Explorando a Sinfonia Bioquímica: A Complexa Relação entre Fisiologia da Planta e Produção

de Vinho

Harmonizando Ciência e Enologia na Produção Vinícola: Uma Análise sobre a Influência da Fisiologia da Planta nos Vinhos de Qualidade.

Yasmin Cardoso Ribeiro de Barros

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Vinha (Foto: Fernando Dias/Seapi)

A produção de vinho é uma demonstração artística da harmonia entre o conhecimento
humano e a natureza. Em 1886, Louis Pasteur revelou ao mundo que o vinho não era
uma transformação do acaso, ou uma dádiva de Deus, mas sim era originado da ação
de microrganismos, resultando no processo da fermentação. Esse foi o princípio para
existir o que entendemos hoje como enologia moderna.
Apesar do homem ter uma grande participação na produção do vinho, é o
desenvolvimento da videira que vai determinar as características da uva, que poderá
ser desenvolvida em seguida, em vinhos com perfis e sabores distintos.
Neste contexto, a fisiologia da planta emerge como protagonista, desempenhando um
papel crucial na determinação do perfil organoléptico e na qualidade do vinho. Alguns
desses fatores determinantes são:
• Fisiologia da Planta e Ciclo de Vida da Vinha
O ciclo de vida de uma vinha, desde a brotação até a colheita, é uma mistura de
processos bioquímicos. A fotossíntese, a respiração e a transpiração são processos
vitais na fisiologia da planta e são cruciais para a maturação e a acumulação de
compostos essenciais para o vinho. Esta dança bioquímica resulta em compostos como
açúcares, ácidos e fenólicos.
Os açúcares são produzidos pelas plantas durante a fotossíntese, e são essenciais para
o desenvolvimento das uvas. A glicose produzida é usada para o crescimento e
amadurecimento das uvas. O teor de açúcar nas uvas é diretamente afetado pela
qualidade e quantidade de açúcares produzidos, o que impacta o potencial alcoólico
do vinho.
A composição de ácidos das uvas pode ser influenciada pela respiração da planta. Por
exemplo, o processo de respiração pode transformar o ácido málico em ácido lático,
reduzindo a acidez das uvas. A qualidade do vinho depende do equilíbrio entre ácidos
e açúcares, pois afeta o sabor, a estrutura e a capacidade de envelhecimento.
A transpiração regula a quantidade de água nas plantas. A concentração dos
compostos nas uvas é diretamente afetada pela quantidade de água disponível. As
uvas podem amadurecer mais rapidamente em locais onde ocorre muita transpiração
na planta, o que resulta em perfis de sabor e composição química diferentes.
• Influência do Terroir na Fisiologia da Vinha:
O terroir é composto por solo, clima e topografia, e exerce forte influência na fisiologia
da planta. Por exemplo, o comportamento do solo calcário, que varia de acordo com o
tipo de clima da área onde as videiras estão localizadas. Ele garante uma boa drenagem
do solo em climas úmidos e quentes, enquanto retém a água em climas mais secos. É
caracterizado por um alto teor de carbonato de cálcio, que tem um pH alto que afeta
diretamente a acidez dos vinhos; eles são mais ácidos e frescos e têm um paladar
refinado.
Já o solo arenoso, tem muita facilidade para reter calor, e drenar a água. Esse tipo de
solo é perfeito para climas quentes e úmidos porque suas propriedades afastam pragas
e diminuem a probabilidade de algumas doenças se espalharem. Os vinhos produzidos
em climas quentes e solo arenoso têm baixa acidez, corpo macio e taninos moderados.
Por outro lado, se esse tipo de solo estiver localizado em uma região de clima frio,
resultará na produção de vinhos muito aromáticos.
 • Impacto dos Fatores Climáticos na Fisiologia da Uva
A fisiologia da uva é influenciada por fatores climáticos como temperatura, umidade e
exposição ao sol. Climas mais frescos podem preservar a acidez, enquanto altas
temperaturas podem acelerar a maturação da uva, resultando em vinhos mais
frutados.
As chuvas são uma grande preocupação entre os produtores. Ao longo do ano, as
videiras precisam de cerca de 680 milímetros de chuva, a maioria dessa chuva deveria
cair durante o inverno e a primavera, quando a vinha está tentando produzir brotos e
cachos. Como as uvas gostam de um período de amadurecimento mais longo e lento,
o ideal seria que caísse uma quantidade mínima de chuva no verão e no outono. A
chuva durante o verão em clima quente aumenta a probabilidade de doenças como
mofo e bolor, e a chuva na época da colheita, seja em clima quente ou frio, também é
um problema pois gotas de chuva sobre as uvas produzem um vinho diluído.
Também seria ideal se o calor não fosse excessivo durante o período da colheita, pois
os níveis de acidez podem diminuir rapidamente se as uvas amadurecerem demais.
Além disso, se as uvas colhidas chegarem quentes demais ao local onde são
espremidas, tornará mais difícil a sua fermentação. No outono, as uvas costumam ser
colhidas a noite em locais com temperaturas elevadas durante o dia, como África do
Sul, Austrália, Chile e partes da Europa meridional.
• Compreendendo os Compostos Bioquímicos e Aromáticos:
Os principais compostos bioquímicos responsáveis pelas características sensoriais do
vinho, como açúcares, ácidos, taninos e compostos aromáticos, tem uma relação com
o ciclo de vida da vinha e a influência da fisiologia da planta. Esses compostos são
determinantes na complexidade e equilíbrio gustativo do vinho.
A composição fenólica e os parâmetros enológicos, como o perfil sensorial de vinhos
da variedade ‘Touriga Nacional’ (Vitis vinifera L.), a partir da análise de colheitas
realizadas em quatro épocas do ano, sendo duas referentes ao primeiro semestre e
duas referentes ao segundo semestre do ano, afetou a composição química dos vinhos.
O perfil sensorial dos vinhos obteve maiores pontuações atribuídas ao aroma floral nos
vinhos da primeira vindima. Aromas frutados, de especiarias e empireumáticos foram
maiores nos vinhos da segunda época de colheita. Para os demais atributos, houve
uma tendência para maiores variações entre os anos de estudo do que entre as
vindimas (OLIVEIRA et al., 2018).
Vinhos Syrah produzidos em regiões do Nordeste do Brasil com diferentes altitudes
foram analisados quanto a caracterização química e composição de açúcares, ácidos,
minerais, fenólicos (antocianinas, flavonóis, estilbenos e taninos condensados) e perfil
sensorial. Na região mais alta, altas concentrações dos parâmetros relacionados a cor,
antocianinas monoméricas, estilbenos e taninos (monoméricos e poliméricos) foram
detectadas, enquanto na região de baixa altitude, altas concentrações de flavonóis
(quempferol, isorhamnetina, quercetina e rutina) e de taninos polimerizados foram
detectadas, demonstrando a influência da altitude nestes parâmetros (OLIVEIRA et al.,
2019). Quanto ao perfil sensorial, atributos frutados, florais, herbáceos e
empireumáticos obtiveram maiores pontuações em vinhos da região baixa, e outros
atributos aromáticos apontados (especiarias, ácido, amargo, adstringência, corpo e
persistência) foram influenciados pelo ano da colheita na região alta (OLIVEIRA et al.,
2019).
Efeitos do porta-enxerto e da época de colheita afetam os parâmetros de composição Aspectos agrometeorológicos da cultura da videira. Disponível em:
das uvas e dos seus vinhos resultantes, promovendo altos teores de ácidos tritável, <http://www.cpatsa.embrapa.br:8080/sistema_producao/spuva/clima.html>.
málico, fenóis e não-flavonóides, antocianinas, proantocianidinas totais nas casca e
ENOTND, I. AROMA E SABOR DO VINHO: UMA REVISÃO. Disponível em:
sementes das uvas, além de altos teores de taninos (OLIVEIRA et al., 2019; OLIVEIRA
<https://agronfoodacademy.com/aroma-e-sabor-do-vinho-uma-revisao/>.
et al., 2020). A época de colheita influencia também no aumento das antocianinas
totais, fenólicos totais, flavonóides e não-flavonóides, taninos condensados e flavonóis Livros

