Você está na página 1de 83

UNIVERSIDADE LUSÍADA NORTE (PORTO)

Faculdade de Direito (1.º Ciclo – 2015/2016)

Teoria Geral do Poder Público (TGPP) – 1.º ano


1.ª Frequência / Exame regime B (2016.01.25)
Duração da prova: 2 horas (15:00-17:00)

Grelha de correção das provas

I (10 valores)

Defina sucintamente cinco dos seguintes conceitos:

1. Democracia participativa.
A democracia participativa consiste na participação dos cidadãos ou de
organizações sociais (sindicatos, associações profissionais, ONGs, etc.) nos
procedimentos e na tomada de decisões dos órgãos do poder público, através de
petições, representações e abaixo-assinados, da participação em consultas populares
sobre propostas legislativas ou outras decisões políticas, da intervenção em
comissões de moradores e nos órgãos consultivos existentes ou em fóruns ad hoc
constituídos, na preparação e recolha de assinaturas para propostas de legislação ou
de referendos. Trata-se de um complemento “informal” da democracia
representativa (“democracia eleitoral”) e da democracia semidirecta (referendos).
Ao contrário destas, a democracia participativa é uma “democracia de pressão” ou
“de influência”, sem poderes decisórios.

2. Estado unitário “regional”.


Estado unitário é o contrário de Estado federal, que é um “Estado compósito”.
Portugal é um Estado unitário (6º/1 CRP), permanecendo no Estado o poder
constituinte, o poder de revisão constitucional e o poder jurisdicional. Existe apenas
uma cidadania (portuguesa). Estado unitário regional é aquele em que existem
formas de decentralização política territorial (comunidades ou regiões autónomas),
dotadas de poderes legislativos e governativos próprios, como os estados federados,
2

mas, ao contrário destes, sem disporem de autonomia constitucional e sem


participarem nos processos de decisão do Estado. Portugal é um exemplo de Estado
unitário “regional” parcial, visto que a CRP de 1976 reconheceu a autonomia
política das regiões autónomas dos Açores e da Madeira (com Governos e
Assembleias Legislativas próprias). Estados regionais típicos são a Espanha e a
Itália.

3. Lobbying.
Termo de origem imprecisa. A versão mais consensual aponta para o séc. XIX e
refere-se ao pátio de entrada do palácio de Westminster (sede do Parlamento
britânico) – ainda hoje conhecido como central lobby – onde as pessoas convergiam
para tratar de assuntos com os deputados, líderes políticos ou representantes do
governo. O lobbying pode ser definido como a atividade de representação e de defesa
dos interesses de entidades ou grupos organizados junto dos decisores políticos
(deputados, governantes, etc.) com o objetivo de influenciar as decisões do poder
público, em especial do poder legislativo, em favor de causas ou objetivos defendidos
pelo grupo. Em vários países e também na UE, a atividade de lobbying está
reconhecida e regulada (registo dos lobistas, transparência das relações com os
decisores políticos, etc.).

4. Cláusula-barreira (sistemas eleitorais).


Consiste na fixação legal de uma percentagem mínima de votos a obter pelos
partidos para conseguirem representação parlamentar, v. g., nos sistemas
proporcionais da Dinamarca (2%), Espanha e Grécia (3%), Suécia, Noruega e
Áustria (4%), Alemanha (5%). As cláusulas barreira são típicas dos sistemas
proporcionais e visam impedir ou reduzir a fragmentação parlamentar e/ou impedir
ou dificultar o acesso ao parlamento de pequenos partidos extremistas ou radicais.
Em Portugal está proibida pela Constituição. Todavia, e eleição dos deputados em
círculos eleitorais que elegem um número reduzido de deputados correspondente a
uma cláusula-barreira implícita, variável de círculo para círculo. Por exemplo, num
círculo que elege 20 deputados a cláusula-barreira implícita é de cerca de 5%.
Todavia, um partido que atinja essa percentagem de votos elege um deputado
mesmo que tenha uma percentagem ínfima a nível nacional
3

5. Mandato representativo.
No mandato representativo (ou livre) – que carateriza as modernas democracias
representativas - os representantes (deputados) representam o conjunto dos
cidadãos (e não um grupo ou corporação, como nas cortes medievais) e exercem
livremente o seu cargo, sem estarem vinculados a adotar determinadas orientações
previamente definidas pelos representados. Por essa razão o mandato representativo
não pode ser revogado (recall). O mandato representativo distingue-se do mandato
imperativo (ou vinculado), típico da representação política pré-liberal (cortes
medievais) e também das conceções rousseaunianas e leninistas de democracia, em
que os representantes estão obrigados por um programa e vinculados às posições
assumidas perante os representados, aos quais terão de prestar contas (daí a
possibilidade de revogação dos mandatos, ou recall).

6. Limitações ao poder da maioria.


Uma vez que numa democracia o poder legítimo é o poder da maioria, o único modo
de limitar e controlar o poder é estabelecer limites ao poder da maioria, de modo a
evitar o risco da “ditadura das maiorias”. A principal limitação ao poder das
maiorias num Estado constitucional é a própria Constituição, na medida em que ela
impede que as maiorias parlamentares legislem em sentido contrário à Constituição.
Assim, os direitos fundamentais e outras normas impositivas ou proibitivas da
Constituição traduzem-se em outros tantos limites ao poder das maiorias. Outros
mecanismos de limitação do poder da maioria são: as maiorias qualificadas (revisão
da Constituição e algumas leis de valor reforçado), o poder de veto do Presidente da
República, os limites aos referendos e aos plebiscitos, o direito da oposição e a
democracia participativa.

II (5 valores)
Exponha de forma sucinta, mas crítica, a caracterização do atual sistema de governo
previsto pela Constituição da República Portuguesa de 1976 (texto originário) e a revisão
constitucional de 1982.
4

Tópicos a ter em conta para a exposição, que se pretende sucinta, crítica e


devidamente fundamentada:
a) sistema de governo no texto originário da Constituição de 1976;
b) alterações introduzidas na primeira revisão constitucional de 1982;
c) identificar e caracterizar as várias posições doutrinais sobre a caraterização do
sistema de governo vigente:
(i) sistema semipresidencial;
(ii) sistema misto parlamentar-presidencial,
(iii) sistema primo-ministerial;
(iv) sistema de índole essencialmente parlamentar (onde os poderes do PR
fazem lembrar o poder moderador ou “quarto poder” de Benjamin
Constant).

III (5 valores)
Comente a seguinte frase de Tocqueville relacionando-a com o pensamento político do
seu autor:

Liberty has never come from the government. Liberty has always come from the
subjects of government. The history of liberty is the history of resistance. The
history of liberty is a history of the limitation of governmental power, not the
increase of it.

Tópicos obrigatórios na resposta a esta pergunta:


a) Sucinta referência à vida e à obra de Tocqueville;
b) Breve nota sobre a origem e principais ideias do livro em causa (A Democracia na
América) sobre a originalidade do sistema políticos dos Estados Unidos (ausência de
privilégios de nascimento, liberdade e tolerância religiosa, participação dos cidadãos
na vida política);
c) Comentário específico ao excerto em referência como profissão de fé liberal, na
linha de Locke e de Constant, considerando que a história da liberdade é a história
da resistência ao poder, ou seja, a história da limitação do poder do Estado. Quanto
menos poder do Estado, mais liberdade dos indivíduos e da sociedade. Todavia, ao
negar a oposição entre liberalismo e democracia e ao “casar” as ideias da
5

democracia e do liberalismo, Tocqueville é um dos pioneiros da noção de democracia


liberal, ou seja, de democracia limitada pelas liberdades individuais e sociais.
6

UNIVERSIDADE LUSÍADA NORTE (PORTO)


Faculdade de Direito (1.º Ciclo – 2015/2016)

Teoria Geral do Poder Público (TGPP) – 1.º ano


Exame Escrito 2.ª Época (2016.07.08)
Duração da prova: 2 horas (15:00-17:00)

I (10 valores)

Defina sucintamente cinco dos seguintes conceitos:

1. Legitimação carismática do poder (Max Weber).


Legitimidade carismática – Justificação do poder baseada na capacidade e no
"apelo" pessoal (carisma) dos governantes para atraírem a adesão dos
subordinados, assente em dotes pessoais de liderança e de comunicação dos
governantes (os profetas, os heróis, os demagogos, os líderes natos).
Distingue-se da “legitimidade tradicional” e da “legitimidade legal-racional”.

2. Lobbying.
O lobbying pode ser definido como a atividade de representação e de defesa dos
interesses de entidades (empresas, etc.) ou grupos organizados junto dos decisores
políticos (deputados, governantes, etc.) com o objetivo de influenciar as decisões do
poder público, em especial do poder legislativo, em favor de causas ou objetivos
defendidos pelo grupo. Pode ser exercido pelos próprios interessados ou por
lobbyistas profissionais contratados.
Em vários países e também na UE, a atividade de lobbying está legalmente
reconhecida e regulada (registo dos lobistas, transparência das relações com os
decisores políticos, etc.).
7

3. Competência legislativa autorizada do Governo.


Na formulação originária da separação de poderes, o poder legislativo era exclusivo
da assembleia representativa, o parlamento. O poder executivo (governos) tinha por
missão executar as leis, não a de fazer leis. Com o tempo, porém, veio a admitir-se a
ação legislativa do Governo mediante autorização ad hoc do Parlamento, que é hoje
uma caraterística da generalidade dos sistemas de governo parlamentares.
Entre nós, a competência legislativa autorizada do Governo é assaz ampla e existe
por força do art. 165º da CRP, i. e, o Governo pode legislar sobre todas as matérias
da competência relativamente reservada da AR elencadas no art. 165.º da CRP,
quando autorizado por esta (art. 198.º- 1/b) CRP) por meio de uma lei de autorização
legislativa.

4. Revogação popular do mandato (recall).


A revogação de mandatos (ou recall) consiste na faculdade reconhecida aos cidadãos
eleitores de, por iniciativa de um certo número deles ou por iniciativa oficial, serem
chamados a decidir mediante consulta popular a cessação do mandato de um certo
titular eletivo (um deputado, o presidente da república) antes do termo desse
mandato. Trata-se, portanto, de uma destituição popular de titulares de mandatos
eletivos, tratando-se numa forma de responsabilidade política direta perante os
cidadãos.

Essa figura estava, por exemplo, prevista na Constituição alemã de Weimar (1919)
para a destituição de presidente da República; era um dos mecanismos previstos nas
constituições dos Estados comunistas; e continua a existir em alguns dos Estados
norte-americanos (Califórnia, por exemplo) e em alguns cantões suíços.

Em princípio, não existe o recall nos sistemas de governo de tipo parlamentar, onde
o poder de eleger não inclui o poder de destituir. Por isso, entre nós não existe
destituição popular nem dos deputados nem do Presidente da República ou de
outros titulares de mandatos eleitos diretamente (por ex. presidentes de câmara
municipal).
8

5. Democracia representativa.
A democracia representativa é caraterizada pelo facto de o poder político não ser
exercido diretamente pelo povo (como na democracia direta), mas sim por órgãos
representativos eleitos, nomeadamente uma assembleia representativa.

Numa democracia representativa, a principal forma de expressão e intervenção


política são as eleições para os órgãos representativos, a começar pelos parlamentos.
Muitas vezes também são diretamente eleitos os Presidentes da República ou os
chefes de certos órgãos executivos (por exemplo, os governadores dos Estados
federados ou os presidentes dos municípios). A democracia representativa é antes
de mais uma democracia eleitoral, através de eleições livres e periódicas por sufrágio
universal, secreto, igual e direto.

6. Limitações ao poder da maioria.


Uma vez que numa democracia o poder legítimo é o poder da maioria, manifestada
em eleições e em votações parlamentares, o único modo de limitar e controlar o
poder político é estabelecer limites ao poder da maioria, de modo a evitar o risco da
“ditadura das maiorias”.

A principal limitação ao poder das maiorias num Estado constitucional é a própria


Constituição, na medida em que ela impede que as maiorias parlamentares legislem
em sentido contrário à Constituição. Assim, os direitos fundamentais e outras
normas impositivas ou proibitivas da Constituição traduzem-se em outros tantos
limites ao poder das maiorias. Outros mecanismos de limitação do poder da maioria
são: as maiorias qualificadas (revisão da Constituição e algumas leis de valor
reforçado), o poder de veto do Presidente da República, os limites aos referendos e
aos plebiscitos, o direito da oposição e a democracia participativa.

II (5 valores)

Exponha de forma sucinta, mas crítica, a caracterização do sistema de governo de índole


parlamentar, com poder “moderador” do Presidente da República.
9

De acordo com esta tese, não é possível compreender o sistema de governo português
sem ter em conta o lugar específico do PR como “quarto poder”, à margem da
dialética da relação parlamento-Governo, claramente inspirada na figura do “poder
moderador” proposta por Benjamin Constant.

Há quem veja na eleição direta do PR um traço semipresidencialista do sistema de


governo. Errado. Existem muitas repúblicas tipicamente parlamentares em que o
PR é diretamente eleito e não tem nenhuns poderes exorbitantes de um sistema de
governo parlamentar (Áustria, Irlanda, Islândia, etc.). A eleição direta não quer
dizer necessariamente presidencialismo nem semipresidencialismo.

Por outro lado, se o PR tem entre nós relevantes poderes próprios, isso não quer
dizer que eles se referem diretamente ao sistema de governo. Na verdade, embora o
Presidente tenha fortes poderes de intervenção institucional (nomeação de altos
cargos públicos, direito de veto dos diplomas legislativos, poder de dissolução
parlamentar e antecipação de eleições, por iniciativa própria, convocação de
referendos, etc.), ele não participa, porém, diretamente da atividade governamental
nem o governo depende politicamente da sua confiança política, pelo que não pode
deixar de nomear um governo que tenha maioria parlamentar nem demitir nenhum
governo por motivo de discordância política (salvo excecionalmente, quando estiver
em causa o "regular funcionamento das instituições").

Estruturalmente, o sistema de governo português é hoje um sistema de índole


essencialmente parlamentar, em que os governos são constituídos no seguimento das
eleições parlamentares e de acordo com o seu resultado, e em que o Presidente da
Republica não compartilha da função executiva nem da atividade governamental,
cabendo-lhe antes um papel de defesa da Constituição e de regulador e moderador
do sistema político, fazendo lembrar, como se referiu, o “poder neutro” de Benjamin
Constant, que entre nós inspirou a Carta Constitucional de 1826, a mais duradoura
constituição portuguesa.

III (5 valores)
10

Comente a seguinte frase de Tocqueville relacionando-a com o pensamento político do


seu autor:

Liberty has never come from the government. Liberty has always come from the
subjects of government. The history of liberty is the history of resistance. The
history of liberty is a history of the limitation of governmental power, not the
increase of it.

Tópicos obrigatórios na resposta a esta pergunta:


a) Sucinta referência à vida e à obra de Tocqueville;
b) Breve nota sobre a origem e principais ideias do livro em causa (A
Democracia na América) sobre a originalidade do sistema político dos Estados
Unidos (ausência de privilégios de nascimento, liberdade e tolerância religiosa,
participação dos cidadãos na vida política);
c) Comentário específico ao excerto em referência como profissão de fé liberal,
na linha de Locke e de Constant, considerando que a história da liberdade é a
história da resistência ao poder, ou seja, a história da limitação do poder do
Estado. Quanto menos poder do Estado, mais liberdade dos indivíduos e da
sociedade.
d) Por outro lado, ao negar a oposição entre liberalismo e democracia, como
era corrente no séc. XIX, e ao “casar” as ideias da democracia e do liberalismo,
Tocqueville é um dos pioneiros da noção de democracia liberal, ou seja, de
democracia limitada pelas liberdades individuais e sociais.
11

UNIVERSIDADE LUSÍADA NORTE (PORTO)


Faculdade de Direito (1.º Ciclo – 2015/2016)

Teoria Geral do Poder Público (TGPP) – 1.º ano


1.ª Frequência / Exame regime B (2017.01.23)
Duração da prova: 2 horas (15:00-17:00)

I (10 valores)

Defina sucintamente cinco dos seguintes conceitos:

1. Democracia representativa.
A democracia representativa é caraterizada pelo facto de o poder político não ser
exercido diretamente pelo povo (como na democracia direta), mas sim por órgãos
representativos eleitos, nomeadamente uma assembleia representativa.

Numa democracia representativa, a principal forma de expressão e intervenção


política são as eleições para os órgãos representativos, a começar pelos parlamentos.
Muitas vezes também são diretamente eleitos os Presidentes da República ou os
chefes de certos órgãos executivos (por exemplo, os governadores dos Estados
federados ou os presidentes dos municípios). A democracia representativa é antes
de mais uma democracia eleitoral, através de eleições livres e periódicas por sufrágio
universal, secreto, igual e direto.

A democracia representativa distingue-se da chamada “democracia popular” entre


outras coisas pelo facto de o mandato representativo não ser vinculado e de em
princípio não haver possibilidade de revogação popular do mandato antes do seu
termo.
12

2. Referendo constitucional.
Referendo constitucional é a votação popular o que versa sobre a aprovação ou
ratificação de uma constituição ou de uma revisão constitucional. Referendo
ordinário é o que versa sobre leis ou decisões políticas infraconstitucionais.
Em alguns Estados federais, como os Estados Unidos da América, as revisões
constitucionais estão sujeitas a ratificação pelos estados federados.
No ordenamento constitucional português está proibido o referendo constitucional
às alterações à Constituição (art. 115º/4a)), mas em vários países as alterações à
Constituição efetuadas pelo parlamento têm de ser submetidas a um subsequente
refendo popular.

