Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
NO IMPÉRIC
ti historiadores enfrentaram,
Cotno Kâtia de Queirós Mattoso. o de-
safio de i. hiítória regional no Brasil, 7
de forma abranc&ntè, partindo de fontes
mmárias c bujfeando dados quani tti-
vos coerentes, fc&pazes de montai series
tístóricas. Nascida ha Grécia, baiana por
loção, Katia Mattoso se dedicou a este
: alho durante mais de 2 0 anos, ajuda-
por gerações de alunos. J u n t o s eles
tinaram cerca de 4 0 mil documen-
s para estabelecer séries de preços c sa-
livre a ser J Qakíz TT - S
*
lários; leram c resumiram quase 3 . 5 0 0
£scr*\/0 ao Ib^^*/
testamentos c mais de mil inventários;
transcreveram e analisaram mais de 16 de^e ser s-njl.j-
mil cartas de alforria. Atas das câmaras
muni i ais, recenseamentos, documen-
tos c i -eis, crônicas, arquivos de con-
vênios, registros portuários, discursos de
autoridades da época — além, é claro, de
uma exaustiva consulta à bibliografia já
disponível — permitiram a rçontagem
deste minucioso painel sobre a B a h i a n o r
. s .
< s .
y g o %*
i Q H
BAHIA, SÉCULO X I X
UMA PROVÍNCIA NO IMPÉRIO
O-
9Ç
m
Katia M. de Queirós Mattoso
BAHIA, SÉCULO X I X
UMA PROVÍNCIA NO IMPÉRIO
A
EDITORA
NOVA
FRONTEIRA
© 1992, by Katia M. de Queirós Mareoso
Tradução
Yedda de Macedo Soares
Edição de texto
César Benjamin
ISBN 8 5 - 2 0 9 - 0 3 9 7 - 0
M
anco da Bahia Investi
mentos S.A.
«
Prefácio 1
Apresentação 7
Introdução 9
A história do Brasil que m e foi contada 18
C o m o escrever uma história da Bahia? 23
Capítulo 2 - Salvador 45
Morfologia do sítio ^5
Solos e águas ^6
A baía e o porto ^
Capítulo 3 - O Recôncavo 5 1
Esboço de definição
Dados estáveis da geografia
Ventos, chuvas c solos ^
C a p í t u l o 4 - V i a s de c o m u n i c a ç ã o
Caminhos fluviais: o Recôncavo e o litoral
Caminhos terrestres: o Agreste e o Sertão
Caminhos marítimos: o Sul ^
69
C a p í t u l o 5 — O papel da história
72
A conquista do interior
voa BAHIA, SÉCULO XIX
U m a metrópole colonial?
Salvador, metrópole do Novo M u n d o
C a p í t u l o 6 - Populações da Província da B a h i a 8 2
Panorama geral ( 1 7 8 0 - 1 8 9 0 ) 8 2
C a p í t u l o 10 - T i p o l o g i a da f a m í l i a b a i a n a 142
Família legal c consensual ]44
A família consensual 149
Uniões livres j
A família segundo o estatuto legal de seus membros 160
Família de libertos J^J
A família escrava
Grupos domésticos: terceiro estudo tipológico I69
C a p í t u l o 1 4 - O r e g i m e m o n á r q u i c o brasileiro ( 1 8 2 2 - 1 8 8 9 )
A construção do Estado ( 1 8 2 2 - 1 8 5 0 )
A consolidação ( 1 8 5 0 - 1 8 7 0 )
A desagregação ( 1 8 7 0 - 1 8 8 9 )
O s poderes centrais ( 1 8 2 2 - 1 8 8 9 )
A instalação de poderes novos
Os poderes do Exército
Organização das forças paramilitares: a Guarda Nacional e a Polícia
C a p í t u l o 1 5 - O s p o d e r e s locais
A instituição do governo provincial
O poder municipal
C a p í t u l o 1 6 - A elite b a i a n a e a f o r m a ç ã o d o E s t a d o n a c i o n a l
A elite política baiana
A municipalidade de Salvador e seus conselheiros
A Assembléia Provincial: presidente e vice-presidente
Os deputados à Assembléia Provincial
C a p í t u l o 17 - O s b a i a n o s n o g o v e r n o c e n t r a l : origem social e f o r m a ç ã o
Os senadores
Ministros c presidentes do Conselho
LIVRO V - A IGREJA
C a p í t u l o 18 - I n t r o d u ç ã o
C a p í t u l o 2 1 - A s o r d e n s religiosas 373
Ordens e congregações recém-chegadas: os capuchinhos 383
Ordens e congregações recém-chegadas: as irmãs de São V i c e n t e de Paula 384
Ordens e congregações recém-echegadas: os padres da Missão 386
C a p í t u l o 2 3 - T e m p l o s , m e s q u i t a s e t e r r e i r o s : religiões c o n c o r r e n t e s ? 415
O protestantismo na Bahia 417
O catolicismo dos africanos 42 j
O Islã na Bahia 424
A herança africana: os terreiros 428
C a p í t u l o 2 5 - As atividades p r o d u t i v a s : c o n d i ç õ e s e d e s e n v o l v i m e n t o 455
Geografia da produção 45$
A pecuária 454
Produtos da atividade extrativa 4^
Minas e minerais 45^
C a p í t u l o 2 8 - O m e r c a d o de t r a b a l h o 527
A dupla estrutura do trabalho urbano: mão-de-obra livre, mão-de-obra escrava .... 530
A oferta dc emprego "
O mercado dc trabalho para homens livres
Os escravos c o mercado dc trabalho ^7
C a p í t u l o 2 9 - Salários c preços 5 4 4
Os salários 5 4 6
C a p í t u l o 3 0 - Hierarquias sociais 5 7 9
Notas 653
Bibliografia 719
PREFÁCIO
A tese d e K a t i a M . de Q u e i r ó s M a t t o s o s o b r e S a l v a d o r n ã o n a s c e u de u m m e r o inte-
resse a c a d ê m i c o . C o m o b e m d i z a h i s t o r i a d o r a l o g o n o i n í c i o , ela r e s u l t o u de u m
e n c o n t r o p r o v o c a n t e : o d e u m a m u l h e r g r e g a d e p r o f u n d a s raízes e u r o p é i a s e h e l é n i c a s
c o m a B a h i a d e T o d o s o s S a n t o s e de m ú l t i p l o s c o l o r i d o s . O m u n d o p l u r i m i s c i g e n a d o ,
p l e n o de a l a r i d o s e r i t m o s , c a ó t i c o n a d e s o r d e m de suas e s t r a t i f i c a ç õ e s sociais, diver-
s i f i c a d o e r i c o nas suas s u b c u l t u r a s p o p u l a r e s , ao m e s m o t e m p o alegre e triste, v i o l e n t o
e p a c í f i c o , c o n t r a d i t ó r i o , s u b m i s s o e a r r e d i o , t o d o esse m u n d o e s t r a n h o r e v e l o u - s e , à
j o v e m grega egressa d e u m a g u e r r a e u r o p é i a , l o g o s e g u i d a de u m a e s t ú p i d a guerra
civil, c o m o a p o s s i b i l i d a d e de u m a n o v a p á t r i a . .
A s s i m , a h i s t ó r i a d e s t a g r a n d i o s a tese n ã o d e i x a d e ser a s í n t e s e de u m a trajetória
— a f o r m a ç ã o e e v o l u ç ã o d e u m a h i s t o r i a d o r a c o n s t r u i n d o o seu t e m a , v i v e n d o a
e x p e r i ê n c i a de e x p l i c á - l o a si m e s m a e a o s a l u n o s q u e ela s o u b e f o r m a r , dadivosa ao
partilhar o c o n h e c i m e n t o q u e ia a c u m u l a n d o , l u t a n d o p o r r e n o v a r a pesquisa histórica
n o Brasil, p o r a m p l i a r as p o s s i b i l i d a d e s de a v a n ç o i n t e l e c t u a l e c i e n t í f i c o para u m s e m -
n ú m e r o de j o v e n s b r a s i l e i r o s c u j o s t a l e n t o s ela s o u b e revelar e i n c e n t i v a r . Aí estão seus
d i s c í p u l o s e a m i g o s , m e s t r e s , d o u t o r a n d o s e d o u t o r e s , t e s t e m u n h o s da trajetória de
t r a b a l h o , c o m p e t e n c i a c s e r i e d a d e p r o f i s s i o n a l de q u e m c h e g o u u m b e l o dia em S ã o
P a u l o , c o n s t i t u i u família nestas b a n d a s de c á , o p t o u p o r ser brasileira e abriu c o m
a f i n c o e u m m í n i m o de a p o i o i n s t i t u c i o n a l o e s p a ç o q u e h o j e o c u p a na primeira linha
da i n t e l e c t u a l i d a d e da nossa terra.
O r i g i n a r i a m e n t e tese d c E s t a d o , a p r e s e n t a d a c m 1 9 8 6 à Universidade de Paris I V
- S o r b o n n e , este texto teve a o p o r t u n i d a d e d c ser analisado por u m a banca na qual
c o n s t a v a m alguns dos mais ilustres historiadores da F r a n ç a , c o m o Pierre C h a u n u ,
E m m a n u e l Le R o y L a d u r i c , J e a n - M a r i e M a y e u r e F r a n ç o i s C r o u z e t , este ú l t i m o ten-
BAHIA, SÉCULO X I X
do-se destacado c o m o o r i e n t a d o r . C o u b e - m e , e m b o r a m o d e s t a m e n t e , a h o n r a de
participar dessa c o m i s s ã o , algo i m p o r t a n t e n o m e u c u r r í c u l o p o r m e ter p e r m i t i d o u m
c o n t a t o mais estreito c o m a grande obra e n t ã o s u b m e t i d a à a p r o v a ç ã o daquela U n i v e r -
sidade. E aqui presto o m e u d e p o i m e n t o : a tese de K a t i a M a t t o s o foi m i n u c i o s a m e n t e
e x a m i n a d a , d u r a n t e c i n c o horas, e a c l a m a d a , por u n a n i m i d a d e , c o m o u m trabalho
magistral, d a d o o seu raro nível de e x c e l ê n c i a .
C o m o c o r o l á r i o , e n u m a d e m o n s t r a ç ã o de q u e c a b e à U n i v e r s i d a d e absorver os
valores e x p o n e n c i a i s q u e a ela se revelam, foi criada a c á t e d r a de H i s t ó r i a d o Brasil em
Paris I V - S o r b o n n e , c a b e n d o a K a t i a de Q u e i r ó s M a t t o s o o c u p a r a sua primeira
regência c o m o T i t u l a r . E , mais u m a vez, s e m p r e b a t a l h a d o r a , c o u b e - l h e , j á e m Paris,
organizar e presidir u m C o l ó q u i o , e m j a n e i r o de 1 9 9 0 , r e u n i n d o especialistas franceses
e brasileiros s o b r e diferentes experiências r e p u b l i c a n a s na H i s t ó r i a e u r o p é i a e a m e r i c a -
na, inclusive n o Brasil.
V i v e r h o j e na F r a n ç a e ser d e t e n t o r a de u m a C a d e i r a e m Paris é, s e m dúvida, a
r e c o m p e n s a de u m p r o l o n g a d o t r a b a l h o . M a s , para K a t i a , viver n o Brasil foi o seu
mais e m o c i o n a n t e a p r e n d i z a d o n o desbravar c o t i d i a n o de u m a realidade social e cul-
tural e x ó t i c a , c o m p l e x a , b e m diversa d a q u e l a q u e n u t r i r a seus p r i m e i r o s saberes e suas
primeiras certezas. N o f u n d o , foi o l o n g o e indispensável e s t á g i o de preparação da
historiadora: o c o n t a t o c o m a vida q u e se revela, aos p o u c o s , através da sensibilidade
da observadora e p a r t i c i p a n t e . A o desbravar o n o v o m u n d o , é indisfarçável o abrasi-
l e i r a m e n t o através de u m a certa b a i a n i d a d e q u e e n r i q u e c e a h i s t o r i a d o r a , na medida
em que os falares, a c u l i n á r i a , os ruídos e a d o c e m a n e i r a de ser b a i a n a se t o r n a r a m
parte^ integrantes de sua própria m a n e i r a de ser grega e e u r o p é i a . F o i esta a simbiose
f u n d a m e n t a l n a vida de K a t i a , pois, n ã o t e n h o m a i s dúvidas — agora q u e t a m b é m
c o n h e ç o um p o u c o a G r é c i a — , foi a partir desse e n t e n d i m e n t o d o Brasil via Bahia
que ela r e e n c o n t r o u a sua G r é c i a ancestral.
1 8 6 0 no L a P r o v . f 7° ^T™' C
m m
^ c h
M - s , a partir dos anos
o
herdado da escravidão. m a o ' m " ! ™ " ° " f f " " * * " » ' " « ! *
jugos e das submissões seculares. " > b r e v . v í n c . a e d e e s c a m o t e a ç ã o dos
T e n h o certeza dc que o leitor ene
e muitos outros temas dc reflexão c de c n ' ^ h
' S t 6 r Í a s o c i a l d a B a h i a e S S C S
, a
que s c p o s s a a u t o - i n t i t u l a r definitiva. Ao
PREFÁCIO 5
É g o s t o s o p e n e t r a r n o m u n d o b a i a n o pela m ã o de K a t i a M a t t o s o , a grega de
f a b u l o s a t r a d i ç ã o c i v i l i z a t ó r i a , q u e se fez brasileira n a i n t e l i g ê n c i a e n o c o r a ç ã o .
APRESENTAÇÃO
7
INTRODUÇÃO
9
10 BAHIA, SÉCULO X I X
T i v e também que aprender o português erudito dos baianos cultos, que não
usavam o palavreado c a sintaxe popular simplificados. Falavam quase uma outra
INTRODUÇÃO ti
s u p r e m o sinal de ê x i t o . ,
F o n t e de poder e de relativa s e g u r a n ç a , o serviço p ú b l i c o era c o n s i d e r a d o p o r essas
famílias tradicionais c o m o a ú n i c a atividade c o m p a t í v e l c o m sua c o n d i ç ã o e seu dese,o
de m a n d o . D e p o i s de estudar e n g e n h a r i a , d i r e i t o o u m e d i c i n a , a b r i a - s e n a t u r a l m e n t e ,
aos filhos dessa elite, u m a carreira q u a l q u e r de f u n c i o n á r i o . O s ' c o n c u r s o s seleciona-
v a m r e g u l a r m e n t e os i n t e g r a n t e s de f a m í l i a s c o n h e c i d a s . F e i t a a n o m e a ç ã o , o j o g o se
perpetuava: o d e s c e n d e n t e d e a n t i g o s p r o p r i e t á r i o s (de t e r r a s , a ç ú c a r o u g a d o ) ou de
grandes n e g o c i a n t e s c o n t i n u a v a f a v o r e c e n d o seus pares nas p r o m o ç õ e s .
Isso n ã o i m p e d i a , n o e n t a n t o , q u e se p e r p e t u a s s e a v e l h a p r á t i c a de p r e s t a r favores
a a m i g o s mais m o d e s t o s , f o r m a n d o assim u m a c l i e n t e l a fiel, c u j a e x i s t ê n c i a era um
i m p r e s c i n d í v e l sinal d a p o s i ç ã o social d o f u n c i o n á r i o . A f i n a l , f o r t u n a s d i m i n u í a m e
até d e s a p a r e c i a m , m a s o p r e s t í g i o das f a m í l i a s p r e c i s a v a ser r e n o v a d o , reavivado e
f o r t a l e c i d o p o r m e i o desse s e m - n ú m e r o de a f i l h a d o s . A l é m d e ser u m a h o n r a e u m a
f o n t e de r e m u n e r a ç ã o segura, servir a o E s t a d o t r a z i a p r e s t í g i o , g a r a n t i a o d e s e m p e n h o
d o papel de p r o t e t o r e r e n o v a v a a i n f l u ê n c i a , real o u s u p o s t a , de q u e m geria uma
parcela d o p o d e r .
Apesar d o e m p o b r e c i m e n t o e até m e s m o de f a l ê n c i a s e s t r o n d o s a s , essas famílias
g e r a l m e n t e c o n s e r v a v a m vestígios da riqueza de a n t a n h o : p r a t a r i a e s p l ê n d i d a , jóias
raras, b i b e l ô s a n t i g o s , tapetes i m p o r t a d o s , o r a t ó r i o s c o m e s t a t u e t a s p o l i c r o m a d a s e
móveis imponentes, fabricados c o m madeiras preciosas. O s e m p r e g a d o s tinham
o b r i g a ç õ e s específicas: havia a b a b á , a g o v e r n a n t a , a c o z i n h e i r a , a c r i a d a d e q u a r t o ,
a lavadeira, a passadeira e assim p o r d i a n t e , s e m p r e e m n ú m e r o i n v e r s a m e n t e pro-
p o r c i o n a l às rendas o u à q u a n t i d a d e d e pessoas a s e r e m a t e n d i d a s . N ã o e r a m r e m u -
nerados, pois servir a essas famílias era u m a h o n r a . A l é m d i s s o , q u a n d o crianças,
haviam b r i n c a d o c o m a d o n a - d e - c a s a , o u e r a m a f i l h a d o s de sua filha, ou descen-
diam de antigos escravos, de a m i g o s o u de p a r e n t e s p o b r e s , a c o l h i d o s n o passado e
m a n t i d o s pela família. S u a d e d i c a ç ã o g a r a n t i a - l h e s casa, c o m i d a e r o u p a s e renovava
esperanças de ascensão social. G l ó r i a s e h o n r a r i a s , r e c o m e n d a ç õ e s e p e r m u t a s , n o -
vos a p a d r i n h a m e n t o s , p r o x i m i d a d e c o m o privilégio — t u d o isso valia mais que
dinheiro.
Estabelecidos na cidade, os antigos proprietários viviam n u m vaivém q u e lhes
permitia cultivar relações c o m os q u e habitavam suas terras. F o r m a l i d a d e s administra-
tivas, consultas médicas ou simples v o n t a d e de rever parentes e a m i g o s traziam a
Salvador, para temporadas mais ou m e n o s longas, grande n ú m e r o de familiares, em
busca talvez da velha tutela exercida pelos senhores de e n g e n h o . Essa necessidade de
segurança era ainda mais profunda nos agregados que c o m p a r t i l h a v a m a i n t i m i d a d e da
família. Q u a n d o meus amigos reconheciam n u m criado qualidades de g e n t e direita',
subcntcndia.se que ele passara a ser u m a pessoa sem defeitos, liberada da tara social de
nao ser ninguém, separada finalmente da massa a n ô n i m a que vivia à mercê de uma
vida sem r u m o e sem referências.
INTRODUÇÃO
R e s p e i t o m ú t u o e r e s p e i t o aos s u p e r i o r e s se e n t r e l a ç a v a m , t o r n a n d o possíveis
a d a p t a ç õ e s e m i n i m i z a n d o c o n s t r a n g i m e n t o s . " M e r e s p e i t e " , c o m a n d a v a o superior,
l e m b r a n d o c o m e n e r g i a os l i m i t e s q u e n ã o p o d i a m ser ultrapassados, sob pena de
desclassificação e d e p e r d a de ' r e c o n h e c i m e n t o ' , ú n i c o título r e a l m e n t e capaz de
p o s i c i o n a r a l g u é m n a e s c a l a s o c i a l . " M e r e s p e i t e " , suplicava u m d e p e n d e n t e , procu-
rando a f i r m a r - s e c o m o i n t e g r a n t e d e u m a s o c i e d a d e cujas hierarquias c o n f e r i a m , a
cada u m , seu q u i n h ã o de s e g u r a n ç a .
Apesar d e t ã o b e m o r g a n i z a d o , esse ritual n ã o conseguia enganar n i n g u é m . O
s e n h o r c o n h e c i a suas l i m i t a ç õ e s e p r o c u r a v a evitar c o n f l i t o s . S a b i a que as relações de
d e p e n d ê n c i a t i n h a m u m lado i l u s ó r i o , pois e s c o n d i a m u m a interdependência. Além
disso, n o q u a d r o d a vida u r b a n a , tornava-se c a d a vez mais difícil conquistar uma
clientela. O c a m p o , o e n g e n h o , a fazenda — o n d e estava viva a lembrança d o poder
familiar — p e r m a n e c i a m o lugar em q u e se recrutavam essas fidelidades.
apenas pelo afilhado, mas p o r toda a família deste, repassando aos p r ó p r i o s filhos as
obrigações que a s s u m i a m .
A sexualidade era encarada c o m o u m a necessidade n a t u r a l , e o p e c a d o era n o ç ã o
difusa e l o n g í n q u a . Apesar de f r e q ü e n t e , o a b o r t o era c e n s u r a d o c o m ê n f a s e , j á q u e a
criança representava u m a dádiva d o C é u : o h o m e m 'fazia o m a l ' e, f a t a l m e n t e , v i n h a
u m filho q u e D e u s ajudaria a criar. O c o n c u b i n a t o era o u t r a f a t a l i d a d e , s i t u a d a a c i m a
de q u a l q u e r c r í t i c a : os pobres — pensava-se — n ã o t i n h a m c o n d i ç õ e s de casar legal-
m e n t e e subir na escala social. E n t r e as pessoas m a i s h u m i l d e s , a u n i ã o c o m a l g u é m de
pele mais clara era mais b e m - v i s t a , p o r causa d a e x p e c t a t i v a de b r a n q u e a m e n t o da
descendência.
E m c o m p e n s a ç ã o , em g r u p o s q u e j á p e r t e n c i a m a u m nível social m a i s elevado —
c o m o artesãos, p e q u e n o s f u n c i o n á r i o s o u feirantes — a u n i ã o c o n s e n s u a l de u m a filha,
m e s m o q u a n d o tolerada, era tida c o m o regressão, a m e n o s q u e o p a r c e i r o pertencesse
a u m a categoria m u i t o s u p e r i o r e pudesse vir a ser u m p r o t e t o r d a f a m í l i a . N e s s e caso,
se o c a s a m e n t o fosse impossível, na m a i o r parte das vezes o filho n a t u r a l teria e d u c a ç ã o
garantida, p o d e n d o até ser m i m a d o .
M u l h e r e s v í t i m a s e responsáveis, h o m e n s viris e irresponsáveis, c a r i d a d e e c o n f i a n -
ç a na P r o v i d ê n c i a revelavam t a m b é m c o m p o r t a m e n t o s religiosos q u e m e deixavam
perplexa. N a B a h i a , o c a t o l i c i s m o estava p r e s e n t e e m t o d a p a r t e : nas f a m í l i a s reunidas
para orações, n o s f r e q ü e n t e s sinais-da-cruz, e m e s p e r a n ç o s o s p e d i d o s de b ê n ç ã o s , em
novenas e trezenas, e m festas, missas e procissões. M a s , nas igrejas, h a v i a p o u c a reza e
m u i t a conversa; as coletas de d i n h e i r o q u a s e n a d a o b t i n h a m ; e o s h o m e n s ficavam
todos do lado de fora, n o a d r o . As c e l e b r a ç õ e s d o N a t a l , d a P á s c o a , de N o s s a S e n h o r a
da C o n c e i ç ã o , do S e n h o r do B o n f i m , do D i v i n o , de S a n t o A n t ô n i o e de S ã o J o ã o
congregavam — é verdade — m u i t a g e n t e , m a s e r a m as ú n i c a s c o m essa característica,
e as pessoas c o m p a r e c i a m mais p o r c u r i o s i d a d e q u e p o r fé.
S e n t i n d o - m e e x p a t r i a d a , e x p e r i m e n t a n d o u m a a d a p t a ç ã o t ã o difícil, vivera na
verdade u m r e t o r n o , u m c u l t o a o passado, i m e r s a e m u m a m b i e n t e social c h e i o de
s e m e l h a n ç a s c o m m i n h a v i v ê n c i a i n f a n t i l . M i n h a essência grega t i n h a i n c o n s c i e n t e -
m e n t e a j u d a d o n o e s f o r ç o de t o r n a r - m e u m a v e r d a d e i r a b a i a n a , de u m a Bahia
envelhecida, i n e r t e , i m ó v e l , l e n t a m e n t e a d o r m e c i d a , prisioneira de u m passado que
não parecia p o d e r ir e m b o r a . As ladeiras d a m i n h a S o t e r ó p o l i s d a v a m - m e agora a
impressão de u m a c i d a d e b o m b a r d e a d a pelo passado: m a n s õ e s de dois ou três andares,
terrenos baldios invadidos p o r u m a vegetação l u x u r i a n t e q u e n o e n t a n t o mal escondia
as feridas de paredes rachadas, q u e t i n h a m p e r t e n c i d o — q u a n d o ? c o m o ? — a baianos
abastados. A o lado, u m a casa térrea p o d i a estar m u i t o b e m conservada.
O s 'sinais' t r a n s m i t i d o s por ruelas e praças m u l t i p l i c a v a m - s e em cada descober-
ta de igrejas e c o n v e n t o s a b a n d o n a d o s , palácios na C i d a d e Alta, favelas penduradas
em ladeiras íngremes o u edificadas sobre pilotis n o lodo nauseabundo de alguma
enseada d o mar onipresente. O s transeuntes — negros o u menos negros — passavam
lentos, i n d o l e n t e s , e n c a r a n d o - m e c o m olhos penetrantes e interrogativos que m e
causavam mal-estar. A cidade só ficava lúgubre q u a n d o , ao chegarem as fortes c h u -
vas de inverno, literalmente afundava na lama, por horas ou dias. M a s , c o m o sol,
era bela c o m o u m a rainha destronada que n ã o corresse atrás de riquezas perdidas e
IS BAHIA, SÉCULO X I X
Estava d e c i d i d a a m e i n t e g r a r p r o f u n d a m e n t e e t e n t a r c o m p r e e n d e r s e m p r e c o n c e i t o s .
M a s precisava e n c o n t r a r o u t r o s p o n t o s de a p o i o , a l e m d a i n t u i ç ã o e d o instinto.
Busquei interlocutores baianos, atitude natural, porém c o n t u n d e n t e : m i n h a s pergun-
tas revelaram-se i n d i s c r e t a s . As respostas, q u a n d o v i n h a m , e r a m v a g a s , i n s p i r a v a m - s e
n o passado e n ã o p o d i a m e x p l i c a r o p r e s e n t e , t r a t a d o q u a s e c o m o u m ' a c i d e n t e ' e
c o n d e n a d o ao s i l ê n c i o . A u m e n t o u e n t ã o m i n h a c u r i o s i d a d e , j á q u a s e o b s t i n a ç ã o , ali-
mentada ademais por uma formação em ciências políticas, e c o n o m i a e sociologia.
M e r g u l h e i na h i s t ó r i a e r e e n c o n t r e i u m a v o c a ç ã o q u e s e m p r e tive.
Para c o m p r e e n d e r a B a h i a , estudei h i s t ó r i a d o B r a s i l ( m a i s t a r d e , e n s i n a n d o - a ,
aprenderia m a i s ) . M i n h a a m i g a Adalgisa M o n i z de A r a g ã o era p r i m a d c P e d r o C a l m o n ,
historiador de o r i g e m b a i a n a , q u e fizera c a r r e i r a n o R i o de J a n e i r o . S u a História do
Brasil, em c i n c o v o l u m e s , trazia u m a b o a s í n t e s e d o t e m a , e s c r i t a e m e s t i l o e l e g a n t e ,
às vezes p r e c i o s o . F o i o c o m e ç o de u m a verdadeira b u l i m i a d e leituras. Calmon,
c o m o H é l i o V i a n n a , q u e 2 5 a n o s d e p o i s dele t e n t o u n o v a s í n t e s e n a sua p r ó p r i a
História do Brasil, p r o c u r a v a , antes de t u d o , fixar o a c o n t e c i m e n t o , s e g u i n d o assim
um m é t o d o 'positivista', c a r o aos h i s t o r i a d o r e s f r a n c e s e s h e r d e i r o s d o s d o i s C h a r l e s :
C h a r l e s - V i c t o r Langlois e C h a r l e s S e i g n o b o s . E s c r i t a e m 1 9 3 3 , L'histoire sincère de la
nation française, de S e i g n o b o s , ainda era, n a d é c a d a de 1 9 5 0 e n o i n í c i o d a de 1 9 6 0 .
a bíblia de alguns historiadores a c a d ê m i c o s brasileiros, q u e t a m b é m utilizavam bas-
tante L'introduction aux études historiques, de 1 8 9 7 , escrita p o r L a n g l o i s c S e i g n o b o s .
F e l i z m e n t e , essas obras foram substituídas, e m 1 9 6 3 , pela e x c e l e n t e Introdução aos
estudos históricos, de J e a n G l é n i s s o n , cuja passagem pela U n i v e r s i d a d e d e S ã o P a u l o
c o m p l e t o u a de F e r n a n d Braudel e de E m i l e L é o n a r d .
• o tornara-se m o d a . C ô m o d a m o d a : permitia
Lendo teses, descobri que o m a r X , S
^ g a t ( f c i e n t istas p o l í t i c o s escapassem dc
que historiadores, sociólogos, c c o n
° " . ^ s i m p l e s r e i n t e r p r e t a ç ã o de d a d o s bibliográ-
aborrecidas pesquisas em arquivos, pois ^ ^ o r i g i n a l , c o m características de
fieos já conhecidos permitia criar um; ^ a c e i t a ç á o m a i s o u m e n o s garantida
seriedade, solidez, modernidade e sob n e c e S s e , de f a t o , q u a s e sempre,
_ m e s m o que a doutrina origin de K H M ^ P ^ ^ ^
m assimilada. C a i o ^
a l " ^ ^ ^ f i * . Notava, aqui, t r a n s f o r m a s
implicitamente interrogações que eu wniuci
S a s esboçadas, sem "forma c o n c r e t a ' delineada; lá, a p a r e ç a m t r a n s f o r m a ç õ e s cons-
tituídas por elementos novos, que a p o n t a v a m para o p r o g r e s s o . E u t r a d u z . a aqui por
Salvador e 'lá' por S ã o Paulo, e m b o r a r e c o n h e c e s s e , c o m o a u t o r , q u e t a m b é m na
poderosa capital do Sul se fazia sentir "a presença de u m a r e a l i d a d e m u i t o antiga que
é um passado c o l o n i a l " .
O u t r o aspecto sedutor na análise e c o n ô m i c a de C a i o P r a d o era a ê n f a s e na ausên-
cia de u m a organização do trabalho e de u m m e r c a d o i n t e r n o e s t r u t u r a d o s de forma
sólida. N a parte propriamente social, ele ressaltava o a r c a í s m o das r e l a ç õ e s sociais e as
diferenças fundamentais entre as sociedades rural e u r b a n a . 3
E s t a v a m presentes ele-
mentos capazes de estimular m i n h a i m a g i n a ç ã o : p o v o a m e n t o , v i d a material e vida
social. A bibliografia, não obstante u m a a p r e s e n t a ç ã o b i z a r r a , m o s t r a v a um equilíbrio
satisfatório entre publicações e d o c u m e n t o s de a r q u i v o , e m b o r a estes ú l t i m o s tivessem
sido compilados u n i c a m e n t e na Revista do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico
Brasileiro e nos Anais da Biblioteca Nacional.*
O estudo da o b r a revelou-se m e n o s e s t i m u l a n t e d o q u e o ' c o n v i t e à viagem'
contido no prefácio. O b t i v e i n f o r m a ç õ e s interessantes na p r i m e i r a p a r t e , consagrada
ao povoamento, mas nas partes seguintes — vida m a t e r i a l e o r g a n i z a ç ã o social — não
encontrei novidade. Para mim, aliás, a novidade n ã o estava nas p o s i ç õ e s marxistas do
autor, mas em sua ideologia de aristocrata paulista b e m - n a s c i d o e sua c o n d i ç ã o dc
intelectual brasileiro. Apareciam detalhes - filigranas - q u e i n d i c a v a m um profun-
do desprezo por aquela importante narróla Ar, ^ i -i • • i • .v>
» . , P
parcela d o povo brasileiro q u e não t i n h a origem
europeia ou tinha sangue mesrladn r w .. • , •
<Z*L\*\Ur* l • ! c l a d o . D a s trinta páginas c o n s a g r a d a s à organiza-
m c s
m n a sc „
t t n ,v, o ¡ n S ; , r , i R L T : ç
i ° Í 1 1
? ^» . —
>rasi-
unia
% ira a
concorrer, e muito, para a nossa ' a ü t u r ^ ^ n u , a
- N ã o
<l u c
deixasse dc
emprega a expressão; mas é antes U m a cont/b a m
P ° l
e m
q « a antropologia
da presença dele e da considerável difusão do^° ' « u l t a n t e d o simples feto
P a S S Í V a
° S C U san
8 U C > q u e uma intervenção ativa
INTRODUÇÃO 21
m e s m a elite, q u e se c o m p r a z i a m e m c r í t i c a s m o r d a z e s , f r e q ü e n t e m e n t e i n j u s t a s , r e c u -
s a n d o q u a l q u e r p r o x i m i d a d e c o m i n s t i t u i ç õ e s nas q u a i s — era c l a r o — ingressariam
mais tarde. O s o n h o de t o d o i n t e l e c t u a l b a i a n o , h o n e s t o o u n ã o , c o n f o r m i s t a o u n ã o ,
é t o r n a r - s e , ele m e s m o , u m a i n s t i t u i ç ã o . H á u m t e m p o para i r r e v e r ê n c i a s , m a s elas são
erros da j u v e n t u d e , necessários e p e r d o á v e i s .
E s t á v a m o s d i a n t e de u m p a r a d o x o : atividades c u l t u r a i s f l o r e s c e n t e s e m u m a c i -
dade a p a r e n t e m e n t e a d o r m e c i d a . S e r i a o p r e n ú n c i o de u m a r e n o v a ç ã o geral e d u r á -
vel? E m que m e d i d a os h i s t o r i a d o r e s s e r i a m b e n e f i c i a d o s e m seu o f í c i o específico?
E s t a n ã o era p e r g u n t a s e m f u n d a m e n t o : g r a n d e s c o n t a d o r e s d e estórias s o b r e si
m e s m o s e os d e m a i s , os b a i a n o s t ê m a l m a de h i s t o r i a d o r e s , e m b o r a q u a s e n u n c a o
percebam. Esse traço se m o s t r a , n o e n t a n t o , e m c o n v e r s a s c o t i d i a n a s e e m d o c u -
m e n t o s c o m u n s de a r q u i v o , escritos e m p r o s a e n c a n t a d o r a e p r o l i x a . N o s alvarás de
libertação de escravos, p o r e x e m p l o , os s e n h o r e s c o n t a m a p r ó p r i a vida, inclusive
familiar, c o m profusão de detalhes i n d i s c r e t o s , i n ú t e i s d o p o n t o de vista legal. T e s -
tamentos e inventários são verdadeiras estórias de vida, a d m i r a v e l m e n t e resumidas,
que desfiam p r o b l e m a s e a m o r e s de f a m í l i a s i n t e i r a s . T u d o se passa c o m o se a re-
dação — própria o u , na m a i o r i a d o s casos, feita p o r terceiros — d e u m d o c u m e n t o
legal desse vazão a u m desejo de p e r p e t u a r a m e m ó r i a familiar e coletiva, c o n q u i s -
tando na sociedade, depois da m o r t e , u m l u g a r f r e q ü e n t e m e n t e inacessível em vida.
O u então c o m o se os t e s t a m e n t o s c u m p r i s s e m o papel de confissões, a j u d a n d o o
testador a c o m p r e e n d e r e ser c o m p r e e n d i d o , l i g a n d o p r e s e n t e e passado, f o r j a n d o
uma ascendência mítica, fosse ela portuguesa (para os q u e faziam questão da raça
branca) ou africana de sangue real (para os alforriados que reivindicavam origens
nobres). Assim, o ato de c o n t a r para si a própria estória tornava-se a t o criador dessa
mesma estória, agora escrita c, p o r t a n t o , certa.
As vezes ingênuos, escritos para a família e os amigos, destinados em princípio à
poeira dos tabeliães, esses d o c u m e n t o s legais são verdadeiras peças literárias que ex-
pressam sentimentos profundos. C o m p e n s a m parcialmente a falta de u m a literatura
autobiográfica, pois, entre os séculos X V I e X I X , os que teriam sido capazes de escrever
suas memórias não o fizeram.
Por que faltaram à Bahia escritores desejosos de contar suas vidas? Seriam tama-
nhas sua importância, sua evidência, sua fama, que tal iniciativa lhes parecesse inútil?
INTRODUÇÃO 25
Era uma história muito 'colonial', em que o principal papel cabia ao século X V I .
Mas era solidamente alicerçada em um real esforço de síntese. Às monografias susci-
tadas pelas comemorações acrescentavam-se numerosas teses, artigos e obras sobre a
história factual do século X V I I . O período m e n o s c o n h e c i d o era entre 1 6 0 0 e 1 7 5 0 ,
ano a partir do qual os arquivos se tornaram mais ricos e os a c o n t e c i m e n t o s , mais
estimulantes. Houve publicações sobre a Revolução dos Alfaiates, m o v i m e n t o revolu-
cionário ocorrido em 1 7 9 8 ; sobre as guerras de 1 8 2 2 e 1 8 2 3 , chamadas Guerras de
Independência da Bahia; sobre a Revolta dos Males, insurreição negra de 1 8 3 5 ; e sobre
a Sabinada, m o v i m e n t o federalista e descentralizador que c o n t e s t o u o governo impe-
rial em 1 8 3 7 . O b r a s e artigos eram m u i t o descritivos e-, em geral, não correspondiam
às promessas contidas nos respectivos t í t u l o s . Estavam neste caso, por e x e m p l o ,
A primeira revolução social brasileira, livro de A f o n s o R u y de Souza consagrado à
Revolução de 1 7 9 8 , e Males, a insurreição da senzala, de Pedro C a l m o n .
M e s m o quando os historiadores baianos revelavam u m a ideologia análoga à das
elites pensantes locais, faltava em seus trabalhos u m aparato teórico. Isso m e trazia
vantagens, pois alargava a possibilidade de escolha do m e u próprio c a m i n h o . Nessas
'histórias dos a c o n t e c i m e n t o s ' , tinha diante de m i m fontes ricas em dados brutos,
aprisionados n o e n t a n t o por estilos grandiloqüentes o u panegíricos. Talvez aquelas
realidades pudessem ser interpretadas de outra maneira, mas isso n ã o tirava o mérito
das narrativas já feitas, excelentes p o n t o s de partida. E r a interessante comentá-las
com seus autores, inclusive para garantir o acesso às fontes e ao material histórico,
praticamente vedado a q u e m não fosse r e c o n h e c i d o c o m o integrante do ' m e i o aca-
dêmico' da Bahia.
4 . A c o l e ç ã o d a A s s o c i a ç ã o C o m e r c i a l da B a h i a . F u n d a d a e m 1 8 4 2 , só em 1 9 0 8
a entidade passou a p u b l i c a r r e g u l a r m e n t e relatórios anuais e boletins. Sua documen-
tação g e r a l m e n t e r e p r o d u z dados p u b l i c a d o s em outros órgãos, e as estatísticas referen-
tes ao século X I X são r e l a t i v a m e n t e escassas.
5 . O s relatórios das diversas secretarias de g o v e r n o d a B a h i a . N a d a resta sobre o
século X I X , c o m e x c e ç ã o d o material d o T e s o u r o da Província para os anos 1 8 5 5 ,
1 8 5 6 , 1 8 5 8 , 1 8 8 2 , 1 8 8 4 e 1 8 8 8 . N o s acervos dos A r q u i v o s do Estado da Bahia há
relatórios m a n u s c r i t o s p r o v e n i e n t e s de diferentes setores da administração da Provín-
cia (após 1 8 9 0 , E s t a d o ) . M a s essa d o c u m e n t a ç ã o n ã o está classificada e não c o n h e ç o
ainda o p e r í o d o a q u e se refere.
Existe u m a sexta c o l e ç ã o , p u b l i c a d a n o R i o de J a n e i r o . T r a t a - s e das Propostas e
relatórios apresentados ã Assembléia Geral Legislativa pelos ministros e secretários dos
negócios da Fazenda, que c o n t ê m estatísticas relativas às atividades econômicas do
país a partir da segunda m e t a d e d o século X I X . O C e n t r o de Pesquisas da Secre-
taria de P l a n e j a m e n t o , C i ê n c i a e T e c n o l o g i a do Estado da Bahia conseguiu reunir
esses dados em q u a t r o volumes, intitulados A inserção da Bahia na evolução nacio-
nal. t# etapa: 1850-1889.
D i a n t e desse quadro — coleções incompletas, dados insuficientes — tive que
abandonar o s o n h o de estabelecer uma verdadeira contabilidade regional retrospecti-
va. Apesar da relativa regularidade na publicação de dados a partir de 1 8 5 0 , as lacu-
nas são numerosas. H á informações sobre os produtos exportados, tanto para o exte-
rior c o m o para outras províncias brasileiras; mas quase não há sobre os produtos
importados. H á alguma coisa sobre o m o v i m e n t o do porto de Salvador (navegação
de longo curso c cabotagem) c a construção de redes ferroviárias; mas faltam indica-
ções importantes sobre a agricultura e a pecuária, a produção industrial (que já c o n -
tava com fábricas de sabão, tabaco, cigarros, tecidos e outras), os fluxos comerciais
BAHIA, SÉCULO X I X
30
A pesquisa e m d e m o g r a f i a h i s t ó r i c a r e s u l t o u n u m a tese de t e r c e i r o c i c l o , d e f e n d i -
da por J o h i l d o L o p e s de A t h a y d e e m Paris. E l e a n a l i s o u as o n z e p a r ó q u i a s existentes
em Salvador n o século X I X ( 1 8 0 0 - 1 8 8 9 ) , p a r t i n d o de registros — t a m b é m i n c o m p l e -
t o s guardados nos arquivos da C ú r i a M e t r o p o l i t a n a . P ô d e e v i d e n c i a r as três variáveis
já clássicas nascimentos, casamentos e mortes — segundo a metodologia proposta
por L o u i s H e n r y . A p e s a r d e seu caráter u m p o u c o geral, esse e s t u d o c o n t é m algumas
análises interessantes, centradas na p a r ó q u i a d a S é , a p r i n c i p a l d a c i d a d e . A s informações
disponíveis p e r m i t i r a m q u e o a u t o r analisasse o c e l i b a t o , a f e c u n d i d a d e e os p r o b l e m a s
ligados aos filhos ilegítimos e às n u m e r o s a s e p i d e m i a s q u e assolaram a cidade e m
meados d o s é c u l o . É u m t r a b a l h o d e g r a n d e m é r i t o . M a s n ã o c o m p o r t a n e n h u m a
distinção n o q u e diz respeito às c o n d i ç õ e s legais ( h o m e n s livres e e s c r a v o s ) , à c o r
(brancos, negros, m u l a t o s , í n d i o s , c a b o c l o s ) , ao s e x o o u à i d a d e das pessoas. L a m e n -
tavelmente, outros j o v e n s historiadores n ã o c o n t i n u a r a m essas pesquisas. Assim, apesar
da nova visão q u e essa o b r a f o r n e c e u s o b r e c e r t o s a s p e c t o s d e m o g r á f i c o s d a cidade de
Salvador, ainda t i v e m o s q u e usar antigas avaliações s o b r e a p o p u l a ç ã o b a i a n a (até
1 8 7 0 ) e e s m i u ç a r os r e c e n s e a m e n t o s o f i c i a i s realizados a p a r t i r de 1 8 7 2 .
história e c o n ô m i c a em sentido estrito por uma história mais social que e c o n ô m i c a . Foi
este o meu caso, semelhante ao de numerosos colegas que trabalham c o m a Bahia.
Se a escassez de fontes justifica um certo desinteresse pela história e c o n ô m i c a , n ã o
se pode dizer o m e s m o no que diz respeito à demografia histórica, tema fundamental
em matéria de história social. Teria sido necessário fazer um esforço para estudar, pelo
menos, uma paróquia, registrando as curvas de nascimentos, casamentos e mortes,
analisando o celibato e a fecundidade, a p r e n d e n d o , em suma, métodos e técnicas que,
por feita de u m a f o r m a ç ã o correta, n ã o chegaram a interessar aos jovens historiadores
baianos. Estes preferiram t e m a s q u e pudessem ser pesquisados em documentação
menos árida e mais acessível e q u e apresentassem resultados mais sugestivos, mais
imediatos e mais e s p e t a c u l a r e s . O d e s e n v o l v i m e n t o de u m a história social não
demográfica t a m b é m c o r r e s p o n d i a a necessidades imediatas. U m a curiosidade impelia
os pesquisadores a t e n t a r c o m p r e e n d e r m e l h o r a organização social de Salvador, seus
conflitos e a c o m o d a ç õ e s , d e n t r o de u m a p r o b l e m á t i c a q u e , muitas vezes, desembocava
em hipóteses de t r a b a l h o c u j o s pressupostos teóricos — c o m o , por exemplo, a luta de
classes, m e s m o sem c o n s c i ê n c i a de classe — p o d e m trazer u m a preciosa contribuição
à historiografia.
Questões essenciais, que não deviam ser colocadas n o âmbito da história de uma
cidade, ou de uma cidade e sua hinterlândia, mas no da história de toda uma imensa
Província. Aliás, se os homens da capital e do Recôncavo se voltam para o oceano sem
fim, eles também contam com os vastos recursos do Agreste e do Sertão, regiões cujo
desenvolvimento histórico foi ainda menos estudado do que o das terras litorâneas.
Ainda na década dc 1 9 5 0 , os baianos estavam convencidos de que o solo do interior
era constituído por massapés fartos e férteis, embora não fossem nem tão fartos como
diziam os antigos proprietários de plantações de cana-de-açúcar, nem tão férteis quan-
to desejava o imaginário local, que transforma os sertões em reservas de miragens.
INTRODUÇÃO p
Os DONS E AS ARMADILHAS
DA NATUREZA
C A P Í T U L O 1
A BAHIA
A época das trilhas c dos atalhos, cm que as distâncias eram calculadas em dias de
marcha, permitiu que se conhecessem as formas e paisagens. A rapidez dos transportes
41
42 BAHIA, SÉCULO XIX
A Cidade
A leste, esses limites partem da praia oceânica de Ipitanga; ao norte, atingem o fundo
da baía de Aratu. A seguir, prolongam-se pela orla norte do canal de Cotejipe, incor-
: porando todas as praias costeiras até a ponta do Passe. A partir daí, os limites muni-
cipais vão, cm linha reta, por mar, de nordeste a sudoeste, até dois quilômetros ao
largo de Bom Despacho, em Itaparica, onde a profundidade atinge quarenta metros,
e de lá, finalmente, à ponta de Santo Antônio. O município de Salvador compreende,
assim, ao norte, a grande ilha da Maré e suas ilhotas. Abrange igualmente vasta
extensão de mar interior que, onde é mais largo, chega a quinze quilômetros, entre
LIVRO*I - Os DONS E AS ARMADILHAS DA NATUREZA 43
A PROVÍNCIA
cobria a maior parte do Sertão),-a de Sergipe dei R e i , e a do Espírito Santo (as duas
v
C
^-'t \ s e c a
P' t a n
' a autônoma. São Cristóvão, sua antiga e indolente capital colonial, fundada
! em 1 5 9 0 , mostrou-se incapaz de vencer uma letargia secular e foi substituída pelo
\ porto de Aracaju, de características mais dinâmicas. Depois, em 1 8 2 2 , durante a
44 BAHIA, SÉCULO X I X
G u e r r a da I n d e p e n d ê n c i a , a p o v o a ç ã o de S ã o M a t e u s , s i t u a d a n o e x t r e m o sul do litoral
da P r o v í n c i a da B a h i a , o p t o u p o r fazer p a r t e da P r o v í n c i a d o E s p í r i t o S a n t o , q u e
t a m b é m se t o r n a r a a u t ô n o m a . M a s , em 1 8 2 7 , foi i n c o r p o r a d a à P r o v í n c i a da B a h i a a
c o m a r c a do S ã o F r a n c i s c o , 1 2 0 . 0 0 0 k m 2
de terras situadas a l é m d o rio S ã o F r a n c i s c o ,
retiradas da P r o v í n c i a de P e r n a m b u c o , reduzida a p o u c o mais da m e t a d e de seu antigo
território c o m o c o n s e q ü ê n c i a da sua p a r t i c i p a ç ã o n o m o v i m e n t o separatista q u e ficou
c o n h e c i d o c o m o C o n f e d e r a ç ã o d o E q u a d o r . A p e s a r d a p e r d a d e S e r g i p e dei R e i e de
S ã o M a t e u s , a B a h i a saiu g a n h a n d o nessas t r o c a s , j á q u e sua s u p e r f í c i e passou de
465.000 km 2
a p o u c o mais de 5 6 3 . 0 0 0 km .2
D e f i n i d o s esses limites, n ã o h o u v e m a i s n e n h u m a m o d i f i c a ç ã o d e v u l t o . T o d a v i a ,
só e n t r e 1 9 1 9 e 1 9 2 6 , j á n o p e r í o d o r e p u b l i c a n o , o E s t a d o d a B a h i a a s s i n o u os acordos
c o m os estados de M i n a s G e r a i s , E s p í r i t o S a n t o , G o i á s , P i a u í , P e r n a m b u c o e Sergipe,
p o n d o fim a mais de u m s é c u l o de c o n t e s t a ç õ e s s o b r e l i m i t e s . 5
C A P Í T U L O 2
SALVADOR
MORFOLOGIA DO SÍTIO
acidentados, com vales, várzeas e curvas de nível que variam entre trinta e sessenta
metros, com pontos máximos de 9 0 ou 1 1 0 metros e declives de até 4 5 ° .
D e superfície desarticulada e acidentada, o horst termina, ao aproximar-se do
. - " ( Atlântico, cm um cinturão de dunas recentes, formadas por areias originadas da de-
t composição de seus quartzos. Brancas colinas, deslumbrantes à luz do sol, c o m vinte
J L
R a trinta metros da altura, essas dunas, por causa da variação dos ventos de alto-mar,
^ não têm qualquer orientação preferencial e costeiam toda a orla oceânica até o norte
do rio Joanes, muito além dos limites municipais. Mal encobertas por uma vegetação
rasa e pobre, lembram uma paisagem de neve, bastante inesperada para o viajante cujo
avião vai aterrissar n o aeroporto vizinho: de um lado, palmeiras ondulam c o m a brisa
do mar; de outro, uma brancura de neve. Logo ao chegar, tem-se assim uma boa idéia
dos contrastes dessa terra rude e forte.
