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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

TRABALHO DE NEUROANATOMIA
PARTE ESCRITA – DISCUSSÃO DOS CASOS CLÍNICOS H.M. E M.S.

Alunos do Grupo D

Daniel Divan Frydman; DRE: 120030238


Enzo Lucena Puppin; DRE: 120014290
Gabriel Bruno Martins; DRE: 120020479
Guilherme Araujo da Cunha; DRE: 120046946
Gustavo Gonçalves Uzzo; DRE: 120030759
Igor Silva Dutra; DRE: 120043249
João Marcus Ruperto Nunes; DRE: 120042887
Lucas Borges da Fonseca Magalhães; DRE: 120060110
Lucas Soares da Silveira Duarte; DRE: 120101893
Luiz Fernando da Silva Bezerra Junior; DRE: 120039525
Pedro Chiara Seabra; DRE: 120143316
Pedro da Costa Perrota de Carvalho; DRE: 120023338
Rafael José Martins Souza; DRE: 120121770

Monitoras do Grupo D

Letícia Almeida
Clara Montebeller
Marcela Moraes

31/03/2021
DESCRIÇÃO DOS CASOS H.M. E M.S.
O paciente H.M. era um homem que, aos 27 anos, passou por uma cirurgia de ressecção do lobo temporal
medial, no intuito de atenuar os efeitos das recorrentes crises epilépticas que apresentava. Esse quadro se iniciou antes
de seus dez anos, em um acidente traumático de bicicleta, piorando severamente a partir dos seus quinze anos. O
cirurgião William Beecher Schovile retirou cirurgicamente parte considerável da formação hipocampal, a amígdala, o
córtex entorrinal e o córtex temporopolar. De modo geral, a estrutura de seu lobo temporal medial foi extensamente
abalada, sendo que as porções restantes do hipocampo, por exemplo, estavam amplamente desconectadas. Finalmente,
a substância branca adjacente ao lobo temporal medial também apresentou danos significativos.
Posteriormente à cirurgia, os quadros epilépticos ficaram sob controle, porém notou-se um grande déficit de
memória (amnésia). Entre os principais aspectos, sua memória de trabalho permaneceu normal, sua memória de longo
prazo (antes dos 16 anos) estava preservada, porém a memória retrógrada dos anos mais recentes, anteriores à cirurgia,
foi afetada por perdas quase totais. Sua memória semântica permaneceu normal, ao contrário de sua memória
anterógrada, a qual sofreu perda total da capacidade de consolidar novas memórias de longa duração. Finalmente, sua
memória implícita permaneceu extensamente preservada.
Inicialmente, sua memória anterógrada sofreu danos irreversíveis, sendo incapaz de transferir novas
informações para a memória de longa duração. Isso pode ser explicado pelo papel do lobo temporal medial, com
destaque para a formação hipocampal (região majoritariamente removida no processo cirúrgico), na consolidação de
memórias de trabalho/curto prazo em memórias de longo prazo, nas regiões do neocórtex (região de armazenamento e
acesso direto de memórias de longo prazo). Sua memória retrógrada dos anos mais recentes, em relação à cirurgia, foi
perdida, tendo em vista que essas memórias ainda não haviam passado por um processo completo de consolidação
pelo hipocampo, não indo, portanto, para as regiões do neocórtex. Por outro lado, sua memória retrógrada mais antiga
(antes dos 16 anos) foi preservada, já que teve tempo suficiente para uma completa consolidação cortical. Como o
neocórtex não foi atingido, essa função se preservou. Sua memória de trabalho permaneceu normal devido ao fato de a
mesma ser organizada no córtex pré-frontal, não atingido pela cirurgia. Por fim, sua memória implícita também se
preservou, já que tem participação de estruturas como o neocórtex, cerebelo e núcleos da base, também não lesados na
operação.
O paciente M.S., por sua vez, era um homem que, aos 47 anos, sofreu um acidente automobilístico com lesão
em chicote. No hospital, exames de rotina de neuroimagem mostraram estruturas encefálicas bem preservadas, com
apenas glioses pontuais, um hematoma subdural e sangramento subaracnóide, principalmente na região do lobo frontal
esquerdo. Apesar dos indicativos positivos dos exames, o paciente apresentou perda total de memória retrógrada, com
mudança de personalidade, hábitos, preferências, além de perda de conhecimento de idiomas que não o nativo.

