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Unidade II

Unidade II
Até agora, abordamos assuntos extremamente relevantes, mas ainda temos muito mais para
aprender. Começaremos esta unidade falando sobre um tema que citamos quando estudamos o
desenvolvimento intrauterino.

5 DEFEITOS DO FECHAMENTO DO TUBO NEURAL

Os defeitos do fechamento do tubo neural (DFTN) são más-formações congênitas que ocorrem
devido a uma falha no fechamento adequado do tubo neural embrionário durante a quarta semana de
embriogênese. Apresentam um espectro clínico variável, sendo os mais comuns a anencefalia e a
espinha bífida.

Os DFTN que ocorrem na porção cranial levam ao quadro de anencefalia e encefalocele; já na porção
caudal, levam ao quadro de espinha bífida.

Os corpos vertebrais normais têm uma disposição triangular, e o afastamento dos corpos vertebrais
posteriores dá origem ao defeito congênito conhecido como espinha bífida, um tipo de DFTN. Geralmente,
a lesão envolve a coluna vertebral e a medula espinhal. Quando acomete somente os corpos vertebrais,
sem envolvimento da medula, trata-se de espinha bífida fechada ou oculta.
Espinha bífida
(defeito aberto)
Vértebra

Dura-máter
Medula espinhal

Líquido espinhal

Figura 66 – Defeito do fechamento do tubo neural (DFTN)

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FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

Em relação aos DFTN, são definidas a seguir as principais alterações possíveis relacionadas a
lesões neurológicas:

• Anencefalia: é definida pela má-formação da calota craniana e de grande parte do encéfalo e


constitui o DFTN mais uniformemente identificado. A anencefalia decorre da falha no fechamento
do tubo neural entre a terceira e a quarta semana de gestação (entre o 23º e 26º dia do embrião),
resultando na ausência total ou parcial da calota craniana (crânio e couro cabeludo) e do encéfalo.

Figura 67 – Bebê anencéfalo

• Merocrania: defeito cerebral menos grave que a anencefalia, pois implica o desenvolvimento de
algumas partes dos hemisférios cerebrais.

Figura 68 – DFTN na região encefálica

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• Encefalocele: é a saída do tecido cerebral e das meninges devido a um defeito do fechamento


ósseo do crânio.

Figura 69 – Encefalocele

Figura 70 – Encefalocele na região posterior

• Holoprosencefalia: refere-se ao complexo de deformidades hemisféricas causadas por falha no


desenvolvimento da vesícula prosencefálica, que é a parte mais cranial do tubo neural.

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Figura 71 – Holoprosencefalia

Observação

A espinha bífida (do latim spina bifida, espinha bifurcada) é uma


má-formação congênita relativamente comum caracterizada por um
fechamento incompleto do tubo neural. Faz parte do amplo espectro dos
defeitos abertos do tubo neural.

É necessário saber que a espinha bífida pode ser dividida em oculta ou fechada (quando recoberta
por pele) ou aberta (quando o tecido neural fica exposto, sem cobertura pela pele).

5.1 Mielomeningocele (MMC)

Devemos sempre diferenciar os termos “meningocele” e “mielomeningocele”. Na meningocele, há


uma formação cística sem envolvimento da medula espinhal ou das raízes nervosas, ou seja, a medula
apresenta-se íntegra, e o feto apresenta um bom prognóstico – espera-se que não exista prejuízo
neurológico. Já na mielomeningocele, ocorre o envolvimento da medula espinhal e de raízes nervosas
periféricas, levando ao prejuízo neurológico.

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Espinha bífida oculta Meningocele Mielomeningocele

Figura 72 – Tipos de DFTN que afetam a coluna vertebral e a medula espinhal

A mielomeningocele é um DFTN caracterizado pela falta de fusão dos arcos vertebrais, com displasia
da medula espinhal e de suas meninges. Ocorre nas primeiras quatro semanas de gestação, e o local
afetado que apresenta a protusão e exposição da medula espinhal recebe o nome de placode.

Figura 73 – Mielomeningocele: 1) presença de líquido cefalorraquidiano;


2) má-formação da medula espinhal

Trata-se de uma patologia multifatorial devido à variedade de genes e fatores ambientais envolvidos.
Por isso, o rastreamento pré-natal utilizando o ultrassom deve ser feito de forma recorrente.

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Figura 74 – DFTN: mielomeningocele

Estima-se que um entre 700 ou 800 nascidos terá defeito de fechamento aberto da coluna vertebral.
Não há dados estatísticos precisos no Brasil, mas acredita-se que haja em torno de 1-2/1000 nascimentos
vivos, e há um discreto predomínio de casos no sexo feminino.

Embora a causa da MMC não esteja totalmente esclarecida, tanto fatores genéticos quanto
ambientais devem ser considerados. Por exemplo: em famílias que já tenham casos de MMC, há um risco
maior de novos casos. Outro fator geralmente associado é a deficiência materna de ácido fólico, porém,
como a carência desse ácido influencia os DFTN, ainda não é totalmente esclarecida. O ácido fólico tem
um papel fundamental no processo da multiplicação celular, sendo, portanto, imprescindível durante a
gravidez. O folato interfere no aumento dos eritrócitos, no alargamento do útero e no crescimento da
placenta e do feto.

Certos medicamentos (como alguns usados para controlar convulsões, como o ácido valproico)
podem também causar DFTN. Outras causas associadas são obesidade materna e deficiência de
zinco e hipertermia.

Devido à gravidade dos DFTN e sua morbimortalidade, tornam-se muito importantes o aconselhamento
genético, a suplementação dietética com ácido fólico e o diagnóstico pré-natal.

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Lembrete

O ácido fólico é o mais importante fator de risco para os defeitos do


tubo neural identificado até hoje. A suplementação periconcepcional
durante o primeiro trimestre de gravidez tem reduzido tanto o risco de
ocorrência quanto o risco de recorrência para os defeitos do tubo neural
em cerca de 50% a 70%.

No Brasil, o Ministério da Saúde deliberou e a Anvisa abriu consulta pública para discutir a fortificação
de farinhas com micronutrientes. Durante esse processo, a Associação de Assistência à Criança Deficiente
(AACD) sugeriu a fortificação com ácido fólico. Seguiu-se a regulamentação da adição de ferro e ácido
fólico às farinhas de trigo e milho no Brasil pela RDC n. 344 da Anvisa (BRASIL, 1998), que determinou
que, a partir de junho de 2004, cada 100 g dessas farinhas contenham 0,15 mg de ácido fólico. Esse teor
é comparável ao americano e ao canadense (0,14 mg e 0,15 mg, respectivamente). Portanto, desde 2004,
os alimentos que contêm farináceos são enriquecidos com ácido fólico. Mas por que isso foi sugerido?

Muitas vezes, o planejamento familiar e o de gestação no Brasil não são realizados, e, quando a
mulher descobre que está grávida, já se passou o primeiro trimestre de gestação – ou seja, o uso do
ácido fólico não influenciaria mais no fechamento do tubo neural. Como os alimentos que contêm
farináceos são consumidos em grande quantidade, essas gestantes dificilmente apresentariam carência
de ácido fólico, diminuindo, assim, o risco de DFTN.

No entanto, tal fortificação teve um impacto inferior ao esperado (cerca de 40% na redução da
incidência do defeito). Por isso, desde 2012, a Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia iniciou
uma campanha para suplementação de ácido fólico no período pré-concepcional para todas as mulheres
em idade fértil. A dose diária recomendada é de 400 microgramas administrada por comprimidos via
oral e deve ser iniciada pelo menos três meses antes da concepção.

Figura 75 – Exame de ultrassonografia evidenciando a má-formação espinhal

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Ainda em relação aos fatores etiológicos, há uma variação da incidência de MMC entre as etnias,
existindo uma menor incidência entre negros e asiáticos. Há também um risco maior de recorrência
após uma gestação de um bebê com algum tipo de DFTN, ou seja, um casal pode vir a ter dois filhos
com quadro de DFTN.

A seguir, são listados alguns possíveis fatores etiológicos relacionados com um risco
aumentado para MMC:

• Baixas condições socioeconômicas.

• Idade materna inferior a 19 anos e superior a 40 anos.

• Origem hispânica.

• Exposição à hipertermia no início da gestação.

• Hiperglicemia ou diabetes materna.

• Obesidade materna.

• Uso de medicamentos anticonvulsivantes (ácido valproico).

• Carência de ácido fólico.

