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Aula - Imagem Corporal e Distorção da Imagem Corporal

A imagem corporal é construída por diversos fatores, mas temos um muito


importante que precisa ser considerado: os padrões culturais. Compreender a
influência cultural nos padrões de beleza é algo fundamental para entender a
construção da imagem corporal. Ao longo dos anos vemos a transformação do
corpo feminino nos padrões de beleza impostos pela cultura, atualmente ditados
pelas mídias e redes sociais.

Segundo Turtelli, Tavares e Duarte (2002), a construção da imagem corporal de uma


pessoa depende de alguns fatores. Tais como:

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1) A expectativa de um corpo ideal ou aquele que se deseja ter;
2) A percepção do corpo real ou o que a pessoa vê, olhando e sentindo seu
próprio corpo;
3) As interações externas, com outros indivíduos.

Sendo assim, a imagem que vemos refletida no espelho é a imagem mental que
temos do nosso corpo, que é fortemente influenciada pela opinião de terceiros e
pelos padrões culturais, principalmente na infância e na adolescência.

O corpo na contemporaneidade é remodelável, sendo possível modificá-lo através


de cirurgias, medicamentos e procedimentos estéticos. Segundo Baudrillard (1995),
na sociedade de consumo, o corpo tornou-se seu mais belo objeto. Ou seja, o bem
de consumo da contemporaneidade é o corpo. A “top-modelização” do corpo é
evidenciada pela necessidade de sintonizá-lo com a tecnologia e o consumo
(SANT’ANNA, 2001). Há a crença de que o corpo é infinitamente maleável e que o
sucesso profissional, amoroso e social será alcançado via corpo perfeito. Essa visão
distorcida do próprio corpo é diariamente reforçada por imagens de corpos
idealizados (e quase sempre irreais).

Hoje vivemos uma incongruência na sociedade, que de um lado oferece a


possibilidade de acesso e a disponibilidade de um consumo alimentar excessivo,
mas que se situa na contramão do padrão de beleza, onde se exige um corpo
magro, musculoso.

De acordo com Schilder (1994), a imagem corporal é a figura de nosso próprio


corpo que formamos em nossa mente; o modo pelo qual representamos
mentalmente o nosso corpo que não corresponde exatamente ao corpo em si. Essa
representação pode ser menos distorcida ou muito distorcida, como acontece em
alguns transtornos mentais como na anorexia nervosa.

O conceito de imagem corporal, apresentado por Thompson (1996), envolve três


componentes:

1) Perceptivo: corresponde a precisão da percepção da nossa própria aparência


física, envolvendo uma estimativa do tamanho corporal e do peso;
2) Subjetivo: envolve aspectos mais subjetivos como a satisfação com a
aparência, o nível de preocupação e ansiedade associada;
3) Comportamental: focaliza as situações que são evitadas pelo indivíduo por
experimentar desconforto associado à aparência corporal.

Bruch (1962 apud SAIKALI, et al., 2004) desenvolveu a primeira teoria que

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sistematizou os distúrbios da imagem corporal. Esses distúrbios estariam
associados à consciência cognitiva do próprio corpo, consciência das sensações
corporais, o senso de controle sobre as funções corporais e as razões afetivas para
a realidade da configuração corporal.

Segundo Cash e Deagle (1997), um distúrbio da imagem corporal é um sintoma


nuclear dos transtornos alimentares, caracterizado por uma autoavaliação dos
indivíduos que sofrem desse transtorno, influenciada pela experiência com o peso e
a forma corporal. Ou seja, não existe transtorno alimentar se não houver distorção
da imagem corporal.

O filósofo francês Merleau-Ponty em “A fenomenologia da percepção” afirma que


observa os objetos exteriores em seu corpo, os maneja, os inspeciona, dá a volta
em torno deles, mas, quanto ao seu corpo, não o observa ele mesmo, pois para
conseguir fazer isso, seria preciso dispor de um outro corpo que não seria ele
mesmo observável (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 135). Portanto, não é possível
termos a percepção completa e observar a dimensão exata do nosso corpo, o que
gera equívocos e distorções na imagem corporal.

