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Departamento de Educação

APELIDOS NA ESCOLA:
COMO OS ESTUDANTES ENTENDEM ESTE FENÔMENO?

Alunas: Ana Carolina Vilar e Raquel Jerez


Orientadores: Vera Candau e Marcelo Andrade

Introdução
Percebemos através de observações cotidianas, que as rotulações, sejam positivas ou
negativas, criam estereótipos para os estudantes, desestimulando-os a experimentar diferentes
papéis e posturas durante suas trajetórias escolares.
Pesquisas como a de Vereda (2007), Marriel (2006) e Rodrigues (1994) vêm sendo
realizadas acerca do tema, porém, durante o levantamento bibliográfico identificamos que o
foco das atenções está, geralmente, nos apelidos depreciativos. Julgamos necessário tratar dos
rótulos em uma perspectiva mais ampla, pois acreditamos que os apreciativos podem acarretar
consequências nem sempre benéficas aos educandos.
O julgamento do outro, com base em nossos padrões e concepções é algo bastante
presente em nossa sociedade. Podemos relacionar o fenômeno à dificuldade de aceitar o
diferente, aquele que não corresponde ao padrão hegemônico em uma sociedade. A nosso
juízo, essa estereotipação mostra uma necessidade dos indivíduos de se defenderem da
diferença que o outro representa, negando sua alteridade. Sendo assim, os rótulos enquadram
os sujeitos que os recebem em uma categoria reducionista, na qual são ignoradas todas as suas
demais características.
Recordando e refletindo acerca de nossas trajetórias escolares, a questão dos rótulos é
um fator que consideramos bastante relevante à medida que são atribuídos quase que à
totalidade dos alunos que, como nós, pareciam dedicar grandes esforços para desfazê-los,
mantê-los ou justificá-los, dependendo do tipo de consequências que estes proporcionavam.
Estas afirmações são fruto de observações pessoais, no entanto é com base nestas
conjecturas que percebemos a importância de se discutir e analisar o hábito de rotular entre os
educandos no ambiente escolar, procurando entender este processo de estereotipação e as
consequências deste tipo de ação para os estudantes.

Objetivos
O presente trabalho buscou compreender como os estudantes entendem as rotulações
conferidas dentro de espaços escolares, que aparecem mais nitidamente através dos apelidos,
assim como as consequências que estas têm acarretado às suas trajetórias educacionais. Para
tal, buscamos, a partir de questionários, depoimentos de jovens do ensino médio e
observações dos mesmos, entender melhor sobre esta questão, que como já foi dito poderia
influenciar em todo o processo de ensino-aprendizagem.
Através deste estudo, buscamos encontrar quais os fatores mais relevantes (para os
estudantes) neste processo e qual a postura dos mesmos quando rotulam ou são rotulados.
Especial atenção foi dada ao tipo de rotulações e à presença de questões de caráter cultural
(étnico-raciais, de gênero, orientação sexual etc.).
Acreditamos ainda que esta pesquisa possa auxiliar os profissionais da educação a
reavaliarem suas práticas, a fim de que se promova uma educação na perspectiva intercultural,
centrada na tolerância, no respeito e no reconhecimento da alteridade, onde os educandos
sejam capazes de refletir sobre as consequências de seus atos.
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Neste estudo exploratório foram levantadas as seguintes questões: (1) Como os


estudantes percebem as rotulações que aparecem mais nitidamente através dos apelidos? (2)
Quais os fatores mais relevantes para os educandos neste processo? (3) Qual a postura dos
jovens estudantes quando rotulam ou são rotulados? (4) Segundo a percepção dos
participantes, os apelidos acarretam consequências significativas na trajetória escolar dos
mesmos?
A partir das questões levantadas os objetivos específicos são: (1) compreender como os
alunos se sentem diante das rotulações com as quais convivem em seu cotidiano escolar; (2)
analisar se as rotulações apreciativas também podem gerar consequências negativas; (3)
identificar quais os fatores mais significativos para os educandos neste processo e qual a
postura que eles assumem quando rotulam ou são rotulados.
Como já apontamos anteriormente, os apelidos pejorativos não são os únicos
merecedores de atenção. Preocupamo-nos aqui com todos e quaisquer tipos de rotulações, até
mesmo os desejáveis. Acreditamos que o processo de estereotipação é, em geral, responsável
por sorver muita energia de todos os que nele se envolvem, de maneira voluntária ou não.
Diante disto alçamos a seguinte hipótese: Os rótulos possuem grande importância na
trajetória escolar dos educandos, independente do teor de agradabilidade que estes tenham.
É dizer que: tanto os apelidos apreciativos quanto os depreciativos marcam e ajudam a
direcionar a vida escolar dos indivíduos.
Pretendemos ainda oferecer retorno à escola, em forma de palestra, após a conclusão
deste estudo, com o intuito de despertar os alunos para uma reflexão sobre a temática das
rotulações e suas possíveis consequências.

