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MEU CORPO UM ESTRANHO – TRANSTORNO DISMORFICO CORPORAL

Os transtornos somatomorfes são um grupo de doenças mentais onde o


individuo apresenta variados sintomas somáticos que não podem ser explicados pela
presença de uma doença física, mas que vem acompanhado de pensamentos
exagerados e preocupações excessivas que se refletem nas áreas do comportamento,
cognição e emocional; frequentemente buscam atendimento medico sem solução para
suas queixas.

Segundo o DSM-IV os transtornos somatomorfes são divididos em cinco:

 Transtorno de somatizacao
 Transtorno conversivo
 Transtorno doloroso
 Hipocondria
 Transtorno dismórfico corporal

O transtorno dismorfico corporal foi descrito pela primeira vez pelo medico
italiano Enrico Morselli, em 1886 e foi chamado pela primeira vez de dismorfofobia. O
individuo apresenta pensamentos delirantes e obsessivos, preocupado com um defeito
físico real ou imaginário que ele considera ter; passando horas tentando corrigir,
esconder e camuflar o suposto defeito, para isso utiliza acessórios variados,
maquiagem excessiva ou a realização de cirurgias para a correção. Comum o hábito de
se olhar constantemente em espelhos ou superfícies refletoras e fazer comparações
com a aparência de outras pessoas.

O individuo descreve a parte “indesejada” como feia, pouco atraente e até


mesmo como monstruosa; apresenta pensamentos desagradáveis em que acredita
que as outras pessoas estão olhando, comentando e ridicularizando de sua aparência
pessoal. Tudo isso leva a um importante desconforto social com interferência em sua
vida funcional, passando a evitar lugares públicos, escola, trabalho e encontros sociais.
Essa evolução ao isolamento social vem acompanhado de importante desconforto
emocional com baixa auto estima, associado a sentimentos de ansiedade, angustia e
descontentamento; podendo estar associado a outras comorbidades como depressão,
transtorno obsessivo compulsivo, higiene em excesso e pensamentos indesejados; em
casos mais graves pode evoluir a tentativas de suicídio sendo frequente as internações.

O mais comum é que se inicie na adolescência, sendo comum entre os 15 e 30


anos. Inicialmente era mais comum entre mulheres, porém atualmente tem sido
observado uma incidência semelhante entre homens e mulheres. Podemos destacar
entre os fatores etiológicos:

- Genéticos: familiares com o mesmo tipo de transtorno.

- Neurobiológicos: a combinação de níveis diminuídos de serotonina e dopamina.

- Fisiopatológicos: ocorre uma alteração do circuito fronto-estriatal, assim como do


balanço entre os hemisférios cerebrais. Foi observado uma alteração do
funcionamento de estruturas que envolvem a memoria como o hipocampo e alteração
das percepções das emoções faciais como no córtices inferior frontal, parietal-direito e
occipito-temporal, com um maior grau de resposta da insula, estriado e amigdala.

- Sociais: “Tudo que afeta a autoestima de alguém, como trauma ou bullying, pode
contribuir para o surgimento de percepções distorcidos de sua aparência física.”
(Marcel Higa Kais). Atualmente a influência das redes sociais e o excessivo culto à
aparência física tem contribuído para o surgimento do transtorno.

- Psicológicos: a influência de fantasias associadas a inscrições primitivas no ego,


juntamente com as identificações e significados dados pelos cuidadores e educadores
à determinadas partes do corpo da criança imprimem e modelam o ego da criança e
pode dar como resultado uma auto imagem corporal que ficou fixada no inconsciente
do ego como se fosse a real. Para muitos autores como Bion essas impressões podem
ser causadas já no período gestacional intra-uterino. A auto estima é constituída na
infância e quando é firmada ou focada em um ideal que não pode ser alcançado pode
trazer angustia, frustração e decepção.

Pode ser observado que na historia de vida do paciente mostra geralmente


uma família com pais superprotetores, geralmente muito rígidos, exigentes, críticos e
usando a punição com frequência; uma educação rígida e com poucos amigos na fase
escolar. Há uma intensa valorização com conceitos estereotipados de beleza,
comentários frequentes sobre o tema e comparações com outros membros da família.

Em 1910, Freud publica o caso clinico “Homem do Lobos” onde o paciente


apresenta um importante desconforto, insatisfação, uma preocupação excessiva com o
seu nariz; e cabe ressaltar que antes de buscar a Freud já havia buscado outros
tratamentos. O TDC na psicanalise é considerado como uma ferida narcísica ou uma
falha na constituição do EU, que leva a busca de uma perfeição de si mesmo com o
objetivo de restaurar o laço narcísico que foi perdido com as primeiras impressões.
Ocorre o deslocamento de conflitos emocionais e sexuais do inconsciente associados a
sentimentos de inferioridade, timidez, insegurança e culpa, juntamente com fatores
socioculturais que afetam a sua autoimagem.

Em sua obra “O mal estar da civilização”, Freud diz que o homem é afetado por
três vias de sofrimento, que seria o desconforto contra as forças absolutas da
natureza, a relação com os outros e a relação com o próprio corpo. Atualmente
vivemos um período de intensa valorização e culto ao corpo, com uma busca continua
pela beleza física. Acredita-se que a perfeição corporal trará felicidade e alguma
realização, porém o que se observa e uma intensa frustração; há uma tentativa sem
sucesso de compensar a baixa auto estima com um destaque na sociedade através do
corpo e de sua exposição.

É comum que exista uma discordância entre a imagem ideal e a imagem real,
porém sem exageros. A existência de uma distorção cognitiva que se assemelha muito
ao transtorno obsessivo compulsivo onde ocorre o surgimento de obsessões
relacionadas a questões corporais associadas a ideias supervalorizadas, prevalentes,
indesejadas e desagradáveis, de natureza egossintônica; uma verdadeira forma de
insanidade onde ideias fixas fluem desde o inconsciente ao consciente de forma
incontrolável, como um ataque de ansiedade, causando um estresse intenso.

Pode estar associados a comportamentos compulsivos que levam o indivíduo a


perder horas falando sobre o tema e na tentativa de camuflar o defeito. Podem adotar
algumas praticas deletérias como o uso excessivo de medicamentos para emagrecer,
uso de anabolizantes, dietas e exercícios em excesso, procedimentos estéticos e ate
mesmo cirúrgicos com o objetivo de corrigir o defeito ou até mesmo se parecer com
alguém; sendo o resultado na maior parte das vezes insatisfatório.

A vigorexia, dismorfia muscular ou “anorexia inversa” transtorno bastante atual


mais comum entre homens, que se caracteriza por uma busca intensa e incessante
pela aumento da massa muscular e sua definição; associados a ideias de distorção da
autoimagem, de excesso de peso, de uma musculatura pouco desenvolvida.
Atualmente os rígidos e ideais padrões de beleza, associados a intensa exposição nas
mídias sociais tem influenciado cada vez mais no desenvolvimento do transtorno,
principalmente entre os jovens; que muitas vezes já apresentavam algum tipo de
desconforto com alguma parte de seu corpo. Chegando a evoluir a casos graves onde
apresentam uma verdadeira distorção da própria personalidade podendo evoluir até
mesmo a uma despersonalização.

O tratamento farmacológico em muitos casos torna-se necessário, juntamente


com o tratamento psicoterapeutico. É muito importante o paciente “faça as pazes com
o espelho”, no geral o que vemos no espelho é diferente do que sentimos, sem que
isso cause desconforto. A busca por uma aparência melhor desde que seja de forma
equilibrada e sem excessos sempre será bem vinda para a autoestima do paciente.

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