5.2 Diagnóstico pré-natal

Com a melhora das técnicas de diagnóstico pré-natal, é possível descobrir a MMC ainda intraútero,
permitindo à equipe médica e a familiares um melhor acompanhamento da gestação, a avaliação de
riscos, a programação para o parto do tipo cesárea e o fechamento cirúrgico precocemente.

Logo após o nascimento, é preconizado o tratamento cirúrgico até as primeiras 72 horas de vida,
sendo realizado o mais precocemente possível, tão logo ocorra a liberação pela equipe de neonatologia,
e em boas condições para submeter-se a procedimento cirúrgico.

Os objetivos cirúrgicos incluem: proteger o tecido neural exposto, prevenir fístula liquórica, reduzir
o risco de infecções meníngea e encefálica e preservar o tecido nervoso viável. Em alguns casos, pode
ocorrer a ruptura da bolsa (placode) durante o parto, levando à perda liquórica e maior exposição das
estruturas nervosas.

Há até pouco tempo, o tratamento da doença só era possível após o nascimento, consistindo
na correção cirúrgica do defeito na coluna com sutura por planos. Esse fechamento podia acarretar
no ancoramento da medula ao sítio cirúrgico (medula presa) e, com o crescimento da criança, em
alterações neurológicas associadas ao estiramento da medula e das raízes nervosas, o que abordaremos
posteriormente nas complicações da MMC.
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Existe a possibilidade da equipe médica realizar a correção cirúrgica ainda no período pré-natal, e
a via endoscópica foi a primeira a ser utilizada na correção pré-natal do defeito. Após o fracasso inicial
das tentativas de correção endoscópica, ocorrido na virada do século XXI, a via a céu aberto passou a ser
largamente utilizada. Contudo, a alta morbidade materna associada a essa abordagem tem incentivado
a retomada de uma abordagem minimamente invasiva.

Após pesquisas em modelo animal, foram desenvolvidas técnicas alternativas de correção usando
a fetoscopia, as quais atualmente se encontram em vários estágios de aplicação clínica. A primeira,
desenvolvida em 2009 na Alemanha, apresentou menor morbidade materna. Os resultados iniciais
obtidos parecem promissores. O aumento do número de casos e o seguimento a longo prazo devem
demonstrar a validade e os benefícios dessa nova técnica.

Observação

A fetoscopia é um procedimento endoscópico realizado para observar


o feto durante a gravidez. O aparelho chamado fetoscópio é constituído
por um tubo fino e comprido que funciona como um telescópio e permite
observar o feto no interior do saco amniótico.

Fetoscópio e tubo Transdutor de


ultrassom

Figura 76 – Procedimento de fetoscopia

5.3 Características clínicas da MMC

A MMC é caracterizada por paraplegia flácida e alteração sensitiva abaixo do nível da lesão,
implicando comprometimento neurológico, urológico e ortopédico, os quais abordaremos a seguir.

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5.4 Classificação da MMC segundo os níveis preservados da medula espinhal

A classificação da MMC é realizada pela determinação do nível neurológico da lesão, principal fator
para o prognóstico de deambulação do paciente. Existem quatro níveis: torácico, sem movimentação ativa dos
membros inferiores; lombar alto, com movimentação ativa dos músculos psoas, adutores e eventualmente
quadríceps; lombar baixo, com movimentação ativa dos músculos psoas, adutores, quadríceps, flexores
mediais dos joelhos e eventualmente tibial anterior e/ou glúteo médio; e sacral, que apresenta, além desses
músculos funcionais, a função flexora plantar e/ou extensora do quadril.

Quadro 13 – Classificação da MMC de acordo com


a musculatura preservada (nível funcional)

Nível da MMC Musculatura preservada


Torácico Membros superiores e tronco total ou parcial
Lombar alto Flexores do quadril, adutores do quadril e extensores do joelho
Lombar baixo Flexores do joelho, dorsiflexores e abdutores do quadril
Sacral Flexão plantar, flexão de dedos dos pés e extensão do quadril

Ao analisarmos o quadro anterior, fica evidente que, quanto mais baixo for o nível da lesão medular,
mais grupos musculares ficarão preservados e, portanto, melhor desempenho funcional o paciente
apresentará. Porém, abordaremos ainda diversas complicações secundárias que podem interferir de
forma negativa no prognóstico da MMC, tais como hidrocefalia, síndrome da medula presa e alterações
do sistema urinário.

5.5 Complicações decorrentes da MMC

5.5.1 Deformidades da coluna vertebral

Devido à plegia (paralisia) muscular e ao desequilíbrio dos grupos musculares afetados, podem ocorrer
deformidades que afetam o controle postural e a funcionalidade do paciente, e essas deformidades
englobam a escoliose, a cifoescoliose e a hiperlordose. Em alguns casos, são congênitas, ou seja, a
criança apresenta a má-formação desde o nascimento.

As cifoses congênitas são geralmente as que apresentam maior dificuldade de tratamento, levando
ao controle deficitário do tronco e dificultando inclusive a manutenção da postura sentada. Trata-se de
uma grave deformidade vertebral, causada pela má-formação dos corpos vertebrais.

Na figura a seguir, é possível observar a anteriorização do tronco impedindo a aquisição da postura


sentada de forma adequada. Além disso, devemos considerar a dificuldade da expansibilidade torácica,
ocasionando disfunção respiratória e dificuldades durante a alimentação e o posicionamento no leito.

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Figura 77 – Cicatriz da correção cirúrgica da MMC

No caso mostrado na figura, o paciente já foi submetido à cirurgia de correção da MMC e apresenta
quadro de cifoescoliose congênita, o que o incapacita de manter-se sentado com tronco estável e o
deixa sem prognóstico para deambulação. Devido às más-formações vertebrais, não há possibilidade de
correção cirúrgica para manter-se melhor estabilizado na postura sentada. Além disso, há a presença
de hidrocefalia, que leva ao aumento do perímetro cefálico e maior peso craniano, exigindo esforço
maior da criança para manter-se na postura. O paciente apresenta também deformidades em postura
de abandono nos membros inferiores, as quais abordaremos posteriormente.

Nesse caso, devemos considerar que a deformidade do tronco levará ao comprometimento da função
respiratória e impedirá a criança de ser posicionada em decúbito dorsal e ventral.

As escolioses podem ser congênitas pela paralisia muscular ou por ambas. Em alguns casos, o paciente
pode apresentar ausência de vértebras ou hemivértebras, dificultando, assim, a correção cirúrgica.

A cirurgia está indicada, quando possível, em pacientes que apresentem perda funcional pela
escoliose, tais como perda da marcha, desequilíbrio de tronco ou mau posicionamento para utilização
dos membros superiores.

Figura 78 – Escoliose decorrente da mielomeningocele (MMC)

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Veja, a seguir, as principais alterações vertebrais que podem estar presentes na MMC:

• Ausência de processo espinhoso.

• Lâminas vertebrais ausentes.

• Redução no tamanho do corpo vertebral.

• Pedículos afastados.

• Presença de hemivértebras.

5.5.2 Deformidades nos membros inferiores

As deformidades nos membros inferiores apresentam causas diversas, que incluem desequilíbrio
muscular, manutenção de posturas viciosas, devido à síndrome da medula presa (será abordada
posteriormente), e retrações teciduais.

Na MMC nível torácico, por exemplo, o paciente apresenta paralisia flácida nos membros inferiores,
o que leva à posição de abandono dos membros. Se a postura for mantida, a criança desenvolverá uma
deformidade em rotação externa de quadril e semiflexão dos joelhos, e, se ela tiver prognóstico para
marcha, isso se tornará impossível devido à deformidade nos membros inferiores.

Figura 79 – Postura em abandono dos membros inferiores

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A postura em abandono pode ser evitada com uma orientação simples aos cuidadores: é solicitado
que eles realizem um enfaixamento em 8 com um lençol, por exemplo, para que os membros não fiquem
rodados externamente.

Figura 80 – Enfaixamento em 8 para evitar postura em abandono

É importante ressaltar que, se não for evitada a postura em abandono, poderá haver graves e
incapacitantes deformidades.

Figura 81 – Deformidade causada pela postura em abandono não tratada preventivamente

Outra deformidade que pode ocorrer é a hiperextensão dos joelhos no MMC nível lombar alto. Como
nesses casos o músculo quadríceps está ativo, o paciente não apresenta o grupo muscular antagonista
ativo (músculos isquiotibiais), levando à hiperextensão.

