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ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA

2023/2024

2.
Acerca das Origens do Homem

Excertos de M. Tomasello, The Cultural Origins of


Human Cognition, Harvard University Press: Cambridge
Ms., 1999.
“Em algum lugar ainda em África, há aproximadamente 200 000 34. Um puzzle e
uma hipótese (I)
anos, uma população de Homo iniciou uma nova e diferente
trajetória evolutiva. Começou a viver de maneiras novas, e
depois espalhou-se pelo mundo, ultrapassando todas as outras
populações de Homo e deixando descendentes que são hoje
conhecidos como Homo sapiens […]. Os indivíduos desta nova
espécie tinham um número de características físicas novas,
incluindo cérebros um pouco maiores, mas o mais notável eram
as novas capacidades cognitivas e os produtos que criavam:
“● Começaram a produzir uma pletora de novos instrumentos de
pedra, adaptados a fins específicos, com cada uma das TOMASELLO, Michael
1999. The Cultural Origins
populações da espécie a criar a sua própria «indústria» de uso de of Human Cognition.
ferramentas – acabando por resultar em algumas populações a Harvard University Press:
Cambridge Ms., p. 8-9
criar coisas como processos de manufatura computorizados.”
35. Um puzzle e uma hipótese (II)

“● Começaram a usar símbolos para comunicar e para estruturar as


suas vidas sociais, incluindo não só símbolos linguísticos, mas
também símbolos artísticos sob a forma de esculturas de pedra e
pinturas em grutas – o que acabou por resultar em algumas
populações a criarem coisas como linguagem escrita, dinheiro,
notação matemática e arte.
“● Começaram a envolver-se em novos modos de práticas e
organizações sociais, incluindo desde a inumação cerimonial dos
mortos até à domesticação de plantas e animais – o que acabou por
resultar em algumas populações a criarem coisas como religiões
formalizadas e instituições de governo, educacionais e comerciais.”

Tomasello 1999, p. 9
36. Um puzzle e uma hipótese (III)

“O puzzle básico é o seguinte. Os 6 milhões de anos que separam os seres


humanos de outros grandes primatas é um tempo evolutivo demasiado
curto, com os homens modernos e os chimpanzés a partilharem cerca de
99% dos seus materiais genéticos, o mesmo grau de parentesco entre
outros genera irmãos, tais como leões e tigres, cavalos e zebras, ratos e
ratazanas […]. Portanto, o nosso problema é de falta de tempo. O facto é
simplesmente que não houve tempo suficiente para os processos normais
de evolução biológica, que envolvem variação genética e seleção natural,
produzirem, uma à uma, cada uma das capacidades cognitivas necessárias
para os humanos modernos inventarem e manterem indústrias e
tecnologias complexas para o uso de ferramentas, formas complexas de
comunicação e representação simbólica, bem como organizações e
instituições sociais complexas.”
Tomasello 1999, p. 9.
37. Aprendizagem e acumulação cultural

“Em geral, assim, as tradições culturais humanas podem ser mais


prontamente distinguidas das tradições culturais chimpanzés – assim como
dos poucos outros exemplos de cultura observados em outras espécies de
primatas – precisamente pelo facto de que elas acumulam modificações
ao longo do tempo, ou seja, têm «histórias» culturais. Elas acumulam
modificações e têm histórias porque os processos de aprendizagem
cultural que as suportam são especialmente poderosos. Estes processos de
aprendizagem cultural são especialmente poderosos porquanto estão
suportados pela adaptação cognitiva exclusivamente humana de
compreender os outros como seres intencionais como eu mesmo – o que
cria formas de aprendizagem social que atuam com um efeito de
torniquete, através da preservação fiel de novas estratégias no grupo
social, até que uma outra inovação a venha substituir.”
Tomasello 1999, p. 47
38. Compreensão da intencionalidade do co-específico