SOLOS E ÁGUAS
Pode um sítio desse tipo oferecer boa acolhida a u m a cidade de colinas e várzeas? U m
porto protegido por enorme baía, situação privilegiada deste lado do Atlântico, é
importante trunfo para o desenvolvimento de u m a capital. M a s qual será o valor dos
solos dessa cidade-jardim que, até o século X I X , produzia, ela m e s m a , uma parte das
frutas e das leguminosas que consumia?
Abaixo de oitenta metros de altitude, os solos do horst surgiram da alteração
das rochas cristalinas: são, sobretudo, argilosos (caulinizados), mas firmes. Se hori-
zontais, têm uma certa estabilidade, mas, nos declives mais inclinados, ocorrem fre-
I quentes deslizamentos de terreno após chuvas fortes. A i n d a h o j e , algumas ruas são
conhecidas pela instabilidade. Acima de oitenta metros encontra-se uma camada quase
horizontal de sedimentos idênticos àqueles da região baixa, também \jurássico-cretácea,
que vai do fundo da baía ao noroeste da cidade. Essas argilas margosas, escorrega-
dias, são ruins para os alicerces das casas, mas excelentes para as culturas. A rocha
matriz do horst possui todos os elementos nutritivos necessários às plantas, inclu-
sive o cálcio, mas os solos de decomposição antiga são lavados pela erosão, cabendo
às raízes profundas distribuir i n t e r n a m e n t e a a l i m e n t a ç ã o necessária ao vegetal.
te
As chuvas c o vento marinho trazem o iodo e o potássio. Sol e chuva nunca faltam.
O subsolo é um verdadeiro reservatório de água para uma vegetação tropical úmida
evluxuriantCi
Assim e esta é uma das armadilhas da natureza — as terras onde foi edificada
a cidade de Salvador são boas para hortas e pomares, mas não são recomendáveis para
construção. Até o declive mais íngreme, o do reverso da falha, desce em pequenos
egraus para a praia ou dirige-sc para o norte, alcançando os terrenos sedimentários e
oferecendo, aos bananais c às culturas de árvores frutíferas, uma exposição magnífica
ao sol nascente.
Livro I - Q S D o n s e as A r m a d i l h a s da N a t u r e z a 47
A BAÍA E O PORTO
regime dos ventos e das correntes em todos os mares do m u n d o e, além disso, dispu-
nham dos itinerários d o T e n e n t e M a u i y , aconselhados aos numerosos veleiros que
ainda singravam/os m a r e s . Esses itinerários, aliás, quase não diferiam daqueles dos
3
\ V
linhas regulares, servindo às principais cidades da baía c aos outros portos da Provin-
da. 1 3
Entretanto, apesar da concorrência exercida pelos grandes navios a vapor da
Companhia Baiana de Navegação* a cabotagem das mil pequenas embarcações que
trabalhavam sob encomenda cm todas as águas da baía continuou sc desenvolvendo,
densa e flexível, capaz de sc adaptar a todas as necessidades c deslizar sobre os cami-
nhos marítimos c fluviais, ao sabor das brisas que os marinheiros do Recôncavo
conheciam tão bem.
CAPÍTULO 3
O RECÔNCAVO
Esboço de Definição
S r *
A capital não pode ser dissociada da baía, da qual é.ciõsa, guardiã, mas também não , '
o pode ser de sua hintcrlândia, esse R e c ô n c a v o celeiro de açúcar e de farinha. O gado 4
J
pode vir de longe, já que se locomove. Mais que qualquer outra cidade, a da Bahia está
ligada à sua imediata hintcrlândia agrícola, pois é seu mercado e seu elo com o mundo 1
exterior. N ã o há uma só família da cidade que não tenha laços com uma família do
interior; não há tempestade na baía que não faça subir as águas dos rios do Recôncavo; > . ^
a
não há má colheita lá que não cause pobreza aqui. O n t e m , c o m o hoje, Salvador não \
<U P\
era somente um porto que se estendia ao longo da Cidade Baixa. Era uma cidade em
7 que os limites administrativos quase não contavam». As paróquias urbanas nunca j
1
51
*2 B a h i a , SÉCULO XIX
esqueciam suas irmãs do interior, e a população humana permanecia densa até dezenas
de quilômetros longe do mar. É impossível compreender a Cidade da Bahia sem
compreender seu Recôncavo.
Surgem logo questões: além das condições econômicas do cultivo, as condições
climáticas e pedológicas também são necessárias ao estudo da produção agrícola dirigida
ao consumo ou à exportação nos séculos X V I I I e X I X ? Estudar os solos do século X X
equivale a estudar os do século X I X ? N ã o foram esses solos transformados e gastos?
É verdade que o agricultor brasileiro, colono de outrora, produtor rural de hoje, nunca
teve, em relação à terra, uma mentalidade de usufrutuário zeloso: nunca foi o laboureur
do francês La F o n t a i n e . 2
C o m o se, apesar de seu apego ao solo da nova pátria, o
espírito de aventura dos primeiros colonizadores, vindos para 'explorar' o Novo M u n -
do, nunca se houvesse transformado; c o m o se o sentido de propriedade se tivesse
dissociado do empenho em cuidar da terra, conservando-a. Prevaleceram o desejo e a
necessidade de uma exploração imediata, c o m uso e abuso das riquezas disponíveis,
c o m o que ofertadas. Inconsciência, decerto; urgência, muitas vezes; e também con-
fiança, dada a imensidão das terras,por explorar. M a s as dádivas da natureza foram
desperdiçadas.
do solo nunca foi compensado, mas sua afirmação traz à baila um duplo problema:
por que o agricultor brasileiro tem essa mentalidade de 'proprietário de m i n a ? Não
basta constatá-lo: é preciso compreender por que o massapé — essa rica terra argilosa
do Recôncavo, que cola nos sapatos de todos os baianos e é seu orgulho e sua riqueza
• P ° <} e esse generoso massapé se revelou tantas vezes terra cheia de armadilhas,
r u
Foram classificados mais de setecentos mil hectares de terras abertas sobre a imensa
baía de Todos os Santos. O s pedólogos de hoje, ao explicarem as riquezas e as limitações
LF\-RO I - Os DONS E AS ARMADILHAS DA NATUREZA 53
coronatà) é fibrosa, e sua altura não ultrapassa a das outras árvores da m a t a original.
N ã o é mais i m p o n e n t e do que a vulgar bananeira (Musa paradisiaca).
N o interior da baía de T o d o s os S a n t o s , inúmeras ilhas c ilhotas protegem três
: baías menores: a primeira entre a costa oeste de Itaparica e o c o n t i n e n t e , a segunda
*• abrigada entre a península de S a u b a r a - I g u a p c e o arquipélago f o r m a d o pelas ilhas
L Bimbarras, das F o n t e s , de M a r i a G u a r d a , de M a d r e de D e u s , das V a c a s , de B o m Jesus
dos Passos, de S a n t o A n t ô n i o e dos Frades, c a terceira, a m a i o r delas, entre essas ilhas,
Itaparica e Salvador. Esse m a r interior de todas as ilhas, de todas as praias, é um
verdadeiro m u n d o colorido e variado. Suas fúrias são m e n o s violentas que as do
oceano, mas são as de um imprevisível mar, c h e i o de recifes. S ã o relativamente pouco
numerosos os abrigos efetivamente capazes de proteger as pequenas embarcações sur-
/ preendidas pelos fortes ventos nordeste o u sudoeste a grande distância dos ancoradou-
ros o u perto demais das e m b o c a d u r a s dos rios. C o m esses v e n t o s , as praias são facil-
£ :
{ m e n t e invadidas pelas vagas tempestuosas das grandes marés.
direção do Itapicuru.5 È uma zona de transição entre o litoral úmido e o sertão semi-
árido. I ) c sua primitiva flora, invadida por cactáccas c bromeliáceas — plantas xcrófllas J
relativamente altas e pouco densas — , subsistem apenas os juazeiros e os marmeleiros.
• Enfim, o Litoral. Faixa de terra de aproximadamente dez quilômetros de pro-
fundidade, ele apresenta grande variedade de associações vegetais naturais, com um
habitat diferente para cada uma delas. Dois tipos principais de vegetação cobrem
essa região: a vegetação sublitorânea — losjnanguczais;—, que depende unicamente
^ BAHIA, SÉCULO X I X
em que o solo se torna mais firme, observam-se novas associações, em que prevale-
cem os mangues brancos ou os\Siriúbas¿ q u e p o d e m atingir até quinze metros de
altura. Esses solos só são cobertos pelas marés de e q u i n ó c i o . Ali, as árvores têm de
cinco a oito metros de altura e c o n s t i t u e m , ao l o n g o das costas n ã o arenosas, como
que uma coroa vegetal entre terra e m a r . O solo dos manguezais fornecia toda a
argila necessária para as olarias e para purgar o açúcar nas f ô r m a s . 7
O n d e o litoral é
arenoso, a vegetação das dunas é de plantas rasteiras, arbustos e palmeiras, inclinados
para o interior, pois sofrem a ação c o n s t a n t e dos v e n t o s d o m a r . D e u m m o d o geral
as palmeiras não ultrapassam c i n c o m e t r o s de altura. As mais c o m u n s são os coquei-
ros-da-baía — adventícios — , f r e q ü e n t e m e n t e agrupados e m p e q u e n o s bosques mais
ou menos densos.
continentais em direção às altas pressões dos Açores. Pode ser o nordeste das tempes-
tades, mas pode ser o amigo que impele as velas n o r u m o do porto, segundo seu humor
c sua força. Alísios de retorno nordeste e noroeste sopram também sobre o Recôncavo.
orem, o que mais sc vê é brincarem, sobre a baía, ventos instáveis, que resultam de
movimentos ondulatórios c chegam sem prevenir, com a velocidade de um cavalo em
disparada. São a voz irada dc Iemanjá, exigente amiga do povo do mar baiano. Nascem
quando a frente polar atlântica dc ar frio encontra o ar quente que vem das regiões do
norte equatorial. N o Recôncavo, as máximas pluviométricas de abril a j u n h o freqüen-
temente coincidem com essas frentes de instabilidade decorrentes da luta entre o
anticiclone atlântico c a massa equatorial continental.
LIVRO I - O s DONS E AS ARMADILHAS DA NATUREZA 57
TABELA 1
79 Setembro
23°8
84 Outubro
25°0
156 Novembro
25°9
117 Dezembro
26°4
85 Janeiro 26°7
VIAS DE COMUNICAÇÃO
Salvador continuou a ligar-se às vilas e arraiais de sua Província pelos métodos tra-
dicionais, ou seja, as vias marítimas e fluviais e os animais de carga (o primeiro
plano para a construção de estradas de rodagem no Estado da Bahia data de 1 9 1 7
lei n° 1 . 2 2 7 — e a primeira grande estrada construída ligou Salvador a Feira de
Santana).
59
BAHIA, SÉCULO X I X
60
açúcar, a via fluvial-marítima era mais rápida e sempre mais econômica. Aliás, no
Recôncavo, quase todos os transportes de mercadorias pesadas se faziam por barco.
O s contemporâneos atribuem, em média, quatro embarcações a cada engenho. A partir
61
do m o m e n t o em que o local n ã o era mais acessível por via fluvial e se fazia necessário
andar m u i t o para a t i n g i - l o , o h o m e m do R e c ô n c a v o sentia-se h o m e m d o S e r t ã o : o
R e c ô n c a v o era, antes de mais nada, terra de navegação, o n d e cada um tinha seu barco
e o n d e n u n c a se estava a mais de um dia de m a r c h a de alguma via navegável ou da orla
marítima.
clima c à laterização dos solos superficiais. Assim, o S e r t ã o fica durante longos me-
ses, todos os anos, imerso em tonalidades cinza e rosa. V e g e t a ç ã o acinzentada ou
prateada sobre o solo rosa ou avermelhado, sob u m céu i m p i e d o s o , sempre azul: eis
a rude paisagem c o s t u m e i r a d o S e r t ã o .
O s geógrafos c o s t u m a m descrever a B a h i a c o m o u m a sucessão de três paisagens
diferentes que, do Litoral, s o b e para o S e r t ã o , passando pelos tabuleiros do Agreste.
N a realidade, há tão pouca unidade efetiva n o S e r t ã o q u a n t o n o Agreste. O clima é o
único fator de unidade ou d i f e r e n c i a ç ã o . M a s , n a t u r a l m e n t e , os m i c r o c l i m a s não
faltam n u m a terra tão vasta e c o m relevos tão variados. Q u a n t o mais distante o
o c e a n o , maiores as áreas c l i m á t i c a s . É a v e g e t a ç ã o q u e caracteriza as paisagens. Além
disso, os vales dos rios são verdadeiros c o r r e d o r e s a b e r t o s para o m a r . Eles tornam
possível que o c l i m a mais ú m i d o das costas possa lutar, c o m m a i o r o u m e n o r êxito,
contra a aridez do S e r t ã o .
Essa " z o n a i n g r a t a " — na expressão de E u c l i d e s d a C u n h a — , i m e n s a c o m o o
mar, foi d o m i n a d a e d o m e s t i c a d a p o r h o m e n s austeros e sólidos, os vaqueiros, pastores
de grandes rebanhos itinerantes, s e m p r e à busca de pastos e s c a s s a m e n t e distribuídos.
Essas boiadas abriram verdadeiras trilhas n o S e r t ã o . S e u s c o n d u t o r e s sabiam orientar-
se segundo as constelações ou a posição dos t a b u l e i r o s . N e m os rios c o n s e g u i a m deter
a marcha sem fim. Para atravessar u m r i o , era só fazer a b o i a d a seguir u m h o m e m que
nadava à sua frente c o m u m a carcaça de boi na c a b e ç a . 1 0
O s c a m i n h o s do S e r t ã o eram tão p r e c á r i o s 11
q u e , a t é m e a d o s do século X I X ,
Salvador continuava a i m p o r t a r , d o N o r t e o u d o S u l , p o r via m a r í t i m a , quase toda a
sua carne-seca e a exportar, t a m b é m p o r via m a r í t i m a , t o d o s os p r o d u t o s agrícolas
comerciais originários do R e c ô n c a v o . N a s e g u n d a m e t a d e d o século X I X , a Bahia
c o m e ç o u a tomar consciência dos graves p r o b l e m a s c o l o c a d o s pelas suas comunicações
internas. A navegação fluvial já n ã o a t e n d i a , havia m u i t o t e m p o , todas as necessidades
dos centros agrícolas, criados e suscitados pelos vaqueiros e suas boiadas lá onde 4
cados pelas rnlhas das boiadas e das tropas de mulas, permaneceram as únicas vias
de ligação e n t r e a capital e os sertões afastados dos rios. A febre do ouro e dos
diamantes, que levou exploradores à chapada D i a m a n t i n a , durou pouco, mas pro-
vocou o s u r g i m e n t o de cidades c o m o Andaraí ou Livramento e t o r n o u possível o
estabelecimento de uma e c o n o m i a de subsistência n o Sertão. As mercadorias, n o
entanto, c o n t i n u a r a m a ser carregadas e m l o m b o de burro ou em carro de boi'; foi
preciso c o n t i n u a r a seguir as trilhas, a percorrer — matas, savanas ou caatingas aden-
tro — os c a m i n h o s a b e r t o s pelas boiadas. As paróquias que conseguiram fixar po-
pulações nos sertões n a s c e r a m da pecuária e do seu c o m é r c i o , da mineração e de
uma e c o n o m i a de subsistência c u j o s p r o d u t o s circulavam nos mercados locais.
N ã o h á dúvidas de q u e os S e r t õ e s das boiadas é o lugar das contradições descritas
pelo e s c r i t o r - p o e t a E u c l i d e s d a C u n h a por volta de 1 9 0 0 : " b a r b a r a m e n t e estéreis,
maravilhosamente exuberantes (...), é u m vale fértil, u m p o m a r vastíssimo sem d o n o " . 1 4
•XI ÍC-
tropicais com vários quilômetros de profundidade, verdadeira selva, barreira tão im-
penetrável que os novos povoamentos do interior antes ligavam-se às cidades longín-
quas do Sertão do norte, preferindo-as a um porto qualquer, mesmo muito mais
próximo. Foi esse o caso, por exemplo, de Vitória da Conquista, que fazia parte da
comarca de Jacobina, apesar de Ilhéus estar quatro vezes mais perto. O s rebanhos do
rio de Contas dirigiam-se aos matadouros de Salvador, o que não impedia os habi-
tantes da costa sul de serem obrigados a importar, por via marítima, a carne-seca
proveniente do longínquo Piauí. Já sabemos que não era possível subir os rios dessa
região além da zona de floresta densa; só o Jequitinhonha, com seus cem quilômetros
navegáveis, permitia alcançar as regiões interiores de vegetação menos cerrada, mas
sua foz era cheia de lodo e perigo. Além disso, no mar, correm quase de forma
contínua, paralelamente à costa sul da Província, recifes de coral perigosos para
navegantes inexperientes. Todas essas dificuldades e a ausência quase total de colo-
16
rios cheias de lodo, ao que parece, não impediram que as rotas costeiras fossem
preferidas aos caminhos terrestres. João Capistrano de Abreu conta de que modo, em
1808, o desembargador (juiz de tribunal de segunda instância) 18
Tomás Navarro
viajou por via terrestre entre a Bahia e o Rio de Janeiro para estudar uma nova rota
para os Correios: "Seu itinerário acompanhou sempre a costa, menos onde escarpas
muito abruptas o obrigavam a fazer desvios. O s rios — sem pontes e sem barqueiros
— eram subidos até o primeiro v a u . " 19
Do ponto de vista agrícola, o sul da Província
só começou a desenvolver-se realmente nos últimos anos do século XIX.
N a Província da Bahia, a n a t u r e z a foi extremamente pródiga em suas dádivas.
Salvador, seu porto e sua hinterlândia próxima parecem ter sido mais bem aquinhoa-
dos. Mas, desde o século XVIII, o s baianos mais clarividentes já conheciam as riquezas
inexploradas da Província. Por que não foram elas devidamente aproveitadas? Falta de
capitais e escassez de homens? Em Salvador e cm seu Recôncavo devem ser e n c o n t r a -
das muitas respostas a tais perguntas.
LIVRO II
O PAPEL DA HISTÓRIA
69
"O BAHIA, SÉCULO X I X
J o ã o III, l o m é de Sousa escolheu um novo local, "mais para dentro da baía", para
instalar os homens que o acompanhavam. N o Regimento que estabelecia direitos e
deveres do capitão-mor, o rei determinava fossem construídas "urna fortaleza e uma
povoação grande c forte, cm local conveniente, para, a partir dali, ajudar os outros
povoamentos e administrar justiça". E m dois meses foram levantados os armazéns da
Cidade Baixa c, na Cidade Alta, o palácio do governador, a Câmara Municipal, o
bispado e uma primeira igreja, a de Nossa Senhora da Ajuda. Tratava-se, evidente-
mente, de frágeis construções de taipa. Dois anos mais tarde as chuvas de inverno
destruíram uma parte da muralha que as cercava.
LIVRO II - O PESO DOS H O M E N S ~1
É inútil tentar avaliar a população desse primeiro núcleo urbano, que reunia
os h o m e n s c h e g a d o s c o m o f u n d a d o r , i n d í g e n a s utilizados c o m o mão-de-obra,
alguns e m i g r a n t e s p o r t u g u e s e s e u m c o n t i n g e n t e de m a r i n h e i r o s em trânsito.
S ó sabemos q u e , já em 1 5 5 2 , duas paróquias — a da S é , dentro do recinto fortifi-
cado, e a de N o s s a S e n h o r a das V i t ó r i a s ( V i t ó r i a ) , na velha aldeia de D i o g o Álvares
— repartiam e n t r e si os fiéis da cidade, o que d e m o n s t r a que os sobreviventes da
primeira tentativa de p o v o a m e n t o n ã o se haviam unido aos h o m e n s de T o m é de
Sousa dentro da área p r o t e g i d a . A existência de uma paróquia além-muros prefigu-
5
A q u e c r e s c i m e n t o p o p u l a c i o n a l c o r r e s p o n d e u essa m u l t i p l i c a ç ã o de paróquias?
A que m u l t i p l i c a ç ã o de h o m e n s , s e m os q u a i s nad# p'ode ser f e i t o e q u e , todos os
dias, l u t a m para s o b r e v i v e r o u p a r a e n r i q u e c e r ? N o s l i m i t e s de u m a d e m o g r a f i a pou-
c o c o n h e c i d a , t e n t a r e m o s e l u c i d a r e s s e - p r o b l e m a n o c a p í t u l o q u e se segue. L e m b r e -
m o s , apenas, q u e o m i l h a r d e - h a b i t a n t e s dos a n o s 1 5 5 0 estava m u l t i p l i c a d o por
c i n q ü e n t a n o fim d o p e r í o d o c o l o n i a l , s e m levar e m c o n t a a h i n t e r l â n d i a vizinha,
n e m a mais afastada, o n d e se e s t a b e l e c e r a m de b o m g r a d o p o v o a d o r e s novos ou
nativos da c i d a d e , c o n q u i s t a d o r e s de u m e s p a ç o v i r g e m , m o d e l a d o à custa do pró-
prio suor. U m espaço d e d i m e n s õ e s h u m a n a s , q u a n d o se trata do R e c ô n c a v o ; mas
afastado, l o n g í n q u o e severo, q u a n d o se t r a t a d o A g r e s t e e d o S e r t ã o , que j u n t o s têm
o tamanho da França.
A CONQUISTA DO INTERIOR
índios c destruída a vida tribal, os colonos chegavam para plantar algodão, mandioca
e, sobretudo, cana-de-açúcar. Esta era cultivada em grandes plantações (anexas a um
üvfto II - O P E S O DOS H O M E N S 73
Foram estas as três maneiras de t o m a r posse do Sertão baiano, c cada uma delas 0 \ ,
desempenhou um papel mais ou menos importante, segundo as regiões. O rei conce- D ,L- 'c<
dia aos chefes dessas expedições as sesmarias, propriedades grandes, às vezes equivalen- 1 - I •
tes a vários municípios. F r e q ü e n t e m e n t e , esses chefes pbdiam e obtinham as sesmarias
BAHIA, SÉCULO X I X
74
antes mesmo de haverem empreendido a conquista: " B a s t a ter tinta e papel para fazer
as petições de concessões", dizia Capistrano de A b r e u . 1 0
De certa maneira, Salvador caracterizou-se pelo fato de ter sido fundada ex-nihilo. As
populações indígenas encontradas pelos portugueses eram nômades ou seminômades,
dotadas de uma organização e c o n ô m i c a que se limitava a coleta, caça e pesca. As tribos
combatiam entre si. Segundo os critérios europeus da época, elas eram pouco 'evoluí-
das' do ponto de vista s o c i o c u l t u r a l . 12
N ã o existia n o Brasil n e n h u m a daquelas cultu-
ras indígenas 'adiantadas', c o m o as que os espanhóis encontraram n o M é x i c o , Peru,
Bolívia e Guatemala. N ã o havia, por conseguinte, qualquer riqueza acumulada que
pudesse ser conquistada. É certo que o precioso pau-brasil havia tornado rentáveis as
viagens entre o V e l h o M u n d o e o Brasil mas, a longo prazo, essa única fonte de lucros
não justificava um esforço verdadeiro de colonização e p o v o a m e n t o . M a s a determina-^ j
t? ção dos portugueses criou, na C o l ô n i a , u m centro produtor de açúcar, cuja expansão
'. s exigiu a conquista de novas extensões de terra e o estabelecimento de bases financeiras/'
próprias. Ali, poderiam ser utilizadas as técnicas já experimentadas nas ilhas do AtIân-<
tico e a mão-de-obra negra disponível nas costas africanas.
Na Europa, crescia cada vez mais o c o n s u m o de açúcar, que estava destinado a ser
aprincipal riqueza do Brasil. Foi este produto que fixou os colonizadores, tornando
possível a ocupação permanente das terras conquistadas. N a Bahia, a experiência
colonizadora de Francisco Pereira C o u t i n h o resultou na implantação de canaviais e na
construção de três engenhos. Assim, aos imperativos político-administrativos que
motivaram a fundação da cidade de Salvador em 1 5 4 9 , somou-se o imperativo econô-
mico. A colonização criou, na Bahia, uma economia agrícola de monocultura, comple-
mentar à economia portuguesa. A produção maciça de um único bem e a atrofia quase
total de manufaturas originaram, por sua vez, uma situação de dependência econômi-
ca. Excluídos os panos grosseiros feitos por tecelões locais e destinados a um consumo
restrito em engenhos e fazendas, a metrópole sempre aplicou com rigor uma legislação
BAHIA, SÉCULO X I X
76
que impedia qualquer tentativa de desenvolvimento do Brasil colonial. Este não foi 0
S a l v a d o r se a d a p t o u s e m m u i t a d i f i c u l d a d e a essa n o v a s i t u a ç ã o . 2 7
As vilas e
povoados d o i n t e r i o r — que, em 1 8 0 0 , eram Abrantes, Bonfim, Santo Antônio do
P a m b u , I t a p i c u r u , J a c o b i n a , J e r e m o a b o , N . S . d o L i v r a m e n t o d o R i o de J a n e i r o ,
M o n t e A l t o , M o r r o de C h a p é u , P i l ã o A r c a d o , P o m b a l , Á g u a Fria (mais tarde, Purifi-
c a ç ã o ) , S a n t o A n t ô n i o das Q u e i m a d a s , S e n t o - S é , S o u r e , T r a n c o s o , T u c a n o e U r u b u
— c o n t i n u a r a m a d e s e m p e n h a r o papel d e t r a ç o de u n i ã o e n t r e a c i d a d e - p o r t o e o
m u n d o rural. U m a v a r i e d a d e de lavouras de s u b s i s t ê n c i a e a c r i a ç ã o de gado assegura-
vam a S a l v a d o r u m a v a s t a z o n a de i n f l u ê n c i a n u m a região de e c o n o m i a quase fechada,
na qual l h e c a b i a d i s t r i b u i r as m e r c a d o r i a s de a l é m - m a r . E m m e a d o s do século X I X ,
c o n s c i e n t e s d a i m p o r t â n c i a r e g i o n a l d o p o r t o , os dirigentes p o l í t i c o s da Província e os
representantes dos c o m e r c i a n t e s d a capital t e n t a r a m a p r i m o r a r as vias de c o m u n i c a -
ção, c o n s t r u i n d o ferrovias e m e l h o r a n d o as c o n d i ç õ e s de navegabilidade dos rios.
P r e t e n d i a m , c o m esse p l a n o , c r i a r s u b - r e g i õ e s capazes de d i n a m i z a r o interior. M a s ,
por u m a série de razões de o r d e m g e o g r á f i c a , p o l í t i c a o u administrativa, as ambições
e os interesses e c o n ô m i c o s se c o n j u g a r a m de tal m o d o q u e todas essas tentativas de
i m p l a n t a ç ã o de capitais regionais a u m e n t a r a m mais a i n d a a influência de Salvador n o
meio rural: as capitais d o i n t e r i o r l i m i t a r a m - s e a centralizar a produção agrícola e
e n c a m i n h á - l a para a C i d a d e da B a h i a , q u e a c o n s u m i a o u vendia para o e x t e r i o i s e
um t i p o de o r g a n i z a ç ã o espacial q u e fortaleceu a d e p e n d ê n c i a da imensa h m x e m n d i a
com relação a Salvador. A s s i m , a cidade a c a b o u por c o n c e n t r a r os recurscjrnnanceiros,
e c o n ó m i c o s , sociais e p o l í t i c o s de toda a Província. M a c r o c é f a l a , a urbe atraía popu-
lações rurais, de tal f o r m a q u e estas, s o b r e t u d o depois de 1 8 5 0 , habituaram-se a refluir
em massa para a capital por ocasião das grandes secas que devastavam, e ainda devas-
tam, p e r i o d i c a m e n t e o S e r t ã o . 2 8
• Ao'* \ baiana se deslocando para a região do cacau, Salvador tornou-se entreposto e centro
,P a r a a
comercialização e exportação da nova riqueza. M a s essa cultura não produziu
uma acumulação de capital na c i d a d e . 34
G r a n d e parte dos capitais excedentes foi
reinvestida em outros lugares, sobretudo n o R i o de J a n e i r o . Além disso, o Sul da
Bahia não se reabastecia mais em Salvador, mas diretamente em Vitória, no Rio de ^
Janeiro ou em Minas Gerais. * S
^l!Çv
N o entanto, neste século, durante mais de cinqüenta anos a cidade ainda conse-
guiu viver do brilho de glórias passadas, graças ao seu antigo prestígio de metrópole
comercial e de centro administrativo e religioso. Q u a n d o ainda era a primeira, seus
LIVRO II - O PESO DOS HOMENS 81
aliás devem ser utilizados com grande prudência, pois resultam de simples avaliações
ou de 'recenseamentos' não controláveis. O primeiro recenseamento oficial brasileiro
data de 1872. No caso da Bahia, a descoberta de uma série mais ou menos completa
de registros paroquiais do século X I X permitiu o início de um estudo sobre a popula-
ção de Salvador, mas seus resultados são ainda muito gerais para que se possa utilizá-
los de maneira verdadeiramente proveitosa. Será forçoso, portanto, trabalhar com
2
ordens de grandeza, que quase não nos permitem conhecer a dinâmica interna de uma
população matizada, formada por brancos, negros, índios e mestiços.
O estudo das populações da Bahia enfrenta um problema suplementar, já que os
limites da Capitania — que se tornou província e, mais tarde, estado — mudaram
muito no decorrer do tempo, dificultando as tentativas de comparação. Além disso,
3
82
LIVRO II - O PESO DOS HOMENS 83
E m seu r e c e n s e a m e n t o de 1 7 7 9 — f r e q ü e n t e m e n t e datado de 1 7 8 0 — , o M a r -
7
5 , 5 % na d o E s p í r i t o S a n t o .
TABELA 2
C O M A R C A S , P O P U L A Ç Ã O E P A R Ó Q U I A S DA C A P I T A N I A DA BAHIA, 1779
Bahia 158.671 48
Jacobina 24.103 6
Ilhéus 16.313 7
Total 277.025 87
Fonte: Recenseamento de 1779. Adaptado de Ignacio de Cerqueira e Silva Accioli, Memórias históricas
e políticas da Província da Bahia, v. 3, nota 12, p. 83.
TABELA 3
1824 2
192.000 13.000 129.000 334.000 524.000 858.000
FonceK ( 1 ) Cadastro da população da Província da Bahia coordenado no ano de ¡808, Arquivo Municipal dc Cachoeira; (2)
Adrien Balbi, citado por Thalcs dc Azevedo, Povoamento da cidade do Salvador.
Os RECENSEAMENTOS DE 1 8 7 2 E 1 8 9 0
T A B E L A 4
Fontes: (1) Recenseamento do Marquês de Valença, in Ignicio de Cerqueira c Silva Accioli, Mimarias históricas epoliticas da
Província da Bahia, v. 2, nota 12, p. 8 3 ; ( 2 ) Cadastro da população da Província da Bahia coordenado no ano de 1808, Arquivo
Municipal de Cachoeira; ( 3 ) Bahia, Sergipe, Paraná, Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro (Livros Raros), p. 5 0 6 - 6 1 1 ; (4)
Synopse do rrcemeamento de 3/ de dezembro de 1890, p. 1 5 1 - 1 5 7 .
.st»
LIVRO II - O PESO DOS H O M E N S 89
TABULA 5
P O P U L A Ç Ã O DE SALVADOR E D O R E C Ô N C A V O EM 1872
(•) Corresponde aos municípios de Abrantes, Mata de São João, Conde, Abadia, Cachoeira, Maragojipe, Tapera, Santo
Amaro. Sáo Francisco, Nazaré, Jaguaripe e Itaparica.
Fonte: Adaptado do recenseamento de 1872.
Às m a r g e n s d o rio P e r u í b e , n o m u n i c í p i o de C a r a v e l a s , n o L i t o r a l S u l , desde 1 8 1 8
o c a f é era p l a n t a d o n a c o l ô n i a s u í ç o - a l e m ã de L e o p o l d i n a , a ú n i c a a utilizar mão-de-
o b r a escrava. S u a p r o d u ç ã o foi de 6 . 6 1 0 sacos de sessenta q u i l o s e m 1 8 3 6 e de 2 4 . 3 8 4
sacos e m 1 8 5 3 . A c o l ô n i a c o m o tal d e s a p a r e c e u e m 1 8 6 1 , mas o s c o l o n o s se estabele-
c e r a m n o local à f r e n t e de prósperas fazendas de c a f é . D e p o i s d a A b o l i ç ã o da Escrava-
tura, e m 1 8 8 8 , o s escravos f o r a m e m b o r a das p l a n t a ç õ e s e a falta de mão-de-obra
a r r u i n o u os p r o p r i e t á r i o s , q u e t a m b é m d e i x a r a m a r e g i ã o , ficando ao a b a n d o n o a terra
e x u b e r a n t e , n a a u s ê n c i a de b r a ç o s p a r a c o l h e r seus f r u t o s . 3 6
de d e s l o c a m e n t o s . 1
E m 1 8 8 6 , a cidade t a m b é m foi ligada por ferrovia a S ã o G o n ç a l o
dos C a m p o s , i m p o r t a n t e c e n t r o produtor de f u m o , mas não conseguiu ligar-se nem às
regiões de M u n d o N o v o e J u a z e i r o , n e m a Salvador. A c o n s t r u ç ã o da ponte entre
C a c h o e i r a e S ã o Félix, inaugurada em 1 8 8 5 , c o l o c o u Feira diretamente em c o n t a t o
c o m o C e n t r o - O e s t e da Província, especialmente c o m a região da Chapada Diamantina,
que tinha ligação ferroviária c o m C a c h o e i r a . 4 0
F i n a l m e n t e , a terceira s u b z o n a d o q u e c h a m a m o s Z o n a C c o m p r e e n d i a as regiões
que se estendem ao e x t r e m o S u d o e s t e , ao e x t r e m o O e s t e , ao norte de J a c o b i n a e mais
longe ainda, e n g l o b a n d o o rio S ã o F r a n c i s c o . É ali q u e se a t i n g e m as profundezas da
Província da B a h i a , c o m seus sertanejos q u e vivem na d e p e n d ê n c i a dos caprichos do
clima. As principais vilas tiveram sua origem nos currais — p o n t o s de parada durante
as longas viagens das boiadas para o m a r ou para M i n a s Gerais — e também nas
atividades que foram surgindo p o u c o a p o u c o e se desenvolveram graças ao comércio
do gado b o v i n o . Logo no início da segunda metade d o século X V I I I , porém, a e c o n o -
mia dessa região foi ferida m o r t a l m e n t e pela decadência das atividades mineradoras
em Minas Gerais, pelo e s t a b e l e c i m e n t o de novas áreas de pecuária nessa capitania e,
principalmente, pela criação de fazendas de gado mais próximas de Salvador, sobretu-
do nas regiões do Agreste. Isolado, o vale d o São Francisco c o m e ç o u a produzir apenas
para c o n s u m o próprio, c m um sistema de e c o n o m i a fechada.
O São Francisco era navegável cm boa parte do seu curso, mas a utilização dessa
via levava a mercados situados fora dos limites da Bahia, o que dificultava a integra-
ção, principalmente c o m Salvador. O sertanejo não se deixava abater e procurava,
por todos os meios, estabelecer contatos c o m as províncias vizinhas. Casa Nova, por
94 BAHIA, SÉCULO X I X
É possível conhecer a composição por idade, sexo, cor e origem da população baiana
de então? Só o recenseamento de 1 8 7 2 permite esse tipo de desagregação, que mesmo
neste caso deve ser encarada com muita desconfiança, por causa dos erros que apare-
cem nas tabelas originais. Mas, com elas, é possível chegar a algumas ordens de gran-
LIVRO II - O PESO DOS HOMENS 95
TABELA 6
TABELA 7
TABELA 8
TABELA 9
D I S T R I B U I Ç Ã O DA P O P U L A Ç Ã O BAIANA POR C O R
1808 1
68.504 4.273 144.549 217.331 118.741 336.072
r-ontes: (1) Recenseamento de 1808, excluída a comarca de Sergipe dei Rei; (2) Adaptado dc "População considerada cm
relação àt idades", p. 514 do recenseamento de 1872.
A C I D A D E D E SALVADOR
É preciso dizer e repetir: Salvador e as áreas rurais de seu entorno formavam um todo.
Onde, então, acabava a cidade e começava o campo? Fundada por decisão real, em
1549, para tornar-se sede do governo da nova Colônia, Salvador, como todas as
paróquias e vilas do império português, recebeu um 'termo' (área sobre a qual se
exercia a autoridade municipal) de aproximadamente 3 6 k m e um 'rossio' (área de
2
expansão, que também servia de pasto para os animais pertencentes aos habitantes
urbanos e garantia o fornecimento de madeira, principal combustível doméstico). A
Tomé de Sousa, o fundador da cidade, foram dadas instruções muito claras, no que
dizia respeito à demarcação do Termo: "El Rey he que a dita povoação seja tal como
atras fica declarado ey por bem que ela tenha um termo e limite seis legoas para cada
parte e sendo caso que por allgua parte não aja as ditas seis legoas por não haver tanta
terra, chegara o dito termo ate onde chegarem as terras da dita capitania, o qual termo
mandareis demarquar de maneira que em todo tempo se possa saber onde parte."
Todas as fontes indicam que os limites desse Termo, definido no século XVI, não
foram modificados até o século X I X , tendo incluido ao longo de todo esse tempo sete
paróquias rurais, habitadas basicamente por agricultores dispersos: Nossa Senhora da
Conceição de Itapoã, São Bartolomeu de Pirajá, São Miguel de Cotejipe, Nossa Se-
nhora do Ó de Paripé, Nossa Senhora da Piedade de Matuim, Sant'Anna da Ilha de
Maré e Nossa Senhora da Encarnação de Passe. A estas sete paróquias, muito próximas
da cidade, deve-se acrescentar, por um lado, as de São Bento do Monte Gordo e do
Divino Espírito Santo (que formaram, no fim do século XVIII, o povoado de Abrantes)
e as de São Pedro do Açu da Torre e do Senhor do Bonfim da Mata (que, na mesma
época, formaram o povoado da Mata de São João). Até a época da Independência,
esses dois povoados e suas paróquias faziam parte do Termo de Salvador, e o mesmo
acontecia com as duas paróquias da ilha de Itaparica: Santa Vera Cruz e Santo Amaro.
Testamentos e inventários post mortem descrevem as casas modestas — com duas ou
três peças, térreas, raramente com primeiro andar, construídas com taipa mas freqüen-
100
LIVRO II - O PESO DOS HOMENS 101
mente sem muralhas desde o século X V I I , Salvador era protegida por pequenos fortes
instalados na costa ( S a n t o A n t ô n i o da Barra, S a n t a M a r i a , São D i o g o , São M a r c e l o ,
Montserrat) ou nos planaltos mais elevados do horst(São Pedro, S a n t o A n t ô n i o Além
do C a r m o , B a r b a l h o ) . E m fins d o século X V I I I j á havia dez paróquias, o dobro do
número observado c e m anos a n t e s . N o século X I X foi criada apenas u m a nova paró-
4
quia, a de M a r e s , datada de 1 8 7 1 .
Em 1757, 1800 e 1829, fizeram-se três descrições mais o u m e n o s precisas das
paróquias ditas urbanas. A mais antiga dessas descrições é u m a obra coletiva, feita
pelos nove párocos locais — eram e n t ã o n o v e as paróquias, pois a da P e n h a foi criada
em 1 7 6 0 — a p e d i d o de S u a M a j e s t a d e , q u e desejava informações sobre os habitantes
de cada jurisdição eclesiástica. O p e d i d o n ã o foi a c o m p a n h a d o de n e n h u m a orienta-
ção precisa e, por isso, o b t e v e respostas desiguais: alguns, c o m o G o n ç a l o de Sousa
Falcão, vigário da S é , d e r a m o n ú m e r o de fogos e de almas de sua paróquia, estabele-
cendo até u m a d i s t i n ç ã o e n t r e " a l m a s de c o m u n h ã o " (crianças c o m até sete anos) e
"almas de c o n f i s s ã o " (pessoas c o m mais de sete a n o s ) ; outros deram informações bem
sucintas: " n e s t a p a r ó q u i a " , disse s e c a m e n t e o vigário de Nossa S e n h o r a da C o n c e i ç ã o
da Praia, na C i d a d e B a i x a , " h á q u a t r o m i l almas de c o m u n h ã o " . M a s , de u m a forma
5
fogos. 11
N ã o consegui e n c o n t r a r n e n h u m desses c e n s o s . S ó t e n h o os dados globais de
3 7 0 6 (que a p o n t a m , para S a l v a d o r , 2 1 . 6 0 1 h a b i t a n t e s r e p a r t i d o s e m 4 . 2 9 6 fogos) e de
três outros r e c e n s e a m e n t o s realizados a t é 1 7 5 9 .
S e m m e n c i o n a r sua f o n t e , A f o n s o R u y a f i r m a q u e em 1 7 1 8 a cidade c o n t a v a c o m
3 9 . 2 0 9 h a b i t a n t e s e 6 . 6 1 7 fogos, r e s t a n d o a i n d a 2 . 6 7 6 pessoas nas paróquias rurais.
R o c h a Pita escreveu e m 1 7 2 4 q u e a n t e s dessa data havia e m Salvador seis mil fogos,
c o m cerca de t r i n t a m i l pessoas, divididas e n t r e a n o b r e z a — leia-se 'senhores de
e n g e n h o ' — , t r a b a l h a d o r e s e escravos, " a l é m d a q u e l e s q u e n ã o são capazes de receber
os s a c r a m e n t o s " . 1 2
O u t r a s f o n t e s p õ e m e m dúvida esses c á l c u l o s . E m relatório datado
de 1 8 4 0 , o a r c e b i s p o d a B a h i a , d o m R o m u a l d o d e S e i x a s , d á i n f o r m a ç õ e s sobre o a n o
de 1 7 5 5 , mas t a m b é m n ã o i n d i c a sua f o n t e (seria e s t a b e l e c i d a a p a r t i r das listas
n o m i n a t i v a s ? ) . S e g u n d o ele, S a l v a d o r t i n h a e n t ã o , e m m e a d o s d o s é c u l o , 37.543
habitantes, d i s t r i b u í d o s e m 6 . 7 1 9 f o g o s . O r e c e n s e a m e n t o d e 1 7 5 7 i n d i c o u q u e as
nove paróquias da c i d a d e a b r i g a v a m 3 4 . 4 2 2 h a b i t a n t e s púberes e 4 . 8 1 4 fogos, n ú m e -
ros m e n o r e s d o q u e o s i n d i c a d o s p o r A f o n s o R u y p a r a m u i t o s a n o s antes. N a d a
ocorreu na h i s t ó r i a d a c i d a d e q u e justificasse u m a d i m i n u i ç ã o da p o p u l a ç ã o e, s o b r e -
tudo, da q u a n t i d a d e de fogos e n t r e 1 7 1 8 e 1 7 5 7 . M e s m o a d m i t i n d o a hipótese de os
n ú m e r o s de 1 7 1 8 i n c l u í r e m crianças i m p ú b e r e s , p e r m a n e c e inexplicável a queda n o
n ú m e r o de f o g o s . 1 3
O s r e c e n s e a m e n t o s a p r e s e n t a v a m s u b - r e g i s t r o s d e c r i a n ç a s c o m m e n o s de sete
anos de idade, de m o d o q u e o m e s m o p o d e t e r o c o r r i d o c o m a p o p u l a ç ã o adulta
masculina. Esse c e n s o de j a n e i r o de 1 7 7 5 a p o n t o u p a r a a c i d a d e de Salvador uma
população de 4 0 . 9 2 2 a l m a s , repartidas e m 7 . 0 8 0 f o g o s , e p a r a as p a r ó q u i a s suburbanas
1 6 . 0 9 3 almas e 2 . 0 9 1 f o g o s . C o m p a r a d o s aos n ú m e r o s d o r e c e n s e a m e n t o de 1 7 5 9 , os
resultados p a r e c e m m e d í o c r e s : a p o p u l a ç ã o d a c i d a d e t e r i a p e r m a n e c i d o estacionária
durante 16 a n o s .
Essa c o n s t a t a ç ã o p e s s i m i s t a p e r m i t e d u a s h i p ó t e s e s : p o d e ser q u e os números de
1 7 5 9 t e n h a m i n c l u í d o t a m b é m a p o p u l a ç ã o s u b u r b a n a , para a q u a l n ã o disponho de
informações separadas, i n d u z i n d o assim a u m a s u p e r e s t i m a ç ã o dos h a b i t a n t e s da cida-
de p r o p r i a m e n t e dita. P o r o u t r o l a d o , essa d i m i n u i ç ã o p o d e t e r s i d o real, causada pelo
êxodo de h o m e n s para o S e r t ã o b a i a n o o u para o R i o d e J a n e i r o , o n d e se incorporavam
ao Exército que lutava c o n t r a a E s p a n h a n o S u l . M a s , s e m d ú v i d a , a explicação do
padre Avelino de J e s u s da C o s t a é a m a i s c o n v i n c e n t e . Para ele, o t r a b a l h o de Manuel
da C u n h a M e n e z e s utilizara dados de u m r e c e n s e a m e n t o i n c o m p l e t o , realizado em
1 7 6 8 , f o r n e c e n d o por isso n ú m e r o s s u b e s t i m a d o s . 18
TABELA 10
POPULAÇÃO D E SALVADOR, S E G U N D O OS R E C E N S E A M E N T O S DE 1 7 0 6 A 1 8 0 7
Focos PESSOAS
4.296 21.601
I718 2
6.617 39.209 2.676
1775 7
7.345 33.635
45-600
«07» 51.112
Fontes: (I> Arquivos do Arcebispado, d/WThales de Azevedo, Povoamento da cid.uie do Salvador, p. 185; (2) Afonso Ruy
nV Souza, História politica t administrativa da cidade do Salvador, p. 315; (3) Dom Romuaido Seixas, 1840, apud \ hücs
õV Azevedo, op rit. p. I 88; (4) Bra/. do Amurai. Recordações históricas, p. 256; Recenseamento feito a mando do Conde
dos Arcos, npud íhales de Azevedo, op. clt„ p. 189-190; (ó) Recenseamento feito a mando do governador Manuel da
Cunha Menezes (janeiro de 1775), apud'\ hales de Azevedo, op, cit., p, 191 192; (7) Recenseamento *ie 20 de junho de
1775, tf/tt/Tnales de Azevedo, op. cit., p. 193-194; (8) Recenseamento realizado a mando do governador Marques de
Valença, npud Diales de Azevedo, op. cit., p. 196 197; (9) Recenseamento eclesiástico, ^sWThaki At Aievedo. op. et.,
p. 219; (10) R^nsearnento feito a mando do Conde da Ponte, apud Y\\A\CS de A/cvcdo. op. cit., p. 218.
ANTES DE 1 8 7 2 : AVALIAÇÕES
TABELA 11
TABELA 12
Ponte: Katia M. de Queirós Mittoto,Bahia: a cidade do Salvador e seu mercado no século XIX, p. 135.
BAHIA, SÉCULO X I X
112
essa dinâmica n o limite dos dados disponíveis» parti dos números referentes à m o r t a -
lidade, registrados nas o n z e paróquias de Salvador ao longo de t o d o o século X I X . 2 6
Calculei as médias anuais de ó b i t o s , por períodos de dez anos. a partir de três hipóte-
ses: os dados são corretos, o n ú m e r o de óbitos é proporcional ao de habitantes, e o
efeito das endemias e epidemias n ã o varia de uma para outra década.
TABELA 13
M Í D I A S A N U A I S DE M O R T E S E M C A D A D É C A D A (ESTIMATIVAS)
POPULAÇÃO FLUTUANTE
E POPULAÇÃO MESTIÇA
Resta saber que c o n t i n g e n t e s não eram registrados por essas contagens de população.
Q u e m eram, c qual seu número?
Em primeiro lugar, e x c l u í a m - s c os ' i n o c e n t e s ' , 'párvulos' ou 'pagãos', ou seja,
crianças que ainda não tinham atingido sete anos, a idade da confissão. Depois, os
'agregados e suas famílias, que habitavam nos lares de seus senhores e, nas cidades,
1
urna centena de outros viajantes, havendo aqueles que, mais para o fim do século,
estimaram em mais de mil o número de embarcações de cabotagem que aportavam
115
BAHIA, SÉCULO X I X
116
de dois mil homens chegariam todos os dias por essa via. E n c o n t r e i os seguintes
números para as entradas e saídas de pequenas e m b a r c a ç õ e s entre 1 8 5 1 e 1 8 5 4 , Q U E
tripulantes.
TABELA 14
NAVEGAÇÃO DE CABOTAGEM
E N T R A D A S E SAÍDAS D E E M B A R C A Ç Õ E S D O P O R T O D E S A L V A D O R (1851-1854)
Fonte: A inserção da Bahia na evolução nacional* p. 2 0 1 . Para o período posterior a 1 8 5 4 as entradas e saídas são dadas apenas
em tonelagem, impedindo avaliação semelhante. Cf. Livro VI.
S e e x c l u i r m o s os n o v e a n o s ( 1 8 3 1 - 1 8 3 9 ) para os q u a i s n ã o e n c o n t r a m o s nenhum
d a d o e utilizarmos para o p e r í o d o 1 8 0 1 - 1 8 1 5 o s n ú m e r o s j á a p r e s e n t a d o s , registramos
a entrada de 2 7 7 . 6 8 1 a f r i c a n o s n o p o r t o d e S a l v a d o r d u r a n t e a p r i m e i r a metade do
século X I X . C o m o v i m o s , eles n ã o e r a m p o s t o s à v e n d a i m e d i a t a m e n t e , pois sua
aparência e saúde t i n h a m m u i t a i m p o r t â n c i a n a h o r a d e regatear o p r e ç o . O cativo era
lavado, tratado e c o l o c a d o e m r e g i m e d e e n g o r d a , r e c e b e n d o carne-seca, peixe seco,
farinha de m a n d i o c a , b a n a n a s e laranjas. A d u r a ç ã o dessa e t a p a d e p e n d i a da demanda
e das c o n d i ç õ e s de saúde d o s negros, m a s e r a f r e q ü e n t e q u e eles passassem vários meses
nos entrepostos c o n s t r u í d o s pelos c o m e r c i a n t e s para esse fim. 18
C o n s t i t u í a - s e assim
TABELA 15
e publicado em 1925. com dado* extraído* de Mfgud Calmon du Pin e Almeida (Marques de Abrantes). f ^bJeaJfnt0S
tma, s
d* açú<ar. de 1834. (2) e 0 ) Pierre Verger. /lux et reflux de ia traite dei negra entre legolfe du Benin et Bahia de lodos os ta
du XVir au XIX uecU, p. 665.
