodos de reparo de mielomeningoceles (modificada de Lanigan,


1993)49
Sutura primária
Descolamento subcutâneo com avançamento de pele
Retalhos cutâneos sem enxertos
- Retalho de Limberg
- Dupla rotação
<C >>
- Dupla transposição
Retalhos cutâneos com enxerto de pele do sítio doador
- Bipediculado com orientação vertical
- Bipediculado com orientação horizontal
Retalho muscular com enxerto de pele do defeito primário
- Grande dorsal
- Grande glúteo
- Trapézio
Retalho musculocutâneo com enxerto de pele do defeito doador
- Grande dorsal - grande glúteo bipediculado vertical
- Grande dorsal - glúteo - fasciocutâneo vertical bipediculado
- Retalho reverso de "ilha" de grande dorsal
Retalho muscular bilateral deslisante
- Grande dorsal
- Grande dorsal - grande glúteo
- Retalho ósseo-muscular paravertebral
Enxerto de pele

dem provocar isquemia, necrose cutânea e infecção. 39


Uma outra opção são os retalhos bipediculados que per-
mitem a mobilização medial da pele e sutura sem ten- Figura 8 (A) Diversas modalidades de rotação de retalhos
são. Eles são confeccionados por incisões bilaterais na li- cutâneos para fechamento de grandes defeitos. (B) Exemplo
de mobilização de retalhos e (C) resultado após síntese cutânea.
nha axilar média e é fundamental que a sua largura seja
a mesma do defeito, de modo a não comprometer a vas-
cularização.111 O defeito lateral criado pode ser tratado As complicações cirúrgicas a curto prazo são em
no mesmo tempo ou em uma etapa posterior.39·111 grande parte relacionadas à ferida operatória. A cicatri-
Nos retalhos miocutâneos, a pele, o tecido celular zação pode ser prejudicada pelas intensas alterações car-
subcutâneo e os músculos são mobilizados conjuntamen- bólicas que os neonatos operados desenvolvem, agrava-
te.73·1º5 O comprometimento da vascularização é mini- das por dificuldades na alimentação. 84 A incidência de
mizado, porém é importante lembrar que o sacrifício de complicações na ferida operatória varia de 7 a 40% dos
grupos musculares como o grande dorsal pode compro- casos e são, em grande parte, resultantes de infecção lo-
meter os movimentos da cintura escapular e futuramen- cal, deiscência de ferida e necrose cutânea.31·58·66·69·84
te prejudicar a deambulação com órteses. Por sua vez, a As infecções de ferida operatória favorecem o desen-
mobilização da musculatura paravertebral pode agravar volvimento de ventriculite e podem se acompanhar de
a instabilidade da coluna. Esses procedimentos se asso- septicemia geralmente diagnosticada nos três primeiros
ciam a uma maior perda sanguínea e a tempo anestési- dias pós-operatórios. 9·96·98 Germes Gram-negativos são
co mais prolongado. predominantes, pela maior possibilidade de contamina-
Os expansores de pele têm a vantagem de não com- ção por fezes e urina. Fístulas de LCR ocorrem em 7 a
prometer a musculatura dos pacientes, porém o tempo 43% dos casos e se resolvem com o tratamento da hidro-
requerido para um resultado satisfatório pode ser dema- cefalia.22·40 Piora neurológica é relatada em 10% dos pa-
siadamente longo, aumentando sobremaneira os riscos cientes e deve-se à manipulação cirúrgica.82
de infecções.74 A enterocolite necrotizante tem sido reconhecida em
Após a cirurgia, os pacientes são mantidos em decú- recém-nascidos com MMC, nos quais é registrada uma
bito ventral ou lateral com o orifício anal isolado da cica- incidência maior que na população geral.84•95
triz cirúrgica por curativo impermeável. Caso não haja A mortalidade operatória varia entre 2 e 19% e a
nenhuma derivação ventricular instalada, a posição de MCh II é importante causa de morte no primeiro ano de
Trendelemburg reduz a pressão sobre a ferida cirúrgica. vida. 20,27,40,54,58,6o,62
1742 Tratado de Neurocirurgia