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Na MMC níveis lombar alto e baixo, os pacientes apresentam músculos flexores de quadril ativos, mas
não possuem os extensores de quadril, e, associado ao tempo que passam sentados na cadeira de rodas,
isso pode acarretar em um importante encurtamento dos músculos flexores de quadril, dificultando a
manutenção em ortostase.

Em relação às articulações de tornozelo e pé, estas costumam ser mais afetadas, estando presentes
na maioria das vezes já ao nascimento. Duas dessas alterações mais frequentes são o pé torto congênito
e o pé em equino, o que observamos nas figuras a seguir.

Figura 82 – Pé em equino (flexão plantar) em um paciente com MMC nível torácico

Figura 83 – Pé torto congênito associado: pé equino varo

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5.5.3 Hidrocefalia

Antes de abordarmos uma das complicações mais frequentes na MMC – a hidrocefalia –, faremos
uma breve revisão da formação, circulação e absorção do líquor (líquido cefalorraquidiano).

O SNC é envolto por três meninges, que são a dura-máter (mais espessa e resistente), a aracnoide
(intermediária, separa-se da dura-máter pelo espaço subdural e da pia-máter pelo espaço subaracnoídeo,
onde ocorre a circulação do líquor) e a pia-máter (mais interna, adere-se ao tecido nervoso).

O líquor é produzido pelo plexo coroide localizado nos ventrículos (principalmente os ventrículos
laterais), com a função principal de dar proteção mecânica ao SNC. Então, passa pelos forames ventriculares
até atingir o terceiro ventrículo e, depois, passa pelo aqueduto cerebral (aqueduto do mesencéfalo) até
chegar ao quarto ventrículo.

Do quarto ventrículo, o líquor circula pelo espaço subaracnoídeo, sendo reabsorvido principalmente
pelas granulações aracnóideas, que se projetam para o interior da dura-máter.

Dura-máter

Aracnoide

Pia-máter

A)

B)

Figura 84 – Sistema ventricular e circulação liquórica

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A figura a seguir mostra uma esquematização da circulação liquórica.


Ventrículos laterais direito e esquerdo

Forame interventricular

Terceiro ventrículo

Aqueduto cerebral (mesencefálico)

Quarto ventrículo

Espaço subaracnoídeo encefálico e medular

Figura 85 – Representação esquemática da circulação liquórica

Na MMC, devido à má-formação medular e meníngea, não ocorre a circulação liquórica de


forma adequada, levando ao acúmulo do líquor no sistema ventricular. Esse acúmulo recebe o nome
de hidrocefalia.

A hidrocefalia deve ser rapidamente tratada devido ao risco de compressão encefálica e lesões
neurológicas. A hidrocefalia congênita não tratada pode levar à protrusão do tecido nervoso central,
levando à herniação do tronco cerebral e do assoalho do quarto ventrículo para o canal cervical
medular e ao deslizamento do cerebelo pelo forame magno. Essa complicação requer a necessidade de
procedimentos cirúrgicos para derivação liquórica e controle da pressão intracraniana.

Possíveis sequelas podem ser apresentadas pelos pacientes após o tratamento da hidrocefalia, tais
como atraso do desenvolvimento neuropsicomotor e limitações funcionais.

A derivação liquórica pode ser feita para o meio externo, para o átrio direito ou através de terceiro
ventriculostomia, mas a empregada é a derivação ventrículo-peritoneal (DVP).

A DVP é um procedimento que consiste na introdução de um cateter na cavidade ventricular para


desviar o excesso de líquor contido nos ventrículos para a cavidade abdominal. A quantidade de líquor
a ser drenada é regulada por uma válvula interposta entre os dois cateteres.

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Figura 86 – Hidrocefalia

Hidrocefalia com
Shunt

Figura 87 – Derivação ventrículo peritoneal

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A)

B)

Figura 88 – Presença da DVP e posicionamento do cateter na cavidade abdominal

Indivíduos afetados pela doença podem apresentar graus variados de déficit motor, incontinência
fecal e urinária, além de alterações do SNC decorrentes da herniação dos elementos da fossa posterior
para o canal medular. Esse complexo de más-formações do SNC, conhecidas como má-formação de
Arnold-Chiari do tipo 2, pode levar a uma dilatação progressiva dos ventrículos cerebrais, tornando
necessária uma DVP para tratamento da hidrocefalia.

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Cerebelo herniado

Figura 89 – Má-formação de Arnold-Chiari

Observação

A dilatação do sistema ventricular ocorre praticamente em todas as


crianças com MMC, porém a hidrocefalia com hipertensão intracraniana
e dilatação progressiva com necessidade de colocação de DVP ocorre em,
aproximadamente, 80% a 90% dos casos.

Mesmo após a implantação da DVP, poderão ocorrer complicações secundárias quanto ao seu
funcionamento. Poderá ocorrer, por exemplo, a obstrução da derivação (a criança poderá apresentar
quadro de cefaleia, vômitos e letargia) ou casos de infecções, sendo necessária nova intervenção.

5.5.4 Síndrome da medula presa ou ancorada

Após a reparação cirúrgica da MMC, cerca de 10% a 30% dos casos podem apresentar o estiramento
do tecido medular devido ao crescimento da criança.

A síndrome da medula presa é caracterizada pela presença dos seguintes sinais clínicos: fraqueza
muscular progressiva, piora da marcha, piora da escoliose, dor à palpação na região da cicatriz cirúrgica,
piora da disfunção urológica e presença de tufos de pelos na região da cicatriz.

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Figura 90 – Mielomeningocele (MMC) nível lombar

Mas quais são os problemas decorrentes da síndrome da medula presa? E o que deve ser feito pelo
profissional da equipe de reabilitação que atende esse paciente?

É necessário que todos os membros da equipe estejam aptos a avaliar a presença de sinais clínicos
que surgiram com a síndrome da medula presa. Por exemplo: se o fisioterapeuta estiver atendendo uma
criança com MMC nível lombar baixo, espera-se que a criança seja capaz de realizar movimentos de flexão
e extensão de joelho e adução e abdução de quadril, e com isso será possível treinar a marcha comunitária
com dispositivos auxiliares. No entanto, devido à aderência medular (medula presa), conforme ocorra
o estirão de crescimento ósseo, poderá ocorrer um quadro de perda da força de músculos que antes
estavam normais, levando à perda da capacidade de deambular e piorando o prognóstico do paciente.

Nos casos de síndrome da medula presa, a criança deverá ser acompanhada pela equipe de
neurocirurgia, sendo muitas vezes indicado o procedimento cirúrgico de liberação da medula. Portanto,
esse paciente será submetido a nova intervenção cirúrgica.

O diagnóstico precoce e a liberação cirúrgica da medula presa resultam em estabilização ou melhora


dos sintomas na maioria dos casos. O objetivo cirúrgico é separar a medula espinhal de onde ela está
aderida e diminuir o estiramento da porção terminal da medula.

5.5.5 Risco de fraturas e feridas

Devido à paralisia flácida, ocorre menor descarga de peso nos membros inferiores, ocasionando maior
atividade osteoclástica, com menor fixação do cálcio ao tecido ósseo, levando ao maior risco de fraturas.

Além disso, devido à anestesia abaixo do nível da lesão, poderão ocorrer ulcerações em áreas
de proeminências ósseas, ou órteses mal adaptadas que causem áreas de hiperpressão, devendo os
cuidadores ser bem instruídos para prevenir essas lesões.

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5.5.6 Alergia ao látex

Desde o nascimento, o bebê com MMC é exposto constantemente a materiais que possuem látex
(sondas, luvas cirúrgicas) e, portanto, pode desenvolver um quadro alérgico. No caso, deverá ser orientado
aos familiares o uso de materiais de silicone.

5.6 Prognóstico de deambulação na MMC

Como visto até aqui, sabemos que as disfunções decorrentes da MMC apresentam graus variáveis
de gravidade, ou seja, o paciente pode apresentar uma leve disfunção motora (MMC nível sacral) até
quadros de graves deformidades escolióticas e plegia nos membros inferiores.

A seguir, são listados os fatores que podem favorecer ou prejudicar o prognóstico de marcha na MMC:

• Localização do nível de acometimento neurológico (torácico, lombar alto, lombar baixo e sacral).

• Presença de deformidades musculoesqueléticas nos membros inferiores e tronco.

• Presença de contração muscular ativa de quadríceps femoral, iliopsoas, tibiais e glúteos.

• Deformidades de coluna vertebral congênitas ou adquiridas.