Fundamentação Teórica
Com quem dialogamos:
Acreditamos que os apelidos podem interferir significativamente na autoestima dos
estudantes. Buscando trabalhos que pudessem nos ajudar a refletir sobre isto encontramos um
trabalho de Marriel (2006), que se dedica a estudos na área de saúde coletiva com ênfase na
violência e educação. Esta realizou uma pesquisa quantitativa com alunos adolescentes da
cidade de São Gonçalo – RJ, e os resultados apontaram que os alunos que possuem baixa
autoestima apresentam maior dificuldade para estabelecer bons relacionamentos tanto com os
seus pares, quanto com os professores e funcionários da escola. Encontrou também, que estes
estudantes possuem maior tendência a se colocarem em posição de vítimas e a se sentirem
desconfortáveis dentro de ambientes escolares.
Refletindo sobre as constatações de Marriel (2006), acreditamos que os danos
desencadeados pelos apelidos são muito mais abrangentes. Consideramos para esta análise, os
resultados obtidos por Oliveira Jr.(2008) onde se encontra, através de estudos bibliográficos,
que as vítimas dos apelidos pejorativos sofrem danos próximos aos causados por violência
física e brutal, reagindo, muitas vezes, com atitudes agressivas, depressão, evasão escolar, e
em casos mais extremos, suicídios e assassinatos.
Foi possível articular os resultados das duas anteriores pesquisas aqui citadas, com a
dissertação de mestrado em Psicologia da Educação de Vereda (2008), que buscou estudar a
visão do aluno adolescente a respeito dos apelidos e observar a forma de tratamento entre os
alunos de uma escola da rede pública, através de uma pesquisa qualitativa.
Contamos ainda com os dados obtidos por Francisco (2008) que trabalham a questão
dos apelidos como construções sociais. A pesquisa se deu a partir de um projeto desenvolvido
por uma Escola Municipal de Criciúma e enfatiza as relações interétnicas do cotidiano
escolar. Através deste estudo, que se baseou em revisões bibliográficas e entrevistas
semiestruturadas, a escola buscou promover o respeito e a valorização da diversidade étnico-
racial na comunidade escolar. Ressalta também a relevância da intencionalidade de múltiplos
sentidos que existem nas palavras, sobretudo nas questões permeadas pela cultura.
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Outro trabalho significativo para a discussão do nosso objeto de pesquisa foi a


dissertação de Rodrigues (1994) constituída através de um estudo etnográfico no qual, a
autora propõe-se a delinear as representações que os educandos, e educadores possuem de si
mesmos e o que consideram como relações de violência em três instâncias: professor – aluno,
aluno – aluno e aluno – professor. A autora apresenta um estudo histórico e utiliza dados
estatísticos para sustentar seu trabalho. Realizou ainda um estudo de caso em uma escola
pública localizada na Zona Sul do Rio de Janeiro, que atendia, majoritariamente, às
comunidades carentes do entorno e se focou em observar como as relações eram estabelecidas
entre os atores da instituição e como essas relações eram percebidas pelos mesmos.