3. Legitimação legal-racional do poder (Max Weber).


Legitimidade legal-racional: é a forma típica de legitimidade do poder nas sociedades
políticas modernas, sendo baseada em instrumentos jurídicos gerais e abstratos
(constituições e leis), na definição precisa de atribuições e competências, na
igualdade formal dos membros da coletividade perante o poder, na legitimação dos
titulares do poder pelos governados segundo esquemas eleitorais e representativos;
o poder deriva da lei e/ou do mandato eleitoral.

4. Presidencialismo.
É o modelo classicamente representado desde a origem pelo sistema de governo dos
Estados Unidos da América. As caraterísticas essenciais do sistema são as seguintes:
- A função governamental cabe diretamente ao Presidente da República, não
havendo um governo separado;
- O Presidente é independente do Congresso, não dependendo da sua
confiança política nem podendo ser destituído por desconfiança política;
- O Presidente goza de legitimidade eleitoral própria (eleição direta ou quase
direta) independente do Congresso e acumula as funções de chefe do Estado
e de chefe do executivo, sendo nesta tarefa coadjuvado por secretários de
Estado (ou ministros), cabendo, porém, ao presidente exclusivamente a
condução da ação governativa;
- Há duas eleições e dois órgãos eleitos (sistema bi-representativo); as eleições
decisivas para o executivo e as políticas governamentais são as eleições
13

presidenciais e não as eleições legislativas, que se limitam a eleger os


deputados;
- Existe separação marcada entre o poder legislativo (Congresso) e o
executivo (Presidente); nem a assembleia pode demitir o governo, que não é
responsável perante ela, nem o presidente pode dissolver aquela e antecipar
eleições;
- Não havendo possibilidade de demissão de um poder pelo outro, nunca há
eleições antecipadas; mesmo no caso de morte do Presidente, ele é substituído
pelo vice-presidente até ao final do mandato;
- A subsistência e o funcionamento dos dois órgãos são independentes, sem
prejuízo da possibilidade de demissão do Presidente por motivo de
impeachment aprovado pelo Congresso (Senado), em caso de grave infração
do Presidente no desempenho do cargo (trata-se de uma condenação de tipo
penal e não de condenação propriamente política);
- Todavia, existem alguns poderes de controlo recíproco (checks and
balances), como o direito de veto do Presidente sobre as leis aprovadas pelo
Congresso (que o Congresso pode superar mediante nova votação) e o poder
do Congresso de escrutinar e ratificar a escolha do Presidente quanto a
diversos titulares de altos cargos públicos (secretários de Estado,
embaixadores, chefes de autoridades administrativas independentes, juízes
federais, etc.).

5. Recall de mandatos eleitorais.


A revogação de mandatos (ou recall) consiste na faculdade reconhecida aos cidadãos
eleitores de, por iniciativa de um certo número deles ou por iniciativa oficial, serem
chamados a decidir mediante consulta popular a cessação do mandato de um certo
titular eletivo (um deputado, o presidente da república) antes do termo desse
mandato. Trata-se, portanto, de uma destituição popular de titulares de mandatos
eletivos, tratando-se numa forma de responsabilidade política direta perante os
cidadãos.

Essa figura estava, por exemplo, prevista na Constituição alemã de Weimar (1919)
para a destituição de presidente da República; era um dos mecanismos previstos nas
14

constituições dos Estados comunistas; e continua a existir em alguns dos Estados


norte-americanos (Califórnia, por exemplo) e em alguns cantões suíços.

Em princípio, não existe o recall nos sistemas de governo de tipo parlamentar, onde
o poder de eleger não inclui o poder de destituir. Por isso, entre nós não existe
destituição popular nem dos deputados nem do Presidente da República ou de
outros titulares de mandatos eleitos diretamente (por ex. presidentes de câmara
municipal).

6. Limitações ao poder da maioria.


Uma vez que numa democracia o poder legítimo é o poder da maioria (eleitoral ou
parlamentar), o único modo de limitar e controlar o poder é estabelecer limites ao
poder da maioria, de modo a evitar o risco da “ditadura das maiorias”. A principal
limitação ao poder das maiorias num Estado constitucional é a própria Constituição,
na medida em que ela impede que as maiorias parlamentares legislem em sentido
contrário à Constituição. Assim, os direitos fundamentais e outras normas
impositivas ou proibitivas da Constituição traduzem-se em outros tantos limites ao
poder das maiorias. Outros mecanismos de limitação do poder da maioria são: as
maiorias qualificadas (revisão da Constituição e algumas leis de valor reforçado), o
poder de veto do Presidente da República, os limites aos referendos e aos plebiscitos,
o direito da oposição e a democracia participativa.

II (5 valores)

Desenvolva um dos seguintes temas:

a) Estado unitário versus Estado federal;

Estado unitário: uma constituição; um único nível de organização política, com um


chefe do Estado, um parlamento, um governo e uma única organização judicial para
todo o território nacional, sem prejuízo da descentralização administrativa em
entidades locais (municípios e regiões) ou até da existência de regiões ou
15

comunidades autónomas, dotadas de autonomia político-administrativa mais ou


menos extensa.

Estado federal: dois níveis de organização do poder político: federação e unidades


federadas (de novo sem prejuízo da descentralização administrativa em autarquias
locais, como os municípios). As unidades federadas gozam de autonomia
constitucional, com respeito da constituição federal. Existe uma repartição material
dos poderes políticos (legislação, governo, função judicial) entre a federação e as
unidades federadas.

Num Estado federal os cidadãos têm uma dupla cidadania, participando em dois
tipos diferentes de comunidade política. Como membros de uma unidade federada,
participam na vida política da respetiva comunidade (eleições da assembleia
legislativa própria, referendos, etc.) Como membros da comunidade nacional,
participam na respetiva vida política (eleição do chefe do Estado e do parlamento
federal, referendos nacionais, etc.)

Normalmente, o federalismo implica um sistema bicameral a nível federal, sendo


uma das câmaras representativa da população federal em geral e a outra
representativa das unidades federadas, na base do princípio da tendencial igualdade
de representação (o mesmo número de representantes independentemente da
população e da área de cada unidade federada). Muitas vezes a segunda câmara
adota o nome de senado (Estados Unidos, Brasil). Além dessa participação na vida
da federação, as unidades federadas participam também, por via de regra, na
alteração da constituição da federação, através de mecanismos específicos,
nomeadamente a sujeição das alterações constitucionais a referendo orgânico das
assembleias das unidades federadas (como sucede nos Estados Unidos da América).

Estado unitário é o contrário de Estado federal, que é um “Estado compósito”.


Portugal, apesar da existência das regiões autónomas dos Açores e da Madeira, é
um Estado unitário (6º/1 CRP), permanecendo no Estado o poder constituinte, o
poder de revisão constitucional e o poder jurisdicional. Existe apenas uma cidadania
(portuguesa). AS regiões autónomas não gozam de autonomia constitucional; não
existe representação das regiões autónomas ao nível nacional e as regiões não
participam na revisão constitucional.
16

b) Comparação entre o sistema eleitoral do Parlamento no Reino Unido e o da Assembleia


da República em Portugal, bem como a sua influência no sistema partidário e no
funcionamento do sistema de governo.

No Reino Unido vigora um sistema eleitoral maioritário, sendo os deputados eleitos


em círculos eleitorais uninominais (tantos quantos os deputados a eleger), sendo
eleito em cada círculo o candidato que tenha mais votos (maioria simples). Esse
sistema eleitoral leva a que os grandes partidos elejam a grande maioria dos
deputados, pelo que existe uma sobrerrepresentação parlamentar dos grandes
partidos e uma sub-representação ou nula representação dos pequenos partidos.
Esse sistema favorece a constituição de sistemas tendencialmente bipartidários,
facilita a obtenção de maiorias parlamentares do partido vencedor mesmo com
votações muito abaixo da maioria absoluta. Por conseguinte, os governos são em
geral monopartidários e gozam de grande estabilidade, visto que dispõem de maioria
no parlamento.
Todavia, este modelo tendencialmente bipartidário é perturbado pelo apoio eleitoral
dos partidos regionais e nacionalistas na Escócia, na Irlanda e no País de Gales, o
que lhes permite obter representação parlamentar em Londres, apesar da sua
escassa representatividade nacional.
No caso português vigora um sistema eleitoral proporcional, sendo os deputados
eleitos em círculos plurinominais, em proporção dos votos obtidos pelo respetivo
partido. Por isso, há a possibilidade de eleição de deputados por pequenos e médios
partidos, especialmente nos grandes círculos (Lisboa, Porto, etc.). Isso leva a uma
representação parlamentar multipartidária (entre cinco e sete partidos), dificulta a
obtenção de maiorias parlamentares monopartidárias (só houve três em 40 anos) e
obriga à existência de governos minoritários ou de coligação, que normalmente não
chegam ao fim da legislatura. Dái uma maior instabilidade política.

III (5 valores)
Comente uma das seguintes frases:
17

a) «As leis não aprovadas pelo próprio povo não são leis» (Rousseau).

Rousseau foi acima de tudo um teorizador da democracia plena, baseada na


omnipotência da “vontade geral” expressa através de votações populares diretas
(referendos) ou de eleições caracterizadas pelo mandato vinculativo e pela
possibilidade de revogação popular dos mandatos eletivos. Rousseau rejeita a ideia
de representação política e de governo representativo, pois o povo não pode delegar
incondicionalmente o poder aos representantes. Além disso, contra a teoria liberal
de Locke e de Montesquieu, Rousseau defendeu a unidade do poder contra a
separação de poderes, pelo que o poder executivo (governo) deveria consistir numa
simples emanação da assembleia popular, titular de todo o poder e expressão da
“vontade geral”.
Estas características – omnipotência e unidade do poder popular e precariedade e
revogabilidade da representação política – estão na origem da teoria das
“democracias populares”, como alternativa às democracias representativas,
baseadas no mandato livre e não revogável e na limitação e separação do poder.

b) «A “vontade geral” [Rousseau] leva ao despotismo» (Constant).

Benjamin Constant, um liberal assumido, partidário da limitação do poder, da


separação de poderes e da “liberdade negativa dos modernos” foi um dos primeiros
a vislumbrar os riscos da democracia radical de Rousseau para as liberdades
individuais. A omnipotência da “vontade geral” de Rousseau, bem como a teoria da
unidade do poder e a rejeição da separação de poderes podiam levar ao despotismo
da maioria (ou até de uma minoria usurpadora da “vontade geral”), à custa da
liberdade individuais.
Enquanto Rousseau privilegia a democracia à custa do liberalismo, Constant
privilegia o liberalismo limitando a democracia. A síntese da “democracia liberal”
(democracia representativa + liberalismo) ainda estava para ser alcançada.
18

UNIVERSIDADE LUSÍADA NORTE (PORTO)


Faculdade de Direito (1.º Ciclo – 2016/2017)

Teoria Geral do Poder Público (TGPP) – 1.º ano


1.ª Frequência / Exame regime B (2017.02.10)
Duração da prova: 2 horas (9:30-11:30)

I (10 valores)

Defina sucintamente cinco dos seguintes conceitos:

1. Estado “guarda noturno”.


O Estado constitucional liberal que emerge das revoluções liberais é identificado
como um Estado "guarda noturno", na medida em que limita as atribuições e a
atividade do Estado, baseado na separação entre o Estado e a sociedade e no
abstencionismo na esfera económica, social e cultural (liberalismo económico, social
e cultural)

2. Democracia semidirecta.
A democracia semidireta existe como complemento da democracia representativa
(mas não é uma democracia direta), permitindo aos titulares da soberania uma
intervenção direta em determinadas decisões políticas. Os instrumentos da
democracia semidireta são o referendo, a iniciativa legislativa popular e a iniciativa
popular do referendo, assim como a revogação de mandatos representativos
mediante votação popular.

3. Mandato imperativo.
O mandato imperativo (ou vinculado) é típico da representação política pré-liberal
(cortes medievais) e também das conceções rousseaunianas e leninistas de
democracia, em que os representantes estão obrigados por um programa e
19

vinculados às posições assumidas perante os representados, aos quais terão de


prestar contas (dai a possibilidade de revogação dos mandatos, ou recall).

4. Presidencialismo.
É o modelo classicamente representado desde a origem pelo sistema de governo dos
Estados Unidos da América. As caraterísticas essenciais do sistema são as seguintes:
- A função governamental cabe diretamente ao Presidente da República,
não havendo um governo separado;
- O Presidente é independente do Congresso, não dependendo da sua
confiança política nem podendo ser destituído por desconfiança política;
- O Presidente goza de legitimidade eleitoral própria (eleição direta ou
quase direta) independente do Congresso e acumula as funções de chefe
do Estado e de chefe do executivo, sendo nesta tarefa coadjuvado por
secretários de Estado (ou ministros), cabendo, porém, ao presidente
exclusivamente a condução da ação governativa;
- Há duas eleições e dois órgãos eleitos (sistema bi-representativo); as
eleições decisivas para o executivo e as políticas governamentais são as
eleições presidenciais e não as eleições legislativas, que se limitam a eleger
os deputados;
- Existe separação marcada entre o poder legislativo (Congresso) e o
executivo (Presidente); nem a assembleia pode demitir o governo, que não
é responsável perante ela, nem o presidente pode dissolver aquela e
antecipar eleições;
- Não havendo possibilidade de demissão de um poder pelo outro, nunca
há eleições antecipadas; mesmo no caso de morte do Presidente, ele é
substituído pelo vice-presidente até ao final do mandato;
- A subsistência e o funcionamento dos dois órgãos são independentes,
sem prejuízo da possibilidade de demissão do Presidente por motivo de
impeachment aprovado pelo Congresso (Senado), em caso de grave
infração do Presidente no desempenho do cargo (trata-se de uma
condenação de tipo penal e não de condenação propriamente política);
- Todavia, existem alguns poderes de controlo recíproco (checks and
balances), como o direito de veto do Presidente sobre as leis aprovadas
20

pelo Congresso (que o Congresso pode superar mediante nova votação) e


o poder do Congresso de escrutinar e ratificar a escolha do Presidente
quanto a diversos titulares de altos cargos públicos (secretários de Estado,
embaixadores, chefes de autoridades administrativas independentes,
juízes federais, etc.).

5. Impeachment.
Em geral, nos sistemas de eleição popular, direta ou indireta, o presidente não pode
ser destituído. No entanto, este poderá ser destituído por efeito do impeachment pelo
parlamento, em caso de infração constitucional grave (trata-se de uma condenação
de tipo penal e não de condenação propriamente política).

6. Bicamaralismo.
Sistema em que o parlamento está dividido em duas câmaras. Normalmente, o
federalismo implica um sistema bicameral a nível federal, sendo uma das câmaras
representativa da população federal em geral e a outra representativa das unidades
federadas.

II (5 valores)

Desenvolva um dos seguintes temas:

a) Estado unitário regional;

Estado unitário é o contrário de Estado federal, que é um “Estado compósito”.


Portugal é um Estado unitário (6º/1 CRP), permanecendo no Estado o poder
constituinte, o poder de revisão constitucional e o poder jurisdicional. Existe apenas
uma cidadania (portuguesa). Estado unitário regional é aquele em que existem
formas de decentralização política territorial (comunidades ou regiões autónomas),
dotadas de poderes legislativos e governativos próprios, como os estados federados,
mas, ao contrário destes, sem disporem de autonomia constitucional e sem
participarem nos processos de decisão do Estado. Portugal é um exemplo de Estado
21

unitário “regional” parcial, visto que a CRP de 1976 reconheceu a autonomia


política das regiões autónomas dos Açores e da Madeira (com Governos e
Assembleias Legislativas próprias). Estados regionais típicos são a Espanha e a
Itália.

b) Comparação entre o sistema eleitoral do Parlamento no Reino Unido e o da Assembleia


da República em Portugal, bem como a sua influência no sistema partidário e no
funcionamento do sistema de governo.

No Reino Unido vigora um sistema eleitoral maioritário, sendo os deputados eleitos


em círculos eleitorais uninominais (tantos quantos os deputados a eleger), sendo
eleito em cada círculo o candidato que tenha mais votos (maioria simples). Esse
sistema eleitoral leva a que os grandes partidos elejam a grande maioria dos
deputados, pelo que existe uma sobrerrepresentação parlamentar dos grandes
partidos e uma sub-representação ou nula representação dos pequenos partidos.
Esse sistema favorece a constituição de sistemas tendencialmente bipartidários,
facilita a obtenção de maiorias parlamentares do partido vencedor mesmo com
votações muito abaixo da maioria absoluta. Por conseguinte, os governos são em
geral monopartidários e gozam de grande estabilidade, visto que dispõem de maioria
no parlamento.
Todavia, este modelo tendencialmente bipartidário é perturbado pelo apoio eleitoral
dos partidos regionais e nacionalistas na Escócia, na Irlanda e no País de Gales, o
que lhes permite obter representação parlamentar em Londres, apesar da sua
escassa representatividade nacional.
No caso português vigora um sistema eleitoral proporcional, sendo os deputados
eleitos em círculos plurinominais, em proporção dos votos obtidos pelo respetivo
partido. Por isso, há a possibilidade de eleição de deputados por pequenos e médios
partidos, especialmente nos grandes círculos (Lisboa, Porto, etc.). Isso leva a uma
representação parlamentar multipartidária (entre cinco e sete partidos), dificulta a
obtenção de maiorias parlamentares monopartidárias (só houve três em 40 anos) e
obriga à existência de governos minoritários ou de coligação, que normalmente não
chegam ao fim da legislatura. Dái uma maior instabilidade política.
22

III (5 valores)

Comente uma das seguintes frases:


a) «O poder legislativo não pode transferir o poder de fazer leis para outras mãos,
porquanto, não sendo senão um poder delegado pelo povo, quem o detêm não o pode
passar para outrem» (J. Locke)

b) «A “vontade geral” [Rousseau] leva ao despotismo» (B. Constant).