• Presença de síndrome da medula presa.

• Presença de hidrocefalia caso haja comprometimento cognitivo ou associada à PC.

Prognóstico de marcha de acordo com o nível da MMC

Na MMC nível torácico, devido às deformidades e ao quadro muscular, espera-se que na maioria dos
casos os pacientes se desloquem com o uso de cadeira de rodas e, quando indicado, deambulem com o
uso de órteses apenas de forma terapêutica, ou seja, apenas a curtas distâncias.

Devido à falta de mobilidade, muitos pacientes podem acabar ganhando peso corporal, levando a
quadros de obesidade e dificultando ainda mais o prognóstico de marcha.

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Figura 91 – MMC nível torácico em uso de cadeira de rodas

MMC nível torácico

Controle cervical Alta incidência de


deformidades nos
Controle de tronco membros inferiores Prognóstico de marcha ruim
parcial ou total
Alta incidência de Marcha terapêutica
Preservada função dos deformidades da
membros superiores coluna vertebral

Figura 92 – MMC nível torácico

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Figura 93 – Tutor longo com cinto pélvico

Na MMC nível lombar alto, há uma possibilidade maior de deambulação terapêutica, uma vez que
o controle de tronco está preservado, e há um risco menor de deformidades da coluna vertebral tão
severas quanto no nível torácico.

MMC nível lombar alto

Controle cervical Deformidades nos membros Prognóstico de marcha


inferiores (hiperextensão reservado
Controle de tronco
de joelhos) Marcha terapêutica (uso de
Preservados membros superiores tutor longo, cinto pélvico,
Preservados flexores e adutores Deformidades da goteira suropodálica, treino
de quadril, extensão de joelho coluna vertebral em barra paralela ou andador)

Figura 94 – MMC nível lombar alto

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Figura 95 – Tutor longo com órtese de reciprocação

Na MMC nível lombar baixo, a marcha será comunitária, com o auxílio de órteses e muletas axilares, e
o paciente fará uso de cadeira de rodas quando for submetido a longos deslocamentos, devido ao elevado
gasto energético. Uma alteração postural comum nesse nível é a presença de hiperlordose lombar.

MMC nível lombar baixo

Controle cervical
Bom prognóstico de marcha
Presença de
Controle de tronco hiperlordose lombar Marcha comunitária (uso de
Preservados membros superiores Menor incidência de tutor longo e goteira
suropodálica, treino em barra
Preservados flexores, abdutores deformidades da coluna paralela, andador, e evolui para
e adutores de quadril, extensão vertebral uso de muletas canadenses)
e flexão de joelho

Figura 96 – MMC nível lombar baixo

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Unidade II

Figura 97 – Tutor longo para MMC nível lombar baixo e uso de muletas canadenses

Na MMC nível sacral, o paciente irá deambular sem a necessidade do uso de órteses, uma vez
que apresenta musculatura de extensores do quadril. Em alguns casos, indica-se o uso de goteira
suropodálica para evitar lesões nos pés. Nessa MMC, o paciente consegue assumir postura ortostática
sem necessidade de auxílio.

MMC nível sacral

Controle cervical
Controle de tronco
Baixa incidência de Prognóstico de marcha bom
Preservados membros superiores
deformidades Marcha comunitária (goteira
Preservados flexores, extensores, musculoesqueléticas suropodálica, se necessário)
adutores e abdutores de quadril,
extensão e extensão
de joelhos

Figura 98 – MMC nível sacral

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Observação

O termo “tutor” refere-se à órtese utilizada para estabilizar o membro


inferior. O tutor longo estabiliza as articulações do joelho, tornozelo e pé, e
o tutor curto estabiliza o tornozelo e o pé.

Figura 99 – Postura de ortostase na MMC nível sacral

5.7 Objetivos de tratamento

O tratamento terá como objetivo principal a independência motora e funcional da criança com
MMC e dependerá do nível da lesão e, portanto, dos grupos musculares preservados, bem como da
presença de deformidades ósseas associadas.

A intervenção fisioterapêutica deverá ocorrer desde os primeiros meses de vida, necessitando de


uma avaliação criteriosa, com programa terapêutico individualizado e especializado de acordo com o
desenvolvimento motor adequado, auxiliando na prevenção de contraturas e deformidades, visando
ao fortalecimento da musculatura preservada, à aquisição das trocas posturais e às indicações de
órteses adequadas.

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Unidade II

Durante as sessões de fisioterapia, será estimulado o desenvolvimento motor da criança, tais como o
controle cervical, o rolar, o sentar, a postura de quatro apoios, o engatinhar e, com as órteses adequadas,
até os estímulos na postura em pé e o treino de marcha. Portanto, os objetivos terapêuticos deverão
estar de acordo com a idade do paciente e o seu nível de lesão neurológica.

Durante a avaliação fisioterapêutica, devemos observar se há a presença de deformidades e


encurtamentos musculares, a integridade do tecido tegumentar (verificar a presença de ulcerações da
pele), o posicionamento do paciente (por exemplo, se mantém os membros inferiores em postura de
abandono), a presença de contração muscular e a sensibilidade.

Caso exista a hidrocefalia, o fisioterapeuta deverá averiguar se há ou não a presença de sinais que
indiquem lesão encefálica, tais como persistência de reflexos primitivos e alteração de tônus muscular
acima do nível da lesão da MMC (por exemplo, hipertonia elástica nos membros superiores).

De forma didática, podemos elaborar o tratamento de acordo com os níveis da MMC e o faremos
desta forma a seguir.

Nível torácico

• Plegia nos membros inferiores – postura em abandono.

• Prognóstico de deambulação reservado (ruim).

• Maior incidência de deformidades de tronco e encurtamentos musculares.

• Objetivos gerais: estimular o desenvolvimento neuropsicomotor (rolar, sentar), prevenir


deformidades, mostrar o posicionamento adequado, fortalecer a musculatura dos membros
superiores e tronco, estimular a independência funcional e orientar familiares a respeito de
ulcerações e risco de fraturas.

• Cadeira de rodas adaptada.

Nas figuras a seguir, vemos uma criança com MMC nível torácico, sem deformidades de tronco, com
bom equilíbrio postural e função dos membros superiores. Nesse caso, a criança é capaz de rolar sozinha
e manter-se sentada com apoio anterior de um dos membros superiores.

112
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

Figura 100 – Criança com MMC torácica com bom controle de tronco

Figura 101 – Criança com MMC nível torácico que consegue rolar de forma independente

Nível lombar alto

• Musculatura preservada: flexores e adutores de quadril (podem ter extensores de joelho).

• Prognóstico de deambulação comunitária: reservado.

113
Unidade II

• Objetivos gerais: estimular o desenvolvimento neuropsicomotor (rolar, sentar, quatro apoios),


prevenir deformidades, mostrar o posicionamento adequado, fortalecer a musculatura
preservada, estimular a independência funcional e orientar familiares a respeito de ulcerações e
risco de fraturas.

• Treino de ortostatismo (parapodium).

Na MMC nível lombar alto, como o paciente apresenta flexão ativa de quadril, ele pode conseguir
deslocar-se na postura de gato e adotar a ortostase, apoiando-se, por exemplo, em algum móvel.
Nesses casos, dois cuidados devem ser tomados: o primeiro é prevenir o risco de ulcerações ao
deslocar-se na postura de gato, uma vez que o paciente apresenta anestesia; e o segundo, ortostatismo,
deverá ser realizado com o uso das órteses adequadas, devido ao risco de sobrecarga nos joelhos
(hiperextensão) e de fraturas.

Nível lombar baixo

• Musculatura preservada: extensores e flexores de joelhos, adutores e abdutores de


quadril, dorsiflexores.

• Prognóstico de deambulação comunitária: boa evolução.

• Objetivo gerais: estimular o desenvolvimento neuropsicomotor, prevenir deformidades, mostrar o


posicionamento adequado, fortalecer a musculatura preservada (enfatizar o fortalecimento para
resistência durante o treino de marcha), estimular a independência funcional e orientar familiares
a respeito de ulcerações e risco de fraturas.

• Treino de ortostatismo (parapodium).

Na MMC nível lombar baixo, devemos enfatizar o treino de marcha com o uso de órteses adequadas,
uma vez que esses pacientes apresentam, na maioria das vezes, grande chance de terem uma marcha
comunitária (dentro e fora do domicílio).

Nível sacral

• Musculatura preservada: extensores de quadril e flexores plantares (plegia da musculatura intrínseca


dos pés).