LIVRO I I - O PESO DOS HOMENS 119
TABELA 16
TABELA 17
Fontes: Recenseamentos de 1 8 0 8 e de 1 8 7 2 .
120 BAHIA, S É C U L O XIX
podia fazer sem problemas serviços domésticos e serviços 'de ganhos'; os homens eram,
em geral, m e n o s versáteis, incapazes de alternar, por exemplo, um serviço rude c o m o
o de transportes e u m serviço doméstico mais requintado. M a s , além dessa explicação,
é preciso levar em c o n t a que estava em curso um período de desmantelamento da força
de trabalho escrava masculina, pois eram preferencialmente homens — e, entre eles,
preferencialmente os detentores de u m ofício — os escravos colocados à venda para as
plantações de café do C e n t r o - S u l do Brasil.
O recenseamento de 1 8 7 2 fornece o n ú m e r o de casas da cidade: 1 5 . 2 5 7 , das quais
9 5 , 9 % estavam habitadas e 4 , 1 % n ã o habitadas. N ã o sabemos se estas últimas eram
edifícios públicos ou residências fechadas/abandonadas, mas constatamos que os regis-
tros consideravam freqüentes os casos de residências parcialmente arruinadas. As pos-
turas municipais d e t e r m i n a v a m que " n i n g u é m poderá ter, dentro da cidade, terreno
desocupado ou n o qual haja casa n ã o habitada, sem que estas sejam mantidas fechadas
e bem l i m p a s " . 23
A análise que se segue leva em c o n t a apenas as casas habitadas.
TABELA 18
da Conceição da Praia), a situação era inversa: existiam quinze sobrados (onde viviam
9 2 % da população) e sete casas térreas, que abrigavam apenas dezenove habitantes. A
atividade comercial da cidade se concentrava nas paróquias de Pilar e de Conceição da
Praia, onde havia sobrados magníficos e espaçosos. N u m deles, de dois andares além
do térreo, viviam 4 5 pessoas, distribuídas por duas famílias, seus escravos e um grupo
no qual se misturavam africanos livres e agregados.
O recenseamento de 1 8 7 2 nos fornece uma idéia da repartição, por cor, dos
habitantes de cada paróquia. Haveria áreas 'mais negras' que outras? O s mulatos eram
numerosos entre a população escrava? O n d e se encontrava maior número de caboclos,
que a tradição geralmente relega para o interior das terras da Província? Para o estran-
geiro que andasse pelas ruas da Bahia nos idos de 1 8 7 2 , a resposta seria evidente: havia
uma maioria negra. Mas, entre as pessoas de cor, era difícil distinguir trabalhadores
hvres c escravos. Entre csics últimos, que incluíam crianças, o número de mulatos era
relativamente alto, apesar da constante renovação do estoque africano (pelo menos até
11 - O P*>o ;X>S H O M E N S II]
I \Bl l \ i "
Não há dúvida de que, na cidade, a população de cor era mais numerosa que a
branca, com exceção das paróquias da C o n c e i ç ã o da Praia e de Brotas. Na primeira,
situada à beira-mar e c e n t r o da vida comercial da cidade, os h o m e n s brancos represen-
tavam quase 6 2 % do total. A população branca c o m o um todo correspondia a 5 7 %
nessa área, onde negociantes atacadistas moravam e realizavam suas grandes transa-
ções. Na Vitória, bairro mais arejado, viviam sobretudo estrangeiros. Encontrava-se ali
o menor percentual de mulatos: 1 2 , 5 % entre os h o m e n s e 2 2 , 8 % entre as mulheres.
Apesar dc sua natureza industriosa e empreendedora, marcada pelo forte desejo de
ascensão social, os mulatos não tinham conquistado espaço no âmbito do grande
comércio. A maioria dos balconistas c empregados das casas comerciais era formada de
brancos, de origem portuguesa, que faziam parte do lar do patrão c moravam no
próprio local de trabalho, mesmo quando o chefe tinha emigrado para locais mais
agradáveis.
Em Brotas também se podia constatar uma elevada presença dc brancos ( 5 0 , 9 %
do total), sobretudo homens ( ^ 4 , 8 % ) , mas por outras razões: tratava-se de uma paro-
124 BAHIA, S É C U L O X I X
hortas ou criar gado leiteiro. A paróquia mais ' m u l a t a era a d a P e n h a , situada na zona
rural, longe do c o r a ç ã o da cidade. Ali, os m u l a t o s representavam 5 2 , 5 % e as mulatas
6 1 , 9 % da p o p u l a ç ã o . O s m u l a t o s livres t a m b é m eram n u m e r o s o s na densa e p o p u l ar
paróquia de S a n t o A n t ô n i o A l é m d o C a r m o , o n d e c o n s t i t u í a m 4 9 , 3 % da população
livre, e na aristocrática p a r ó q u i a da Sé (49%).
TABELA 20
I*!!?
6 21
- 101
8.702 ,.,08 "¡0.519
, WW» (17.2) (2,., (,00.0)
Fonrc: Recrnscamcnto de 1872. ' ~~~~
TABELA 2 1
5J2J 2 1 3 3 2
8-720 ~t^t imr
( 4 7
' >
3
(19,3) (2.2) (100.0)
Fontc: Receiucamcnto de 1 8 7 2 .
LIVRO II - O PESO DOS HOMENS
TABELA 2 2
R E P A R T I Ç Ã O DA P O P U L A Ç Ã O D E S A L V A D O R E N T R E B R A N C O S E N Ã O BRANCOS, 1872
A FAMÍLIA BAIANA
C A P Í T U L O 9
U M P O U C O DE H I S T Ó R I A
Os conquistadores portugueses tiveram as mãos livres para edificar no Brasil uma vida
econômica baseada em grandes unidades de produção agrícola e uma vida social
organizada em torno da família. Como em todas as sociedades, a família se tornou,
também aqui, a base da organização social. Que família?
Com o extermínio progressivo dos povos indígenas, duas culturas — a branca
européia e a negra africana — influenciaram a estrutura familiar brasileira. Por moti-
vos evidentes, à primeira coube um papel preponderante, mas de forma alguma exclu-
sivo, A convivência com escravos africanos não era uma situação totalmente nova para
Portugal, onde a escravidão fora introduzida — ou reintroduzida — desde a época das
primeiras conquistas coloniais. Mas, ao que parece, o número de escravos nunca
1
129
BAHIA, S É C U L O XIX
130
tuiu um terceiro código, incluindo, pela primeira vez, as leis ditas extravagantes, q u e
até então não haviam sido codificadas, p e r m a n e c e n d o fora do corpus júris. Finalmente,
em 1 6 0 3 , durante o reinado de Filipe III da E s p a n h a ( 1 5 9 8 - 1 6 2 1 ) , veio à luz un
um
duradouro código, que serviria de base legal inclusive para a formação do Estadlo
brasileiro, vigindo aqui durante t o d o o primeiro século posterior à Independênci ncia
(a parte civil das O r d e n a ç õ e s Filipinas só foi substituída n o Brasil em 1 9 1 7 ) .
As Ordenações estabelecem u m a distinção clara e reiterada entre 'nobres' e 'peões'.
M a s , em qualquer desses casos, a família portuguesa o u brasileira foi definida como
nuclear, formada por u m casal e seus filhos. Para traçar a evolução legal dessa família
entre 1 8 0 0 e 1 8 9 0 , interessa-nos e s p e c i a l m e n t e o p e n ú l t i m o dos c i n c o livros, que trata
do direito civil e c o m e r c i a l . T e n t a r e m o s , p r i m e i r o , saber c o m o se estabeleciam os
2
direitos pessoais n o â m b i t o das relações familiais stricto e lato sensu. Depois, numa
segunda etapa, definiremos os direitos e deveres d e c o r r e n t e s dessas relações.
REGIMES MATRIMONIAIS
Para que fossem válidos, esses três tipos de c o n t r a t o s deviam ser legalizados e m
cartório, estipulando-se o n o m e dos futuros c ô n j u g e s e de seus pais, b e m c o m o sua
nacionalidade, religião, data de b a t i z a d o , idade, d o m i c í l i o e, se fosse o caso, grau de
parentesco. 4
S e o c a s a m e n t o n ã o fosse f e i t o em c o m u n h ã o legal, era indispensável
fornecer u m a descrição d e t a l h a d a dos b e n s de cada parte. O s c o n t r a t o s que encontrei
raramente o b e d e c i a m a essas regras. O mais das vezes registravam apenas os n o m e s dos
futuros c ô n j u g e s , o l o c a l , a d a t a e o m o n t a n t e d o d o t e (só o d o t e da f u t u r a esposa era
estipulado). A l g u m a s vezes os n o m e s dos pais eram c i t a d o s .
E r a m , p o r t a n t o , três os r e g i m e s m a t r i m o n i a i s e m vigor n o Brasil n o século X I X :
c o m u n h ã o legal, r e g i m e de d o t e , e s e p a r a ç ã o de b e n s . E s t u d a n d o t e s t a m e n t o s e inven-
tários post mortem p u d e v e r i f i c a r q u e , na B a h i a , 9 0 % dos c a s a m e n t o s eram celebrados
segundo o ' c o s t u m e d o reino*, isto é, a c o m u n h ã o legal. D e f i n a m o s m e l h o r cada u m a
dessas três f o r m a s d e a s s o c i a ç ã o m a t r i m o n i a l .
m e n t o dos dois cônjuges. S ó bens móveis (exceto apólices da dívida pública) podiam
ser alienados pela esposa sem o c o n s e n t i m e n t o do m a r i d o ou de uma autoridade
judiciária. As restrições eram maiores nos casos e m q u e a separação de bens se con-
jugava com a oferta de dotes: n e m m e s m o os dois cônjuges, agindo de comum acor-
do, podiam vender ou hipotecar seus próprios bens, dependendo para isso de auto-
rização judicial, c o n c e d i d a e m casos ' m u i t o especiais', c o m o dotar as crianças,
comprovar extrema pobreza, saldar dívidas contraídas pela esposa, consertar outro
imóvel dotal, sofrer expropriação pelo E s t a d o o u c o m p e n s a r afastamento do domi-
cílio c o n j u g a l . 7
DIVÓRCIO
FILIAÇÃO
outro. 1 1
FILHOS ADOTIVOS
HERDEIROS
Alguns traços originais a p a r e c e m nessa análise das bases legais da família. A forma de
associação c o n j u g a l mais c o m u m era a c o m u n h ã o legal de b e n s . Q u e podia significar
essa solidariedade, q u a n d o o s c ô n j u g e s n a d a p o s s u í a m ? M a i s d o que parece. Numa
sociedade e m q u e a riqueza era m u i t o c o n c e n t r a d a , o r e g i m e m a t r i m o n i a l era impor-
t a n t e m e s m o e n t r e os q u e n a d a p o s s u í a m , pois criava u m a solidariedade profunda
entre os dois p a r c e i r o s . Aliás, m e s m o n o c a s o de separação de bens, quase todos os
c o n t r a t a n t e s e s t a b e l e c i a m dotes o u r e n d a s . A t é o n d e p u d e ver, t o d o s os que optavam
pelo regime de separação de b e n s p e r t e n c i a m às c a m a d a s abastadas (comerciantes,
m e m b r o s de profissões liberais, m i l i t a r e s , f u n c i o n á r i o s ) . N o p e r í o d o de 1 8 0 1 a 1809,
e n c o n t r e i t a m b é m sete c o n t r a t o s desse t i p o feitos p o r escravos alforriados, mas foram
e x c e ç ã o . O r e g i m e d a c o m u n h ã o p o d i a ser m o d i f i c a d o n o d e c o r r e r da vida conjugal,
por e x e m p l o q u a n d o u m dos c ô n j u g e s recebesse u m a d o a ç ã o incomunicável.
camadas mais abastadas. A lei conferia uma existência real à família natural. Um casal
que vivesse em união livre era incitado a cumprir seus deveres e a regularizar sua
situação, nem que fosse no leito de morte, de modo a evitar contradição flagrante com
a moral cristã.
Vejamos agora como homens e mulheres de Salvador compreendiam essa mensa-
gem e como tiravam proveito de todas as aberturas, todas as possibilidades oferecidas
por uma legislação relativamente flexível.
CAPÍTULO 10
T I P O L O G I A DA FAMÍLIA BAIANA
Destacando apenas a família em seu sentido mais amplo, dita patriarcal, a historio-
grafia brasileira não fornece muitos dados sobre os núcleos familiares que existiam
na época colonial e no século X I X . Compreende-se: as descrições ressaltam a exis-
tência de uma sociedade dividida em dois grandes grupos, o dos senhores e o dos
escravos. Os engenhos de açúcar utilizavam mão-de-obra proveniente da África, en-
gendrando portanto, a partir da cor da pele, uma primeira estratificação social. Apli- 1
cado aos primeiros estabelecimentos coloniais, esse modelo foi estendido às estrutu-
ras oriundas de outras experiências produtivas — a mineração, por exemplo —, como
se nada tivesse mudado ao longo de séculos. Além disso, considerando-se o Brasil
como um país essencialmente agrícola, em geral nenhuma distinção se fazia entre os
meios urbano e rural. A estrutura agrícola e agrária herdada da Colônia, fundada na
monocultura, nos latifúndios e na escravidão, constituía "premissa fundamental" para
a análise da sociedade brasileira do século X I X . Assim, o grupo econômico era quase
2
142
LIVRO I I I - A FAMÍLIA BAIANA
143
pioneiro, de M a r i a L u i z a M a r c í l i o , s o b r e a p o p u l a ç ã o de S ã o P a u l o entre 1 7 5 0 e
1850, 4
q u e r e t o m a a d e f i n i ç ã o clássica de família e a estende aos n u m e r o s o s pais e
mães celibatários e n t ã o e x i s t e n t e s . 5
A c r e s c e n t a ainda a n o ç ã o de ' d o m i c í l i o ' , 6
local
o n d e viviam c o m u n i d a d e s c o n s t i t u í d a s p r i n c i p a l m e n t e p o r m e m b r o s de u m a família
_ _ a s c e n d e n t e s , n e t o s e o u t r o s p a r e n t e s , além de e m p r e g a d o s e hóspedes — que
c o m p a r t i l h a v a m o m e s m o t e t o d o c h e f e . P o d e - s e associar esse c o n c e i t o ao de ' f o g o s ' ,
usado nos a n t i g o s r e c e n s e a m e n t o s brasileiros. D e a c o r d o c o m a ausência ou a presença
de u m ou mais c h e f e s de f a m í l i a , M a r i a L u i z a M a r c í l i o distingue, entre a população
livre, três tipos d e d o m i c í l i o s — c o m a p e n a s u m c h e f e , c o m vários chefes e sem chefes
E s t u d a n d o o c a s o d e V i l a R i c a ( M i n a s G e r a i s ) , Iraci del N e r o da C o s t a 8
propôs
outra classificação, m u i t o ú t i l , s o b r e t u d o q u a n d o se trata de d e t e r m i n a r o t a m a n h o e
a estrutura dos g r u p o s d o m é s t i c o s . E l a p a r t e de d u p l o c r i t é r i o : o institucional (família
livre o u escrava) e o l i g a d o aos c o s t u m e s ( f a m í l i a i n d e p e n d e n t e o u d e p e n d e n t e ) . Neste
último caso a p a r e c i a m os a g r e g a d o s — parentes o u a m i g o s p o b r e s , o u então escravos
alforriados — q u e e x i s t i a m e m t o d a s as regiões d o Brasil, t a n t o n o c a m p o c o m o na
cidade. E m b o r a livres, m a n t i n h a m laços de d e p e n d ê n c i a e s u b o r d i n a ç ã o em relação ao
chefe das famílias q u e os h a v i a m r e c e b i d o . É e v i d e n t e q u e essa classificação é útil para
determinar o t a m a n h o e a e s t r u t u r a dos g r u p o s d o m é s t i c o s .
Seria i n t e r e s s a n t e t e n t a r u m a classificação q u e pudesse servir para várias regiões
brasileiras, de m o d o a p e r m i t i r c o m p a r a ç õ e s e n t r e as estruturas familiais. Além disso,
é essencial d i s t i n g u i r f a m í l i a s f o r m a d a s p o r pessoas livres, alforriadas o u escravas, para
que se possam c a p t a r as m o b i l i d a d e s sociais e afastar a idéia de u m a sociedade bloquea-
da, dual, q u e o p u n h a , s e m n u a n c e s , s e n h o r e s b r a n c o s e escravos negros.
quias da c i d a d e : S é , S a n t o A n t ô n i o A l é m d o C a r m o , S ã o Pedro c P i l a r . 11
Trabalh
c o m apenas tres delas — 2 1 4
c 22 a
da S é c 1 0 a
d o Pilar, q u e abrigavam ao rodo \ \\
f a m í l i a s — pois só nesses casos p u d e e s t a b e l e c e r os graus dc parentesco dos integrantes
dos grupos d o m é s t i c o s . Para o e s t u d o s o b r e a família alforriada, utilizei uma terceira
série, formada p o r 4 8 2 t e s t a m e n t o s de escravos alforriados na Bahia no século XIX
m u l h e r e s n e l e s e n v o l v i d o s t i n h a m m a i s de q u a r e n t a a n o s . 1 3
N a m a i o r i a desses c a -
sos, t r a t a v a - s e d e p e s s o a s a l f o r r i a d a s , o q u e n ã o é e s t r a n h o : a alforria era mais fre-
q ü e n t e m e n t e c o n s e g u i d a e m i d a d e r e l a t i v a m e n t e a v a n ç a d a . H a v i a t a m b é m portugueses
p o b r e s q u e se c a s a v a m t a r d e p o r q u e , d u r a n t e m u i t o t e m p o , v i v i a m a e x p e c t a t i v a de
fazer f o r t u n a e r e t o r n a r à p á t r i a . E m q u a l q u e r c a s o , os casais r e c é m - l e g a l i z a d o s eram
muito acolhedores em relação aos filhos n a t u r a i s j á e x i s t e n t e s . D o s 5 8 viúvos o u
viúvas r e g i s t r a d o s e m n o s s o q u a d r o , n o v e t i v e r a m filhos q u e f a l e c e r a m s e m deixar
d e s c e n d ê n c i a e n o v e e r a m e s t r a n g e i r o s ( q u a t r o a f r i c a n o s a l f o r r i a d o s , três p o r t u g u e -
ses, u m e s p a n h o l e u m f r a n c ê s ) .
TABELA 23
FAMÍLIAS LEGAIS ( 1 8 0 0 - 1 8 8 9 )
E n t r e as 6 2 f a m í l i a s legais r e c e n s e a d a s e m 1 8 5 5 , q u a r e n t a e r a m b r a n c a s , dezesseis
mulatas e s o m e n t e seis n e g r a s , d i s t r i b u i ç ã o q u e n ã o c o r r e s p o n d i a de j e i t o n e n h u m ao
peso de c a d a e t n i a n a p o p u l a ç ã o b a i a n a , f o r m a d a p o r c e r c a de 5 0 % de negros, 2 0 % de
mestiços e 3 0 % d e b r a n c o s . A s s i m , p o d e - s e d i z e r q u e , e m p r i m e i r o lugar, as pessoas
livres e, d e p o i s , os b r a n c o s e r a m p r o p o r c i o n a l m e n t e os q u e m a i s se apresentavam para
obter a b e n ç ã o m a t r i m o n i a l . M a s , q u a n d o r e p a r t i m o s os chefes de família p o r cor e
profissão, v e r i f i c a m o s q u e o c a s a m e n t o legal representava u m a espécie de ascensão
social para o casal m e s t i ç o o u n e g r o , q u e dessa f o r m a assimilava os valores d o grupo
branco d o m i n a n t e . U m a u n i ã o legal c o n f e r i a , a u m n e g r o ou m e s t i ç o , a respeitabili-
dade necessária a u m a a s s i m i l a ç ã o , q u e facilitava a c o n q u i s t a de u m a posição social
melhor para os filhos.
S ó e n c o n t r e i q u a t r o c a s a m e n t o s legais e n v o l v e n d o pessoas brancas e de c o r . E m
dois deles, h o m e n s m u l a t o s — professores, profissão m u i t o prestigiada — se casaram
c o m mulheres b r a n c a s ; n o o u t r o , n ã o aparece a profissão d o marido ( t a m b é m m u l a t o ) ,
que, n o e n t a n t o , p o s s u i n d o três escravos, c o m certeza tinha u m a situação financeira
aceitável. N o q u a r t o c a s o , u m português, d o n o de armazém, casou-se c o m u m a mulata.
C o m q u e idade as pessoas se casavam na Bahia? O s n ú m e r o s apresentados por
J o h i l d o A t h a y d e para as paróquias d o P a ç o (1806-1861) e da C o n c e i ç ã o da Praia
146
( 1 8 5 5 - 1 8 6 5 ) p e r m i t e m algumas c o n c l u s õ e s . 1 4
A p r i m e i r a , c o m o v.mos, f l c a v a n a
C i d a d e Alta, p e r t o d a C a t e d r a l , e m p l e n o c o r a ç ã o do d . s t r . t o r e s . d e n a a l , e n q u a n t 0 a
s e e u n d a estava na C i d a d e B a i x a , n o d i s t r i t o c o m e r c i a l d a c i d a d e . N a s duas p a r ó q u ^
a m é d i a de idade dos h o m e n s ao casar ( 2 9 a n o s ) era s e n s i v e l m e n t e superior à das
m u l h e r e s ( 2 4 ) . A m a i o r i a destas se casava e n t r e 1 5 e 2 4 a n o s e os h o m e n s entre 20 ,
Z anos I e n o r o c o m o essas m é d i a s se r e p a r t i a m d e n t r o das diversas camadas sociais,
e s p e c i a l m e n t e n o q u e dizia respeito a pessoas livres, a i f o m a d a s e escravas.
TABELA 24
Magistrado 1 - -
Escrivão 3 - -
Procurador de Justiça 1 - -
Escrevente - 1 -
Servidor público 8 I -
Advogado 1 - -
Médico 1 - -
Mestre - 1 -
Proprietário 1 - -
Comerciante 5 - -
Empregado no comércio 2 - -
Marítimo 1 - -
Ourívcs - I
Correeiro 1 - -
Artista 1 - -
Pedreiro
- 1 1
Marceneiro - 1 -
Pintor de paredes - 2 -
Chapelciro
- 1 -
Tanoeiro - - 1
Punileíro - 1 -
Açougueiro - 1 l
Sem profissão 2 3 I
Total 28 13 5
LIVRO I I I - A FAMUIA BAIANA 14?
TABELA 25
(") Este total é falso. Com efeito, se somarmos o número de cônjuges da paróquia do Paço. apresentado pelo próprio autor
na tabela publicada na p. 323 de seu trabalho, encontramos 822, ou seja, 411 pessoas de cada sexo. O mesmo pode ser
constatado para o caso da paróquia de Conceição da Praia.
Fonte: Johildo Lopes de Athavde, La ville de Salvador au XIX siècle. Aspects démographiques (d'après les registres paroissiaux),
e
p. 3 2 5 e 3 2 9 .
mesma família constrói o mais das vezes u m a história irregular e hesitante. N a tabela
abaixo, incluí casais o u pessoas viúvas c o m filhos; depois, contei todas as crianças, mesmo
as falecidas, deixando d e fora só os filhos naturais q u e não moravam c o m os pais.
TABELA 26
INVENTARIOS T O T A l DE T O T A l DE
N° DE FILHOS RECENSEAMENTO Fll HOS
hist mortem FAMÍLIAS
DF. 1855
126 (18,5) 126 (5.0)
1 14 112
127 (18.6) 254 (10,2)
2 13 114
118 (17.3) 354 (14.2)
3 11 107
T A B E L A 27
nas famílias baianas, 6 0 % das quais perdiam a metade de seus filhos antes da morte de
um dos pais. U m e x e m p l o e n t r e m i l : F r a n c i s c o Adães Vilas Boas, rico comerciante
português falecido e m 1 8 8 5 , declarou e m seu t e s t a m e n t o ter tido doze filhos, dos
quais seis m o r t o s e m tenra idade.
A FAMÍLIA CONSENSUAL
TABELA 28
E S T A D O C I V I L D O S C H E F E S D E F A M Í L I A , SEUS C Ô N J U G E S E SEUS A G R E G A D O S
UNIÕES LIVRES
T A B E L A 29
Pai celibatário -
- - - 3 112 115
T A B E L A 30
Pais 57 43 12
Mães 37
- 4
TABELA 31
Senhor de engenho 1 - - - - _ j
Negociante — 4 - - _ _ 4
Proprietário - 2 - - — _ 2
Padre 7 7
Mestre 1 - - _ _ _ j
Funcionário público 1 — - - - - l
Comerciário 1 22 - - - - 3
Militai 5 2 7
Dono de barco 1 2 1 - - 4
Comerciante 4 20 2 26
Rentista 12 4 2 14 - 32
Alugador de escravos 7 2 2 14 - 2 27
Fazendeiro 2 - - - - - 2
Agricultor 4 2 - 2 - - 3
Músico _ - 1 - - - '
laneciro 1 - - _ - - 1
Sapateiro I - - _ - - I
Caldeireiro - 1 - *" ~
Carpinteiro ] - I ~~ ~
Funileiro 1 - ~
Padeiro 1 I - - - ~ 2
Peicador 1 - - - - ^- 1
To^r 57 43 "12 37 - 4 1 5 3
4
1*4 BARIA, SÉCULO XIX
africanos alforriados com mais de quarenta anos; outra terça parte também havia
ultrapassado a mesma faixa etária. Pode-se concluir que as uniões livres se formavam
Li\-Ro III - A FAMILIA BAIANA
TABELA 32
Pescador 1
- - 1
Açougueiro - - 1 1
Carpinteiro - 1
- 1
Sapateiro
- 2
- 2
Marceneiro 1 1
- 2
Pedreiro — — 1 1
Taneeiro 1 - - 1
Funileiro 1 1 - 2
Tintureiro 1 - - 1
Alfaiate - 3 - 3
Músico - 1
- 1
Sem profissão - 4 2 6
Total 11 16 10 37
(') Não estão computadas as mães solteiras. (**) Termo empregado para carregad.
dcira.s, vendedores amhulantes c assemelhados.
TABELA 33
0
7 (17,1)
- 18 (26,1)
1 10 (24,4) 10 22 (31,9) 22
2 6 (14,6) 12 16 (23,2) 32
3 7 (17,0) 21 7 (10,1) 21
4 2 (4,9) 8 6 (8,7) 24
5 5 (12,2) 25
- -
6 2 (4,9) 12
- -
7 ou mais 2 (4,9) 15
- - -
Total 41 (100,0) 103 69 (100,0) 99
TABELA 34
L E G I T I M I D A D E E I L E G I T I M I D A D E S E G U N D O A C O R DAS C R I A N Ç A S
PARÓQUIA DA SÉ, 1830-1874*
CONDIÇÃO BRANCOS MULATOS
NEGROS
Legítimos 2.306 (66,5) 677 (18,7) 200 (13,7)
Ilegítimos 1.163 (33,5) 2.949 (81,3) 1.261 (86,3)
Total 3.469 (100,0) 3.626 (100,0) 1.461 (100,0)
(*) Exclusivamente entre a população livre.
U m terço das crianças b r a n c a s e 4/5 das mulatas e negras eram ilegítimas. Assim,
os registros de b a t i s m o c o n f i r m a m os dados do r e c e n s e a m e n t o de 1855 e dos inven-
tários post mortem da década de 1850. S o b r e t u d o nas camadas populares, as pessoas se
casavam p o u c o , p o r q u e a c e r i m ô n i a custava caro e n ã o havia reprovação grave em
relação às u n i õ e s livres. E n t r e 1850 e 1875, só 12,3% dos casamentos celebrados na
paróquia d a S é e n v o l v i a m c ô n j u g e s de c o r . 2 4
N a s certidões de batismo era muito c o -
mum aparecer apenas o n o m e da m ã e .
O s pais de filhos naturais n ã o gostavam de dar o próprio n o m e n o dia do batizado
da criança, pois isso p o d e r i a ser utilizado para u m r e c o n h e c i m e n t o de paternidade
exigido pela m ã e o u , mais tarde, pelo p r ó p r i o filho ou sua descendência. Apenas a mãe
— nunca o h o m e m o u o casal — declarava na pia batismal um filho que nascera
escravo. 25
T A B E L A 35
B A T I S M O S DE C R I A N Ç A S A B A N D O N A D A S NA C I D A D E D E S A L V A D O R , 1852-1861
Avos ToTAi DE BATISMOS BATISMOS DE CRIANÇAS ABANDONADAS
TABELA 37
. . . B B
35 A lere)3 C
FAMÍLIA DE LIBERTOS
TABELA 3 8
Fonte: J.J. Reis, Slave Rebellion in Brazii: The African Muslim Uprising in Bahia, 1835, p. 10.
a
Bahia, a m a i o r parte das m u l h e r e s escravas devia e x e c u t a r o m e s m o trabalho d os
h o m e n s , s o b r e t u d o n a s p l a n t a ç õ e s d e c a n a - d e - a ç ú c a r , o n d e havia a média de uma
escrava para dois escravos.
D a s 1 . 1 4 1 cartas o u t o r g a d a s e m Salvador e n t r e 1 8 6 9 e 1 8 7 0 , 6 4 0 fornecem indi-
cações sobre a idade e o s e x o dos negros b e n e f i c i a d o s , m o s t r a n d o q u e as mulheres
eram mais alforriadas q u e os h o m e n s .
T A B E L A 39
« f c X ^ ^ u r t ^ ^ j ^ j ^ . ^
C
$¡_f £ "
6
lf0r a
C O M
° FONTE
« " " P ' c m e n t a r para o escudo da rentabilidade da mio-
T A B E L A 4 0
Fonte: M.I. Cortes Oliveira, O liberto: o seu mundo e os outros (Salvador, 1790-1890), p. 120-127. A autora compara
umentos da população masculina livre e os testamentos dos alforriados nos mesmos períodos.
O c e l i b a t o , c a r a c t e r í s t i c a d a s o c i e d a d e b a i a n a d o s é c u l o X I X , era c o m u m entre os
alforriados, s o b r e t u d o e n t r e o s h o m e n s e na s e g u n d a m e t a d e d o s é c u l o . Entre a popu-
lação livre, o n ú m e r o d e c e l i b a t á r i o s p a s s o u d e 3 6 , 7 % a 4 5 % . E n t r e os libertos, de
27% a 59,1%.
N a medida e m q u e o s é c u l o passava, os a l f o r r i a d o s e x p e r i m e n t a v a m uma mutação
de o r d e m cultural. A s s i m i l a v a m o m o d e l o e u r o p e u 'livre' e rejeitavam o paradigma
m a t r i m o n i a l i m p o s t o p e l o m e s m o m o d e l o e u r o p e u c r i s t ã o . A n t e s de 1 8 5 0 , nenhum
pai solteiro declarava viver c o m u m a c o n c u b i n a . M a s , n a s e g u n d a m e t a d e do século,
3 8 deles, n u m total de 5 1 , m e n c i o n a r a m o n o m e da parceira. Africanos unidos a
a ricanas s o m a r a m 2 7 c a s o s ; sete n ã o d e c l a r a r a m as características da parceira; apenas
d o u v . a m c o m u m a n e g r a n a s c i d a n o B r a s i l . E r a , p o r t a n t o , i n c o n t e s t á v e l a predomi-
v l
T A B E L A 41
MULHERES HOMENS
HOMENS
A N M B ND A N M B ND
Africana 62 2 2 2 43 88 1
_
Negra brasileira 3 3 2 6 2 — — _
Mulata - - - - - — — _ _
Branca
- -
- - - - - _ _
Não declarada .29 12
- - 21 2 _
—
A • africano; N = Negro brasileiro; M - mulato; B = bra nco; N D - não declarad 0
T A B E L A 42
NÚMERO DE FILHOS
1801-1850
IN 1L 2N 2L 3N 3L 4N 4L 5N 5L +5N +5L
Homens casados 7 10 1 4 1 1
- l 1
- l 2
- ~~~ —•
Mulheres casadas 2 3
- 3 3 1
- - - - -
Homens viúvos 2 2 1 1
- 1
- - - - -
Mulheres viúvas - 5 3 2 4
1
- - - - - -
Homens celibatários 4 - 3 - 3 - - - - - -
Mulheres celibatárias 9
- 6
- 6
- 5
- - - - 1
IN IL 2N 2L 3N 3L 4N 4L 5N 5L +5N +5L
Homens casados 3 2 - 2 1 3 - - - 2 - -
Mulheres casadas 2 3 1 1 1
- - 1 - - - -
Homens viúvos 1 2 3 1 1
- - 1
- - - -
Mulheres viúvas 1 3 1
- 1
- - - - - 1 -
Homens celibatários 17
- 13
- 9
- 7
- 1
- 4 -
Mulheres celibatárias 7 - 5
- 2
- 1
- 1 - - -
(1) 1 natural e 3 legítimos; (2) 2 naturais e 3 legítimos; (3) e (4) uma testadora tem 1 filho legítimo e 1 natural.
A FAMÍLIA ESCRAVA
é fácil. O s dados foram coletados depois da abolição do tráfico, num período em que
era intenso o comércio interprovincial de escravos, c o m o envio de muitos africanos
para o Sul do país. Alem disso, a maior parte dos recenseados, sobretudo as mulheres-
trabalhava n o serviço d o m é s t i c o , 46
situação em que os escravos nascidos no Brasil
LIVRO I I I - A FAMÍLIA BAIANA 167
TABELA 43
Catocori 1 (0,1)
- - 1 (0,05)
Bornu 2 (0,2)
- - 2 (0,1)
Barba 2 (0,2)
- - 2 (0,1)
E n t r e esses do.s extremos da escala social havia uma numerosa população livre
parcialmente mestiça, formada por u m a multidão de homens e mulheres de comporta-
m e n t o m u i t o m e n o s rígido. E l o s intermediários dessa corrente, eles humanizavam as
relações s o c a i s , a p r o x i m a n d o os extremos e tornando os costumes mais flexíveis
Exerciam um difícil papel intermediário, que exigia sacrifícios e concessões, a fim de
manter equilíbrios precários entre essas duas estruturas — branca e negra — opostas
em tudo. Essas camadas intermediárias da população baiana faziam os brancos se
desprender de algumas de suas tradições européias e, ao m e s m o tempo, tornavam
menos africana a estrutura social negra. Graças a u m terceiro estudo tipológico — o
dos grupos d o m é s t i c o s , b e m mais extensos que as famílias de tipo nuclear, das alianças
matrimoniais e dos sistemas de parentesco — poderemos verificar com maior precisão o
importante papel desempenhado pelas camadas intermediárias da população de Salvador.
SISTEMAS DE PARENTESCO
E ALIANÇAS M A T R I M O N I A I S
SISTEMAS DE PARENTESCO
172
L I V R O I I I - A FAMÍLIA BAIANA 173
A t e r m i n o l o g i a d o p a r e n t e s c o se a r t i c u l a n o B r a s i l s o b r e t u d o e m t o r n o dos m o -
dos de filiação e de a l i a n ç a , p r i n c í p i o s essenciais d o t e c i d o p a r e n t a l . A filiação, que
estudamos n o p r i m e i r o c a p í t u l o , é d e f i n i d a s e g u n d o seus aspectos j u r í d i c o s : trata-se
do r e c o n h e c i m e n t o dos l a ç o s de u n i ã o e n t r e i n d i v í d u o s q u e d e s c e n d e m biologica-
m e n t e uns dos o u t r o s — ' d e s c e n d e n t e s ' , p a r a a filiação de c i m a para b a i x o , o u 'as-
cendentes', para a q u e l a q u e vai de b a i x o para c i m a . E m q u a l q u e r s i t u a ç ã o , a filiação
pode existir e m l i n h a direta o u c o l a t e r a l . E m p o r t u g u ê s , cada caso t e m u m a designa-
ção própria, e neste p o n t o as g e n e a l o g i a s familiais são precisas. E x i s t e , pois, u m a
m e m ó r i a genealógica m u i t o p r o f u n d a nessa s o c i e d a d e de e m i g r a d o s , q u e faz questão
de r e m o n t a r a a n t e p a s s a d o s d e d u a s , três o u m a i s g e r a ç õ e s , s o b r e t u d o q u a n d o se trata
de afirmar a a s c e n d ê n c i a de u m colateral prestigioso, c u j a a t u a ç ã o c o n f e r e brilho à
família em q u e s t ã o . T o d o s o s r a m o s da f a m í l i a C a l m o n d u P i n e A l m e i d a , p o r e x e m -
plo, reivindicam até h o j e , c o m o a n t e p a s s a d o , u m h o m e m de E s t a d o do início d o
século X I X , o M a r q u ê s de A b r a n t e s , q u e n ã o teve filhos. Essa corrida ao ascendente
ilustre não é, aliás, u m a c a r a c t e r í s t i c a exclusiva dos d e s c e n d e n t e s de portugueses.
R e e n c o n t r a m o s a m e s m a p r e o c u p a ç ã o e n t r e os a f r i c a n o s , q u e conservaram, por tradi-
ção oral, os n o m e s de antepassados livres e de sangue real. Eles d e s e m p e n h a m papel
particularmente i m p o r t a n t e n o seio de u m a população q u e descende de antigos es-
cravos; o dado social, aqui, é mais i m p o r t a n t e q u e o dado p r o p r i a m e n t e biológico.
Ainda hoje, certas famílias negras q u e têm um m e m b r o em funções elevadas na hie-
rarquia religiosa dos c a n d o m b l é s dizem que p o d e m r e m o n t a r a u m a ascendência real
de uma etnia africana qualquer.
b a t i s m o . N a z o n a rural, o n d e f r e q ü e n t e m e n t e a c o m u n i d a d e t e m mais h o m e n s q u e
m u l h e r e s , às vezes esta ú l t i m a é s u b s t i t u í d a pela p r ó p r i a N o s s a S e n h o r a . D e q u a l q u e r
m a n e i r a , o b a t i s m o n u n c a é c e l e b r a d o l o g o a p ó s o n a s c i m e n t o , s e n d o f r e q ü e n t e batizar
c r i a n ç a s q u e já c o m e ç a r a m a a n d a r . A c e r i m ô n i a é s e g u i d a d a c o n s a g r a ç ã o d a c r i a n ç a
a Nossa Senhora.
A o c o n t r á r i o d o q u e se passa h o j e , n o s é c u l o X I X a r e s p o n s a b i l i d a d e assumida p o r
p a d r i n h o s e m a d r i n h a s n ã o se l i m i t a v a ao q u e estava e s c r i t o n a c e r t i d ã o . Eles p o d i a m
ser e n c a r r e g a d o s d a e d u c a ç ã o , d a o r i e n t a ç ã o p r o f i s s i o n a l e d o e m p r e g o d o afilhado,
m e s m o q u e o s pais d e s t e f o s s e m v i v o s . E , se f a l h a s s e m , h a v i a a 'reserva', representada
pelo p a d r i n h o o u m a d r i n h a d e c r i s m a o u de c o n s a g r a ç ã o a N o s s a S e n h o r a . Assim,
desde o n a s c i m e n t o a c r i a n ç a era c e r c a d a p o r u m a rede p r o t e t o r a , m u i t o i m p o r t a n t e
n u m a s o c i e d a d e e m q u e a o r g a n i z a ç ã o f a m i l i a r era instável, havia g r a n d e n ú m e r o de
nascimentos ilegítimos e "crianças, h o m e n s e mulheres circulavam, construindo e
destruindo i n c a n s a v e l m e n t e , a o l o n g o de u m a m e s m a vida, f o r m a s d o m é s t i c a s precá-
r i a s " . A i m p o r t â n c i a d o a p a d r i n h a m e n t o era t ã o g r a n d e q u e , c o m o nos casos das
3
p a r e c i d o . Cada ' c a n t o ' tinha seu ' c a p i t ã o ' , prestigiado por seus camaradas e respon-
6
PARENTELA
ciam nas únicas cerimônias familiares realmente abertas: os enterros. A morte era
pública e sagrada, e as pessoas tinham o dever de prestar a última homenagem ao
defunto. Mas, terminada a c e r i m ô n i a fúnebre, todos se separavam novamente.
A parentela era, pois, uma associação de solidariedade familiar muito flexível e
multifuncional. C o m o o apadrinhamento, era uma via de multiplicação das solida-
riedades, um fator de coesão do grupo, um m o t o r para todas as promoções. Verda-
deira clientela, freqüentemente constituída de afilhados, filhos de afilhados, agrega-
LIVRO III - A FAMÍLIA BAIANA 1 "
Esses dois baianos que se casaram dentro das respectivas famílias tiveram sólidos
apoios familiares desde o início de suas vidas. O Visconde de Macaé começou sua
carreira seguindo a trajetória de seu pai, desembargador do Tribunal da Relação da
Bahia. Mas é interessante notar que ele adotou o nome — mais prestigioso — de sua
180 BAHIA, SÉCULO X I X
T A B E L A 44
Senhor de engenho 8 7
Proprietário rural 3 2
Comerciante 4
-
Desembargador 2 4
Alto funcionário - 1
Militar 6 3
Médico 1
-
Advogado 2 3
Outras 2 1
Sem informação 8 15
Total 36 36
(*) Consideramos i p c n u a principal atividade de cada um. Não foram incluídos três nobres
que pcrmaxicteTifn solteiros.
LIVRO I I I - A FAMÍLIA BAIANA 181
TABELA 45
A T I V I D A D E D O S PAIS D E N O B R E S BAIANOS F I X A D O S
N A B A H I A E D O S PAIS D E SUAS M U L H E R E S *
Senhor de engenho 37 38
Proprietário rural 11 10
Comerciante 1 5
Alto magistrado 2 1
Alto funcionário 5
Militar 2 2
Médico
- 1
Advogado 1
-
Outras — -
Sem informação 5 7
Total 64 64
(*) Consideramos apenas a princíp•aí atividade de cada um.Não foram incluídos dez nobres
que permaneceram solteiros.
terras n ã o c u l t i v a d a s e a t é a m ã o - d e - o b r a escrava, s e m c o m p r o m e t e r o f u n c i o n a m e n t o
d a e m p r e s a ligada a o e n g e n h o . C o m p r a r as partes dos o u t r o s herdeiros era quase
i m p o s s í v e l , s o b r e t u d o p o r q u e , n o s é c u l o X I X , o e n g e n h o de a ç ú c a r era quase sempre
d e f i c i t á r i o , f a z e n d o c o m q u e os s e n h o r e s estivessem f r e q ü e n t e m e n t e e n d i v i d a d o s . 17
Só
restavam d u a s s o l u ç õ e s : v e n d e r a p r o p r i e d a d e e repartir o d i n h e i r o , o u p e r m a n e c e r
n u m s i s t e m a q u e garantisse a p r o d u ç ã o u n i t á r i a . A p r i m e i r a s o l u ç ã o n ã o era atraente:
desfazer-se da terra s i g n i f i c a v a u m a i m e d i a t a p e r d a d e p r e s t í g i o e u m a inevitável
d e c a d ê n c i a s o c i a l ; a l é m d i s s o , h a v i a p o u c a s p o s s i b i l i d a d e s de i n v e s t i m e n t o interessan-
tes. A i n d i v i s ã o era a m e l h o r s o l u ç ã o . P a r a c o n s e r v a r p r e s t í g i o e f o r t u n a , era preciso,
a l é m disso, t e r várias p r o p r i e d a d e s . E n t e n d e - s e , a s s i m , q u e c i n c o dos d e t e n t o r e s de
t í t u l o s de n o b r e z a q u e figuram n a t a b e l a 4 5 t e n h a m c a s a d o c o m filhas de grandes
c o m e r c i a n t e s , q u e d o m i n a v a m a v i d a e c o n ô m i c a d a c i d a d e . E s s a d e t e r m i n a ç ã o de
c o n s e r v a r n a m e s m a classe s o c i a l o p a t r i m ô n i o t e r r i t o r i a l t o r n a - s e a i n d a mais evidente
q u a n d o se a n a l i s a m os v i n t e c a s a m e n t o s e n d ó g a r n o s , e n t r e os 6 4 r e c e n s e a d o s a q u i . U m
b o m t e r ç o d o s b a i a n o s e n o b r e c i d o s e s c o l h e u , c o m o esposas, p r i m a s - i r m ã s , primas
' c r u z a d a s ' e, e m q u a t r o c a s o s , s o b r i n h a s .
A análise das e s t r a t é g i a s m a t r i m o n i a i s de d u a s g r a n d e s f a m í l i a s d o R e c ô n c a v o , os
A r a ú j o G ó i s e o s C o s t a P i n t o , p e r m i t e c o m p r e e n d e r m e l h o r esse s i s t e m a enraizado nas
m e n t a l i d a d e s b a i a n a s . A f a m í l i a A r a ú j o G ó i s era u m a das m a i s antigas da p r o v í n c i a . O
f u n d a d o r p o r t u g u ê s , G a s p a r de A r a ú j o , o r i g i n á r i o d a vila de A r c o s de V a l - d e - V a z , no
M i n h o , e sua m u l h e r , d o n a C a t a r i n a d e G ó i s , o r i g i n á r i a d a vila de A l e n q u e r , p e r t o de
L i s b o a , c h e g a r a m e m 1 5 6 1 a S ã o J o r g e dos I l h é u s , sede d o d i s t r i t o da n o v a C a p i t a n i a
de P o r t o S e g u r o . E s s e casal p o r t u g u ê s teve seis filhos n a s c i d o s n o B r a s i l . 1 8
D e p o i s da
m o r t e de sua m u l h e r , G a s p a r se i n s t a l o u e m S a l v a d o r , s e n d o r e c e b i d o c o m o irmão
leigo n u m c o n v e n t o j e s u í t a , o n d e veio a m o r r e r .
T A N EI. A 4 R»
ENDOGAMIA E CELIBATO NAS SEIS FAMÍLIAS ESTUDADAS (%)
AHAÜJO GOIS Bvucko SODRÉ BITTENCOURT BERENGUER COSTA PINTO
TABELA 47
C A S A M E N T O E C E L I B A T O E N T R E H O M E N S E M U L H E R E S DAS S E I S F A M Í L I A S E S T U D A D A S
Total 49 34 132 57 44 22 27 21 85 61 29 10
Nessa época, aliás, a maior parte dos filhos era dócil, e o apoio familiar era
necessário durante toda a vida. Privar-se dele equivalia, no caso dos homens, a privar-
se de todas as relações sociais necessárias a uma carreira; no das mulheres, a abdicar de
uma vida honrosa. Para elas, o celibato só podia ser encarado c o m o um sacrifício de
moça sem dote. Manter boas relações com a família era fundamental para preservar
sua p a n e da herança familiar,
A endogamia familiar desses enobrecidos baianos se ligava, portanto, a imperati-
vos econômicos. U m a verdadeira endogamia de classe estreitava os laços que já exis-
tiam naturalmente entre os m e m b r o s das camadas dominantes da sociedade. Graças a
CVSJ V o o á o sem falhas*, os proprietários de terras conservavam seus privilégios, fazen-
do com que se impusesse .\ admiração dos baianos a imagem dos barões do açúcar*
todo-poderosos — unia imagem que tinha várias facetas pois, já o disse antes, nos
séculos X V I I I e X I X um c o m e r c i a n t e b e m - s u c e d i d o podia tornar-se senhor de enge-
nho, c o m p r a n d o terras ou se aliando, pelo c a s a m e n t o , às grandes famílias da região.
Assim, sangue novo e dinheiro renovavam c o n s t a n t e m e n t e uma classe social cujas
atividades estavam sujeitas a flutuações e c o n ô m i c a s imprevisíveis. N o decorrer do
século X I X esse m e c a n i s m o perdeu eficácia, n o que diz respeito à renovação dos
senhores de e n g e n h o , que passaram a fortalecer os laços de solidariedade no próprio
interior do grupo.
Existiram três razões para essa situação. A primeira: desde a Independência, mui-
tos portugueses retornaram ao seu país, para tugir da hostilidade dos brasileiros, que
os consideravam açambarcadores c aproveitadores. Foi inevitável admitir que a vida
econômica de Salvador e do R e c ô n c a v o sofreu muito com a evasão de capitais, relacio-
nada a esse processo. O governo imperial expulsou numerosos comerciantes portugue-
ses mas, cm seguida, os senhores de e n g e n h o consentiram em que eles retornassem,
para lutar contra o m o n o p ó l i o inglês e para proteger sua fonte de abastecimento de
escravos africanos, c u j o tráfico estava ameaçado pela ação da Inglaterra. O retorno dos
portugueses ao Brasil — agora c o m o estrangeiros — recomeçou por volta dos anos
1 8 3 5 - 1 8 4 0 , mas a maior parte deles não escondia o desejo de enriquecer e regressar
à pátria quando chegasse a velhice. Por isso, freqüentemente esses novos imigrantes
permaneciam celibatários. Por outro lado, os ingleses tiraram o maior proveito da
abertura dos portos aos comeciantes estrangeiros, decretada em 1 8 0 8 . Importação,
exportação c navegação passaram a partir daí, pouco a pouco, das mãos dos portugue-
ses à dos estrangeiros, sem contar com os brasileiros, igualmente tentados pelo comér-
cio de varejo. Em 1 8 5 4 , 8 3 , 6 % dos comerciantes eram portugueses. Em 1 8 7 3 , cies
não passavam de I 1 , 1 % . 3 3
e prata. Seu legatário universal foi V i c e n t e Ferreira, filho de sua escrava Maria, que
Brigida tinha educado e libertado g r a t u i t a m e n t e . 43
Existia, entretanto, uma fonte de novas tensões: os filhos desses alforriados, que
representavam para seus pais um verdadeiro investimento social. O s filhos dos africa-
nos não eram mais estrangeiros; os filhos de negros alforriados já nasciam livres e não
tinham mais a tara original da escravidão. Ademais, eles podiam tornar-se para seus
pais, já velhos, uma fonte de renda, trabalhando e trazendo seu salário para o grupo
familiar. Mas, esses filhos que já nasciam livres eram um elemento que diluía a coesão
LIVRO III - A FAM(I IA BAIANA 195
TABELA 48
P E D I D O S D E D I S P E N S A D E C A S A M E N T O NA P A R Ó Q U I A D E S Ã O P E D R O
1815-1854 E 1871-1890
1815-1824 10 4 - -
1825-1S34 12 1 3
-
1835-1844 27 5 2
-
1845-1S54 24 2 6 1
1871-1880 34 2 13 10
1S81-1890 38 6 9 13
O papel que as famílias desempenhavam na educação não pode ser esquecido. Até a
Independência, as instituições religiosas praticamente monopolizavam a instrução,
sobretudo no nível secundário. O primeiro Império criou, aqui e ali, cátedras de
gramática, latim, grego e francês. Mas só no segundo Império, em 1 8 3 4 , o Ato Adi-
cional autorizou as assembléias legislativas das províncias a elaborar leis concernentes
ao ensino de nível primário e secundário. E m 2 2 de abril de 1 8 6 2 , após dois anos de
1
200
LIVRO III - A FAMIUA BAIANA
TABELA 49
H O M E N S E M U L H E R E S ALFABETIZADOS, 1 8 7 2
Santo Antônio Além do Carmo 2.529 4.728 7.257 2.119 6.127 8.246
T ABELA 5 0
T A X A DE ALFABETIZAÇÃO E C O R DA PELI; DA POPULAÇÃO LIVRE, 1 8 7 2 ( %)
Santo Antônio Além do Carmo 31,0 69,0 34,8 27,2 72,8 25.7
S ó 1/3 dos m e n i n o s e p o u c o mais q u e 1/4 das meninas entre seis e quinze anos
freqüentavam a escola em Salvador. O percentual de alfabetização entre as crianças
( 2 7 , 9 % ) era dez pontos percentuais m e n o r q u e o referente à população adulta ( 3 7 % ) .