Os ideais de beleza social influenciam a insatisfação com o corpo que a maioria das
pessoas vive. Guattari (1992) considera que a produção de subjetividade relativa ao
corpo é influenciada pela família, religião, mídia, cinema, Estado, arte, meio
ambiente etc. Isso não significa que a cultura e o padrão de beleza vigente seja a
causa de um distúrbio da imagem corporal ou um transtorno alimentar, já que esses
têm etiologia multifatorial, ou seja, são determinados por uma diversidade de fatores
que interagem entre si de modo complexo.

A subjetividade contemporânea é deflagrada nos anseios da busca do corpo ideal e


nos altos investimentos na aparência. Não é à toa que, de acordo com Relatório da
Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (JIFE) de 2007, o Brasil é líder
mundial no consumo de anfetaminas que aumentou 500% desde 1998. Muitas
vezes encontramos profissionais sem formação adequada e pouco atentos às
fantasias dos pacientes com Transtorno Dismórfico Corporal. Associado a isso, há
na nossa sociedade a lipofobia, a obsessão pela magreza e rejeição à obesidade.
Na maior parte dos países desenvolvidos, uma grande parte da população sonha
ser magra, mas vive gorda e sofre com essa contradição.

Cabe ressaltar que a imagem corporal é a representação que um indivíduo faz de


seu corpo em sua mente, o modo como sente o corpo, incluindo as sensações
táteis, térmicas e de dor (SCHILDER, 1994). A concepção da imagem corporal se
dá, então, como resultado da interação entre as pessoas, numa junção de aspectos,
biológicos, emocionais, relacionais e contextuais. Ou seja, são interações
permeadas por informações advindas do contexto cultural que perpassam as

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barreiras grupais, familiares e alcançam o espaço individual. Quando há
desequilíbrio na intensidade da demanda relacionada à aparência física, as pessoas
são pressionadas a concretizar, em seu corpo, o corpo ideal da cultura em que
estão inseridas (TAVARES, 2003).

Transtorno Dismórfico Corporal (TDC)

Conforme o DSM-5 (2013), esse é um transtorno que acomete tanto homens quanto
mulheres, levando-os a terem uma percepção afetada sobre o seu próprio corpo.
Nesse transtorno, o indivíduo alimenta preocupações irracionais a respeito de
"defeitos" em seu corpo. Além disso, esse transtorno tem sido relatado em todo o
mundo, e a insatisfação crescente relacionada a determinada parte do corpo cresce
de forma considerável. Entre pacientes clínicos, as pesquisas mostram que a
prevalência é ainda maior.

1. Fatores de risco e prognóstico

● Ambientais: o Transtorno Dismórfico Corporal foi associado a altas taxas de


negligência e abuso infantil;
● Genéticos e fisiológicos: a prevalência de Transtorno Dismórfico Corporal é
elevada em parentes de primeiro grau de indivíduos com TOC.

2. Risco de suicídio

As taxas de ideação suicida e tentativas de suicídio são altas tanto em adultos


quanto em crianças/adolescentes com Transtorno Dismórfico Corporal. Além disso,
o risco de suicídio parece alto em adolescentes. Uma proporção substancial de
indivíduos atribui a ideação suicida, ou as tentativas de suicídio, principalmente as
suas preocupações com a aparência. As pessoas com Transtorno Dismórfico
Corporal têm muitos fatores de risco para suicídio, tais como altas taxas de ideação
suicida e de tentativas de suicídio, características demográficas associadas a
suicídio e altas taxas de transtorno depressivo maior comórbido.

3. Desenvolvimento e curso

A média de idade de início do transtorno é 16 a 17 anos, a mediana de idade de


início é 15 anos, e a idade mais comum de início é 12 a 13 anos. Dois terços dos
indivíduos têm início do transtorno antes dos 18 anos. Os sintomas subclínicos do
Transtorno Dismórfico Corporal começam, em média, aos 12 ou 13 anos. As
preocupações subclínicas geralmente se desenvolvem de forma gradual até o
transtorno completo, embora alguns indivíduos experimentem o início abrupto do
transtorno. O Transtorno Dismórfico Corporal parece ser crônico, embora uma
melhora seja provável quando é feito tratamento baseado em evidências. As

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características clínicas do transtorno parecem, em grande parte, similares em
crianças/adolescentes e adultos. O transtorno também ocorre em idosos, mas
pouco é sabido a seu respeito nessa faixa etária.