Onde buscamos suporte:


Como já dissemos anteriormente, acreditamos que um dos fatores relevantes no
processo de rotulação é a intolerância ao diferente. Para melhor entender as questões
referentes ao tema, lançamos mão da obra de Andrade (2009), onde trabalha o conceito de
“tolerância” como uma preocupação essencial à ética, que nos serve de articulação com a
política. Discute a importância de se trabalhar a tolerância, negando o sentido (que em geral
lhe é atribuído) de falta de utopia, ou com carga de superioridade de quem diz ser tolerante.
Busca ainda ressaltar a importância da educação na luta por sociedades menos intolerantes. O
autor trabalha com base em revisões bibliográficas refazendo o desenvolvimento do conceito
de tolerância ao longo da história e sua fundamentação teórica recorre ao argumento da
necessidade dos mínimos éticos para se conviver com justiça em uma sociedade plural.
Tratando de intolerância, não podemos deixar de pensar em diferenças e preconceitos,
por isso optamos por utilizar também o livro organizado por Aquino (1988), no qual podemos
encontrar uma coletânea de textos frutos de pesquisas na área de ciências humanas e que
permeiam o tema das diferenças nos contextos escolares, tratando tanto de questões referentes
a pratica docente quanto a analises teóricas dos termos envolvidos.
Seguindo por esta linha, utilizamos também o texto de Sacavino (2008) no qual a
autora aborda a problemática da violência dentro da escola, que se apresenta nas mais
diversificadas formas de expressão e que, muitas vezes, passa desapercebida aos olhos dos
educadores (o que parece ser o caso, muitas vezes, da prática dos apelidos). A autora
evidencia também a falta de recursos para enfrentar situações de violência dentro das escolas,
gerando uma sensação de impotência nos profissionais de educação. Nesta perspectiva, ela
trabalha a ideia de uma educação para a paz, subsidiada nos direitos humanos e na formação
de professores voltada para tal. O texto apresenta a experiência de um ciclo de oficinas sobre
sociedade, escola e violência, designada a professores da Rede Municipal da cidade do Rio de
Janeiro.
Para Marriel (2006) os estigmatizados muitas vezes assumem papeis de vitimas. Para
melhor entender esta definição, nos baseamos no livro de Nordenstahl (2008) que traz um
estudo sobre “vitimología”, onde o autor apresenta as características, ações e comportamentos
de pessoas vitimizadas, além de abordar como funciona o processo de vitimação. É
apresentada uma revisão bibliográfica com foco na história das vitimações na nossa
sociedade. Apesar de ser mais voltado para questões judiciais, é possível trazer a discussão de
processos de vitimação para dentro da escola.
Pensando ainda a questão das diferenças, temos a contribuição de Candau (2010), que
nos embasará acerca da perspectiva intercultural, ajudando-nos a refletir sobre a dificuldade
da escola em lidar com as diferenças. A autora nos ajuda a pensar sobre a prática dos
professores e professoras que em geral, nas pesquisas realizadas pela autora, concebem a
igualdade como homogeneização e uniformização, dando um caráter monocultural aos
processos pedagógicos. Por sua vez, as diferenças são vistas pela maioria dos educadores
como um problema a ser eliminado.
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A partir dessa questão Candau (2010) mostra a necessidade de que as diferenças não
sejam invisibilizadas, negadas e/ou silenciadas, pois são estas as marcas de identidades plurais
e diversificadas que devem ser reconhecidas e valorizadas. Para tal, Candau (2010) propõe a
construção de uma educação intercultural onde diferença e igualdade estejam articuladas,
promovendo “processos de desconstrução e de desnaturalização de preconceitos e
discriminações que impregnam, muitas vezes com caráter difuso, fluido e sutil, as relações
sociais e educacionais que configuram os contextos em que vivemos” (p.9). Educação
intercultural é diálogo, é empoderamento.