A paróquia de Brotas mais u m a vez aparece à frente: 8 2 , 8 % dos meninos e 8 0 , 9 % das
meninas freqüentavam a escola; na C o n c e i ç ã o da Praia o percentual referente aos
meninos caía para 7 3 % > mas o das meninas, 8 9 % , era o mais alto de todos. Nas
demais, m e n o s de 3 0 % das meninas iam à escola, c o m exceção da de Vitória, c o m
6 7 , 7 % . c d e S a n t o A n t ô n i o Além do C a r m o , c o m 4 0 , 6 % . Surpreende o percentual
registrado e m Sant^Anna: só 8 , 8 % das m e n i n a s iam à escola nessa paróquia habitada
por camadas médias da sociedade. A situação dos m e n i n o s era bastante parecida c o m
a das meninas: a p a r ó q u i a de S a n t ' A n n a registrava o mais baixo índice de escolaridade
( 1 4 , 6 % ) , seguida pela da V i t ó r i a ( 1 8 , % ) e de M a r e s ( 2 4 , 9 % ) . N a s outras paróquias o
índice ficava acima de 3 5 % .
Seja c o m o for, são percentuais m u i t o baixos: a grande maioria das crianças baianas
não aprendiam a ler e e s c r e v e r . E m 1 8 7 3 , t o m o u - s e a decisão de generalizar a alfabe-
4
TABELA 51
% ESCOI-ARIZAPAS
TOTAL % ESCOIARIZADOS TOTAI.
dramalhôes portugueses, e que os cenários e o vestuário dos atores sejam dos mais
pobres, os teatros estão quase sempre r e p l e t o s " . 8
Por volta de 1 8 2 0 , os 'mistérios',
c o m o o de Santa Cecília — a que assistiu L. F. T o I I c n a r e 9
— , e espetáculos mais
populares tinham a preferencia d o público. O s enredos eram inspirados no cotidiano
das famílias; c o n t a v a m , por e x e m p l o , os amores grotescos entre um velho negro ciu-
m e n t o e uma velha negra provocante, o u mostravam um inglês bêbado tentando falar
português, ou ainda cenas de empregados domésticos poltrões. Representavam-se tam-
bém tragédias, c o m o u m a baseada em Maomé, de V o l t a i r e , ou o drama Duas filhas do
conde de Bragança, do a u t o r português A n t ô n i o Pereira da C u n h a . N ã o faltavam
farsas, c o m o A vila fidalga, n e m obras de Scribe e Alexandre D u m a s , além da indefectível
Hernâni de V i c t o r H u g o . Ó p e r a s líricas eram encenadas por companhias italianas,
c o m o Dilúvio universale Lucia de Lamermoor (de D o n i z e t t i ) e Templário (de N i c o l a i ) .
Foi t a m b é m nos teatros q u e , na segunda m e t a d e do século X I X , c o m e ç a r a m a se
realizar bailes de máscaras q u e a n t e c i p a v a m os clubes carnavalescos do fim do século.
A julgar pelo que se lê n o Diário da Bahia de j a n e i r o de 1 8 6 3 , esses bailes favoreciam
os encontros extraconjugais, pois u m a n ú n c i o assinado por u m certo Cavaleiro V e r -
melho c o m e ç a v a p o r u m alegre "viva a m a s c a r a d a " e declarava: "estou te esperando
hoje n o teatro... E n t e n d e u , bela d a m a ? " O u t r o a n ú n c i o , escrito n u m claudicante
francês, dizia: " M a d a m e F . . . E s t o u te esperando h o j e n o baile de máscaras para dançar
contigo c b e b e r c h a m p a n h e . Pierrô E s c a r l a t e . " 10
O s baianos cultos — ou os que,
pertencendo à b o a sociedade, queriam parecê-lo — p r o m o v i a m os chamados saraus,
que t i n h a m lugar à n o i t e , e m geral nas casas das famílias, ensejos para brilhantes
duelos de retórica, f u n d a d o s s o b r e t u d o na capacidade m n e m ó n i c a dos contendores.
A família natural, criada pela mera vontade dos parceiros, era tão c o m u m na Bahia
quanto a sacramentada pela Igreja C a t ó l i c a . Aliás, por razões de ordem institucional,
e c o n ô m i c a e dc mentalidades, as uniões livres eram mais numerosas q u e as legais. D o
ponto de vista institucional, a sociedade se c o m p u n h a d c indivíduos cujos estatutos
legais e sociais eram diversos — os livres, os alforriados e os escravos — e, c o m muita
freqüência, as uniões consensuais se davam entre pessoas de c o n d i ç õ e s diferentes. Era
c o m u m que homens livres (brancos o u de c o r ) escolhessem c o n c u b i n a entre alforriadas
ou escravas. Várias situações podiam ocorrer.
A união legal c o m u m a escrava — m e s m o m u l a t a ou quase branca — era proibida
por lei. A união c o m u m a alforriada era l e g a l m e n t e viável, m a s tendia a permanecer
consensual, pois o casamento c o m u m a m u l h e r de nível inferior podia ocasionar a
decadência social do h o m e m , privando-o ainda da possibilidade de vir a se unir for-
malmente c o m outra mulher, q u e pudesse auxiliá-lo a ascender. P o r o u t r o lado, a vida
em c o m u m c o m u m a m u l h e r branca podia indicar q u e ela j á era casada ou vinha de
um meio social inferior. E r a t a m b é m f r e q ü e n t e q u e , t e n d o em vista a preservação de
bens, viúvas preferissem m a n t e r u m a relação oficiosa, r e n u n c i a n d o a novo casamento,
m e s m o quando se d i s p u n h a m a ter filhos dessa relação i l e g í t i m a . 19
jurídico. 2 0
Aliás, as u n i õ e s livres, e m geral c o n t r a í d a s em idades mais avançadas — o
q u e t a m b é m a c o n t e c i a c o m os c a s a m e n t o s — , c o n s t i t u í a m a c o r d o s de e n t e n d i m e n t o
e a j u d a m ú t u o s para m e l h o r a r a vida dos d o i s p a r c e i r o s , assim c o m o u m a tentativa
de p e r p e t u a r o r i g e n s é t n i c a s c o m u n s . 2 1
Q u a n t o aos e s c r a v o s , c o m o já i n d i q u e i , n ã o se c a s a v a m , fato a q u e os s e n h o r e s n ã o
davam m u i t a i m p o r t â n c i a . T a m p o u c o e n c o n t r e i , nas m i n h a s pesquisas, registro de u m
caso s e q u e r d e e s c r a v o s v i v e n d o e m c o n c u b i n a t o . A o q u e t u d o i n d i c a , as u n i õ e s livres
eram privilégio dos q u e g o z a v a m d o e s t a t u t o de c i d a d ã o livre o u de a l f o r r i a d o . 22
n h e c i d o s , esses ú l t i m o s t i n h a m t a m b é m o m e s m o d i r e i t o à h e r a n ç a p a t e r n a , numa
a t i t u d e permissiva d o legislador, q u e era ao m e s m o t e m p o causa e e f e i t o do grande
n ú m e r o de u n i õ e s livres p r a t i c a d o nessa s o c i e d a d e . N ã o era, aliás, m e r a c o n s e q ü ê n c i a
da s i t u a ç ã o e s c r a v o c r a t a e c o l o n i a l d o B r a s i l , pois vigorava e m P o r t u g a l , o n d e as uniões
livres e os n a s c i m e n t o s i l e g í t i m o s e r a m t a m b é m f r e q ü e n t e s . 2 5
N o m á x i m o , pode-se
a d m i t i r q u e a q u i o f e n ô m e n o se a m p l i o u , e m d e c o r r ê n c i a da m a i o r desigualdade entre
h o m e n s e m u l h e r e s e p o r q u e se t r a t a v a de u m a s o c i e d a d e e m q u e o c a s a m e n t o era visto
c o m o m e i o d e a s c e n s ã o s o c i a l : era p r e c i s o p e n s a r d u a s vezes a n t e s de se unir oficial-
m e n t e a a l g u é m para f u n d a r u m a f a m í l i a .
R e c o n h e c e n d o as u n i õ e s livres e o s d i r e i t o s d o s f i l h o s i l e g í t i m o s , a sociedade
brasileira se a f i g u r a v a m u i t o ' a v a n ç a d a ' p a r a a é p o c a , c r i a n d o u m a realidade que
teve e n o r m e i n f l u ê n c i a s o b r e c o m p o r t a m e n t o s e r e l a ç õ e s s o c i a i s . E s t e s tenderam a
ser m e n o s f o r m a i s , t o r n a n d o possível a i n t e g r a ç ã o , n a s c a m a d a s s u p e r i o r e s , de toda
u m a massa o r i u n d a de castas m e n o s f a v o r e c i d a s . G r a ç a s a laços de p a r e n t e s c o indis-
cutíveis, u m m u l a t o — e às vezes u m n e g r o — p o d i a s u b i r n a h i e r a r q u i a social,
protegido por u m sistema ao m e s m o t e m p o rígido e flexível, f r e q ü e n t e m e n t e frouxo
e tolerante.
E i s u m p r i m e i r o t r a ç o c a r a c t e r í s t i c o dessa s o c i e d a d e , q u e dava m a r g e m a c o m p o r -
t a m e n t o s sociais q u e t r a n s g r e d i a m o s e s t a t u t o s legais q u e a d i v i d i a m e n t r e b r a n c o s e
n e g r o s , s e n h o r e s e e s c r a v o s . F o i a s s i m q u e a i n s t i t u i ç ã o f a m i l i a r t o r n o u - s e u m m e i o de
p r o m o ç ã o s o c i a l . J á o d e m o n s t r e i a o a n a l i s a r as e s t r a t é g i a s m a t r i m o n i a i s q u e me
revelaram a a m p l i t u d e dessa e v o l u ç ã o . E m t o r n o d a f a m í l i a d e v e m ser buscados os
e l e m e n t o s para se c o m p r e e n d e r as c o m p l e x a s h i e r a r q u i a s s o c i a i s , p o i s a família era o
e i x o a c u j a volta g i r a v a m as r e l a ç õ e s s o c i a i s , c o m b a s e n a s q u a i s as h i e r a r q u i a s se faziam
o u se desfaziam. R e u n i n d o p a r e n t e s , a g r e g a d o s e v i z i n h o s d e rua o u de b a i r r o , os
c a s a m e n t o s , n a s c i m e n t o s , e n t e r r o s e o u t r o s a c o n t e c i m e n t o s f a m i l i a r e s eram atos pú-
blicos e, c o m o tais, c r i a v a m s i t u a ç õ e s privilegiadas p a r a a p r e e n d e r a t r a m a tecida pelos
laços sociais.
Q u a n d o o n a m o r o c o n d u z i a a o c o m p r o m i s s o e ao p e d i d o de c a s a m e n t o , celebra-
va-se o n o i v a d o , e m c e r i m ô n i a p r e s e n c i a d a p o r p a r e n t e s , a m i g o s , vizinhos e empre-
gados. P o r vezes, c o m o v i m o s , n ã o era p r e c e d i d o d e n a m o r o , p o i s tratava-se de esco-
lha dos pais. E r a c o m u m fazer, n o dia d o n o i v a d o , u m a e x p o s i ç ã o do enxoval da
noiva, em geral a d m i r a d o c o m e s t a r d a l h a ç o n a p r e s e n ç a d a n o i v a e de seus familiares
e c o m f r e q ü ê n c i a a c e r b a m e n t e c r i t i c a d o mal se cruzava o p o r t ã o , na saída. Bebia-se,
c o m i a - s e , c o n t a v a m - s e m i l e u m m e x e r i c o s e se fazia u m a provisão de futricas para as
semanas vindouras.
Para o c a s a m e n t o , os dias preferidos e r a m as quintas-feiras e os sábados. Sexta-
feira, j a m a i s : era dia aziago. E m geral a c e r i m ô n i a era celebrada na presença das
famílias e dos a m i g o s , na igreja da p a r ó q u i a de u m dos noivos, por u m número de
padres c o r r e s p o n d e n t e às posses das famílias. O s filhos dos grandes proprietários rurais
e senhores de e n g e n h o casavam-se m u i t a s vezes nas casas dos pais. Até o advento da
R e p ú b l i c a , o c a s a m e n t o era u m ato e x c l u s i v a m e n t e religioso, pois n ã o existia casamen-
t o civil. E r a necessária a presença de duas t e s t e m u n h a s , mas este n ú m e r o podia ser
multiplicado q u a n d o havia m u i t o s amigos a h o m e n a g e a r . E r a c o m u m que entre esses
amigos fosse incluída u m a pessoa de c o n d i ç ã o social inferior, q u e podia ser um bom
artesão, u m a m i g o de cor o u u m e m p r e g a d o cujas qualidades fossem especialmente
apreciadas. P o r t r a d i ç ã o , a esposa podia conservar seu s o b r e n o m e , e alguns dos filhos
LIVRO III - A FAMILIA BAIANA
213
V i a g e m de l u a - d e - m e l a i n d a n ã o existia. F i n d a a c e r i m ô n i a e as c o m e m o r a ç õ e s
h a b i t u a . * , os n o . v o s iam para sua n o v a casa, o u para a dos pais de um deles Era
c o m u m , em s m a l de alegria, l i b e r t a r escravos em dia de c a s a m e n t o . S e g u n d o T h a l e s de
Azevedo, n o s é c u l o X I X o d o t e a i n d a era u m a c o n d i ç ã o imprescindível ao casamento
e era assegurado p e l o pai o u pelos i r m ã o s a f o r t u n a d o s . 3 3
Q u a n t o à m o r t e , t o d o s a t e m i a m nessa c i d a d e e m q u e as c o n d i ç õ e s de higiene
eram precárias e as e n d e m i a s e e p i d e m i a s g r a s s a v a m . O í n d i c e de m o r t a l i d a d e infantil,
já o c o n s t a t a m o s , era c a t a s t r ó f i c o . I g n o r o a e x p e c t a t i v a de v i d a da p o p u l a ç ã o adulta,
talvez e n t r e 4 5 e 5 0 a n o s . U m a c o i s a é c e r t a : a m o r t e a t e r r o r i z a v a e estava sempre
presente. T o d o s usavam figas, a m u l e t o q u e , s e g u n d o se a c r e d i t a v a , c o n j u r a v a essa
fatalidade. O s padres, e m suas o r a ç õ e s e h o m i l i a s , n ã o se c a n s a v a m de t r a n s m i t i r aos
baianos a i m a g e m de u m D e u s v i n g a t i v o e c i o s o , e m d e t r i m e n t o daquele T o d o -
M i s e r i c o r d i o s o d o N o v o T e s t a m e n t o . M u i t o c e d o , o b a i a n o era p r e p a r a d o para en-
frentar a m o r t e , q u e o p o r i a f a c e a face c o m o C r i a d o r . E s s a p r e p a r a ç ã o envolvia duas
etapas: p r i m e i r o , o ingresso n u m a das n u m e r o s a s i r m a n d a d e s , o q u e dava a segurança
de ter um e n t e r r o d e c e n t e ; d e p o i s , a r e d a ç ã o d o t e s t a m e n t o , expressão das últimas
vontades, c m q u e as p r e o c u p a ç õ e s de o r d e m religiosa s u p e r a v a m d e m u i t o as de ordem
familiar.
A t é 1 8 6 0 , era r a r o q u e se d e i x a s s e m à f a m í l i a as d e c i s õ e s s o b r e o e n t e r r o , e mais
raro a i n d a d e s e j a r - s e u m e n t e r r o s i m p l e s , s e m p o m p a ; para o p e r í o d o de 1 7 9 0 - 1 8 2 6 ,
e n t r e c e m t e s t a d o r e s e x - e s c r a v o s s ó 2 1 % dos h o m e n s e 2 4 % das m u l h e r e s deixaram
suas f a m í l i a s d e c i d i r s o b r e s e u s e p u l t a m e n t o . M a s , se f i z e r m o s o c á l c u l o para o p e r í o d o
de 1 8 6 3 - 1 8 9 0 , e n t r e c e m t e s t a d o r e s , s e m p r e e x - e s c r a v o s , 6 8 % dos h o m e n s e 6 4 % das
m u l h e r e s n ã o m e n c i o n a r a m a m a n e i r a c o m o d e s e j a v a m ser s e p u l t a d o s o u deixaram
isso a c r i t é r i o d a f a m í l i a . 3 5
N o s t e s t a m e n t o s d o s p o b r e s , b o a p a r t e dos p a r c o s bens que
p o s s u í a m era d e s t i n a d a a o p a g a m e n t o das m u i t a s missas a s e r e m rezadas nos meses ou
anos s u b s e q ü e n t e s à m o r t e . A t é os a f r i c a n o s r e c é m - s a í d o s d a e s c r a v i d ã o q u e r i a m um
enterro aparatoso.
na rua de Baixo e " q u a t r o f i l h i n h a s " — q u e sua segunda mulher tivera antes do ca-
s a m e n t o — que deveriam ser "batizadas e educadas da maneira mais apropriada pela
dita filha V e r í s s i m a " . Assim, as filhas que M a r i a do B o n f i m tivera quando ainda
escrava, fora dos laços m a t r i m o n i a i s , não foram libertadas, mas dadas à filha legítima
para s e r v i - l a . 37
C a s a m e n t o s , n a s c i m e n t o s , a n i v e r s á r i o s , f o r m a t u r a s e e n t e r r o s e r a m p o r t a n t o , na Bahia,
a c o n t e c i m e n t o s q u e u l t r a p a s s a v a m os l i m i t e s da vida familiar. T o r n a v a m - s e p ú b l i c o s ,
c o m p a r t i l h a d o s p o r t o d o s o s a m i g o s e v i z i n h o s . N a alegria e na tristeza, os laços de
amizade se e s t r e i t a v a m , as s o l i d a r i e d a d e s se c o n s o l i d a v a m . Parentes e clientes estavam
sempre p r e s e n t e s , p o r h u m i l d e s q u e f o s s e m eles p r ó p r i o s o u a família q u e ria ou
chorava.
era o c o r r ê n c i a rara. O grande salto para a ascensão social era a alforria, e o ex-escravo
podia passar m u i t o t e m p o m a r c a n d o passo na c a m a d a inferior da hierarquia s o c i a l . 42
O ESTADO: ORGANIZAÇÃO
E EXERCÍCIO DOS PODERES
CAPÍTULO 13
P e l o m e n o s n a a p a r ê n c i a , a a d m i n i s t r a ç ã o c o l o n i a l p o r t u g u e s a era m a i s c e n t r a l i z a d o r a
q u e a e s p a n h o l a . N o i n í c i o d o s é c u l o X I X , as c o l o n i a s e s p a n h o l a s se d i v i d i a m e m
q u a t r o v i c e - r e i n a d o s e q u a t r o c a p i t a n i a s g e r a i s , q u e , e m c i n q ü e n t a a n o s , se t r a n s f o r -
m a r a m e m d e z e s s e t e p a í s e s i n d e p e n d e n t e s . N a m e s m a é p o c a , o B r a s i l estava d i v i d i d o
em d e z o i t o c a p i t a n i a s g e r a i s q u e p e r m a n e c e r a m u n i d a s d e p o i s d a I n d e p e n d ê n c i a . O
c a p i t ã o - g e r a l d e c a d a c a p i t a n i a era n o m e a d o d i r e t a m e n t e pela C o r o a p o r t u g u e s a e
t i n h a q u e p r e s t a r c o n t a s a ela p e l o q u e a c o n t e c i a n o t e r r i t ó r i o q u e a d m i n i s t r a v a . N o
fim d o s é c u l o X V I I I , o v i c e - r e i e s t a v a e s t a b e l e c i d o n o R i o de J a n e i r o , m a s só exercia
sua a u t o r i d a d e s o b r e as c a p i t a n i a s d o R i o d e J a n e i r o , S ã o P a u l o e S a n t a C a t a r i n a e a
c o l ô n i a d o S a c r a m e n t o . M e s m o após^a c h e g a d a d a f a m í l i a real ao B r a s i l , e m 1 8 0 8 , o
Pará e o M a r a n h ã o c o n t i n u a r a m a t r a t a r c o m L i s b o a , o q u e e x p l i c a a resistência q u e
opuseram à Independência do Brasil.
JUSTIÇA E FINANÇAS
223
BAHIA, SÉCULO X I X
224
causas civis e criminais) e de numerosos juízes, entre os quais os 'juízes de fora , que
geralmente presidiam as câmaras m u n i c i p a i s e eram provedores da R e a ! Fazenda (en-
carregados dos testamentos, dos bens dos d e f u n t o s , dos ausentes e dos ó r f ã o s ) . 2
O EXÉRCITO
O GOVERNO LOCAL
decisões dos magistrados que, depois de certo t e m p o , acabavam por adotar os pontos
de vista do patriarcado rural local. O s ofícios mais i m p o r t a n t e s eram v i t a l í c i o s , 23
e os
seus beneficiarios estavam isentos de alguns i m p o s t o s . 2 4
poder, era capaz de ditar sua lei ao Estado, ao passo que, para Faoro, ela gozava tão-
somente de um poder delegado por um Estado que controlava perfeitamente a situa-
ção. Ambas as teses têm sido revistas. Fernando Uricoechea, por exemplo, admite que
a empresa colonial e comercial foi conduzida e estimulada pela Coroa, mas frisa a
importância da iniciativa privada nos setores da produção canavieira, em que o enge-
nho funcionou como uma instituição de fronteira. 29
231
BAHIA, S É C U L O XIX
A CONSTRUÇÃO DO ESTADO ( 1 8 2 2 - 1 8 5 0 )
T A B E I. A i :
1831 2 3 - 5
1832 1 - 1
1833 - 1 - 1
1834
- - - - 0
1835 1 - 1 2
1836 1 1 2
Í22Z 1 1 1 3
im 1 1 1 1 4
1939 1 1 1 3
1840 1 - 1 1 3
1841 - - I 1 2
1842 I 1
1843 1 1
1844 1 1
1845 1 1
Total 3 6 6 4 11 30
A CONSOLIDAÇÃO ( 1 8 5 0 - 1 8 7 0 )
A DESAGREGAÇÃO ( 1 8 7 0 - 1 8 8 9 )
Em 1 8 7 0 , c o m o fim d a G u e r r a d o P a r a g u a i , c o m e ç o u u m n o v o p e r í o d o de crise
p e r m a n e n t e . D i v e r s a s t e n d ê n c i a s p o l í t i c a s p a s s a r a m a se e n f r e n t a r p o r causa da A b o -
lição da escravatura e de c o n f l i t o s e n t r e M o n a r q u i a , I g r e j a e E x é r c i t o . A l g u n s — entre
os quais muitos militares — a d e r i r a m a idéias positivistas o u r e p u b l i c a n a s , outros
p e r m a n e c e r a m fiéis a u m a m o n a r q u i a m a i s o u m e n o s l i b e r a l . N o dia 15 d e n o v e m b r o
de 1 8 8 9 , a R e p ú b l i c a foi p r o c l a m a d a , a p ó s v i n t e a n o s de lutas políticas e discursos
fratricidas. Apesar d o a p a r e c i m e n t o de u m i n c i p i e n t e s e t o r i n d u s t r i a l , o Brasil c o n t i -
nuava a ser u m país a g r í c o l a , 8
d o t a d o de d i s t r i b u i ç ã o d c r e n d a m u i t o desigual. O s
' b a r õ e s d o c a f é ' se t o r n a r a m c o n c o r r e n t e s d o s ' b a r õ e s d o a ç ú c a r ' e a c a b a r a m por
s u p l a n t á - l o s ; c o m e r c i a n t e s , e m p r e g a d o s e f u n c i o n á r i o s d o s g r a n d e s c e n t r o s tinham
rendas c o n f o r t á v e i s ; os c a m p o n e s e s e r a m m u i t o p o b r e s .
P o u c o a p o u c o o c e n t r o de g r a v i d a d e e c o n ô m i c a se d e s l o c a v a d o N o r d e s t e para o
C c n t r o - S u l , mas era i m e n s a a d i s p a r i d a d e e n t r e as rendas r e g i o n a i s . C o m o o setor
e x p o r t a d o r era o mais d i n â m i c o da e c o n o m i a , é possível c a l c u l a r a repartição regional
da renda a partir das e x p o r t a ç õ e s e f e t u a d a s : p o r volta de 1 8 8 0 , o café produzido nas
províncias de S ã o P a u l o , R i o d c J a n e i r o e M i n a s G e r a i s c o b r i a mais de 5 5 % do total
das e x p o r t a ç õ e s . S e a c r e s c e n t a r m o s o a ç ú c a r , o a l g o d ã o , as peles, os c o u r o s c outros
p r o d u t o s , as e x p o r t a ç õ e s d o C e n t r o - S u l e d o Sul passam a representar 6 5 % . ou seja,
1 8 % a 2 0 % da renda g l o b a l . A d m i t i n d o - s e q u e os 8 0 % restantes se repartissem dc
maneira proporcional à p o p u l a ç ã o , p o d e - s e calcular q u e as províncias situadas entre
M i n a s Gerais e R i o G r a n d e d o Sul ( c o m a m e t a d e da p o p u l a ç ã o d o país) respondiam
por 6 0 % da renda i n t e r n a . E m 1 8 7 2 , 6 3 , 7 % dos escravos estavam c o n c e n t r a d o s nas
9
províncias d o S u l . 1 0
A falta dc i n o v a ç õ e s n o s e t o r agrícola tradicional (açúcar c produ-
tos dc subsistência) c a i n s u f i c i ê n c i a d o s t r a n s p o r t e s a u m e n t a r a m ainda mais o
distanciamento entre o Nordeste c o S u l . O cacau, que acabava dc surgir, não conse-
guiu modificar o d e s e m p e n h o e c o n ô m i c o negativo da B a h i a . 11
A Independência trouxera mais problemas que soluções. Seria o Brasil uma vítima
dc estruturas arcaicas, herdadas do período colonial? É evidente o peso dessa herança,
LIVRO IV - O E S T A D O : ORGANIZAÇÃO E EXERCÍCIO DOS PODERES 237
Os PODERES CENTRAIS ( 1 8 2 2 - 1 8 8 9 )
N a p r i m e i r a m e t a d e d o s é c u l o X I X ( e s p e c i a l m e n t e d u r a n t e as regências), quando se
faziam s e n t i r as m a i o r e s pressões dos m o v i m e n t o s federalistas ou republicanos, a m a i o -
ria dos brasileiros o p t o u p o r u m g o v e r n o m o n á r q u i c o , c h e f i a d o e encarnado pelo
P r í n c i p e . E l e c o n t r i b u í r a p e s s o a l m e n t e para a I n d e p e n d ê n c i a , u n i n d o em t o r n o de si
a m a i o r parte das forças p o l í t i c a s d o país. T o d a v i a , p e r m a n e c e u sendo visto c o m o um
m o n a r c a p o r t u g u ê s , ligado à a n t i g a s i t u a ç ã o . A l é m disso, o p t o u por governar c o m seus
conselheiros, q u e e r a m fiéis à m o n a r q u i a p o r t u g u e s a . N ã o aceitou que suas prerroga-
tivas fossem l i m i t a d a s p o r u m t e x t o c o n s t i t u c i o n a l d e m a s i a d a m e n t e liberal. E n t r o u ,
assim, em rota de c o l i s ã o c o m o s m e m b r o s da A s s e m b l é i a C o n s t i t u i n t e , reunida pela
primeira vez e m 17 de abril de 1 8 2 3 .
A C â m a r a era c o n s t i t u í d a p o r n o v e n t a d e p u t a d o s , dos quais 2 6 formados em
direito, 2 2 m a g i s t r a d o s , 1 9 padres, 7 oficiais e 1 6 m é d i c o s , proprietários rurais ou
funcionários. Estavam representadas catorze das dezenove províncias, faltando Sergipe,
Piauí, M a r a n h ã o , G r ã o - P a r á e P r o v í n c i a C i s p l a t i n a . 12
O p r o j e t o constitucional apre-
sentado pelo d e p u t a d o paulista A n t ô n i o C a r l o s de Andrada e Silva fora inspirado nas
idéias do suíço B e n j a m i n C o n s t a n t , 1 3
q u e preconizava um Poder Executivo forte e
um regime eleitoral c e n s i t á r i o , baseado em níveis de renda. Para participar do pro-
cesso de escolha em â m b i t o p a r o q u i a l , provincial ou nacional (neste caso, de deputa-
do ou s e n a d o r ) , era necessário ter uma renda líquida anual correspondente, respecti-
vamente, ao valor de 1 5 0 , 2 5 0 , 5 0 0 ou 1 . 0 0 0 alqueires de farinha — exigência estranha
e pitoresca, que inspirou o h u m o r d o povo c fez surgir a expressão 'constituição da
mandioca'. 14
c o n f i a d a a u m a c o m i s s ã o d c dez m e m b r o s , erigida c m C o n s e l h o de E s t a d o . C i n c o
m e m b r o s eram b a i a n o s : C l e m e n t e Ferreira F r a n ç a , M a r q u ê s de N a z a r é e ministro da
J u s t i ç a ; Luiz J o s é de C a r v a l h o c M e l o , V i s c o n d e de C a c h o e i r a e m i n i s t r o das Relações
E x t e r i o r e s : J o s é E g í d i o Álvares d e A l m e i d a , M a r q u ê s de S a n t o A m a r o ; e Antônio
J o a q u i m C a r n e i r o de C a m p o s , M a r q u e s de C a r a v e l a s . 1 5
E m 2 5 de m a r ç o de 1 8 2 4 , foi
o u t o r g a d a u m a C a r t a C o n s t i t u c i o n a l a v a n ç a d a para a é p o c a e c o n s i d e r a d a obra dos
irmãos C a r n e i r o de C a m p o s , j u r i s t a s d a B a h i a .
E m b o r a inspirada p o r d o u t r i n a s e e x p e r i ê n c i a s q u e v i g o r a v a m na E u r o p a , a redação
da C a r t a C o n s t i t u c i o n a l brasileira t a m b é m levou e m c o n t a a t r a d i ç ã o j u r í d i c a luso-
brasileira, c a r a c t e r i z a d a p o r u m a g r a n d e flexibilidade, de m o d o a p e r m i t i r a adição
p o s t e r i o r de e m e n d a s p a r a v á r i a s leis f u n d a m e n t a i s . Resultou uma Constituição
unitária, c o m u m P o d e r E x e c u t i v o f o r t e m e n t e c e n t r a l i z a d o , c a p a c i t a d o a m a n t e r com
firmeza a u n i ã o e n t r e as p r o v í n c i a s brasileiras. O i m p e r a d o r , assistido pelo C o n s e -
lho de E s t a d o e pela A s s e m b l é i a G e r a l , passou a c o n t r o l a r u m g o v e r n o q u e recebeu
amplas a t r i b u i ç õ e s .
O P o d e r Legislativo era e x e r c i d o pela A s s e m b l é i a G e r a l , q u e c o m p r e e n d i a dois
c o r p o s , o S e n a d o ( c u j o s m e m b r o s e r a m eleitos p o r sufrágio c e n s i t á r i o e n o m e a d o s de
m a n e i r a vitalícia p e l o i m p e r a d o r , q u e os e s c o l h i a e m listas tríplices) e a C â m a r a dos
D e p u t a d o s ( c u j o s m e m b r o s e r a m eleitos p o r p e r í o d o s de q u a t r o anos e que podia ser
dissolvida p e l o i m p e r a d o r ) . O P o d e r J u d i c i á r i o s ó foi d e f i n i d o em linhas gerais. M a s
a C o n s t i t u i ç ã o de 1 8 2 4 i n t r o d u z i u u m a g r a n d e n o v i d a d e : o P o d e r M o d e r a d o r , exclu-
sivamente reservado a o c h e f e de E s t a d o , isto é, o i m p e r a d o r , "a c h a v e de toda a
organização p o l í t i c a " , d e s t i n a d o a zelar " p e l a m a n u t e n ç ã o da I n d e p e n d ê n c i a , equilí-
brio e h a r m o n i a dos d e m a i s p o d e r e s " .
Através d o P o d e r M o d e r a d o r , c a b i a ao i m p e r a d o r n o m e a r o s senadores, convocar
a Assembléia G e r a l , s a n c i o n a r os d e c r e t o s e resoluções desta, aprovar o u suspender as
resoluções dos conselhos provinciais (que, a partir d o A t o Adicional de 1 8 3 4 , se tornaram
assembléias legislativas), p r o l o n g a r o m a n d a t o o u adiar a A s s e m b l é i a G e r a l , dissolvera
C â m a r a dos D e p u t a d o s , n o m e a r e d e m i t i r l i v r e m e n t e os m i n i s t r o s , suspender magis-
trados, perdoar c m o d e r a r penas c c o n c e d e r anistia. O P o d e r Executivo também
deveria ser exercido pelo i m p e r a d o r , p o r i n t e r m é d i o dos m i n i s t r o s de E s t a d o , mas na
verdade ele nunca exerceu a m b o s os poderes em sua plenitude. M e s m o durante o período
mais crítico da crise dc 1 8 3 0 / 1 8 3 1 , n u n c a dissolveu a C â m a r a , nem adiou suas reuniões.
Em 1 8 4 7 , dom Pedro II decidiu não mais escolher seus ministros, mas nomear um
presidente do Conselho que formaria, ele mesmo, uma equipe ministerial. Estabeleceu
assim um regime em que os ministros passavam a ser responsáveis diante do Parlamen-
to, detendo necessariamente a confiança tanto do imperador quanto da Câmara, que
em quase cinqüenta anos de reinado de dom Pedro II só foi dissolvida em 1 8 4 6 , 1 8 4 8 ,
1 8 6 2 , 1 8 7 2 , 1 8 7 9 e 1 8 8 5 . Foi notável c inesperada a estabilidade alcançada por um
país sern experiência em governos desse tipo. A bem da verdade, ela decorreu, de um
lado, da pouca diferença entre os projetos liberal e conservador de governo c, de outro,
do fato de que os políticos eram sempre recrutados não só nas mesmas categorias
sociais, mas quase sempre nas mesmas famílias.
O Poder Legislativo, como vimos, era exercido pela Assembléia Geral, composta
pelo Senado (onde os cargos eram vitalícios) c a Câmara dos Deputados. O número
de senadores era igual à metade do número de deputados de cada província. Para
figurar entre os três nomes submetidos ao imperador , era preciso ser brasileiro, ter
mais de 4 0 anos, ser culto, ter prestado serviços a sua pátria c... auferir rendas anuais
dc mais de 8 0 0 . 0 0 0 réis. Um senador tinha grande chance de se tornar ministro e
17
conselheiro dc Estado.
240 BAHIA, S É C U L O XIX
que, apesar das aparências, era organizado para reforçar os potentados locais em detri-
m e n t o da a d m i n i s t r a ç ã o c e n t r a l . 2 2
Os PODERES DO EXÉRCITO
TABELA 53
O 1830 = 100,0.
Fonte: Relatórios do Ministério da G uerra, citados por E . Campos Coelho, Em busca da identidade: o exército e a polícia na
sociedade brasileira, p . 4 0 .
A a b d i c a ç ã o d e d o m P e d r o I n o c o n t e x t o d e u m a r e v o l t a m i l i t a r c r i o u a oportu-
n i d a d e ideal p a r a reduzir o s e f e t i v o s d o E x é r c i t o , a c u s a d o de i n d i s c i p l i n a , e criar a
Guarda Nacional, demonstrando a força e a influência da corrente política
a n t i m i l i t a r i s t a . S e d e s c o n t a r m o s a é p o c a d a G u e r r a d o P a r a g u a i , os efetivos do Exér-
c i t o s ó r e t o r n a r a m a o n í v e l de 1 8 3 0 d e p o i s d a P r o c l a m a ç ã o d a R e p ú b l i c a . N ã o se
e s t a v a d i a n t e de u m p r e c o n c e i t o e n r a i z a d o a p e n a s e n t r e os p o l í t i c o s . N o s m e i o s popu-
lares, o serviço m i l i t a r t i n h a c r i a d o e s t e r e ó t i p o s n e g a t i v o s . A s razões eram múltiplas:
r e c r u t a m e n t o f o r ç a d o , j o v e n s m a l t r a t a d o s , s e r v i ç o s m u i t o l o n g o s , s o l d o insuficiente e
s e m p r e p a g o c o m a t r a s o . O s e r v i ç o n a G u a r d a N a c i o n a l , ao c o n t r á r i o , gozava de
g r a n d e p r e s t í g i o s o c i a l . N e m a guerra c o n t r a o P a r a g u a i l o g r o u m e l h o r a r a i m a g e m do
E x é r c i t o , pois t o d a a glória d o s c o m b a t e s foi a t r i b u í d a aos c o r p o s de voluntários,
r e c r u t a d o s e s p e c i a l m e n t e nessa o c a s i ã o . A c a r r e i r a de oficial só atraía os que nao
p o d i a m ingressar e m profissões liberais e os f i l h o s de famílias em q u e já existia tradição
m i l i t a r . O D u q u e de C a x i a s ( f i l h o c n e t o de oficiais superiores, q u e se t o r n o u ministro
e d e p o i s p r i m e i r o - m i n i s t r o ) , D e o d o r o da F o n s e c a e o u t r o s oficiais q u e , n o século X I >
se d i s t i n g u i r a m n a vida social d o país ficaram mais c o n h e c i d o s c o m o políticos. Q u a n
d o d e s e j a v a m ser a c e i t o s pela s o c i e d a d e civil, eles tiravam o u n i f o r m e . "
O p r i m e i r o c o r p o de P o l í c i a d a c i d a d e d e S a l v a d o r foi c r i a d o p o r d e c r e t o i m p e -
rial em 17 de fevereiro de 1 8 2 5 , c o m p o s t o p o r u m e s t a d o - m a i o r e duas c o m p a n h i a s ,
cada u m a c o m 1 1 6 h o m e n s , e n t r e o f i c i a i s e s o l d a d o s , r e c r u t a d o s e n t r e os integrantes
das tropas regulares. Eles t i n h a m a m i s s ã o de zelar pela preservação da o r d e m e a
aplicação das portarias d o C o n s e l h o M u n i c i p a l . Esse p r i m e i r o c o r p o de Polícia pres-
tou serviços apreciáveis n a B a h i a , e n t ã o t u m u l t u a d a pelas revoltas de escravos, dos
levantamentos civis e dos m o t i n s a n t i p o r t u g u e s e s , q u e d u r a r a m até 1 8 3 1 . M a s sua
participação n o s t u m u l t o s q u e seguiram a a b d i c a ç ã o de d o m P e d r o I levou o presi-
dente da Província a d i s s o l v e - l o , s u b s t i t u i n d o - o pela G u a r d a M u n i c i p a l , criada em 5
de j u n h o de 1 8 3 1 . Tratava-se d c u m c o r p o de m i l i c i a n o s r e m u n e r a d o s , recrutados
entre as pessoas fiéis a o g o v e r n o da R e g ê n c i a , d i r e t a m e n t e s u b o r d i n a d o s aos juízes de
paz e destinados p r i n c i p a l m e n t e a ajudar a J u s t i ç a c preservar a o r d e m pública.
província era muito relativo, por causa do número reduzido dos efetivos e a imensidão
de um território servido por precárias redes de comunicação. Aos brasileiros restava
uma dupla submissão: ao Estado, em primeiro lugar, que os transformava em milicianos,
e depois aos chefes locais, que monopolizavam o comando dessas milícias.
Mesmo assim, é preciso reconhecer que, com o fim do período colonial, novas
estruturas, correspondentes a um Estado moderno, foram criadas. O papel centralizador
do governo imperial — ajudado pela eficiência dos poderes locais no enquadramento
das populações — permitiu que o Brasil conservasse sua unidade. Depois de 1850,
praticamente não houve mais revoltas de caráter regional.
C APíTULO 15
Os PODERES LOCAIS
Até a Independência, os governos locais eram formados por uma única instituição, as
câmaras municipais. A lei de 2 3 de outubro de 1 8 2 3 , que transformou as antigas
capitanias em províncias, criou a função de presidente de província, conservando o
município como base da administração. De modo geral, a função de presidente de
província podia ser assimilada à de governador de Capitania na época colonial, pois
em ambos os casos as nomeações emanavam de um poder central. Mas havia uma
importante diferença: o governador concentrava todos os poderes, ao passo que o
presidente de província administrava apoiado nas decisões de uma Assembléia Provin-
cial e não tinha sob seu comando os poderes judiciário e militar.
Ao longo dos 6 7 anos de governo imperial, as instâncias municipais e provinciais
tiveram destinos diversos. A evolução política e administrativa refletiu a determinação
com que o Estado desejava controlar todas as atividades da vida pública brasileira.
Manipulou-se a instituição do governo provincial para restringir o poder municipal —
tarefa árdua, contestada com mais ou menos sucesso, o que provocou um encaminha-
mento por etapas, cujos resultados nem sempre corresponderam ao que as partes
envolvidas desejaram.
N u m a p r i m e i r a e t a p a ( 1 8 2 3 - 1 8 3 4 ) , o s g o v e r n o s p r o v i n c i a i s se a p o i a r a m n o s p r e s i d e n -
tes, n o m e a d o s pelo i m p e r a d o r , q u e c o n t a v a m c o m a c o l a b o r a ç ã o de u m conselho
c o n s u l t i v o de seis m e m b r o s , e l e i t o s d a m e s m a f o r m a q u e o s d e p u t a d o s à A s s e m b l é i a
G e r a l . E l e s d e v i a m t e r p e l o m e n o s t r i n t a a n o s d e i d a d e e seis d e r e s i d ê n c i a na p r o v í n -
cia. E m c a s o d e v a c â n c i a d a f u n ç ã o p r e s i d e n c i a l , o P o d e r E x e c u t i v o passava ao vice-
p r e s i d e n t e , p o s t o o c u p a d o p e l o c o n s e l h e i r o q u e tivesse o b t i d o o m a i o r n ú m e r o de
248
LIVRO I V -
249
O PODER MUNICIPAL
mulgação da lei de I o
de o u t u b r o de 1 8 2 8 . D e m o d o geral, a legislação adotada foi
centralizadora. C a d a cidade passou a c o n t a r c o m nove vereadores (ou sete, nas cidades
m e n o r e s ) , eleitos por períodos de quatro a n o s .
O artigo 2 4 da C a r t a de 1 8 2 4 especificava q u e o poder das Câmaras Municipais
era de natureza exclusivamente administrativa. T o d a s as posturas municipais que
em geral tratavam da preservação da o r d e m e da saúde pública — deviam ser aprova-
das pelos C o n s e l h o s G e r a i s das províncias, q u e p o d i a m revogá-las o u modificá-las. Em
períodos eleitorais, isto é, de vacância dos C o n s e l h o s , essas portarias eram submetidas
à aprovação d o presidente d a P r o v í n c i a . Q u a l q u e r ' a t o p o l í t i c o ' era expressamente
p r o i b i d o . Para vender, alugar o u p e r m u t a r os b e n s imóveis do m u n i c í p i o , por exem-
plo, as C â m a r a s d e p e n d i a m da a u t o r i z a ç ã o do presidente. Q u a l q u e r c o n t r a t o de loca-
ção devia ser s u b m e t i d o ao referendo do C o n s e l h o G e r a l . T r a t a v a - s e , por conseguinte,
de u m regime centralizador, q u e s u b m e t i a a m u n i c i p a l i d a d e à autoridade provincial.
A b e m da verdade, essa tutela era c o n t r á r i a a alguns artigos da C o n s t i t u i ç ã o de 1 8 2 4 ,
que definiam a separação de a t r i b u i ç õ e s e c o m p e t ê n c i a s e n t r e os poderes e definiam a
independência e c o n ô m i c a das m u n i c i p a l i d a d e s . O artigo 7 8 da Lei de 1 8 2 8 também
era i n c o n s t i t u c i o n a l , ao l e m b r a r i n d e v i d a m e n t e q u e as câmaras municipais estavam
"subordinadas aos presidentes das p r o v í n c i a s , seus p r i m e i r o s administradores". Esse
artigo proibia até a reunião das c â m a r a s , se a pauta fosse considerada 'contrária à l e i ' . 5
dos juízes de paz eleitos, mas isso, c o m o vimos, não durou muito. O s próprios liberais,
arquitetos do A t o Adicional, não tardaram a perceber seus defeitos. Tavares Bastos
demonstrou que o Ato não precisou o que era o 'poder municipal'. O u t r o liberal, o
Visconde de Uruguai, d e m o n s t r o u c o m o o poder local ficara reduzido ao papel de
simples administrador. Q u a n t o aos conservadores, suas críticas não foram menos
enérgicas, c o m o era de se esperar. 9
A E L I T E BAIANA E A FORMAÇÃO
D O E S T A D O NACIONAL
E l i t e é a p r i m e i r a p a l a v r a a s e r d e f i n i d a n e s t e c a p í t u l o . S e g u n d o o d i c i o n á r i o , ela é o
q u e h á d e m e l h o r e m u m g r u p o . L o g o , as p e s s o a s q u e o c u p a m o s p r i m e i r o s lugares em
u m a s o c i e d a d e f a z e m p a r t e d a e l i t e . M a s , a b e m d a v e r d a d e , tais c r i t é r i o s s ã o abstratos:
s ó se p o d e ser o m e l h o r ' e m u m g r u p o d o t a d o d e c e r t a h o m o g e n e i d a d e .
c
E l i t e s d e s c o n h e c i d a s s a e m d o a n o n i m a t o e m s i t u a ç õ e s d e crise, r e v e l a n d o brusca-
m e n t e p o d e r e s a t é e n t ã o s e c r e t o s o u , p e l o m e n o s , m a l c o n h e c i d o s e m a l apreciados. O
p o d e r p o l í t i c o f o r m a l é p e r c e b i d o c o m m a i s f a c i l i d a d e , f a z e n d o c o m q u e aqueles que
o e x e r c e m e m q u a l q u e r nível p a r e ç a m i n t e g r a r a e l i t e . C o n s i d e r a d a , p o r é m , c o m o um
t o d o , c o m o esta e l i t e vive e se m o v i m e n t a d e n t r o d a m a s s a ? T e n t a r e m o s c o m p r e e n d e r
c o m o u m i n d i v í d u o — o u g r u p o d e i n d i v í d u o s — c o n s e g u e p e n e t r a r na elite r e c o n h e -
c i d a , a c e i t a p o r t o d o s os i n t e r l o c u t o r e s .
252
J j V R O Í V
- O E
* T W
» ORWMZAÇto E EXERCÍCIO POS PODERES 253
A distinção entre elite graças à riqueza e ao berço e elite graças ao cargo não
deve nos iludir. T o d o s esses homens pertenciam ao mesmo meio social, que era o
núcleo onde se formavam as elites baianas e se confirmavam os atributos do peque-
no círculo de proprietários de terras. Apenas indivíduos excepcionais, vindos de ou-
tros meios sociais ou de outras comunidades, conseguiam penetrar nesse pequeno
mundo fechado.
A elite baiana a que estou me referindo agora não é a dos verdadeiros líderes —
raros, mas mais numerosos do que se pensa — que surgiram em meio a crises sociais
ou políticas e cuja força só foi reconhecida por autoridades (privadas ou públicas) que
buscavam interlocutores capazes de aplainar dificuldades momentâneas. A elite baiana
que queremos definir é aquela que desempenhou um papel oficial na formação do
Estado nacional e que era, na verdade, a elite de uma elite. Algumas centenas de
afortunados homens que — por laços familiares, alianças, riqueza, estudos e tempera-
mento — souberam c quiseram servir a seu país, ajudando o imperador a organizar c
fortalecer as estruturas de um Estado ainda jovem e mal estabelecido no contexto
internacional.
O Estado brasileiro não nasceu ex nihilo. Foi mais transformado que criado. À
gestão patrimonial portuguesa, o Estado monárquico brasileiro tomou emprestada a
colaboração do poder privado, nascido das próprias circunstâncias do processo coloni-
zador. Foi o que garantiu seu sucesso. Este poder — que ora foi sentido no Brasil
corno usurpador, ora c o m o detentor dc uma delegação do Estado centralizador —
conseguiu sobreviver graças ao ritmo muito lento da evolução das estruturas sociais c
econômicas c das mentalidades. O 'novo Estado brasileiro', que se construiu sem
confrontos graves mas implantou um sistema de governo centralizador c autoritário,
manteve a união nacional contra ventos c marés. Mas, na segunda metade do século,
embalado por seus primeiros sucessos, ele não soube ampliar suas bases políticas: em
18K9, no fim do período imperial, só 1 0 % da população tinham direito a voto, e a
escravidão tinha sido rcccm-abolula. O monarca compartilhava cada vez menos o seu
1'odcr Moderador.
254 BAHIA. SÉCULO XIX
disso, este estudo sobre a sociedade baiana m e leva a colocar algumas questões de
antemão.