• Prognóstico de deambulação comunitária: excelente evolução.

• Objetivos gerais: estimular o desenvolvimento neuropsicomotor, treino da marcha e evolução


adequada – muitas vezes, sem a necessidade de estímulos do fisioterapeuta.

114
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

Na figura a seguir, temos o caso de uma criança com MMC nível sacral que consegue passar da
postura de quatro apoios para a postura ortostática, sem apoio. Isso é possível devido à presença
da contração ativa dos músculos extensores de quadril.

Figura 102 – MMC nível sacral, presença ativa de extensores de quadril

Saiba mais

Para informações complementares, sugerimos a leitura dos artigos


a seguir:

BIZZI, J. W.; MACHADO, A. Mielomeningocele: conceitos básicos e avanços


recentes. Jornal Brasileiro de Neurocirurgia, v. 23, n. 2, p. 138‑151, 2012.
Disponível em: https://jbnc.emnuvens.com.br/jbnc/article/view/1161/1045.
Acesso em: 13 nov. 2020.

FERREIRA, F. R. et al. Independência funcional de crianças de um a


quatro anos com mielomeningocele. Fisioterapia e Pesquisa, v. 25, n. 2,
p. 196-201, 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/fp/v25n2/
2316-9117-fp-25-02-196.pdf. Acesso em: 13 nov. 2020.

115
Unidade II

Exemplo de aplicação

Imagine a seguinte situação: durante a avaliação de uma criança com diagnóstico de MMC, você
notou que ela apresenta contração muscular de flexores e adutores de quadril. Além disso, ela apresenta
um quadro de cifoescoliose irredutível e sem indicação cirúrgica devido a sua gravidade. Como você a
classificaria e qual seria o seu prognóstico para a marcha?

Trata-se de um MMC nível lombar alto, devido à musculatura preservada. Nesse caso, o prognóstico
de marcha seria reservado (pouco provável) por causa da deformidade do tronco.

6 SÍNDROME DE DOWN OU TRISSOMIA DO CROMOSSOMO 21

Neste tópico, iremos abordar uma síndrome sobre a qual você muito provavelmente já escutou – e
também é provável que já tenha conhecido pessoas com essa síndrome.

A síndrome de Down (SD) é a mais frequente das cromossomopatias (alterações genéticas


cromossômicas) que sobrevivem ao período gestacional. Em aproximadamente 50% dos casos
de fetos portadores de cromossomopatias ocorre o aborto espontâneo, sendo no mínimo 25%
certamente portadores de trissomias.

A SD é uma das alterações genéticas cromossômicas mais conhecidas, sendo descrita pela primeira
vez em 1866 pelo médico britânico John Langdon Down. Inicialmente, a SD foi descrita com o nome
de Mongolismo ou Idiotia Mongoloide, porque crianças europeias com a síndrome apresentavam traços
similares aos de crianças de etnia mongólica (povos da Mongólia) e pálpebras inclinadas como os
asiáticos. Porém, a denominação “mongolismo” ou “mongoloide” tornou-se pejorativa, sendo associada
ao quadro de declínio cognitivo apresentado em graus variáveis na SD, e, portanto, esse termo não
é mais utilizado.

Posteriormente, a SD recebeu o nome do médico responsável pela descrição da síndrome. Embora


tenha sido descrita pela primeira vez em 1866, apenas em 1959 a equipe do Dr. Jérôme Lejeune e da Dra.
Patrícia Jacobs comprovaram a existência de um cromossomo extra no par 21, formando a trissomia.

A incidência da SD é de aproximadamente um a cada 700 nascidos vivos, com maior percentual em


mulheres gestantes com idade superior a 35 anos de idade. No Brasil, nasce uma criança com SD a cada
600 a 800 nascimentos, e a presença da SD é independente de etnia, gênero ou classe social.

116
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

Figura 103 – Síndrome de Down

6.1 Formas de anormalidades cromossômicas

A SD é uma condição genética que pode advir de três anormalidades cromossômicas, que são a
trissomia livre, a translocação e o mosaicismo. Na SD, há um cromossomo extra no par 21, caracterizando
a trissomia do cromossomo 21.

Observação

Síndrome é um conjunto de sinais e sintomas que define as


manifestações clínicas de uma ou várias doenças ou condições clínicas.
São sinais clínicos que se repetem.

A SD ocorre durante a formação fetal devido a um acidente genético. Como citado anteriormente, a
idade materna é um fator que está ligado ao seu aparecimento, pois uma mulher mais velha possui maior
probabilidade de gerar uma criança com SD (teoria do ovócito velho). A não disjunção cromossômica
pode ser decorrente da destruição de fibras cromossômicas ou da deterioração do centrômero.

A presença do cromossomo 21 extra na constituição genética determina características físicas


específicas e atraso no desenvolvimento. O diagnóstico é baseado na presença do fenótipo associado ao

117
Unidade II

cariótipo. Auxiliam também a USG obstétrica (translucência nucal), a coleta de vilosidades coriônicas, a
amniocentese, a cordoncentese, as técnicas de DNA recombinante e os marcadores no sangue materno.

No exame da USG obstétrica, o médico avalia sinais sugestivos que indiquem a presença da SD, o
que pode incluir as seguintes alterações: membros curtos (encurtamento femural), pescoço curto e
largo (translucência transnucal), crânio braquicefálico, ponte nasal baixa, cardiopatia, atresia duodenal
e espaço aumentado entre o hálux e o segundo dedo.

Figura 104 – Exame de USG obstétrica: aumento do espaço da


translucência nucal e diminuição do osso nasal

O cariótipo é a representação do conjunto de cromossomos presentes no núcleo celular de um


indivíduo. No ser humano, o conjunto de cromossomos corresponde a 23 pares, ou seja, 46 cromossomos,
sendo 22 pares de cromossomos denominados autossomos e um par de cromossomos sexuais,
representados por XX nas mulheres e XY nos homens. No cariótipo, os cromossomos são ordenados por
ordem decrescente de tamanho.

Lembrete

Fenótipo é um termo da genética usado para descrever as características


observáveis de um indivíduo, que resultam da interação dos fatores
epigenéticos com o genótipo e os fatores ambientais não herdáveis.

Cariótipo é o conjunto de cromossomos de um indivíduo.

118
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

A SD é caracterizada pela presença de um cromossomo 21 extra, que citogeneticamente pode se


apresentar de três formas:

• Trissomia simples ou trissomia livre: causada por não disjunção cromossômica, geralmente de
origem meiótica, ocorre em 95% dos casos de SD, é de ocorrência casual e caracteriza-se pela
presença de um cromossomo 21 extra livre, descrito da seguinte forma no exame de cariótipo: 47,
XX + 21 para o sexo feminino e 47, XY + 21 para o sexo masculino.

• Translocação: ocorre entre 3% e 4% dos casos de SD, pode ser de ocorrência casual ou herdada de
um dos pais. A trissomia do cromossomo 21, neste caso, é identificada no cariótipo não como um
cromossomo livre, e sim translocado a outro cromossomo. Mais frequentemente a translocação
envolve o cromossomo 21 e o cromossomo 14.

• Mosaicismo: detecta-se entre 1% e 2% dos casos de SD, é também de ocorrência casual e


caracteriza-se pela presença de duas linhagens celulares, uma normal com 46 cromossomos e outra
trissômica com 47 cromossomos, sendo o cromossomo 21 extra livre. Apenas algumas células do
corpo têm esse cromossomo extra, então as células normais e as anormais formam um mosaico.

ou

Figura 105 – Cariótipo na SD: trissomia simples do cromossomo 21

119
Unidade II

ou

Figura 106 – Cariótipo na SD: trissomia por translocação do cromossomo 21 aderido ao 14

O RN com SD geralmente tem sua expressão fenotípica muito clássica, possibilitando que um
profissional habilitado chegue ao diagnóstico com margem de certeza muito elevada, a qual só poderá
ser fechada de forma adequada após o estudo da cariotipagem do bebê.

O fenótipo da SD se caracteriza principalmente por: pregas palpebrais oblíquas para cima; epicanto
(prega cutânea no canto interno do olho); sinófris (união das sobrancelhas); base nasal plana (nariz
em sela); face aplanada; protusão da língua; palato em ogiva; baixa implantação das orelhas; pavilhão
auricular pequeno; cabelo fino; clinodactilia (quinto dedo da mão curvado); braquidactilia (dedos
curtos); afastamento entre o primeiro e o segundo dedos dos pés; pé plano; prega simiesca (prega
palmar única transversa); hipotonia muscular; frouxidão ligamentar; excesso de tecido adiposo na nuca;
retrognatismo; diástase abdominal e hérnia umbilical. Nem todas essas características precisam estar
presentes para fazer o diagnóstico clínico de SD. Da mesma forma, a presença isolada de uma dessas
características não configura o diagnóstico.