Tópicos obrigatórios na resposta a esta pergunta:


a) Sucinta referência à vida e à obra do autor escolhido;
b) Breve nota sobre as principais ideias da obra em causa;
c) Comentário específico ao excerto em referência.
23

UNIVERSIDADE LUSÍADA NORTE (PORTO)


Faculdade de Direito (1.º Ciclo – 2016/2017)

Teoria Geral do Poder Público (TGPP) – 1.º ano Direito


Exame escrito 2.ª época (2017.07.07)
Duração da prova: 2 horas (15:00-17:00)

I (10 valores)

Defina sucintamente cinco dos seguintes conceitos:

1. Lobbying.
O lobbying pode ser definido como a atividade de representação e de defesa dos
interesses de entidades (empresas, etc.) ou grupos organizados junto dos decisores
políticos (deputados, governantes, etc.) com o objetivo de influenciar as decisões do
poder público, em especial do poder legislativo, em favor de causas ou objetivos
defendidos pelo grupo. Pode ser exercido pelos próprios interessados ou por
lobbyistas profissionais contratados.
Em vários países e também na UE, a atividade de lobbying está legalmente
reconhecida e regulada (registo dos lobistas, transparência das relações com os
decisores políticos, etc.).

2. Democracia liberal.
A democracia liberal é a conjugação da democracia política com o liberalismo
político e económico. Por definição, a democracia liberal é uma democracia limitada
pelo liberalismo e um liberalismo limitado pela democracia. Sendo o “governo da
maioria”, a maioria não pode, porém, tudo (“ditadura da maioria”), pois o poder da
maioria é limitado pelas liberdades políticas e económicas dos cidadãos e pelos
direitos da oposição, ambos constitucionalmente garantidos. Sendo um regime
liberal, a democracia pode, porém, exigir limites às liberdades políticas e
económicas, a fim de defender a própria democracia ou outros valores
24

fundamentais. Daí, por exemplo, a proibição de organizações ou manifestações


armadas ou racistas, a proibição de atividades económicas lesivas do ambiente, etc.
Apesar da unidade da noção, as democracias liberais podem apresentar variantes
muito diferenciadas, nomeadamente quanto à ordem económica e social (welfare
state, por exemplo).

3. Método do quociente natural ou de Hare.


Primeiro, o número total de votos efetivos (soma dos votos de todas as listas) é
dividido pelo número de deputados a eleger no círculo, obtendo-se assim o quociente
eleitoral (Q=v/d); depois, divide-se o número de votos de cada lista por esse
quociente (v'/Q), cabendo a cada lista um número de deputados igual ao resultado
dessa divisão (= número de vezes que o quociente eleitoral cabe no número de votos
de cada lista); se, depois de feitas as referidas divisões ainda houver deputados por
atribuir, então recorre-se a um mecanismo subsidiário, que pode variar de sistema
para sistema (por exemplo, atribuir os deputados sobrantes pelas listas que tenham
maior resto de votos inaproveitados, ou seja, em que o resto da divisão esteja mais
próximo do quociente eleitoral)

4. Presidencialismo.
É o modelo classicamente representado desde a origem pelo sistema de governo dos
Estados Unidos da América. As caraterísticas essenciais do sistema são as seguintes:
- A função governamental cabe diretamente ao Presidente da República, não
havendo um governo separado;
- O Presidente é independente do Congresso, não dependendo da sua
confiança política nem podendo ser destituído por desconfiança política;
- O Presidente goza de legitimidade eleitoral própria (eleição direta ou quase
direta) independente do Congresso e acumula as funções de chefe do Estado
e de chefe do executivo, sendo nesta tarefa coadjuvado por secretários de
Estado (ou ministros), cabendo, porém, ao presidente exclusivamente a
condução da ação governativa;
- Há duas eleições e dois órgãos eleitos (sistema bi-representativo); as eleições
decisivas para o executivo e as políticas governamentais são as eleições
25

presidenciais e não as eleições legislativas, que se limitam a eleger os


deputados;
- Existe separação marcada entre o poder legislativo (Congresso) e o
executivo (Presidente); nem a assembleia pode demitir o governo, que não é
responsável perante ela, nem o presidente pode dissolver aquela e antecipar
eleições;
- Não havendo possibilidade de demissão de um poder pelo outro, nunca há
eleições antecipadas; mesmo no caso de morte do Presidente, ele é substituído
pelo vice-presidente até ao final do mandato;
- A subsistência e o funcionamento dos dois órgãos são independentes, sem
prejuízo da possibilidade de demissão do Presidente por motivo de
impeachment aprovado pelo Congresso (Senado), em caso de grave infração
do Presidente no desempenho do cargo (trata-se de uma condenação de tipo
penal e não de condenação propriamente política);
- Todavia, existem alguns poderes de controlo recíproco (checks and
balances), como o direito de veto do Presidente sobre as leis aprovadas pelo
Congresso (que o Congresso pode superar mediante nova votação) e o poder
do Congresso de escrutinar e ratificar a escolha do Presidente quanto a
diversos titulares de altos cargos públicos (secretários de Estado,
embaixadores, chefes de autoridades administrativas independentes, juízes
federais, etc.).

5. Impeachment.
Em geral, nos sistemas de eleição popular, direta ou indireta, o presidente não pode
ser destituído. No entanto, este poderá ser destituído por efeito do impeachment pelo
parlamento, em caso de infração constitucional grave (trata-se de uma condenação
de tipo penal e não de condenação propriamente política).

6. Limitações ao poder da maioria.


Uma vez que numa democracia o poder legítimo é o poder da maioria (eleitoral ou
parlamentar), o único modo de limitar e controlar o poder é estabelecer limites ao
poder da maioria, de modo a evitar o risco da “ditadura das maiorias”. A principal
limitação ao poder das maiorias num Estado constitucional é a própria Constituição,
26

na medida em que ela impede que as maiorias parlamentares legislem em sentido


contrário à Constituição. Assim, os direitos fundamentais e outras normas
impositivas ou proibitivas da Constituição traduzem-se em outros tantos limites ao
poder das maiorias. Outros mecanismos de limitação do poder da maioria são: as
maiorias qualificadas (revisão da Constituição e algumas leis de valor reforçado), o
poder de veto do Presidente da República, os limites aos referendos e aos plebiscitos,
o direito da oposição e a democracia participativa.

II (5 valores)

Desenvolva um dos seguintes temas:

a) O atual sistema de governo previsto no texto originário da Constituição da República


Portuguesa de 1976 e a revisão constitucional de 1982;

Tópicos a ter em conta para a exposição, que se pretende sucinta, crítica e


devidamente fundamentada:
a) sistema de governo no texto originário da Constituição de 1976;
b) alterações introduzidas na primeira revisão constitucional de 1982;
c) identificar e caracterizar as várias posições doutrinais sobre a
caraterização do sistema de governo vigente:
(i) sistema semipresidencial;
(ii) sistema misto parlamentar-presidencial,
(iii) sistema primo-ministerial;
(iv) sistema de índole essencialmente parlamentar (onde os poderes do
PR fazem lembrar o poder moderador ou “quarto poder” de
Benjamin Constant).

b) Comparação entre o sistema eleitoral do Parlamento no Reino Unido e o da Assembleia


da República em Portugal, bem como a sua influência no sistema partidário e no
funcionamento do sistema de governo.
27

No Reino Unido vigora um sistema eleitoral maioritário, sendo os deputados eleitos


em círculos eleitorais uninominais (tantos quantos os deputados a eleger), sendo
eleito em cada círculo o candidato que tenha mais votos (maioria simples). Esse
sistema eleitoral leva a que os grandes partidos elejam a grande maioria dos
deputados, pelo que existe uma sobrerrepresentação parlamentar dos grandes
partidos e uma sub-representação ou nula representação dos pequenos partidos.
Esse sistema favorece a constituição de sistemas tendencialmente bipartidários,
facilita a obtenção de maiorias parlamentares do partido vencedor mesmo com
votações muito abaixo da maioria absoluta. Por conseguinte, os governos são em
geral monopartidários e gozam de grande estabilidade, visto que dispõem de maioria
no parlamento.
Todavia, este modelo tendencialmente bipartidário é perturbado pelo apoio eleitoral
dos partidos regionais e nacionalistas na Escócia, na Irlanda e no País de Gales, o
que lhes permite obter representação parlamentar em Londres, apesar da sua
escassa representatividade nacional.
No caso português vigora um sistema eleitoral proporcional, sendo os deputados
eleitos em círculos plurinominais, em proporção dos votos obtidos pelo respetivo
partido. Por isso, há a possibilidade de eleição de deputados por pequenos e médios
partidos, especialmente nos grandes círculos (Lisboa, Porto, etc.). Isso leva a uma
representação parlamentar multipartidária (entre cinco e sete partidos), dificulta a
obtenção de maiorias parlamentares monopartidárias (só houve três em 40 anos) e
obriga à existência de governos minoritários ou de coligação, que normalmente não
chegam ao fim da legislatura. Daí uma maior instabilidade política.

III (5 valores)

Comente uma das seguintes frases:

a) “Onde não há lei não há liberdade” (John Locke);

b) “Sempre que o Estado tenta tratar dos nossos assuntos, fica mais caro e o resultado
é pior do que se tratássemos deles nós próprios” (B. Constant).
28

Tópicos obrigatórios na resposta a esta pergunta:


a) Sucinta referência à vida e à obra do autor escolhido;
b) Breve nota sobre as principais ideias da obra em causa;
c) Comentário específico ao excerto em referência.
29

UNIVERSIDADE LUSÍADA NORTE (PORTO)


Faculdade de Direito (1.º Ciclo – 2017/2018)

Teoria Geral do Poder Público (TGPP) – 1.º ano Direito


Exame escrito 2.ª época (2018.01.16)
Duração da prova: 2 horas (15:00-17:00)

I (10 valores)

Defina sucintamente cinco dos seguintes conceitos:

1. Democracia direta.
Democracia direta é aquela em que a decisões políticas são tomadas diretamente em
assembleias dos cidadãos, como sucedia na antiguidade nas cidades-estado gregas e
ainda hoje sucede em alguns dos pequenos cantões suíços e nas freguesias de
dimensão reduzida entre nós (art. 245º, n.º 2 CRP). Em Portugal, nas freguesias com
150 eleitores ou menos, a assembleia de freguesia é substituída pelo plenário dos
cidadãos eleitores.

2. Estado federal.
O Estado federal pressupõe dois níveis de organização do poder político: federação
e unidades federadas (de novo sem prejuízo da descentralização administrativa em
autarquias locais, como os municípios). As unidades federadas gozam de autonomia
constitucional, com respeito da constituição federal. Existe uma repartição material
dos poderes políticos (legislação, governo, função judicial) entre a federação e as
unidades federadas.

Num Estado federal os cidadãos têm uma dupla cidadania, participando em dois
tipos diferentes de comunidade política. Como membros de uma unidade federada,
participam na vida política da respetiva comunidade (eleições da assembleia
legislativa própria, referendos, etc.) Como membros da comunidade nacional,
30

participam na respetiva vida política (eleição do chefe do Estado e do parlamento


federal, referendos nacionais, etc.).

Normalmente, o federalismo implica um sistema bicameral a nível federal, sendo


uma das câmaras representativa da população federal em geral e a outra
representativa das unidades federadas, na base do princípio da tendencial igualdade
de representação (o mesmo número de representantes independentemente da
população e da área de cada unidade federada). Muitas vezes a segunda câmara
adota o nome de senado (Estados Unidos, Brasil). Além dessa participação na vida
da federação, as unidades federadas participam também, por via de regra, na
alteração da constituição da federação, através de mecanismos específicos,
nomeadamente a sujeição das alterações constitucionais a referendo orgânico das
assembleias das unidades federadas (como sucede nos Estados Unidos da América).

3. Referendo constitucional.
Referendo constitucional é a votação popular o que versa sobre a aprovação ou
ratificação de uma constituição ou de uma revisão constitucional. Referendo
ordinário é o que versa sobre leis ou decisões políticas infraconstitucionais.
Em alguns Estados federais, como os Estados Unidos da América, as revisões
constitucionais estão sujeitas a ratificação pelos estados federados.
No ordenamento constitucional português está proibido o referendo constitucional
às alterações à Constituição (art. 115º/4a)), mas em vários países as alterações à
Constituição efetuadas pelo parlamento têm de ser submetidas a um subsequente
refendo popular.

4. Presidencialismo.
É o modelo classicamente representado desde a origem pelo sistema de governo dos
Estados Unidos da América. As caraterísticas essenciais do sistema são as seguintes:
- A função governamental cabe diretamente ao Presidente da República,
não havendo um governo separado;
- O Presidente é independente do Congresso, não dependendo da sua
confiança política nem podendo ser destituído por desconfiança política;
31

- O Presidente goza de legitimidade eleitoral própria (eleição direta ou


quase direta) independente do Congresso e acumula as funções de chefe
do Estado e de chefe do executivo, sendo nesta tarefa coadjuvado por
secretários de Estado (ou ministros), cabendo, porém, ao presidente
exclusivamente a condução da ação governativa;
- Há duas eleições e dois órgãos eleitos (sistema bi-representativo); as
eleições decisivas para o executivo e as políticas governamentais são as
eleições presidenciais e não as eleições legislativas, que se limitam a eleger
os deputados;
- Existe separação marcada entre o poder legislativo (Congresso) e o
executivo (Presidente); nem a assembleia pode demitir o governo, que não
é responsável perante ela, nem o presidente pode dissolver aquela e
antecipar eleições;
- Não havendo possibilidade de demissão de um poder pelo outro, nunca
há eleições antecipadas; mesmo no caso de morte do Presidente, ele é
substituído pelo vice-presidente até ao final do mandato;
- A subsistência e o funcionamento dos dois órgãos são independentes,
sem prejuízo da possibilidade de demissão do Presidente por motivo de
impeachment aprovado pelo Congresso (Senado), em caso de grave
infração do Presidente no desempenho do cargo (trata-se de uma
condenação de tipo penal e não de condenação propriamente política);
- Todavia, existem alguns poderes de controlo recíproco (checks and
balances), como o direito de veto do Presidente sobre as leis aprovadas
pelo Congresso (que o Congresso pode superar mediante nova votação) e
o poder do Congresso de escrutinar e ratificar a escolha do Presidente
quanto a diversos titulares de altos cargos públicos (secretários de Estado,
embaixadores, chefes de autoridades administrativas independentes,
juízes federais, etc.).

5. Bicamaralismo.
Sistema em que o parlamento está dividido em duas câmaras. Normalmente, o
federalismo implica um sistema bicameral a nível federal, sendo uma das câmaras
32

representativa da população federal em geral e a outra representativa das unidades


federadas.

6. Mandato representativo.
No mandato representativo (ou livre) – que carateriza as modernas democracias
representativas - os representantes (deputados) representam o conjunto dos
cidadãos (e não um grupo ou corporação, como nas cortes medievais) e exercem
livremente o seu cargo, sem estarem vinculados a adotar determinadas orientações
previamente definidas pelos representados. Por essa razão o mandato representativo
não pode ser revogado (recall). O mandato representativo distingue-se do mandato
imperativo (ou vinculado), típico da representação política pré-liberal (cortes
medievais) e também das conceções rousseaunianas e leninistas de democracia, em
que os representantes estão obrigados por um programa e vinculados às posições
assumidas perante os representados, aos quais terão de prestar contas (daí a
possibilidade de revogação dos mandatos, ou recall).

II (5 valores)

Desenvolva um dos seguintes temas:

a) Traços principais do sistema político britânico.

No Reino Unido vigora um sistema eleitoral maioritário, sendo os deputados eleitos


em círculos eleitorais uninominais (tantos quantos os deputados a eleger), sendo
eleito em cada círculo o candidato que tenha mais votos (maioria simples). Esse
sistema eleitoral leva a que os grandes partidos elejam a grande maioria dos
deputados, pelo que existe uma sobrerrepresentação parlamentar dos grandes
partidos e uma sub-representação ou nula representação dos pequenos partidos.
Esse sistema favorece a constituição de sistemas tendencialmente bipartidários,
facilita a obtenção de maiorias parlamentares do partido vencedor mesmo com
votações muito abaixo da maioria absoluta. Por conseguinte, os governos são em
33

geral monopartidários e gozam de grande estabilidade, visto que dispõem de maioria


no parlamento.
Todavia, este modelo tendencialmente bipartidário é perturbado pelo apoio eleitoral
dos partidos regionais e nacionalistas na Escócia, na Irlanda e no País de Gales, o
que lhes permite obter representação parlamentar em Londres, apesar da sua
escassa representatividade nacional.
Inglaterra é considerada a mãe do parlamentarismo, que tem as seguintes
características fundamentais: (i) Responsabilidade política do governo perante o
parlamento; (ii) O monarca ou Presidente da República é o chefe do Estado, mas
não o chefe do governo (ao contrário do presidencialismo); reina ou representa mas
não governa; (iii) A função executiva cabe a um governo chefiado por um primeiro-
ministro, nomeado pelo chefe do Estado de acordo com a composição parlamentar
(sendo o chefe do governo quase sempre o líder do partido maioritário no
parlamento); (iv) O governo não pode exercer funções sem a confiança política do
parlamento; (v) Em princípio, só existem eleições para o parlamento, que servem
simultaneamente para a escolha do governo; pode haver, porém, eleições
presidenciais, no caso das repúblicas parlamentares com presidente diretamente
eleito; (vi) O governo só é politicamente responsável perante o parlamento, que pode
fazer demitir o governo, mediante a aprovação de moções de censura; (vii) O
governo pode antecipar eleições parlamentares, mediante dissolução parlamentar,
que é determinada pelo chefe do Estado a pedido do governo;

b) «Não é possível compreender o sistema de governo português sem ter em conta o lugar
específico do PR como “quarto poder”, à margem da dialética da relação parlamento-
Governo, claramente inspirada na figura do “poder moderador” proposta por Benjamin
Constant».