C o n t a n d o com membros eleitos, o novo Poder Legislativo — definido pela Consti-
tuição de 1 8 2 4 , completada pela Lei O r g â n i c a dos M u n i c í p i o s ( 1 8 2 8 ) , o Ato Adicional
de 1834 e diversas leis eleitorais — se manifestava cm todos os níveis da administração
publica: municipal, provincial c nacional. O Poder Judiciário oferecia alguns cargos
aos cidadãos ativos: juízes de paz eleitos (mais tarde, nomeados), delegados e subde-
legados de polícia nomeados. A Guarda Nacional, milícia de cidadãos-soldados, era
comandada, em diversos níveis, por oficiais oriundos da sociedade civil. O s titulares de
I j V R O l X
Z 0
^ r
^ ° * ^ W M * EXERdOO DOS Poí>! R£$ 2»
todos esses cargos tinham a oportunidade de exercer legalmente uma parcela de poder,
inserida no esforço de construção de um Estado nacional, independente e unitário. O s
homens investidos dessas responsabilidades pertenciam, cm sua grande maioria, à elite
da sociedade baiana. Eram os notáveis, relativamente numerosos se levarmos em conta
ã quantidade de funcionários das municipalidades e de membros das Assembléias
Provinciais. É impressionante constatar o grande número de deputados que, nascidos
cm famílias de Salvador ou de sua hinterlândia, se tornaram representantes dos distritos
mais longínquos do S e r t ã o , s o b r e t u d o nos vinte primeiros anos da vida parlamentar.
Achei interessante tentar acompanhar, na medida do possível, a evolução desse papel
preponderante de Salvador ou do R e c ô n c a v o na vida política de toda a Província. Nessa
perspectiva, surgiu u m a série de perguntas: cm que 'camadas superiores' da hierarquia
social se elegiam os m e m b r o s das câmaras municipais, e das assembléias Provincial e
Nacional? Q u a l era o grau de instrução e a profissão desses eleitos? A quem representam
e por que o faziam? E m que m o m e n t o Salvador e sua hinterlândia deixaram de desempe-
nhar um papel p r e p o n d e r a n t e e as elites locais assumiram, nos parlamentos, a repre-
sentação de seus distritos? E r a m diferentes as carreiras dos h o m e n s políticos nascidos
na capital ou n o R e c ô n c a v o e as daqueles que nasciam nos municípios do interior?
C o m o um político b a i a n o adquiria envergadura nacional, habilitando-se a se tornar
ministro, senador, c o n s e l h e i r o de Estado o u presidente do Conselho? A carreira políti-
ca ajudava a o c u p a ç ã o posterior de cargos administrativos ou judiciários? E, inversa-
mente, uma carreira c o m e ç a d a na administração ou na magistratura podia desdobrar-
se na política? Q u e m e c a n i s m o s faziam a articulação entre o poder local exercido pela
organização municipal e o poder provincial? Até que p o n t o o primeiro permanecia
subordinado ao segundo? Existiam elos de ligação entre o poder municipal e o poder
central, o u essa ligação passava necessariamente pelo poder provincial? Depois de
conquistar poderes i m p o r t a n t e s , os políticos baianos lutavam pelos interesses da Pro-
víncia que os elegera ou se identificavam c o m o interesse nacional, m e s m o quando os
dois se opunham? A 'carreira' obrigava os políticos a subir todos os degraus — munici-
pal, provincial e nacional — da representação o u era possível queimar etapas?
C o m o vimos, a Câmara do Senado era uma instituição antiga, cuja estrutura foi
simplificada depois da Independência c da promulgação da lei orgânica de 1 8 2 8 (que
mudou a d e n o m i n a ç ã o do órgão para Câmara Municipal). Segundo o Almanaqueáç
BAHIA, SÉCULO X I X
256
A falta de o u t r o s representantes da n o b r e z a j u n t o ao C o n s e l h o M u n i c i p a l de
Salvador d u r a n t e t o d o esse p e r í o d o p o d e ser explicada f a c i l m e n t e : a maioria dos n o -
bres morava n o R e c ô n c a v o , e n ã o na cidade p r o p r i a m e n t e dita. E n t r e os 4 4 vereadores
de minha lista, doze a c r e s c e n t a r a m , à carreira m u n i c i p a l , outra de deputado às assem-
bléias Provincial o u G e r a l . A p e n a s c i n c o — três médicos e dois bacharéis em direito
— foram representar sua p r o v í n c i a n o R i o . N ã o era indispensável ter sido vereador
para tornar-se d e p u t a d o provincial o u geral, pois n ã o havia hierarquias ou sucessões
obrigatórias nesses m a n d a t o s .
O advogado L e o n e l Estelita F e r n a n d e s N e t o , p o r exemplo, tornou-se deputado
provincial c m 1 8 5 0 , aos 2 4 a n o s , e c o n t i n u o u nesse posto até 1 8 6 1 . S ó então foi eleito
vereador, m a n d a t o que exerceu até 1 8 6 6 . O m é d i c o A n t ô n i o Garcia Pacheco Brandão,
6
261
do C r u z e i r o d o S u l e m 1 8 2 5 .
E m q u e é p o c a o s W a n d e r l e y m i s t u r a r a m seu sangue àquele de uma descendente
de africanos a n ô n i m o s ? A h i s t ó r i a , que c a n t a loas às origens européias da família, nao
o revela. Seja c o m o for, a tez escura e o nariz achatado de J o ã o M a u r í c i o , nascido em
1 8 1 5 , não foram u m o b s t á c u l o a u m a brilhante carreira política no Partido Conserva-
dor, encerrada apenas c o m sua m o r t e , ocorrida e m 1 8 8 9 . Ele cursou a escola secunda-
ria em Salvador e e s t u d o u direito e m O l i n d a , o n d e desde 1 8 2 7 funcionava uma das
duas únicas faculdades brasileiras dessa especialidade (a outra estava em S a o Paulo).
Iniciou sua carreira pública c o m o juiz municipal e de órfãos e m Barra e Xiquexique,
longínquas cidades d o S e r t ã o baiano. Foram os eleitores da r e g i ã o d o S ã o F r a n c s c o
que o levaram à Assembléia Provincial, primeiro c o m o suplente em 1 8 4 0 e em segu.da
262 BAHIA, SÉCULO X I X
A o c o n t r á r i o d o B a r ã o de C o t e j i p e , o V i s c o n d e de R i o B r a n c o era um liberal.
José Maria — 'J u c a
' P a r a
°s íntimos — d a Silva P a r a n h o s ( 1 8 1 9 - 1 8 8 0 ) era quatro
anos mais m o ç o q u e J o ã o M a u r í c i o W a n d e r l e y , mas m o r r e u n o v e anos antes dele.
F i l h o d o português A g o s t i n h o d a Silva P a r a n h o s e de J o s e f a E m e r e n c i a n a Gomes
Barreiros, ele nasceu e m S a l v a d o r , n u m a f a m í l i a de grandes c o m e r c i a n t e s , arruinada
na época da I n d e p e n d ê n c i a . C o m o d e s a p a r e c i m e n t o da f o r t u n a familiar, o jovem
J o s é M a r i a teve q u e prosseguir seus e s t u d o s às custas d o E s t a d o , c o m o cadete da
Escola Naval do R i o de J a n e i r o ( 1 8 3 6 - 1 8 4 0 ) , de o n d e saiu aspirante c o m o posto de
guarda-marinha. Q u a t r o a n o s d e p o i s , o b t e v e o d i p l o m a de bacharel em matemáticas
e ciências físicas. M u i t o a p r e c i a d o por seus dotes intelectuais e sua inteligência, tor-
nou-se professor c a t e d r á t i c o da E s c o l a M i l i t a r e m 1 8 4 8 . E m 1 8 6 0 , era professor na
Escola C e n t r a l , reorganizada em 1 8 7 4 c o m a d e n o m i n a ç ã o de Escola Politécnica.
E m paralelo, trabalhou n o jornal liberal O Novo Tempo e n o Jornal do Commercio,
o b t e n d o destaque. O futuro V i s c o n d e d c R i o B r a n c o era considerado um conserva-
dor m o d e r a d o , o q u e mostra c o m o era imprecisa a linha divisória entre conservado-
res e liberais da época. A passagem de um partido para o o u t r o se fazia segundo os
interesses d o m o m e n t o . Foi deputado provincial na legislatura de 1 8 4 4 - 1 8 4 5 e de-
putado geral nas legislaturas de 1 8 4 8 , 1 8 5 3 - 1 8 5 6 e 1 8 5 7 - 1 8 6 0 (pelo R i o de Janeiro)
e na de 1 8 6 1 - 1 8 6 3 (por Sergipe).
LIVRO I V - O ESTADO; ORGANIZAÇÃO E EXERCÍCIO DOS PODERES 263
Ao c o n t r á r i o d o B a r ã o de C o t e j i p e , o V i s c o n d e de R i o B r a n c o se integrou menos
nos meios baianos. E r a filho de u m c o m e r c i a n t e português, odiado, c o m o os demais,
pelos brasileiros. A l é m disso, seu pai t i n h a ido à falência. A perda da fortuna somava-
se à perda d o prestígio social. E m segundo lugar, a carreira de R i o Branco se fez longe
da Província, de m o d o que ele foi m e n o s envolvido que Cotejipe por compromissos
ou promessas. M a s , s o b r e t u d o , ele não estudara direito. N ã o pertencia à casta fechada
dos magistrados. O s a p o i o s q u e C o t e j i p e podia encontrar j u n t o à elite baiana ou a
colegas profissionais, R i o B r a n c o era obrigado a ir buscar alhures, talvez junto aos
membros dessas lojas m a ç ó n i c a s em que se faziam e desfaziam solidariedades próprias
às pessoas desprovidas de raízes s ó l i d a s . 21
p a r l a m e n t a r e s , o c u p a d o s e m sessões b i - a n u a i s ; p r e s i d e n t e s s e n a d o r e s , e m reuniões no
R i o ; d o e n ç a s e m o r t e s c o m p l e t a v a m as m u i t a s o c a s i õ e s e m q u e era preciso apelar para
u m s u b s t i t u t o . T o d o s esses m a g i s t r a d o s , q u a n d o a s e r v i ç o d o E x e c u t i v o , deviam deixar
de exercer sua f u n ç ã o n a m a g i s t r a t u r a . M a s p e r m a n e c i a m m e m b r o s d o J u d i c i á r i o , para
o q u a l regressavam assim q u e t e r m i n a v a sua m i s s ã o . S u s p e n s o s p r o v i s o r i a m e n t e , man-
t i n h a m rodos os seus elos c o m sua c o r p o r a ç ã o d e o r i g e m .
A faixa etária dos p r e s i d e n t e s o u v i c e - p r e s i d e n t e s de p r o v í n c i a era de cerca de 4 6
a n o s . T r a t a v a - s e de h o m e n s m a d u r o s , d o t a d o s d e l o n g a e x p e r i ê n c i a parlamentar ou
judiciária. O s e s t u d o s s u p e r i o r e s e o i n g r e s s o n o J u d i c i á r i o a b r i a m ao j o v e m baiano as
portas de u m a carreira ao m e s m o t e m p o j u r í d i c a , legislativa e a d m i n i s t r a t i v a , de modo
q u e as f u n ç õ e s d o E s t a d o ficavam n a s m ã o s d e p o u c a s p e s s o a s , o q u e p e r m i t i a ao poder
central e x e r c e r u m c o n t r o l e s o b r e s e r v i d o r e s m u i t o fiéis. É fácil e n t e n d e r por que
h o u v e t ã o p o u c a c o n t e s t a ç ã o a u m a m o n a r q u i a q u e s o u b e c o n s o l i d a r seu poder e
u n i f i c a r as t e n d ê n c i a s c e n t r í f u g a s das p r o v í n c i a s . A l i á s , r e c e b e n d o títulos honoríficos
e c o n d e c o r a ç õ e s , o u c o n s e g u i n d o r á p i d a s p r o m o ç õ e s e m suas carreiras, esses mesmos
h o m e n s se l i g a v a m a i n d a m a i s a o p o d e r c o n s t i t u í d o . T o d o s os p r e s i d e n t e s de província
de o r i g e m b a i a n a f o r a m c o n d e c o r a d o s c o m as o r d e n s d o C r i s t o , d e Aviz, d o Cruzeiro
ou da R o s a , e seis e n t r e eles r e c e b e r a m t í t u l o s de n o b r e z a .
O s p a r l a m e n t a r e s b a i a n o s , p r o v i n c i a i s o u gerais, e r a m p o u c o n u m e r o s o s , sobretudo
p o r q u e a r e e l e i ç ã o era regra e p o r q u e v á r i o s d e p u t a d o s e x e r c i a m os dois mandatos
s i m u l t a n e a m e n t e . O a r c e b i s p o d a B a h i a , d o m R o m u a l d o A . de S e i x a s , p o r exemplo,
foi eleito d e p u t a d o geral n a t e r c e i r a legislatura ( 1 8 3 4 - 1 8 3 7 ) e d e p u t a d o provincial na
p r i m e i r a ( 1 8 3 5 - 1 8 3 7 ) . O c o r r e u o m e s m o c o m dez o u t r o s d e p u t a d o s à Assembléia
G e r a l . D o s d e z o i t o d e p u t a d o s gerais dessa legislatura, o n z e t i n h a m , p o r conseguinte,
m a n d a t o d u p l o . T r ê s dos q u i n z e i n t e g r a n t e s b a i a n o s da A s s e m b l é i a Geral (legislatura
de 1 8 6 9 - 1 8 7 2 ) t a m b é m eram d e p u t a d o s p r o v i n c i a i s . F i n a l m e n t e , na ú l t i m a legislatura
da Assembléia Geral ( 1 8 8 6 - 1 8 8 9 ) , os d o i s m a n d a t o s (provincial e geral) não coinci-
diam mais. E n t r e t a n t o , o n z e dos dezesseis d e p u t a d o s gerais já haviam exercido um
m a n d a t o provincial.
A criação de u m a assembléia q u e exercia o P o d e r Legislativo ocorreu em 1 8 3 5 ,
pois, antes dela, o C o n s e l h o G e r a l da Província t i n h a caráter u n i c a m e n t e consultivo.
A duração de uma legislatura provincial era de dois a n o s . E n t r e 1 8 3 5 e 1 8 8 9 , houve
2 7 legislaturas, c o m 5 0 9 deputados, e n t r e titulares e s u p l e n t e s . 25
TABELA 54
1835-1837
- 1854-1855 26,8 1872-1873 35,7
E n t r e os 5 0 9 d e p u t a d o s p r o v i n c i a i s , 4 0 6 ( 7 9 , 8 % ) f o r a m eleitos p o r , n o m á x i m o ,
três legislaturas, o q u e c o r r e s p o n d i a a u m m a n d a t o d e seis a n o s . P o r o u t r o lado, 4 4 , 6 %
desses 5 0 9 d e p u t a d o s f o r a m eleitos apenas u m a vez, desaparecendo e m seguida da
cena política, pelo m e n o s n o q u e d i z respeito à representação provincial. U m grupo
relativamente restrito d e h o m e n s (20,1%) f o i eleito c o n s t a n t e m e n t e , c o n c e n t r a n d o
em t o r n o d e si a vida p o l í t i c a da P r o v í n c i a .
T e n h o i n f o r m a ç õ e s mais o u m e n o s detalhadas sobre 7 7 dos 1 0 3 deputados q u e
serviram d u r a n t e mais d e três sessões legislativas. F o r a m dezessete advogados, onze
médicos, dois e n g e n h e i r o s d o E x é r c i t o e da M a r i n h a , . 2 1 magistrados, onze altos
funcionários provinciais, q u a t r o padres e u m jornalista. H o u v e ainda dois 'doutores
não especificados, um c o m e r c i a n t e e sete pessoas s i m p l e s m e n t e qualificadas c o m o
'proprietários'. 27
T ABK I A S S
Tres 69 (13,6)
Quatro 36 (7,0)
Cinco 31 (6,0)
Seis 19 (3,7)
Sete 5 (1.0)
Oito 7 (1,4)
Nove 2 (0,4)
Dez 2 (0,4)
Onze
Doze 1 (0,2)
c h e c a n d o a vice-presidente da Assembléia A ™ j •
^ ^
;
n
d o i f f i l h o s naturais e u m a f o r t u n a I ^ . ^ 2
N ã o se sabe q u e m foram os pais do m é d i c o Fiel José de Carvalho e Oliveira, nem
a data de seu f o m e n t o . N a s c e u provavelmente em 1 8 2 7 e, aos 2 5 anos, foi depu-
tado a A s s e m b l e , ProvmcraL C a s o u - s e e m data ignorada c o m Francisca Dantas, irmã
de C i c e r o D a n t a s M a r t m s , B a r ã o de J e r e m o a b o , integrante da poderosa família dos
Dantas, do Agreste b a i a n o , e casado c o m u m a filha de A n t ô n i o da Costa Pinto C o n d e
de S e r g i m m m . Através de sua sogra, era aliado da família Lopes, de importantes
senhores de e n g e n h o d o R e c ô n c a v o . O s dois tiveram carreiras b e m diferentes- Fiel José
foi d e p u t a d o provincial de 1 8 5 2 a 1 8 6 1 , secretário e vice-presidente da mesma Assem-
bléia e responsável p e l a c o n s e r v a ç ã o da b i b l i o t e c a da Faculdade de M e d i c i n a . Líder do
Partido C o n s e r v a d o r , o B a r ã o de J e r e m o a b o foi deputado à Assembléia Geral durante
quatro legislaturas ( 1 8 6 9 a 1 8 8 9 ) , duas vezes d e p u t a d o provincial ( 1 8 6 0 - 6 1 e 1 8 7 0 -
7 1 ) e c o n t i n u o u sua carreira p o l í t i c a depois d a P r o c l a m a ç ã o da República. Reencon-
tramo-lo, c o m e f e i t o , c o m o s e n a d o r na A s s e m b l é i a C o n s t i t u i n t e da Bahia, que veio a
presidir e m 1 8 9 1 , e x e r c e n d o o m a n d a t o até 1 8 9 6 . 2 9
F i n a l m e n t e , J o a q u i m d a C o s t a P i n t o ( 1 8 4 1 - 1 8 7 9 ) , filho de A n t ô n i o da Costa
Pinto, C o n d e de S e r g i m i r i m e c u n h a d o d o B a r ã o de J e r e m o a b o , acima citado. Eleito
deputado p r o v i n c i a l aos 2 9 a n o s , ele foi c o n s t a n t e m e n t e reeleito até sua morte em
1 8 7 9 . O c u p o u e m 1 8 7 7 a f u n ç ã o de vice-presidente da Assembléia P r o v i n c i a l . 30
M a n o e l d a S i l v a B a r a ú n a ( 1 7 9 9 - 1 8 7 6 ) , J o a q u i m T i b ú r c i o Ferreira G o m e s e
Bernardo d o C a n t o B r u m t a m b é m são b o n s exemplos. N ã o consegui muitas informa-
ções sobre a família d o p r i m e i r o , que era s o b r i n h o de um célebre pregador, o franciscano
Xavier da Silva B a s t o s , d i t o ' i r m ã o B a s t o s B a r a ú n a ' . Casou-se c o m Delfina Maria, da
qual se ignora o s o b r e n o m e , e teve sete filhos, c i n c o dos quais meninas. O mais velho
dos m e n i n o s seguiu a carreira do pai, t o r n a n d o - s e funcionário e deputado provincial.
Lm 1 8 4 5 , M a n o e l c h e f i o u a Secretaria de G o v e r n o da Província e em 1 8 6 2 foi secre-
tário-geral d o I n s t i t u t o B a i a n o de Agricultura. N a época do recenseamento de 1 8 5 5 ,
Manoel estava à frente de u m a grande família. C o m ele viviam sua sogra, sua cunhada
c duas de suas c i n c o filhas, M a r i a Hildetrudes, solteira de 2 4 anos, e Amélia Augusta,
viúva aos 2 3 anos e m ã e d c três filhos: M a n u e l Augusto Carigé Baraúna (sete anos),
f-milia Augusta C a r i g é B a r a ú n a ( c i n c o anos) e Eduardo Augusto Carigé Baraúna (dois
anos). M a n o e l criava mais sete netos, filhos de Gustavo de Sá e Menezes e de sua filha
Celestina C â n d i d a . Ainda faziam parte d o grupo familiar doze escravos adultos, sendo
seis mulheres e seis h o m e n s . Alto funcionário, gozando de grande prestígio Manoel
era considerado 'figura dc relevo , tendo sido sucessivamente eleito deputado entre
1
j o ã o Gualberto o r ( 1 s 2 9 - 1 8 8 8 ) ) J £ 1 ^ ^ ^ £ Z «
gurando u m c a s o b a s t a n t e raro e m q u e o filho recebeu o m e s m o título nobiliárquico
do pai (a n o b r e z a n a o era h e r e d i t á r i a ) . J o ã o G u a l b e r t o foi deputado às assembléias
Provincial e G e r a l , d i r e t o r d a C a . x a E c o n ô m i c a de Salvador, c o m a n d a n t e - e m - c h e f e da
G u a r d a N a c i o n a l na região de I t a p i c u r u e m e m b r o e m i n e n t e d o Partido Liberal Sua
irmã, A n a Ferreira de J e s u s D a n t a s , c a s o u - s e c o m u m p r i m o - i r m ã o pelo lado m a t e r n o
J o ã o dos R e i s d e S o u z a D a n t a s , a c i m a c i t a d o . D o i s parentes deste tiveram carreiras
políticas prestigiosas. E m p r i m e i r o l u g a r seu i r m ã o , M a n o e l P i n t o de Souza Dantas
( 1 8 3 1 - 1 8 9 4 ) , m a g i s t r a d o q u e foi s u c e s s i v a m e n t e j u i z dos órfãos ( 1 8 5 3 ) , deputado
provincial ( 1 8 5 2 - 1 8 5 7 ) , p r o c u r a d o r ( 1 8 5 7 - 1 8 5 8 ) , d e p u t a d o geral ( 1 8 5 7 - 1 8 8 1 ) , pre-
sidente da P r o v í n c i a das A l a g o a s ( 1 8 5 9 - 1 8 6 0 ) , presidente da Província da Bahia
( 1 8 6 5 - 1 8 6 6 ) , m i n i s t r o d a A g r i c u l t u r a , d o C o m é r c i o e de O b r a s Públicas ( 1 8 6 6 ) ,
senador ( 1 8 7 9 - 1 8 8 9 ) , m i n i s t r o da J u s t i ç a e d o I m p é r i o ( 1 8 8 0 ) e, e n f i m , presidente do
Conselho em 1 8 8 4 . C h e f e p r e s t i g i o s o d o P a r t i d o L i b e r a l , ele foi u m fervoroso
a b o l i c i o n i s t a e fez v o t a r a L e i dos S e x a g e n á r i o s , q u e libertava t o d o s os escravos que
tinham mais d e s e s s e n t a a n o s .
O o u t r o h o m e m i m p o r t a n t e d a f a m í l i a D a n t a s foi C í c e r o D a n t a s M a r t i n s , Barão
de J e r e m o a b o ( 1 8 3 8 - 1 9 0 3 ) , filho d e J o ã o D a n t a s dos R e i s , i r m ã o d o primeiro Barão de
Rio R e a l , p r i m o - i r m ã o p e l o l a d o m a t e r n o de J o ã o dos Reis e de seu i r m ã o M a n o e l
P i n t o . J á m e n c i o n e i o B a r ã o de J e r e m o a b o q u e , graças a seu c a s a m e n t o , aliou-se à
família C o s t a P i n t o . L e m b r o q u e o B a r ã o foi u m dos líderes do Partido Conservador
na B a h i a , r e p r e s e n t a n d o , c o m o tal, a região na A s s e m b l é i a Provincial ( 1 8 6 0 - 1 8 6 1 e
1 8 7 0 - 1 8 7 1 ) e n a A s s e m b l é i a G e r a l ( 1 8 6 9 - 1 8 8 6 ) . J o ã o dos Reis de Souza Dantas
estava m u i t o b e m c e r c a d o p e l o s m e m b r o s de sua f a m í l i a , q u e evoluíam c o m sucesso n o
plano n a c i o n a l . E l e i t o d e p u t a d o pela p r i m e i r a vez e m 1 8 5 4 , esteve presente na cena
política d a p r o v í n c i a a t é 1 8 8 9 , c o m o d e p u t a d o e presidente da Assembléia Provincial
( 1 8 6 8 - 1 8 8 1 , 1 8 8 4 - 1 8 8 5 e 1 8 8 8 - 1 8 8 9 ) , o u c o m o vice-presidente n o m e a d o pelo i m -
perador e m 1 8 7 8 , 1 8 7 9 , 1 8 8 2 e 1 8 8 5 . C h e g o u a exercer i n t e r i n a m e n t e a presidência
da Província e n t r e 5 de j a n e i r o e 2 9 de m a r ç o de 1 8 8 2 . 3 6
O ú l t i m o e x e m p l o é o de A n t ô n i o O l a v o C a l m o n de Araújo G ó i s ( 1 8 4 7 - 1 9 1 9 ) .
Por seu pai, ele era a p a r e n t a d o ao poderoso clã dos A r a ú j o G ó i s , a cujas práticas
matrimoniais já nos r e f e r i m o s . P o r sua m ã e , era aliado à família C a l m o n du Pin e
Almeida. Aliás, ele e s t r e i t o u os laços c o m essa família ao se casar em 1 8 7 3 , com sua
prima C l a r a M a r i a C a l m o n du Pin e Almeida. A n t ô n i o O l a v o foi o o.tavo filho de
I n o c ê n c i o M a r q u e s de A r a ú j o G ó i s , B a r ã o de A r a ú j o G ó i s , e de sua primeira mulher,
Maria F r a n c i s c a C a l m o n de Abreu. Seu pai fez carreira na magistratura e terminou
como ministro do Supremo Tribunal d.
deputado provincial d u r a n t e várias legislaturas ( 1 8 3 7 a 1 8 5 ; ) P * d c u
carreira como deputado nas duas assembléias, tornando-se até presidente da Província
de Pernambuco em 1 8 8 9 , enquanto Antônio Olavo limitou sua ação à Bahia. Isso não
impediu que desempenhasse um papel eminente, pois, tendo sido eleito pela primeira
vez em 1 8 7 2 , foi reeleito até 1 8 8 6 , ocupando os postos de secretário ( 1 8 7 2 ) , vice-
presidente ( 1 8 7 9 e 1 8 8 2 ) e presidente da Assembléia Provincial ( 1 8 8 6 ) . 3 7
CAPÍTULO 17
V i m o s q u e u m g r u p o d e 2 0 % d o s p a r l a m e n t a r e s dirigiam a A s s e m b l é i a Provincial.
C e r c a d e m e t a d e d o g r u p o s o b r e o q u a l o b r i v e i n f o r m a ç õ e s fez carreira gravitando em
t o r n o d o p o d e r c e n t r a l , a t r a v é s d e m a n d a t o s de d e p u t a d o s gerais, presidentes de
províncias, m i n i s t r o s c a t é p r e s i d e n t e s d o C o n s e l h o . Q u a l foi a p r o p o r ç ã o de deputa-
dos p r o v i n c i a i s q u e e x e r c e r a m u m d u p l o m a n d a t o ( p r o v i n c i a l e geral) e quais, entre
eles, a s s u m i r a m altas f u n ç õ e s n o E x e c u t i v o n a c i o n a l ?
O s d e p u t a d o s b a i a n o s o c u p a v a m c a t o r z e cadeiras na A s s e m b l é i a G e r a l , q u e teve
vinte legislaturas d e q u a t r o a n o s e n t r e 1 8 2 6 e 1 8 8 6 / 1 8 8 9 . P o r c o n s e g u i n t e , foram 2 8 0
as cadeiras o c u p a d a s p o r eles, e l e i t o s c o m o titulares o u s u p l e n t e s , ao l o n g o de sessenta
anos. H o u v e suplentes entre a primeira ( 1 8 2 6 - 1 8 2 9 ) e a décima (1857-1860)
legislaturas e , d e p o i s , a p e n a s n a 1 7 a
l e g i s l a t u r a ( 1 8 7 8 - 1 8 8 1 ) . O r a , apenas 1 3 5 pessoas
o c u p a m e f e t i v a m e n t e esses l u g a r e s , o q u e n o s faz r e e n c o n t r a r a m é d i a de duas cadeiras,
o u legislaturas, p o r d e p u t a d o . M a s , t a m b é m a q u i , a realidade foi outra, dada a fre-
q ü ê n c i a de r e e l e i ç õ e s : 5 4 d e p u t a d o s o c u p a r a m seu p o s t o apenas u m a vez, e 3 1 , duas
vezes. A s s i m , c e r c a d e 7 3 % d o s d e p u t a d o s f o r a m eleitos n o m á x i m o duas vezes,
e n q u a n t o 2 7 , 0 % e s t i v e r a m n a A s s e m b l é i a G e r a l p o r mais de duas legislaturas.
T e m o s a q u i o m e s m o e s q u e m a v e r i f i c a d o n a A s s e m b l é i a Provincial, c o m a dife-
rença de q u e a legislatura geral durava m a i s . P o d e - s e o b j e t a r q u e s o m e n t e um a c o m -
p a n h a m e n t o d e m u i t a s legislaturas p e r m i t i r i a u m a análise c o n c r e t a . M a s , ao fazer esse
e s m i u ç a m e n t o , v e r i f i c a - s e q u e as reeleições se s u c e d i a m . E r a m p o u c o freqüentes os
casos e m q u e u m a pessoa deixava de ser reeleita p o r mais de u m a legislatura. Resultava
daí u m a classe p o l í t i c a m u i t o p e q u e n a , p r i n c i p a l m e n t e se c o n s i d e r a r m o s que apenas
3 2 desses 1 3 5 d e p u t a d o s n ã o c u m p r i r a m m a n d a t o s provinciais. Q u e m eram eles e o
que r e p r e s e n t a v a m ? , .
O s c a t o r z e d e p u t a d o s gerais das legislaturas de 1 8 2 6 e 1 8 3 0 não poderiam ter
participado da A s s e m b l é i a P r o v i n c i a l , q u e ainda não existia. T o d o s eram m u i t o c o -
271
272 BAHIA, SÉCULO X I X
TABELA 56
1826-1829
- 1850-1852 15,0 1873-1875 33,3
TABELA 57
PROFISSÃO DO PAI DEPUTADOS PROVINCIAIS DEPUTADOS GERAIS DF.P. COM MANDATO DUPLO
Senhor de engenho 47 3 21
Proprietário rural 20 4 12
Comerciante 7 3 5
Oficia! 6
- 2
Magistrado 5 3 4
Afro funcionário 3
- 5
Profissional liberal 5
- 2
Outros 3 1 -
Sem informação 310 18 52
Toral 406 32 103
1 8 3 7 C 184
esteve
-\ ^V ,«/V ° , '
U,Z AC
A
BÍ NA
entre 1 8 3 8 e 1 8 4 5 . A aliança
° d e g e U P a f
Provincial', onde
a 3 A s
m a t r i m o n i a l e as excepcionais qualidades do
s e m b l é i a
S ã o escassas, c o m o se v ê , as i n f o r m a ç õ e s s o b r e g r a n d e n ú m e r o de deputados.
M e s m o a s s i m , n ã o h á d ú v i d a de q u e , a t é a d é c a d a d e 1 8 7 0 , o n ú m e r o de deputados
o r i g i n á r i o s d a c a p i t a l e de s e u R e c ô n c a v o era s u p e r i o r a o dos q u e v i n h a m do resto da
P r o v í n c i a , o q u e c o m p r o v a a i n f l u ê n c i a d a m e t r ó p o l e s o b r e o i n t e r i o r l o n g í n q u o . Essa
p r e d o m i n â n c i a t o r n a - s e e v i d e n t e q u a n d o se c o n s t a t a a o r i g e m dos 9 1 deputados que
representaram a B a h i a n a A s s e m b l é i a G e r a l e n t r e 1 8 2 6 e 1 8 8 9 . C o n s e g u i estabelecer
o local de n a s c i m e n t o de 8 4 deles e c o n s t a t e i q u e 5 4 n a s c e r a m e m Salvador e 2 4 no
R e c ô n c a v o . O r a , assim c o m o o s d e p u t a d o s p r o v i n c i a i s , os d e p u t a d o s à Assembléia
Geral t e o r i c a m e n t e r e p r e s e n t a v a m todas as z o n a s eleitorais da P r o v í n c i a .
S e m dúvida, a capital d o m i n a v a a c e n a p o l í t i c a . M a s n ã o d e v e m o s c o n c l u i r muito
rapidamente q u e os d e p u t a d o s representassem oS interesses das oligarquias de Salvador
e de seus arredores. As terras l o n g í n q u a s só se integraram t a r d i a m e n t e à economia
baiana. E m alguns casos, regiões c o n s e g u i r a m se libertar d o d o m í n i o de Salvador,
a u m e n t a n d o os i n t e r c â m b i o s c o m outras províncias. N o Sul da Bahia, por exemplo, a
nova expansão d o cultivo do cacau após 1 8 7 0 levou as oligarquias locais a buscar
apoios e m M i n a s Gerais, Espírito S a n t o e R i o de J a n e i r o , c u j o s centros econômicos
eram até mais acessíveis do que S a l v a d o r . O m e s m o f e n ô m e n o ocorreu nas regiões do
7
a c r e r q u e d e c o r r e u de a t i t u d e s relapsas dos p o l í t i c o s da c a p i t a l . M i n h a s d i f i c u l d a d e s
para e n c o n t r a r a o r i g e m d o s d e p u t a d o s p r o v i n c i a i s d e p o i s de 1 8 7 5 m o s t r a m q u e algo
m u d o u na r e p r e s e n t a ç ã o à A s s e m b l é i a Provincial
TABELA 58
1842-1843 37 2 1 22 62
1844-1845 39 3 3 9 54
1846-1847 27 3 3 6 39
1848-1849 31 3 2 8 44
1850-1851 26 5 4 5 40
1852-1853 27 4 6 8 45
1854-1855 24 4 6 7 41
1856-1857 25 4 9 14 52
1858-1859 20 2 8 21 51
1860-1861 25 8 13 22 68
1862-1863 18 5 7 12 42
1864-1865 16 7 5 14 42
1866-1867 10 8 4 17 39
14 6 7 15 42
1868-1869
2 4 17 43
1870-1871 20
2 20 42
1872-1873 17 3
2 17 41
1874-1875 18 4
1 21 43
1876-1877 15 6
21 41
1878-1879 11 8 1
4 25 43
1880-1881 10 4
28 42
1882-1883 7 4 3
30 39
1884-1885 4 2 3
32 40
1886-1887 2 3
3
29 40
2 8
1888-1889 1
114 452 1.232
Toul 550 116
TABELA 59
Salvador 46 15 15
Recôncavo 43 4 9
Recôncavo Sul 5 2 2
Agreste 7 2 2
Sertão 9 2 1
Sem informações 2 1 2
Total 112 26 31
TABELA 60
E S T U D O S SUPERIORES DOS
D E P U T A D O S PROVINCIAIS, 1835-1889
Direito 152
Medicina 42
Sacerdócio 19
Outros* 9
Total 222
H á u m a f o r t e p r e d o m i n â n c i a de b a c h a r é i s e m direito, q u e correspondiam a 6 8 , 5 %
dos d e p u t a d o s p o r t a d o r e s d e d i p l o m a s universitários. F r e q ü e n t e m e n t e , aliás, tratava-
se de m a g i s t r a d o s e a l t o s f u n c i o n á r i o s - p o u c o s se consagravam unicamente a profis-
são de a d v o g a d o - , de m o d o q u e , p o r seu i n t e r m é d i o , o Estado tinha, no meio
p a r l a m e n t a r , bases sólidas e aliados p r e c i o s o s . A eles devem-se acrescentar todos os
outros q u e t a m b é m e x e r c i a m f u n ç õ e s p ú b l i c a s , c o m o , por e x e m p l o , os sacerdotes que,
graças ao P a d r o a d o , e r a m f u n c i o n á r i o s d o E s t a d o , n o m e a d o s c.recruta dos p o r . e -
O perfil profissional dos p a r l a m e n t a r e s P ^ ^ ^ ^ ^
TABELA 61
C U R S O S SUPERIORES DOS
D E P U T A D O S GERAIS, 1826-1889
Direito 70
Medicina 12
Sacerdócio* 4
Outros 3
Total 89
Os SENADORES
originário dela.
Q u e d i f e r e n ç a s e x i s t i a m e n t r e o s d o i s p a r t i d o s q u e d o m i n a r a m a vida política
brasileira e n t r e 1 8 4 0 e 1 8 8 9 ? E n t r e os especialistas, três p o s i ç õ e s se destacam.
P r i m e i r a m e n t e há aqueles q u e a f i r m a m q u e a b i p o l a r i z a ç ã o conservadores-liberáis
foi u m a ficção, pois, nas questões f u n d a m e n t a i s , n a d a separava esses dois p a r t i d o s . 15
A segunda tendência afirma q u e esses dois partidos não recrutavam seus membros
nas mesmas classes sociais. M a s os três autores dessa tese divergem entre si. Raymundo
F a o r o considera o Partido C o n s e r v a d o r c o m o o partido dos corpos burocráticos do
Império, e n q u a n t o os liberais representavam os interesses agrários, contrários ao m o -
v i m e n t o centralizador apoiado pela b u r o c r a c i a . 17
Azevedo Amaral, p o r sua vez, consi-
dera o Partido Conservador c o m o o representante dos interesses rurais e o Partido
Liberal c o m o a voz dos grupos intelectuais e de outros grupos marginais em relação ao
283
F e r n a n d o de A z e v e d o e J o ã o C a m i l o de O l i v e i r a T o r r e s - representantes da
terceira t e n d ê n c i a - e s t a b e l e c e m u m a diferença de tipo rural-urbano entre os dois
grandes partidos n o p o d e r . O s dois s u s t e n t a m a tese de que o Partido Liberal repre-
sentava g r u p o s u r b a n o s e o C o n s e r v a d o r , g r u p o s rurais. S e g u n d o F e r n a n d o de Aze-
vedo, os g r u p o s u r b a n o s s e r i a m f o r m a d o s p o r h o m e n s f o r m a d o s e m direito, intelec-
tuais, p e q u e n o - b u r g u e s e s , i n t e g r a n t e s d o c l e r o , militares e m e s t i ç o s (sicf). N ã o deixa
de ser c u r i o s a essa c a t e g o r i a , assim isolada, mas deve-se registrar q u e numerosos
d i p l o m a d o s e m d i r e i t o e o u t r o s i n t e l e c t u a i s e r a m m e s t i ç o s q u e c o m p u n h a m a pe-
q u e n a b u r g u e s i a , p e l o m e n o s n a B a h i a . N o q u e diz respeito à ideologia, esses gru-
pos u r b a n o s se c a r a c t e r i z a r i a m p o r u m p e n s a m e n t o a l i e n a d o , i m p o r t a d o do exterior
e de t i p o u t ó p i c o , a o passo q u e os g r u p o s c o n s e r v a d o r e s rurais seriam dotados de
um p e n s a m e n t o m a i s a d a p t a d o e f l e x í v e l . 2 0
A g r a n d e burguesia u r b a n a seria aliada
aos g r u p o s r u r a i s .
Q u a n t o aos s e n a d o r e s n o m e a d o s e n t r e 1 8 5 6 e 1 8 8 9 , t o d o s e s t u d a r a m n o Brasil e
t o d o s eram b a c h a r é i s e m d i r e i t o . C o m e x c e ç ã o de Z a c a r i a s de G ó i s e V a s c o n c e l o s ,
professor d a F a c u l d a d e de D i r e i t o de O l i n d a , e de P e d r o L e ã o , a d v o g a d o e jornalista,
os senadores c o m e ç a r a m n a m a g i s t r a t u r a e i n i c i a r a m suas carreiras políticas c o m o
d e p u t a d o s às a s s e m b l é i a s P r o v i n c i a l e G e r a l .
M a n o e l P i n t o de S o u z a D a n t a s , c h a m a d o C o n s e l h e i r o D a n t a s , n a s c e u em 1 8 3 1 ,
e m I t a p i c u r u , n o r i c o A g r e s t e b a i a n o . S e u p a i , M a u r í c i o J o s é de S o u z a , proprietário
rural a b a s t a d o , era s o b r e t u d o o m a r i d o de C a r o l i n a F r a n c i s c a de S o u z a D a n t a s , filha
de u m a p o d e r o s í s s i m a f a m í l i a d a r e g i ã o . E m 1 8 5 1 , M a n o e l se c a s o u c o m A n a Amália
J o s e f i n a B a r a t a , de R e c i f e , o n d e o j o v e m e s t u d a v a d i r e i t o . U m a vez b a c h a r e l , voltou a
Salvador o n d e foi, s u c e s s i v a m e n t e , p r o c u r a d o r de finanças, j u i z dos órfãos e p r o m o t o r
j u n t o ao p r o c u r a d o r - g e r a l . N ã o passou pela A s s e m b l é i a P r o v i n c i a l , pois, em 1 8 5 7 , foi
eleito d e p u t a d o à A s s e m b l é i a G e r a l , o n d e p e r m a n e c e u até 1 8 8 1 , a m e n o s dos anos
e n t r e 1 8 7 1 e 1 8 7 7 . Foi m i n i s t r o da A g r i c u l t u r a , d o C o m é r c i o e das O b r a s Públicas em
1 8 6 6 , m i n i s t r o da J u s t i ç a e d o I m p é r i o e m 1 8 8 0 , p r e s i d e n t e d o C o n s e l h o e chefe do
P a r t i d o Liberal c m 1 8 8 4 . F e r v o r o s o a b o l i c i o n i s t a n u m a é p o c a e m q u e o p r o b l e m a da
escravidão exacerbava as paixões p o l í t i c a s , o c o n s e l h e i r o D a n t a s esbarrou n u m a opo-
sição cada vez mais forte, sendo o b r i g a d o a c e d e r seu lugar a o u t r o b a i a n o , o Barão de
C o t c j i p e , que liderava a ala conservadora. Ele m o r r e u c i n c o anos a p ó s a Proclamação
da República, cercado pelo respeito de t o d o s , q u e o c o n s i d e r a v a m figura proemiente
dessa alta classe política baiana, tão característica da é p o c a . 2 3
T A B E L A 62
Presidente do Conselho - 8
Ministro 3 15
Conselheiro de Estado 3 10
Deputado Geral 1 16
Conselheiro municipal - 4
Minas Gerais e R i o G r a n d e d o S u l .
Essas n o m e a ç õ e s refle.iam o brilhantismo dos políticos baianos n o plano nacional.
A Bahia tinha e n o r m e peso nos negócios públicos, c o m o é fácil perceber quando se
analisa o papel desempenhado pelos baianos à frente dos ministérios encarregados de
conduzir o Estado brasileiro.
r* 4 BAHIA, SÉCULO X I X
TABELA 63
-
Maranhão 1,59 7,50
Piauí 6,35 5,00
Ceará — — 2,50
-
Paraíba — 2,50
Pernambuco 12,28 14,28 10,00
-
Alagoas 3,17 2,50
Leste 77,20 61,91 65,00
-
Sergipe — 2,50
Bahia 26,32 34,92 22,50
Minas Gerais 19,30 7,94 32,50
Rio de Janeiro 31,58 19,05 7,50
Sul 8,77 11,12 5.00
São Paulo 7,02 7,94 2,50
Santa Catarina 1.75 1,59
Brasil
Rio Grande do Sul
-
100,0
1,59 2.50
100.0 100,0
N ° Absoluto 57 40
63
Home: Simon Scliwamman, São Paulo t o Estado Nacional, p. 79.
Desse ponto de vista, o caso de João Maurício Wanderley, futuro Barão de Cotejipe,
foi exemplar: juiz de direito da cidade de Santo Amaro, no Recôncavo, e, logo depois,
chefe da Polícia de Salvador, entre 1848 e 1852. Desse ano ate 1855, acumulou os
cargos de juiz do Tribunal da Relação da Bahia c presidente da mesma Província.
É óbvio que não exerceu magistratura nessa época, mas continuou a receber os respec-
tivos vencimentos, detendo influência junto a seus colegas do Tribunal de Instância.
Como se vê, as mesmas pessoas concentravam em torno de si esses três poderes
que Montesquieu queria ver separados. Essa situação pouco se modificou, mesmo
depois da queda da Monarquia. Alguns historiadores brasileiros se equivocam ao
apontar nisso uma mudança de estrutura, uma burocratização do Estado brasileiro.
A realidade foi bem diferente: sob as aparências de uma modernização do aparato de
Estado, continuaram tenazes as tradições do Antigo Regime. Há uma explicação muito
simples para esse fenômeno: a falta de pessoal instruído. Onde recrutar os funcioná-
rios, os deputados, os magistrados, quando só os descendentes de certas categorias
sociais bem definidas e pouco numerosas podiam obter o mínimo de educação neces-
sária? Apesar disso, as estruturas do Estado brasileiro eram suficientemente flexíveis
para permitir que alguns — poucos — 'homens de talento' fizessem carreiras decentes,
apesar de origens familiares medíocres. Na medida em que o século XIX avançava,
novas instituições estabeleciam, cada vez mais, regras estritas, capazes de esclerosar a
sociedade brasileira, tornando-a ainda mais corporativa do que era antes.
Que aconteceu? Diante da eventualidade de sangue novo, o medo se apoderou dos
homens que estavam acostumados a ter nas mãos as alavancas de comando?
L I V R O V
A IGREJA
C A P Í T U L O 18
INTRODUÇÃO
295
BAHIA, SÉCULO X I X
296
A p ó s a I n d e p e n d ê n c i a e o e s t a b e l e c i m e n t o de u m g o v e r n o n a c i o n a l que instaurou
o regime m o n á r q u i c o e m 1 8 2 2 , a I g r e j a teve q u e e n f r e n t a r i n ú m e r o s p r o b l e m a s , t a n t o
nas relações c o m o E s t a d o e o s fiéis c o m o nas relações i n t e r n a s à p r ó p r i a i n s t i t u i ç ã o , ou
seja, e n t r e a h i e r a r q u i a e c l e s i á s t i c a e seu c l e r o . O n o v o I m p é r i o brasileiro r e a f i r m o u o
Padroado real, c o n f i r m o u o c a t o l i c i s m o c o m o religião d o E s t a d o e m a n t e v e a p a r ó q u i a
(circunscrição eclesiástica) c o m o u n i d a d e a d m i n i s t r a t i v a básica. M a s exigiu que a
Igreja fosse t o t a l m e n t e s u b m i s s a a o E s t a d o . A s e p a r a ç ã o definitiva e n t r e as duas insti-
tuições viria, m a i s t a r d e , n o â m b i t o de u m v i o l e n t o c o n f l i t o , c h e i o de c o n s e q ü ê n c i a s
para os fiéis. C o n s e q ü ê n c i a s d i f e r e n t e s , aliás, s e g u n d o o m e i o social a q u e p e r t e n c i a m .
E m b o r a i n t e r e s s a n t e , essa c r o n o l o g i a t e m aspectos q u e n ã o c o n c o r d s
Iam c o m os
fatos: e m p r i m e i r o lugar, n ã o é aceitável' a a f i r m a ç ã o de q u e a expulsão dos jesuítas
i n t e r r o m p e u a c o n v e r s ã o dos p a g ã o s . N ã o há d ú v i d a de q u e os m e m b r o s da C o m p a -
n h i a de J e s u s d e s e m p e n h a r a m u m papel p r i m o r d i a l na catequese das populações
a m e r í n d i a s e a f r i c a n a s , m a s , d e c e r t o m o d o , o t r a b a l h o c o n t i n u o u , c o m outras ordens
religiosas e até c o m o c l e r o s e c u l a r . C o m e f e i t o , f o r a m e n v i a d o s padres seculares para
a m a i o r p a r t e das aldeias q u e t i n h a m s i d o o u t r o r a c o n f i a d a s à a d m i n i s t r a ç ã o dos
j e s u í t a s , e nelas f u n d a r a m - s e p a r ó q u i a s . P a d r e s seculares e regulares c o n t i n u a r a m a
evangelizar os n u m e r o s o s a f r i c a n o s q u e c h e g a v a m ao país ( n o século X V I I , 1,7 m i l h ã o
deles v i e r a m de A n g o l a e d a C o s t a d a M i n a ) . P o r o u t r o l a d o , o regalismo c o m e ç o u a
6
ser c o n t e s t a d o l o g o n o i n í c i o d a s e g u n d a m e t a d e d o s é c u l o X I X p o r u m liberalismo
religioso q u e p e d i a , i n c a n s a v e l m e n t e , a l a i c i z a ç ã o d o E s t a d o . F i n a l m e n t e , essa c r o n o -
7
T e n d o c o m o p a n o de f u n d o a divisão c r o n o l ó g i c a q u e p r o p o n h o , m a s c o n t i n u a n -
d o a seguir o c u r s o d a n a r r a t i v a , os c a p í t u l o s s e g u i n t e s t r a t a r ã o d a e v o l u ç ã o da Igreja
C a t ó l i c a brasileira n o século X I X . S e m p r e q u e possível, m i n h a s análises t o m a r ã o c o m o
e x e m p l o a P r o v í n c i a da B a h i a . O t e m a d o p r i m e i r o c a p í t u l o d e s t a p a r t e será as relações
e n t r e I g r e j a e E s t a d o , q u e c o l o c a r a m f r e n t e a f r e n t e a a l t a h i e r a r q u i a c a t ó l i c a e as elites
dirigentes d o país e g i r a r a m e m t o r n o d o c o m p o r t a m e n t o da Igreja, e m todos os
c a m p o s de sua atividade. T e n t a r e i m o s t r a r c o m o , através de u m a e v o l u ç ã o relativa-
m e n t e rápida, a h i e r a r q u i a eclesiástica t o m o u c o n s c i ê n c i a de si p r ó p r i a e f o r j o u u m a
n o v a identidade para a I g r e j a . V e r e m o s , e m seguida, c o m o essa n o v a i d e n t i d a d e foi
c a p t a d a pelas elites d i r i g e n t e s , t o r n a n d o - s e f o n t e de v i o l e n t a s o p o s i ç õ e s , q u e acarreta-
r a m ' a ruptura e n t r e as duas i n s t i t u i ç õ e s . E x p o r e i , finalmente, a p o s i ç ã o dos bispos
brasileiros e m relação à escravidão e à A b o l i ç ã o .
rentes, separadas por estatutos legais, cores de pele, tradições culturais, tipos de vida
material e graus de instrução.
No quinto capítulo, estudaremos a concorrência feita à Igreja Católica pelas ou-
tras doutrinas cristãs e cultos religiosos. N u m a primeira etapa, tentarei explicar por
que o clima foi favorável à eclosão de novas expressões religiosas. Em seguida, mostra-
rei como outras doutrinas cristãs, assimo c o m o o Islã, tentaram ocupar um espaço
religioso outrora exclusivo da Igreja Católica. Tentarei, finalmente, demonstrar como
e por que emergiram os cultos ditos afro-brasileiros, tão antigos quanto a escravidão,
e como conseguiram tornar-se vitoriosos na concorrência com o catolicismo a partir
do século X I X .