A presença de hipotonia muscular e de frouxidão ligamentar influencia diretamente no


desenvolvimento físico e motor dessas crianças. O indivíduo com SD pode desenvolver alterações
musculoesqueléticas que interferem na qualidade da força muscular, alterações no padrão de marcha,
redução da capacidade pulmonar secundária à fraqueza da musculatura respiratória e lentidão
nas reações posturais (reações de endireitamento, proteção e equilíbrio), prejudicando, assim, seu
equilíbrio postural.

120
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

Figura 107 – Afastamento entre o primeiro e segundo dedos dos pés

Figura 108 – Fissura oblíqua palpebral Figura 109 – Fissura palpebral oblíqua, macroglossia e
prognatismo mandibular

O termo “crânio braquiocefálico” refere-se ao achatamento da região posterior craniana.

Saiba mais

Para conhecer outras cromossomopatias, indicamos as leituras dos


capítulos 21 e 31 do livro a seguir:

MUSTACCHI, Z.; PERES, S. Genética baseada em evidências: síndromes e


heranças. São Paulo: CID, 2000.

121
Unidade II

Figura 110 – Face na SD

Figura 111 – Características da mão: prega palmar única e falanges curtas

Apesar de muitos pacientes com SD apresentarem grande longevidade, a expectativa de vida é


menor do que quando comparada com a população em geral, e isso ocorre devido a possíveis defeitos
cardíacos congênitos, leucemia e maior suscetibilidade a infecções.

6.2 Complicações associadas à SD

6.2.1 Instabilidade atlantoaxial

A criança com SD apresenta hipotonia muscular, diminuição da força muscular, frouxidão


ligamentar e hipermobilidade articular, o que contribui para a alteração do alinhamento no segmento
atlantoaxial. A instabilidade atlantoaxial é definida como um aumento na mobilidade entre a primeira
(atlas) e a segunda (áxis) vértebra cervical. Na maioria das vezes, esse quadro é assintomático (em torno
122
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

de 20% a 30% apresentam o quadro), porém, se houver um risco de ocorrer compressão medular, o
paciente é a princípio tratado de forma conservadora, e nos casos graves é indicada a intervenção
cirúrgica (em torno de 2% dos casos).

É necessário que essas crianças que apresentam evidências de instabilidade atlantoaxial sejam
submetidas ao acompanhamento radiológico periódico antes de serem liberadas para a prática esportiva.

O fisioterapeuta deve atentar-se a esse risco e evitar alguns movimentos bruscos ou atividades
forçadas de flexão cervical que podem ocasionar a subluxação vertebral. Todos os profissionais da
saúde devem estar atentos caso a criança apresente sinais que possam indicar a lesão neurológica
decorrente de compressão medular, o que inclui novos sinais clínicos: dor no pescoço, dificuldade
para andar, perda de força muscular nos membros, incontinência urinária e fecal.

Observação

O termo “hipoplasia” refere-se ao hipodesenvolvimento do processo


odontoide (dente) do áxis (segunda vértebra cervical).

6.2.2 Cardiopatias congênitas

Os defeitos cardíacos congênitos (DCC) apresentam alta prevalência em crianças com SD. Dados
aproximados entre 40% e 60% dos casos apresentaram alguma alteração cardíaca congênita.

O achado mais frequente é o defeito do septo atrioventricular (30% até 60% dos casos), seguido do
defeito do septo ventricular (30% dos casos), da persistência do canal arterial e da tetralogia de Fallot.

Os DCC continuam sendo a principal causa de morbimortalidade no período neonatal devido à


própria cardiopatia ou a quadros de infecções pulmonares. Vale ressaltar que a criança com SD apresenta
também alterações no sistema imunológico, o que a torna mais suscetível a infecções.

Nos casos mais severos de DCC, torna-se necessária a intervenção cirúrgica; já as cardiopatias mais
leves são tratadas de forma conservadora, aumentando, assim, a expectativa de vida desses indivíduos.

6.2.3 Hipotonia muscular

A hipotonia associada com a SD manifesta-se ainda na fase intrauterina e mantém-se após o


nascimento de uma forma moderada, podendo ser acompanhada de hiporreflexia. Essa hipotonia
é uma das principais causas das disfunções motoras e, consequentemente, da alteração no controle
postural das crianças com SD, a qual depende de uma integração contínua entre o sistema
sensorial e o motor.

A hipotonia muscular faz com que o desenvolvimento inicial seja precário, com a criança demorando
mais para sorrir, balbuciar, falar, sustentar a cabeça, segurar objetos, rolar, sentar, arrastar, engatinhar,
123
Unidade II

andar e correr. Sendo assim, a exploração que a criança faz do meio nos primeiros anos de vida, que vai
estimular o seu desenvolvimento, torna-se afetada e ineficaz.

A hipotonia muscular, fraqueza muscular e hipoplasia cerebelar são frequentemente relacionadas


como causa do atraso no desenvolvimento motor para a criança com SD, ou seja, é esperado que a
criança com SD apresente um atraso do DNPM. Essas crianças irão, na maioria das vezes, adquirir as
trocas posturais, inclusive a marcha, porém elas encontram maneiras de se adaptar para conseguir
manter o equilíbrio postural.

Por exemplo, ao assumirem a postura ortostática, as crianças apresentam um aumento na base de


sustentação (pés mais afastados), facilitando, assim, o equilíbrio postural – o mesmo ocorre quando
ficam sentadas. De forma geral, apresentam padrões atípicos para o controle postural, a locomoção
e até mesmo para a manipulação de objetos. O andar, como vimos, é comum nos portadores de SD,
mas eles o fazem com a base alargada e com maior oscilação do tronco e da cabeça, não conseguindo
conservar os membros inferiores em extensão completa quando na posição bípede e apresentando um
considerável grau de flexão em nível de quadris, dos joelhos e do tronco.

A causa da hipotonia não é totalmente esclarecida, mas sabe-se que a criança nasce frequentemente
com hipoplasia nos lobos frontais e occipitais, redução no lobo temporal em até 50% dos casos, que
pode ser unilateral ou bilateral. Em alguns, observa-se redução do corpo caloso, da comissura anterior e
do hipocampo. O cerebelo encontra-se desproporcionalmente menor que o cerebelo de indivíduos não
sindrômicos. Pesquisas revelam que as destrezas motoras do bebê com SD são deficientes em razão da
frouxidão ligamentar e da hipotonia muscular.

6.2.4 Frouxidão ligamentar

A frouxidão ligamentar generalizada, secundária à alteração na estrutura do colágeno tipo I, é


responsável por várias das alterações ortopédicas, como pé plano, instabilidade patelar, instabilidade do
quadril e instabilidade atlantoaxial.

6.2.5 Demências

Sabemos que a expectativa de vida na SD vem aumentando nos últimos anos, porém os indivíduos
com essa síndrome são afetados por comorbidades que aceleram seu declínio cognitivo e funcional.
O indivíduo apresenta envelhecimento precoce e possibilidade aumentada de desenvolver um quadro
de demência, sendo a mais prevalente a doença de Alzheimer (DA). Há pesquisas que evidenciam uma
relação genérica entre SD e DA, uma vez que o cromossomo 21 está associado com a deposição excessiva
e precoce da proteína β-amiloide no encéfalo, a qual está relacionada ao processo neuropatológico
característico da DA.

Tanto o desenvolvimento neuronal quanto o dos dendritos chegam a atingir uma importante
redução quanto ao número e ao volume, o que aparentemente sugere uma parada da plasticidade desse
sistema com degeneração e progressiva formação de placas senis.

124
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

6.2.6 Obesidade

Tem sido demonstrado que a prevalência de sobrepeso e obesidade sofre incremento com o avanço
da idade em pessoas com SD, tornando-se fundamental a prevenção da obesidade nessa população para
diminuir o risco de comorbidades. Há uma relação direta entre distúrbios da tireoide e o aumento da
obesidade na SD.

