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- “De que modo ampliar o conhecimento sobre as transições influencia a qualidade dos
cuidados e os ganhos em saúde?”.
A necessidade, por um lado, de lidar com as mudanças e com os desafios que ocorrem ao
longo do tempo e, por outro, de se ajustar a essas realidades é uma propriedade inerente à
vida. Ao longo da vida, há mudanças que interferem no nível de saúde.
Mas será que mudança e transição constituem diferentes palavras para designar o mesmo
conceito?
Norma Chick & Afaf Meleis, já nos finais dos anos oitenta, num capítulo do livro Nursing
Research Methodology, apresentaram a análise do conceito de transição, acreditando que esta
tarefa pode constituir um catalisador para desocultar o conhecimento “entranhado” na prática
clínica. Transição, na sua aceção genérica, é uma palavra que deriva do latim ‘transitione’,
significando o ato, efeito ou modo de passar lenta e suavemente de um lugar, estado ou
assunto para outro, passagem, fase ou período intermédio num processo evolutivo .
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As transições podem ser entendidas como experiências humanas, descritas como o conjunto
de respostas, ao longo do tempo, moldadas pelas condições pessoais e ambientais, pelas
expectativas e perceções dos indivíduos, pelos significados atribuídos a essas experiências,
pelos conhecimentos e habilidades na gestão das modificações, bem como pelo impacto
destas modificações no nível de bem-estar(3, 4). A experiência da transição exige, por isso, que
cada pessoa incorpore novos conhecimentos, que altere comportamentos, que redefina os
significados associados aos eventos e que, consequentemente, altere a definição de si mesmo
no contexto social(1, 5).
O início e o fim não são simultâneos, existindo uma noção de movimento que envolve tanto a
rutura com a vida tal como era conhecida, como as respostas da pessoa ao evento que
desencadeou a transição(1).
Com base nestas noções compreende-se o entendimento da transição como processo que
ocorre num tempo, com sentido de fluxo e movimento, sem limites nitidamente definidos. De
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acordo com Chick & Meleis(1), a sequência é invariável. Todavia, a duração e o efeito da rutura
de cada fase não o são. A duração da transição corresponde ao período de tempo (time span)
que decorre entre a antecipação, quando possível, da necessidade de mudar e a estabilidade
na nova condição. A perceção guarda estreita relação com o significado que a transição
assume para quem a experiencia. É influenciada pelo ambiente e pelas características do
indivíduo e influencia as respostas aos eventos e, por essa via, os resultados da transição. Uma
outra característica elementar da transição é a rutura (disconnectedness)(1).
Rutura traduz a ideia de corte nas relações, nos compromissos ou com o previamente
estabelecido. Efetivamente, quem vive uma transição é confrontado com a rutura com os laços
que suportam e fortalecem os sentimentos de segurança no mundo tal qual o conhece. A
rutura pode ocorrer a diversos níveis, nomeadamente a perda de pontos de referência
habituais; da incongruência entre as expectativas construídas no passado e as perceções
determinadas pelo presente; da discrepância entre as necessidades e a disponibilidade; e o
acesso a recursos para a sua satisfação.
Quanto à natureza, as transições podem ser analisadas de acordo com o tipo, o padrão e as
propriedades.
Tipos de transição
Padrão da transição
As transições não são discretas nem mutuamente exclusivas(8). De facto, a análise dos estudos
suporta a ideia de que as transições possuem padrões de complexidade e de multiplicidade, na
medida em que cada pessoa pode estar a viver mais do que um tipo de transição
simultaneamente. No que concerne aos padrões, as transições podem ser caracterizadas como
únicas ou múltiplas, sequenciais ou simultâneas e relacionadas ou não. Por exemplo, uma
mulher pode estar a lidar simultaneamente com uma transição de desenvolvimento,
relacionada com a menopausa, e com uma situacional, relacionada com a migração e o
trabalho(8) .
Propriedades da transição
Consciencialização
8)
. Em resposta a situações de rutura nos relacionamentos e na vida diária, a pessoa necessita
reconhecer que o anterior modo de viver teve um fim e que a realidade atual está sob ameaça;
por isso, Bridges(10) defende que a consciencialização da mudança necessita ocorrer para que a
transição se inicie. O processo de se ir consciencializando implica reconhecer o que mudou e
em que medida as coisas estão diferentes. Quando existe tal reconhecimento, a pessoa
consegue encontrar uma coerência para o que está a acontecer e reorganizar-se num novo
modo de viver, de responder e de estar no mundo.
Envolvimento
comprometido se não existir consciencialização, pois ninguém se envolve em algo que para si
não existe(8, 1, 11). A condição de saúde da pessoa, os recursos disponíveis e o suporte social são,
à semelhança do nível de consciencialização, fatores que influenciam o nível de envolvimento.
A procura de informação ou de recursos, a preparação antecipada para lidar com o evento e o
ajustamento pró-ativo nas atividades da vida diária, adotando novas formas de viver e de ser,
são exemplos de envolvimento no processo de transição.
Mudança e diferença
O modo de lidar com a transição é determinado por vários elementos do processo, do período
de tempo e da perceção individual da experiência. De facto, cada pessoa atribui significado às
situações de saúde e doença, de acordo com os valores, as crenças e os desejos, que
caracterizam a singularidade e projeto de saúde individuais(5, 14). Assim se compreende o modo
como os significados e as perceções são influenciados e influenciam o decurso da transição(7, 5).
Para compreender as experiências dos clientes, ao longo da transição, é necessário
caracterizar as condições pessoais, da comunidade e da sociedade, que podem facilitar ou
dificultar uma transição saudável.