RESULTADOS A LONGO PRAZO tidisciplinar uma peça fundamental no tratamento des-


ses pacientes.99 Defeitos vertebrais, como raquisquises,
A maioria dos pacientes com EBC têm longa sobre- hemivértebras, anomalias da segmentação vertebral, etc.,
vida, mas as complicações neurológicas e urológicas per- podem causar deformidade progressiva da coluna ver-
sistem como importantes fatores de morbidade e mor- tebral que necessite de tratamento cirúrgico.
talidade. A causa mais comum de piora neurológica é a A qualidade de vida dos pacientes com mielomenin-
disfunção em sistemas de derivação liquórica, seguida gocele é comprometida e praticamente a metade tem
pelo ancoramento medular secundário visto em um quar- pontuação 3 no índice de utilidade de saúde (HUI3), e o
to dos pacientes e atribuído a alterações cicatriciais no mais importante fator a ela relacionado é o nível da le-
local operado.7 •8•43•84 Anomalias do filamento terminal, são ao nascer.34•41 A maioria dos pacientes com MMC tem
malformações da medula fendida dos tipos 1 e 2, tumo- dificuldades no aprendizado e na atenção, mais acentua-
res dermoides, epidermoides e teratomas (Figura 9) são das para matemática do que para a linguagem, atribuí-
frequentemente associados ao ancoramento medular se- das à desorganização cortical.22
cundário.47·85·1ºº Além da deterioração neurológica e do Em conclusão, pacientes com MMC devem ser agres-
quadro doloroso, a síndrome da medula ancorada pode sivamente tratados, a não ser que tenham malformações
cursar com distúrbios urológicos e deformidades orto- incompatíveis com a vida. Apesar de os antibióticos de
pédicas progressivas, o que faz do acompanhamento mul- amplo espectro proporcionarem uma maior proteção, o
diagnóstico pré-natal da malformação permite o plane-
jamento antecipado da intervenção cirúrgica que deve ser
realizada no menor tempo possível. A maioria das com-
plicações cirúrgicas no curto prazo relaciona-se à ferida
operatória. A mortalidade operatória é pequena e a maio-
ria dos óbitos no primeiro ano de vida deve-se a mani-
festações sintomáticas da MCh II. As complicações tar-
dias, em sua maioria, são causadas por disfunção em
sistemas de derivação liquórica, ancoramento medular
secundário e piora da função renal. As técnicas de repa-
ro intrauterino são uma esperança no sentido de reduzir
a incidência de hidrocefalia e preservar a função motora.

REFER:SNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Adzick NS. Fetal surgery for myelomeningocele: trials and tri-
bulations. J Pediatr Surg 2012; 47: 273-81.
2. Adzick NS, Thom EA, Spong CY, Brock Jw. Burrows PK, John-
son MP, et al. Randomized trial of prenatal versus postnatal re-
pair of myelomeningocele. N Eng J Med 2011; 364: 993-1004.
3. Babcook CJ. Ultrasound evaluation of prenatal and neonatal
spina bifida. Neurosurg Clin N Am 1995; 6: 203-18.
4. Bell WO, Sumner TE, Volberg FM. The significance ofventri-
culomegaly in the newborn with myelodysplasia. Child's Nerv
Syst 1987; 3: 239-41.
5. Berger MS, Sundsten J, Lemire RJ, Silbergeld D, Newell D,
Shurtleff D. Pathophysiology of isolated lateral ventriculome-
galy in shunted myelodysplastic children. Pediatr Neurosurg
1990; 16: 301 -4.
6. Blom HJ, Shaw GM, den Heijer M, Finnell RH. Neural tube
defects and folate: case far from closed. Nat Rev Neurosci 2006;
7: 724-31.
7. Bowman RM, McLone DG, Grant JA, Tomita T, !to JA. Spina
bífida outcome: a 25-year prospective. Pediatr Neurosurg 200 l ;
34: 114-20.
8. Bowman RM, Seibly JM, McLone DG. Tethered cord release:
a long-term study in 114 patients J Neurosurg Pediatr 2009;
3: 181-7.
Figura 9 Medula ancorada pós-correção de mie lomeningo- 9. Brau R, Rodriguez R, Ramirez MV, Gonzalez R, Martinez V.
cele lombar alta. (A) RM mostra lesão expansiva lombar baixa, Experience in the management of myelomeningocele in Puer-
comprimido raízes nervosas. (B) Foto transoperatória mostran- to Rico. J Neurosurg 1990; 72: 726-31.
do cist os dermoides (*) em meio a raízes nervosas.
149 Mielomeningocele 1743