“Esta compreensão dos outros como seres intencionais como eu mesmo é crucial
para a aprendizagem cultural humana, porque os artefactos culturais e as práticas
sociais – exemplificados de modo paradigmático pelo uso de ferramentas e de
símbolos linguísticos – apontam invariavelmente além deles mesmos, para outras
entidades exteriores: as ferramentas apontam para os problemas para cuja
solução foram concebidos, e os símbolos linguísticos apontam para situações
comunicativas para cuja representação foram concebidos. Por conseguinte, para
aprender o uso convencional de uma ferramenta ou de um símbolo, as crianças
têm de chegar a compreender porque, em relação a que fim exterior outra
pessoa está a usar a ferramenta ou o símbolo; ou seja, têm de chegar a
compreender o significado intencional do uso da ferramenta ou da prática
simbólica – “para” que serve? O que “nós”, os utilizadores dessa ferramenta ou
símbolo, fazemos com eles?”
Tomasello 1999, p. 13
“A evolução cultural cumulativa é, assim, a explicação para muitas das mais 39.
notáveis realizações cognitivas dos seres humanos. No entanto, para Intencionalidade
apreciar plenamente o papel dos processos histórico-culturais na conjunta
constituição da cognição humana moderna, temos de olhar para o que
acontece durante a ontogenia humana. O mais importante é que a evolução
cultural cumulativa assegura que a ontogenia cognitiva humana acontece
em um ambiente de artefactos e práticas sociais sempre novos que, em
cada época, representam algo que se assemelha ao conjunto dos
conhecimentos coletivos de todo o grupo social ao longo de toda a sua
história cultural. As crianças são capazes de participar por inteiro dessa
coletividade cognitiva desde cerca dos nove meses de idade quando, pela
primeira vez, começam a tentar partilhar a atenção com os coespecíficos, e
a aprender, de maneira imitativa, com eles e através deles […]. Estas novas
atividades emergentes de atenção conjunta não representam outra coisa
senão a emergência ontogenética da adaptação sócio-cognitiva unicamente
humana de identificação com outras pessoas, compreendendo-as assim Tomasello 1999, p. 14
como agentes intencionais como o próprio eu.”
“A minha tese, em particular, é que a herança dos humanos, 40. O ser humano e
o ponto de vista
no que se refere ao domínio cognitivo, é muito semelhante à do outro
dos outros primatas. Há somente uma única grande
diferença, que é o facto de que os seres humanos se
«identificam» com os coespecíficos mais profundamente do
que os outros primatas. Esta identificação não é algo de
misterioso, mas apenas o processo pelo qual a criança
humana compreende que as outras pessoas são seres como
ela – de um modo que os objetos inanimados, por exemplo,
não são – e que algumas vezes tenta compreender as coisas
do ponto de vista delas.” Tomasello 1999, p. 21
“A minha hipótese é especificamente que a cognição humana tem as suas 41. O tempo
qualidades próprias, que são únicas da espécie, porque: humano
“● Filogeneticamente: os humanos modernos desenvolveram a capacidade
de se «identificar» com os coespecíficos, o que conduziu a uma
compreensão deles como seres intencionais e mentais como ele próprio.
“● Historicamente: isto permitiu novas formas de aprendizagem cultural e
de sociogénese, o que conduziu a artefactos culturais e tradições de
comportamento que acumulam modificações ao longo do tempo histórico.
“● Ontogeneticamente: as crianças humanas crescem no meio destes
artefactos e tradições social e historicamente construídos, o que lhes
habilita a (a) beneficiar do conhecimentos e das capacidades acumuladas
dos seus grupos sociais; (b) adquirir e usar representações cognitivas,
baseadas em perspectivas, sob a forma de símbolos linguísticos (bem como
analogias e metáforas construídas a partir desses símbolos); e (c)
internalizar certos tipos de interações discursivas como capacidades de
metacognição, redescrição representativa e pensamento dialógico.”
