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17/04/13 Envio | Revista dos Tribunais

A APLICAÇÃO DOS TRATADOS DE DIREITOS


HUMANOS NO BRASIL A PARTIR DA EC 45/2004

A APLICAÇÃO DOS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS NO BRASIL A


PARTIR DA EC 45/2004
Revista dos Tribunais | vol. 847 | p. 11 | Mai / 2006
Doutrinas Essenciais de Direitos Humanos | vol. 6 | p. 25 | Ago / 2011
Doutrinas Essenciais de Direito do Trabalho e da Seguridade Social | vol. 3 | p. 1011 | Set /
2012DTR\2006\332
André Lipp Pinto Basto Lupi
Professor de Direito Internacional da UNIVALI. Mestre em Direito pela UFSC. Doutorando em Direito
pela USP.

Área do Direito: Constitucional

; Internacional
Sumário:

- 2.A aplicação dos Tratados Internacionais no direito brasileiro - 3.A EC 45/2004 e o direito
intertemporal - 4.Dos conflitos entre o art. 5.º e os Tratados sobre Direitos Humanos -
5.Considerações finais - 6.Referências bibliográficas

INTRODUÇÃO*

A Reforma do Judiciário, trazida pela Emenda Constitucional 45/2004, 1 incluiu em seu bojo
alterações sobre a matéria dos direitos humanos no País. Entre elas, há disposição sobre
deslocamento da competência para a Justiça Federal de processos que envolvam direitos
humanos, por requerimento do Procurador Geral da República, constante do art. 109, § 5.º.
Também a partir da Emenda, que inseriu no art. 5.º dois parágrafos, ficou constitucionalizada a
adesão a tribunais penais internacionais (§ 4.º) com competência para julgar o descumprimento de
deveres internacionais relativos a direitos humanos, como a condenação do genocídio e dos crimes
contra a humanidade. 2
Neste trabalho, tratar-se-á de uma alteração que pode modificar os parâmetros de uma
continuada e discutida jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) relativa à aplicação de
tratados internacionais no Brasil. 3 O objeto desta análise é o parágrafo terceiro introduzido pela
EC 45/2004, cujo texto é o seguinte:
"§ 3.º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em
cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos
membros, serão equivalentes às emendas constitucionais".
O dispositivo respalda a opinião de vários juristas brasileiros sobre a necessidade de se diferenciar
o status hierárquico dos tratados sobre direitos humanos dos demais tratados aprovados pelo
Brasil. 4 A tese que defenderam está apoiada no § 2.º do art. 5.º da Constituição Federal
(LGL\1988\3), pelo qual o rol de garantias do art. 5.º não suprime outros direitos e garantias
fundamentais constantes de tratados aos quais o Brasil se submeta. Seu argumento é o de que
este parágrafo autoriza a consideração dos tratados sobre direitos humanos como normas de nível
constitucional.
A questão da compatibilidade de tratados internacionais com as garantias do art. 5.º chegou aos
tribunais superiores em razão da adoção do Pacto de São José da Costa Rica, que limitou os casos
de prisão civil ao devedor de alimentos, eliminando a possibilidade de prisão do depositário infiel,
algo admitido pelo inciso LXVII do art. 5.º.
Mesmo com a tomada de posição trazida pelo parágrafo terceiro, a discussão pode não estar
encerrada. Serão destacadas aqui três importantes questões. A primeira é relativa à aplicação de
tratados internacionais no Brasil, que exige uma remissão à jurisprudência do STF e do STJ sobre a
matéria. A segunda aborda a aplicação intertemporal da EC 45/2004, indagando se tratados
anteriores poderão ter o status diferenciado criado pelo § 3.º. Finalmente, tratar-se-á do conflito
entre tratados internacionais sobre direitos humanos com status privilegiado e as garantias
incluídas no rol do art. 5.º, voltando ao exemplo da prisão do depositário infiel.
2. A aplicação dos Tratados Internacionais no direito brasileiro