CORRELAÇÃO ENTRE OS CASOS


Por fim, comparando os dois casos, destacamos semelhanças e diferenças consideráveis. Enquanto o paciente
H.M. teve perda de memória anterógrada declarativa severa e perda parcial da memória retrógrada, o paciente M.S.
teve perda de memória retrógrada declarativa e não declarativa. Além disso, o paciente M.S. teve perda da noção da
própria personalidade, o que não ocorreu no caso do H.M. Ambos os pacientes tiveram manutenção da memória de
trabalho. Outro aspecto que podemos destacar é a diferença na causa dos sintomas apresentados: enquanto o paciente
H.M. passou por cirurgia, o M.S. sofreu um acidente automobilístico. Finalmente, a causa dos sintomas no paciente
H.M. foram derivadas da excisão bilateral temporal medial, enquanto para M.S. levantamos as hipóteses microgliais
(incluindo glioses na região temporofrontal) e de depressão alastrante.

HIPÓTESE 1
A hipótese para esse caso é que após o trauma sofrido pelo paciente, devido aceleração e desaceleração
rotacional do encéfalo, ocorreram lesões nas áreas de substância branca próximas aos ventrículos laterais do cérebro,
causando o rompimento de axônios nessa região (lesão axonal difusa). Em consequência disso, glioses e microglioses
foram formadas nessa região, gerando uma alteração intra-axonial, a qual compromete o transporte, desconectando a
chegada de informação a terminais sinápticos relacionados a memória (Kopelman, 2002) . Vale ressaltar, no entanto,
que essa região próxima dos ventrículos laterais, onde as lesões ocorreram, fica entre o lobo temporal, o tálamo e o
lobo frontal do cérebro, regiões importantes para o acesso de memórias retrógradas, uma vez que estudos de
neuroimagem funcional sugerem que circuitos envolvendo o córtex frontal, temporal e tálamo participariam do
armazenamento e da recuperação de memórias remotas. Sendo assim, essa lesão localizada onde estão as glioses,
reveladas pelo exame de imagem, estaria interrompendo a conexão entre essas áreas do cérebro, mais precisamente,
entre o lobo frontal, responsável pela organização e monitorização dos processos de recuperação de memória, e o lobo
temporal, relevante pela recordação de eventos autobiográficos. Assim, essa hipótese levanta a possibilidade de ter
ocorrido uma lesão axonal difusa nas áreas de comunicação entre o lobo frontal e o lobo temporal, o que resultou na
perda da memória retrógrada pelo paciente MS.