As causas da obesidade em pessoas com SD ainda não foram totalmente esclarecidas e,


semelhantemente ao que é observado na população geral, são multifatoriais. Estudos em crianças
com SD encontraram como fatores determinantes da obesidade os seguintes: hábitos alimentares
inadequados, ingestão calórica excessiva, menor taxa de metabolismo basal, menor atividade física,
hipotonia e hipotireoidismo.

6.2.7 Alterações otorrinolaringológicas

Na SD, podem ocorrer obstruções de vias aéreas superiores e alterações do trato respiratório alto
e baixo. A predisposição à hipoventilação está necessariamente vinculada à hipotonia e a quadros
de rinorreias crônicas (de caráter infeccioso ou alérgico) e desenvolvimento anômalo craniofacial,
acarretando obstruções da oronasofaringe.

Pode haver hipertrofia do sistema linfoide, aumento das adenoides e das amígdalas como causa de
situações produtoras de distúrbios e apneias do sono.

A deficiência auditiva pode ser observada desde o nascimento ou de forma secundária às otites
médias recorrentes. Podem existir anomalias do pavilhão auricular e conduto auditivo externo menores
e alterações do nível sensorial auditivo, provocando dificuldade de linguagem, associada também ao
comprometimento intelectual próprio da SD.

Observação
No dia 21 de março, comemora-se o dia internacional da pessoa com SD.

Figura 112 – Comemoração do dia mundial da SD: 21/3

125
Unidade II

6.3 Diagnóstico clínico

O diagnóstico clínico de SD baseia-se no reconhecimento de características físicas. Quanto mais


características específicas da síndrome forem identificadas, aumenta-se a segurança do diagnóstico.

Existe um conjunto de alterações associadas à SD que exigem especial atenção e necessitam de


exames específicos para sua identificação. São elas: cardiopatia congênita, alterações oftalmológicas,
auditivas, do sistema digestório, endocrinológicas, do aparelho locomotor, neurológicas, hematológicas
e ortodônticas.

A seguir, conheça os principais sinais clínicos presentes na SD:

• Comprometimento intelectual.

• Hipotonia muscular.

• Fissura palpebral oblíqua.

• Crânio braquicefálico.

• Mãos largas, dedos curtos.

• Clinodactilia do quinto dedo.

• Pregas epicânticas.

• Defeitos cardíacos.

• Microcefalia.

• Baixa estatura.

• Orelhas de implantação baixa.

• Prega única transversa (prega simiesca).

• Instabilidade atlantoaxial.

• Hipermobilidade articular (frouxidão ligamentar).

Diagnóstico laboratorial

O diagnóstico laboratorial da SD se faz através da análise genética denominada cariótipo (já citado
anteriormente).
126
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

Orientações gerais

Inicialmente, o cuidado com a saúde da criança com SD deve estar focado no apoio e na informação à
família e no diagnóstico das patologias associadas. Após essa fase inicial, a terapêutica inclui estimulação
global, imunização, estímulo ao aleitamento materno e manutenção da saúde com acompanhamento
periódico. Após comunicar o diagnóstico do nascimento de uma criança com SD, o pediatra ou clínico
geral deve orientar a família e solicitar os exames complementares necessários: cariótipo, ecocardiograma,
hemograma, TSH (Hormônio Estimulante da Tireoide) e hormônios tireoidianos (T3 e T4).

O cariótipo é o exame solicitado para diagnóstico laboratorial da SD, que deve ser feito no primeiro
ano de vida ou caso não tenha sido realizado em qualquer tempo. O ecocardiograma é solicitado tendo
em vista que 50% das crianças apresentam cardiopatias, mesmo sem ausculta de sopros cardíacos. Caso
o primeiro exame esteja normal, não será necessário repeti-lo. As crianças com cardiopatia devem ser
acompanhadas por um cardiologista.

O hemograma é solicitado para afastar alterações hematológicas, policitemia, leucemia e desordem


mieloproliferativa transitória. Deve ser repetido semestralmente nos primeiros dois anos de vida e
anualmente ao longo da vida da pessoa com SD.

A função tireoidiana (TSH e T4 livre) deve ser avaliada ao nascimento, aos seis meses, aos 12 meses e
após, anualmente. Existe um risco de 1% de hipotireoidismo congênito e 14% ou mais de hipotireoidismo
ao longo da vida. Nessa fase inicial de acompanhamento, devem ser afastadas patologias associadas.

São necessárias avaliações de acuidade auditiva e visual aos seis e aos 12 meses e, posteriormente,
anualmente, afastando erros de refração, catarata congênita, glaucoma, nistagmo e pseudoestenose do
ducto lacrimal nos exames oftalmológicos.

Saiba mais

As Diretrizes de Atenção à Pessoa com Síndrome de Down explicam as


principais ocorrências e estabelecem um calendário de acompanhamento
médico, exames e vacinas indicadas para as pessoas com SD. Para
conhecer melhor, leia:

BRASIL. Ministério da Saúde. Diretrizes de atenção à pessoa com


síndrome de Down. Brasília: Ministério da Saúde, 2012. Disponível em:
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_cuidados_sindrome_
down.pdf. Acesso em: 13 nov. 2020.

127
Unidade II

6.4 Objetivos do tratamento da fisioterapia

A estimulação precoce é uma série de exercícios para desenvolver as capacidades da criança,


de acordo com a fase do desenvolvimento em que ela se encontra. A maior parte dos programas de
estimulação precoce é dirigida a crianças de 0 a 3 anos. Geralmente, esses programas envolvem atividades
de fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional. É importante não fixar idades para a aquisição de
habilidades, pois há grande variação no desenvolvimento das crianças com SD.

O desenvolvimento global da criança depende muito do ambiente em que ela vive. Ele deve ser
tranquilo, mas deve fornecer-lhe estímulos variados (brinquedos coloridos, música, conversas). Porém
não devemos ofertar muitos estímulos ao mesmo tempo; por exemplo, muitos brinquedos, rádio e
televisão ligados ou outras crianças brincando. O excesso de estímulos pode confundir a criança, que não
conseguirá concentrar-se em um único estímulo nem perceberá alterações que ocorreram no ambiente.

De forma geral, os principais objetivos da fisioterapia devem englobar:

• Estimulação motora para aquisição de controles posturais (controle de cabeça, tronco superior,
tronco inferior, pelve e membros inferiores).

• Estimulação motora para trocas posturais e controle estável dessas trocas (rolar, sentar, engatinhar,
ajoelhado, semiajoelhado, ortostase e marcha).

• Auxílio no desenvolvimento de reações de proteção e equilíbrio (estático e dinâmico).

• Utilização de estratégias para aceleração do alcance dos principais marcos motores (sedestação com
e sem apoio, engatinhar e/ou arrastar-se, ortostatismo com e sem apoio e aquisição de marcha).

• Orientação dos pais para auxiliar no alcance das metas fisioterapêuticas em domicílio e orientação
a eles a respeito da avaliação com o médico cardiologista e do risco de instabilidade atlantoaxial.

Saiba mais

Para obter mais informações sobre a estimulação precoce na SD, leia:

MOVIMENTO DOWN. Guia de estimulação para crianças com Síndrome


de Down. Rio de Janeiro, 2015. Disponível em: http://www.movimentodown.
org.br/wp-content/uploads/2015/10/Guia-de-estimulação-PARA-
DOWNLOAD.pdf. Acesso em: 13 nov. 2020.

Sugerimos também o acesso ao site:

http://www.projetodown.org.br/

128
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

Resumo

A mielomeningocele (MMC) entra no grupo das doenças ocasionadas


por defeito no fechamento do tubo neural (DFTN), caracterizada pela falta
de fusão dos arcos vertebrais, com displasia da medula espinhal e de suas
meninges. Ela ocorre nas primeiras quatro semanas de gestação, e o local
afetado que apresenta protusão e exposição da medula espinhal recebe o
nome de placode (bolsa da mielomeningocele).

As características clínicas da MMC são a paralisia flácida (atonia


muscular, arreflexia, atrofia muscular) e anestésica abaixo do nível da lesão,
implicando comprometimento neurológico, urológico e ortopédico.

A classificação da MMC é realizada pela determinação do nível


neurológico da lesão, principal fator para o prognóstico de deambulação do
paciente, em quatro níveis: torácico, sem movimentação ativa dos membros
inferiores; lombar alto, com movimentação ativa dos músculos psoas,
adutores e eventualmente quadríceps; lombar baixo, com movimentação
ativa dos músculos psoas, adutores, quadríceps, flexores mediais dos
joelhos e eventualmente tibial anterior e/ou glúteo médio; e sacral, que
apresenta, além desses músculos funcionais, a função flexora plantar e/ou
extensora do quadril.