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2.1 Monismo e dualismo


Este tema é um capítulo privilegiado no estudo do Direito Internacional Público. Não há manual da
disciplina que não se dedique a uma análise do assunto, geralmente com referências aos sistemas
de outros países. 5 O problema envolve uma questão teórica que ultimamente vem sendo posta de
lado, mas que ainda guarda utilidade, 6 que é a dicotomia entre dualismo e monismo. Em termos
simples, o problema é saber se o Direito Internacional e o Direito Interno fazem parte de um
sistema único (monismo), com primazia do Direito Internacional sobre o Interno ou o contrário, ou
se constituem dois âmbitos isolados, com suas próprias fontes, sujeitos e obrigações. Dois grandes
internacionalistas debateram o assunto em seus cursos ministrados na Academia de Haia: Carl
Heinrich Triepel e Hans Kelsen.
Triepel, dualista, separou Direito Internacional e Direito Interno de forma rígida, excluindo qualquer
ponto de superposição entre as duas esferas. 7 Sustentava uma relação de exclusão total entre os
dois ordenamentos, na explicação dada por Bobbio. 8 O argumento dualista baseia-se na diferença
de sujeitos e objetos; também, e sobretudo, na diferença de fontes (vontades). No Direito
Interno, a vontade que ele conforma é a de um Estado; no Direito Internacional a de vários
Estados. 9 Logo, o Direito Internacional, para ser aplicado no Direito Interno, precisa de uma
manifestação do poder estatal. 1 0 Esta seria a diferença prática crucial entre monistas e dualistas,
11
pois para os monistas não haveria necessidade de nova manifestação do Estado. Melhor, para
esta corrente, a "internalização", procedimento pelo qual um tratado se tornaria norma interna,
poderia ser dispensada pela Constituição do país, - como ocorre efetiva, mas raramente -, o que
demonstraria que a vontade do Estado expressa no âmbito do Direito Internacional poderia
vinculá-lo diretamente no âmbito interno. Portanto, ambos são um só sistema de Direito. 1 2 Esse é
o problema da aplicabilidade direta de tratados no Direito Interno.
O debate monismo-dualismo ainda prossegue rumo a outro problema, o da hierarquia entre o
Direito Interno e o Internacional. Kelsen, que defendeu o monismo como única hipótese
logicamente aceitável, sentiu-se forçado a reconhecer que a opção entre a primazia do Direito
Internacional ou do Direito Interno não poderia ser resolvida sem apelo a valores e, portanto, fora
do que ele considerava uma tarefa da ciência do Direito. 1 3 Autores e tribunais manifestaram-se
sobre a questão diversas vezes, mas com inúmeras variações.
2.2 A jurisprudência brasileira
No Brasil, na década de 1970, essa questão foi introduzida no Plenário do STF por ocasião do
julgamento do RE 80.004, decisão que definiu a posição da Suprema Corte. 1 4 Estava em jogo a
nulidade do aval dado em título de crédito, quando não registrado no órgão público determinado
pelo Dec.-lei 427/69. 1 5 A Convenção de Genebra, em vigor no Brasil, 1 6 não fazia essa exigência
para a validade do aval ou do título de crédito .
O Tribunal deu prioridade ao Decreto em face da Convenção de Genebra, mas o monismo com
primazia do Direito Interno não foi o fundamento de todos os votos que formaram a maioria
vencedora. 1 7 A posição dualista teria o mesmo efeito no caso, posto que para esta corrente um
tribunal nacional deve aplicar o Direito Interno e o tratado a ele se subordina na forma da
Constituição. O resultado seria distinto apenas se se adotasse o monismo com primazia do Direito
Internacional, já que, nesse caso, prevaleceria o disposto no art. 27 da Convenção de Viena sobre
Direito dos Tratados. 1 8
Mesmo assim, depois do RE 80.004, a jurisprudência firmou-se no sentido da paridade hierárquica
entre a legislação ordinária e os tratados, muitas vezes fazendo referência expressa a este
julgado, destacando-se, neste tocante, a decisão da ADIn 1.480-DF. 1 9
Contudo, a equiparação dos tratados à legislação ordinária admite algumas exceções. Assim, o
art. 98 do CTN (LGL\1966\26) determina que os tratados prevalecem sobre a legislação ordinária.
20
Também em matéria de extradição, o STF preferiu aplicar um tratado em detrimento da
legislação interna posterior. 2 1 Em ambos os casos, a distinção entre tratados-contrato e
tratados-lei foi útil para conferir à primeira categoria o caráter de especialidade pelo qual
passaram a merecer primazia sobre as leis internas, em aplicação do critério lex specialis derogat
generali. Para isto, entendeu-se que tratados-contrato são específicos por dizer respeito a
obrigações recíprocas com um país determinado.
Outra exceção é mais importante para o objeto em comento, pois a tese da elevação dos tratados
de direitos humanos ao nível constitucional foi, em parte, aceita pelo STF. Em razão de pedidos de
habeas corpus para réus processados por serem depositários infiéis à letra do Dec. 911/69, 2 2 que
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regula a alienação fiduciária, o STF dividiu-se. A Segunda Turma, com voz ativa do Min. Marco
Aurélio de Mello, reconheceu a garantia do art. 7.º, VII, do Pacto de São José da Costa Rica, de
não haver prisão por dívidas, 2 3 e aplicou-a, em detrimento do inciso LXVII do art. 5.º. 2 4 Esta
decisão secundou e contrariou decisão anterior do plenário de negar aplicação do Pacto por haver
conflito com o inciso mencionado. 2 5
A decisão do pleno fundamentou-se na utilidade do instituto da prisão civil, que corrige uma
distorção que desfavorece o credor no financiamento de bens móveis, porque no caso de haver
concurso de credores, afasta-o da difícil situação do credor quirografário. Isto repercute na
ampliação da concessão de créditos, sendo, portanto benéfico para o movimento da economia do
País. 2 6
A proteção conferida pelos Pactos dos Direitos Humanos, contra a prisão civil não decorrente de
débito alimentar, seria inconstitucional na visão de uma importante corrente jurisprudencial,
representada, no STF, pelos Ministros Moreira Alves e Celso de Mello. 2 7
Em sentido contrário, afirma-se que o rol de garantias insere-se na perspectiva do espírito liberal
da Carta brasileira, tratando-se a prisão civil de restrição a direito fundamental e, portanto, deve
sua abrangência ser a mais limitada possível. No confronto do interesse na liberdade do devedor
contra o direito de crédito, deve prevalecer o primeiro. 2 8
Para o ex-Ministro Rezek, a interpretação da Constituição Federal (LGL\1988\3) deve sempre
preservar a integridade do ordenamento jurídico, buscando a solução menos conflitiva. Isto
significa que entre duas opções, uma que anula um dispositivo infraconstitucional e outra que o
harmoniza com a Constituição, deve prevalecer a segunda. 2 9 A opção se torna ainda mais
imperiosa quando isto permite evitar um ilícito internacional. 3 0 A noção de complementaridade
entre os Pactos e a Constituição Federal (LGL\1988\3) exige uma interpretação que evite o
aparecimento de antinomias.
A interpretação que desfaz o virtual conflito entre os Pactos e a Constituição Federal
(LGL\1988\3) é aquela que entende que o inciso LXVII contém uma permissão ao legislador
ordinário, que pode ou não instituir a prisão civil do depositário. Porém, ele renunciou a essa
possibilidade ao referendar os Pactos mencionados, posteriormente promulgados pelo Presidente
da República. 3 1
Seguindo nessa senda, ressalta-se que o já referido precedente em matéria de hierarquia dos
tratados na ordem jurídica brasileira, o RE 80.004, continuava aplicável, na opinião da Corte.
Quando uma dúvida acerca de sua preservação no voto do Min. Marco Aurélio foi suscitada pelo
Min. Celso de Mello, o primeiro imediatamente alegou ser esta sua posição. 3 2
Outra forma de interpretar a relação dos Pactos com o § 2.º do art. 5.º é entender que as
garantias que introduzem na ordem jurídica brasileira, em caráter complementar àquelas já
constantes do rol do mesmo artigo, passam a ter hierarquia constitucional. 3 3 Mas ressalte-se: são
as garantias, per se e in abstracto, não as normas dos tratados internacionais (ou os próprios
tratados), que são alçadas à força normativa superior da Constituição Federal (LGL\1988\3).
Outra questão importante, presente na discussão perante o STF e decisiva na jurisprudência do
STJ, foi a desqualificação do depósito na alienação fiduciária, pois a finalidade principal deste
contrato não é a guarda de um bem. 3 4 Como o próprio Decreto prevê, no art. 1.º, § 6.º, o credor
tem apenas o direito de vender o bem para obter o crédito não pago. Por isso, não tem a
propriedade, não podendo dá-lo para guarda a outrem. "Noutras palavras: o § 6.º do art. 1.º do D.
L. 911/69 torna nula a cláusula do contrato que reserva para o credor a propriedade do bem." 3 5 O
depósito na alienação fiduciária é uma ficção. O Dec.-lei 911/69 "Pôs um rótulo em frasco com
conteúdo diverso." 3 6 Por este fundamento, o STJ passou a considerar ilícita a prisão. 3 7
Para concluir, pode-se dizer que a jurisprudência brasileira adotou diferentes padrões de hierarquia
entre tratados e normas internas, prevalecendo um ou outro conforme a matéria em jogo. Trata-
se de uma hierarquia variável ratione materiae, pela qual as garantias inseridas nos tratados sobre
direitos humanos estão integrados à Constituição Federal (LGL\1988\3), tratados em matéria
tributária estão acima de leis ordinárias e os demais tratados a elas se equiparam. Esta é a
sistemática vigente, em relação à qual inova a EC 45/2004 ao elevar os próprios tratados sobre
direitos humanos ao nível de Emenda Constitucional.
3. A EC 45/2004 e o direito intertemporal
A pergunta que orienta este tópico é a seguinte: tratados sobre direitos humanos já aprovados
antes da EC 45/2004 passam a ter o status constitucional se (e apenas se) preencherem o
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requisito de maioria qualificada?