CAPÍTULO 19
HIERARQUIA ECLESIÁSTICA E P O D E R
POLÍTICO NO SÉCULO X I X
(1822-1890)
Às vésperas da I n d e p e n d ê n c i a , a I g r e j a t r a n s m i t i a a i m a g e m d e u m a c o r p o r a ç ã o servil
ao p o d e r t e m p o r a l . 1
O c a t o l i c i s m o era r e l i g i ã o ú n i c a e o f i c i a l , as a u t o r i d a d e s eclesiás-
ticas c u i d a v a m d a e d u c a ç ã o , s a ú d e e a s s i s t ê n c i a p ú b l i c a e, a t é m e a d o s d o s é c u l o X I X ,
os padres e x e r c i a m , e m n o m e d o E s t a d o , n u m e r o s a s f u n ç õ e s civis. A l é m de responsa-
bilizar-se pelos registros p a r o q u i a i s — t a r e f a q u e l h e era c o n f i a d a d e s d e a é p o c a c o l o -
nial — , o p a d r e - f u n c i o n á r i o se e n c a r r e g a v a , p o r e x e m p l o , d e o r g a n i z a r a lista de
eleitores locais, c o n v o c á - l o s nas é p o c a s d e e l e i ç õ e s e fazer o c a d a s t r o das terras. Apesar
das p r o i b i ç õ e s i m p o s t a s pelas C o n s t i t u i ç õ e s P r i m e i r a s d o A r c e b i s p a d o da B a h i a , a
C a r t a C o n s t i t u c i o n a l de 1 8 2 4 p e r m i t i u a a d m i s s ã o d e p a d r e s e m t o d a s as f u n ç õ e s da
magistratura (inclusive a de i n t e g r a n t e s de j ú r i s ) e, a t é os a n o s 1 8 5 0 , n a própria
G u a r d a N a c i o n a l . A essas f u n ç õ e s j u d i c i á r i a s e p a r a m i l i t a r e s , o E s t a d o acrescentou as
policiais. A t é 1 8 5 3 , os padres p o d i a m ser n o m e a d o s d e l e g a d o s e subdelegados de
P o l í c i a sem q u e fosse n e c e s s á r i o o b t e r p e r m i s s ã o f o r m a l da h i e r a r q u i a . T o d a s essas
funções — registre-se — e r a m t o t a l m e n t e d e s a p r o v a d a s pelas d i o c e s e s . 2
302
LIVRO V - A IGREJA 303
j a d a s c o m o n o v o s i n s t r u m e n t o s das e l i t e s , essas i d é i a s , d o g m a s e c r e d o s p e r m i t i a m q u e
se c o m b a t e s s e a I g r e j a n o q u e ela p o s s u í a d e m a i s p r o f u n d o , c o m o o b j e t i v o de
d i m i n u i r sua i n f l u ê n c i a m u l t i s s e c u l a r . A l u t a n ã o se d e s e n r o l o u a p e n a s n o plano
ideológico o u d o u t r i n á r i o . A q u e s t ã o d o p o d e r esteve f o r t e m e n t e presente. A q u e m e
como obedecer — ao Estado ou à Igreja — foi o p r o b l e m a d e u m p o v o i n t e i r o . A t é
h o j e a h i s t o r i o g r a f i a b r a s i l e i r a e s c a m o t e o u esse a s p e c t o d a q u e s t ã o .
C o l o c a d a s o b as o b r i g a ç õ e s d o P a d r o a d o , a I g r e j a C a t ó l i c a p a r e c i a d i r i g i d a p o r l e i g o s . 3
A c r i a ç ã o d e p a r ó q u i a s d e p e n d i a , e m p r i n c í p i o , d a v o n t a d e d o rei, q u e t i n h a
obrigação de c o n s t r u i r a igreja, o r n á - l a e n o m e a r seu p á r o c o . N o e n t a n t o , durante
t o d o o p e r í o d o c o l o n i a l a r e a l e z a m o s t r o u - s e p a r c i m o n i o s a n a c r i a ç ã o d e novas p a r ó -
q u i a s , q u e a c a r r e t a v a g a s t o s . E l a s s u r g i a m p o r i n i c i a t i v a d o s fiéis, q u e e d i f i c a v a m e
o r n a v a m c a p e l a s c o m r e c u r s o s p r ó p r i o s . M u i t o f r e q ü e n t e m e n t e o rei recusava as p e t i -
ções e os b i s p o s v i a m - s e o b r i g a d o s a n o m e a r u m v i g á r i o ad nutum, a t é q u e viesse a
nomeação oficial, q u e p o d i a d e m o r a r vários anos. Estas duas modalidades de fundação
de p a r ó q u i a s l e v a r a m à e x i s t ê n c i a d e d o i s t i p o s d e p á r o c o s : o c o l a d o , n o m e a d o p e l o rei,
e o encomendado, n o m e a d o pelo bispo.
N o A g r e s t e b a i a n o , p o r e x e m p l o , a p a r ó q u i a d e N o s s a S e n h o r a de N a z a r é de
Itapicuru de C i m a teve o r i g e m e m u m oratório particular, construído em 1 6 4 8 e
elevado à c a t e g o r i a d e i g r e j a p a r o q u i a l e m 1 6 8 0 . M a s o p á r o c o s ó foi o f i c i a l m e n t e
n o m e a d o e m 1 7 0 0 . A p o s s i b i l i d a d e de c o n t o r n a r as d i f i c u l d a d e s i m p o s t a s pelo P a d r o a -
do m o s t r a q u e o s b i s p o s t i n h a m u m a c o n s i d e r á v e l m a r g e m de m a n o b r a . Quando
n o m e a d o p e l o rei, o p á r o c o r e c e b i a u m p o s t o v i t a l í c i o , e seus v e n c i m e n t o s a
'porção côngrua' — ficavam a s s e g u r a d o s pelos c o f r e s reais. Q u a n d o n o m e a d o pelo
b i s p o , o vigário m a n t i n h a c o m ele u m c o n t r a t o a n u a l e ad nutum da a u t o r i d a d e d i o -
cesana. O b i s p a d o n ã o r e m u n e r a v a o vigário e n c o m e n d a d o , q u e recebia de seus p a r o -
q u i a n o s as conhecenças, e s p é c i e de d í z i m o pessoal q u e , na verdade, era u m a p e q u e n a
c o n t r i b u i ç ã o e m d i n h e i r o o u in natura, paga pelos fiéis p o r ocasião d o c i c l o pascoal.
governo — contra R o m a . 1 6
N e g a n d o a p r i m a z i a d o p a p a , r a d i c a l i z a n d o suas posições,
os r e f o r m a d o r e s liberais p r o p u n h a m a c o n s t i t u i ç ã o d e u m a I g r e j a N a c i o n a l , c u j a au-
toridade s u p r e m a seria c o n f i a d a a u m c o n c í l i o , t a m b é m n a c i o n a l .
A posição dos reformadores conservadores era diametralmente oposta.
U l t r a m o n t a n o s , eles eram a favor d e u m a estreita c o l a b o r a ç ã o c o m R o m a e reconhe-
ciam o papa c o m o c h e f e d o c r i s t i a n i s m o c a t ó l i c o . A d e p t o s d o p r i n c í p i o de igualdade
entre os poderes espiritual e t e m p o r a l , d e s e j a v a m u m a larga a u t o n o m i a da Igreja,
s o b r e t u d o n o q u e dizia respeito às q u e s t õ e s e s p i r i t u a i s . D e f e n d i d a c o m vigor, essa
posição só p o d i a ser f o n t e de c o n f l i t o s , j á q u e o E s t a d o t i n h a c o n s e g u i d o o reconheci-
m e n t o de seus d i r e i t o s s o b r e a d i r e ç ã o dos n e g ó c i o s d a I g r e j a . Esses reformadores
consideravam q u e a a u t o r i d a d e s u p r e m a d a I g r e j a devia ser e x e r c i d a pelos bispos,
sucessores dos a p ó s t o l o s , s e m p a r t i l h a . F a v o r á v e i s às a n t i g a s e s t r u t u r a s institucionais
d a Igreja, eram i n i m i g o s d o s q u e p r e g a v a m a i n t r o d u ç ã o de e l e m e n t o s novos, que
diziam respeito s o b r e t u d o a d o i s p r o b l e m a s : o c e l i b a t o dos p a d r e s e a e x t i n ç ã o das
ordens regulares. A d i s c u s s ã o ficou r a p i d a m e n t e p ú b l i c a , j á q u e os d e b a t e s tiveram
lugar em p l e n a A s s e m b l é i a G e r a l e até m e s m o e m a l g u m a s a s s e m b l é i a s provinciais.
O s dois g r u p o s d e s e j a v a m r e f o r m a s capazes de c o n f e r i r u m a n o v a personalidade à
Igreja. A i n t e n ç ã o era a m e s m a , m a s os m e i o s de realizá-la d i v e r g i a m d e m o d o estranho.
O clero, na é p o c a d a I n d e p e n d ê n c i a , c o n s e r v a v a as c a r a c t e r í s t i c a s d o p e r í o d o colonial.
I n s u f i c i e n t e m e n t e f o r m a d o s para e x e r c e r sua m i s s ã o s a c e r d o t a l , s e m t e r e m recebido
u m a preparação religiosa séria, os padres e s t a v a m m u i t o m a i s i m p r e g n a d o s de litera-
tura francesa p r o f a n a q u e de letras l a t i n a s p i e d o s a s . 1 7
A d e p t o s das idéias liberais e
d e m o c r á t i c a s d o século X V I I I , eles i n f l u í r a m n o s n e g ó c i o s p o l í t i c o s d o país. D e 1 7 8 9
a 1 8 3 1 , participaram a t i v a m e n t e de t o d o s os m o v i m e n t o s r e v o l u c i o n á r i o s . E n t r e t a n t o ,
c o m o já o a f i r m e i , as p o s i ç õ e s d o c l e r o n ã o e r a m h o m o g ê n e a s , o s c i l a n d o do
conservadorismo mais tradicional ao r a d i c a l i s m o m a i s e x t r e m a d o , passando muitas
vezes por um liberalismo t e ó r i c o i n c o n s e q ü e n t e . 1 8
S e m d ú v i d a , a influência desse clero
sobre a alma popular c o n t i n u a v a a ser g r a n d e ; m a s o c o m p o r t a m e n t o de boa parte dele
levou os fiéis a estabelecerem u m a diferença e n t r e o padre d e n t r o da Igreja, em sua
função sagrada, e o padre na vida profana e c o t i d i a n a , q u e ele vivenciava c o m o todo
m u n d o . Poucos padres usavam h á b i t o , d e f i n i d o c o m o o b r i g a t ó r i o nas Constituições
Primeiras do Arcebispado da B a h i a . 1 9
Na verdade, p o u c o s , e n t r e eles, acreditavam
verdadeiramente em sua missão sacerdotal. C o n s i d e r a v a m - s e simples funcionários —
aliás, mal pagos — do Estado. Para sobreviver, c o b r a v a m taxas s o b r e atos religiosos
(que, cm princípio, deviam ser gratuitos) ou exerciam ofícios incompatíveis com sua
condição. O celibato tornara-se ficção para grande parte do clero; muitos, padres
chefiavam famílias, às vezes numerosas, que precisavam criar e educar.
LIVRO V - A IGREJA 309
N o c a m p o dos r e f o r m a d o r e s c o n s e r v a d o r e s , n u m e r o s o s leigos — c o m o J o s é da
Silva L i s b o a , o V i s c o n d e de C a i r u — saíram e m defesa d o arcebispo da B a h i a , d o m
R o m u a l d o A n t ô n i o de S e i x a s , e d o b i s p o d o M a r a n h ã o , d o m M a r c o s A n t ô n i o de
Sousa, porta-vozes d a o r t o d o x i a . P r o c u r a n d o a b o r d a r os aspectos teológicos, jurídi-
cos e h i s t ó r i c o s da q u e s t ã o , eles se baseavam nas decisões d o C o n c í l i o de T r e n t o ,
cuja validade só foi r e c o n h e c i d a p e l o E s t a d o brasileiro e m n o v e m b r o de 1 8 2 7 , c o m
três séculos de atraso e m relação à I g r e j a . E m suas Memórias, o arcebispo da Bahia
descreveu u m a sessão p a r l a m e n t a r e m q u e o padre D i o g o F e i j ó defendeu a abolição
do celibato: " N o fim da sessão, t o m e i a palavra e m e opus vigorosamente à célebre
dissertação q u e p r o p u s e r a a revogação da antiga e venerável disciplina do celibato.
Fazendo alusão a E r a s m o — q u e o b s e r v o u q u e a R e f o r m a de Lutero tinha um ar
de c o m é d i a , p o r q u e t u d o devia c o n d u z i r ao c a s a m e n t o — eu lamentei que se pu-
desse fazer e n t r e nós a m e s m a observação, c o n c l u i n d o assim os trabalhos da sessão
com um ato v e r d a d e i r a m e n t e c ô m i c o e r i d í c u l o . " 2 0
Para esses conservadores, a re-
forma moral d o clero passava pela reforma geral dos costumes, por uma formação
verdadeiramente religiosa d e n t r o dos s e m i n á r i o s e por uma rigorosa seleção dos
candidatos ao s a c e r d ó c i o . 21
Apesar de v e e m e n t e s , os d e b a t e s f o r a m i n s a t i s f a t ó r i o s e se a b r a n d a r a m c o m rapi-
dez. O s espíritos n ã o e s t a v a m p r e p a r a d o s p a r a e n f r e n t a r esse t i p o de p r o b l e m a , que
v o l t o u à pauta sete a n o s d e p o i s . 2 3
P a r e c e - m e necessário tratar a questão no contexto
mais geral q u e agitava a p o l í t i c a d a é p o c a : a c o n t e s t a ç ã o p a r l a m e n t a r s o b r e os tratados
assinados c o m P o r t u g a l , I n g l a t e r r a e F r a n ç a , a d i s c u s s ã o s o b r e a b o l i ç ã o d o tráfico de
escravos, a falência d o B a n c o d o B r a s i l , a o r g a n i z a ç ã o dos ó r g ã o s de a d m i n i s t r a ç ã o
m u n i c i p a l e j u d i c i á r i a e, s o b r e t u d o , a o p o s i ç ã o das c o r r e n t e s liberais à p o l í t i c a autori-
tária de d o m P e d r o I, q u e se m a n i f e s t o u e m u m a sucessão d e m o v i m e n t o s s e d i c i o s o s . 24
O a r c e b i s p o d a B a h i a e p r i m a z d a I g r e j a d o B r a s i l , d o m R o m u a l d o A n t ô n i o de
Seixas, p e r m a n e c e u fiel às idéias q u e expressara e m 1 8 2 7 , é p o c a da p r i m e i r a discussão.
R e f u t o u os a r g u m e n t o s e m f a v o r d a d i s p e n s a da lei d o c e l i b a t o , n e g a n d o q u e ela fosse
o ú n i c o m e i o de i m p e d i r o e s c â n d a l o da i n c o n r i n ê n c i a dos padres. P a r a o arcebispo, a
moralização d o c l e r o passava p o r três p o n t o s : a r e f o r m a m o r a l da sociedade brasileira,
o f o r t a l e c i m e n t o d o s s e m i n á r i o s d i o c e s a n o s e, e n f i m , a rigorosa seleção dos candidatos
ao s a c e r d ó c i o : " O m e i o d e elevar o c l e r o d o e s t a d o a b j e t o e d e p r i m e n t e e m q u e se
e n c o n t r a n ã o reside n o c a s a m e n t o , m a s , a n t e s de t u d o , na r e f o r m a dos costumes
públicos, p o r q u e os m i n i s t r o s d a I g r e j a , p r o v i n d o s d o m e i o secular e nele v i v e n d o , não
podem deixar de p a r t i c i p a r m a i s o u m e n o s d a c o r r u p ç ã o geral, c o m o todos os outros
h o m e n s , s e j a m eles c e l i b a t á r i o s o u c a s a d o s ( . . . ) . E m s e g u n d o lugar, u m a educação
cuidada e a d a p t a d a a o s fins a se q u e p r o p õ e e q u e , f o r m a n d o - o s na c i ê n c i a e na
piedade, t o r n e sua v o c a ç ã o i n d u b i t á v e l , b e m c o m o sua c a p a c i d a d e para o s a n t o m i n i s -
tério. F o i neste e s p í r i t o q u e a I g r e j a i n i c i o u os s e m i n á r i o s eclesiásticos, q u e os padres
de T r e n t o ( C o n c í l i o ) r e c o m e n d a m c o m o o m e i o m a i s eficaz para preservar da p r o p a -
gação dos v í c i o s a j u v e n t u d e q u e se d e s t i n a a o e s t a d o eclesiástico, i n s p i r a n d o - I h e esta
pureza de c o s t u m e s q u e ele e x i g e . O e c l e s i á s t i c o q u e , e m u m b o m s e m i n á r i o , teve
c o n t a t o estreito c o m as l e t r a s , q u e foi e d u c a d o e m u m a disciplina regular, não é,
h a b i t u a l m e n t e , t ã o v i c i o s o e d e s a m p a r a d o c o m o a q u e l e q u e u n e a ignorância aos
hábitos de u m a vida i n t e i r a m e n t e m u n d a n a . " F i n a l m e n t e , o arcebispo da Bahia defen-
dia a idéia de q u e t o d a o r d e n a ç ã o deveria ser p r e c e d i d a p o r u m e x a m e detalhado dos
candidatos: " A o a d m i t i r e m os c a n d i d a t o s à o r d e n a ç ã o , os bispos devem ser rigorosa-
mente e s c r u p u l o s o s . S o m e n t e devem a c e i t a r aqueles q u e , m e d i a n t e aprendizado em
-seminários c c o n d u t a irrepreensível, p r o v e m q u e são a n i m a d o s por um verdadeiro
espírito eclesiástico, c n ã o aqueles q u e d ã o provas equívocas de u m a aplicação assídua.
Q u a l q u e r i n d u l g ê n c i a nesta matéria é a l t a m e n t e p e r i g o s a . " 27
O s m e m b r o s d a C o m i s s ã o E c l e s i á s t i c a q u e t r a b a l h a r a m n o p r o j e t o paulista de
1 8 3 5 desejavam o s e g u i n t e : restabelecer o a n t i g o e s p l e n d o r e a d i g n i d a d e da Igreja;
fazer desaparecerem os abusos " q u e o t e m p o i n t r o d u z nas m e l h o r e s instituições";
realizar reformas disciplinares q u e estivessem e m h a r m o n i a c o m o E v a n g e l h o , a pureza
da doutrina e a disciplina dos p r i m e i r o s séculos d o c r i s t i a n i s m o ; auxiliar o bispo no
exercício de seu múnus pastoral através de u m c o n s e l h o de padres ( p r e s b i t é r i o ) , subs-
tituindo o capítulo; simplificar o processo j u d i c i á r i o eclesiástico; fazer do padre um ser
moralmente sadio, c u l t u r a l m e n t e a p t o a exercer seu m i n i s t é r i o , financeira e politica-
mente independente, graças à instituição de u m a caixa eclesiástica q u e o a j u d a r i a . 30
E m b o r a n ã o estivesse i s o l a d o d o r e s t o , o p r o b l e m a d o c e l i b a t o era i m p o r t a n t e .
T o d a s as r e f o r m a s c u l t u r a i s , financeiras, p o l í t i c o - e c l e s i a i s e pastorais p r o p o s t a s pelos
reformistas p a u l i s t a s d e p e n d i a m d a s o l u ç ã o desse p r o b l e m a . Aliás, o silêncio q u e e n -
c o b r i u esse p r o j e t o d a c o n s t i t u i ç ã o e c l e s i á s t i c a s ó p o d e ser e x p l i c a d o pela i n q u i e t a ç ã o
d e m o n s t r a d a p e l o b i s p o d e S ã o P a u l o e p e l o s p o l í t i c o s leigos da P r o v í n c i a . O p r i m e i r o
n u n c a d e u s e g u i m e n t o a o p a r e c e r , n o e n t a n t o favorável, e x p r e s s o pela C o m i s s ã o E c l e -
siástica d a A s s e m b l é i a G e r a l ; e o s s e g u n d o s e v i t a r a m c o l o c a r e m p a u t a , d u r a n t e as
sessões p a r l a m e n t a r e s , o p r o j e t o de c o n s t i t u i ç ã o ! O s e s p í r i t o s a i n d a n ã o t i n h a m a m a -
d u r e c i d o b a s t a n t e p a r a a c e i t a r e m c o m o p r i n c í p i o c o n d u t o r da r e f o r m a u m a s o l u ç ã o
c o n s i d e r a d a h e r é t i c a . A e n c í c l i c a Mirare Vos, p u b l i c a d a e m 1 8 3 2 p o r G r e g o r i o X V I ,
c o n d e n a v a o d e s e j o e x p r e s s o p o r a l g u n s e c l e s i á s t i c o s , q u e , " e s q u e c e n d o sua d i g n i d a d e
e c o n d i ç ã o e a r r a s t a d o s p e l a a n s i e d a d e d o d e s e j o , c h e g a r a m a tal p o n t o de l i b e r t i n a g e m
que o u s a m p e d i r p u b l i c a m e n t e e c o m i n s i s t ê n c i a a o s P r í n c i p e s a a b o l i ç ã o desta i m p o -
sição d i s c i p l i n a r ( o c e l i b a t o ) " . E s t e p a r á g r a f o visava, s e m dúvida, o padre F e i j ó e os
outros ' n o i v o s ' p e r t e n c e n t e s ao c l e r o b r a s i l e i r o , s e g u n d o a p i t o r e s c a expressão de d o m
R o m u a l d o A n t ô n i o de S e i x a s . 3 2
A p o s i ç ã o u l t r a - r e g a l i s t a e x p r e s s a p o r esse g r u p o d e r e f o r m a d o r e s só p o d i a trazer
p r e o c u p a ç õ e s p a r a u m a classe p o l í t i c a d o m i n a d a pelos c o n s e r v a d o r e s e i n i m i g a de
tudo o q u e p u d e s s e levar a e x c e s s o s . M a s o u t r o s a c o n t e c i m e n t o s c o n t r i b u í r a m para
preservar o s i l ê n c i o e m t o r n o d o p r o j e t o de c o n s t i t u i ç ã o eclesiástica. As discussões
sobre a s i t u a ç ã o m a t e r i a l d o c l e r o e m 1 8 3 1 , p o r e x e m p l o , resultaram n a m a n u t e n ç ã o
do staiu quo: os s a c e r d o t e s c o n t i n u a r a m a ser f u n c i o n á r i o s d o E s t a d o , e o p r o j e t o de
uma caixa eclesiástica n ã o foi v o t a d o . 3 3
O s e g u n d o a c o n t e c i m e n t o foi o c o n f l i t o e n t r e
0 Estado b r a s i l e i r o c a S a n t a S é e m t o r n o d a ' i n d i c a ç ã o ' , e m 1 8 3 3 , do padre A n t ô n i o
M a r i a de M o i r a para o b i s p a d o d o R i o de J a n e i r o . R e c u s a d o pela S a n t a S é , o padre
M o i r a foi o b r i g a d o a r e n u n c i a r c m 1 8 3 8 . Esse c o n f l i t o c o n t r i b u i u para afrouxar os
laços e n t r e a h i e r a r q u i a da Igreja C a t ó l i c a , q u e professava um regalismo moderado, e
o E s t a d o . D e f e n s o r e s da S a n t a S é , os bispos viam c o m desconfiança tudo o que
pudesse c o n t r i b u i r para a u m e n t a r a ingerência d o E s t a d o nos negócios religiosos. O s
reformadores paulistas, ao c o n t r á r i o , contavam c o m o Estado para apoiar suas propostas.
de T r e n t o e as exigências d o d i r e i t o . 3 4
O s i l ê n c i o q u e e n v o l v e u o p r o j e t o paulista de
r e f o r m a t i n h a relação c o m o e s f o r ç o dos bispos locais para c o n d u z i r o c a t o l i c i s m o
brasileiro a u m t i p o de regime e de pastoral p r ó x i m o à q u e l e q u e se desenvolvia na
E u r o p a à m e s m a é p o c a . A tarefa foi facilitada pela s o l u ç ã o de o u t r o s p r o b l e m a s rela-
tivos à Igreja, c o m o o q u e dizia r e s p e i t o à e x t i n ç ã o das o r d e n s religiosas, de que
trataremos a d i a n t e .
O b s e r v a d o c o m d i s t a n c i a m e n t o , o p e r í o d o d e 1 8 2 6 - 1 8 4 0 m o s t r a - s e crucial para
a Igreja — c o m o o foi, aliás, para o E s t a d o . S e m d ú v i d a , a r e n o v a ç ã o d o Padroado
m a n t e v e aquela n u m a p o s i ç ã o s u b a l t e r n a e m r e l a ç ã o a e s t e . O s b i s p o s , m e n o s isolados
nas cadeiras p a r l a m e n t a r e s q u e a n t e s , t o m a r a m c o n s c i ê n c i a d o p e s o q u e t i n h a m na
sociedade e n o E s t a d o , assim c o m o d o papel q u e p o d i a m d e s e m p e n h a r j u n t o a um
clero d i v i d i d o . F o i u m p e r í o d o difícil p a r a a a l t a h i e r a r q u i a , q u e p e r c e b e u c o m o a
politização do c l e r o criava f a c ç õ e s n o s e i o d a I g r e j a e a e n f r a q u e c i a , a b r i n d o a porta a
n u m e r o s a s c r í t i c a s , h a b i l m e n t e utilizadas p e l o E s t a d o p a r a r e d u z i r a a u t o n o m i a da
i n s t i t u i ç ã o . U m n o v o s o p r o r e n o v a d o r i m p ô s , p o u c o a p o u c o , a idéia de u m a reforma
c o n t r á r i a à q u e era p r e c o n i z a d a p e l o s a d e p t o s d e u m a I g r e j a c a t ó l i c a nacional,
desvinculada de R o m a , s e m as o r d e n s religiosas e c o m u m c l e r o s e c u l a r l i b e r a d o do
celibato.
E m t o r n o de d o m R o m u a l d o de S o u s a C o e l h o , b i s p o d o P a r á e n t r e 1 8 1 9 e 1 8 4 1 ,
f o r m o u - s e u m p r i m e i r o n ú c l e o , d e q u e f e z p a r t e d o m R o m u a l d o A n t ô n i o de Seixas, "
f u t u r o a r c e b i s p o da B a h i a . C o n s e r v a d o r e s e h o s t i s à I n d e p e n d ê n c i a d o Brasil, esses
bispos, aos q u a i s v e i o j u n t a r - s e m a i s t a r d e d o m M a r c o s d e S o u s a , b i s p o d o M a r a n h ã o
( 1 8 2 7 - 1 8 4 2 ) , f o r a m os p r i m e i r o s a s u s t e n t a r o p r i n c í p i o de u m a r e f o r m a i n t e r n a da
Igreja e a a p r e s e n t a r o s m e i o s p a r a realizá-la. M a i s t a r d e , j u n t a r a m - s e a eles d o m
A n t ô n i o Ferreira V i ç o s o , b i s p o de M a r i a n a ( 1 8 4 4 - 1 8 7 6 ) , e d o m A n t ô n i o J o a q u i m de
M e l o , b i s p o de S ã o P a u l o ( 1 8 5 1 - 1 8 6 1 ) . T r i d e n t i n o e m sua e s s ê n c i a , o p r o g r a m a de
reformas l a n ç a d o p o r eles se r e s u m i a a três p o n t o s : fazer d o c l e r o brasileiro um corpo
instruído e sadio — o e x e r c í c i o d e sua m i s s ã o e s p i r i t u a l d e v i a s u p l a n t a r suas atividades
políticas — , trabalhar pela i n s t r u ç ã o religiosa d o p o v o através da c a t e q u e s e e assegurar
a i n d e p e n d ê n c i a da I g r e j a e m relação a o p o d e r t e m p o r a l . E s s e p r o g r a m a , q u e revelou
os novos c o m p o r t a m e n t o s da h i e r a r q u i a c a t ó l i c a , era i n é d i t o n o Brasil: p o u c o a pouco,
os bispos reformadores i m p u s e r a m u m a i m a g e m m a i s sacralizada d o c l e r o , sem deixar
de exortá-lo a p e r m a n e c e r a t e n t o aos d e b a t e s p o l í t i c o s . P o r o u t r o lado, a hierarquia e o
clero, ao t o m a r e m c m mãos os d e s t i n o s da Igreja, d i m i n u í r a m a i m p o r t â n c i a das
irmandades religiosas na f o r m a ç ã o da religiosidade p o p u l a r . F i n a l m e n t e , à medida que
se passou a apelar cada vez mais para a a u t o r i d a d e de R o m a , as relações entre Igreja e
Estado brasileiros t o r n a r a m - s e c o n f l i t a n t e s , d e m o n s t r a n d o q u e o episcopado estava
determinado a r o m p e r c o m o passado. U m e x e m p l o dessa e v o l u ç ã o pode ser percebido
nas relações da Igreja c o m a m a ç o n a r i a , q u e tinha n u m e r o s o s m e m b r o s na alta admi-
nistração do Estado. As duas instituições se haviam unido diante dos p r o b l e m a s políti-
cos enfrentados pelo país e n t r e 1 8 2 2 e 1 8 4 0 . M a s a nova c o n d e n a ç ã o , p o r R o m a , das
LURO V - A IGREJA
315
DA A P A R E N T E S U B M I S S Ã O À R E V O L T A A B E R T A (1840-1890)
As r e f o r m a s a l m e j a d a s pela h i e r a r q u i a e n v o l v i a m s o b r e t u d o o c l e r o , m a s se torna-
v a m difíceis p o r causa d a d e p e n d ê n c i a d a I g r e j a . A p e n a s o E s t a d o estava a u t o r i z a d o a
n o m e a r padres e criar n o v a s p a r ó q u i a s . C a b i a a c a d a b i s p o a p r e s e n t a r candidatos,
g e r a l m e n t e s e l e c i o n a d o s através de e x a m e s , a p r e s e n t a d o s e m g r u p o s de três e listados
por o r d e m de p r e f e r ê n c i a . A c o m p a n h a d a d o curriculum vitae Aos c a n d i d a t o s e de uma
c a r t a do b i s p o j u s t i f i c a n d o a e s c o l h a , a lista e r a e n v i a d a ao i m p e r a d o r , q u e p o r vezes
n ã o levava e m c o n t a a i n d i c a ç ã o e n o m e a v a , p o r e x e m p l o , o ú l t i m o c o l o c a d o ou
mesmo alguém que não fora cogitado, o q u e i n c o m o d a v a os prelados.
Para o povo, a Igreja era " a propriedade dos padres"; ela era vista mais c o m o expressão
318 BAHIA, SÉCULO X I X
N o o u t r o g r u p o , duas t e n d ê n c i a s se d e l i n e a v a m : u m a , regalista, p r e d o m i n a n t e na
primeira m e t a d e d o século X I X , pregava a u n i ã o dos p o d e r e s espirituais e temporais,
c o n c e d e n d o de fato s u p r e m a c i a ao E s t a d o s o b r e a I g r e j a ; o u t r a , ultraliberal, tentava
o b t e r d o E s t a d o u m v e r d a d e i r o l i b e r a l i s m o r e l i g i o s o . E s t a t e n d ê n c i a era formada por
liberais, r e p u b l i c a n o s e positivistas. E s t e s , a d e p t o s d a R e p ú b l i c a , c o n s i d e r a v a m o Es-
tado c o m o o p o n t o c u l m i n a n t e d a s o c i e d a d e e n ã o p o d i a m a c e i t a r a p r o p o s t a de uma
Igreja q u e se c o l o c a v a a c i m a das i n s t i t u i ç õ e s seculares. A a t i t u d e dos positivistas,
p o r é m , foi m u i t o m e n o s radical e m u i t o m a i s a m b í g u a q u e a dos liberais. N a prática,
os positivistas a d o t a r a m c o m o m i s s ã o s u b s t i t u i r a v e l h a fé d a p o p u l a ç ã o católica por
u m novo c r e d o , u m a religião c i e n t í f i c a e h u m a n a . E n q u a n t o os liberais lutavam aber-
t a m e n t e c o n t r a a i m a g e m u l t r a m o n t a n a d a I g r e j a , o s positivistas se l a n ç a r a m numa
política racionalista, baseada n o s e n s i n a m e n t o s d e A u g u s t e C o m t e .
p r i n c i p a l f o r n e c e d o r de m ã o - d e - o b r a p a r a o B r a s i l . E n t r e o s n o v o s g r u p o s de •mi-
grantes, havia p r o t e s t a n t e s , q u e a I g r e j a v i a c o m d e s c o n f i a n ç a , p o i s s u a p r e s e n ç a a m e -
açava r o m p e r a u n i d a d e religiosa d o p a í s . E m 1 8 6 9 , o e d i t o r i a l i s t a d o j o r n a l c a t ó l i c o
O Apóstolo escrevia: " A P r o v í n c i a d o R i o de J a n e i r o t e m g r a n d e n e c e s s i d a d e de ser
povoada. Necessita u m a população laboriosa e útil, mas t a m b é m h o m o g ê n e a quanto
a p r i n c í p i o s p o l í t i c o s e r e l i g i o s o s . E s t a h o m o g e n e i d a d e d e p r i n c í p i o s d e v e ser a base
da c o l o n i z a ç ã o e a p r e o c u p a ç ã o m a i o r d o l e g i s l a d o r . T r a z e r c o l o n o s q u e s ã o c o n t r á -
rios às nossas c r e n ç a s ( . . . ) é d e s t r u i r o b e m q u e se d e s e j a f a z e r p e l o m a l q u e , i n e v i t a -
velmente, causarão os princípios h e t e r o g ê n e o s dos c o l o n o s ; é i m p l a n t a r , senão au-
mentar, a anarquia na qual v i v e m o s . " 5 5
O E s t a d o se e s f o r ç o u p o r laicizar o e n s í n o a p a r t i r d a d é c a d a d e 1 8 3 0 , q u a n d o
escolas primárias c o m e ç a r a m a ser c o n f i a d a s a m e s t r e s leigos e f o r a m c r i a d a s escolas
n o r m a i s destinadas à f o r m a ç ã o d e p r o f e s s o r e s . M a s o e n s i n o p e r m a n e c e u , de m o d o
geral, nas m ã o s d a I g r e j a . N u m e r o s a s c o n g r e g a ç õ e s r e l i g i o s a s e s t r a n g e i r a s abriram
e s t a b e l e c i m e n t o s escolares, e m u i t o s p a r t i c u l a r e s l e i g o s q u e e n t r a v a m nesse r a m o eram
p r ó x i m o s da Igreja. M e s m o nas e s c o l a s m a n t i d a s p e l o E s t a d o , o e n s i n o religioso era
obrigatório e t ã o i m p o r t a n t e q u a n t o o a p r e n d i z a d o d o a l f a b e t o .
N a década de 1 8 6 0 o m o v i m e n t o e m f a v o r d a l i b e r d a d e d e e n s i n o c r e s c e u e n t r e os
liberais, favoráveis à m u l t i p l i c a ç ã o das escolas privadas e à s u p r e s s ã o d o e n s i n o re-
ligioso em todos os e s t a b e l e c i m e n t o s escolares. N o q u e t o c a à s u p r e s s ã o d o e n s i n o
religioso, a vitória dos ultraliberais foi l i m i t a d a : o b t i v e r a m a p e n a s a d i s p e n s a das aulas
de instrução religiosa para os a l u n o s n ã o c a t ó l i c o s . 5 7
P a r a a I g r e j a , a l i b e r d a d e de
ensino trazia dois grandes perigos q u e d e v i a m ser evitados a t o d o c u s t o : a a b e r t u r a de
escolas e colégios protestantes c o fim d o e n s i n o religioso, q u e d e s e m p e n h a v a i m p o r t a n t e
papel n o programa de reformas d e s e j a d o ; s u p r i m i - l o era d e s f e c h a r u m d u r o golpe
numa longa tradição c privar a Igreja de um p o d e r o s o i n s t r u m e n t o de i n f l u ê n c i a .
As reivindicações apresentadas pelos ultraliberais levavam a u m d e s f e c h o l ó g i c o e
evitável: a separação entre Igreja e E s t a d o . Nesse c o n f r o n t o e n t r e u l t r a m o n t a n o s e
ultraliberais, qual foi a atitude do Estado?
UVRO V - A IGREJA 321
A h i s t o r i o g r a f i a t r a d i c i o n a l a p r e s e n t o u a Q u e s t ã o Religiosa c o m o u m c o n f l i t o entre
bispos brasileiros e a m a ç o n a r i a . E s t a ú l t i m a , sem dúvida, d e s e m p e n h o u i m p o r t a n t e
papel na vida p ú b l i c a d o país e nessa q u e s t ã o . 6 0
M a s h o j e a interpretação a c i m a foi
a b a n d o n a d a c m prol de u m a análise mais a m p l a e mais rica, q u e vê n o c o n f l i t o entre
Igreja e E s t a d o a e x p r e s s ã o brasileira da o p o s i ç ã o universal e n t r e liberalismo triunfante
e ultramontanismo conservador e intransigente. 61
A Q u e s t ã o Religiosa, n o e n t a n t o ,
marcou uma r u p t u r a e n t r e os d e s t i n o s d a I g r e j a C a t ó l i c a e da m o n a r q u i a n o Brasil,
pois e n f r a q u e c e u esta ú l t i m a e c o n t r i b u i u para desacreditar, até m e s m o entre os cató-
licos, a u n i ã o das duas i n s t i t u i ç õ e s . 6 2
O c o m p o r t a m e n t o a r r o g a n t e d a m a ç o n a r i a e as c a m p a n h a s p a r a ridicularizar a
Igreja e sua h i e r a r q u i a levaram os b i s p o s b r a s i l e i r o s a t o m a r p o s i ç ã o . I n i c i a l m e n t e de
caráter l o c a l i z a d o , o c o n f l i t o a l c a n ç o u d i m e n s õ e s n a c i o n a i s c o m a i n t e r v e n ç ã o de dom
Vital M a r i a , 6 4
b i s p o de O l i n d a ( P E ) , e d e d o m A n t ô n i o d e M a c e d o C o s t a , 6 5
b i s p o do
Pará. Estes d o i s p r e l a d o s p a s s a r a m à c o n t r a - o f e n s i v a , e x i g i n d o q u e as i r m a n d a d e s
religiosas e de o r d e n s t e r c e i r a s d e m i t i s s e m seus m e m b r o s q u e f o s s e m m a ç o n s . As
i r m a n d a d e s r e s i s t i r a m , d e s o b e d e c e n d o a o s p r e l a d o s e o b r i g a n d o - o s a suspendê-las.
Elas apelaram e n t ã o ao i m p e r a d o r , a l e g a n d o q u e t i n h a m c a r á t e r m i s t o — e r a m , ao
m e s m o t e m p o , i n s t i t u i ç õ e s civis e religiosas — e, p o r i s s o , d e v i a m r e s p o n d e r a duas
a u t o r i d a d e s : os bispos ( e m q u e s t õ e s e s p i r i t u a i s ) e o E s t a d o ( e m q u e s t õ e s t e m p o r a i s ) .
E m seguida, l e m b r a v a m q u e o g o v e r n o b r a s i l e i r o n u n c a r a t i f i c a r a o s d o c u m e n t o s do
Vaticano que condenavam formalmente a m a ç o n a r i a . 6 6
O C o n s e l h o de E s t a d o d e l i b e r o u , às pressas, q u e o s b i s p o s t i n h a m " u s u r p a d o a
jurisdição d o p o d e r t e m p o r a l " e q u e e r a " d a c o m p e t ê n c i a e x c l u s i v a d o p o d e r civil
presidir à c o n s t i t u i ç ã o o r g â n i c a das i r m a n d a d e s " ( p e l o P a d r o a d o , c a b i a a o i m p e r a d o r
aprovar os c o m p r o m i s s o s q u e r e g i a m as c o n f r a r i a s e as o r d e n s t e r c e i r a s ) . 6 7
Ordenou,
por c o n s e q ü ê n c i a , a r e i n t e g r a ç ã o dos m a ç o n s e p r o i b i u q u a l q u e r n o v a expulsão.
A decisão d o C o n s e l h o de E s t a d o f o i i m e d i a t a m e n t e r e j e i t a d a pelos prelados.
D o m Vital M a r i a d e c l a r o u ser " m a i s i m p o r t a n t e o b e d e c e r a D e u s q u e aos h o m e n s " ,
reafirmando q u e , c m m a t é r i a religiosa, o p o d e r t e m p o r a l devia estrita o b e d i ê n c i a à
Igreja: " S c o g o v e r n o brasileiro é c a t ó l i c o , n ã o s o m e n t e ele n ã o p o d e ser o c h e f e ou o
superior da religião c a t ó l i c a , m a s é até seu s ú d i t o " . A f i r m a n d o q u e seria u m a apostasia
da fé r e c o n h e c e r a a u t o r i d a d e d o p o d e r civil na c o n d u ç ã o das q u e s t õ e s espirituais,
d o m M a c e d o C o s t a a c r e s c e n t o u : " N ã o posso s a c r i f i c a r - l h e m i n h a c o n s c i ê n c i a e a lei
de D e u s . " 6 8
m a n d a d o de p r i s ã o , c u m p r i d o e m R e c i f e e m 2 d e j a n e i r o de 1 8 7 4 . L e v a d o à prisão d o
Arsenal, n o R i o , d o m V i t a l o p t o u p e l o s i l ê n c i o — q u e representava o n ã o - r e c o n h e c i -
m e n t o d a a ç ã o da J u s t i ç a — a o l o n g o d o p r o c e s s o i n i c i a d o e m 1 8 de fevereiro, mas foi
d e f e n d i d o p o r d o i s g r a n d e s j u r i s t a s d a é p o c a , C â n d i d o M e n d e s de A l m e i d a e Z a c a r i a s
de G ó i s e V a s c o n c e l o s , q u e t a m b é m e r a m s e n a d o r e s , c o n h e c i d o s p o r seu g r a n d e fervor
c a t ó l i c o e p o r d e f e n d e r e m a m a i s e s t r i t a o r t o d o x i a . T e n t a r a m afastar o s aspectos
políticos q u e o p r o c e s s o c o m p o r t a v a , para ater-se e x c l u s i v a m e n t e ao t e r r e n o j u r í d i c o ,
o q u e , d o p o n t o d e vista p e n a l , p e r m i t i r i a m i n i m i z a r as ações d o b i s p o , e v i t a n d o assim
u m a c o n d e n a ç ã o . F r a c a s s a r a m . As i m p l i c a ç õ e s p o l í t i c a s e r a m o v e r d a d e i r o p a n o de
f u n d o d o c a s o . O j u l g a m e n t o d u r o u três dias e t e r m i n o u c o m a c o n d e n a ç ã o de d o m
Vital a q u a t r o a n o s de t r a b a l h o s f o r ç a d o s , p e n a c o m u t a d a d e p o i s , e m 1 2 de m a r ç o , e m
prisão s i m p l e s .
O i n d i c i a m e n t o d e d o m M a c e d o C o s t a s e g u i u o m e s m o p e r c u r s o . Preso e m 2 8 de
abril 1 8 7 4 , o b i s p o d o P a r á foi j u l g a d o e n t r e 2 7 d e j u n h o de I o
de j u l h o d o m e s m o
a n o . T a m b é m o p t o u p e l o s i l ê n c i o d u r a n t e o p r o c e s s o e foi d e f e n d i d o p o r Ferreira
V i a n n a e Z a c a r i a s d e G ó i s e V a s c o n c e l o s . A c o n d e n a ç ã o de d o m V i t a l t o r n a r a previ-
sível a s e n t e n ç a . D o m M a c e d o C o s t a teve a m e s m a p e n a d o b i s p o de O l i n d a , t a m b é m
comutada em prisão simples em 2 3 de julho do m e s m o a n o . 6 9
e espiritual. 71
A carta de a d m o e s t a ç ã o seria escrita pelo cardeal Antonelli e remetida a
d o m Vital por i n t e r m é d i o do n ú n c i o , m o n s e n h o r D o m ê n i c o Sanguigni.
M a s o sucesso o b t i d o pelo B a r ã o de P e n e d o foi irremediavelmente comprometido
pela prisão de d o m V i t a l . Pio I X e seu secretário declararam ter sido enganados pelo
emissário do governo brasileiro e o papa o r d e n o u que a carta fosse destruída. D o m
Vital sempre negou tê-la recebido, m a s está provado q u e d o m Pedro M a r i a de Lacerda,
bispo do R i o , fez a entrega. O r e c u o d o V a t i c a n o e sua firme c o n d e n a ç ã o dos atos que
atingiram os prelados brasileiros tiraram q u a l q u e r possibilidade de vitória ao governo.
Restava-lhe ir até o fim para m a n t e r sua a u t o r i d a d e i n t a c t a . 7 2
U m a n o após a conde-
nação, os dois bispos foram anistiados e restabelecidos em suas f u n ç õ e s pastorais. Essa
medida, e n t r e t a n t o , n ã o c o n s e g u i u abafar u m a q u e s t ã o q u e tinha t o r n a d o públicas as
incompatibilidades q u e existiam e n t r e as duas i n s t i t u i ç õ e s . Pela primeira vez na histó-
ria das relações e n t r e Igreja e E s t a d o , o c o r r e r a u m c h o q u e de e x t r e m a violência. Qual
foi sua verdadeira significação?
F i n a l m e n t e , a Q u e s t ã o R e l i g i o s a foi o r e s u l t a d o l ó g i c o da r e f o r m a da Igrej
a no
Brasil. Q u a l q u e r e s f o r ç o nesse s e n t i d o c o n t r i b u í a para q u e a I g r e j a percebesse
esse sua
própria n a t u r e z a e sua p r ó p r i a m i s s ã o , f a z e n d o f r u t i f i c a r u m a nova c o n s c i ê n c i a que
se c h o c a v a c o m o P a d r o a d o e as prerrogativas reais. T o r n a n d o - s e c a d a vez mais
i n t r a n s i g e n t e n o c a m p o d a o r t o d o x i a , a I g r e j a n ã o p o d i a m a i s calar-se diante da
difusão de d o u t r i n a s q u e j u l g a v a p e r n i c i o s a s . P o r o u t r o l a d o , a Q u e s t ã o Religiosa
permitia aos c a t ó l i c o s l e i g o s u n i r e m - s e e m t o r n o da I g r e j a e a t é encararem a possi-
bilidade de c r i a ç ã o de u m p a r t i d o c a t ó l i c o , a p t o a d e f e n d e r nas assembléias as
posições da a l t a h i e r a r q u i a .
A IGREJA E A ESCRAVIDÃO
D u r a n t e o p e r í o d o c o l o n i a l , a s o c i e d a d e e s c r a v o c r a t a c o n t o u c o m o a p o i o da Igreja,
que e n s i n a v a , a o s t r a b a l h a d o r e s c a t i v o s , as v i r t u d e s d a p a c i ê n c i a , d a h u m i l d a d e , da
resignação e d a o b e d i ê n c i a e m r e l a ç ã o à o r d e m e s t a b e l e c i d a . A I g r e j a se manifestara
c o n t r a a e s c r a v i d ã o das p o p u l a ç õ e s a m e r í n d i a s , m a s s e m p r e fora favorável à escravidão
africana. 8 3
J u s t i f i c a v a sua p o s i ç ã o a f i r m a n d o ser n e c e s s á r i o c r i s t i a n i z a r esses pagãos
para salvá-los. A o p e r m i t i r essas c o n v e r s õ e s s a l v a d o r a s , a e s c r a v i d ã o era n ã o s o m e n t e
necessária, m a s t a m b é m l e g í t i m a . M a s , a p a r t i r d a s e g u n d a m e t a d e d o século X I X , essa
discussão e v o l u i u , e a l e g i t i m i d a d e d o s i s t e m a p a s s o u a ser c o l o c a d a em dúvida em
alguns m e i o s c l e r i c a i s .
E n q u a n t o o t r á f i c o foi c o n s i d e r a d o legal, n ã o se c o g i t o u d o p r o b l e m a . A partir de
1 8 3 1 , ele foi d e c l a r a d o ilegal, e a e s c r a v i d ã o c o m e ç o u a a d q u i r i r traços 'fora da lei',
pelo m e n o s para u m a p a r t e d o c l e r o , para q u e m a posse d e escravos, e n t r a d o s por
fraude n o país, t o r n a r a - s e i m o r a l e c o n t r á r i a à lei n a t u r a l . E m 1 8 4 2 , o padre lazarista
A n t ó n i o V i ç o s o , f u t u r o b i s p o de M a r i a n a , e r g u e u - s e c o n t r a a escravatura e abriu um
l o n g o d e b a t e c o m o padre L e o n a r d o R a b e l o de C a s t r o , t a m b é m lazarista, para q u e m
esse sistema n ã o era r e p u g n a n t e , n e m c o n t r á r i o à j u s t i ç a ; sua a b o l i ç ã o , dizia este
ú l t i m o , destruiria a o r d e m social d o p a í s . 8 4
A m i n o r i a a n t i e s c r a v i s t a d e f e n d i a a m o d i f i c a ç ã o da o r d e m legal do país. P o r
e x e m p l o , em 1 8 7 1 o padre J o s é Alves M a r t i n s L o r e t o , professor do G r a n d e S e m i n á r i o
de Salvador, escrevia n o j o r n a l c a t ó l i c o Chronica Religiosa q u e , desde sua infância, em
seu m e i o familiar e fora dele, tinha o u v i d o c o n d e n a ç õ e s à escravidão c o m o d o u t r i n a
e t o m a d o c o n h e c i m e n t o das injustiças q u e a s a n c i o n a v a m . " M a s q u a n d o o padre ,
escreveu, " m e n c i o n a essa injustiça aos senhores de escravos, estes i m e d i a t a m e n t e tran-
qüilizam sua c o n s c i ê n c i a , justificando-se que a escravidão é c o n f o r m e às leis d o Esta-
d o . " Ele apelava para o s legisladores, e x o r t a n d o - o s a suprimir essa "lei injusta que lesa
BAHIA, SÉCULO X I X
S ó em 1 8 7 9 a A b o l i ç ã o foi d i s c u t i d a de n o v o n a A s s e m b l é i a G e r a l d o I m p é r i o . O
m o v i m e n t o a b o l i c i o n i s t a era c h e f i a d o e n t ã o p o r J o a q u i m N a b u c o , j o v e m depurado
eleito p o r P e r n a m b u c o . S o b s e u i m p u l s o e o de seus a d e p t o s , novas associações
e m a n c i p a d o r a s f o r a m criadas e m t o d a s as g r a n d e s cidades d o país. A partir de 1 8 8 3 ,
através de u m a c a m p a n h a n a c i o n a l , os a b o l i c i o n i s t a s c o n c e n t r a r a m seus esforços em
três frentes: nâs assembléias legislativas, na i m p r e n s a ( o n d e p e d i a m a suspensão das leis
sobre a escravidão) e na a r r e c a d a ç ã o de f u n d o s destinados a c o m p r a r a liberdade dos
escravos. E m 1 8 8 4 , as províncias d o C e a r á e da A m a z ô n i a t i n h a m conseguido libertar
todos os seus escravos. E m 1 8 8 5 , a A s s e m b l é i a G e r a l a p r o v o u a Lei dos Sexagenários,
q u e declarava livres t o d o s os escravos de mais de sessenta a n o s , i m p o n d o - l h e s , todavia,
mais três anos de serviço j u n t o a seus antigos s e n h o r e s . P o r volta de 1 8 8 7 a escravidão
estava moral e p o l i t i c a m e n t e c o n d e n a d a : e m 13 de m a i o de 1 8 8 8 a Lei Áurea a
extinguiu. M a s , tendo d u r a d o mais de três séculos, ela m a r c o u p r o f u n d a m e n t e a carne
e as mentalidades b r a s i l e i r a s . 101
jdos empregados parecem brutais. Mas continuaram a tradição dos que foram
os metoí
empregados sempre que a Igreja, em toda parte, teve que enfrentar hostilidade cres-
cente da parte dos leigos. Mais próxima de R o m a , t o m o u consciência de sua univer-
salidade e da necessidade de aliar sua doutrina e suas práticas às da Igreja Católica
universal. N o fim do Império, a Igreja ainda não resolvera o problema de sua separa-
ção do Estado — resolvido finalmente e m 1 8 9 1 — mas já construíra as bases para tal.