Tópicos a ter em conta para a exposição, que se pretende sucinta, crítica e


devidamente fundamentada:
a) sistema de governo no texto originário da Constituição de 1976;
b) alterações introduzidas na primeira revisão constitucional de 1982;
c) identificar e caracterizar as várias posições doutrinais sobre a
caraterização do sistema de governo vigente:
34

(i) sistema semipresidencial;


(ii) sistema misto parlamentar-presidencial,
(iii) sistema primo-ministerial;
(iv) sistema de índole essencialmente parlamentar (onde os poderes do
PR fazem lembrar o poder moderador ou “quarto poder” de
Benjamin Constant).

Há quem veja na eleição direta do PR um traço semipresidencialista do sistema de


governo. Errado. Existem muitas repúblicas tipicamente parlamentares em que o
PR é diretamente eleito e não tem nenhuns poderes exorbitantes de um sistema de
governo parlamentar (Áustria, Irlanda, Islândia, etc.). A eleição direta não quer
dizer necessariamente presidencialismo nem semipresidencialismo.
Por outro lado, se o PR tem entre nós relevantes poderes próprios, isso não quer
dizer que eles se referem diretamente ao sistema de governo. Na verdade, embora o
Presidente tenha fortes poderes de intervenção institucional (nomeação de altos
cargos públicos, direito de veto dos diplomas legislativos, poder de dissolução
parlamentar e antecipação de eleições, por iniciativa própria, convocação de
referendos, etc.), ele não participa, porém, diretamente da atividade governamental
nem o governo depende politicamente da sua confiança política, pelo que não pode
deixar de nomear um governo que tenha maioria parlamentar nem demitir nenhum
governo por motivo de discordância política (salvo excecionalmente, quando estiver
em causa o "regular funcionamento das instituições").
Estruturalmente, o sistema de governo português é hoje um sistema de índole
essencialmente parlamentar, em que os governos são constituídos no seguimento das
eleições parlamentares e de acordo com o seu resultado, e em que o Presidente da
Republica não compartilha da função executiva nem da atividade governamental,
cabendo-lhe antes um papel de defesa da Constituição e de regulador e moderador
do sistema político, fazendo lembrar, como se referiu, o “poder neutro” de Benjamin
Constant, que entre nós inspirou a Carta Constitucional de 1826, a mais duradoura
constituição portuguesa.

III (5 valores)
35

Comente uma das seguintes frases, inserindo-a no contexto do pensamento político do


seu autor:

Tópicos obrigatórios na resposta a esta pergunta:


a) Sucinta referência à vida e à obra do autor escolhido;
b) Breve nota sobre as principais ideias da obra em causa;
c) Comentário específico ao excerto em referência.

a) «O poder legislativo não pode transferir o poder de fazer leis para outras mãos,
porquanto, não sendo senão um poder delegado pelo povo, quem o detêm não o pode
passar para outrem» (J. Locke).

b) «A “vontade geral” [Rousseau] leva ao despotismo» (Constant).

Benjamin Constant, um liberal assumido, partidário da limitação do poder, da


separação de poderes e da “liberdade negativa dos modernos” foi um dos primeiros
a vislumbrar os riscos da democracia radical de Rousseau para as liberdades
individuais. A omnipotência da “vontade geral” de Rousseau, bem como a teoria da
unidade do poder e a rejeição da separação de poderes podiam levar ao despotismo
da maioria (ou até de uma minoria usurpadora da “vontade geral”), à custa da
liberdade individuais.
Enquanto Rousseau privilegia a democracia à custa do liberalismo, Constant
privilegia o liberalismo limitando a democracia. A síntese da “democracia liberal”
(democracia representativa + liberalismo) ainda estava para ser alcançada.
36

UNIVERSIDADE LUSÍADA NORTE (PORTO)


Faculdade de Direito (1.º Ciclo – 2017/2018)

Teoria Geral do Poder Público (TGPP) – 1.º ano


Exame regime B (2018.07.04)
Duração da prova: 2 horas (15:00-17:00)

I (10 valores)

Defina sucintamente cinco dos seguintes conceitos:

1. Democracia representativa.
A democracia representativa é caraterizada pelo facto de o poder político não ser
exercido diretamente pelo povo (como na democracia direta), mas sim por órgãos
representativos eleitos, nomeadamente uma assembleia representativa.

Numa democracia representativa, a principal forma de expressão e intervenção


política são as eleições para os órgãos representativos, a começar pelos parlamentos.
Muitas vezes também são diretamente eleitos os Presidentes da República ou os
chefes de certos órgãos executivos (por exemplo, os governadores dos Estados
federados ou os presidentes dos municípios). A democracia representativa é antes
de mais uma democracia eleitoral, através de eleições livres e periódicas por sufrágio
universal, secreto, igual e direto.

A democracia representativa distingue-se da chamada “democracia popular” entre


outras coisas pelo facto de o mandato representativo não ser vinculado e de em
princípio não haver possibilidade de revogação popular do mandato antes do seu
termo.
37

2. Impeachment.
Em geral, nos sistemas de eleição popular, direta ou indireta, o presidente não pode
ser destituído. No entanto, este poderá ser destituído por efeito do impeachment pelo
parlamento, em caso de infração constitucional grave (trata-se de uma condenação
de tipo penal e não de condenação propriamente política).

3. Referendo constitucional.
Referendo constitucional é a votação popular o que versa sobre a aprovação ou
ratificação de uma constituição ou de uma revisão constitucional. Referendo
ordinário é o que versa sobre leis ou decisões políticas infraconstitucionais.

Em alguns Estados federais, como os Estados Unidos da América, as revisões


constitucionais estão sujeitas a ratificação pelos estados federados.

No ordenamento constitucional português está proibido o referendo constitucional


às alterações à Constituição (art. 115º/4a)), mas em vários países as alterações à
Constituição efetuadas pelo parlamento têm de ser submetidas a um subsequente
refendo popular.

4. Limitações ao poder da maioria.


Uma vez que numa democracia o poder legítimo é o poder da maioria (eleitoral ou
parlamentar), o único modo de limitar e controlar o poder é estabelecer limites ao
poder da maioria, de modo a evitar o risco da “ditadura das maiorias”. A principal
limitação ao poder das maiorias num Estado constitucional é a própria Constituição,
na medida em que ela impede que as maiorias parlamentares legislem em sentido
contrário à Constituição. Assim, os direitos fundamentais e outras normas
impositivas ou proibitivas da Constituição traduzem-se em outros tantos limites ao
poder das maiorias. Outros mecanismos de limitação do poder da maioria são: as
maiorias qualificadas (revisão da Constituição e algumas leis de valor reforçado), o
poder de veto do Presidente da República, os limites aos referendos e aos plebiscitos,
o direito da oposição e a democracia participativa.
38

5. Bicamaralismo.
Sistema em que o parlamento está dividido em duas câmaras. Normalmente, o
federalismo implica um sistema bicameral a nível federal, sendo uma das câmaras
representativa da população federal em geral e a outra representativa das unidades
federadas.

6. Revogação popular do mandato (recall).


A revogação de mandatos (ou recall) consiste na faculdade reconhecida aos cidadãos
eleitores de, por iniciativa de um certo número deles ou por iniciativa oficial, serem
chamados a decidir mediante consulta popular a cessação do mandato de um certo
titular eletivo (um deputado, o presidente da república) antes do termo desse
mandato. Trata-se, portanto, de uma destituição popular de titulares de mandatos
eletivos, tratando-se numa forma de responsabilidade política direta perante os
cidadãos.

Essa figura estava, por exemplo, prevista na Constituição alemã de Weimar (1919)
para a destituição de presidente da República; era um dos mecanismos previstos nas
constituições dos Estados comunistas; e continua a existir em alguns dos Estados
norte-americanos (Califórnia, por exemplo) e em alguns cantões suíços.

Em princípio, não existe o recall nos sistemas de governo de tipo parlamentar, onde
o poder de eleger não inclui o poder de destituir. Por isso, entre nós não existe
destituição popular nem dos deputados nem do Presidente da República ou de
outros titulares de mandatos eleitos diretamente (por ex. presidentes de câmara
municipal).

II (5 valores)

Desenvolva um dos seguintes temas:

a. O sistema de governo presidencialista.


39

É o modelo classicamente representado desde a origem pelo sistema de governo dos


Estados Unidos da América. As caraterísticas essenciais do sistema são as seguintes:
- A função governamental cabe diretamente ao Presidente da República, não
havendo um governo separado;
- O Presidente é independente do Congresso, não dependendo da sua
confiança política nem podendo ser destituído por desconfiança política;
- O Presidente goza de legitimidade eleitoral própria (eleição direta ou quase
direta) independente do Congresso e acumula as funções de chefe do Estado
e de chefe do executivo, sendo nesta tarefa coadjuvado por secretários de
Estado (ou ministros), cabendo, porém, ao presidente exclusivamente a
condução da ação governativa;
- Há duas eleições e dois órgãos eleitos (sistema bi-representativo); as eleições
decisivas para o executivo e as políticas governamentais são as eleições
presidenciais e não as eleições legislativas, que se limitam a eleger os
deputados;
- Existe separação marcada entre o poder legislativo (Congresso) e o
executivo (Presidente); nem a assembleia pode demitir o governo, que não é
responsável perante ela, nem o presidente pode dissolver aquela e antecipar
eleições;
- Não havendo possibilidade de demissão de um poder pelo outro, nunca há
eleições antecipadas; mesmo no caso de morte do Presidente, ele é substituído
pelo vice-presidente até ao final do mandato;
- A subsistência e o funcionamento dos dois órgãos são independentes, sem
prejuízo da possibilidade de demissão do Presidente por motivo de
impeachment aprovado pelo Congresso (Senado), em caso de grave infração
do Presidente no desempenho do cargo (trata-se de uma condenação de tipo
penal e não de condenação propriamente política);
- Todavia, existem alguns poderes de controlo recíproco (checks and
balances), como o direito de veto do Presidente sobre as leis aprovadas pelo
Congresso (que o Congresso pode superar mediante nova votação) e o poder
do Congresso de escrutinar e ratificar a escolha do Presidente quanto a
diversos titulares de altos cargos públicos (secretários de Estado,
40

embaixadores, chefes de autoridades administrativas independentes, juízes


federais, etc.).

b. Atual sistema de governo previsto pela Constituição da República Portuguesa de


1976 (texto originário) e a revisão constitucional de 1982.

Tópicos a ter em conta para a exposição, que se pretende sucinta, crítica e


devidamente fundamentada:
a) sistema de governo no texto originário da Constituição de 1976;
b) alterações introduzidas na primeira revisão constitucional de 1982;
c) identificar e caracterizar as várias posições doutrinais sobre a
caraterização do sistema de governo vigente:
(i) sistema semipresidencial;
(ii) sistema misto parlamentar-presidencial,
(iii) sistema primo-ministerial;
(iv) sistema de índole essencialmente parlamentar (onde os poderes do
PR fazem lembrar o poder moderador ou “quarto poder” de
Benjamin Constant).

Há quem veja na eleição direta do PR um traço semipresidencialista do sistema de


governo. Errado. Existem muitas repúblicas tipicamente parlamentares em que o
PR é diretamente eleito e não tem nenhuns poderes exorbitantes de um sistema de
governo parlamentar (Áustria, Irlanda, Islândia, etc.). A eleição direta não quer
dizer necessariamente presidencialismo nem semipresidencialismo.
Por outro lado, se o PR tem entre nós relevantes poderes próprios, isso não quer
dizer que eles se referem diretamente ao sistema de governo. Na verdade, embora o
Presidente tenha fortes poderes de intervenção institucional (nomeação de altos
cargos públicos, direito de veto dos diplomas legislativos, poder de dissolução
parlamentar e antecipação de eleições, por iniciativa própria, convocação de
referendos, etc.), ele não participa, porém, diretamente da atividade governamental
nem o governo depende politicamente da sua confiança política, pelo que não pode
deixar de nomear um governo que tenha maioria parlamentar nem demitir nenhum
41

governo por motivo de discordância política (salvo excecionalmente, quando estiver


em causa o "regular funcionamento das instituições").
Estruturalmente, o sistema de governo português é hoje um sistema de índole
essencialmente parlamentar, em que os governos são constituídos no seguimento das
eleições parlamentares e de acordo com o seu resultado, e em que o Presidente da
Republica não compartilha da função executiva nem da atividade governamental,
cabendo-lhe antes um papel de defesa da Constituição e de regulador e moderador
do sistema político, fazendo lembrar, como se referiu, o “poder neutro” de Benjamin
Constant, que entre nós inspirou a Carta Constitucional de 1826, a mais duradoura
constituição portuguesa.

III (5 valores)

Comente uma das seguintes frases, inserindo-a no contexto do pensamento político do


seu autor:

Tópicos obrigatórios na resposta a esta pergunta:


a) Sucinta referência à vida e à obra do autor escolhido;
b) Breve nota sobre as principais ideias da obra em causa;
c) Comentário específico ao excerto em referência.

a) «O poder legislativo não pode transferir o poder de fazer leis para outras mãos,
porquanto, não sendo senão um poder delegado pelo povo, quem o detêm não o pode
passar para outrem» (J. Locke).

b) «A “vontade geral” [Rousseau] leva ao despotismo» (Constant).

Benjamin Constant, um liberal assumido, partidário da limitação do poder, da


separação de poderes e da “liberdade negativa dos modernos” foi um dos primeiros
a vislumbrar os riscos da democracia radical de Rousseau para as liberdades
individuais. A omnipotência da “vontade geral” de Rousseau, bem como a teoria da
unidade do poder e a rejeição da separação de poderes podiam levar ao despotismo
42

da maioria (ou até de uma minoria usurpadora da “vontade geral”), à custa da


liberdade individuais.
Enquanto Rousseau privilegia a democracia à custa do liberalismo, Constant
privilegia o liberalismo limitando a democracia. A síntese da “democracia liberal”
(democracia representativa + liberalismo) ainda estava para ser alcançada.
43

Teoria Geral do Poder Público

Faculdade de Direito

1.º Ciclo de Estudos

Direito - 1.º Ano

Prova de Frequência/Exame

21/01/2019

Duração:2h

I (10 valores)

Defina sucintamente cinco dos seguintes conceitos:

1. Cidadania.
Na linguagem corrente e, mesmo na ciência política, a noção de cidadania pode ter
dois significados diferentes: um sentido amplo, equivalente a nacionalidade, e um
sentido estrito, ou seja, membro de uma comunidade política e titular dos respetivos
direitos políticos ou “direitos de cidadania”. No primeiro sentido, a cidadania é: (i)
um vínculo jurídico-político que liga de uma forma estável um indivíduo a uma
determinada entidade política soberana, normalmente um Estado (unitário ou
federal); (ii) um direito reconhecido aos indivíduos pela Declaração Universal dos
Direitos do Homem (artigo 15º) por várias convenções internacionais e pela CRP
(artigo 26º, nº 1), gozando do regime específico aplicável aos direitos, liberdades e
garantias; (iii) um direito de acesso a direitos, uma vez que tanto o Direito
internacional como as ordens jurídicas internas dos diferentes Estados fazem em
regra depender de um vínculo de cidadania previamente estabelecido a possibilidade
de os indivíduos acederem a um significativo conjunto de direitos,
fundamentalmente ligados às liberdades de deslocação (transfronteiriça) e de
fixação e, bem assim, aos direitos e liberdades de participação política.
44

Ainda no primeiro sentido, a cidadania subdivide-se em (i) cidadania originária,


pelo nascimento, atribuída segundo critérios de sangue (ius sanguinis) ou de solo (ius
soli), ou ambos; (ii) cidadania derivada ou não originária, conseguida
posteriormente e atribuída em função do casamento, da filiação, da adoção ou de
residência relativamente prolongada (naturalização). A dupla cidadania surge como
um instrumento privilegiado de integração dos imigrantes no Estado de residência,
porque permite ao mesmo tempo a manutenção dos laços com o país de origem.

2. Democracia representativa.
A democracia representativa é caraterizada pelo facto de o poder político não ser
exercido diretamente pelo povo através de assembleias e / ou deliberações populares
(como na democracia direta), mas sim por órgãos representativos eleitos pelos
cidadãos, nomeadamente uma assembleia representativa. Numa democracia
representativa, a principal forma de expressão e intervenção política são as eleições
para os órgãos representativos, a começar pelos parlamentos. Muitas vezes também
são diretamente eleitos os Presidentes da República ou os chefes de certos órgãos
executivos (por exemplo, os governadores dos Estados federados ou os presidentes
dos municípios). A democracia representativa é antes de mais uma democracia
eleitoral, através de eleições livres e periódicas por sufrágio universal, secreto, igual
e direto. A democracia representativa pode comportar formas de democracia
participativa (assembleias populares, consultas populares, conselhos consultivos,
etc.), que, porém, não revestem natureza deliberativa.
A democracia representativa propriamente dita distingue-se também da chamada
“democracia popular”, entre outras coisas pelo facto de o mandato representativo
não ser vinculado e de, em princípio, não haver possibilidade de revogação popular
dos mandatos dos representantes eleitos antes do seu termo.