Para respondê-la, parece pertinente descrever brevemente o procedimento para internalização de
tratados internacionais. No Brasil, a sistemática é, basicamente, a de envio do texto pelo
Executivo, que detém a competência para negociar e assinar os tratados (art. 84, VIII, CF/1988
(LGL\1988\3)), para o Legislativo, a quem se incumbe de referendar ou não os tratados assinados
pelo Executivo (CF/88 (LGL\1988\3), art. 49, I). No Congresso, o tratado passará primeiramente
pela Câmara dos Deputados e, aprovado, seguirá ao Senado. Em ambas as Casas passará pelas
Comissões determinadas nos Regimentos. 3 8 Em caso de aprovação, o Legislativo autoriza o
Executivo a promulgar o tratado no País, momento a partir do qual ele passa a ter vigência
internamente. 3 9
O problema colocado no início deste tópico diz respeito, portanto, a todos os tratados já
aprovados pelo Legislativo à época da introdução da EC 45/2004, embora haja a remota
possibilidade de tratados referendados e ainda não promulgados serem reenviados ao Congresso.
Os tratados que ainda estejam em análise no Congresso poderão ser submetidos ao trâmite exigido
pelo § 3.º do art. 5.º, porém isto é vedado àqueles já promulgados. Como nesta última categoria
estão a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, a Convenção sobre Asilo e os Pactos das
Nações Unidas sobre Direitos Civis e Políticos e sobre Direitos Econômicos e Sociais, a situação
merece atenção. 4 0
De acordo com a inovação trazida pela Reforma do Judiciário (EC 45/2004), um tratado só
cumprirá os requisitos para o status diferenciado se for aprovado na Câmara e no Senado por
maioria de três quintos dos votos dos membros, em dois turnos.
O padrão de texto dos Decretos Legislativos não faz registro ao quorum de aprovação.
Geralmente resume-se o Decreto Legislativo a dois artigos, um declarando a aprovação do tratado
pelo Congresso e outro determinando sua vigência (do Decreto e não do tratado) a partir da sua
publicação. 4 1 Deste modo, somente uma consulta aos registros históricos das votações poderia
apontar, eventualmente, o atendimento à exigência da maioria qualificada de três quintos.
Todavia, existe um obstáculo mais saliente.
A aprovação em dois turnos não era a prática anterior para tratados internacionais, porque esta
exigência só é feita às proposições de Emendas Constitucionais (CF/88 (LGL\1988\3), 60, § 2.º,
Regimento Interno do Senado Federal - RI_SF, arts. 270 e 354; na Câmara, também as leis
complementares e mudanças do Regimento Interno são apreciadas em dois turnos, Regimento
Interno da Câmara dos Deputados - RICD, arts. 148, 202, § 6.º e 216). Deste modo, os tratados
já aprovados não atendem ao critério disposto pelo parágrafo terceiro, posto que seguiram trâmite
semelhante ao previsto para os projetos de leis ordinárias (RI_SF, art. 376).
Segundo este raciocínio, questões complicadas, como a da prisão do depositário infiel, proibida por
dois Pactos de Direitos Humanos aprovados anteriormente à EC 45/2004, continuam pendentes,
pois o § 3.º não os alcança.
Não obstante, parece possível formular um argumento contrário, com base num raciocínio
analógico, derivado da questão do status hierárquico do Código Tributário Nacional (LGL\1966\26).
A Lei 5.172/66 (Código Tributário Nacional (LGL\1966\26)) foi promulgada antes da edição da
Constituição de 1967, a qual introduziu no País a denominação "lei complementar". Por esta razão,
não poderia, à luz da Constituição de 1946, ter recebido a identificação que a diferenciaria das leis
ordinárias. Assim, por o CTN (LGL\1966\26) tratar de matéria reservada a lei complementar pela
Constituição, considera-se que ele tenha sido materialmente recepcionado como lei complementar,
embora permaneça, formalmente, como lei ordinária. Esta tese aplica-se também sob a égide da
Constituição Federal (LGL\1988\3) atual. 4 2
O argumento é, portanto, o seguinte: se é possível distinguir recepção formal e material, para
considerar que o CTN (LGL\1966\26) tem caráter de lei complementar, poder-se-ia, por analogia,
admitir que todos os tratados de direitos humanos já aprovados pelo Brasil, ante a inexistência do
critério qualitativo do art. 5.º, § 3.º, da CF/1988 (LGL\1988\3), no momento de sua apreciação e
promulgação, ostentam o status de Emendas Constitucionais.
Reconhece-se a diferença entre a recepção por norma editada pelo Poder Constituinte originário e
a recepção por norma emitida pelo Poder Constituinte derivado. Mas em prol do argumento aqui
exposto, pode ser referido o art. 4.º, II, da CF/1988 (LGL\1988\3), que põe como princípio da
República Federativa do Brasil a prevalência dos direitos humanos. Isto é coerente com a
dimensão axiológica contida no art. 5.º, que tem como valor-fonte a dignidade da pessoa humana
e, também por ser cláusula pétrea, requer cuidados especiais em sua apreciação. 4 3