10. Brock DJH. Amniotic fluid tests for fetal neural tube defects. 30. Dias MS, McLone DG. Hydrocephalus in the child with dys-
Br Med Bull 1983; 39: 373-7. raphism. Neurosurg Clin N Am 1993; 4: 715-26.
11. Brock DJH, Scringeour JB. Early prenatal diagnosis of anen- 31. Dias MS, McLone DG. Meningomyelocele. ln: Albright AL,
cephaly. Lancet 1972; 2: 1252-3. Pollack IF, Adelson PD (eds.). Principles and practice of pe-
12. Caldarelli M, McLone DG. Embryologic and developmental diatric neurosurgery. New York: Thieme; 2008. p. 338-66.
dynamics of the dysraphic state. ln: Raimondi, AJ, Choux, M, 32. Epstein NE, Rosenthal AD, Zito ], Osipoff M. Shunt placement
DI Rocco C (eds.). The pediatric spine I. Development and and myelomeningocele repair simultaneous vs sequential shun-
the dysraphic state. New York: Springer; 1989. p.109-25. ting. Review of 12 cases. Child's Nerv Syst 1985; 1: 145-7.
13. Campbell ], Gilbert WM, Nicolaides KH, Campbell S. Ultra- 33. Fischer RG. Surgery of the congenital anomalies. ln: Walker
sound screening for spina bifida: cranial and cerebellar signs EA (ed.). A history of neurological surgery. Baltimore: Willia-
in a high-risk population. Obstet Gynecol 1987; 70: 247-50. ms & Wilkins; 1951. p. 334-61.
14. Carter CO, David PA, Laurence KM. A family study of major 34. Freeman JM. Life with spina bífida: the role of quality of life
central nervous system malformations in South Wales. ] Med in decision-making.] Pediatr 2013; 162: 894-5.
Genet 1968; 5: 81-106. 35. Gardner WJ. The dysraphic states. Frorn syringornyelia to anen-
15. Castilla EE, Orioli IM. Epidemiology of neural tube defects in cephaly. Arnsterdarn: Excerpta Medica; 1973.
South America. Am] Med Genet 1985; 22: 695-702. 36. Gilbert JN, Jones KL, Rorke LB, Chernoff GF, James HE. Cen-
16. Cavalli P, Tonni G, Grosso E, Poggiani C Effects of inositol su- tral nervous system anomalies with associated meningocele
pplementation in a cohort of mothers at risk of producing an hydrocephalus, and the Arnold-Chiari malformation: reap-
NTD pregnancy. Birth Defects Res A Clin Mol Teratol 2011; praisal of theories regarding the pathogenesis of posterior neu-
91: 962-5. ral tube closure defects. Neurosurgery 1986; 18: 559-64.
17. Centers For Disease Control. Recommendations for the use 3 7. Goodrich JT. A historical review of the surgical treatrnent fo
of folie acid to reduce the number of cases of spina bifida and spinal bifida. ln: Ózek MM, Cinalli G, Meixner W (eds.). Spi-
other neural tube defects. Morb Mortal Wkly Rep 1992; 41: na bifida. Milan: Springer; 2008. p. 3-17.
1-7. 38. Gross RH, Cox A, Tatyrek R, Pollay M, Barnes WA. Early rna-
18. Chakraborty A, Crimmins D, Hayward R, Thompson D. To- nagement and decision making for the treatment of myelo-
ward reducing shunt placement rates in patients with myelo- rneningocele. Pediatrics 1983; 72: 450-8.
meningocele.] Neurosurg Pediatr 2008; 1: 361-5 39. Habal MB, Vries JK. Tension free closure of a large menin-
19. Chan A, Robertson EF, Haan EA, Ranieri E, Keane RJ. The gornyelocele defect. Surg Neurol 1977; 8: 177-80.
sensitivity of ultrasound and serum alpha-fetoprotein in po- 40. Hahn YS. Open myelomeningocele. Neurosurg Clin N Am
pulation-based antenatal screening for neural tube defects, 1995; 6: 231-41.
South Australia 1986-1991. Br] Obstet Gynaecol 1995; 102: 41. Horsrnan J, Furlong W, Feeny D, Torrance G. The health uti-
370-6. lity index (HUI"): concepts, rneasurement, properties and ap-
20. Charney EB, Weller SC, Sutton LN, Bruce DA, Schut LB. Ma- plications. Health Qual Life Outcornes 2003; 1: 54.