Qual a importância das reformas feitas dentro da instituição? É o que vou tentar
avaliar agora.
CAPÍTULO 20
CÓNEGOS E PÁROCOS:
UMA VERDADEIRA RIQUEZA EM HOMENS
333
BAHIA. SÉCULO X I X
334
O c a p í t u l o - c a t e d r a l d a B a h i a foi i n s t a l a d o na S é j u n t o c o m o b i s p a d o , e m 1 5 5 2 . N o
c o m e ç o , t i n h a treze c a p i t u l a r e s , e n t r e o s q u a i s c i n c o d i g n i t á r i o s ( d e c a n o , chantre,
m e s t r e - e s c o l a , a r q u i d i á c o n o e t e s o u r e i r o ) , seis c ó n e g o s p r e b e n d a d o s e d o i s cónegos
s e m i p r e b e n d a d o s , q u e f u n c i o n a v a m c o m o m e s t r e s d e c e r i m ô n i a s e c u i d a v a m da capela.
M u i t o s desses i n t e g r a n t e s d o a l t o c l e r o b a i a n o e r a m o r i g i n á r i o s das famílias mais
i m p o r t a n t e s d a c i d a d e e d e s e u R e c ô n c a v o . S e u s c a r g o s s e r v i a m , a n t e s d e mais nada,
para a u m e n t a r o p r e s t í g i o s o c i a l d e q u e e l e s e s u a s f a m í l i a s g o z a v a m , p o i s as rendas
auferidas n a I g r e j a v i n h a m d e u m a C o r o a p o u c o g e n e r o s a c o m seus s e r v i d o r e s . Supe-
r a v a m as r e c e b i d a s p e l o s t i t u l a r e s d e p a r ó q u i a s , m a s e r a m m u i t o i n f e r i o r e s às recebidas
nos países c a t ó l i c o s e u r o p e u s .
M a i s t a r d e , d u r a n t e o r e i n a d o d e d o m J o ã o V ( 1 7 0 6 - 1 7 3 0 ) , t r ê s c ó n e g o s suple-
m e n t a r e s se s o m a r a m a o c a p í t u l o - c a t e d r a l d a B a h i a , e x e r c e n d o f u n ç õ e s de peniten-
c i á r i o ( e n c a r r e g a d o das a b s o l v i ç õ e s e m ' c a s o s e s p e c i a i s ' ) , t e o l o g a l ( e n c a r r e g a d o da
t e o l o g i a ) e de m a g i s t é r i o ( p r o v a v e l m e n t e e n c a r r e g a d o d a a ç ã o m i s s i o n á r i a em novas
t e r r a s ) . E m s e g u i d a , n o m e a r a m - s e m a i s d o i s c ó n e g o s s e m i p r e b e n d a d o s e d o i s capelães.
O papel p o l í t i c o d o c a p í t u l o - c a t e d r a l e r a g r a n d e , p o i s seus m e m b r o s representavam,
n o seio d a I g r e j a , o s i n t e r e s s e s d a e l i t e s o c i a l d a C o l ô n i a , a q u e p e r t e n c i a m . A l é m disso,
e m c a s o s d e v a c â n c i a e p i s c o p a l , e x e r c i a m , o u e l e g i a m u m d o g r u p o p a r a exercer, o
p r ó p r i o g o v e r n o e c l e s i a l . E m r e l a ç ã o a o g o v e r n o c i v i l , eles r e p r e s e n t a v a m u m corpo
constituído, disponível para situações de dificuldade.
E m 1 8 1 2 , o c a p í t u l o - c a t e d r a l e s t a v a q u a s e c o m p l e t o : t o d a s as d i g n i d a d e s tinham
seus t i t u l a r e s , e x c e t o p a r a os c a r g o s d e p e n i t e n c i á r i o e t e o l o g a l . N a é p o c a , o capítulo
t i n h a o n z e c a p e l ã e s , a l é m d e m e s t r e s d e c e r i m ô n i a e d e c a p e l a e u m s a c r i s t ã o . O cargo
de vigário-geral era e x e r c i d o p e l o c ó n e g o L o u r e n ç o d a Silva M a g a l h ã e s , c u r a da paróquia
de S ã o P e d r o , u m a das m a i s i m p o r t a n t e s d a c i d a d e . E n t r e o s m e m b r o s d o capítulo,
e n c o n t r a v a m - s e m u i t o s n o m e s p r e s t i g i o s o s d a elite b a i a n a , ligados à p r o d u ç ã o açucareira,
c o m o T e l l e s de M e n e z e s , M a r q u e s B r a n d ã o e Pires d e C a r v a l h o . Às vezes, havia vários
m e m b r o s d a m e s m a f a m í l i a nas fileiras d e s s e a l t o c l e r o . M a n u e l d e A l m e i d a Maciel
( d e c a n o d o c a p í t u l o ) c M a n o e l M a r q u e s B r a n d ã o ( a r q u i d i á c o n o ) e r a m tios de cónegos
s e m i p r e b e n d a d o s . A f u n ç ã o s a c e r d o t a l , c o m o se vê, era apreciada pelas famílias ilustres.
Salvador. , . n
O a r c e b i s p o , o c a p í t u l o e o T r i b u n a l d e I n s t â n c i a f o r m a v a m o g o v e r n o d o arce-
b i s p a d o , d e t e n d o o p r e s t í g i o , o s c a r g o s e as d i g n i d a d e s . A s e u l a d o e s t a v a m os párocos
de S a l v a d o r , c a n d i d a t o s às m e s m a s h o n r a r i a s n o f u t u r o . E n t r e a l t o e b a i x o c l e r o e entre
c l e r o d a c a p i t a l , d o R e c ô n c a v o e das terras l o n g í n q u a s d o i n t e r i o r , as d i f e r e n ç a s eram
n í t i d a s . N o m e i o rural e s t a v a m o s m e n o s f a v o r e c i d o s m a t e r i a l m e n t e , q u e além disso
e x e r c i a m tarefas m a i s p e s a d a s .
O s cleros s e c u l a r e r e g u l a r c o n c e n t r a v a m a m a s s a dos e c l e s i á s t i c o s , e m p e n h a d o s
em p r o p a g a r e m a n t e r a fé c a t ó l i c a . O p r i m e i r o g r u p o se d i s t i n g u i a d o s e g u n d o porque
estava s u b m e t i d o ao g o v e r n o o r d i n á r i o d a I g r e j a , e x e r c e n d o suas f u n ç õ e s s o b a autori-
dade d o b i s p o , a o passo q u e o s e g u n d o o b e d e c i a às regras d e u m a o r d e m chefiada por
um a b a d e o u u m p r i o r . C a d a u m desses g r u p o s d e s e m p e n h o u u m papel diferente — c
complementar — n o e n r a i z a m e n t o d a I g r e j a n o B r a s i l . É indispensável estudá-los
separadamente.
(e m e s m o d e p o i s ) c o m o u m t r a ç o c a r a c t e r í s t i c o , c h e i o de c o n s e q ü ê n c i a s , d o clero rural
brasileiro. F r e q ü e n t e m e n t e , aliás, o c a p e l ã o n ã o m o r a v a nas p r o p r i e d a d e s e m q u e ia
c u m p r i r seus d e v e r e s r e l i g i o s o s n o s fins de s e m a n a .
O c a p e l ã o d e u m a i r m a n d a d e r e l i g i o s a era n o m e a d o p e l o d i r e t ó r i o desta. E s c o l h i -
do por leigos e c o l o c a d o s o b s e u c o n t r o l e , n ã o se t o r n a v a a u t o r i d a d e , c o m o o p á r o c o . 4
autoridade m o r a l . . .
Essa d i f e r e n ç a n o e x e r c í c i o da f u n ç ã o sacerdotal t a m b é m se manifestava nas rela-
ções e n t r e u m a I e r e j a h i e r á r q u i c a , mas d i s t a n t e , e um capelão cujas funções se exer-
ciam j u n t o de u m a f a m í l i a . N o r m a l m e n t e os e n g e n h o s n ã o t i n h a m mais de oitenta
« c r a v o s , m a s e m suas terras, à volta d o m o i n h o de açúcar, gravitava uma população
dc h o m e n s livres e a l f o r r i a d o s . N a s grandes explorações canavie.ras, que concentravam
BAHIA, SÉCULO X I X
338
A d o t a n d o p o s i ç õ e s q u e i a m d o e x t r e m a d o r a d i c a l i s m o a o l i b e r a l i s m o de c u n h o
mais t e ó r i c o , p a r t e d o c l e r o m o s t r a v a t e r u m a c o n s c i ê n c i a m a i s p a t r i ó t i c a q u e e c l e -
siástica. H a v i a , é c e r t o , o s q u e c o m p a r t i l h a v a m os p o n t o s d e vista d a a l t a h i e r a r q u i a e,
do alto dos p ú l p i t o s , p r e g a v a m o r d e m c t r a n q ü i l i d a d e , a c u s a n d o d e a n a r q u i s t a s os
movimentos liberais dos primeiros anos de independência do p a í s . 1 1
O s m e m b r o s m a i s c u l t o s e m a i s i n f l u e n t e s d o c l e r o e r a m i n f l u e n c i a d o s por J e a n -
Jacques R o u s s e a u , A d a m S m i t h , E m m a n u e l K a n t e V i c t o r C o u s i n . O s b a i a n o s liam L a
Fontaine, mas t a m b é m M o n t e s q u i e u , V o l t a i r e , C o n d i l l a c e B e n t h a m . 1 2
A l g u m a s des-
sas obras e r a m c o n d e n a d a s p o r R o m a , p o i s d e f e n d i a m d o u t r i n a s declaradas h e r é t i c a s
havia m u i t o t e m p o . 1 3
A l i á s , o s c o n h e c i m e n t o s t e o l ó g i c o s desse c l e r o n ã o eram n a d a
o r t o d o x o s . B a s e a v a m - s e n o Catecismo de M o n t p e l l i e r e n o Manual de teologia de L y o n ,
obras j a n s e n i s t a s , t a m b é m c o n d e n a d a s p o r R o m a . O p r i m e i r o era a t r a d u ç ã o das
Instruções gerais, e m f o r m a d e c a t e c i s m o , f e i t a pelo. o r a t o r i a n o F r a n ç o i s - A i m é P o u g e t ,
diretor d o s e m i n á r i o d e M o n t p e l l i e r . F o r a i m p r e s s o e m Paris e m 1 7 0 2 e várias vezes
c o n d e n a d o p e l a S a n t a S é d e s d e 1 7 2 1 . A s Institutiones Theologiae ad usum scholarum
haviam s i d o p u b l i c a d a s e m L y o n e m 1 7 8 0 , e m seis v o l u m e s , p e l o o r a t o r i a n o J o s e p h
Valia e c o l o c a d a s n o Index d o s livros p r o i b i d o s e m 1 7 9 2 . A p e s a r dos p r o t e s t o s d o
núncio C a l e p p i , a c o m i s s ã o p o r t u g u e s a d e c e n s u r a a u t o r i z o u a p u b l i c a ç ã o d o livro,
que foi a p o i a d a p e l o b i s p o d o R i o d e J a n e i r o . E m 1 8 1 3 , o b i s p o J o s é C a e t a n o d a Silva
C o u t i n h o e o n ú n c i o m a n t i v e r a m u m a p o l ê m i c a s o b r e a Teologia de L y o n , utilizada
como texto básico para os padres. O bispo desafiou o n ú n c i o a apontar pelo menos um
erro na o b r a . E s t e n ã o a c e i t o u o d e s a f i o , c o n s i d e r a n d o - o s u p é r f l u o , já q u e o livro
estava n o Index.
Cirande parte d o c l e r o era m e m b r o de lojas m a ç ó n i c a s , apesar da c o n d e n a ç ã o
destas pela S a n t a S é . O padre A n t ô n i o F e i j ó , d o m J o s é C a e t a n o da Silva C o u t i n h o
(bispo d o R i o d e J a n e i r o e n t r e I 8 0 8 e 1 8 3 3 c C o n d e de I r a j á ) , o c ó n e g o J a n u á r i o da
C u n h a B a r b o s a e os i r m ã o s F r a n c i s c o de S a n t a T e r e s a de J e s u s S a m p a i o e F r a n c i s c o
M o n t a l v e r n e e r a m a l g u n s m e m b r o s d o c l e r o brasileiro p o l i t i c a m e n t e m u . t o ativos e
notoriamente ligados, em alto grau, à m a ç o n a r i a . 1 4
E m grande m e d i d a a u t o d i d a t a , i m b u í d o de d o u t r i n a s p o u c o ortodoxas e m u i t o
Politizado, o c l e r o agia da m e s m a f o r m a q u e a p o p u l a ç ã o em geral. O povo sab.a
diferenciar o padre q u e c e l e b r a v a o s m i s t é r i o s da fé em sua igreja e o h o m e m que vivia
ím BAUSA, S c c i t o XIX
D u r a n t e o p r i m e i r o q u a r t o d o s é c u l o X I X , c m e s m o d e p o i s , os padres n ã o usavam
b a t i n a , vestindo-se da m e s m a m a n e i r a q u e suas o v e l h a s . O p a d r e C o r r e i a , por exem-
plo, p r o p r i e t á r i o de u m a g r a n d e f a z e n d a e m T r ê s R i o s ( R J ) , a p r e s e n t o u - s e ao viajante
a l e m ã o P o h l c o m u m a j a q u e t a e u m a c o n d e c o r a ç ã o da O r d e m de C r i s t o ! O mesmo
viajante i d e n t i f i c o u o u t r o p a d r e graças a s e u b a r r e t e ; o u t r o usava u m casaco azul-
celeste, m e i a s c u n a s e t a m a n c o s n o s pés, c o m as p e r n a s n u a s .
A fraca r e l a ç ã o e n t r e n ú m e r o d e p a r ó q u i a s e de h a b i t a n t e s p o d e indicar u m a
d i m i n u i ç ã o n o s e f e t i v o s d o c l e r o ? N ã o p o s s u o n e n h u m d a d o q u a n t i t a t i v o que permita
afirmá-lo. 17
E m c o m p e n s a ç ã o , análises q u a l i t a t i v a s p e r m i t e m deduzir que a Bahia n ã o
escapou a u m a sensível q u e d a n o n ú m e r o de c a n d i d a t o s a o s a c e r d ó c i o , característica
c o m u m a t o d o o B r a s i l . E m 1 8 4 9 , o p r o b l e m a foi c o l o c a d o p e l o presidente da Provín-
cia, J o ã o J o s é de M o u r a M a g a l h ã e s , n o s s e g u i n t e s t e r m o s : " S e u d e s t i n o [dos padres] é
bem m e s q u i n h o e d i g n o de c o m i s e r a ç ã o . N i n g u é m ignora q u e os primeiros [os páro-
cos] c o m 3 0 0 m i l réis c os s e g u n d o s [os c o a d j u t o r e s ] c o m 5 0 mil réis anuais, n ã o têm
meios de prover a sua indispensável s u b s i s t ê n c i a . Por o u t r o lado, é impossível que uma
côngrua i n s i g n i f i c a n t e , s e m outras c o n s i d e r a ç õ e s sociais, possa atrair distintos cida-
dãos capazes de f o r m a r u m c l e r o virtuoso e c u l t o . " O presidente acrescentou que os
paroquianos recusavam-se a pagar os direitos de estola e outros e m o l u m e n t o s devidos
ao clero, s e g u n d o a legislação c m vigor. D e c l a r o u t a m b é m que " o destino dos cónegos
e dignitários m e t r o p o l i t a n o s n ã o é mais favorável pois, reduzidos a côngruas insigni-
ficantes, n ã o t ê m m e i o s de se m a n t e r c o m decência n u m a capital em que os gêneros
alimentícios de primeira necessidade são tão caros".
BAHIA, SÉCULO X I X
vida s a c e r d o t a l à m o d é s t i a d o s s a l á r i o s , s e m se i n t e r r o g a r s o b r e as o u t r a s razões q U ç
E m 1 8 5 6 , Á l v a r o T i b é r i o d e M o n c o r v o L i m a , t a m b é m p r e s i d e n t e da Província,
repetiu o m e s m o t i p o d e c o m e n t á r i o : a p ó s f e l i c i t a r u m a p a r t e d o c l e r o q u e apresentava
sinais d e sensível m e l h o r a e n ã o r e c u s a r a t r a b a l h a r n o s l o c a i s a f e t a d o s p e l a epidemia de
cólera-morbo — " m u i t o s p e r d e r a m suas v i d a s p o r a q u e l a s d e seus i r m ã o s " — acres-
c e n t o u : " N ã o b a s t a se o c u p a r d a e d u c a ç ã o d o c l e r o , m a s é n e c e s s á r i o , p a r a a santidade
e a i m p o r t â n c i a d e s e u c a r á t e r , f o r n e c e r - l h e r e c u r s o s p a r a q u e p o s s a viver d e c e n t e m e n -
te, p o u p a d o d a i n d i g ê n c i a ; é p r e c i s o c o n f e s s a r q u e s ã o m e s q u i n h a s as c ô n g r u a s de 3 0 0
m i l réis q u e os c u r a s r e c e b e m . " P a r a r e p a r a r tal s i t u a ç ã o , ele p r o p ô s q u e a Assembléia
P r o v i n c i a l a u m e n t a s s e o s 2 0 m i l réis e x t r a o r d i n á r i o s q u e o s p a d r e s r e c e b i a m dos cofres
p ú b l i c o s , s e n d o o b r i g a d o s a c o m p l e t a r , d o p r ó p r i o b o l s o , o s a l á r i o d e seus coadjutores,
aos q u a i s os f u n d o s p r o v i n c i a i s só d a v a m 5 0 m i l réis a n u a i s . 2 0
A A s s e m b l é i a não
r e s p o n d e u ao a p e l o d o p r e s i d e n t e .
O p r o b l e m a d o salário d o s p a d r e s f o i n o v a m e n t e c o l o c a d o p o r o u t r o presidente de
P r o v í n c i a , J o ã o L i n s V i e i r a C a n s a n ç ã o d e S i n i m b u , q u e aliás o fez de f o r m a mais
precisa q u e seus p r e d e c e s s o r e s , d a n d o a t é u m a e x p l i c a ç ã o i n t e r e s s a n t e . S e g u n d o ele, o
p á r o c o , m e s m o c o m p a r c o s r e c u r s o s , era o u t r o r a u m p e r s o n a g e m i m p o r t a n t e que, se
precisasse de d i n h e i r o — para consertar sua igreja, p o r exemplo — era capaz de
levantá-lo. A g o r a , esbarrava n o p o d e r p o l í t i c o : " s e o r e s p e i t o d e q u e goza for um
o b s t á c u l o ao p r o j e t o a m b i c i o s o de u m p o t e n t a d o p o l í t i c o local, sua paróquia será
dividida c seus recursos d i m i n u í d o s " . E m t o d a p a r t e o s padres t i n h a m q u e encontrar
protetores. N ã o p o d i a m pedir d i n h e i r o aos p a r o q u i a n o s , n e m .obrigá-los a cumprir
seus deveres religiosos. H a v i a o s q u e c h e g a v a m a b a t e r d e p o r t a e m porta para distri-
b u i r cédulas eleitorais dos seus b e n f e i t o r e s . P o r t u d o isso, era necessário dar a eles
m e i o s de vida e só ajudar c o m d i n h e i r o p ú b l i c o as p a r ó q u i a s c u j o s m e m b r o s tivessem
d e m o n s t r a d o , através de o f e r e n d a s , q u e t a m b é m estavam dispostos a colaborar (é
interessante observar q u e , a o pedir ao Legislativo para m e l h o r a r a sorte d o clero, o
presidente n ã o e s c o n d e u a i n t e n ç ã o de fazer c o m q u e os p a r o q u i a n o s colaborassem
também). 2 1
Assim c o m o das vezes precedentes, o s parlamentares baianos n ã o a c a t a r a m
essa nova r e c o m e n d a ç ã o . O s salários do pessoal eclesiástico p e r m a n e c e r a m fixos e
LIVRO V - A IGREJA
343
e x t r e m a m e n t e b a i x o s a t é o fim d o p e r í o d o i m r w . a l « ™ J •
F c r i o a o i m p e r i a l , s e m q u e os donativos dos fiéis
aumentassem.
S e m d ú v i d a , as p o b r e s c o n d i ç õ e s m a t e r i a i s i m p o s t a s ao c l e r o influíam f o r t e m e n t e
na r e l u t â n c i a d o s j o v e n s e m a b r a ç a r esse c a m i n h o . M a s n ã o se devem afastar as razões
evocadas a c i m a , t ã o i m p o r t a n t e s q u a n t o o f a t o r m a t e r i a l : a carreira eclesiástica t o r n o u -
se m e n o s p r e s t . g i o s a q u e as p r o f i s s õ e s liberais, a m a g i s t r a t u r a e até o f u n c i o n a l i s m o
p ú b l i c o . N ã o d e v e m o s e s q u e c e r t a m b é m q u e o n ú m e r o de c a n d i d a t o s d i m i n u i u quan-
d o a alta h i e r a r q u i a p a s s o u a s e l e c i o n á - l o s c o m m a i o r c u i d a d o . D e s t e p o n t o de vista,
a a t i t u d e d o a r c e b i s p o d o m R o m u a l d o A n t ô n i o d e Seixas foi m u i t o clara: " E se hoje
n ã o é t ã o fácil e n c o n t r a r h o m e n s de vidas i n o c e n t e s e s e m m á c u l a s , c o m o nos primei-
ros s é c u l o s , p e l o m e n o s é n o s s o dever f e c h a r as p o r t a s d o s a n t u á r i o aos intrusos que
o u s a m a p r e s e n t a r - s e s e m luzes e s e m c o s t u m e s e q u e só vão servir para arruinar (a
Igreja) c o m o u m a r e d e e s t e n d i d a s o b r e o T a b o r , c o m o dizia o p r o f e t a . " 2 2
E m m e a d o s d o s é c u l o X I X , o c l e r o b a i a n o era c o n s i d e r a d o o mais c u l t o e o de
moral mais elevada d o B r a s i l . 2 3
A r i g o r o s a s e l e ç ã o e l i m i n a v a m u i t o s candidatos, le-
v a n d o - o s a r e n u n c i a r a o s a c e r d ó c i o . M e s m o a s s i m , apesar dessa laboriosa seleção e
das r e f o r m a s d e s t i n a d a s a p r e p a r a r m e l h o r o s padres para o t r a b a l h o a p o s t ó l i c o , as
" i m p e r f e i ç õ e s m o r a i s " e a " f a l t a d e a p t i d õ e s p r o f i s s i o n a i s " desse clero foram d e n u n -
ciadas p e l o p r e s i d e n t e d e P r o v í n c i a e m 1 8 6 8 : " A i n d i f e r e n ç a c o m a qual alguns pá-
rocos e n c a r a m esse e s t a d o d e c o i s a s , só se o c u p a n d o de assuntos n ã o relacionados
c o m seu m i n i s t é r i o s a g r a d o , n o s d ã o a m e d i d a d o s grandes m a l e s q u e afligem nossa
sociedade." 2 4
S e r á q u e as r e f o r m a s n ã o h a v i a m c h e g a d o n u m m o m e n t o adequado?
E m que consistiam?
O m o v i m e n t o r e f o r m i s t a estava p r e o c u p a d o e m regenerar m o r a l m e n t e o clero
antigo e criar u m c l e r o n o v o , i n s p i r a d o n o m o d e l o d o C o n c í l i o de T r e n t o , de 1 5 4 5 -
1 5 6 3 . E n t r e as m e d i d a s t o m a d a s p o r d o m R o m u a l d o A n t ô n i o , arcebispo da B a h i a e
figura e m i n e n t e d o m o v i m e n t o , d e s t a c a r a m - s e : a o b r i g a ç ã o de usar o hábito ecle-
siástico, c o m o sinal d i s t i n t i v o d o c l e r o e m suas f u n ç õ e s litúrgicas; a prática restau-
rada d o c e l i b a t o , s e g u n d o os d e c r e t o s t r i d e n t i n o s ; a instituição de conferências ecle-
siásticas p a r a m e l h o r a r o nível d o c l e r o ; e, finalmente, a c r i a ç ã o de seminários
d i o c e s a n o s . As três p r i m e i r a s iniciativas t i n h a m c o m o o b j e t i v o 'repor nos trilhos o
clero mais a n t i g o , e n q u a n t o a ú l t i m a dizia respeito à f o r m a ç ã o dos novos cândida-
tos ao s a c e r d ó c i o .
O Uso DA BATINA
m o r a l , a I g r e j a a c r e s c e n t a v a e x i g ê n c i a s de a p a r ê n c i a e x t e r i o r . N a s C o n s t i t u i ç õ e s Pri-
meiras d o A r c e b i s p a d o da B a h i a , a p r e o c u p a ç ã o de e s t a b e l e c e r regras s o b r e a aparência
dos padres e m sua vida c o t i d i a n a p r e c e d e u a p r e o c u p a ç ã o d e ditar seu c o m p o r t a m e n t o
m o r a l . E l e s d e v i a m vestir-se s e m p o m p a , l u x o e o r n a m e n t o s , de p r e f e r ê n c i a c o m bar-
retes negros e roupas, t a m b é m negras, q u e lhes c o b r i s s e m o s a r t e l h o s . A p e n a s os cónegos
e os padres l i c e n c i a d o s ( o u d o u t o r e s ) p o d i a m usar o a n e l , q u e devia ser retirado
d u r a n t e a c e l e b r a ç ã o da m i s s a . E m casa, e s t a v a m a u t o r i z a d o s a usar roupas de 'cores
h o n e s t a s ' : n e g r o , m a r r o m , r o x o e b r a n c o . V e r m e l h o , a m a r e l o , v e r d e e escalarte esta-
v a m p r o i b i d o s . Para q u e sua a d e s ã o à I g r e j a fosse visível e m t o d o lugar e p o r todos, a
t o n s u r a devia estar b e m - f e i t a , a b a r b a e o b i g o d e r a s p a d o s e os c a b e l o s c o r t a d o s curtos,
p o r c i m a das o r e l h a s . P o r t a r espada, sair à n o i t e , b e b e r , c o m e r e m tavernas, freqüentar
t e a t r o , d a n ç a r , m a s c a r a r - s e e p a r t i c i p a r de j o g o s d e azar e r a m atividades proibidas.
qual p r e t e n d e , t e n d o u m pé n o s a n t u á r i o e o o u t r o no ifeiiln . « A B
, - , , . . V
- ;
;
I C (
qu e
P e r m a n e ç a m o s indiferentes dian-
r e m u c
• A P e S a
h
á
Z 7» ™ '
r ÕeS
T ° P r d a d 0 n â 0 f 0 Í
-latamente obedecido,
pois e m abril de 1 8 3 8 s u s p e n d e u padres r e c a l c i t r a n t e s . ^ N ã o sei se essa nova medida
serviu para generalizar o u s o d a b a t i n a . S e m dúvida, o clero da capital se submeteu
mais f a c i l m e n t e q u e o p o b r e c l e r o das zonas rurais e das paróquias afastadas. M a s por
volta de 1 8 8 0 , havia padres q u e , n o c o t i d i a n o , ignoravam a batina. Bellarmino Sylvestre
T o r r e s , p o r e x e m p l o , se vestia c o m roupas c o m u n s , n o exercício de seu mandato de
deputado à A s s e m b l é i a P r o v i n c i a l . A s s i m aparece, na única f o t o q u e possuímos, este
padre p a r l a m e n t a r q u e era, a d e m a i s , pai de n u m e r o s a família.
O CELIBATO
O c e l i b a t o , j á o v i m o s , foi u m d o s p r o b l e m a s d e b a t i d o s p u b l i c a m e n t e durante a
década de 1 8 3 0 . N ã o o b s t a n t e a v i t ó r i a final de seus adeptos, a questão foi, sem
dúvida, u m a das m a i s e s p i n h o s a s q u e a I g r e j a e n f r e n t o u . E l a parecia resolvida desde o
C o n c í l i o de L a t r ã o , realizado e m 1 1 2 3 , q u a n d o o p a p a C a l i x t o I I declarou nulos os
casamentos d o s s a c e r d o t e s e i m p ô s a m e d i d a .
A n t e s de aplicar as s a n ç õ e s , n o e n t a n t o , h a v i a m e d i d a s p r e v e n t i v a s . P a r a evitar
q u a l q u e r f o r n i c a ç ã o , a m o r a l i d a d e das s e r v i ç a i s d e v i a e s t a r a c i m a de q u a l q u e r suspeita,
s e n d o f o r m a l m e n t e p r o i b i d o q u e o p a d r e tivesse c r i a d a s c o m m e n o s d e c i n q ü e n t a
a n o s , a n ã o ser q u e se tratasse d e f a m i l i a r e s ( a v ó s , m ã e s , i r m ã s , s o b r i n h a s e primas-
i r m ã s ) , " p o i s o e s t r e i t o l a ç o d e p a r e n t e s c o as c o l o c a a c i m a d e s u s p e i t a s " . Apesar dos
esforços, n u m e r o s o s f o r a m o s p a d r e s q u e v i o l a r a m essa d i s c i p l i n a f u n d a m e n t a l da vida
religiosa c a t ó l i c a . P a r a e x p l i c á - l o , é p r e c i s o l e m b r a r q u e a i m a g e m d e padres casados e
c o m filhos era t ã o a n t i g a n o B r a s i l q u a n t o a p r ó p r i a p r e s e n ç a d a I g r e j a . E s s e c o s t u m e
era aceito p e l o p o v o e e s t a v a p r o f u n d a m e n t e e n r a i z a d o n o s h á b i t o s clericais. N o
m o m e n t o e m q u e as r e f o r m a s i n t e r v i e r a m p a r a a b o l i - l o , g r a n d e p a r t e d o c l e r o vivia
maritalmente.
O caso d a B a h i a é e d i f i c a n t e . M e u e s t u d o se b a s e i a e m 1 1 4 testamentos e 29
inventários d e padres f a l e c i d o s n a P r o v í n c i a e n t r e 1 8 0 1 e 1 8 8 7 , o q u e c o n f i g u r a uma
a m o s t r a r a z o a v e l m e n t e r e p r e s e n t a t i v a . I g n o r o , p o r é m , a i d a d e e m q u e c a d a u m desses
padres f a l e c e u . D e s s e s 1 1 4 p a d r e s , d o i s — J o s é A l v e s de B a r a t a e I g n a c i o J o s é M a r i a
— eram viúvos q u a n d o r e c e b e r a m a o r d e n a ç ã o . O p r i m e i r o , f a l e c i d o e m 1 8 2 7 , tinha
sido c a s a d o c o m d o n a F e l í c i a , q u e l h e d e r a d u a s filhas e c i n c o filhos, u m dos quais
seguira a carreira d o p a i . 2 7
I g n a c i o J e s u s M a r i a , f a l e c i d o e m 1 8 3 7 , t o r n a r a - s e padre
para superar o s o f r i m e n t o c a u s a d o pela m o r t e d a m u l h e r e m u m p a r t o . 2 8
R e s t a m os i n v e n t á r i o s d e 1 1 2 p a d r e s , t o d o s d e c l a r a d o s c e l i b a t á r i o s , c o m o exigia a
lei. S e s s e n t a e sete deles m o r r e r a m e n t r e 1 8 0 1 e 1 8 5 0 ; 4 5 , e n t r e 1 8 5 0 e 1 8 8 7 . S e
a d m i t i r m o s q u e , e m geral, m o r r e r a m c o m 5 5 a 6 5 a n o s de i d a d e , nasceram entre
meados do século X V I I I e m e a d o s d o s é c u l o X I X . T r a t a r - s e - i a e n t ã o de um clero an-
tigo, f o r m a d o sem a i n f l u ê n c i a das d u a s r e f o r m a s essenciais — a restauração d o celi-
b a t o e a f u n d a ç ã o dos s e m i n á r i o s e p i s c o p a i s — i n t r o d u z i d a s a partir dos anos 1 8 4 0 .
Q u e c o m p o r t a m e n t o teve esse clero?
A tabela 6 4 é clara: 8 2 % dos padres falecidos e n t r e 1 8 0 1 c 1 8 5 0 n ã o declararam
filhos, mas entre 1 8 5 1 e 1 8 8 7 esse p e r c e n t u a l caiu para m e n o s da metade ( 4 8 , 9 % ) - É
espantoso, mas é fácil explicar: os padres falecidos n o s e g u n d o p e r í o d o ainda eram, por
idade e m e n t a l i d a d e , h o m e n s d o século X V I I I .
Por que, e n t ã o , n o p e r í o d o anterior, ainda mais p r ó x i m o d o século X V I I I , só 1 8 %
declararam filhos? Aqui t a m b é m a explicação é simples: e m 11 de abril de 1 8 3 1 foi
LIVRO V - A IGREJA
MJ
TABELA 64
M a i s d a m e t a d e d o s p a d r e s f a l e c i d o s e m S a l v a d o r e r a m pais de f a m í l i a . Pode-se
estender esse r e s u l t a d o à t o t a l i d a d e d o c l e r o b a i a n o ? C r e i o q u e n ã o , p o r duas razões.
E m p r i m e i r o l u g a r , f a z e r t e s t a m e n t o n ã o era p r á t i c a generalizada. N a m a i o r parte das
vezes, p r e t e n d i a - s e r e g u l a r i z a r s i t u a ç õ e s singulares o u favorecer terceiros c o m legados
que, f r e q ü e n t e m e n t e , n ã o i n t e g r a v a m o s b e n s familiais. A l é m disso, o n ú m e r o de
t e s t a m e n t o s c i n v e n t á r i o s u t i l i z a d o s nessa análise está l o n g e de a b r a n g e r o total de
padres f a l e c i d o s e m S a l v a d o r e n t r e 1 8 0 1 c 1 8 8 7 . S ó a r e c o n s t i t u i ç ã o de todos os casos
permitiria verificar se a c o n s t a t a ç ã o a c i m a é exata, d a n d o u m significado real ao
percentual e n c o n t r a d o . . . , , - , . A
consagrou todo o seu cu.dado e a maior delicadeza para extirpar o mal que afetava o
clero; mas resguardando u a d.gmdade sem escândalos e sem recorrer a método"
S
coercmvos, sempre pengosos, sobretudo para a época à qual nos referimos."» Foi uma
demonstração de prudenca c sabedoria do prelado baiano, que decidiu não precipitar
a evolução de um processo cujos resultados poderiam provocar perigoso mal-estar na
sociedade e no clero.
No único caso de que tenho conhecimento - o do padre Bellarmino Sylvestre
Torres — o bispo preferiu transferir o culpado para outra paróquia, evitando infligir-
lhe punições, "sempre perigosas". Mais uma prova de lucidez. Sabendo que não con-
seguiria modificar essa realidade, o bispo concebeu sua ação reformadora em perspec-
tiva, com vistas ao futuro, exigindo dos novos padres o que os antigos não podiam
oferecer. Essa linha foi seguida por todos os bispos que lhe sucederam à frente da
arquidiocese (dom Manoel Joaquim da Silveira, 1 8 6 1 - 1 8 7 4 ; dom Joaquim Gonçalves
de Azevedo, 1 8 7 7 - 1 8 7 9 ; dom Luiz Antônio dos Santos, 1 8 7 9 - 1 8 9 0 ; dom Antônio de
Macedo Costa, nomeado em 1 8 9 0 e morto em seguida).
Sem dúvida, a regra do celibato continuou a ser transgredida, sobretudo nas zonas
rurais. Mas, no fim do século X I X , o concubinato clerical tornou-se 'coisa escondida' e
inconfessável, tolerado porém ignorado pela Igreja, aceito pela sociedade sem discussão.
Quando recebiam visitas dos bispos, os padres costumavam mandar seus filhos para a
casa de padrinhos, o que provocava comentários mais ou menos generalizados. Deve-
mos lamentar essa mudança de atitude, que introduziu hipocrisia onde antes havia
clareza e nitidez? Talvez. Não há dúvida de que isso fez mais mal do que bem à Igreja.
As CONFERÊNCIAS ECLESIÁSTICAS
Para parte do clero, uma reforma imediata em seus costumes parecia impossível. Mas
o surgimento das conferências eclesiásticas pelo menos permitia que todos os padres
aprofundassem o estudo das disciplinas religiosas, especialmente a teologia moral.
Iniciadas no século XVI pelo bispo de Milão, são Carlos Borromeu, elas se destinavam
a ajudar o bispo ou seu representante a acompanhar mais de perto a vida espiritual c
moral do clero, criando as condições para que fossem transmitidas 'recomendações.
Dom Romuaido Antônio instituiu essas conferências logo no iníco de seu episcopa-
do: "A honra de nosso estado, a causa da religião da qual somos os n u «
própria característica de nossa época exigem de nós todos os esforços para obter maior
grau de instrução», escreveu em 1830. «Mas, se é vergonhoso que umi p a d r e - o nha
. . . i n n nara servir melhor a religião, seria ainaa
í a m
FORMAÇÃO D O CLERO
O s e g u n d o eram os p r ó p r i o s C o l é g i o s J e s u í t a s q u e , e n t r e 1 5 6 0 e 1 7 5 9 , funciona-
ram em regime d c i n t e r n a t o , s e n d o responsáveis pela e d u c a ç ã o de j o v e n s , independen-
t e m e n t e de sua o p ç ã o pela carreira s a c e r d o t a l . O e n s i n o era m i n i s t r a d o ali em três
graus — e l e m e n t a r , s e c u n d á r i o ( h u m a n i d a d cs) e s u p e r i o r (artes) — e, d u r a n t e certo
período, os q u e p r e t e n d i a m seguir na vida religiosa faziam, à parte, u m curso de
teologia moral e especulativa. D e p o i s d o fracasso das confrarias, os colégios se dedica-
ram à f o r m a ç ã o dos futuros sacerdotes.
O terceiro c a m i n h o eram os s e m i n á r i o s eclesiásticos. N a s últimas seções do C o n -
cílio de T r e n t o os participantes insistiram na necessidade d e preparar m e l h o r os pa-
drcs, c o m a c r i a ç ã o d e s e m i n á r i o s . A s s i m c o m o nos países da E u r o p a católica, n o Brasil
esse desejo t a m b é m t a r d o u e m t r a n s f o r m a r - s e e m realidade O L • T
w n d a d o n o fim d o s é c u l o X V I I p e l o j e s u í t a B a r t o l o r l e Í t C u " Z^e
C a c h o e i r a n o R e c ô n c a v o b a i a n o , p r e t e n d i a e n s i n a r as crianças a ler, escrever e c o n t a r
e dar-lhes h ç o e s de g r a m á t i c a e h u m a n i d a d e s , m a s n ã o de filosofia. As homilias d o m i
nicais b a s t a r i a m p a r a e n s i n a r - l h e s o s m i s t é r i o s da fé. T r a t a v a - s e , e m s u m a , de formar
bons curas d e p a r ó q u i a e n ã o d o u t o r e s d a I g r e j a o u t e ó l o g o s . S e m p r e pela iniciativa
dos j e s u í t a s , n u m e r o s o s s e m i n á r i o s f o r a m d e p o i s f u n d a d o s n o Brasil.
P o r fim, n a é p o c a c o l o n i a l h a v i a o s s e m i n á r i o s d i o c e s a n o s q u e , ao c o n t r á r i o dos
eclesiásticos, d e p e n d i a m d a a u t o r i d a d e e p i s c o p a l . C o m e ç a r a m a surgir a partir do
m e i o d o s é c u l o X V I I I , t a m b é m s o b i n f l u ê n c i a d o s j e s u í t a s . G a b r i e l M a l a g r i d a , "ver-
dadeiro m i s s i o n á r i o p o p u l a r " , foi s e u i n i c i a d o r . T e n d o v i s i t a d o as terras do N o r t e e
do N o r d e s t e n o s a n o s 1 7 4 0 , esse j e s u í t a p e r c e b e u q u e era necessário agir para m e l h o -
rar a f o r m a ç ã o d o s j o v e n s s a c e r d o t e s . E m 1 7 5 1 , o b t e v e p e r m i s s ã o do rei de Portugal
para f u n d a r s e m i n á r i o s o n d e q u e r q u e se fizessem necessários. A t é 1 6 7 6 o Brasil
contava c o m u m ú n i c o b i s p a d o , o d a B a h i a , e o s f u t u r o s padres faziam seus estudos
nos colégios d o s j e s u í t a s , t e r m i n a n d o sua f o r m a ç ã o , e v e n t u a l m e n t e , e m Portugal, de
o n d e v o l t a v a m d o u t o r e s e m d i r e i t o c a n ó n i c o o u d i r e i t o civil. A idéia do padre
Malagrida d e f u n d a r u m s e m i n á r i o d i o c e s a n o r e c e b e u a p o i o integral do arcebispo
d o m B o t e l h o , c h e g a d o à B a h i a e m 1 7 4 1 . H á i n d i c a ç õ e s de q u e a direção desse semi-
nário foi c o n f i a d a a o s p a d r e s d a C o m p a n h i a , e é provável q u e ele t e n h a f u n c i o n a d o
nas d e p e n d ê n c i a s d o C o l é g i o d o s J e s u í t a s e m S a l v a d o r . E m 1 7 5 6 , foi transferido para
imóvel p r ó p r i o , i n s t a l a n d o - s e s o b a i n v o c a ç ã o d e N o s s a S e n h o r a da C o n c e i ç ã o . E m
dezembro d e 1 7 5 9 , foi i n v a d i d o p o r s o l d a d o s , q u e p r e n d e r a m os jesuítas e expulsa-
ram o s a l u n o s . F o i n e c e s s á r i o e s p e r a r o i n í c i o d o século X I X para abrir um novo
seminário d i o c e s a n o , s o b o u t r a d i r e ç ã o . D e p o i s da expulsão dos jesuítas, todos os
seminários d i r i g i d o s p o r eles f o r a m f e c h a d o s , c o m e x c e ç ã o d o de M a r i a n a ( M G ) , que
continuou a funcionar i n t e r m i t e n t e m e n t e .
e s t ã o a b e r t a s a t o d o s o s j o v e n s q u e se a p r e s e n t a r e m c o m as c o n d i ç õ e s prescritas p l e 0 s
e s t a t u t o s , a v o c a ç ã o d e c a d a u m p a r a q u a l q u e r o u t r o e s t a d o p e r m a n e c e n d o inteira-
m e n t e 1-livre. " 3 5
M a s e m 1 8 5 6 o s p a d r e s lazaristas t o m a r a m a d i r e ç ã o d o s e m i n á r i o , q u e passou
a d e d i c a r - s e e x c l u s i v a m e n t e a c a n d i d a t o s a o s a c e r d ó c i o . E s s a o r i e n t a ç ã o correspondia
m e l h o r a o n o v o m o d e l o d e I g r e j a , q u e d e s e j a v a s e p a r a r o m u n d o espiritual e o
m aterial, c l é r i g o s e l e i g o s . O s p a d r e s d e v i a m s e r f o r m a d o s p a r a t o r n a r - s e exclusiva-
m e n t e os " c u r a s das a l m a s " . N e s s e s e m i n á r i o , e n s i n a v a m - s e l a t i m , f r a n c ê s , grego,
3 6
E m 1 8 1 5 , a n t e s da c r i a ç ã o d o S e m i n á r i o M e n o r , o a r c e b i s p o d o m Frei Francisco
de S ã o D â m a s o A b r e u V i e i r a f u n d o u o Seminário Maior, o u S e m i n á r i o de Ciências
Eclesiásticas, e s t a b e l e c i d o na a n t i g a r e s i d ê n c i a d o t e s o u r e i r o d o capítulo-catedral, c ó -
n e g o R o d r i g o T e l l e s de M e n e z e s q u e , ao m o r r e r , legara seus b e n s à Igreja. Q u a n d o , em
1 8 2 8 , d o m R o m u a l d o A n t ô n i o t o m o u posse e m sua diocese e n c o n t r o u ali condições
353
TTi«l7 Z r V° * nS
V a C
°
â n d
P - o p a l , sem pastor
a d t r o n o
ção, a b a n d o n a d a p e l o s e s t u d a n t e s , q u e c o n t i n u a v a m a a c o m p a n h a r aulas de u m
franciscano, frei L u i z d e S a n t a T e r e z a , m i n i s t r a d a s n o m o n a s t é r i o de S ã o B e n t o
E m 1 8 2 4 , o g o v e r n o i m p e r i a l c e d e u à I g r e j a o a n t i g o c o n v e n t o dos agostinianos
recoletos - o hospício de Palma - para q u e ali fosse e s t a b e l e c i d o o s e m i n á r i o O
prédio estava e m tal e s t a d o q u e s ó r e a b r i u as p o r t a s dez a n o s d e p o i s , sob a direção do
padre J o s é M a r i a L i m a . 0
E m h o n r a de s e u f u n d a d o r , c o n t i n u o u a se c h a m a r S e m i -
nário de S ã o D â m a s o . E m s u a p a s t o r a l de 1 2 de m a r ç o de 1 8 3 4 , d o m R o m u a l d o
A n t ô n i o a n u n c i o u a r e a b e r t u r a d o s e m i n á r i o e e n u m e r o u as disciplinas q u e seriam
ensinadas: " T e r í a m o s d e s e j a d o a p r e s e n t a r i m e d i a t a m e n t e u m sistema c o m p l e t o de
estudos e c l e s i á s t i c o s ; m a s esse p r o j e t o é a b s o l u t a m e n t e irrealizável p o r q u e o s e m i n á -
rio só d i s p õ e d e p o u q u í s s i m o s r e c u r s o s . É p o r esta razão q u e n o s l i m i t a m o s a estabe-
lecer p o r e n q u a n t o as c á t e d r a s d e l í n g u a f r a n c e s a , r e t ó r i c a e filosofia r a c i o n a l , história
eclesiástica, t e o l o g i a d o g m á t i c a e m o r a l . O s c a n d i d a t o s ( a o s e m i n á r i o ) devem, por
conseguinte, anexar a seu p e d i d o u m certificado declarando que foram examinados e
aprovados e m l í n g u a l a t i n a . . . " 4 1
O p r e l a d o b a i a n o e n c o n t r o u dificuldades para re-
crutar p r o f e s s o r e s c a p a z e s d e d a r u m a s ó l i d a f o r m a ç ã o espiritual aos c a n d i d a t o s ao
sacerdócio. E m 1 8 5 2 , e n t r e t a n t o , a a b e r t u r a d o S e m i n á r i o M e n o r p e r m i t i u c o n c e n -
trar o e n s i n o d o S e m i n á r i o M a i o r e m d i s c i p l i n a s e s s e n c i a l m e n t e religiosas, c o m o
história e c l e s i á s t i c a , e x e g e s e e h i s t ó r i a s a n t a ( p r i m e i r o a n o ) , direito natural e teologia
d o g m á t i c a ( s e g u n d o a n o ) , d i r e i t o c a n ó n i c o e t e o l o g i a m o r a l ( t e r c e i r o a n o ) , teologia
moral, e l o q ü ê n c i a s a c r a e l i t u r g i a ( q u a r t o a n o ) . 4 2
Nesse magistério distinguiam-se
padres s e c u l a r e s , p e r t e n c e n t e s à d i o c e s e , e t e ó l o g o s b a i a n o s , c o m o frei A n t ô n i o de
V i r g e m M a r i a I t a p a r i c a , q u e e n s i n o u d u r a n t e m a i s de t r i n t a a n o s teologia d o g m á t i c a
e história d o d o g m a , e f r e i R a i m u n d o N o n a t o de M a d r e de D e u s P o n t e s , professor
de teologia m o r a l e s a c r a m e n t a l .
O n ú m e r o de c a n d i d a t o s q u e f r e q ü e n t a v a m o S e m i n á r i o M a i o r da B a h i a era, com
e f e i t o , p e q u e n o . E n t r e 1 8 5 7 e 1 8 6 1 o s c i l o u e n t r e 2 0 e 2 3 a l u n o s e desse ú l t i m o ano até
1 8 8 9 e n t r e 4 0 e 5 0 , a t i n g i n d o o n ú m e r o m á x i m o de 5 4 a l u n o s e m 1 8 7 9 . E m 1 8 6 1 só
h o u v e seis o r d e n a ç õ e s ; e m 1 8 7 0 , o i t o ; e m 1 8 8 6 e 1 8 8 9 , c i n c o . J á e m 1 8 7 0 , o presiden-
te da P r o v í n c i a , B a r ã o d e S ã o L o u r e n ç o , a s s i n a l o u q u e a q u a n t i d a d e de padres forma-
dos era i n s u f i c i e n t e , a t r i b u i n d o esse f a t o à d i m i n u i ç ã o d o g o s t o pela v i d a religiosa. 47
TABELA 65
1857 2
- 37 23
1858
- 80 21
1860
- 93 20
1861
- 83 23
1863 3
47 25 40
1863 4
84 22 38
1868
- 70-80 49
1870 113 39 45
1871
- 111 41
1878 78 40 45
1879 - 109 54
1881 88 9 39
1884 - 99 39
1885 5
- . 103 45
1886 - 97 48
1887 - 101 45
1889 - 73 40
(1) Só há dados para o Seminário Menor; (2) Supressão dos externatos; (3) Recriação dos
externatos do Seminário Menor; (4) Decreto n° 3.073, de 22 de abril, reforma o ensino nos
seminários; (5) Supressão dos externatos no Seminário Menor. Para 1868,1871 e 1879 temos
apenas os números totais.