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Na mesma linha, advêm os postulados da irretroatividade e da indivisibilidade dos direitos humanos.


No preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Assembléia Geral requer dos
Estados "a adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional", 4 4 destacando-se
a idéia da evolução rumo à ampliação das garantias e a conseqüente vedação de sua regressão.
Da mesma forma, a tese da indivisibilidade está consagrada nos próprios documentos
internacionais de Direitos Humanos, quando sustentam derivarem da "dignidade inerente à pessoa
humana" 4 5 ou "dos atributos da pessoa humana", 4 6 deixando clara sua mesma base ética e sua
conseqüente unidade.
Por serem indivisíveis os direitos, as diferentes normas de proteção dos direitos humanos são
consideradas complementares. Por isso o Pacto de São José, em seu preâmbulo, justifica uma
"proteção internacional, de natureza convencional, coadjuvante ou complementar da que oferece
o direito interno dos Estados americanos" e encontra respaldo na dicção do § 2.º do art. 5.º da
Constituição Federal (LGL\1988\3), que usa a locução "não excluem", para mostrar-se consoante
à mesma idéia de mútua complementação, dando a devida consideração à "contribuição que o
Direito Internacional Público pode oferecer como critério de apreciação" da garantia constitucional.
47

Essas teses vêm em reforço ao argumento da aplicação do status de Emenda Constitucional aos
tratados sobre direitos humanos já vigorantes no Brasil, pois afirmam a impossibilidade de se dividir
os direitos humanos em várias categorias, umas constitucionais, outras de Emenda Constitucional
e ainda numa terceira categoria com o peso de lei ordinária.
4. Dos conflitos entre o art. 5.º e os Tratados sobre Direitos Humanos
Embora tendam à compatibilidade, por premissas hermenêuticas inseridas no tema dos direitos
humanos, os tratados e as leis internas sobre o tema podem conflitar. Uma vez
constitucionalizados tais conflitos serão de competência do STF, mantendo-se a competência do
STJ para conflitos que envolvam tratados sobre os demais temas e a legislação infraconstitucional
(arts. 102, III e 105, III, CF/1988 (LGL\1988\3)). Há registros de conflitos entre tratados e a
Constituição Federal (LGL\1988\3). Especificamente, pode ser retomada a questão da prisão civil
do depositário infiel, permitida pelo art. 5.º, LXVII, da CF/1988 (LGL\1988\3) e proibida por dois
Pactos de Direitos Humanos promulgados no Brasil.
Voltando aos pontos anteriormente analisados, verifica-se que esse problema ainda não está
resolvido com a introdução do art. 5.º, § 3.º, da CF/1988 (LGL\1988\3), pois é preciso que o
Poder Judiciário manifeste-se sobre o status hierárquico dos tratados já aprovados antes da
publicação da EC 45/2004.
Se os tribunais entenderem que os tratados anteriores não preenchem o requisito do § 3.º, por
não atenderem à exigência de aprovação em dois turnos, em cada Casa do Congresso Nacional, o
art. 5.º deverá prevalecer sobre os tratados. Neste caso, volta-se à tese do § 2.º, pela qual a
Segunda Turma do STF e boa parte do STJ consideram que as garantias incluídas em Pactos sobre
Direitos Humanos devem ser consideradas de nível constitucional, integrando o sistema de
proteção dos direitos fundamentais do País. A quaestio permaneceria in statu quo ante.
Porém, caso os tribunais considerem que os tratados anteriores devam ser elevados à categoria
de Emenda Constitucional, pelo argumento da recepção material ou por outro argumento não aqui
ventilado, o problema revestir-se-á de maior complexidade. Isto porque haverá Emendas
Constitucionais que reformarão cláusula pétrea da Constituição Federal (LGL\1988\3), algo que é
vedado pelo art. 60, § 4.º da própria Carta Magna (LGL\1988\3). Sim, pois se um tratado como o
Pacto de São José for elevado à categoria de Emenda Constitucional e passar a proibir o que a
Constituição Federal (LGL\1988\3) antes facultava ao Estado, a prisão civil, no exemplo escolhido,
ele estará modificando o conteúdo do art. 5.º e, portanto, alterando cláusula pétrea.
Ocorre que a proibição do art. 60, § 4.º é de "abolição" dos direitos e garantias individuais,
diferentemente do caso em tela. Neste, a eventual derrogação de parte do conteúdo do art. 5.º
por um tratado sobre direitos humanos ocorrerá para ampliação dos direitos e garantias individuais,
de maneira consistente com as premissas hermenêuticas expostas. Estabelece-se aqui, como em
outros campos do Direito, uma forma de solução de antinomias que varia segundo o conteúdo do
direito argüido. Havendo conflito entre tratado sobre direitos humanos e a Constituição Federal
(LGL\1988\3), prevalecerá o dispositivo que tornar mais abrangente o sistema de garantias.
Uma observação final: parece que nem com as sugestões acima se evitará completamente a
existência de categorias diferenciadas de direitos humanos. No artigo sobre a competência da
Justiça Federal, a EC 45/2004 previu o deslocamento de competência apenas para as garantias
aprovadas em tratados internacionais. Ou seja, as "Emendas" (os tratados sobre direitos humanos)
estarão inclusive acima da Constituição Federal (LGL\1988\3), já que terão um privilégio não