Condições pessoais
a) Significados
O significado guarda relação estreita com a perceção. Significado é entendido como o
‘valor, importância de alguma coisa’. O significado atribuído é construído a partir da
interpretação que cada um faz da realidade que o envolve e experiencia, apreendida
através dos órgãos dos sentidos – perceção. De facto, a perceção corresponde ao
‘registo mental consciente de estímulos sensoriais; ter noção de objetos ou outros
dados através dos sentidos’ . A partir dos significados construídos, tendo por base as
experiências vividas e a perceção da realidade, cada pessoa vai definindo a sua forma
de agir, de sentir, de ver e de ser em relação a tudo o que é importante para si e para
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1 ICN. Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem: CIPE® versão 1.0. Lisboa : Ordem dos Enfermeiros, 2006.
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c) Estatuto socioeconómico
O estatuto socioeconómico constitui também um fator que pode condicionar o
decurso da transição. Esta condição refere a posição, ou ordem, relativa de um
indivíduo numa hierarquia baseada em atributos sociais e económicos, que se
exprimem no acesso diferencial a recursos e a comodidades valorizadas. São três os
indicadores do estatuto socioeconómico tradicionalmente mais relevantes - o nível dos
rendimentos, a ocupação profissional e o grau de instrução(2). A caracterização do
estatuto socioeconómico é útil na identificação de pessoas potencialmente expostas a
riscos determinados pelo ambiente físico e social sob o qual vivem e se desenvolvem.
Meleis et al.(5) reconhecem que o baixo estatuto socioeconómico pode assumir-se
como um fator inibidor para a transição saudável, na medida em que pode ser
condicionador do acesso a recursos de saúde, do acesso à informação e da capacidade
para implementar as medidas inerentes à nova condição de saúde.
Assim, considerar o estatuto socieconómico enquanto fator influenciador do decurso
da transição pode facilitar o reconhecimento de populações mais vulneráveis e
caracterizar o acesso diferencial dos indivíduos aos recursos sociais e económicos que
têm impacto na sua saúde.
2Cardoso, Hugo. A quantificação do estatuto socioeconómico em populações contemporâneas e históricas: dificuldades, algumas
orientações e importância na investigação orientada para a saúde. Antropologia Portuguesa. 2006, Vol. 22/23, pp. 247-272.
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3 Mezirow, Jack. Learning as Transformation Critical Perspective on a Theory in Progress. São Francisco : Jossey-Bass Inc., 2000.
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Padrões de resposta
A Enfermagem centra-se no processo e experiência do ser humano que lida com transições,
facilitando a melhoria do estado da condição de saúde e a perceção de bem-estar como
resultados sensíveis aos seus cuidados. Apesar das diferenças individuais, os estudos têm
vindo a demonstrar que os clientes em transição apresentam respostas semelhantes ao longo
da transição sendo, por isso, possível falar em padrões de resposta. Os padrões de resposta às
transições podem ser monitorizados através de indicadores capazes de traduzir, entre outros,
o nível de conhecimentos e o nível de desempenho necessários para fazer face às novas
situações e contextos e ao impacto do evento na saúde(4). Os resultados da monitorização dão
indicações sobre a evolução da transição.
Indicadores de processo
4Hesbeen, Walter. Cuidar no hospital: enquadrar os cuidados de enfermagem numa perspectiva de cuidar. Loures : Lusociência,
2000.
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Indicadores de resultado
- Mestria
Ao lidar com as mudanças e diferenças, cada pessoa necessita reformular o seu modo de viver,
incorporando novos modos de ser e de estar na sua identidade. Este processo não é estático,
nem estável, antes pelo contrário, é dinâmico e fluido(5). Conhecer as respostas, reais e
potenciais, à transição, permite valorizar o conhecimento que a pessoa possui sobre o que está
a viver, sobre os seus próprios recursos e a forma como poderá lidar com os momentos críticos
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que possam surgir ao longo do processo; o culminar de uma transição de forma saudável, para
além de se manifestar pela mestria no desempenho do papel, evidencia-se pela capacidade de
integrar de forma dinâmica as novas circunstâncias e condições na sua identidade - identidade
integradora fluida. Acresce ainda o facto de a identidade reformulada ser, após o atingimento
do equilíbrio, tendencialmente estável, como por exemplo a identificação de alguém que teve
um filho, com a identidade materna. Todavia, outras há em que a nova identidade é fluída e
dinâmica, e tendencialmente instável. O exemplo apresentado por Meleis et al.(4) para
caracterizar esta situação é o caso dos emigrantes, cuja nova identidade tende a ser mais
fluída e inconstante, dada a natureza dinâmica da transição.
Terapêuticas de enfermagem
5Kramer, Marlene. Role conceptions of baccalaureate nurses and success in hospital nursing. Nursing Research. 1970, Vol. 19 (5),
pp. 428-39.
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Experienciando transições
A utilização da teoria de médio alcance das transições(4) tem acrescentado uma importante
dimensão na identificação das ‘fronteiras’ da Enfermagem, no refinamento de fenómenos
específicos da disciplina, na definição de prioridades e no desenvolvimento de terapêuticas de
enfermagem congruentes(1, 6). A sua aplicação na descrição das necessidades em cuidados de
enfermagem facilita a identificação de padrões, das propriedades, das respostas, dos
contextos, dos significados e dos resultados, com a finalidade de planear e implementar
cuidados de enfermagem efetivos. Os enfermeiros podem ajudar na construção de novos
modos de ver o mundo, de fazer e de estar; isto é, facilitar a transição e contribuir para a
manutenção e/ou para a promoção de melhores níveis de saúde(5, 7, 1)
. Assim, no
desenvolvimento do conhecimento relacionado com as terapêuticas de enfermagem devem
ser consideradas as dimensões temporais, os padrões, o tipo de transição e o momento mais
adequado para a sua concretização(5, 7, 1).
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