HIPÓTESE 2
Uma segunda hipótese formulada pelo grupo para explicar o caso M.S. gira em torno de mecanismos de
amnésia retrógrada desencadeados pela ação combinada de tsunamis químicos e de ondas de depressão alastrante,
havendo gênese de reentrada das mesmas. Vale ressaltar, que essa ação é desencadeada por insultos, tanto mecânicos,
quanto químicos, que irão culminar na mudança do espaço extracelular e na liberação de fatores citotóxicos,
disparando toda essa cascata. 
Inicialmente, acreditamos que existem várias hipóteses que podem explicar a origem desses insultos. Primeiro,
a lesão em chicote sofrida pelo paciente durante o acidente automobilístico pode ter gerado danos vasculares, como
por exemplo a obstrução e o consequente rompimento de microcapilares e/ou artérias em meio aos lobos encefálicos.
Essa obstrução, além de diminuir o aporte nutricional e de oxigênio aos neurônios, o que já se configura como uma
possível causa de lesão neuronal, promove o extravasamento de células presentes nos vasos para o espaço extracelular
das células presentes na região perilesional. Essa alteração do espaço extracelular (principalmente relacionada ao
aumento da concentração de K + e de glutamato, mas também mediada por outro fatores) gera estresse para as células,
que passam a secretar fatores tóxicos que irão lesar outras células próximas. Graças ao acoplamento celular
promovido pelas junções GAP, essa transferência ocorre de célula à célula rumo a regiões mais distantes, contribuindo
para a lesão neuronal, principalmente das células com acoplamentos de primeira ordem, que estão mais próximas da
região do insulto, mas também das células com acoplamentos de segunda e terceira ordem, mais afastadas do insulto.
Por fim, pode-se hipotetizar que as glioses, vistas nos exames de ressonância magnética, representariam os locais de
origem do insulto, nos quais a intensa citotoxicidade promoveria a morte celular neuronal. Nesse contexto, cada gliose
evidenciaria uma lesão puntiforme no tecido cerebral e, ao mesmo tempo, cada uma constituiria um foco de gênese de
depressões alastrantes, as quais convergiriam formando reentradas em cada um desses pontos.    
Outra possível causa do insulto estaria relacionada ao próprio estresse traumático relacionado ao acidente.
Sabe-se que níveis acentuados de fatores de estresse podem, por si só, desencadear a formação de depressões
alastrantes. Nessas situações, estímulos adrenérgicos hiper estimulariam conexões com o giro denteado,
desencadeando os mesmos mecanismos ativados pela primeira hipótese, o que poderia levar à propagação de ondas de
depressão alastrante. 
Em ambas as hipóteses, os locais de início do insulto estão relativamente próximos do hipocampo e do córtex
temporal e pré-frontal. Por sua vez, sabendo-se que a depressão alastrante  se propaga não obedecendo limites arteriais
e funcionais, essas duas regiões, muito relacionadas com memórias já consolidadas e pouco consolidadas, poderiam
ser afetadas. 
Ambos os insultos culminariam em cascatas químicas e em ondas de depressão alastrante. Agora, essas ondas
provocariam depressões neuronais, bem como a citotoxicidade aos diversos acoplamentos de células. Além disso, o
fenômeno da depressão alastrante geraria um estado de constante despolarização neuronal, e, como consequência, haja
vista que o neurônio tende a buscar a sua homeostasia, ele teria uma enorme demanda metabólica para tentar retomar
o seu potencial de ação. Outra origem de dano celular seria causada pelos fatores tóxicos liberados e pela hipóxia.
Resumindo, as células sofreriam duplamente, tanto por tentar restabelecer o potencial de repouso quanto pelas
condições do meio extracelular. Tais condições provocariam uma indução de estados metabólicos adversos aos
neurônios e essas poderiam indicar fortemente a redução da capacidade de manutenção de conexões sinápticas
neuronais.
No caso M.S. em específico, essa consequência poderia causar uma involução sináptica a ponto de
comprometer a circuitaria de consolidação e de evocação de memórias antigas. Três pontos são essenciais para
conectar essa hipótese ao caso: primeiramente (i), o alto tétano de disparo relacionado à circuitaria de memória
implicaria que, mesmo com pequenas perdas quantitativas de sinapses, esse sistema seria mais afetado, nesse caso,
que outros (como sensorial e motor); segundamente (ii), o caráter reversível das ondas despolarizantes explicariam o
não comprometimento da memória anterógrada, uma vez que o comprometimento seria suficiente para decodificar
memórias antigas, mas não ao ponto de provocar prejuízos neuronais irreversíveis nessa circuitaria; terceiramente (iii),
o caráter gradual e lento desse fenômeno explicaria a lembrança no momento do acidente (em momentos iniciais da
depressão) e de perda total quando acordou (em momentos em que já houve a reentrada de ondas e a depressão já
provocou suas consequências).
Por fim, pode-se destacar ainda a não percepção de alterações no EEG, o que é justificado pelo fato de que a
depressão alastrante se propaga a partir de ondas de alta amplitude e baixa frequência, não facilmente identificáveis
pelo exame.

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