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concedido à garantia que esteja inserida apenas no art. 5.º. Admite-se, porém, que a abrangência
dos Pactos em vigor tornará rara a hipótese de uma garantia prevista pelo art. 5.º que não esteja
abarcada por um desses Pactos, ainda que sem a mesma especificidade.
5. Considerações finais
Na matéria dos direitos humanos, a EC 45/2004 procurou adaptar e atualizar o sistema
constitucional brasileiro às inovações trazidas pelo avanço dos sistemas de proteção dos direitos
humanos em âmbito regional, a exemplo do sistema interamericano, e internacional.
É salutar o seu intento, pois demonstra preocupação do Brasil com o tema dos direitos humanos,
uma das questões fundamentais do nosso tempo, segundo Bobbio, ao lado e interligada à questão
da paz. 4 8
O sistema brasileiro, como visto, exige internalização dos tratados e adota uma hierarquia variável
ratione materiae entre os tratados e o Direito Interno. No art. 5.º, § 3.º, da CF/1988
(LGL\1988\3), aqui examinado, a EC 45/2004 elevou os tratados sobre direitos humanos ao nível
de emendas constitucionais e assim trouxe uma inovação que exigirá dos tribunais uma revisão da
jurisprudência sobre aplicação de tratados no País, algo que há muito vem sendo reclamado por
diversos juristas.
Porém, os tratados já aprovados sobre a matéria não atendem ao requisito de aprovação em dois
turnos de votação em cada Casa do Congresso Nacional, por maioria qualificada. Se uma
interpretação restritiva prevalecer, qualquer questão relacionada a esses tratados permanecerá
sujeita à controvérsia quanto ao art. 5.º, § 2.º, da CF/1988 (LGL\1988\3) e a EC 45/2004 não
terá efeito sensível sobre a aplicação dos tratados já promulgados.
Para poder se considerar que os direitos humanos protegidos por tratados internacionais aos quais
o Brasil tenha se vinculado e internalizado têm o nível de emendas constitucionais, prevalecendo
sobre a legislação ordinária e integrando-se ao sistema de garantias da Constituição Federal
(LGL\1988\3), é preciso lançar mão de uma interpretação sistemática. Deve-se, portanto, levar
em conta o art. 5.º, § 2.º, e dele depreender os postulados da indivisibilidade e da irretroatividade
dos direitos humanos, os quais somados ao princípio que deve reger a República Federativa do
Brasil, fixado no art. 4.º, II, de prev alência dos direitos humanos, devem sustentar a recepção
material dos tratados já vigentes como normas constitucionais.
6. Referências bibliográficas
ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, G. E. do Nascimento. Manual de Direito Internacional Público. 15.
ed., rev. e atual. por Paulo Borba Casella. São Paulo: Saraiva, 2002.
BOBBIO, Norberto. Il terzo assente. Torino: Sonda, 1989.
_____. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10 ed. Brasília: UnB, 1999.
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_____. Decreto-lei 427, de 22 de janeiro de 1969. Dispõe sôbre a tributação do impôsto de renda
na fonte, registro de letras de câmbio e notas promissórias e dá outras providências. DOU,
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_____. Decreto-lei 911, de 1.º de outubro de 1969. Altera a redação do artigo 66 da Lei n. 4728,
de 14 de julho de 1965, estabelece normas de processo sobre alienação fiduciária e dá outras
providências. DOU, 03.10.1969.
_____. Decreto Legislativo 226, de 12 de dezembro de 1991. Aprova os textos do Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais, ambos aprovados, junto com o protocolo facultativo relativo a esse último
pacto, na XXI Sessão (1966) da Assembléia-Geral das Nações Unidas. DOU, 13.12.1991.
_____. Constituição da República (LGL\1988\3) Federativa do Brasil. 05.10.1988.
_____. Decreto 678, de 6 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana sobre Direitos
Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. DOU, 9.11.1992.
_____. Decreto 4.388, de 25 de setembro de 2002. Promulga o Estatuto de Roma do Tribunal
Penal Internacional. DOU 26.09.2002.
_____. Emenda Constitucional 45. Altera dispositivos dos arts. 5.º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99,
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102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da
Constituição Federal (LGL\1988\3), e acrescenta os arts. 103-A, 103-B, 111-A e 130-A, e dá
outras providências. Promulgada em 08.12.2004. DOU de 08.12.2004.
_____. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil (LGL\2002\400). DOU,
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_____. HC 17.638-SP. Rel. Min. Castro Filho. DJ, 29.10.2001.
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SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AgRg no REsp 109.210-RJ. Rel. Min. Laurita Vaz. Segunda
Turma. DJ, 14.04.2003.
_____. RO em HC 14.691-SC. Rel. Min. Franciulli Netto. DJ, 24.11.2003.
_____. AgRg nos EDiv em REsp 489.278-DF. Corte Especial. Rel. Min. Hamilton Carvalhido, de
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27.11.2003. DJ, 22.03.2004.