Tomasello 1999, p. 14
“Para todos os mamíferos, incluindo todas as espécies de 42. Herança cultural e
neotenia
primatas, muito da ontogenia pela qual este Bauplan [plano de
construção] vem a ser acontece ao mesmo tempo em que o
organismo em desenvolvimento interage com o seu ambiente. É
claro que o período relativamente longo de imaturidade na qual
esta interação acontece é uma estratégia de vida muito arriscada,
visto que implica que os filhos estão totalmente dependentes,
durante um certo tempo, de um ou dos dois progenitores para a
alimentação e proteção dos predadores. Em compensação, a
vantagem de uma imaturidade longa é que ela torna possíveis
vias ontogenéticas que incorporam quantidades significativas de
aprendizagem e cognição individual que resultam tipicamente em
adaptações comportamentais e cognitivas mais flexíveis.”
Tomasello 1999, p. 20
“Deve-se sublinhar – e repeti-lo se necessário – que a minha 43. Cognição de
conclusão negativa acerca da cognição dos primatas não- causas subjacentes
humanos é muito específica e limitada. Os primatas não- e estados intencionais
humanos têm definitivamente uma compreensão de todos os
tipos de acontecimentos físicos e sociais, possuem e utilizam
muitos tipos de conceitos e representações cognitivas,
diferenciam claramente entre objetos animados e inanimados, e
empregam nas suas interações com os seus ambientes muitas
estratégias complexas e inteligentes de resolução de problemas
[…]. Mas não veem o mundo em termos de «forças»
intermediárias e muitas vezes ocultas, as causas subjacentes e
os estados intencionais/mentais que são tão importantes para o
pensamento humano. Em poucas palavras: os primatas não-
humanos são eles próprios seres intencionais e causais, mas não
compreendem o mundo em termos causais e intencionais.” Tomasello 1999, p. 26
“Eu destacaria também alguns comportamentos sociais que os primatas 44. O humano em
não-humanos não realizam nos seus habitats naturais (embora alguns contraste com
primatas não-humanos
primatas criados em ambientes culturais humanos realizem alguns
deles […]). Nos seus habitats naturais, os primatas não-humanos:
“● não apontam ou gesticulam para os outros em direção a objetos
externos;
“● não seguram objetos para mostrar aos outros;
“● não tentam trazer os outros a localizações onde possam observar
coisas;
“● não oferecem ativamente objetos a outros indivíduos,
apresentando-os;
“● não ensinam intencionalmente novos comportamentos a outros
indivíduos.
“E não o fazem, parece-me, porque não compreendem que o
coespecífico tem estados intencionais e mentais que possam ser
afetados.” Tomasello 1999, p. 28
“Os chimpanzés são muito inteligentes e criativos no uso de ferramentas e 45. Compreensão
na compreensão de alterações no meio ambiente produzidas pelo uso de teleológica e compreensão
ferramentas por parte de outros, mas não parecem compreender o intencional
comportamento instrumental dos coespecíficos do mesmo modo como o
fazem os humanos. Para estes, a finalidade ou a intenção de quem
demonstra é uma parte central do que eles percebem e, de facto, a
finalidade é compreendida como algo de separado dos diversos meios
comportamentais que podem ser utilizados para a alcançar. A capacidade
dos observadores de separar os fins e os meios serve-lhes para destacar o
método ou a estratégia do uso do instrumento pelo demonstrador como
uma entidade independente – o comportamento que ele está a usar na sua
tentativa de realizar a sua finalidade, dada a possibilidade de outros meios
para a realizar. Na ausência desta capacidade de compreender, nas ações
dos outros, o fim e os meios comportamentais como separáveis, os
observadores chimpanzés focam-se nas mudanças de estado (incluindo
mudanças de posição espacial) dos objetos envolvidos durante a
demonstração, em que as ações do demonstrador não são, de facto, mais
do que outros tantos movimentos físicos.” Tomasello 1999, p. 37
46. Sobre a percepção do rosto