3. Estado unitário “regional”.


Estado unitário regional não deixa de ser um Estado unitário, pelo que se distingue
do Estado federal, que é um “Estado compósito”, com dois níveis separados de poder
político. Porém, diferentemente do Estado unitário tradicional, o Estado unitário
45

regional é aquele em que existem formas de decentralização política territorial


(comunidades ou regiões autónomas), dotadas de poderes legislativos e governativos
próprios, como os estados federados, mas, ao contrário destes, sem disporem de
autonomia constitucional e sem participarem nos processos de decisão do Estado
(através de uma segunda câmara representativa própria). Portugal é um exemplo
de Estado unitário “regional” (parcial): unitário, porque assim qualificado pela
Constituição (6º/1 CRP), permanecendo no Estado o poder constituinte, o poder de
revisão constitucional e o poder jurisdicional e havendo somente uma cidadania
nacional (portuguesa); mas é um Estado regional (parcial), visto que a CRP de 1976
reconheceu a autonomia política das regiões autónomas dos Açores e da Madeira
(com governos e assembleias legislativas próprias). Estados regionais típicos são a
Espanha e a Itália.

4. Sistema eleitoral maioritário.


O sistema eleitoral maioritário na eleição das assembleias representativas
(parlamentos) está normalmente vinculado a círculos eleitorais uninominais -
havendo tantos círculos eleitorais quanto o número de deputados a eleger -, de forma
que o candidato mais votado é o que fica eleito para o mandato do respetivo círculo
eleitoral. As fórmulas maioritárias subdividem-se em: (i) maioria simples ou
relativa, segundo a qual cada mandato é ganho pelo candidato que obtém maior
número de votos em cada círculo, por menos que seja a percentagem de votos obtida;
(ii) maioria absoluta, que exige que o candidato para ser eleito alcance uma maioria
de mais de 50% dos votos, ou seja, pelo menos, mais votos do que todos os demais
candidatos somados. Para atingir esta maioria agravada, em princípio, segue-se um
sistema de eleições em duas voltas, segundo a qual, se nenhum candidato obtém a
maioria absoluta numa primeira votação, recorre-se a uma segunda votação em que
concorrem apenas os dois candidatos mais votados ou somente os candidatos que
tenham passado um certo limiar mínimo de votação na primeira volta. Em qualquer
caso, para que um partido consiga obter representação parlamentar é necessário
que os seus candidatos ganhem em pelo menos um círculo eleitoral, o que favorece
os maiores partidos e os partidos com forte implantação numa certa região (como
os partidos autonomistas/separatistas), em prejuízo dos partidos pequenos/médios
46

com uma repartição territorial do voto relativamente homogénea. Por isso, os


sistemas maioritários tendem a restringir o leque de partidos com representação
parlamentar, ao contrário dos sistemas proporcionais.

5. Presidencialismo.
É o modelo classicamente representado desde a origem pelo sistema de governo dos
Estados Unidos da América. As caraterísticas essenciais do sistema são as seguintes:
⎯ A função governamental cabe diretamente ao Presidente da República,
não havendo um governo separado;
⎯ O Presidente é independente do Congresso, não dependendo da sua
confiança política nem podendo ser destituído por desconfiança política;
⎯ O Presidente goza de legitimidade eleitoral própria (eleição direta ou
quase direta) independente do Congresso e acumula as funções de chefe
do Estado e de chefe do executivo, sendo nesta tarefa coadjuvado por
secretários de Estado (ou ministros), cabendo, porém, ao presidente
exclusivamente a condução da ação governativa;
⎯ Há duas eleições e dois órgãos eleitos (sistema birrepresentativo); as
eleições decisivas para o executivo e as políticas governamentais são as
eleições presidenciais e não as eleições legislativas, que se limitam a eleger
os deputados;
⎯ Existe separação marcada entre o poder legislativo (Congresso) e o
executivo (Presidente); nem a assembleia pode demitir o governo, por
motivo de divergência política, pois não é responsável perante ela, nem o
presidente pode dissolver aquela e antecipar eleições;
⎯ Não havendo possibilidade de demissão de um poder pelo outro, nunca
há eleições antecipadas; mesmo no caso de morte do Presidente, ele é
substituído pelo vice-presidente até ao final do mandato;
⎯ A subsistência e o funcionamento dos dois órgãos são independentes, sem
prejuízo da possibilidade de demissão do Presidente por motivo de
impeachment aprovado pelo Congresso (Senado), em caso de grave
infração do Presidente no desempenho do cargo (trata-se de uma
condenação de tipo penal e não de condenação propriamente política);
47

⎯ Todavia, existem alguns poderes de controlo recíproco (checks and


balances), como o poder de veto do Presidente sobre as leis aprovadas pelo
Congresso (que o Congresso pode superar mediante nova votação) e o
poder do Congresso de escrutinar e ratificar, ou não, a escolha do
Presidente quanto a diversos titulares de altos cargos públicos
(secretários de Estado, embaixadores, chefes de autoridades
administrativas independentes, juízes federais, etc.).

6. Revogação popular do mandato (recall).


A revogação de mandatos (ou recall) consiste na faculdade reconhecida aos cidadãos
eleitores de, por iniciativa de um certo número deles ou por iniciativa oficial, serem
chamados a decidir mediante deliberação popular sobre a cessação do mandato de
um certo titular eletivo (um deputado, o presidente da república) antes do termo
desse mandato. Trata-se, portanto, de uma destituição popular de titulares de
mandatos eletivos, tratando-se de uma forma de responsabilidade política direta
perante os cidadãos. Essa figura estava, por exemplo, prevista na Constituição alemã
de Weimar (1919) para a destituição de presidente da República; era um dos
mecanismos previstos nas constituições dos Estados comunistas; e continua a existir
em alguns dos Estados norte-americanos (Califórnia, por exemplo) e em alguns
cantões suíços. Em princípio, não existe o recall nos sistemas de governo de tipo
parlamentar, onde o poder de eleger não inclui o poder de destituir. Por isso, entre
nós não existe destituição popular nem dos deputados nem do Presidente da
República ou de outros titulares de mandatos eleitos diretamente (por ex.
presidentes de câmara municipal).

II (5 valores)

Desenvolva um dos seguintes temas:

a. Do mandato imperativo ao mandato representativo.


48

A distinção tem a ver com natureza do mandato político dos representantes eleitos:
a) Mandato imperativo – O mandato imperativo (ou vinculado) é típico da
representação política pré-liberal (Cortes medievais) e também das
conceções rousseaunianas e leninistas de democracia, em que os
representantes representam especificamente quem os elegeu e estão
obrigados por um programa e vinculados às posições assumidas perante
os representados, sendo politicamente responsáveis perante estes no
decurso do mandato (daí a possibilidade de revogação dos mandatos, ou
recall).
b) Mandato representativo – No mandato representativo (ou livre), que
carateriza as modernas democracias representativas, os representantes
(deputados) representam o conjunto dos cidadãos (e não uma localidade,
um grupo ou corporação, como nas Cortes medievais) e exercem
livremente o seu cargo, sem estarem vinculados a adotar determinadas
orientações previamente definidas pelos representados. Por essa razão o
mandato representativo não pode ser revogado (recall).
É comummente aceite que não existe mandato representativo até aos finais do século
XVIII – revoluções liberais -, pelo que antes disso, a designação comum dos
representantes eleitos era de “procuradores”. Com o advento do constitucionalismo
moderno, o mandato representativo veio substituir o mandato imperativo,
fundando-se, sobretudo, no célebre discurso dirigido por Edmund Burke ao
eleitorado de Bristol (1774): “vosso representante deve a vós não somente sua
indústria, senão seu juízo, e vos atraiçoa, em vez de vos servir, se se sacrifica à vossa
opinião”. A Constituição francesa de 1791 proibia terminantemente o mandato
imperativo. Em Portugal, a Constituição de 1822 veios determinar que “cada
deputado é procurador e representante de toda a Nação e não o é somente da divisão
que o elegeu” (art.º 94º).
No entanto, não devemos deixar de ter em conta que desde as Cortes de 1331 os
procuradores do povo (eleitos a nível municipal) podiam discutir e formular
“capítulos gerais” no interesse comum e da boa governabilidade do reino, incluindo
temas não compreendidos nas suas procurações. Por isso, há quem entenda que
durante a Idade Média a “regra geral foi a de os procuradores serem representantes
e não meros porta-vozes. E isso desde muito cedo, sem dúvida, desde 1331”. Por outro
49

lado, hoje em dia a “disciplina de voto” imposta pelos partidos no parlamento é


entendida como uma manifestação do mandato imperativo ou vinculado, não em
relação aos eleitores, mas sim em relação aos partidos em nome dos quais os
deputados foram eleitos.

b. Sistema de governo de índole parlamentar, com poder “moderador” do Presidente


da República.

Uma das “leituras” do sistema de governo vigente em Portugal desde a revisão


constitucional de 1982, contestando a tradicional leitura “semipresidencialista”, é a
de que se trata de um modelo atípico de sistema parlamentar, caracterizado, por um
lado, pelos traços típicos do sistema parlamentar – nomeadamente a formação do
Governo de acordo com as eleições parlamentares e a responsabilidade política
perante o parlamento – e, por outro lado, pelo papel político específico do PR, que
se afasta do paradigma tradicional do chefe do Estado em sistema parlamentar.
De acordo com esta tese, não é possível compreender o sistema de governo português
fora de uma leitura parlamentar e sem ter em conta o lugar específico do PR como
“quarto poder”, à margem da dialética da relação parlamento-Governo, claramente
inspirada na figura do “poder moderador” proposta por Benjamin Constant. Há
quem veja na própria eleição direta do PR um traço semipresidencialista do sistema
de governo, o que esta tese considera errado, pois existem muitas repúblicas
tipicamente parlamentares em que o PR é diretamente eleito e não tem nenhuns
poderes exorbitantes de um sistema de governo parlamentar (Áustria, Irlanda,
Islândia, etc.). A eleição direta não quer dizer necessariamente presidencialismo
nem semipresidencialismo.
Por outro lado, se o PR tem entre nós relevantes poderes próprios, isso não quer
dizer que eles se referem diretamente à função de governo. Na verdade, embora o
Presidente tenha fortes poderes de intervenção institucional (nomeação de altos
cargos públicos, direito de veto dos diplomas legislativos, poder de dissolução
parlamentar e antecipação de eleições, por iniciativa própria, convocação de
referendos, etc.), ele não participa, porém, diretamente da atividade governamental,
nem o governo depende politicamente da sua confiança política, pelo que não pode
50

deixar de nomear um governo que tenha maioria parlamentar nem demitir nenhum
governo por motivo de discordância política (salvo excecionalmente, quando estiver
em causa o "regular funcionamento das instituições" -, o que nunca sucedeu).
Estruturalmente, segundo esta tese, o sistema de governo português é hoje um
sistema de índole essencialmente parlamentar, em que os governos são constituídos
no seguimento das eleições parlamentares e de acordo com o seu resultado, e em que
o Presidente da Republica não compartilha da função executiva nem da atividade
governamental, cabendo-lhe antes um papel de defesa da Constituição, de
supervisão e do sistema político e de moderador da vida política, fazendo lembrar,
como se referiu, o “poder neutro” de Benjamin Constant, que entre nós inspirou a
Carta Constitucional de 1826, a mais duradoura constituição portuguesa.

III (5 valores)

Comente uma das seguintes frases, inserindo-a no contexto do pensamento político do


seu autor:

Tópicos obrigatórios na resposta a esta pergunta:


a) Sucinta referência à vida e à obra do autor escolhido;
b) Breve nota sobre as principais ideias políticas da obra em causa;
c) Comentário específico ao excerto em referência;
d) O legado desse autor para o pensamento político posterior.
A resposta que se dá abaixo respeita somente aos pontos das als, c) e d).

a) «A tirania não é, de facto, senão a monarquia voltada para a utilidade do


monarca; a oligarquia para a utilidade dos ricos; a democracia, para a utilidade
dos pobres» (Aristóteles).

Aristóteles foi o primeiro autor a proceder a uma classificação tipológica das formas
de governo, recorrendo para isso a dois critérios: (i) o número de governantes,
conforme fossem um só, vários ou muitos; (ii) o facto de os governantes governarem
em prol do interesse de todos ou apenas do interesse deles próprios. Aparentemente,
51

Aristóteles deu mais importância ao segundo critério do que ao primeiro. Por isso,
condenou a democracia, porque na sua classificação, embora fosse um governo de
muitos, era um governo em prol dos interesses dos governantes e não de toda a gente.
A classificação das formas de governo de Aristóteles teve uma grande influência no
pensamento político pelos séculos fora, incluindo Maquiavel, Hobbes, Locke, etc. A
sua crítica à democracia encontrou eco na construção da democracia liberal
contemporânea, enquanto governo da maioria, limitado, porém, pelos direitos dos
indivíduos e das minorias.

b) «A “vontade geral” [Rousseau] leva ao despotismo» (Constant).

Benjamin Constant, um liberal assumido, partidário da limitação do poder, da


separação de poderes e da “liberdade negativa dos modernos”, foi um dos primeiros
a vislumbrar os riscos da democracia radical de Rousseau para as liberdades
individuais. A omnipotência da “vontade geral” de Rousseau, bem como a teoria da
unidade do poder e a rejeição da separação de poderes podiam levar ao despotismo
da maioria (ou até de uma minoria usurpadora da “vontade geral”), à custa da
liberdade individuais.
Enquanto Rousseau privilegia a democracia à custa do liberalismo, Constant
privilegia o liberalismo limitando a democracia. A síntese da “democracia liberal”
(democracia representativa + liberalismo) ainda estava para ser alcançada, pois
nessa altura as monarquias liberais estavam longe de ser democráticas, desde logo
pelas enormes restrições do sufrágio, mas a crítica de Constant a Rousseau antecipa
a crítica das posteriores “democracias populares” e das atuais “democracias
iliberais”.
52

Teoria Geral do Poder Público

Faculdade de Direito

1.º Ciclo de Estudos

Direito - 1.º Ano

Exame 2.ª Época

04/07/2019

Duração:2h

I (10 valores)

Defina sucintamente cinco dos seguintes conceitos:

1. Lobbying.
O lobbying pode ser definido como a atividade de representação e de defesa dos
interesses de entidades (empresas, etc.) ou grupos organizados junto dos decisores
políticos (deputados, governantes, etc.) com o objetivo de influenciar as decisões do
poder público, em especial do poder legislativo, em favor de causas ou objetivos
defendidos pelo grupo. Pode ser exercido pelos próprios interessados ou por
lobbyistas profissionais contratados.

Em vários países e também na UE, a atividade de lobbying está legalmente


reconhecida e regulada (registo dos lobistas, transparência das relações com os
decisores políticos, etc.).

2. Referendo constitucional.
Referendo constitucional é a votação popular o que versa sobre a aprovação ou
ratificação de uma constituição ou de uma revisão constitucional. Referendo
ordinário é o que versa sobre leis ou decisões políticas infraconstitucionais.
53

Em alguns Estados federais, como os Estados Unidos da América, as revisões


constitucionais estão sujeitas a ratificação pelos estados federados.

No ordenamento constitucional português está proibido o referendo constitucional


às alterações à Constituição (art. 115º/4a)), mas em vários países as alterações à
Constituição efetuadas pelo parlamento têm de ser submetidas a um subsequente
refendo popular.

3. Estado unitário “regional”.


Estado unitário é o contrário de Estado federal, que é um “Estado compósito”.
Portugal é um Estado unitário (6º/1 CRP), permanecendo no Estado o poder
constituinte, o poder de revisão constitucional e o poder jurisdicional. Existe apenas
uma cidadania (portuguesa). Estado unitário regional é aquele em que existem
formas de decentralização política territorial (comunidades ou regiões autónomas),
dotadas de poderes legislativos e governativos próprios, como os estados federados,
mas, ao contrário destes, sem disporem de autonomia constitucional e sem
participarem nos processos de decisão do Estado. Portugal é um exemplo de Estado
unitário “regional” parcial, visto que a CRP de 1976 reconheceu a autonomia
política das regiões autónomas dos Açores e da Madeira (com Governos e
Assembleias Legislativas próprias). Estados regionais típicos são a Espanha e a
Itália.

4. Cláusula-barreira (sistemas eleitorais).


Consiste na fixação legal de uma percentagem mínima de votos a obter pelos
partidos para conseguirem representação parlamentar, v. g., nos sistemas
proporcionais da Dinamarca (2%), Espanha e Grécia (3%), Suécia, Noruega e
Áustria (4%), Alemanha (5%). As cláusulas barreira são típicas dos sistemas
proporcionais e visam impedir ou reduzir a fragmentação parlamentar e/ou impedir
ou dificultar o acesso ao parlamento de pequenos partidos extremistas ou radicais.
Em Portugal está proibida pela Constituição. Todavia, e eleição dos deputados em
círculos eleitorais que elegem um número reduzido de deputados correspondente a
uma cláusula-barreira implícita, variável de círculo para círculo. Por exemplo, num
54

círculo que elege 20 deputados a cláusula-barreira implícita é de cerca de 5%.


Todavia, um partido que atinja essa percentagem de votos elege um deputado
mesmo que tenha uma percentagem ínfima a nível nacional.

5. Mandato representativo.
No mandato representativo (ou livre) – que carateriza as modernas democracias
representativas - os representantes (deputados) representam o conjunto dos
cidadãos (e não um grupo ou corporação, como nas cortes medievais) e exercem
livremente o seu cargo, sem estarem vinculados a adotar determinadas orientações
previamente definidas pelos representados. Por essa razão o mandato representativo
não pode ser revogado (recall). O mandato representativo distingue-se do mandato
imperativo (ou vinculado), típico da representação política pré-liberal (cortes
medievais) e também das conceções rousseaunianas e leninistas de democracia, em
que os representantes estão obrigados por um programa e vinculados às posições
assumidas perante os representados, aos quais terão de prestar contas (daí a
possibilidade de revogação dos mandatos, ou recall).