_____. REsp 276.817-SP. Rel. Min. Franciulli Netto. DJ, 07.06.2004.
_____. HC 29.284-SP. Rel. Min. César Asfor Rocha. DJ, 02.08.2004.
_____. RO em HC 16.235-SP. Rel. Min. Nancy Andrighi. DJ, 30.08.2004.
_____. HC 35.970-PB. Rel. Min. Nancy Andrighi. DJ, 30.08.2004.
_____. RO em MS-SP. Rel. para o acórdão Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. DJ 29.10.1996.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE 80.004-SE. Rel. Min. Xavier de Albuquerque. DJ, 29.12.1977.
_____. HC 58.727-DF. Rel. Min. SOARES MUNOZ. Tribunal Pleno. DJ, 03.04.1981.
_____. Extradição 662-PU. Rel. Min. Celso de Mello. DJ, 30.05.1997.
_____. HC 74.383-8-MG. Segunda Turma. Rel. para o acórdão Min. Marco Aurélio de Mello. DJ,
27.06.1997.
_____. Carta Rogatória 8.279. Rel.. Min. Celso de Mello. DJ, 10.08.2000.
_____. MC na ADIn 1.480-DF. DJ, 18.05.2001.
_____. HC 72.131-RJ. Rel. para o acórdão Min. Moreira Alves. DJ, 01.08.2003.
TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de Direito Tributário. Florianópolis: Momento Atual,
2003.
TRIEPEL, C. H. Les Rapports entre le Droit Interne et le Droit International. Recueil de Cours de la
Académie de Droit International de la Haye. Tome I, p. 77-119, 1923.

(1) BRASIL, República Federativa do. Emenda Constitucional 45/2004. Altera dispositivos dos arts.
5.º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, 127,
128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal (LGL\1988\3), e acrescenta os arts. 103-A, 103-B,
111-A e 130-A, e dá outras providências. Promulgada em 08.12.2004. DOU de 08.12.2004.
[Doravante EC 45/2004].

(2) Cf. art. 5.º, 1 do Estatuto do Tribunal Penal Internacional, que atribui àquela Corte a
competência para julgar crime de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crime
de agressão. BRASIL, República Federativa do. Dec. 4.388, de 25.09.2002. Promulga o Estatuto de
Roma do Tribunal Penal Internacional. DOU de 26.09.2002. p. 3; cf. tb. LAFER, Celso. A
reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo:
Companhia das Letras, 1988. p. 167-186.

(3) O termo "tratado" será empregado no texto com sentido abrangente, em consonância com a
Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969. Desta forma, expressões como
"convenções" e "acordos", utilizadas pelo constituinte de 1988, serão consideradas abrangidas
pelo termo escolhido. Cf. REUTER, Paul. Introducción al Derecho de los Tratados. ed. rev. por
Peter Haggenmacher. Trad. Eduardo L. Suárez. México: Fondo de Cultura Económica, 1999. p. 47
e 70.

(4) Cf. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Tratado de direito internacional dos direitos
humanos. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1997; PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito
constitucionalinternacional. 6. ed. São Paulo: Max Limonad, 2004; MAZZUOLI, Valério. Direitos
Humanos & Relações Internacionais. Campinas: Agá Juris, 2000.

(5) Cf., v.g., SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo:
Atlas, 2002. p. 201-239; REZEK, José Francisco. Curso de Direito Internacional Público. 3. ed. rev.
e atual. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 103-107; ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, G. E. do
Nascimento. Manual de Direito Internacional Público. 15. ed., rev. e atual. por Paulo Borba Casella.
São Paulo: Saraiva, 2002. p. 64-69.

(6) Cf. LUPI, André L. P. B. A interpretação dos tratados no ordenamento interno dos Estados.
Revista Nêmesis. Florianópolis, ano 2. n. 3, p. 13-16, ago/dez 2003.

(7) No original: "Ce sont deux cercles qui sont en contact intime, mais qui ne se superposent
jamais. Puisque le droit interne et le droit international ne régissent pas les mêmes rapports, il est

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imposible quŽil y ait jamais une 'concurrence' entre les sources des deux systèmes juridiques."
TRIEPEL, C. H. Les Rapports entre le Droit Interne et le Droit International. Recueil de Cours de la
Académie de Droit International de la Haye. Tome I, 1923. p. 83.

(8) BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10 ed. Brasília: UnB, 1999. p. 166.

(9) TRIEPEL. Ob. cit., p. 87.

(10) TRIEPEL. Ob. cit., p. 91.

(11) Nesse sentido: JACKSON, John. Status of treaties in domestic legal systems: a policy
analysis. American Journal of International Law. n. 86, 1992. p. 313-315.

(12) Cf. KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo:
Martins Fontes, 1998; cf. tb. LUPI, André L. P. B. Soberania, OMC e Mercosul. São Paulo:
Aduaneiras, 2001. p. 102-115.

(13) KELSEN, Hans. Ob. cit., p. 551.

(14) STF. RE 80.004-SE. Rel. Min. Xavier de Albuquerque. DJ, 29.12.1977. p. 9433. A posição
anterior chegou a adotar orientações diametralmente opostas, como relata FRAGA, Mirtô. O
conflito entre o tratado e o Direito Interno. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 99-114.

(15) BRASIL, República Federativa do. Decreto-lei 427, de 22 de janeiro de 1969. Dispõe sôbre a
tributação do impôsto de renda na fonte, registro de letras de câmbio e notas promissórias e dá
outras providências. DOU, 29.01.1969. p. 1001. Dispunha o art. 2.º do Dec.-lei: "Art 2.º No prazo
de 60 (sessenta) dias, da data da publicação dêste Decreto-lei, deverão ser registradas na
repartição competente, definido pelo Ministério da Fazenda, tôdas as notas promissórias e letras
de câmbio emitidas até a publicação dêste Decreto-lei, sob pena de nulidade dêsses títulos de
crédito."