Estudo Exploratório
O campo privilegiado para este estudo exploratório foi uma escola privada localizada
na Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro. Trata-se de uma instituição que recebe,
majoritariamente, jovens e crianças de classe média alta e alta, os que não pertencem a este
quadro social são alunos bolsistas provindos de escolas públicas que conquistaram esta
oportunidade por apresentarem excelente desempenho.
Contamos com a participação de seis estudantes do terceiro ano do Ensino Médio com
os quais realizamos entrevistas semiestruturadas. Além disso, foram feitas quatro visitas à
escola a fim de observar os participantes durante atividades livres, tendo a intenção de
perceber como eles interagem e se a prática de apelidos é realmente significativa entre os
mesmos, tentando estabelecer relações entre os dados obtidos nas entrevistas e sessões de
observação.
Tendo como base as informações obtidas nas entrevistas foram aplicados 34
questionários entre os estudantes da mesma série, buscando obter mais dados que fossem
capazes de responder às nossas questões iniciais.
Inicialmente, apresentamos o projeto do estudo à direção da escola, após uma resposta
positiva começamos o processo das entrevistas, que foram realizadas na própria escola em
datas e horários marcados pela mesma. Importante ressaltar que a equipe da escola foi
responsável por convidar os alunos a participarem da pesquisa, e nos garantiu que os seis
estudantes entrevistados haviam se oferecido voluntariamente a participar.
No início de cada uma das entrevistas explicamos aos estudantes do que tratava o
estudo e foram entregues aos mesmos um termo de responsabilidade e uma carta de
consentimento.
Neste termo de responsabilidades garantimos que todo o material construído com estes
estudantes seriam utilizado apenas para fins acadêmicos. Não seriam revelados os nomes dos
participantes, da escola, ou quaisquer informações que pudessem, indiretamente, tornar
visíveis suas identidades. Comprometemo-nos também a não utilizar no estudo informações
não consentidas pelos mesmos.
Na carta de consentimento, os estudantes declararam ter conhecimento do que se
tratava no estudo e se dispunham a participar como voluntários, concedendo entrevistas para
as responsáveis pelo presente trabalho. Foram mais uma vez assegurados o sigilo total de suas
identidades e que não seriam jamais pressionados a nada, permanecendo totalmente livres
para abandonar o estudo a qualquer momento.
Para a realização de tais entrevistas foi elaborado um roteiro que continha as seguintes
perguntas:
* O que você acha de apelidos?
*Você acha que apelidos podem causar danos as pessoas?
*O que você acha do apelido elogioso? Você acha que é bom ou ruim para a pessoa?
Por quê?
* Nesta escola, acontece a prática de apelidos entre os alunos? O que você acha disso?
*Você chama alguém por apelido na escola? Por quê?
*Como acha que a pessoa se sente com esse apelido?
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*Como você se sente quando pensa nos apelidos que fizeram parte da sua vida na
escola?
As quatro observações foram realizadas durante o recreio e duraram aproximadamente
30 minutos cada e se iniciaram somente após o termino das entrevistas. Para tais observações
também elaboramos um roteiro que continha os seguintes aspectos a serem observados: a
postura dos participantes durante atividades livres, como se relacionam com os demais alunos
e com a equipe da escola e as atitudes relativas aos estereótipos.
A última etapa foi a aplicação dos questionários, que ocorreu durante uma aula da
turma e durou aproximadamente 10 minutos. Este questionário continha as seguintes
perguntas com suas respectivas alternativas: Gênero (feminino ou masculino); Idade; Nesta
escola, acontece a prática de apelidos entre os alunos? (sim ou não); Você acha que apelidos
podem causar danos às pessoas? (sim ou não); O que você acha de apelidos elogiosos? (bons
ou ruins); Você acredita que apelidos aproximam as pessoas? (sim ou não); Você chama
alguém por apelido na escola? (sim ou não); Caso a resposta acima seja afirmativa, como acha
que a pessoa se sente com esse apelido? (Não se incomoda; Parece se incomodar um pouco ou
Rejeita totalmente); Você tem ou já teve algum apelido depreciativo? (sim ou não); Caso a
resposta acima seja afirmativa, como você se sente/sentia com esse apelido? (Não me
incomodo/incomodava; Sinto-me/Sentia-me incomodado(a) ou Não gosto/Não gostava, mas
continuam me chamando por esse apelido); Você tem ou já teve algum apelido apreciativo?
(sim ou não); Caso a resposta acima seja afirmativa, como você se sente/sentia com esse
apelido? (Gosto/gostava, porque exalta/exaltava uma qualidade ou característica minha;
Indiferente ou Não gosto / não gostava).
Como afirmamos no início deste item, esta pesquisa teve um caráter exploratório,
visando uma melhor compreensão do tema abordado, assim como testar os instrumentos
construídos para a coleta de dados.