“Desde poucas horas após o nascimento as crianças humanas


olham seletivamente para desenhos esquemáticos de faces
humanas, mais do que para outros padrões perceptivos […].”

Tomasello 1999, p. 65
“[…] Desde cedo após o nascimento, as crianças humanas 47. Protodiálogos
envolvem-se em «protoconversas» com os seus cuidadores.
As protoconversas são interações sociais em que o progenitor
e a criança focam a sua atenção um no outro –
frequentemente face a face, envolvendo olhar, tocar e
vocalizar – de maneiras que servem para expressar e partilhar
emoções básicas. Ademais, esta protoconversas têm uma
estrutura claramente alternante. Embora haja diferenças no
modo como estas interações ocorrem em culturas diferentes –
especialmente quanto à natureza e a frequência de
envolvimentos visuais face a face – de uma maneira ou de
outra elas parecem ser um traço universal da interação
adulto-criança na espécie humana.”
Tomasello 1999, p. 66
“As crianças de seis meses interagem diadicamente com objetos, agarrando-os e 48. Relação
manipulando-os, e interagem diadicamente com outras pessoas, exprimindo diádica
emoções nos dois sentidos, numa sequência alternante. Se as pessoas estão e triádica
próximas quando estão a manipular objetos, as crianças quase sempre as ignoram.
Mas cerca dos nove ou doze meses de idade, começa a emergir um novo conjunto
de comportamentos, que não são diádicos, como esses comportamentos
anteriores, mas triádicos, no sentido em que envolvem uma coordenação das suas
interações com objetos e pessoas, o que resulta num triângulo referencial entre a
criança, o adulto e o objeto ou acontecimento em relação ao qual eles partilham a
atenção. Frequentemente o termo atenção conjunta tem sido utilizado para
caracterizar este todo complexo de capacidades e interações sociais […].
Paradigmaticamente, é nesta idade que as crianças começam a olhar, de modo
flexível e seguro, para onde os adultos estão a olhar (acompanhamento do olhar), a
envolver-se como eles em períodos relativamente extensos de interação social
mediada por um objeto (envolvimento conjunto), a utilizar os adultos como ponto
de referência social (referenciação social) e a agir sobre objetos da mesma maneira
Tomasello
como os adultos o fazem (aprendizagem imitativa).” 1999, p. 69
49. “Ritualização” e gestos deíticos

“Do mesmo modo, cerca da mesma idade as crianças começam também a


dirigir ativamente a atenção e o comportamento dos adultos para entidades
externas, servindo-se de gestos deíticos tais como apontar ou segurar um
objeto para o mostrar a alguém. Estes comportamentos comunicativos
representam tentativas da criança para fazer com que os adultos dirijam a
atenção deles para alguma entidade exterior. Ao ir além das ritualizações
diádicas tais como «colocar os braços para cima» como um pedido para ser
pegado ao colo – o que se assemelha de muitos modos a ritualizações
diádicas dos chimpanzés […] – estes gestos deíticos são claramente triádicos,
porquanto indicam para um adulto alguma entidade exterior.”

Tomasello 1999, p. 69
50. Humor e possibilitações intencionais

“Uma criança de dois anos pode apanhar uma caneta e fingir que ela é um martelo. […] No jogo
simbólico inicial, a criança também olha para um adulto com uma expressão jocosa – porque ela
sabe que este não é o uso intencional/convencional desse objeto, e que o seu uso não
convencional é considerado “engraçado”. Uma interpretação deste comportamento é que o jogo
simbólico envolve dois passos cruciais. Primeiro, a criança tem de ser capaz de compreender e
adotar as intenções dos adultos conforme eles usam objetos e artefactos; ou seja, a criança tem
primeiro de compreender como nós, humanos, usamos canetas – as suas possibilidades
intencionais. O segundo passo envolve que a criança «desacople» as possibilidades intencionais
dos seus objetos e artefactos associados, de tal modo que eles podem ser intercambiados e
usados ludicamente com objetos “inapropriados”. Assim, a criança usa uma caneta como
convencionalmente se usaria um martelo, sorrido para o adulto no processo de sinalizar que esse
uso não é estúpido, mas uma brincadeira. Esta capacidade de separar as possibilidades
intencionais dos objetos e artefactos e de os intercambiar de modo relativamente livre no jogo
simbólico é, parece-me, uma prova muito convincente de que a criança aprendeu as
possibilidades intencionais incorporadas em muitos artefactos culturais de um modo semi-
independente da sua materialidade.”
Tomasello 1999, p. 92
“Esta nova compreensão de como os outros sentem a meu respeito 51. O conceito de si:
abre a possibilidade de desenvolvimento da timidez, da auto- o eu como um ele
consciência e um sentido de auto-estima […]. Prova disto é o facto
de que dentro de poucos meses após a revolução social-cognitiva,
cerca do primeiro aniversário, as crianças começam a evidenciar os
primeiros sinais de timidez e vergonha perante outras pessoas e
espelhos […].
“É importante sublinhar que aquilo que acontece cerca do primeiro
aniversário não é a emergência súbita de um autoconceito
totalmente acabado, mas somente a abertura de uma possibilidade.
Ou seja, o que as capacidades social-cognitivas recém-adquiridas
das crianças fazem é abrir a possibilidade de que elas possam
aprender sobre o mundo tomado do ponto de vista de outros, e que
uma das coisas que podem aprender assim são elas próprias.”
Tomasello 1999, pp. 96-97
52. Comunicação linguística, representação simbólica e
aprendizagem cultural