6. Revogação popular do mandato (recall).


A revogação de mandatos (ou recall) consiste na faculdade reconhecida aos cidadãos
eleitores de, por iniciativa de um certo número deles ou por iniciativa oficial, serem
chamados a decidir mediante consulta popular a cessação do mandato de um certo
titular eletivo (um deputado, o presidente da república) antes do termo desse
mandato. Trata-se, portanto, de uma destituição popular de titulares de mandatos
eletivos, tratando-se numa forma de responsabilidade política direta perante os
cidadãos.

Essa figura estava, por exemplo, prevista na Constituição alemã de Weimar (1919)
para a destituição de presidente da República; era um dos mecanismos previstos nas
constituições dos Estados comunistas; e continua a existir em alguns dos Estados
norte-americanos (Califórnia, por exemplo) e em alguns cantões suíços.
Em princípio, não existe o recall nos sistemas de governo de tipo parlamentar, onde
o poder de eleger não inclui o poder de destituir. Por isso, entre nós não existe
55

destituição popular nem dos deputados nem do Presidente da República ou de


outros titulares de mandatos eleitos diretamente (por ex. presidentes de câmara
municipal).

II (5 valores)

Desenvolva um dos seguintes temas:

a) Presidencialismo norte-americano.

É o modelo classicamente representado desde a origem pelo sistema de governo dos


Estados Unidos da América. As caraterísticas essenciais do sistema são as seguintes:
- A função governamental cabe diretamente ao Presidente da República, não
havendo um governo separado;
- O Presidente é independente do Congresso, não dependendo da sua
confiança política nem podendo ser destituído por desconfiança política;
- O Presidente goza de legitimidade eleitoral própria (eleição direta ou quase
direta) independente do Congresso e acumula as funções de chefe do Estado
e de chefe do executivo, sendo nesta tarefa coadjuvado por secretários de
Estado (ou ministros), cabendo, porém, ao presidente exclusivamente a
condução da ação governativa;
- Há duas eleições e dois órgãos eleitos (sistema bi-representativo); as eleições
decisivas para o executivo e as políticas governamentais são as eleições
presidenciais e não as eleições legislativas, que se limitam a eleger os
deputados;
- Existe separação marcada entre o poder legislativo (Congresso) e o
executivo (Presidente); nem a assembleia pode demitir o governo, que não é
responsável perante ela, nem o presidente pode dissolver aquela e antecipar
eleições;
- Não havendo possibilidade de demissão de um poder pelo outro, nunca há
eleições antecipadas; mesmo no caso de morte do Presidente, ele é substituído
pelo vice-presidente até ao final do mandato;
56

- A subsistência e o funcionamento dos dois órgãos são independentes, sem


prejuízo da possibilidade de demissão do Presidente por motivo de
impeachment aprovado pelo Congresso (Senado), em caso de grave infração
do Presidente no desempenho do cargo (trata-se de uma condenação de tipo
penal e não de condenação propriamente política);
- Todavia, existem alguns poderes de controlo recíproco (checks and
balances), como o direito de veto do Presidente sobre as leis aprovadas pelo
Congresso (que o Congresso pode superar mediante nova votação) e o poder
do Congresso de escrutinar e ratificar a escolha do Presidente quanto a
diversos titulares de altos cargos públicos (secretários de Estado,
embaixadores, chefes de autoridades administrativas independentes, juízes
federais, etc.).

b) Sistema de governo de índole parlamentar, com poder “moderador” do


Presidente da República.

De acordo com esta tese, não é possível compreender o sistema de governo português
sem ter em conta o lugar específico do PR como “quarto poder”, à margem da
dialética da relação parlamento-Governo, claramente inspirada na figura do “poder
moderador” proposta por Benjamin Constant.
Há quem veja na eleição direta do PR um traço semipresidencialista do sistema de
governo. Errado. Existem muitas repúblicas tipicamente parlamentares em que o
PR é diretamente eleito e não tem nenhuns poderes exorbitantes de um sistema de
governo parlamentar (Áustria, Irlanda, Islândia, etc.). A eleição direta não quer
dizer necessariamente presidencialismo nem semipresidencialismo.
Por outro lado, se o PR tem entre nós relevantes poderes próprios, isso não quer
dizer que eles se referem diretamente ao sistema de governo. Na verdade, embora o
Presidente tenha fortes poderes de intervenção institucional (nomeação de altos
cargos públicos, direito de veto dos diplomas legislativos, poder de dissolução
parlamentar e antecipação de eleições, por iniciativa própria, convocação de
referendos, etc.), ele não participa, porém, diretamente da atividade governamental
nem o governo depende politicamente da sua confiança política, pelo que não pode
deixar de nomear um governo que tenha maioria parlamentar nem demitir nenhum
57

governo por motivo de discordância política (salvo excecionalmente, quando estiver


em causa o "regular funcionamento das instituições").
Estruturalmente, o sistema de governo português é hoje um sistema de índole
essencialmente parlamentar, em que os governos são constituídos no seguimento das
eleições parlamentares e de acordo com o seu resultado, e em que o Presidente da
Republica não compartilha da função executiva nem da atividade governamental,
cabendo-lhe antes um papel de defesa da Constituição e de regulador e moderador
do sistema político, fazendo lembrar, como se referiu, o “poder neutro” de Benjamin
Constant, que entre nós inspirou a Carta Constitucional de 1826, a mais duradoura
constituição portuguesa.

III (5 valores)

Comente uma das seguintes frases, inserindo-a no contexto do pensamento político do


seu autor:

a) «As leis não aprovadas pelo próprio povo não são leis» (Rousseau)»

Rousseau foi acima de tudo um teorizador da democracia plena, baseada na


omnipotência da “vontade geral” expressa através de votações populares diretas
(referendos) ou de eleições caracterizadas pelo mandato vinculativo e pela
possibilidade de revogação popular dos mandatos eletivos. Rousseau rejeita a ideia
de representação política e de governo representativo, pois o povo não pode delegar
incondicionalmente o poder aos representantes. Além disso, contra a teoria liberal
de Locke e de Montesquieu, Rousseau defendeu a unidade do poder contra a
separação de poderes, pelo que o poder executivo (governo) deveria consistir numa
simples emanação da assembleia popular, titular de todo o poder e expressão da
“vontade geral”.

Estas características – omnipotência e unidade do poder popular e precariedade e


revogabilidade da representação política – estão na origem da teoria das
“democracias populares”, como alternativa às democracias representativas,
baseadas no mandato livre e não revogável e na limitação e separação do poder.
58

b) «A “vontade geral” [Rousseau] leva ao despotismo» (Constant).

Benjamin Constant, um liberal assumido, partidário da limitação do poder, da


separação de poderes e da “liberdade negativa dos modernos” foi um dos primeiros
a vislumbrar os riscos da democracia radical de Rousseau para as liberdades
individuais. A omnipotência da “vontade geral” de Rousseau, bem como a teoria da
unidade do poder e a rejeição da separação de poderes podiam levar ao despotismo
da maioria (ou até de uma minoria usurpadora da “vontade geral”), à custa da
liberdade individuais.
Enquanto Rousseau privilegia a democracia à custa do liberalismo, Constant
privilegia o liberalismo limitando a democracia. A síntese da “democracia liberal”
(democracia representativa + liberalismo) ainda estava para ser alcançada.
59

Teoria Geral do Poder Público

Faculdade de Direito

1.º Ciclo de Estudos

Direito - 1.º Ano

Prova de Frequência/Exame

27/01/2020

Duração:2h

I (10 valores)

Defina sucintamente cinco dos seguintes conceitos:

1. Estado federal.
O Estado federal pressupõe dois níveis de organização do poder político: federação
e unidades federadas (sem contar com a descentralização administrativa em
autarquias locais, como os municípios) e dois níveis constitucionais. As unidades
federadas gozam de autonomia constitucional, tendo a sua própria constituição, com
respeito da constituição federal. Existe uma repartição material dos poderes
políticos (legislação, governo, função judicial) entre a federação e as unidades
federadas, cabendo a repartição de competências à constituição federal.

Num Estado federal os cidadãos têm uma dupla cidadania, participando em dois
tipos diferentes de comunidade política. Como membros de uma unidade federada,
participam na vida política da respetiva comunidade (eleições da assembleia
legislativa própria, referendos, etc.) Como membros da comunidade nacional,
federal, participam na respetiva vida política (eleição do chefe do Estado e do
parlamento federal, referendos nacionais, etc.).

Normalmente, o federalismo implica um sistema parlamentar bicameral a nível


federal, sendo uma das câmaras representativa da população federal em geral e a
outra representativa das unidades federadas, na base do princípio da tendencial
igualdade de representação (o mesmo número de representantes
60

independentemente da população e da área de cada unidade federada). Muitas vezes


a segunda câmara adota o nome de senado (Estados Unidos, Brasil). Além dessa
participação na vida política da federação por via do parlamento federal (poder
legislativo, controlo do governo federal, etc.), as unidades federadas podem ser
chamadas também a participar na alteração da constituição da federação, através
de mecanismos específicos, nomeadamente a sujeição das alterações constitucionais
a referendo orgânico das assembleias das unidades federadas (como sucede nos
Estados Unidos da América).

2. Referendo constitucional.
Referendo constitucional é a votação popular o que versa sobre a aprovação ou
ratificação de uma constituição ou de uma revisão constitucional, assim se
distinguindo do referendo ordinário, que incide sobre leis ou decisões políticas
infraconstitucionais. O referendo constitucional tanto pode incidir diretamente
sobre a aprovação de um projeto de constituição ou revisão constitucional como
consistir na ratificação popular de um texto já previamente aprovado pelo
parlamento.
Em alguns Estados federais, como os Estados Unidos da América, as revisões da
Constituição federal estão sujeitas a ratificação institucional pelos estados
federados, que é um referendo “sui generis”, que não tem de passar por uma votação
popular, mas sim por votação dos parlamentos das unidades federadas.
Em Portugal, a Constituição de 1976 não foi submetida a referendo e o ordenamento
constitucional português não admite o referendo às alterações à Constituição; mas
em vários países as constituições foram aprovadas ou ratificadas por referendo
(como em França ou na Espanha) e as alterações à Constituição efetuadas pelo
parlamento têm de ser submetidas a um subsequente refendo popular, como é o caso
da Espanha.

3. Democracia participativa.
A democracia participativa consiste na participação dos cidadãos ou de
organizações sociais (sindicatos, associações profissionais, ONGs, etc.) nos
procedimentos e na tomada de decisões dos órgãos do poder público, através de
61

petições, representações e abaixo-assinados, da participação em consultas populares


sobre propostas legislativas ou outras decisões políticas, da intervenção em
comissões de moradores e nos órgãos consultivos existentes ou em fóruns ad hoc
constituídos, na preparação e recolha de assinaturas para propostas de legislação ou
de referendos a apresentar ao parlamento e/ou ao Governo.
Trata-se de um complemento “informal” da democracia representativa
(“democracia eleitoral”) e da democracia semidirecta (referendos). Ao contrário
destas, a democracia participativa é uma “democracia de pressão” ou “de
influência”, sem poderes decisórios.

4. Presidencialismo.
É o modelo classicamente representado desde a origem pelo sistema de governo dos
Estados Unidos da América. As caraterísticas essenciais do sistema são as seguintes:
⎯ A função governamental cabe diretamente ao Presidente da República,
não havendo um governo separado, como nos sistemas de governo
parlamentar;
⎯ O Presidente goza de legitimidade eleitoral própria (eleição direta ou
quase direta) independente do Congresso e acumula as funções de chefe
do Estado e de chefe do executivo, sendo nesta tarefa coadjuvado por
secretários de Estado (ou ministros), cabendo, porém, ao presidente
exclusivamente a condução da ação governativa;
⎯ O Presidente é independente do Congresso, não dependendo da sua
confiança política nem podendo ser destituído por desconfiança política;
⎯ Há duas eleições e dois órgãos eleitos (sistema birrepresentativo); as
eleições decisivas para o executivo e as políticas governamentais são as
eleições presidenciais e não as eleições legislativas, que se limitam a eleger
os deputados;
⎯ Existe separação marcada entre o poder legislativo (Congresso) e o
executivo (Presidente); nem a assembleia pode demitir o governo, por
motivo de divergência política, pois não é responsável perante ela, nem o
presidente pode dissolver aquela e antecipar eleições;
62

⎯ Não havendo possibilidade de demissão de um poder pelo outro, nunca


há eleições antecipadas; mesmo no caso de morte do Presidente, ele é
substituído pelo vice-presidente até ao final do mandato;
⎯ Todavia, existem alguns poderes de controlo recíproco (checks and
balances), como o poder de veto do Presidente sobre as leis aprovadas pelo
Congresso (que o Congresso pode superar mediante nova votação) e o
poder do Congresso de escrutinar e ratificar, ou não, a escolha do
Presidente quanto a diversos titulares de altos cargos públicos
(secretários de Estado, embaixadores, chefes de autoridades
administrativas independentes, juízes federais, etc.).
⎯ Os sistemas presidencialistas são caracterizados em geral pela
estabilidade governativa, pois a duração dos mandatos do Presidente é
fixa e o governo não depende da confiança do parlamento

5. Impeachment.
Em geral, nos sistemas de eleição popular, direta ou indireta, do Presidente da
República (ou outros cargos políticos eletivos, como os mayors municipais), ele não
pode ser destituído pelo parlamento. No entanto, em alguns países, como nos Estados
Unidos da América ou no Brasil, o presidente poderá ser destituído por efeito do
impeachment pelo parlamento, em caso de infração constitucional grave (trata-se de
uma condenação de tipo penal e não de condenação propriamente política). No
entanto, como a condenação exige maioria qualificada, são em geral raros os casos
em que ela vinga, salvo no Brasil, onde já houve duas condenações, na vigência da
Constituição de 1988.

6. Lobbying
O lobbying pode ser definido como a atividade de representação e de defesa dos
interesses de entidades (empresas, etc.) ou grupos organizados junto dos decisores
políticos (deputados, governantes, etc.) com o objetivo de influenciar as decisões do
poder público, em especial do poder legislativo, em favor de causas ou objetivos
63

defendidos pelo grupo. Pode ser exercido pelos próprios interessados ou por lobistas
profissionais contratados.

Em vários países e também na UE, a atividade de lobbying está legalmente


reconhecida e regulada (registo dos lobistas, transparência das relações com os
decisores políticos, etc.), de modo a permitir o escrutínio público de uma atividade
que de outro modo sempre existiria de forma encoberta.

II (5 valores)

Desenvolva um dos seguintes temas:

a. “Num sistema de governo parlamentar a legitimidade política dos governos


decorre das eleições parlamentares, existindo necessariamente consonância
entre o governo e a maioria parlamentar”.

Nos sistemas de governo parlamentar os governos são formados a partir das eleições
legislativas (para o parlamento), ao contrário dos sistemas presidencialistas, onde
há eleições para o parlamento e eleições separadas para o Presidente, que passa a
gozar de legitimidade eleitoral própria (eleição direta ou quase direta), acumulando
as funções de chefe do Estado e de chefe do executivo. Consequentemente, ao
contrário do que sucede nos sistemas presidencialistas, onde o Presidente/Governo
é politicamente independente do parlamento, nos sistemas parlamentaristas o
governo depende da confiança e é responsável perante o parlamento.
Dado que os governos são nomeados de acordo com as eleições parlamentares, estas
tendem a tornar-se numa disputa entre candidatos a primeiro-ministro, mas o
vencedor das eleições só tem assegurada a chefia do governo se obtiver maioria
absoluta ou se conseguir uma coligação com outro ou outros partidos que lhe
assegurem essa maioria (de outro modo, pode não chegar a obter a investidura
parlamentar, como sucedeu em Portugal em 2015).
Uma vez que são nomeados em função das eleições parlamentares e da composição
dos parlamentos, os governos dependem do apoio parlamentar, pelo que, se não
gozam de maioria parlamentar absoluta, têm de procurar alianças parlamentares
64

para se manterem em funções e para permitir a aprovação dos instrumentos de


governo, a começar pelo orçamento; por isso, a contraposição parlamento-governo
torna-se numa contraposição entre a maioria parlamentar-governamental e a
oposição parlamentar. No entanto, nos regimes parlamentares com sistemas
eleitorais proporcionais, é geralmente difícil que um partido sozinho obtenha
maioria parlamentar, pelo que os governos são de coligação ou governos sem
maioria absoluta, cuja estabilidade está longe de garantida, podendo ser demitidos
por moção de censura da oposição ou serem forçados a demitir-se em caso de derrota
das suas propostas orçamentais ou legislativas.
Havendo normalmente consonância entre o governo e a maioria parlamentar, as
democracias parlamentares não apresentam em princípio conflitos entre o governo
e o parlamento, como pode suceder no presidencialismo, onde o chefe do governo
(que é o Presidente da República) é eleito separadamente do parlamento, não tendo
maioria assegurada no segundo. Ao contrário dos sistemas presidencialistas, que são
caracterizados em geral pela estabilidade governativa, os sistemas parlamentares
podem ser caracterizados por grande instabilidade governativa, sobretudo no caso
de sistemas eleitorais proporcionais, quanto a falta de maioria parlamentar absoluta
de qualquer partido obriga à constituição de coligações governamentais mais ou
menos inconsistentes ou de governos minoritários, necessariamente instáveis.
Eventualmente, pode ser impossível formar um governo na base do parlamento
existente, pelo que a solução consiste em convocar novas eleições parlamentares.
Nos sistemas de governo parlamentar, o chefe do Estado (monarca ou Presidente da
República) não participa na função governativa, oscilando entre uma instituição
com poderes essencialmente cerimoniais (como em Espanha ou na Alemanha) ou
um poder de supervisão do sistema político e do regular funcionamento das
instituições (como em Portugal).

b. “O Estado representativo moderno implicou a substituição do mandato local


imperativo ou vinculado dos procuradores às antigas Cortes pelo mandato
nacional e livre dos deputados nos modernos parlamentos”.