(16) BRASIL, República Federativa do. Decreto 57.663 de 24 de janeiro de 1966. Promulga as
convenções para adoção de uma lei uniforme em matéria de letras de câmbio e notas promissórias.
DOU, 02.03.1966. p. 2292.

(17) A ementa, contudo, assinala a orientação que seria seguida: "Embora a Convenção de
Genebra que previu uma Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias tenha
aplicabilidade no Direito Interno brasileiro, não se sobrepõe ela às leis do País". Doc. cit. Uma
abordagem crítica desse acórdão pode ser encontrada em MAGALHÃES, José Carlos de. O
Supremo Tribunal Federal e o Direito Internacional: uma análise crítica. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2000. p. 57-68.

(18) "Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o
descumprimento de um tratado. Esta regra não prejudica o art. 46." O Brasil não ratificou esta
Convenção, porém se considera que ela é tradução do costume internacional na matéria. O texto
desse tratado pode ser consultado em RANGEL, Vicente Marotta. Direito e Relações
Internacionais. 7. ed. rev., atual. e amp. São Paulo: RT, 2002.

(19) Lê-se na ementa do acórdão referido: "Os tratados ou convenções internacionais, uma vez
regularmente incorporados ao direito interno, situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos
planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias, havendo,
em conseqüência, entre estas e os atos de direito internacional público, mera relação de paridade
normativa." STF. MC na ADIn 1.480-DF. DJ, 18.05.2001. p. 429. No mesmo sentido: STF. HC
72.131-RJ. Rel. para o acórdão Min. Moreira Alves. DJ, 01.08.2003, fls. 8664 e 8739; STF.
Extradição 662-PU. Rel. Min. Celso de Mello. DJ, 30.05.1997.

(20) "Art. 98. Os tratados e convenções internacionais revogam ou modificam a legislação


tributária interna e serão observados pela que lhe sobrevenha." A súmula 71 do STJ ("O bacalhau
importado de país signatário do GATT é isento do ICM") continua em vigor, de acordo com
julgados recentes da Primeira Seção deste Tribunal. Neste sentido: STJ. AgRg no REsp 109.210-
RJ. Rel. Min. Laurita Vaz. Segunda Turma. DJ 14.04.2003. p. 207. É preciso registrar que entre os
tributaristas há quem sustente a inconstitucionalidade deste artigo, quando este pretende dar aos
tratados a prevalência sobre legislação posterior que lhes seja contrária. Neste sentido,
CARRAZZA, Roque. Curso de Direito Constitucional Tributário. 13. ed. rev., amp. e atual. São
Paulo: Malheiros, 1993. p. 163.
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(21) STF. HC 58.727-DF. Relator Min. SOARES MUNOZ. Tribunal Pleno. DJ 03.04.1981. p. 2854. Da
ementa, destaca-se o seguinte trecho: "Extradição. Prazo da prisão. Conflito entre a lei e o
tratado. Na colisão entre a lei e o tratado, prevalece este, porque contém normas específicas."

(22) BRASIL, República Federativa do. Decreto-lei 911, de 1ode outubro de 1969. Altera a redação
do art. 66 da Lei 4.728, de 14.07.1965, estabelece normas de processo sobre alienação fiduciária
e dá outras providências. DOU, 03.10.1969.

(23) "Ninguém será detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade
judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar." BRASIL,
República Federativa do. Decreto 678, de 6 de novembro de 1992. Promulga a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de
1969. DOU, 9.11.1992. Também o do Pacto dos Direitos Políticos e Civis, traz disposição
semelhante: "Art. 11. Ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação
contratual." BRASIL, República Federativa do. Decreto Legislativo n. 226 de 12 de dezembro de
1991. Aprova os textos do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e do Pacto
Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos aprovados, junto com o
protocolo facultativo relativo a esse último pacto, na XXI Sessão (1966) da Assembléia-Geral das
Nações Unidas. DOU, 13.12.1991. p. 28838.

(24) HC 72.131-RJ. Doc. cit. É esta a redação do inciso: "LXVII - não haverá prisão civil por
dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação
alimentícia e a do depositário infiel". BRASIL, República Federativa do. Constituição da República
(LGL\1988\3) Federativa do Brasil. 05.10.1988.

(25) STF. HC 74.383-8-MG. Segunda Turma. Rel. para o acórdão Min. Marco Aurélio de Mello. DJ
27.06.1997 [doravante HC 74.383-MG]; cf. tb. o voto do Ministro Celso Mello no HC 72.131-RJ.

(26) Sobre este argumento a favor do instituto da alienação fiduciária com a possibilidade de
prisão civil do devedor, ver os votos dos Ministros Moreira Alves no HC 72.131-RJ, fls. 8683-8684,
Ilmar Galvão no HC 74.383-MG, fls. 705, e Néri da Silveira, idem, fls. 640.

(27) Cf., especificamente, seus votos no HC 72.131-RJ, fls. 8731 e 8686.

(28) Neste sentido os votos dos Ministros J. F. Rezek, HC 74.383-MG, fls. 646, HC 72.131-RJ, fls.
8698-8699, Carlos Velloso, HC 72.131-RJ, fls. 8718, e Marco Aurélio de Mello, HC 74.383-MG, fls.
650-652, HC 72.131-RJ, 8657. Contrariamente posicionou-se o Ministro Moreira Alves, HC 72.131-
RJ, 8686, argüindo direito fundamental do credor. Este argumento não persiste, porque o próprio
Pacto de São José da Costa Rica define como titular dos direitos humanos a pessoa física, ou, na
redação do art. 1.º, § 2.º, o ser humano, enquanto em geral o credor fiduciário é uma pessoa
jurídica. Além disso, créditos pecuniários não são objeto de nenhum documento de proteção aos
direitos humanos, muito embora estejam protegidos por legislação e convenções de outra
natureza.