“Para funcionar como um «formato» para a aquisição da linguagem, a


situação de atenção conjunta tem de ser compreendida pela criança
como dotada de papeis de participação que são, num certo sentido,
intercambiáveis […]. Isto permite à criança […] assumir o papel do
adulto e usar uma nova palavra para dirigir a atenção do adulto do
mesmo modo como este a usou para dirigir a sua: o que eu irei chamar
imitação por inversão de papeis.”

Tomasello 1999, p. 107


“Assim, de maneira geral, a aquisição do uso convencional de signos 53. A capacidade
simbólica
linguísticos compreendidos intersubjetivamente requer que a criança:
“● compreenda os outros como agentes intencionais;
“● participe em situações de atenção conjunta que estabelecem o
suporte sócio-cognitivo para atos de comunicação simbólica, incluindo a
comunicação linguística;
“● compreenda não só intenções, como também intenções
comunicativas nas quais alguém tenciona que ela atenda a algo na
situação de atenção conjunta; e
“● inverta papeis com os adultos no processo de aprendizagem cultural,
e use, portanto, em relação a eles aquilo que eles usaram em relação a
ela – o que de facto cria a convenção comunicativa intersubjetivamente
compreendida ou o símbolo.”
Tomasello 1999, p. 114
54. O carácter perspectivístico dos símbolos linguísticos

“Mas há mais. O que torna os símbolos linguísticos verdadeiramente únicos de


um ponto de vista cognitivo é o facto de que cada símbolo incorpora uma
perspectiva particular sobre alguma entidade ou evento: este objeto é
simultaneamente uma rosa, uma flor e uma prenda. A natureza perspectivista
dos símbolos linguísticos multiplica indefinidamente a especificidade com que
podem ser usados para manipular a atenção dos outros, e este facto tem
profundas implicações para a natureza da representação cognitiva, conforme
iremos explorar mais abaixo.”

Tomasello 1999, p. 114


55. A essência dos símbolos linguísticos

“Podemos, por isso, caracterizar a essência dos símbolos


linguísticos como (a) intersubjetivos e (b) perspectivísticos.”

Tomasello 1999, p. 130


“E porque as pessoas de uma cultura, à medida em que se movem 56. O “nós” e a
através do tempo histórico, desenvolvem muitas e variadas finalidades manipulação
para a manipulação da atenção dos outros (e porque precisam de o fazer da atenção
em muitos tipos diferentes de situações de discurso), a criança atual
confronta-se com uma panóplia de símbolos linguísticos e construções
diferentes, que incorporam muitas construções de atenção diferentes em
qualquer situação dada. Em consequência, à medida em que a criança
internaliza um símbolo linguístico – em que aprende as perspectivas
humanas incorporadas num símbolo linguístico – ela representa
cognitivamente não só os aspectos perceptivos ou motores de uma
situação, mas também um modo, entre outros de que está também
consciente, como a presente situação pode ser construída
atencionalmente [attentionally] por “nós”, os utilizadores desse símbolo.
O modo como os seres humanos usam os símbolos linguísticos rompe
assim claramente com as representações perceptivas ou sensório-
motoras diretas, e isto deve-se inteiramente à natureza social dos Tomasello 1999, p. 133

símbolos linguísticos.”
57. A libertação da percepção e metaforização

“Alguns dos efeitos de operar com símbolos desse tipo são óbvios, em
termos de flexibilidade e relativa liberdade em relação à percepção.
Mas alguns efeitos são mais amplos e bastante inesperados, penso eu,
no sentido em que conferem à criança maneiras verdadeiramente
novas de conceptualizar coisas, tais como tratar objetos como ações,
ações como objetos, e miríades de tipos de construções metafóricas
das coisas.”