Análise dos Dados


As entrevistas:
Diante dos dados obtidos com as entrevistas, possibilitou-se chegar às seguintes
constatações:
• 5 alunos acham apelidos normais, mas afirmam que podem causar danos se possuírem
teor negativo e 1 não aprova o uso de apelidos porém acredita ser impossível evitá-los.
• 2 aprovam e relacionam o apelido elogioso ao mérito e autoestima, 3 relativizam:
depende da maneira e do limite que se estabelece, e 1 não aprova, dizendo que podem
gerar constrangimentos.
• 5 dizem que os apelidos são utilizados com frequência nas escolas e 1 diz que a
medida que ficam mais velhos, o uso de apelidos felizmente diminui.
• 2 aprovam os apelidos, 3 dizem ser normal e que apesar de alguns colegas não
gostarem, não são respeitados e os apelidos permanecem e 1 diz que o fenômeno já é
banalizado.
• 2 usam apelidos com bastante frequência, 3 usam os apelidos somente com os amigos
mais íntimos e 1 não usa apelidos.
• 4 dizem que as pessoas por eles apelidadas não se incomodam e 1 diz que apesar de
alguns não se sentirem bem com o apelido, continua com a prática.

Durante as entrevistas surgiram alguns relatos inesperados, que nos levaram a


considerar a possibilidade de novas constatações. Uma delas é a de que diminutivos podem
gerar desconforto e sentimento de inferioridade. Para elucidar destacamos trechos dos
depoimentos de duas das estudantes entrevistadas:
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“eu tenho um apelido que eu não gosto... Na verdade é o diminutivo do meu nome, mas eu
não gosto! Sempre reclamo de quando me chamam assim. É Luaninha, só que eu não gosto,
acho feio! Quando me chamam de Luaninha , acho que é tipo, sei lá....diminutivo assim...sei
lá! Ai...não gosto!” (Luana)

“Acho que teve gente que já se incomodou muito com apelido. Questão de altura “Ah
pequenininha, baixinha” ai dá um apelido de “Laurinha” “Aninha” [...] Acho que vendo
assim, da escola, eu me lembro muito disso: da pessoa ter um apelido diminutivo e tal e se
incomodar.” (Mariana)

Notamos também através dos relatos que os apelidos podem funcionar como
mecanismos de aproximação e demonstração de intimidade entre os estudantes. Os
participantes afirmam:

“É uma forma de mostrar mais intimidade com a pessoa, assim: em vez de chamar de Tiago
chama de “teta”... acho uma boa forma assim de você se relacionar com os outros!” (Paulo)

“Acho uma forma carinhosa de você chamar no sentido de... mesmo quando não é uma
pessoa que não é muito amiga, acaba sendo uma aproximação, um jeito diferente de
chamar.” (Mariana)

“[...] eu vou olhar para aquela pessoa e vou lembrar pelo apelido e às vezes eu posso assim,
encontrar a pessoa mais tarde e, não sei, e aí vou reconhecer ela pelo apelido e tal [...]”
(Luana)

Um indício que muito nos inquietou e que poderá servir como base para realização de
novas pesquisas é a possibilidade de que os estudantes passem por um processo de
conformismo e naturalização do fenômeno. Abaixo temos algumas passagens das entrevistas
que nos levaram a tal constatação:

“Acho tranquilo, aqui no começo tinha uns apelidos que tinha uma galera que não gostava e
tal, mas a galera é bem unida então com o passar do tempo todo mundo já leva numa boa,
não tem nenhuma pessoa que tenha um apelido que não gosta.” (Paulo)

“[...] as pessoas são rotuladas, é difícil na vida conseguir evitar qualquer rótulo. Eu acho
ruim, mas não tem como evitar assim, da sociedade.” (Vanessa)

“[...] a gente desde pequeno foi aprendendo a lidar com isso e agora já acho que é, assim,
todo mundo entende e são poucos os que se magoam com isso [...]” (Vanessa)

“[...] tem umas pessoas que têm uns apelidos que as pessoas não escolhem. Assim, às vezes
pedem pra não serem chamadas por esse nome e tal... mas as pessoas não respeitam muito
aqui.” (Luana)
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“[...] o que eu vejo hoje assim na sala é assim: um menino que chama o outro assim: “Ah
seu bicha!”, essas coisas que pra gente já é banal sabe, então a gente nem liga muito. Mas
acho que mais novo, por exemplo, meu irmão que acabou de entrar no Ensino Médio, tem
muito esse negócio de um chamar o outro disso e daquilo e ficar chateado com uma coisa.”
(Vanessa)

Para finalizar expomos aqui outro destaque. Uma das estudantes, no início da
entrevista mostrou-se conformada em relação aos apelidos e ao decorrer de seu relato revelou
ter sofrido muito com os rótulos que lhe atribuíram durante sua trajetória escolar.