(29) HC 74.383-MG, voto do Min. Rezek, fls. 647.

(30) HC 74.383-MG, fls. 648-649.

(31) Neste sentido o voto do Min. Eduardo Ribeiro no seguinte julgado: STJ. Corte Especial. EDiv
em REsp 149.518-GO. Relator Min. Ruy Rosado de Aguiar. 05.05.1999. DJ de 28.02.2000. p. 2.
[Doravante EDiv REsp 149.518-GO]

(32) Cf., STF, HC 72.131-RJ, fls. 8664 e 8739.

(33) Parece ser este o entendimento do Min. Marco Aurélio no HC 72.131-RJ, fls. 8664 e 8739.

(34) A guarda é a própria razão de ser do contrato, como se depreende do art. 627 do Código Civil
(LGL\2002\400) "Pelo contrato de depósito recebe o depositário um objeto móvel, para guardar
até que o depositante o reclame." BRASIL, República Federativa do. Lei 10.406, de 10.01.2002.
Institui o Código Civil (LGL\2002\400). DOU, 11.01.2002; MONTEIRO, Washington de Barros. Curso
de Direito Civil: Direito das Obrigações, 2.parte. Vol. 5. 34. ed. rev. e atual. por C. A. D. Maluf e
R. B. T. da Silva. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 240-241.

(35) STF HC 72.131-RJ. Voto do Ministro Carlos Velloso, fls. 8711.


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(36) EDiv REsp 149.518-GO. Doc. cit., p. 3.

(37) Neste sentido, STJ. AgRgl nos EDiv em REsp 489.278, DF. Corte Especial. Rel. Min. Hamilton
Carvalhido, de 27.11.2003. DJ de 22.03.2004. p. 187. Cf. precedentes recentes da Terceira e da
Quarta Turmas do STJ, confirmando a ilicitude da prisão do devedor de contrato de alienação
fiduciária: REsp 480.704-MT. Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 23.06.2002. p. 382; HC 29.284-
SP. Rel. Min. César Asfor Rocha, DJ 02.08.2004. p. 394; RO em HC 16.235-SP. Rel. Min. Nancy
Andrighi, DJ 30.08.2004. p. 279; HC 35.970-PB. Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 30.08.2004. p. 280;
HC 17.638-SP. Rel. Min. Castro Filho, DJ de 29.10.2001. p. 199. O precedente anterior,
acompanhando o julgamento do Pleno do STF no HC 72.131-RJ, é o RO em MS 3.623 ( DJ de
29.10.1996). Apenas a Segunda Turma do STJ mantém-se apegada à orientação inicial, admitindo
a prisão. STJ. REsp 276.817-SP. Relator Min. Franciulli Netto. DJ de 07.06.2004. p. 179; STJ. RO
em HC 14.691-SC. Relator Min. Franciulli Netto. DJ de 24.11.2003. p. 234.

(38) Cf. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O Poder Legislativo e os tratados internacionais: o treaty-
making power na Constituição brasileira de 1988. Revista de Informação Legislativa. Brasília, ano
38, n. 150. p. 27-53, abr.-jun. 2001.

(39) O STF já determinou que o Decreto Legislativo não tem o condão de tornar vigente um
tratado no Brasil, o que só ocorre depois da promulgação e publicação do Decreto Presidencial no
DOU. STF. CR 8.279. Rel.. Min. Celso de Mello. DJ, 10.08.2000. p. 34. Sobre o tema, vide
MEDEIROS, Antônio Paulo Cachapuz. O poder de celebrar tratados. Porto Alegre: Sérgio Antonio
Fabris, 1995.

(40) BRASIL, República Federativa do. Decreto Legislativo n. 34 de 12 de agosto de 1964. Aprova
a Convenção sobre Asilo Territorial, firmada na X Conferência Interamericana, que se reuniu em
Caracas, entre 1 e 28 de março de 1954. DOU, 14.08.1964. p. 7241. Os outros Pactos foram
citados anteriormente. Para consultar os textos dos tratados referidos na íntegra, vide RANGEL,
Vicente Marotta. Ob cit.

(41) Vide, v. g., a Convenção sobre Asilo Territorial, citada na nota anterior.

(42) CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 10 ed. rev. e aum. São Paulo:
Saraiva, 1998; TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de Direito Tributário. Florianópolis:
Momento Atual. p. 86-88. Com a superveniência de uma nova constituição, o direito pretérito é
recepcionado pelo novo texto constitucional o qual, por sua vez, passa a ser o seu novo
fundamento de validade (Cf. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 5. ed. Coimbra:
Coimbra, 1996). O fenômeno da recepção normativa exige que o conteúdo dos comandos da
norma pretérita seja compatível com a nova constituição, enquanto que o procedimento e os
demais aspectos formais relativos ao processo legislativo obedecem às prescrições vigentes à
época de sua edição, segundo o princípio tempus regis actum (Cf. BOBBIO, Norberto. Teoria do
ordenamento jurídico. Ob. cit.).

(43) LAFER, Celso. Parecer sobre o Habeas Corpus 82.424-2. São Paulo: mimeo. p. 9.

(44) ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos do Homem (Resolução
da Assembléia Geral, n. 217 A-III, de 10.12.1948). In: RANGEL, Vicente Marotta. Ob. cit., p. 656-
674.

(45) Preâmbulo do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Doc. cit.

(46) Preâmbulo do Pacto de São José. Doc. cit.

(47) LAFER, Celso. Doc. cit., p. 22.

(48) BOBBIO, Norberto. Il terzo assente. Torino: Sonda, 1989. p. 92-96. "La pace è la condizione
sine qua non per una efficace protezione dei diritti dell'uomo e nello stesso tempo la protezione dei
diritti dell'uomo favorisce la pace."
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