Tomasello 1999, pp. 135-136


58. Crenças diferentes e conflitos

“Ademais, no seu discurso linguístico com outras, as


crianças pequenas experienciam uma miríade de
crenças e pontos de vista conflitantes sobre as coisas,
um processo que é quase de certeza um ingrediente
essencial para chegarem a ver as outras pessoas como
seres com mentes similares, mas diferentes da sua
própria.”

Tomasello 1999, p. 196


“[…] Alguns dos principais domínios de atividade metacognitiva 59. Atividade
metacognitiva I
em que as crianças começam a se envolver no final do período da
primeira infância:
“● Começam a ser capazes de aprender e seguir regras
específicas que os adultos lhes ensinaram para ajudar a resolver
um problema intelectual, e fazem-no de uma maneira
relativamente independente (autorregulada) […].
“● Começam a ser capazes de usar regras sociais e morais de
uma maneira autorreguladora, de modo a inibir o seu
comportamento, a guiar as suas interações sociais e a planear
Tomasello 1999, p. 198
atividades futuras […].”
“● Começam a monitorizar ativamente a impressão social que estão a 60. Atividade
causar sobre as outras pessoas e a se envolverem assim em atividades metacognitiva II
de gestão da sua impressão, refletindo a sua compreensão das
pespectivas dos outros sobre elas […].
“● Começam a compreender e a utilizar linguagem integrada em
estados mentais, como «ela pensa que eu penso X» […].
“● Começam a evidenciar capacidades de metamemória que as
habilitam a formular estratégias planeadas em tarefas de
memorização que requerem, por exemplo, a utilização de auxílios
mnemónicos [..].”
“● Começam a evidenciar capacidades de literacia que dependem em
larga medida de capacidades metalinguísticas que lhes permitem a
falar acerca da linguagem e como ela funciona […].” Tomasello 1999, p. 199
61. Reflexão, objetividade e ciência

“A especulação é, assim, que as adaptações evolutivas visaram a capacidade


dos seres humanos de coordenar o seu comportamento social recíproco – a
compreenderem-se mutuamente como seres intencionais – podem também,
após muita elaboração ontogenética, estar na base da capacidade dos seres
humanos de refletir acerca do seu próprio comportamento e, assim, a criar
estruturas sistemáticas de conhecimento explicito, tais como teorias científicas
[…]. A capacidade humana para a construção de sistemas pode ser […] uma
exaptação das capacidades reflexivas humanas, que derivam, em última
instância, das suas capacidades sócio-cognitivas.”

Tomasello 1999, p. 204


62. Metagcognição e autorregulação

“Finalmente, o tipo de interação em que os adultos comentam acerca


das atividades cognitivas das crianças, ou as instruem explicitamente,
levam-nas a assumir a perspectiva de alguém outro sobre a sua
própria cognição em atos de metacognição, autorregulação e
redescrição representativa, o que resulta em estruturas cognitivas de
formato dialógico mais sistemáticas.”

Tomasello 1999, p. 221


63. Dimensões da evolução humana

“Os genes são uma parte essencial da história da evolução cognitiva


humana, talvez mesmo, de certos pontos de vista, a parte mais
importante da história, visto que eles são o que manteve a bola a correr.
Mas não são a história toda, e a bola fez um longo percurso desde que
começou a correr. Em geral, as estafadas categorias filosóficas da
natureza vs. cultura [nature versus nurture], do inato vs. aprendido e
mesmo dos genes vs. ambiente não estão simplesmente à altura da tarefa
– são demasiado estáticas e categóricas – se o nosso objetivo é uma
teoria darwiniana dinâmica da cognição humana nas suas dimensões
evolutiva, histórica e ontogenética.”
Tomasello 1999, p. 223-224

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