A distinção tem a ver com natureza do mandato político dos representantes eleitos:
65

a) Mandato imperativo – O mandato imperativo (ou vinculado) é típico da


representação política pré-liberal (Cortes medievais) e também das
conceções rousseaunianas e leninistas de democracia, em que os
representantes representam especificamente quem os elegeu e estão
obrigados por um programa e vinculados às posições assumidas perante
os representados, sendo politicamente responsáveis perante estes no
decurso do mandato (daí a possibilidade de revogação dos mandatos, ou
recall).
b) Mandato representativo – No mandato representativo (ou livre), que
carateriza as modernas democracias representativas, os representantes
(deputados) representam o conjunto dos cidadãos (e não uma localidade,
um grupo ou corporação, como nas Cortes medievais) e exercem
livremente o seu cargo, sem estarem vinculados a adotar determinadas
orientações previamente definidas pelos representados. Por essa razão o
mandato representativo não pode ser revogado (recall).
É comummente aceite que não existe mandato representativo até aos finais do século
XVIII – revoluções liberais –, pelo que antes disso, a designação comum dos
representantes eleitos era de “procuradores”. Com o advento do constitucionalismo
moderno, o mandato representativo veio substituir o mandato imperativo,
fundando-se, sobretudo, no célebre discurso dirigido por Edmund Burke ao
eleitorado de Bristol (1774): “vosso representante deve a vós não somente sua
indústria, senão seu juízo, e vos atraiçoa, em vez de vos servir, se se sacrifica à vossa
opinião”. A Constituição francesa de 1791 proibia terminantemente o mandato
imperativo. Em Portugal, a Constituição de 1822 veios determinar que “cada
deputado é procurador e representante de toda a Nação e não o é somente da divisão
que o elegeu” (art.º 94º).
No entanto, não devemos deixar de ter em conta que desde as Cortes de 1331 os
procuradores do povo (eleitos a nível municipal) podiam discutir e formular, em
conjunto, “capítulos gerais” no interesse comum e da boa governabilidade do reino,
incluindo temas não compreendidos nas suas procurações concelhias. Por isso, há
quem entenda que durante a Idade Média a “regra geral foi a de os procuradores
serem representantes e não meros porta-vozes. E isso desde muito cedo, sem dúvida,
desde 1331”. Mas se podiam ir além do mandato, não podiam ir contra ele. Por outro
66

lado, hoje em dia a “disciplina de voto” imposta pelos partidos no parlamento é


entendida como uma manifestação do mandato imperativo ou vinculado, não em
relação aos eleitores, mas sim em relação aos partidos em nome dos quais os
deputados foram eleitos.

III (5 valores)

Comente uma das seguintes frases, inserindo-a no contexto do pensamento político do


seu autor:

a) «Homo homini lupus (O homem é o lobo do [próprio] homem) ― Thomas


Hobbes, Leviathan.

Thomas Hobbes (1578-1679) foi um filósofo inglês que teve no Leviathan a sua obra
mais conhecida. Nela desenvolve uma teoria contratualista do poder político –
legitimando este num acordo tácito entre os membros da comunidade, tendo em
vista a segurança individual e a ordem social. Para Hobbes a natureza humana é
naturalmente egoísta e conflituosa, pelo que no “estado de natureza” os homens
levam uma vida “bruta e curta”. É nesse sentido que o homem se torna o lobo do
próprio homem, já que procurando atingir os seus objectivos individuais (a riqueza,
a segurança e a reputação ou glória), entram em conflito com os demais, o que gera
um clima de insegurança e de guerra. Essa situação (o “estado de natureza”) impõe
um poder político forte, capaz de garantir e impor a todos a harmonização dos
interesses individuais e a sua submissão ao bem comum. Pelo pacto social, os
membros da coletividade delegam no soberano todos os poderes necessários, de
forma incondicional e irrevogável. Esse poder político forte – que torna Hobbes num
defensor do absolutismo – será, portanto, uma necessidade da própria vida em
sociedade (um pacto de submissão).
67

b) «The end of law is not to abolish or restrain, but to preserve and enlarge freedom
(A finalidade do direito não é limitar ou restringir a liberdade, mas sim preservá-
la e aumentá-la) – John Locke, Two treatises of government.

John Locke (1632-1704) foi um filósofo inglês, considerado o pai do liberalismo, nas
suas diversas vertentes (liberdades individuais, limitação do poder do Estado para
salvaguarda dessas liberdades, separação de poderes entre o poder legislativo e o
poder executivo, poder político representativo consubstanciado num parlamento
eleito).

A sua conceção política tem uma origem contratualista (tal como Hobbes ou
Rousseau), mas com fundamento e objetivos diferentes. O poder resulta, assim, de
um consentimento que se mantém e se renova na representatividade parlamentar

A sua obra política maior (os Two treatises of government, publicados em 1689) é
historicamente motivada pela Revolução Gloriosa (ocorrida no ano anterior) que
levou ao trono William de Orange e Mary II, depondo o pai desta, James II. Embora
com conotações religiosas, esta revolução marcou a afirmação do parlamentarismo
britânico e o advento do moderno constitucionalismo, no qual assume uma posição
central o Bill of Rights de 1689.

A obra de John Locke surge nessa defesa do liberalismo e das liberdades individuais,
contra o poder absoluto do rei. Defende a natureza pacífica e racional do homem, o
qual tem (por isso) inalienáveis direitos, nomeadamente a liberdade e a propriedade,
face aos outros e face ao Estado. Como se diz na frase citada, a lei surge exatamente
como expressão da obrigação do Estado, não somente de respeitar as liberdades
individuais, nomeadamente a liberdade e a propriedade, mas também de as garantir
contra terceiros.
68

Teoria Geral do Poder Público

Faculdade de Direito

1.º Ciclo de Estudos

Direito - 1.º Ano

Exame de 2.ª Época

09/07/2020

Duração: 1:30h

I (10 valores)

Defina sucintamente cinco dos seguintes conceitos:

1. Democracia direta.
Democracia direta é aquela em que a decisões políticas, incluindo a aprovação de
normas e a designação de magistrados executivos, são tomadas diretamente em
assembleias dos cidadãos, como sucedia na antiguidade nas cidades-estado gregas,
especialmente Atenas, e ainda hoje sucede, por exemplo, em alguns dos pequenos
cantões suíços e nas freguesias de dimensão reduzida entre nós (art. 245º, n.º 2 CRP).
Em Portugal, nas freguesias com 150 eleitores ou menos, a assembleia de freguesia
é substituída pelo plenário dos cidadãos eleitores, cabendo a estes exercer todas as
funções daquela (designação da junta de freguesia, aprovação do orçamento e
contas, aprovação de regulamentos, etc.). Como mostram os exemplos, a democracia
direta só pode funcionar em coletividades de dimensão relativamente reduzida, onde
seja possível as pessoas reunirem-se sem grandes deslocações.

Designam-se de “democracia semidireta” as diversas formas de decisão popular


(referendos, plebiscitos) adotadas em contexto de democracia representativa, por
iniciativa dos próprios órgãos do poder ou por iniciativa popular. Nestes casos o
referendo pode ser facultativo ou obrigatório em certos temas.
69

2. Estado unitário “regional”.


Estado unitário é o contrário de Estado federal, que é um “Estado compósito”, com
dois níveis estaduais (federação e unidades federadas) e dois níveis de cidadania
política, tendo as unidades federadas a sua própria constituição e participando
através do senado nas decisões políticas da federação. Estado unitário regional é o
Estado unitário em que existem formas de decentralização política territorial
(comunidades ou regiões autónomas), dotadas de poderes legislativos e governativos
próprios, como os estados federados, mas, ao contrário destes, sem disporem de
autonomia constitucional e sem intervirem nos processos de decisão do Estado.

Portugal é um Estado unitário (6º/1 CRP), permanecendo no Estado o poder


constituinte, o poder de revisão constitucional e o poder jurisdicional. Existe apenas
uma cidadania (portuguesa). Portugal é um exemplo de Estado unitário “regional”
parcial, visto que a CRP de 1976 reconheceu a autonomia política apenas das regiões
autónomas dos Açores e da Madeira (com Governos e Assembleias Legislativas
próprias). Estados regionais típicos são a Espanha e a Itália.

3. Referendo constitucional.
Referendo constitucional é a votação popular o que versa sobre a aprovação ou
ratificação de uma constituição ou de uma revisão constitucional. Referendo
ordinário é o que versa sobre leis ou decisões políticas infraconstitucionais. Quando
versa sobre revisões constitucionais, o referendo constitucional pode ser obrigatório
(porque imposto pela Constituição), proibido (por que excluído pela Constituição)
ou simplesmente permitido.

Em alguns Estados federais, como os Estados Unidos da América, as revisões


constitucionais estão sujeitas a ratificação pelos estados federados, segundo as
normas próprias destes, mas não a referendo popular direto.

No ordenamento constitucional português está proibido o referendo constitucional


às alterações à Constituição (art. 115º/4a)), mas em vários países (como em Espanha)
as alterações à Constituição efetuadas pelo parlamento têm de ser submetidas a um
subsequente refendo popular.
70

4. Sistema de governo presidencialista.


É o modelo classicamente representado desde a origem pelo sistema de governo dos
Estados Unidos da América. As caraterísticas essenciais do sistema são as seguintes:
- A função governamental cabe diretamente ao Presidente da República, não
havendo um governo separado, sendo nesta tarefa coadjuvado por
secretários de Estado (ou ministros), cabendo, porém, ao Presidente
exclusivamente a condução da ação governativa;
- O Presidente goza de legitimidade eleitoral própria (eleição direta ou quase
direta) independente do Congresso e acumula as funções de chefe do Estado
e de chefe do executivo;
- Há duas eleições e dois órgãos eleitos (sistema birrepresentativo); mas as
eleições decisivas para o executivo e as políticas governamentais são as
eleições presidenciais e não as eleições legislativas, que se limitam a eleger os
deputados;
- Existe separação marcada entre o poder legislativo (Congresso) e o
executivo (Presidente); nem a assembleia pode demitir o governo, que não é
responsável perante ela, não dependendo da sua confiança política, nem
podendo ser destituído por desconfiança política; e, reciprocamente, o
Presidente pode dissolver aquela e antecipar eleições;
- Não havendo possibilidade de demissão de um poder pelo outro, nunca há
eleições antecipadas; mesmo no caso de morte do Presidente, ele é substituído
pelo vice-presidente até ao final do mandato;
- A subsistência e o funcionamento dos dois órgãos são independentes, sem
prejuízo da possibilidade de demissão do Presidente por motivo de
impeachment aprovado pelo Congresso (Senado), em caso de grave infração
do Presidente no desempenho do cargo (trata-se de uma condenação de tipo
penal e não de condenação propriamente política);
- Todavia, existem alguns poderes de controlo recíproco (checks and
balances), como o direito de veto do Presidente sobre as leis aprovadas pelo
Congresso (que o Congresso pode superar mediante nova votação) e o poder
do Congresso de escrutinar e ratificar a escolha do Presidente quanto a
71

diversos titulares de altos cargos públicos (secretários de Estado,


embaixadores, chefes de autoridades administrativas independentes, juízes
federais, etc.).

5. Sistema parlamentar bicamaralista.


Sistema em que o parlamento está dividido em duas câmaras, por vezes designada
por “câmara alta” e “câmara baixa”. Normalmente, o federalismo implica um
sistema bicameral a nível federal, sendo uma das câmaras representativa da
população federal em geral e a outra representativa das unidades federadas. A
câmara de representação das unidades federadas pode não ser diretamente eleita,
sendo composta por representantes dos órgãos políticos daquelas. Mas pode existir
sistema bicamaral em estados unitários, regionais ou não (por exemplo, Espanha,
França, Itália). De resto, o mais tradicional sistema bicamaral é o do Reino Unido,
com a Câmara dos Lordes (não eletiva) e a Câmara dos Comuns.
Na história constitucional portuguesa, só a Constituição de 1822 e a atual
Constituição da República Portuguesa (1976) é que adotaram o sistema
monocamaralistas (uma única câmara legislativa); a Carta Constitucional (1826) e
as outras Constituição (1838, 1911 e 1933) optaram pelo sistema bicamaralista (de
duas câmaras legislativas).

6. Revogação popular dos mandatos eletivos (recall).


A revogação de mandatos (ou recall) consiste na faculdade reconhecida aos cidadãos
eleitores de, por iniciativa de um certo número deles ou por iniciativa oficial, serem
chamados a decidir mediante votação popular a cessação do mandato de um certo
titular eletivo (um deputado, o presidente da república) antes do termo desse
mandato. Trata-se, portanto, de uma destituição popular de titulares de mandatos
eletivos, tratando-se numa forma de responsabilidade política direta perante os
cidadãos.

Essa figura estava, por exemplo, prevista na Constituição alemã de Weimar (1919)
para a destituição de presidente da República; era um dos mecanismos previstos nas
72

constituições dos Estados comunistas; e continua a existir em alguns dos Estados


norte-americanos (Califórnia, por exemplo) e em alguns cantões suíços.
Em princípio, não existe o recall nos sistemas de governo de tipo parlamentar, onde
o poder de eleger não inclui o poder de destituir. Por isso, entre nós não existe
destituição popular nem dos deputados nem do Presidente da República ou de
outros titulares de mandatos eleitos diretamente (por ex., presidentes de câmara
municipal).

II (10 valores)

Desenvolva um dos seguintes temas:

a) Modalidades de sistema eleitoral maioritário nas eleições parlamentares.

Nas eleições parlamentares (das assembleias representativas ou parlamentos), o


sistema eleitoral maioritário está normalmente vinculado a círculos eleitorais
uninominais – havendo tantos círculos eleitorais quanto o número de deputados a
eleger –, de forma que o candidato mais votado é o que fica eleito para o mandato
do respetivo círculo eleitoral.

As fórmulas maioritárias subdividem-se em: (i) maioria simples ou relativa, segundo


a qual cada mandato é ganho pelo candidato que obtém maior número de votos em
cada círculo, por menor que seja a percentagem de votos obtida; (ii) maioria
absoluta, que exige que o candidato para ser eleito alcance uma maioria de mais de
50% dos votos, ou seja, pelo menos, mais votos do que todos os demais candidatos
somados. Para atingir esta maioria agravada, em princípio, segue-se um sistema de
eleições em duas voltas, segundo a qual, se nenhum candidato obtém a maioria
absoluta numa primeira votação, recorre-se a uma segunda votação em que
concorrem apenas os dois candidatos mais votados ou somente os candidatos que
tenham passado um certo limiar mínimo de votação na primeira volta.

Em qualquer caso, para que um partido consiga obter representação parlamentar é


necessário que os seus candidatos ganhem em pelo menos um círculo eleitoral, pelo
73

que este sistema favorece os maiores partidos nacionais e os partidos com forte
implantação numa certa região (como os partidos autonomistas/separatistas), em
prejuízo dos partidos pequenos/médios com uma repartição territorial do voto
relativamente homogénea ou territorialmente dispersa. Por isso, os sistemas
maioritários tendem a restringir o leque de partidos com representação parlamentar
e a favorecer maiorias parlamentares absolutas do partido vendedor das eleições
(mesmo com maioria relativa), ao contrário dos sistemas proporcionais.

O caso mais tradicional de eleição por maioria relativa é o do Reino Unido; e o caso
mais típico de eleição de maioria absoluta é o da França.

b) Diferença entre o mandato dos procuradores às antigas Cortes e o mandato dos


deputados nos modernos parlamentos.

A distinção tem a ver com natureza do mandato político dos representantes eleitos:
o mandato dos procuradores às antigas Cortes é um mandato imperativo e o mandato
dos deputados nos modernos parlamentos é um mandato representativo:

a) O mandato imperativo (ou vinculado) é típico da representação política


pré-liberal (Cortes medievais) e também das conceções rousseaunianas e
leninistas de democracia, em que os representantes representam
especificamente os círculos eleitorais que os elegeram e estão obrigados
por um programa e vinculados às posições assumidas perante os
representados, sendo politicamente responsáveis perante estes no decurso
do mandato (daí a possibilidade de revogação dos mandatos, ou recall).
b) No mandato representativo (ou livre), que carateriza as modernas
democracias representativas, os representantes (deputados) representam
o conjunto dos cidadãos (e não uma localidade, um grupo ou corporação,
como nas Cortes medievais) e exercem livremente o seu cargo, sem
estarem vinculados a adotar determinadas orientações previamente
definidas pelos representados. Por essa razão o mandato representativo
não pode ser revogado (recall).
74

É comummente aceite que não existe mandato representativo até aos finais do século
XVIII – revoluções liberais –, pelo que antes disso, a designação comum dos
representantes eleitos era de “procuradores”. Com o advento do constitucionalismo
moderno, o mandato representativo veio substituir o mandato imperativo,
fundando-se, sobretudo, no célebre discurso dirigido por Edmund Burke ao
eleitorado de Bristol (1774): “vosso representante deve a vós não somente sua
indústria, senão seu juízo, e vos atraiçoa, em vez de vos servir, se se sacrifica à vossa
opinião”. A Constituição francesa de 1791 proibia terminantemente o mandato
imperativo. Em Portugal, a Constituição de 1822 veios determinar que “cada
deputado é procurador e representante de toda a Nação e não o é somente da divisão
que o elegeu” (art.º 94º).
No entanto, não devemos deixar de ter em conta que desde as Cortes de 1331 os
procuradores do povo (eleitos a nível municipal) podiam discutir e formular, em
conjunto, “capítulos gerais” no interesse comum e da boa governabilidade do reino,
incluindo temas não compreendidos nas suas procurações concelhias. Por isso, há
quem entenda que durante a Idade Média a “regra geral foi a de os procuradores
serem representantes e não meros porta-vozes. E isso desde muito cedo, sem dúvida,
desde 1331”. Mas se podiam ir além do mandato, não podiam ir contra ele. Por outro
lado, atualmente a “disciplina de voto” imposta pelos partidos no parlamento é
entendida como uma manifestação do mandato imperativo ou vinculado, não
diretamente em relação aos eleitores, mas sim em relação aos partidos em nome dos
quais os deputados foram eleitos.
75

Teoria Geral do Poder Público

Faculdade de Direito
1.º Ciclo de Estudos
Direito - 1.º Ano
Prova de Frequência/Exame: 15/06/2021
Duração: 1:30h

Notas:
a) Pode alterar a ordem das respostas;
b) Deixe pelo menos uma linha entre cada resposta.