Quanto mais baixo for o nível da lesão medular, mais grupos musculares
estarão preservados e, portanto, melhor desempenho funcional o
paciente apresentará.

A intervenção fisioterapêutica deverá iniciar nos primeiros meses


de vida, e, após uma avaliação criteriosa, será traçado um programa
terapêutico individualizado e especializado que estimule o desenvolvimento
motor adequado, auxiliando na prevenção de contraturas e deformidades,
visando ao fortalecimento da musculatura preservada, à aquisição das
trocas posturais, às indicações de órteses adequadas e, quando possível, ao
treino de deambulação.

A SD é uma condição genética que pode advir de três anormalidades


cromossômicas, que são a trissomia livre, a translocação e o mosaicismo.
Na SD, há um cromossomo extra no par 21, caracterizando a trissomia
do cromossomo 21.

A presença de hipotonia muscular e de frouxidão ligamentar influencia


diretamente no desenvolvimento físico e motor dessas crianças. O indivíduo

129
Unidade II

com SD pode desenvolver alterações musculoesqueléticas que interferem na


qualidade da força muscular, alterações no padrão de marcha, redução da
capacidade pulmonar secundária à fraqueza da musculatura respiratória e
lentidão nas reações posturais, prejudicando, assim, seu equilíbrio postural.

O cuidado com a saúde da criança com SD inicialmente deve estar


focado no apoio e na informação à família e no diagnóstico das patologias
associadas. Após essa fase inicial, a terapêutica inclui estimulação global,
imunização, estímulo ao aleitamento materno e manutenção da saúde
com acompanhamento periódico.

Os objetivos do tratamento da fisioterapia abrangem a estimulação


motora para aquisição de controles posturais, das trocas posturais e do
controle estável dessas trocas, o auxílio no desenvolvimento de reações
de proteção e equilíbrio, a utilização de estratégias para aceleração do
alcance dos principais marcos motores e a orientação e participação
ativa dos cuidadores.

Exercícios

Questão 1. (Enade 2016) Uma criança com 6 meses de idade, com diagnóstico de mielomeningocele,
apresentou, ao exame físico, paraparesia dos membros inferiores. A criança não permanece em
sedestação. Em decúbito dorsal, mantém-se em postura de abandono; em decúbito ventral, apresenta
capacidade de se posicionar sobre os cotovelos e elevar a cabeça por cerca de 5 segundos; não
apresenta capacidade de locomoção nessa posição. Verificou-se que a criança é carregada no colo a
maior parte do tempo ou permanece na cama em decúbito dorsal.

Com base nessa situação, avalie as afirmativas a seguir acerca de orientações a serem dadas pelo
fisioterapeuta à cuidadora da criança, para o atingimento de objetivos a curto prazo.

I – Quando a criança estiver em decúbito dorsal, deve ser colocada uma fralda em oito nos joelhos,
para prevenir a rotação externa de quadril e evitar luxação ou subluxação de quadril.

II – Deve ser utilizado HKAFO (órtese quadril-joelho-tornozelo-pé) para colocar a criança em


bipedestação e, assim, evitar a desmineralização óssea.

III – A criança deve ser estimulada a acompanhar objetos com a cabeça, quando em decúbito ventral,
para desenvolver o controle da cervical e da cintura escapular.

IV – A criança deve ser estimulada a ficar sentada sem apoio, a pegar objetos acima da cabeça e a
engatinhar, para ganho de controle de tronco.

130
FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

É correto o que se afirma em:

A) II, apenas.

B) I e III, apenas.

C) II e IV, apenas.

D) I, III e IV, apenas.

E) I, II, III e IV.

Resposta correta: alternativa B.

Análise das afirmativas

I – Afirmativa correta.

Justificativa: a criança com mielomeningocele nível torácico apresenta paralisia flácida, o que
resulta na posição de abandono dos membros inferiores, que ficam rodados externamente quando
ela é posicionada em decúbito dorsal. Se essa posição não for corrigida, a criança desenvolve uma
deformidade em rotação externa de quadril e semiflexão dos joelhos, o que impossibilita a marcha.
A postura de abandono pode ser evitada se os membros forem enfaixados em oito com um lençol ou
fralda. O enfaixamento em oito é feito com rotações de subida e descida alternadas, nas quais cada volta
se cruza, formando um oito, de maneira a limitar a rotação dos membros inferiores.

II – Afirmativa incorreta.

Justificativa: a estimulação da bipedestação pelo uso da HKAFO de fato evita a desmineralização


óssea nos pacientes com mielomeningocele nível torácico. No entanto, o enunciado afirma que a
criança tem apenas 6 meses de idade e não apresenta controle do tronco e do pescoço, fatores que
contraindicam o uso da órtese. Nesse caso, as descargas de peso nos membros inferiores podem ser
simuladas, por exemplo, pela realização de posturas sobre quatro apoios.

III – Afirmativa correta.

Justificativa: manter a criança em prona (decúbito ventral) e movimentar um objeto à sua frente
faz com que a criança tente acompanhar o objeto com a cabeça, o que estimula a extensão da cervical
contra a gravidade. A cintura escapular também é exercitada, principalmente se a criança tenta pegar o
objeto, situação que favorece a transferência do peso do corpo de um membro para o outro.

131
Unidade II

IV – Afirmativa incorreta.

Justificativa: de fato, a postura sentada favorece o controle do tronco. No entanto, essa postura
deve ser realizada com apoio, devido à idade e ao tônus muscular da criança. Como complemento,
deve-se também estimular o movimento de rolar, que promove o fortalecimento da musculatura
abdominal e o incremento do controle de tronco. O engatinhar e a postura sentada sem apoio só
devem ser estimulados mais tardiamente, quando a criança assumir a postura de quatro apoios de
forma independente.

Questão 2. A síndrome de Down é uma condição genética em que o portador apresenta trissomia do
cromossomo 21. A hipotonia muscular e a frouxidão ligamentar, que são características dessa síndrome,
influenciam o desenvolvimento físico e motor da criança. Portanto, é correto afirmar que:

A) O tratamento fisioterápico deve acontecer preferencialmente no período de 0 a 3 anos de idade,


e os exercícios devem ser adequados à fase do desenvolvimento em que a criança se encontra.

B) Durante a fisioterapia, é importante não fixar idades e não adotar estratégias para acelerar a
aquisição dos principais marcos motores (sentar, engatinhar, permanecer em pé, andar), uma vez
que existe grande variação na velocidade de obtenção dessas habilidades.

C) A estimulação motora para a aquisição de controles e trocas posturais não é uma prioridade, pois,
até os três anos de idade, a hipotonia muscular prevalece.

D) As reações de proteção e de equilíbrio dinâmico devem ser estimuladas em detrimento das


reações estáticas, pois as últimas não estão significativamente alteradas nas crianças com
síndrome de Down.

E) Por se tratar de uma condição genética, as consequências da frouxidão ligamentar (pé plano,
instabilidade patelar, instabilidade do quadril e instabilidade atlantoaxial) não podem ser tratadas
com fisioterapia.

Resposta correta: alternativa A.

Análise da questão

A estimulação precoce da criança com síndrome de Down consiste numa série de exercícios que
visam ao desenvolvimento motor da criança, de acordo com a fase do desenvolvimento em que ela se
encontra. A maior parte dos programas de estimulação precoce são dirigidos a crianças de 0 a 3 anos
e, geralmente, envolvem não só atividades de fisioterapia, mas também de fonoaudiologia e de terapia
ocupacional. É importante não fixar idades para a aquisição das habilidades, pois há grande variação no
desenvolvimento das crianças com síndrome de Down.

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FISIOTERAPIA PEDIÁTRICA

Os principais objetivos da fisioterapia aplicada às crianças com síndrome de Down são os


que seguem:

• Estimulação motora para a aquisição de controles posturais (controle de cabeça, tronco superior,
tronco inferior, pelve e membros inferiores).

• Estimulação motora para trocas posturais e controle estável dessas trocas (rolar, sentar, engatinhar,
ficar ajoelhado ou semiajoelhado, marchar etc.).

• Auxílio no desenvolvimento de reações de proteção e de equilíbrio (estático e dinâmico).

• Utilização de estratégias para aceleração do alcance dos principais marcos motores (sedestação com
e sem apoio, engatinhar e/ou arrastar-se, ortostatismo com e sem apoio e aquisição de marcha).

• Orientação dos pais.

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