de baixo peso molecular, refletindo na adstringência potencial, intensidade de cor,

Gasnier Vicent, 2006. O livro do vinho: tudo que você precisa saber para escolher e
acidez, extrato seco total e conteúdo alcoólico. Análises sensoriais confirmaram o
apreciar vinhos tintos, brancos e espumantes – São Paulo: Publifolha, 2008.
efeito do clima (época de colheita), principalmente para atributos olfativos e gustativos
(OLIVEIRA et al., 2019; OLIVEIRA et al., 2020).

Através desses fatores podemos observar a importância da fisiologia da planta na

produção vinícola e entender como a vinha, o meio ambiente e o produto final
interagem. Tendo uma compreensão melhor sobre essa interação, os produtores e
enólogos podem melhorar suas práticas, garantindo vinhos exclusivos e autênticos,
identificando a sinfonia bioquímica presente em cada videira.

Referências

Sites e documentos eletrônicos

PEREIRA, G.; GIULIANO, S.-Á.; PEREIRA PESQUISADOR -ENOLOGIA, E. Produção de

Uvas, Elaboração e Avaliação Sensorial de Vinhos. [s.l: s.n.]. Disponível em:
<http://www.cpatsa.embrapa.br/public_eletronica/downloads/OPB2068.pdf>.

Saiba como os tipos de solos influenciam na qualidade do vinho. Disponível em:

<https://www.vinicolacampestre.com.br/blog/tipos-de-solos/>.