I (14 valores)

Defina sucintamente sete dos seguintes conceitos:

1. Democracia direta.
Democracia direta é aquela em que a decisões políticas, incluindo a aprovação de
normas e a designação de magistrados executivos, são tomadas diretamente por
votação em assembleias dos cidadãos, como sucedia na antiguidade nas cidades-
estado gregas, especialmente Atenas, e ainda hoje sucede, por exemplo, em alguns
dos pequenos cantões suíços e nas freguesias de dimensão reduzida entre nós (art.
245º, n.º 2 CRP). Em Portugal, nas freguesias com 150 eleitores ou menos, a
assembleia de freguesia eleita é substituída pelo plenário dos cidadãos eleitores,
cabendo a estes exercer todas as funções daquela (designação da junta de freguesia,
aprovação do orçamento e contas, aprovação de regulamentos, etc.). Como mostram
os exemplos, a democracia direta só pode funcionar em coletividades de dimensão
territorial relativamente reduzida, onde seja possível as pessoas reunirem-se sem
grandes deslocações.

Embora por vezes qualificadas também como manifestações de democracia direta,


deve, porém, preferir-se a designação de democracia semidireta para os casos do
76

referendo e do recall de mandatos eletivos, em que os cidadãos são individualmente


chamados a tomar decisões políticas ou legislativas através do voto, sob convocação
oficial ou dos próprios cidadãos (convocação popular do referendo).

2. Estado unitário “regional”.


Estado unitário é o contrário de Estado federal, que é um “Estado compósito”, com
dois níveis políticos estaduais (federação e unidades federadas) e dois níveis de
cidadania política, tendo as unidades federadas a sua própria constituição e
participando através do senado nas decisões políticas da federação. Estado unitário
regional é o Estado unitário em que existem formas de descentralização política
territorial (comunidades ou regiões autónomas), dotadas de poderes legislativos e
governativos próprios, como os estados federados, mas, ao contrário destes, sem
disporem de autonomia constitucional e sem intervirem nos processos de decisão do
Estado. Estados regionais típicos são a Espanha e a Itália.

Portugal é um Estado unitário, permanecendo no Estado o poder constituinte, o


poder de revisão constitucional e o poder jurisdicional. Existe apenas uma cidadania
(portuguesa). Mas existem duas regiões autónomas, os Açores e a Madeira, dotadas
de atribuições políticas próprias e de governos e parlamentos próprios; porém, não
dispõem de poder de aprovar e rever o seu próprio estatuto político-administrativo
(que é uma lei do Estado) nem estão representadas numa câmara nacional de
representação territorial (que, aliás, não existe). Portugal é um exemplo de Estado
unitário “regional” parcial, visto que a CRP de 1976 reconheceu a autonomia
política apenas a essas duas regiões insulares: o Continente não é uma região
autónoma nem está divido em regiões autónomas.

3. Tipos de iniciativa referendária.


O referendo é o mecanismo através do qual os cidadãos são chamados a pronunciar-
se diretamente, mediante votação, sobre determinada questão política ou legislativa.
Existem duas modalidades de convocação do referendo: (i) convocação oficial
(Presidente da República, Parlamento, Governo) e (ii) convocação popular
(desencadeado por um determinado número de assinaturas). No primeiro caso, a
77

convocação do referendo pode ser decidida por iniciativa própria dos órgãos
competentes ou mediante petição dos cidadãos.

Em Portugal não existe convocação popular do referendo. O referendo nacional é


sempre convocado pelo Presidente da República, por proposta da Assembleia da
República ou do Governo. Todavia, no caso de proposta parlamentar, esta pode
surgir da iniciativa dos deputados ou dos grupos parlamentares; ou da iniciativa de
um determinado número de cidadãos (mínimo de 60 000 cidadãos eleitores).

4. Sistema de governo presidencialista.


É o modelo classicamente representado desde a origem pelo sistema de governo dos
Estados Unidos da América. As caraterísticas essenciais do sistema são as seguintes:
⎯ Como o nome indicia, a função governamental cabe diretamente ao
Presidente da República, não havendo um governo separado, como nos
sistemas de governo parlamentar;
⎯ O Presidente acumula as funções de chefe do Estado e de chefe do
executivo, sendo nesta tarefa coadjuvado por secretários de Estado (ou
ministros), cabendo, porém, ao Presidente exclusivamente a condução da
ação governativa;
⎯ O Presidente goza de legitimidade eleitoral própria (eleição direta ou
quase direta) independente do Congresso;
⎯ O Presidente é independente do Congresso, não dependendo da sua
confiança política nem podendo ser destituído por desconfiança política,
embora possa ser afastado por condenação em infrações constitucionais
(impeachment);
⎯ Há duas eleições e dois órgãos eleitos (sistema birrepresentativo); as
eleições decisivas para o executivo e as políticas governamentais são as
eleições presidenciais e não as eleições legislativas, que se limitam a eleger
os deputados e não determinam o pode executivo;
⎯ Existe separação marcada entre o poder legislativo (Congresso) e o
executivo (Presidente); nem a assembleia pode demitir o governo, por
78

motivo de divergência política, pois não é responsável perante ela, nem o


presidente pode dissolver aquela e antecipar eleições;
⎯ Não havendo possibilidade de demissão de um poder pelo outro, nunca
há eleições antecipadas; mesmo no caso de morte do Presidente, ele é
substituído pelo vice-presidente até ao final do mandato;
⎯ Todavia, existem alguns poderes de controlo recíproco (checks and
balances), como o poder de veto do Presidente sobre as leis aprovadas pelo
Congresso (que o Congresso pode superar mediante nova votação por
maioria qualificada) e o poder do Congresso de escrutinar e ratificar, ou
não, a escolha do Presidente quanto a diversos titulares de altos cargos
públicos (secretários de Estado, embaixadores, chefes de autoridades
administrativas independentes, juízes federais, etc.);
⎯ Os sistemas presidencialistas são caracterizados em geral pela
estabilidade governativa, pois a duração dos mandatos do Presidente é
fixa e o governo não depende da confiança do parlamento;
⎯ Em contrapartida, em caso de a maioria no Congresso ser politicamente
divergente da orientação política do Presidente, pode verificar-se
impasses políticos, pela impossibilidade de o segundo fazer aprovar pelo
primeiro as leis e o orçamento necessários para dar cumprimento ao seu
programa de governo.

5. Parlamento bicamaralista.
Sistema em que o parlamento é composto por duas câmaras, por vezes designada
por “câmara alta” e “câmara baixa”. Normalmente, o federalismo implica um
sistema bicameral a nível federal, sendo uma das câmaras representativa da
população federal em geral e a outra representativa das unidades federadas. A
câmara de representação das unidades federadas pode não ser diretamente eleita,
sendo composta por representantes dos órgãos políticos daquelas. Mas pode existir
sistema bicamaral em estados unitários, regionais ou não (por exemplo, Espanha,
França, Itália). De resto, o mais tradicional sistema bicamaral é o do Reino Unido,
com a Câmara dos Lordes (não eletiva) e a Câmara dos Comuns.
A articulação de poderes entre as duas câmaras varia de país para país.
79

Na história constitucional portuguesa, só a Constituição de 1822 e a atual


Constituição da República Portuguesa (1976) é que adotaram o sistema
monocamaralistas (uma única câmara legislativa); a Carta Constitucional (1826) e
as outras Constituição (1838, 1911 e 1933) optaram pelo sistema bicamaralista (de
duas câmaras legislativas), embora no caso de 1933, a Câmara Corporativa só
tivesse funções consultivas, pelo que se tratava de um sistema bicamaral impróprio.

6. Revogação popular dos mandatos eletivos (recall).


A revogação de mandatos (ou recall) consiste na faculdade reconhecida aos cidadãos
eleitores de, por iniciativa de um certo número deles ou por iniciativa oficial, serem
chamados a decidir mediante votação popular a cessação do mandato de um certo
titular eletivo (um deputado, o presidente da república, etc.) antes do termo desse
mandato. Trata-se, portanto, de uma destituição popular de titulares de mandatos
eletivos, sendo uma forma de responsabilidade política direta perante os cidadãos.

Essa figura estava, por exemplo, prevista na Constituição alemã de Weimar (1919)
para a destituição de presidente da República; era um dos mecanismos previstos nas
constituições dos Estados comunistas para os deputados; e continua a existir em
alguns dos Estados norte-americanos (Califórnia, por exemplo), assim como em
vários países latino-americanos. Por princípio, o recall pressupõe a eleição
uninominal dos titulares de cargos políticos, o que, no caso dos deputados, exige um
sistema eleitoral maioritário em círculos uninominais.
Em princípio, não existe o recall nos sistemas de governo de tipo parlamentar, onde
o poder de eleger não inclui o poder de destituir, em virtude do chamado mandato
representativo ou mandato livre dos deputados e de outros titulares de órgãos
eletivos. Por isso, entre nós não existe destituição popular nem dos deputados nem
do Presidente da República ou de outros titulares de mandatos eleitos diretamente
(por ex., presidentes de câmara municipal).

7. Voto censitário.
80

O voto ou sufrágio censitário é caraterizado pela imposição de limites económicos


ao exercício do direito de voto, ou seja, só quem usufruísse de certo nível de bens ou
rendimentos é que poderia votar, afastando das eleições todos os que não
demonstrassem possuir bens ou rendimentos suficientes para poder votar, o que,
nessa altura, era a maior parte da população, nomeadamente os trabalhadores. O
fundamento desse restrição estava na ideia de que só quem fosse economicamente
independente é que poderia votar livremente e que só os proprietários poderiam
defender o direito de propriedade, um dos direitos básicos do Estado liberal. Em
Portugal, o sufrágio censitário foi introduzido pela Carta Constitucional de 1826,
tendo estado em vigor até à implantação da República (1911).

8. Cláusula-barreira (sistemas eleitorais).


Consiste na fixação legal de uma percentagem mínima de votos a obter pelos
partidos a nível nacional para conseguirem representação parlamentar em sistemas
proporcionais, como sucede, v. g., na Dinamarca (2%), Espanha e Grécia (3%),
Suécia, Noruega e Áustria (4%), Alemanha (5%). As cláusulas barreira são típicas
dos sistemas proporcionais e visam impedir ou reduzir a fragmentação parlamentar
e/ou impedir ou dificultar o acesso ao parlamento de pequenos com implantação
somente local ou de partidos extremistas ou radicais. Em Portugal está proibida pela
Constituição. É certo que a eleição dos deputados em círculos eleitorais que elegem
um número reduzido de deputados equivale a uma cláusula-barreira implícita,
variável de círculo para círculo; por exemplo, num círculo que elege 10 deputados a
cláusula-barreira implícita é de cerca de 10%. Todavia, nos círculos que elegem
muitos deputados, como Lisboa, basta uma pequena percentagem de votos para
eleger um deputado (menos de 2%), o que não aconteceria, se houvesse cláusula-
barreira.

II (6 valores)

Desenvolva um dos seguintes temas:


81

a) A forma de governo em Portugal pressupõe «um Presidente árbitro,


moderador, garante do regular funcionamento das instituições; um Presidente da República
que intervém activamente na vida política, mas que não governa, não lidera um Governo ou
a oposição, não tem uma militância partidária activa» [Jorge Sampaio, in Expresso, 15
janeiro 2021].

De acordo com esta análise – que descreve bem o papel do Presidente da República
entre nós –, não é possível compreender o sistema de governo português sem ter em
conta o lugar específico do Presidente da República como “quarto poder”, à margem
da dialética da relação parlamento-Governo, claramente inspirada na figura do
“poder moderador” proposta por Benjamin Constant.
Há quem veja na eleição direta do Presidente da República um traço
semipresidencialista do sistema de governo. Mas esta tese é improcedente, na
medida em que existem muitas repúblicas tipicamente parlamentares em que o
Presidente da República é diretamente eleito e não tem nenhuns poderes
exorbitantes de um sistema de governo parlamentar (Áustria, Irlanda, Islândia,
etc.). A eleição direta não quer dizer necessariamente presidencialismo nem
semipresidencialismo.
Por outro lado, se o Presidente da República tem entre nós relevantes poderes
próprios, isso não quer dizer que eles se referem diretamente à atividade
governativa. Na verdade, embora o Presidente tenha fortes poderes de intervenção
institucional (nomeação de altos cargos públicos, poder de veto dos diplomas
legislativos, poder de dissolução parlamentar e antecipação de eleições, por
iniciativa própria, demissão do Governo em condições excecionais, etc.), ele não
participa, porém, diretamente da atividade governamental nem o governo depende
politicamente da sua confiança política, pelo que não pode deixar de nomear um
governo que tenha maioria parlamentar nem demitir nenhum governo por motivo
de discordância política (salvo excecionalmente, quando estiver em causa o “regular
funcionamento das instituições”). No sistema de governo português, o Presidente da
República não governa, não semigoverna, nem cogoverna. Ele não integra o poder
82

executivo, que incumbe exclusivamente ao Governo, que responde politicamente


perante a Assembleia da República e não perante o Presidente da República.
Estruturalmente, o sistema de governo português é hoje um sistema de índole
essencialmente parlamentar, em que os governos são constituídos no seguimento das
eleições parlamentares e de acordo com o seu resultado, e em que o Presidente da
Republica não compartilha da função executiva nem da atividade governamental,
cabendo-lhe antes um papel de defesa da Constituição e de regulador e moderador
do sistema político, fazendo lembrar, como se referiu, o “poder neutro” de Benjamin
Constant, que entre nós inspirou a Carta Constitucional de 1826, a mais duradoura
constituição portuguesa.

b) Nas modernas democracias representativas o histórico mandato


eletivo local vinculativo ou imperativo foi substituído por um mandato eletivo
nacional livre ou “representativo”.

A distinção entre o mandato eletivo local vinculativo ou imperativo e o mandato


eletivo nacional livre ou representativo tem a ver com natureza do mandato político
dos representantes eleitos:

i. Mandato imperativo – O mandato imperativo (ou vinculado) é típico da


representação política pré-liberal (Cortes medievais) e também das
conceções rousseaunianas e leninistas de democracia, em que os
representantes representam especificamente quem os elegeu e estão
obrigados por um programa e vinculados às posições assumidas perante
os representados, sendo politicamente responsáveis perante estes no
decurso do mandato (daí a possibilidade de revogação dos mandatos, ou
recall).
ii. Mandato representativo – No mandato representativo (ou livre), que
carateriza as modernas democracias representativas, os representantes
(deputados) representam o conjunto dos cidadãos (e não uma localidade,
um grupo ou corporação, como nas Cortes medievais) e exercem
livremente o seu cargo, sem estarem vinculados a adotar determinadas
83

orientações previamente definidas pelos representados. Por essa razão o


mandato representativo não pode ser revogado (recall).
É comummente aceite que não existe mandato representativo até aos finais do século
XVIII – revoluções liberais –, pelo que antes disso, a designação comum dos
representantes eleitos era de “procuradores”. Com o advento do constitucionalismo
moderno, o mandato representativo veio substituir o mandato imperativo,
fundando-se, sobretudo, no célebre discurso dirigido por Edmund Burke ao
eleitorado de Bristol (1774): “vosso representante deve a vós não somente sua
indústria, senão seu juízo, e vos atraiçoa, em vez de vos servir, se se sacrifica à vossa
opinião”. A Constituição francesa de 1791 proibia terminantemente o mandato
imperativo. Em Portugal, a Constituição de 1822 veios determinar que “cada
deputado é procurador e representante de toda a Nação e não o é somente da divisão
que o elegeu” (art.º 94º).
No entanto, não devemos deixar de ter em conta que desde as Cortes de 1331 os
procuradores do “terceiro estado” (eleitos a nível municipal) podiam discutir e
formular, em conjunto, “capítulos gerais” no interesse comum e da boa
governabilidade do reino, incluindo temas não compreendidos nas suas procurações
concelhias. Por isso, há quem entenda que durante a Idade Média a “regra geral foi
a de os procuradores serem representantes e não meros porta-vozes. E isso desde muito
cedo, sem dúvida, desde 1331”. Mas se podiam ir além do mandato, não podiam ir
contra ele. Por outro lado, hoje em dia a “disciplina de voto” imposta pelos partidos
no parlamento é entendida como uma manifestação do mandato imperativo ou
vinculado, não em relação aos eleitores, mas sim em relação aos partidos em nome
dos quais os deputados foram eleitos.

Você também pode gostar