“Acho que é inevitável, todo mundo recebe apelido. Desde assim, se a pessoa é mais baixa,
mais alta, mais gordinha, se usa aparelho, se usa óculos... todo mundo recebe apelido.”
(Vanessa)

“Incomodava muito!!!! Tinha dia de chegar em casa e falar pra minha mãe que não ia mais
voltar, que ia mudar de escola, que não queria falar mais com ninguém. Ai eu descontava,
por exemplo, teve uma época que comecei a descontar em comida, comia muito! Ai teve
outra época que fiquei revoltada porque engordei, ai parei de comer...ai descontava no meu
irmão. Quando ele falava pra eu não ligar, eu falava: “Para de tentar me fazer me sentir
melhor!”. Então assim, quando eu era mais nova isso tudo era um horror...era a morte pra
mim...” (Vanessa)

As observações:
Podemos dizer que esperávamos coletar mais dados durante as sessões de observação
do que os que realmente conseguimos. Porém, apesar de pouco numerosos, os elementos
observados durante estas quatro sessões foram bastante significativos.
Percebemos nitidamente que os estudantes agrupam-se sempre da mesma maneira e os
pequenos grupos que se formam pouco interagem entre si. Notamos também que a utilização
de apelidos entre eles é realmente muito frequente, sobretudo quando estão agrupados. Essas
observações nos levam a considerar uma possível relação entre os apelidos e as relações
sociais dentro desta escola.
Por último destacamos o visível desconforto de cinco dos seis alunos que haviam sido
entrevistados. Estes se mostraram muito constrangidos com a nossa presença durante as
sessões de observação e nem ao menos nos cumprimentaram.

Os questionários:
Através dos questionários aplicados aos trinta e quatro alunos do Ensino Médio da
escola em questão, foi possível adquirir dados um pouco mais expressivos quantitativamente.
A maior parte dos estudantes tem dezessete anos de idade e o grupo é bem dividido
entre meninos e meninas. A totalidade da turma respondeu que existe a prática de rótulos na
escola, porém apenas 12% do grupo (4 alunos) acreditam que os apelidos podem gerar danos
e 32 confirmam que os apelidos aproximam as pessoas.
Com a exceção de um estudante, todos responderam que utilizam apelidos com
frequência dentro do ambiente escolar e que os colegas não se incomodam com os rótulos a
eles atribuídos.
Quase a metade do grupo (20 alunos) já possuiu apelidos depreciativos, contudo 60%
destes (12 alunos) dizem não se incomodar com isso.
Quanto aos apelidos apreciativos, 27 disseram que já os tiveram e destes, 18 gostavam,
9 achavam indiferente e ninguém se incomodava com o rótulo elogioso.
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Analisando os dados adquiridos em nosso estudo exploratório verificamos que este


grupo de alunos do Ensino Médio desta determinada escola percebe as rotulações – que
aparecem mais nitidamente nos apelidos – como forma de aproximação e interação natural do
convívio social e que, apesar disto, podem sim gerar danos, se forem mal conduzidos.
Os fatores envolvidos na questão dos rótulos que apareceram como mais relevantes
para os participantes foram: (1) a intimidade que se estabelece através dos apelidos e (2) o
conformismo dos próprios em relação aos desconfortos gerados pelos rótulos.
Por último, manifestou-se que os apelidos acarretam consequências significativas na
trajetória escolar destes indivíduos, independente do teor de “agradabilidade” que possuam.
Para a maioria dos envolvidos no estudo, os apelidos ajudam a estabelecer os laços de
amizade e a caracterização dos indivíduos dentro do coletivo. Salvo algumas exceções, o
grupo não percebe a possibilidade de problemas gerados por apelidos, ainda que estes sejam
desagradáveis. Fica nítido que existe uma naturalização do fenômeno e que a aceitação é
elemento matriz neste processo. Isto nos leva a pensar que talvez esta naturalização funcione
como estratégia para encobrir preconceitos e discriminações, assim como os possíveis danos
por estes causados.