4. Critérios diagnósticos

A. Preocupação com um ou mais defeitos ou falhas percebidas na aparência física


que não são observáveis ou que parecem leves para os outros.

B. Em algum momento durante o curso do transtorno, o indivíduo executou


comportamentos repetitivos (ex.: verificar-se no espelho, arrumar-se
excessivamente, beliscar a pele, buscar tranquilização) ou atos mentais (p. ex.,
comparando sua aparência com a de outros em resposta às preocupações com a
aparência).

C. A preocupação causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no


funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do
indivíduo.

D. A preocupação com a aparência não é mais bem explicada por preocupações


com a gordura ou o peso corporal em um indivíduo cujos sintomas satisfazem os
critérios diagnósticos para um Transtorno Alimentar.

Além disso, se o indivíduo está preocupado com a ideia de que sua estrutura
corporal é muito pequena ou insuficientemente musculosa, deve-se utilizar o
especificador de "dismorfia muscular", popularmente conhecido como vigorexia.
Cabe ressaltar que esse especificador é usado mesmo que o indivíduo esteja
preocupado com outras áreas do corpo, o que com frequência é o caso.
Depois de toda essa discussão sobre imagem corporal, deu para perceber o quanto
esse é um assunto importante e que merece atenção, principalmente para aqueles
que desejam se aprofundar nos estudos sobre obesidade e emagrecimento, que é o
foco desse curso.

Isso porque a imagem corporal é algo estruturante. Refere-se a nossa forma de se


colocar no mundo. Não é à toa que a distorção da imagem corporal, seja ela grande
ou pequena, pode causar tanto sofrimento. Além disso, como bem define Tavares
(2003), o desenvolvimento da imagem corporal está diretamente relacionado à
formação da identidade do indivíduo em um grupo social. Sendo assim, não
podemos negligenciar esse assunto ou tratá-lo de forma superficial. Precisamos nos
debruçar sobre ele ainda mais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. DSM-5: Manual Diagnóstico e
Estatística de Transtornos Mentais. 5 ed. Porto Alegre: Artmed, 2013.
BAUDRILLARD, J. A sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Elfos, 1995.
CASH, T. F.; DEAGLE E. A. - The Nature and Extent of Body Image Disturbances in
Anorexia Nervosa and Bulimia: a Metaanalisys. International Journal of Eating
Disorders 22, p. 107-25, 1997.
COELHO, R. F. J.; SEVERIANO, M. F. V. Histórias dos usos, desusos e usura dos
corpos no capitalismo. Revista do Departamento de Psicologia da Universidade
Federal Fluminense. Niterói: v. 19, n. 1, 2007. Disponível em:
https://abrir.link/YwUkv. Acesso em: 10 ago. 2022.
GUATTARI, F. Caosmose: um novo paradigma estético. Rio de Janeiro: Ed. 34,
1992.
JIFE. Relatório anual 2006 da junta internacional de fiscalização de
entorpecentes. Brasília (DF): Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime,
2007. Disponível em: https://abrir.link/Ax7uU. Acesso em: 18 mar. 2011.
MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. Tradução de Carlos Alberto
Ribeiro de Moura. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
SAIKALI, C. J. et al. Imagem corporal nos transtornos alimentares. Revista de
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Disponível em: https://abrir.link/45EK8. Acesso em: 10 ago. 2022.
SANT’ANNA, D. B. É possível realizar uma história do corpo? In: SOARES, C.
(org.). Corpo e História. Campinas: Autores Associados, 2001.
SCHILDER, P. A Imagem do Corpo. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1994
TAVARES, M. da C. G. C. F. Imagem corporal: conceito e desenvolvimento. São
Paulo: Editora Manole, 2003.
TURTELLI, L. S.; TAVARES, M. DA C. G. C. F.; DUARTE, E. Caminhos da Pesquisa
em Imagem Corporal na sua Relação com o Movimento. Revista Brasileira de
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THOMPSON, J. K. Body Image: Eating Disorders and Obesity. Washington D.C.:
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