nagement of the newborn with myelomeningocele: time for a 42. Hubballah MY, Hoffman HJ. Early repair of myelomeningo-
decision-making process. Pediatrics 1985; 75: 58-64. cele and sirnultaneous insertion of ventriculoperitonal shunt:
21. Chatkupt S, Skurnick JH, Jaggi M, Mitruka K, Koenigsberger technique and results. Neurosurgery 1987; 20: 21-3.
MR, Johnson WG. Study of genetics, epidemiology and vita- 43. Hudgins RJ, Gilreath CL. Tethered cord following repair of
min usage in familial spina bifida in the United States in the rnyelorneningocele. Neurosurg Focus 2004; 16: E7.
1990s. Neurology 1994; 44: 65-70. 44. Humphreys RP. Spinal dysraphism. ln: Wilkins RH, Renga-
22. Clemenssen D, Rasmussen MM, Mosdal CA. A retrospective chary SS (eds.). Neurosurgery. v. 3.New York: McGraw-Hill;
study of infections after primary VP shunt placement in the 1985. p. 2041-52.
newborn with myelomeningocele without prophylactic. Chil- 45. Ingraharn FD, Hamlin H. Spina bifida and craniurn bifidum:
ds Nerv Syst 2010; 26: 1517-21. surgical treatrnent. N Engl ] Med 1943; 228: 631-41.
23. Cochrane DD, Addeley R, White CP, Norman P, Steinbok P. 46. Koehler PJ. Historical vignette - Chiari 's description of cere-
Apnea in patients with myelomeningocele. Pediatr Neurosurg bellar ectopy ( 1891). With a summary of Cleland 's and
1990-1991; 16:232-9. Arnold' s contributions and some early observations on neu-
24. Copp A]. Relationship between timing of posterior neuropo- ral-tube defects.] Neurosurg 1991; 75: 823-6.
re closure and development of spinal neural tube defects in 47. Kumar R, Bansal KK, Chhabra DK. Occurrence of split cord
mutants (curly tail) and normal mouse embryos in culture.] malforrnation in meningomyelocele: cornplex spina bilida Pe-
Embriol Exp Morph 1985; 88: 39-54. diatr Neurosurg 2002; 36: 119-27.
25. Copp AJ, Greene ND. Genetics and development of neural 48. Kwityken PL, Sweinberg SK, Campbell DE, Pawlowski NA.
tube defects.] Pathol 2010; 220: 217-30. Latex hypersensitivity in children. Clinical presentation and
26. Cragan JD, Roberts HE, Edmonds LD, Khoury MJ, Kirby RS, detection oflatex-specilic imrnunoglobulin E. Pediatrics 1995;
Shaw GM, et al. Surveillance for anencephaly and spina bifi- 95: 693-9.
da and the impact of prenatal diagnosis - United States, 1985- 49. Lannigan MW. Surgical repair of myelomeningocele. Ann Plast
1994. MMWR-CDC-Surveill-Sum 1995; 44: 1-13. Surg 1993; 31: 514-21.
27. Dahl M, Ahlsten G, Carlson H, Ronne-Engstrõm E, Lagervist 50. Laurence KM, Turnbull AC, Harris R, Jennison RF, Ruoslathi
B, Magnusson G, et al. Neurological dysfunction above cele E, Seppãlã M. Antenatal diagnosis of spina bilida. Lancet 1973;
level in children with spina bifida cystica. A prospective stu- 2: 860.
dy to three years. Dev Med Child Neurol 1995; 37: 30-40. 51. Lebedeff A. Ueber die Entstehung der Anencephalie und Spi-
28. de Assis MC, Machado HR. Medida da velocidade de fluxo na bilida bei Vôgeln und Menschen. Virchow Arch Path Anat
nas artérias cerebrais utilizando ultrassom doppler transfon- 1881; 86: 263-98.
tanela antes e após o tratamento cirúrgico da hidrocefalia. Arq 52. Lemire RJ. Neural tube defects. ]AMA 1988; 259: 558-62.
Neuropsiquiatr 1999; 57: 827-35. 53. López-Camelo JS, Castilla EE, Orioli IM. Folie acid flour for-
29. Dempsey EE, Trassler DG. Early morphological abnormali- tification: Impact on the frequencies of 52 congenital anomaly
ties in sploch mouse embryos and predisposition to gene- and types in three South American countries. Am ] Med Genet
retinoic acid-induced neural tube defects. Teratology 1983; Part A 2010; 152: 2444-58.
28: 461-72.

Você também pode gostar