Considerações Finais
A partir da realização deste estudo exploratório notamos a necessidade de
aprimorarmos os instrumentos utilizados no decorrer do trabalho (entrevistas, observação e
questionário) para que futuramente possamos avançar nas investigações sobre a temática
abordada.
Percebemos que algumas das questões presentes nos questionários e nos roteiros para
as entrevistas não foram adequadamente formuladas, e que podem ter influenciado nas
respostas dos participantes, contudo foi possível detectar alguns aspectos relevantes que nos
provocam e conduzem a reflexões um pouco mis amadurecidas sobre o tema.
O que este trabalho nos proporcionou de mais significativo foi o alerta que aponta para
um possível fenômeno relacionado à prática de apelidos em contextos escolares: o rotulado
tolera os ataques a ele direcionados em vez de ter suas diferenças respeitadas pelo coletivo,
seria uma a aceitação como forma de defesa, uma naturalização deste tipo de violência.
Almejamos seguir os estudos em busca de respostas mais concretas para as questões
até então levantadas, reavaliando os instrumentos a fim de garantir que sejam adequados para
uma futura pesquisa em maior escala, onde possamos comparar resultados entre escolas de
diferentes contextos sociais e culturais. Desejamos investigar se esse possível fenômeno de
aceitação e naturalização pode contribuir para a desvalorização das diferenças e a erradicação
de uma cultura baseada na livre expressão da diversidade em ambientes escolares.

“O universalismo que queremos hoje é aquele que tenha como ponto em comum a dignidade
humana. A partir daí, surgem muitas diferenças que devem ser respeitadas. Temos o direito de ser
iguais quando a diferença nos inferioriza e o direito de ser diferentes quando a igualdade nos
descaracteriza.”
Boaventura de Sousa Santos (1997)

Referências
1- ANDRADE, Marcelo. Tolerar é pouco? Pluralismo, mínimos éticos e práticas
pedagógicas. Petrópolis (RJ) DP et Alli Editora, 2009.
2- AQUINO, Julio Groppa. Diferenças e preconceitos na escola: Alternativas Teóricas e
Práticas. São Paulo: Summus, 1988
3- CANDAU, Vera. As diferenças fazem diferença? Cotidiano escolar, interculturalidade
e educação em direitos humanos. 2010.
Departamento de Educação

4- CAVALCANTE, Meire. Como lidar com brincadeiras que machucam a alma. In.
Revista Nova Escola. Dezembro 2004.
5- FRANCISCO, Cristiana. Palavras carregadas de sentido: Reflexões sobre as relações
étnico-raciais na escola in. Caderno pedagógico: Criciúma: Ed. Maria dos Cais, 2008.
6- MARRIEL, Lucimar Câmara. Violência escolar e autoestima de adolescentes. Rio de
Janeiro: Cadernos de Pesquisa, v. 36, n. 127, jan./abr. 2006.
7- NORDENSTAHL, Ulf Cristian. Dónde está la víctima? Apuntes sobre victimología.
Buenos Aires: Libreria Histórica, 2008.
8- OLIVEIRA Jr., José Carlos de. Os apelidos e suas implicações no corpo. São Paulo:
UNICAMP, 2008
9- POLATO, Amanda. Educar sem rótulos. In. Revista Nova Escola. Edição 220. Março
2009.
10- RODRIGUES, Anita Schumann. Aqui não há violência: A escola Silenciada. Rio de
Janeiro: PUC-RJ, 1994.
11- SACAVINO, Suzana. Educação para a paz e a não-violência: formação em serviço de
professores/as in. SACAVINO, Suzana; CANDAU, Vera Maria (orgs.). Educação em
Direitos Humanos: temas, questões e propostas. Petrópolis (RJ) DP et Alli Editora, 2008.
12- VEREDA, Rita de Cássia. Apelido pejorativo na escola, um estudo com adolescentes
paulistanos. São Paulo: 2007

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