Fonte: Falas dos presidentes da Província, 1853-1889.
O RECRUTAMENTO DO CLERO
TABELA 66
1801-1850 1851-1887
LOCAL DE ORIGEM
Espanha 1 (1,5) - -
Luanda 1 (1,5) - -
Itália
- - 1 (17,8)
FILIAÇÕES
Legitimada
- - 2 (4,4)
A grande maioria dos padres era baiana, o u seja, recrutada n o local. Nota-se,
entretanto, que u m a minoria ( 1 4 , 5 % n o período 1 8 0 1 - 1 8 5 0 e 1 7 . 8 % n o período
1 8 5 1 - 1 8 8 7 ) não m e n c i o n o u c m t e s t a m e n t o o país o u a região de origem. C o m o todos
os nomes c prenomes eram portugueses, pode-se deduzir q u e se tratava de brasileiros
ou, pelo menos, de portugueses naturalizados, tornados brasileiros depois da Indepen-
dência. Numerosos padres, seguindo o exemplo de M a n u e l D e n d ê Bus, adotaram a
LIVRO V - A IGREJA
357
desiguais n a s o c i e d a d e .
O s c a n d i d a t o s a o s a c e r d ó c i o n ã o precisavam mais apresentar prova de pureza de
sangue, exigida d u r a n t e o p e r í o d o c o l o n i a l . O s n u m e r o s o s 'cristãos-novos' — muitos
dos quais de o r i g e m a f r i c a n a — j á t i n h a m sido perfeitamente assimilados à sociedade
baiana, e a m i s c i g e n a ç ã o t o m a r a tal d i m e n s ã o q u e se tornara impossível excluir cand.-
datos por causa d a c o r da p e l e . 5 0
A mestiçagem estava presente em todas as categorias
sociais, m e s m o as mais elevadas. P r o i b i ç õ e s desse tipo só podiam ter validade em casos
muito específicos, c o m o o de ' m u l a t o s escuros' o u de candidatos apadrinhados por
Pessoas n ã o m u i t o i m p o r t a n t e s . ' M a s , e v i d e n t e m e n t e , em uma sociedade cujas rela-
5
ções se baseavam em alianças familiares ou na clientela, era sempre possível contar com
q u a n t o f o r a a M o n a r q u i a p o r t u g u e s a . P e r p e t u o u - s e a v e l h a d i f e r e n ç a e n t r e vigários
c o l a d o s , n o m e a d o s p e l o i m p e r a d o r , e v i g á r i o s e n c o m e n d a d o s , n o m e a d o s ad tempus
pelos b i s p o s . E s t e s ú l t i m o s t i n h a m p o u c a s p o s s i b i l i d a d e s de ser n o m e a d o s inperpetuum
p e l o p o d e r i m p e r i a l , a m e n o s q u e d i s p u s e s s e m d e s ó l i d o s a p o i o s p o l í t i c o s . A ingerência
d o p o d e r civil n o s n e g ó c i o s d a I g r e j a se t o r n a r a t ã o a m p l a , q u e n e m s e m p r e os mais
p u r o s , m a i s i n s t r u í d o s e m a i s c a r i d o s o s r e c e b i a m o s c a r g o s e c l e s i á s t i c o s . As opiniões
dos bispos s o b r e o s c a n d i d a t o s p r a t i c a m e n t e n ã o e r a m levadas e m c o n t a . O s políticos
f r e q ü e n t e m e n t e i m p u n h a m suas e s c o l h a s .
I g n o r o , para o c o n j u n t o d o p e r í o d o , a relação entre vigários colados e encomen-
d a d o s . E m 1 8 8 7 , 1 2 4 das 1 9 0 p a r ó q u i a s b a i a n a s e r a m d i r i g i d a s p o r estes ú l t i m o s ou
p o r u m a n o v a c a t e g o r i a , i n e x i s t e n t e n o p e r í o d o c o l o n i a l : o s c u r a s n o m e a d o s interina-
mente pelo próprio g o v e r n o . 5 2
M a i s d e 2/3 das p a r ó q u i a s e s t a v a m e n t r e g u e s a titulares
provisórios. Aliás, j á e m 1 8 8 1 , o p r e s i d e n t e d a P r o v í n c i a , J o ã o L u s t o s a da Cunha
P a r a n a g u á , a t r i b u í a o e s t a d o l a m e n t á v e l e m q u e se e n c o n t r a v a m as igrejas paroquiais
à i n t e r i n i d a d e d e seus v i g á r i o s : s e m s a b e r se i a m p e r m a n e c e r , eles n ã o p e d i a m donativos
para realizar o b r a s . D e p o i s d e l e m b r a r q u e , s e g u n d o as d e t e r m i n a ç õ e s d o C o n c í l i o de
T r e n t o , o c a r g o d e v i a ser p r e e n c h i d o n o s d e z d i a s s u b s e q ü e n t e s à v a c â n c i a e que, pela
lei de 2 2 de s e t e m b r o de 1 8 2 8 , as n o m e a ç õ e s d e v i a m ser feitas m e d i a n t e apresentação
de u m a lista t r í p l i c e pelos b i s p o s a o g o v e r n o c e n t r a l , o p r e s i d e n t e d e n u n c i a v a a lenti-
d ã o desse p r o c e s s o , q u a n d o h a v i a n a d i o c e s e d a B a h i a u m c l e r o n u m e r o s o e reconhe-
cidamente c o m p e t e n t e . 5 3
S e r i a o p o d e r c e n t r a l o ú n i c o r e s p o n s á v e l p o r essa s i t u a ç ã o ? T a l v e z o arcebispo
tivesse parte d a r e s p o n s a b i l i d a d e , p o i s t a m b é m n ã o se interessava e m apressar a no-
m e a ç ã o de c a n d i d a t o s q u e — s a b i a — n ã o d e p e n d i a m de sua a p r o v a ç ã o . T r a t a - s e de
u m a h i p ó t e s e s o b r e u m p r o b l e m a q u e m e r e c e e s t u d o m a i s a p r o f u n d a d o . O manuseio
de diversos dossiês p r e p a r a d o s p e l o s b i s p o s s o b r e c a n d i d a t o s n ã o a j u d o u a esclarecer
detalhes a esse r e s p e i t o .
A s categorias dos p á r o c o s c o l a d o s , e n c o m e n d a d o s e i n t e r i n o s , p o d e - s e acrescentar
os c o a d j u t o r e s e os capelães, c u j o n ú m e r o deve t e r v a r i a d o m u i t o n o d e c o r r e r do século
e s t u d a d o . O s c o a d j u t o r e s c o n t i n u a r a m a ser n o m e a d o s p e l o g o v e r n o e pelo bispo, e
sua situação m a t e r i a l n ã o m e l h o r o u . Aliás, h a v i a p o u c a oferta de g e n t e para essa
f u n ç ã o , s o b r e t u d o q u a n d o se tratava d e servir e m p a r ó q u i a s rurais. Para atraí-los, os
párocos eram o b r i g a d o s a c o m p l e t a r d o p r ó p r i o b o l s o os salários oferecidos, encargo
insuportável para os q u e t i n h a m rendas m o d e s t a s . A l é m disso, m u i t o s párocos rurais
t i n h a m que c o m p a r t i l h a r seus t o s t õ e s — e o faziam de m á v o n t a d e — c o m os capelães
que trabalhavam e m seu território p a r o q u i a l .
N o m o m e n t o em q u e d i m i n u i u o n ú m e r o de c a n d i d a t o s ao sacerdócio, diminuí-
ram t a m b é m as possibilidades de fazer-se carreira eclesiástica fora da estrutura da
Igreja hierárquica c p a r o q u i a l . O n ú m e r o de capelães de família e de irmandades
religiosas provavelmente caiu a partir da segunda m e t a d e d o século X I X , o que, aliás,
era do interesse da hierarquia, q u e d u r a n t e a é p o c a colonial n ã o conseguira exercer
LrVR0V-AlGR£JA
359
S 0 b r e eles a i n f l u ê n c i a d e s e j a d a . O s b i s p o s r e f o r m a d o r e s de t o d o o Brasil t i n h a m c o m o
o b j e u v o s c o l o c a r o c l e r o s o b a a u t o r i d a d e t u t e l a r d a Igreja, u n i f i c a r sua c o n d u l e
evitar possíveis h e t e r o d o x i a s . A B a h i a n ã o era e x c e ç ã o . tonaura e
As RENDAS DO CLERO
N a é p o c a c o l o n i a l , a d o t a ç ã o d a d a a o s p a d r e s p e l o rei de P o r t u g a l variava s e g u n d o as
dioceses. N o fim d o s é c u l o X V I I I , p o r e x e m p l o , p á r o c o s e c o a d j u t o r e s b a i a n o s c u s t a -
ram 10:671 d e réis a o s c o f r e s r e a i s .
TABELA 67
D E S P E S A S D A C O R O A C O M A I G R E J A NA B A H I A , 1800
Total 26:634.440
Fonte: Segundo dados dc Luiz de Santos Vilhena, A Bahia no século XVIII, v. 2, p. 463.
Observação: A notação 13:788 equivale a 13 contos de réis (ou 13 milhões de réis) e 788 mil
reis. A notação 564.000 equivale a 564 mil réis.
M a s q u a n t a v a r i a ç ã o n o s v e n c i m e n t o s d o s padres! D o s 9 2 p á r o c o s da B a h i a , 5 4
recebiam c ô n g r u a i n f e r i o r a c e m m i l réis e três i n f e r i o r a 5 0 m i l , o u seja, m e n o s d o que
a C o r o a pagava e m 1 6 0 8 . N e s s e a n o , p o r causa d a elevação d o custo de vida, um
decreto real a u m e n t a r a a c ô n g r u a d o s c u r a s para 5 0 m i l réis e a dos c o a d j u t o r e s para
2 5 mil réis. O s q u e c u i d a v a m d e t e r r i t ó r i o m u i t o g r a n d e r e c e b i a m , às vezes, ajuda de
custo anual de 2 3 . 9 2 0 réis. N o fim d o s é c u l o X V I I I havia curas c u j a c ô n g r u a anual era
de 2 0 0 mil réis, e n q u a n t o o u t r o s a i n d a r e c e b i a m 5 0 m i l ! Para os c o a d j u t o r e s , p e r m a -
neceu e m v i g o r até o fim d o p e r í o d o c o l o n i a l u m salário de 2 5 mil réis.
O s p á r o c o s r a r a m e n t e a t i n g i a m os níveis da r e m u n e r a ç ã o m é d i a recebida p 0 r
O s p á r o c o s c o n t a v a m c o m u m a t e r c e i r a f o n t e d e r e n d a s , as c o n h e c e n ç a s , outro
t i p o de c o n t r i b u i ç ã o pessoal, c u j o m o n t a n t e foi e s t a b e l e c i d o n o i n í c i o d o século X V I I I
pelas C o n s t i t u i ç õ e s P r i m e i r a s : u m pai d e f a m í l i a p a g a v a 8 0 réis; u m c e l i b a t á r i o apto
a r e c e b e r o s a c r a m e n t o d a e u c a r i s t i a ( m e n i n o s c o m m a i s d e c a t o r z e a n o s , m e n i n a s com
mais de d o z e ) , 4 0 réis; os q u e s ó p o d i a m t e r o s a c r a m e n t o d a p e n i t ê n c i a ( q u e exigia
pelo menos cinco anos de idade), 2 0 r é i s . 5 7
A s f o n t e s de r e n d a dos v i g á r i o s c o l a d o s e r a m a p a r e n t e m e n t e n u m e r o s a s , mas,
c o m o j á foi m e n c i o n a d o , as q u a n t i a s a r r e c a d a d a s v a r i a v a m s e g u n d o o n ú m e r o e a
riqueza dos p a r o q u i a n o s . A s p a r ó q u i a s b a i a n a s c o m p o p u l a ç ã o n u m e r o s a e rica eram
minoria — 3 5 n u m total de 91 — n o fim d o s é c u l o X V I I I . A g r a n d e m a i o r i a dos
padres n o m e a d o s p e l o rei e n f r e n t a v a d i f i c u l d a d e s n o s fins de m ê s . N ã o o b s t a n t e , eles
integravam u m g r u p o p r i v i l e g i a d o , p o i s a n o m e a ç ã o l h e s a s s e g u r a v a c a r g o s vitalícios.
A situação d o s vigários e n c o m e n d a d o s era p i o r , j á q u e s ó p o d i a m c o n t a r com a
g e n e r o s i d a d e dos p a r o q u i a n o s . S u a s r e n d a s se l i m i t a v a m a c o n h e c e n ç a s e c o n t r i b u i -
ções b e n é v o l a s , r e c o m e n d a d a s p e l o b i s p a d o a o s fiéis, mas voluntárias. Nas Consti-
tuições P r i m e i r a s n ã o h á m e n ç ã o s o b r e e v e n t u a i s s a n ç õ e s a o s fiéis q u e n ã o contri-
b u í s s e m , de m o d o q u e n a falta d e p a g a m e n t o s s ó restava a o b i s p o e x o n e r a r o cura
de suas f u n ç õ e s , p r i v a n d o os c r i s t ã o s d a p r e s e n ç a d e u m p a d r e . As p a r ó q u i a s recal-
citrantes c o n t a v a m c o m a c u m p l i c i d a d e d o p o d e r real, h o s t i l a q u a l q u e r c o n t r i b u i -
ção q u e viesse a o n e r a r a i n d a m a i s o s fiéis, o b r i g a d o s a p a g a r a d í z i m a eclesiástica
recebida pelo rei. As C o n s t i t u i ç õ e s P r i m e i r a s d e t e r m i n a v a m aos c u r a s q u e lembras-
sem a seus p a r o q u i a n o s essa o b r i g a ç ã o , a m e a ç a n d o de e x c o m u n h ã o os pecadores.
C o m o disse o m o n s e n h o r E u g ê n i o de A n d r a d e V e i g a , " p a g a n d o i n t e i r a m e n t e a
dízima, p o d e r ã o r e c e b e r as r e c o m p e n s a s t e m p o r a i s e eternas e evitar os castigos de
pobreza e esterilidade, b e m c o m o q u a l q u e r c a s t i g o de q u e D e u s , p o r m e i o de seus
S a n t o s e de seus P r o f e t a s , se serve para a m e a ç a r o s transgressores desse p r e c e i t o " . 5 8
R e s t a m o s c a p e l ã e s : e r a m m e s m o privilegiados, c o m o alguns c o n t e m p o r â n e o s
afirmavam? N e m t a n t o A s i t u a ç ã o deles era t ã o diversificada q u a n t o a dos vigários
colados o u e n c o m e n d a d o s . D e m o d o geral, os capelães q u e serviam nos engenhos de
açúcar c o n s t i t u í a m u m g r u p o à p a r t e , privilegiado p o r diversas razões. S ó os grandes
e n g e n h o s p o d i a m t e r u m c a p e l ã o p r i v a d o . Q u a l era a sua remuneração? A n t o n i l escre-
veu n o i n í c i o d o s é c u l o X V I I I : " O q u e se c o s t u m a dar ao capelão cada a n o , pelo seu
trabalho, q u a n d o t e m as missas d a s e m a n a livres, são q u a r e n t a o u c i n q ü e n t a mil réis;
e c o m o q u e l h e d ã o o s a p l i c a d o s , v e m a fazer u m a p o r ç ã o c o m p e t e n t e , b e m ganhada,
se guardar t u d o o q u e a c i m a está d i t o . E se h o u v e r de ensinar aos filhos do senhor do
e n g e n h o , se l h e a c r e s c e n t a r á o q u e f o r j u s t o e c o r r e s p o n d e n t e ao t r a b a l h o . " 6 0
N o s dias
de s e m a n a o c a p e l ã o e s t a v a livre p a r a rezar missas e n c o m e n d a d a s , que eram pagas
"salvo se se c o n c e r t a r d e o u t r a s o r t e c o m o s e n h o r da capela, r e c e b e n d o estipêndio
p r o p o r c i o n a d o ao t r a b a l h o . " 6 1
os c o a d j u t o r e s , v e n c i m e n t o s q u e p e r m a n e c e r a m estáveis d u r a n t e t o d o o p e r í o d o q U e
TABELA 68
F O L H A D E P A G A M E N T O S D O A R C E B I S P A D O DA B A H I A , 1800
Deão 400.000
feto
inveterado de esperar tudo do g o v e r n o " ) . 6 4
_
Foi espantoso c o n s t a t a r que apenas a côngrua do arcebispo diminum, para o
qual só encontrei u m a explicação: o legislador se limitou a lembrar a Prov.sao de 4 de
março de l 4 l , q u e fixou o m o n t a n t e dessa côngrua. Se levarmos em
7
TABELA 69
Arcebispo 2:680.000
Deão 600.000
Coadjutor 50.000
Subchantre 187.500
Sacristão 189.000
Maceiro 45.000
Organista 225.000
Sineiro 150.000
Fabriqueiro 300.000
Ferreiro 40.000
Total 13:600.500
£ j • , 1 8
* a r a m bens a seus herdeiro
8 7 dei TOS.
Quando «asna - pois o ato de testar era facultativo - , esse documento tinha pía
m n ç a o : definia a realização de atos religiosos, como missas, esmolas e modos de
seputamento; reconheça a paternidade, permitindo a destinação de herança a filhos
gerados fora dos laços matrimoniais; e, finalmente, definia legados a pessoas Os
beneficiários dos legados - segundo a legislação em vigor, ficava disponível para este
fim até 1/3 dos bens — podiam ser a Igreja, os institutos de educação ou de caridade
e as irmandades religiosas, mas o testador também podia utilizar esse meio para favo-
recer alguns de seus filhos, parentes próximos ou afastados, afilhados, amigos ou
empregados fiéis.
A repartição dos legados fornece indicações para o estudo das relações entre o
testador e o meio social em que vivia: que tipo de pessoas eram favorecidas? Passavam
necessidade? Mantinham relações de que tipo com o testador? Para responder, usarei,
para efeito de comparação, um exemplo recolhido entre a população livre e alforriada
de Salvador. Primeiro, vejamos como eram definidos o direito de testar dos clérigos e
a maneira como eles adquiriam seus bens.
O direito canónico proibia que os clérigos dispusessem, em testamento, de bens
adquiridos da Igreja e das rendas que obtinham. Todavia, com a aquiescência do papa
e dos bispos, fora consagrado no Brasil o princípio de que eles podiam dispor, por via
testamentária, dos bens adquiridos durante o exercício de seu ministério. As Consti-
tuições Primeiras justificavam esse costume, lembrando que a diminuta porção côngrua
era insuficiente para prover às necessidades dos padres. Estes só podiam dispor de seus
bens pessoais e nunca dos "paramentos, cibórios, missais e outros objetos pertencentes
à Igreja, como casas e senzalas, que ele ou seus predecessores tivessem construído em
benefício desta mesma Igreja". Por outro lado, os herdeiros eram obrigados a indenizar
qualquer dano material feito à Igreja e reembolsar as dívidas que diziam respeito à
compra de alimentos. As Constituições Primeiras recomendavam ainda que os clérigos
deixassem uma parte de seus bens para a Igreja, como prova de gratidão. Essas regras
67
fornecer uma renda mínima de 3 0 mil réis anuais," considerada necessária para que
se pudesse esperar, sem maiores preocupações, a nomeação «
detalhes, adianto que o salário anual de um professor era de 8 0 0 m d r ó e de um
Pedreiro, de 2 5 0 mil réis).- Era ilusória a segurança oferecida por essa pequena renda,
BAHIA. SÉCULO X I X
t e r c e i r o s . N o i n í c i o d o s é c u l o , e l e às vezes e r a c o n s t i t u í d o d e f o r m a p r o v i s ó r i a , encon-
trando-se, nos atos cartoriais, freqüentes restrições c o m o estas: " c o m a condição q U e
Esses d a d o s n ã o s ã o s u f i c i e n t e s p a r a q u e se t i r e m c o n c l u s õ e s s o b r e as f o r t u n a s d o
clero b a i a n o . M a s p e r m i t e m c o m p a r a ç õ e s c o m o u t r o s i n v e n t á r i o s post manem d e i x a -
dos p o r h o m e n s e m u l h e r e s livres e a l f o r r i a d o s d e S a l v a d o r .
E n t r e 1 8 2 1 e 1 8 5 0 , a m a i o r f o r t u n a d e i x a d a p o r u m p a d r e f o i d e 1 2 : 0 8 2 d e réis 7 1
P e r t e n c i a a J o ã o C o r r e i a d e B r i t o , p o r t u g u ê s d e n a s c i m e n t o e brasileiro n a t u r a l i z a d o
c ó n e g o e c h a n t r e d a c a t e d r a l , p a i d e t r ê s filhos r e c o n h e c i d o s n o t e s t a m e n t o . A parte
mais i m p o r t a n t e d e s u a f o r t u n a e r a f o r m a d a p e l a m e t a d e de u m s o b r a d o , d i n h e i r o e m
espécie, e m p r é s t i m o s c o n c e d i d o s a t e r c e i r o s , e s c r a v o s , m ó v e i s e o b j e t o s de o u r o e
prata. E m c o m p e n s a ç ã o , o s b e n s d e i x a d o s p e l o p a d r e M a n o e l d e S a n t a M ô n i c a D e l f i m
l i m i t a v a m - s e a u m a c a s i n h a d e t r ê s c ô m o d o s , c i n c o e s c r a v o s , d o i s c a v a l o s , q u a t r o vacas
e alguns m ó v e i s , t o d o s " a d q u i r i d o s h o n e s t a m e n t e p e l o e x e r c í c i o e m i n i s t é r i o d e m i -
nhas o r d e n s e a l g u n s n e g ó c i o s t a m b é m h o n r o s o s " , v a l e n d o o total 1 : 3 6 6 de réis. Esse
m o n t a n t e , d e i x a d o p e l o p a d r e M a n o e l , se a p r o x i m a v a d o v a l o r m é d i o de 1 : 6 4 0 de réis
deixados e m h e r a n ç a p e l a p o p u l a ç ã o l i v r e e a l f o r r i a d a e m 1 8 2 1 . J á o c ó n e g o J o ã o
Correia de B r i t o d e c l a r o u u m valor p r ó x i m o da m a i o r fortuna — 1 3 : 9 8 6 de réis — ,
deixada e m 1 8 3 6 p e l o m é d i c o J o ã o M a c i e l d e S o u z a ( i n v e n t á r i o n ° 8 / 7 9 7 ) .
A s s i m , a m e n o r f o r t u n a d e i x a d a p o r u m p a d r e e m 1 8 2 1 ( 1 : 3 6 6 de réis) estava
abaixo d a m é d i a das f o r t u n a s m e n o r e s d o q u e 1 0 : 0 0 0 de réis, deixadas pela população
livre d a c i d a d e . H a v i a p a d r e s q u e n ã o e r a m a b a s t a d o s , m a s q u e t a m b é m n ã o se e n c o n -
travam e m s i t u a ç ã o c r í t i c a : e n t r e o i t o i n v e n t á r i o s de padres, só u m deixou herança
inferior a 1 : 5 0 0 de r é i s . 7 3
C o m p a r e m o s agora essas f o r t u n a s d e padres e de h o m e n s e
mulheres livres d e S a l v a d o r c o m aquelas deixadas p o r alforriados.
E m 1 8 2 6 , p e l o i n v e n t á r i o n ° 9 / 7 5 1 , P e t r o n i l h a de J e s u s d o O u t e i r o , verdure.ra,
deixou a b e l a s o m a d e 6 : 2 1 1 de réis, q u e representava a s o m a d o valor de quinze
escravos ( 1 : 8 1 5 de r é i s ) , 1 : 6 8 8 de réis em d i n h e i r o líquido, duas casas (valendo j u n t a s
1 : 7 5 0 de réis) c 1 : 1 1 2 d e réis e m jóias. Esta última q u a n t i a era e n o r m e para uma
pessoa c o m o ela. E m c o m p e n s a ç ã o , o africano alforriado J o s é Severo, falecido em
1 8 3 1 , d e i x o u u m a h e r a n ç a de 5 8 0 mil réis, p r o d u t o da venda de dois escravos, únicos
bens q u e possuía ( i n v e n t á r i o n ° 2 / 7 2 1 ) . E n t r e os vinte inventários feitos nesse período
por alforriados, u m d e i x o u dívidas, quatro deixaram somas infenores a cem m,l réis,
368 BAHIA, SÉCULO X I X
cinco deixaram somas entre 101 e 500 mil réis, quatro somas entre 500 mil réis e
1:000 de réis e seis outros somas entre 1:000 e 6:000 de réis. A média de fortuna desse
grupo de pessoas que ocupava os escalões mais baixos da hierarquia social era de cerca
de 1:025 de réis, o que é coerente com a posição que os alforriados ocupavam na
sociedade de então.
Para a segunda metade do século XIX, temos quinze inventários de padres. 74
Dois deles deixaram dívidas, quatro deixaram menos de 2:000 de réis e dez deixaram
bens avaliados entre 4:926 de réis e 47:112 de réis. A herança mais modesta, de 182
mil réis, foi a do padre Francisco Henrique de Almada, falecido em 1886; no mesmo
ano, o cónego João José de Almeida deixou a seus herdeiros 47:112 de réis. A dife-
rença entre essas duas fortunas é considerável. O cónego João José era membro de
uma poderosa família de senhores de engenho do distrito de Santo Amaro, no
Recôncavo, ao passo que o padre Francisco era, do ponto de vista da origem familiar,
um desconhecido. Sem dúvida, o cónego herdou da família uma parte de seus bens,
entre os quais figurava uma fazenda e um rebanho de ovelhas. Ele não era, aliás, o
único padre baiano muito rico. Em 1885, o cónego Henrique de Souza Brandão,
tesoureiro do capítulo e filho de uma poderosa família do distrito de Santo Amaro,
deixou a seus herdeiros a interessante soma de 2 9 : 0 0 0 de réis (inventário n° 5/1985).
Grandes fortunas seriam características de cónegos? E difícil responder. Um ano mais
tarde, o cónego Gustavo Adolfo de Sá Barreto, membro de uma família muito co-
nhecida na cidade de Salvador, deixou apenas dívidas, num valor de 119.634 réis
(inventário n° 7/1097).
Continuemos a comparar os inventários dos padres e os da população livre e
alforriada desse período. Tomemos novamente um só ano, o de 1866. A maioria dos
sete inventários desse ano diz respeito a fortunas superiores a 10:000 de réis. Com
efeito, a não ser os 1:566 de réis deixados pelo alforriado Eliseu Augusto Pires, horte-
lão dos arredores da cidade (inventário n° 1/1089 de 1886), e os 4:143 de réis em
ações bancárias e obrigações do Estado deixados por Joaquim Luiz Aguiar (inventário
n° 7/1089 de 1886), todos os outros registraram fortunas superiores a 15:000 de reis
em valores brutos (antes da subtração de despesas e dívidas). Mas três entre elas
estavam muito oneradas por dívidas, razão pela qual os herdeiros só receberam entre
8,5% e 49,5% do seu valor.
Não tenho a intenção de me alongar nessa questão, à qual consagrarei um
estudo à parte. Por enquanto, basta acentuar que a fortuna mais baixa, a do
75
alforriado Eliseu Augusto Pires (1:566 de réis), foi maior que a do padre Francisco
Henrique de Almada (281.000 réis); e que a do comerciante português Antônio José
Luiz Brandão (87:773 de réis) foi quase duas vezes maior que a do cónego João Jose
de Almeida (47:112 de réis). A análise dessas d uas últimas fortunas mostra que a do
cónego nada tinha de exorbitante. Se a compararmos à deixada pelo comerciante
português Francisco Adies Vilas Boas (1.189:687.979 réis, segundo o inventário
n° 4/7216 de 1884), ela se transforma numa fortuna boa, mas não excepcional. No
LIVRO V - A IGREJA
369
uma e x i s t ê n c i a p r o t e g i d a de W 6
« ^ n S I ^ ~ MaíaTma-
d e r o t r a n s m i t i d a p e l o e s t u d o dos t e s t a m e n ^ ^ ~ s L corresponde ao c o n -
gem d c padres c o m c o m p o r t a m e n t o e m e n t a l i d a d e antigo
j u n t o d o c l e r o b a i a n o , s o b r e t u d o depois d o d c p a d r e , A c a b o
D e p o i s da d é c a d a d e 1 8 5 0 , e x . s u a m lado a do do s ^
de descrever as p r i n c i p a i s características d o P " m
° m o r a H d a d e e a cducaçSo, mais
curava m o l d a r u m a h i e r a r q u i a p r e o c u p a d a 00 d o £ , „ W o
p e r m i t i a a u m a p a r t e d o c l e r o p r o t e g e r - s e d e p r e o c u p a ç õ e s m a t e r i a i s p r e m e n t e s e viver
c o m a l g u m a i n d e p e n d ê n c i a m a t e r i a l e e s p i r i t u a l . A g o r a , a n t e s de ser aprovado pela
a u t o r i d a d e g o v e r n a m e n t a l , o e x e r c í c i o d e q u a l q u e r f u n ç ã o s a c e r d o t a l dependia da
a u t o r i d a d e d i o c e s a n a ( n o a n t i g o s i s t e m a das c a p e l a n i a s o E s t a d o n ã o e x e r c i a nenhuma
i n f l u ê n c i a s o b r e o r e c r u t a m e n t o d o s p a d r e s f e i t o p o r p a r t i c u l a r e s ; e m contrapartida,
e x e r c i a i n f l u ê n c i a i n d i r e t a n o r e c r u t a m e n t o d o s c a p e l ã e s pelas c o n f r a r i a s religiosas, já
q u e os e s t a t u t o s destas e s t a v a m s o b s e u c o n t r o l e ) . A l é m d i s s o , o s n o v o s padres tinham
q u e viver a p e n a s c o m a c ô n g r u a e n ã o p o d i a m m a i s e x e r c e r a m u l t i p l i c i d a d e de ofícios
q u e o u t r o r a l h e s p e r m i t i a m viver m o d e s t a m e n t e e a t é a n g a r i a r a l g u n s b e n s (ou mesmo
f o r t u n a s ) . M a s , c o m u m p o u c o d e s o r t e , eles a i n d a p o d i a m p r e s t a r serviços remune-
rados — m e s t r e - e s c o l a o u p r e c e p t o r , p o r e x e m p l o — , c o n t a n t o q u e isso n ã o os afas-
tasse dos seus l o c a i s d e m o r a d i a e fosse p e r m i t i d o p e l o b i s p o . A t u d o isso se acrescen-
tava a falta de e n t u s i a s m o d e m o n s t r a d a p e l o g o v e r n o p a r a c r i a r n o v a s paróquias e até
para n o m e a r titulares de p a r ó q u i a s o u seus c o a d j u t o r e s .
* "T*
m a . S e os padres t o m a r a m u m a a p a r ê n c i a m a " s a , d *******
a m e n t o e a ç ã o t e n d e r a m a se
t d i L c T . T d t t ^ "n" ^
pouco m u d o u . S e r e n e m d o povo, cuja mentalidade
como era ilusório impor reformas sem que a Igreja tivesse reencontrado sua autonomia
espiritual e material. Apesar dos progressos havidos na preparação do clero para o
exercício de sua missão, o padre rural conservou a feição familiar que lhe era própria
durante o período colonial. E m relação aos da capital e das demais grandes cidades,
continuou mais próximo do povo.
CAPITULO 21
As ORDENS RELIGIOSAS
Além de ser obrigada a manter os conventos, a Coroa portuguesa perdia, com eles,
a possibilidade de arrecadar certos impostos, pois as propriedades eclesiásticas se bene-
ficiavam de isenções. Por tudo isso, eles foram pouco numerosos: quatro na Bahia
(Desterro, 1 6 6 7 ; Mercês, 1 7 3 5 ; Soledade, 1 7 3 9 ; Conceição da Lapa, 1744); um no
Rio de Janeiro (Nossa Senhora da Ajuda, 1 6 8 3 ) ; e um em São Paulo (Santa Teresa,
1885). Apenas o de Desterro foi fundado pela Coroa e só nele as religiosas podiam
receber heranças ou adquirir bens. Nos demais casos, isso era proibido. Os outros
conventos surgiram c o m o retiros, chamados 'recolhimentos', por iniciativa de mulhe-
res piedosas, geralmente integrantes das camadas médias. A transformação dessas casas
cm verdadeiros conventos dependia da permissão do rei e do bispo.
Além de garantir retiro para mulheres, muitas vezes viúvas ou abandonadas pelos
maridos, os recolhimentos abrigavam moças órfãs ou separadas de suas famílias, ex-
prostitutas em vias de regeneração (chamadas madalenas) e mulheres dedicadas à vida
monástica, que usavam hábito, praticavam a clausura e faziam votos particulares,
raramente reconhecidos pela Coroa. Havia, ainda, casos - necessariamente autoriza-
dos pelas autoridades coloniais ou eclesiásticas - de refúgio de esposas maltratadas e
de reclusão de outras, suspeitas de adultério ou mau comportamento.
373
J74 BAHIA, SÉCULO X I X
E s t e t i p o de v i d a r e l i g i o s a e x i s t i u , s e m d ú v i d a , n a B a h i a , m a s n ã o d e i x o u vestígios.
N o ú l t i m o t e r ç o d o s é c u l o X I X , A n t ô n i o C o n s e l h e i r o , c h e f e m í s t i c o d o S e r t ã o baiano,
era c h a m a d o b e a t o p o r seus a d e p t o s , q u a l i f i c a t i v o t a m b é m u s a d o para numerosos
h o m e n s e m u l h e r e s de s e u g r u p o . 2
M a s o e q u i v a l e n t e m a s c u l i n o m a i s c o m u m dessa
f o r m a de r e l i g i o s i d a d e s i t u a d a f o r a d o m o d e l o t r a d i c i o n a l era r e p r e s e n t a d o pelos ere-
m i t a s , q u e d e s e j a v a m viver u m a v i d a c r i s t ã p e r f e i t a , v o l t a d a para a o r a ç ã o e o serviço
a o c u l t o d i v i n o . A e x p e r i ê n c i a d a s o l i d ã o m o n á s t i c a n ã o e r a n o v i d a d e para a Igreja,
mas o m o v i m e n t o e r e m í t i c o , i n i c i a d o n o B r a s i l a i n d a n o s é c u l o X V I , foi aqui essen-
c i a l m e n t e l e i g o . J á e m 1 5 5 8 , d e p o i s de h a v e r p a s s a d o p e l a B a h i a , o f r a n c i s c a n o espa-
nhol P e d r o P a l a c i o s v i a j o u para a C a p i t a n i a d o E s p í r i t o S a n t o , l e v a n d o c o n s i g o uma
i m a g e m de N o s s a S e n h o r a . E m V i l a V e l h a , f u n d o u o s a n t u á r i o d e N o s s a S e n h o r a da
Penha, onde morreu cm 1 5 7 0 . É possível q u e o u t r o s e r e m i t a s t e n h a m existido no
Brasil n o s é c u l o X V I , m a s sua i n f l u e n c i a foi m a i s m a r c a n t e na é p o c a d o c i c l o do ouro
d e M i n a s G e r a i s , i n i c i a d o n o fim d o s é c u l o X V I I .
inevitável, s e n d o c o n s u m a d a e m 1 7 5 9 . A p a r t i r de e n t ã o , a p o l í t i c a de Pombal
c u r o u t o l h e r a a ç ã o dos regulares. H o u v e s u p r e s s ã o de c o n v e n t o s e até de mosteirr
tal era o desejo de se a p o d e r a r d o s b e n s das o r d e n s , j u l g a d a s i m p r o d u t i v a s . Diminuiu
o prestígio d a vida religiosa. A s s o c i a d a às r e s t r i ç õ e s i m p o s t a s p e l o g o v e r n o ao recruta
m e n t o de n o v i ç o s , essa i n f l u ê n c i a esvaziou c o n v e n t o s e m o n a s t é r i o s . 6
A I n d e p e n d ê n c i a a g r a v o u esse q u a d r o . A o g r i t o d o d e p u t a d o b a i a n o Ferreira
França — "que desapareçam entre nós m o n g e s e m o n j a s " — r e s p o n d e u o deputado
C u s t ó d i o D i a s : " N o s dias de h o j e , seria l o u c u r a q u e u m h o m e m quisesse ser monge ou
j e s u í t a ; t e m o s e n t ã o a o b r i g a ç ã o de p a r a r c o m isso, p o i s n ã o se p o d e consentir todas
as l o u c u r a s . " A a n t i p a t i a m a n i f e s t a d a c o n t r a os regulares era geral. P o v o e governo
7
E m b o r a n u n c a t e n h a d e c r e t a d o o f e c h a m e n t o p u r o e s i m p l e s dos conventos, o
g o v e r n o t o m o u m e d i d a s q u e t e r i a m essa c o n s e q ü ê n c i a . C o n s i d e r a n d o - s e herdeiro e
sucessor l e g í t i m o das o r d e n s , ele c o b i ç a v a esses b e n s , i n t e g r a d o s ao seu património
pela lei de 9 de d e z e m b r o de 1 8 3 0 . C o u b e à o r d e n s , desde e n t ã o , o direito de administrá-
l o s , a t é a m o r t e d e seu ú l t i m o m e m b r o . D e p o i s , os b e n s m o b i l i á r i o s e imobiliários
passavam ao c o n t r o l e d i r e t o d o E s t a d o . E m 1 8 3 4 , u m a c i r c u l a r d o M i n i s t é r i o da
J u s t i ç a p r o i b i u q u e c a n d i d a t o s a o n o v i c i a d o f o s s e m a d m i t i d o s s e m permissão expressa
d o g o v e r n o . E l a b o r a d o c o m o u t r o e s p í r i t o , o a r t i g o 1 0 d o A t o A d i c i o n a l de 1834
a t r i b u i u às A s s e m b l é i a s Legislativas a f a c u l d a d e de legislar s o b r e os conventos e as
outras f o r m a s d e a s s o c i a ç ã o r e l i g i o s a . 8
F i n a l m e n t e , e m m a i o de 1 8 5 5 , o governo
reforçou suas m e d i d a s , s u s p e n d e n d o o f u n c i o n a m e n t o d o n o v i c i a d o , o q u e provocaria
u m e s v a z i a m e n t o total d o s c o n v e n t o s . A p e s a r disso, v e r e m o s q u e foi estimulada a
9
TABELA 70
O R D E N S R E L I G I O S A S EM S A L V A D O R , 1854
Beneditinos 31 19:000
Carmelitas 40 4:963
Franciscanos 36
-
Capuchinhos 13 5:000
Subtotal 120
ORDENS FEMININAS
Subtotal 124
residenciais da cidade, pois as rendas que angariavam com esses casebres eram suf i _ lc en
tes. 20
Esse ponto de vista deve corresponder à realidade pois, segundo minha análise,
na Cidade Alta — onde se concentravam esses bens — as casas eram efetivamente
térreas em sua maioria. Referindo-se ao estado miserável das casas de Salvador, U m
funcionário real declarou que "a principal causa desta desordem é que as casas perten-
cem aos conventos e a outras corporações, que não podem alienar seus bens e não se
envergonham do fato de que suas rendas provenham desses miseráveis casebres". 21
De qualquer forma, a situação das ordens religiosas era muito melhor que a do
clero secular. Seus membros contavam com o serviço de escravos e tinham teto gratui-
to, ao passo que os seculares enfrentavam suas obrigações apenas com a porção côngtua,
rendas de seu patrimônio e donativos dos fiéis. Em termos per capita, essas tendas
eram: beneditinos, 613.000 réis; carmelitas, 124.000; capuchinhos, 384.000;
TABELA 71
RESIDÊNCIA E N Ú M E R O DE RELIGIOSOS
POR DIOCESE, 1 8 5 7 - ORDENS MASCULINAS
Pernambuco 20 73 1.900
Maranhão 6 21 600
Pará 2 14 380
São Paulo 13 19 930
Mariana 4 21 736
Rio Grande do Sul 1 - 350
Diamantina 1 - 394
Goiás - - 240
Mato Grosso - - 70
Ceará - - 508
Total 88 387 9.078
Fonte RioUndo A n i (org.). A vida religiosa no Brasil, p. 8 8 .
381
TABM.A 72
R E S I D Ê N C I A DI RELIGIOSAS POR D I O C E S E ,
1857 - ORDENS FEMININAS
DKM Í S I S
N'" D l R E S I D Ê N C I A S
Bahia
7
R i o de faneiro
9
Pernambuco
5
Maranhão
i
São Paulo
3
Mariana
4
O e x a m e d a s t a b e l a s 7 0 , 7 1 e 7 2 t o r n a possível u m a análise c o m p a r a t i v a . N o t a - s c
em p r i m e i r o l u g a r q u e , na B a h i a , o n ú m e r o de religiosos a u m e n t o u . E r a m 1 2 0 em
1 8 5 4 e, três a n o s d e p o i s , 1 6 1 . O i n q u é r i t o d o M i n i s t é r i o da J u s t i ç a e x a m i n o u dezeno-
ve casas de r e g u l a r e s , e s p a l h a d a s p o r t o d o o t e r r i t ó r i o da P r o v í n c i a . N ã o t e n h o infor-
m a ç ã o s o b r e o n ú m e r o de religiosas, m a s na tabela 7 2 e s t ã o incluídas as irmãs de S ã o
V i c e n t e de P a u l a , c o m trés casas i n s t a l a d a s .
clero da F r a n ç a e o u t r o s p a í s e s d a E u r o p a , q u e os b i s p o s e m p e n h a r a m - s e e m a d o t a r e m
suas d i o c e s e s , m o v . d o p e l o e x e m p l o d a d o p e l o e m i n e n t e B i s p o d e M a r i a n a encarre-
gando esses p a d r e s , fiéis d i s c í p u l o s e h e r d e i r o s d o e s p í r i t o de s e u i m o r t a l f u n d a d o r ,
não s o m e n t e d a f u n d a ç ã o m a s i g u a l m e n t e d a r e g ê n c i a das cátedras de seu s e m i n á r i o
c o m p r e e n d i q u e era p r e c i s o t a m b é m t o m a r essa m e d i d a p a r a p r o m o v e r a m e l h o r a dos
Pequeno e G r a n d e s e m i n á r i o s deste A r c e b i s p a d o , d o qual d e p e n d e m os futuros desti-
nos da I g r e j a m e t r o p o l i t a n a . N ã o p o r q u e n ã o h o u v e s s e nessa a r q u i d i o c e s e padres q u e
reunissem o s a b e r , a p i e d a d e e o z e l o p a r a e d u c a r o n o v o c l e r o , m a s p o r q u e estes, o u
bem t i n h a m o u t r o s e n c a r g o s i n c o m p a t í v e i s c o m a a s s í d u a v i g i l â n c i a q u e exige u m a
i n c u m b ê n c i a t ã o l a b o r i o s a c d e l i c a d a , o u e n t ã o p o r q u e , a p e s a r de suas q u a l i d a d e s , n ã o
tinham a a p t i d ã o e a e x p e r i ê n c i a a d q u i r i d a s p e l o s L a z a r i s t a s d u r a n t e o l o n g o a p r e n d i -
zado c o m o q u a l s e p r e p a r a m p a r a essa e s p e c i a l i d a d e p r ó p r i a de seu i n s t i t u t o . " 4 0
Q u a l a e x p l i c a ç ã o ? A m e u v e r , d o m R o m u a l d o estava c o n v e n c i d o d e q u e n ã o era
possível f a b r i c a r o n o v o c o m o v e l h o . O s religiosos q u e e n s i n a v a m n o s s e m i n á r i o s
eram, e m sua m a i o r i a , r e g u l a r e s o u p a d r e s e c ó n e g o s f o r m a d o s e m p i r i c a m e n t e , sem
estudos regulares, a n ã o ser o s realizados n o s p r ó p r i o s c o n v e n t o s , c o m o m o n g e s o u
c o m o o u v i n t e s . F a l t a v a a esse c l e r o a c a p a c i d a d e de f o r m a r j o v e n s s e g u n d o u m a
educação " p r o p r i a m e n t e c l e r i c a l " , c o n f o r m e ao e s p í r i t o da r e f o r m a . As cátedras d e
teologia d o g m á t i c a e d e t e o l o g i a m o r a l , n o e n t a n t o , estavam nas m ã o s de dois francis-
canos, A n t ô n i o d a V i r g e m M a r i a I t a p a r i c a c R a i m u n d o N o n a t o de M a d r e de D e u s
f o n t e s , q u e t i n h a m o t í t u l o d e p r e d i c a d o r e s imperiais e eram c o n h e c . d o s p o r seu
« b e r . O p r i m e i r o e n s i n o u t e o l o g i a d o g m á t i c a p o r mais de 3 0 anos, c e r c a d o pela
admiração d c d i s c í p u l o s e c o l e g a s ; o s e g u n d o , professor de teologia m o r a l , era c o n s i -
derado, c m 1 8 7 0 , o d e c a n o das c i ê n c i a s eclesiásticas da diocese.
houvera contra as Irmãs de Caridade, embora sem tumultos populares. Ela explica p o r
que dom Romualdo não confiou imediatamente a eles uma parte do ensino: talvez
estivesse esperando que os espíritos se acalmassem. Depois da morte do arcebispo em
1860, o cónego Rodrigo Inácio de Souza Menezes, vigário-capitular, atacou aberta-
mente o direito do bispo de nomear lazaristas c o m o professores do seminário. Homem
político importante, várias vezes deputado à Assembléia Provincial e regalista convic-
to, o vigário exprimiu a oposição das elites provincianas, que não queriam ver a
instrução do clero confiada a estrangeiros. E m dezembro de 1 8 6 1 , ele conseguiu um
despacho do Ministério do Império, declarando nulos e sem procedência os contratos
assinados por dom Romualdo e os Padres da Missão, que se retiraram dos seminários
em julho de 1 8 6 2 . 4 5
A experiência lazarista durou seis anos, tempo muito curto para
imprimir o espírito de mudança num clero refratário às reformas. Pode-se então
perguntar se o movimento reformador na Bahia não foi, finalmente, uma piedosa
intenção que nunca realizou, em profundidade, as mudanças que se propunha a fazer.
A vida propriamente monástica permaneceu decadente durante todo o período
imperial. Só a Proclamação da Republica abriu caminho para a restauração das velhas
ordens decadentes e para a chegada das congregações estrangeiras, masculinas e femi-
ninas. Mas, ainda no Império, a Igreja Católica mostrou que havia congregações
capazes de transmitir a mensagem cristã através da educação e do alívio das misérias
materiais e espirituais de um povo cuja variada religiosidade, às vezes incompreendida,
é sinal de uma busca contínua e fator de solidariedade e coesão sociais entre homens
separados pela riqueza, pelo estatuto jurídico e pela cor da pele. Vejamos agora como
era vivida e sentida essa religiosidade.
C A P I T U L O 2 2
alojamentos provisórios. . . ,
Ainda existiam muitas aldeias indígenas, mas a partir da expulsão dos jesuítas na
*gunda metade do século XVIII o poder temporal retomou o controle da administra-
d o desses povoados, rompendo seu isolamento, sobretudo no Agreste. A > n f ü ^
bancos, mulatos e negros provocou então uma perda gradativa na h o m o g ^ d c
Pinica dessa população^ Apenas as aldeias situadas na ^ g g S
"veram-se isoladas, pois a difícil situação econômica da região
389
390 BAHIA, SÉCULO X I X
A s i t u a ç ã o era c o m p l e t a m e n t e d i f e r e n t e n o l i t o r a l n o r t e e, s o b r e t u d o , na cidade d
S a l v a d o r e s u a h i n t e r l â n c i a . E m b o r a , t a m b é m ali, a a g r i c u l t u r a p r e d o m i n a s s e , a urb
n i z a ç ã o era m u i t o m a i o r . N o s d i s t r i t o s a ç u c a r e i r o s o u d e p r o d u ç ã o de mandioca
t a b a c o , as vilas f u n d a d a s n o s s é c u l o s X V I I e X V I I I se t r a n s f o r m a r a m , n o século X I X
e m p e q u e n a s c i d a d e s q u e a b r i g a v a m a t i v i d a d e s e c o n ô m i c a s d i v e r s i f i c a d a s , inclusive
c o m p r e s t a ç ã o de s e r v i ç o s a u m a p o p u l a ç ã o u r b a n a q u e l e m b r a v a a da capital No
i n t e r i o r , p r o c e s s o s e m e l h a n t e o c o r r e u a p e n a s e m F e i r a d e S a n t a n a , S e n h o r d o Bonfim
Juazeiro, L e n ç ó i s , V i t ó r i a da C o n q u i s t a e poucas localidades mais.
O t i p o d e c o n t r o l e e x e r c i d o p e l a I g r e j a h i e r á r q u i c a n a s c i d a d e s era b e m diferente
d o p r a t i c a d o i n t e r m i t e n t e m e n t e n a s z o n a s r u r a i s . A l é m d e m a i s n u m e r o s o , o clero
u r b a n o e s t a v a m a i s p r e p a r a d o p a r a r e a l i z a r as r e f o r m a s e r e c u p e r a r , e m proveito da
I g r e j a , p r á t i c a s r e l i g i o s a s p o p u l a r e s . A r e l i g i o s i d a d e das p e s s o a s d o c a m p o tinha outras
dimensões.
casamento. Nem sempte esses deveres etam cumptidos com facilidade, pois havia falta
de padres, sobretudono campo. Assim, além de participarem da Igreja oficial, os fiéis
também vrv.am sua fe cristã dando vazão, no cotidiano, a um profundo sentimento
religioso.
A religião do povo — "muita reza e pouca missa, muito santo e pouco padre" —
2
se diferenciava da praticada pela Igreja Católica por seu caráter leigo, familiar e social
e pela importância dada aos santos. Note-se, no entanto, que a devoção a estes últimos
— com seu cortejo de orações, procissões e peregrinações — não excluía práticas do
catolicismo oficial. Sempre que possível, as pessoas participavam dos sacramentos e da
missa e escutavam com fervor a pregação dos padres.
A devoção aos santos, centro da religião do povo, tinha duplo aspecto. Era celebrada
coletivamente, nas famílias, nas irmandades e em outras reuniões defiéis,e era dirigida
tanto a pessoas canonizadas como a outras, que não estavam — mas se desejava que
estivessem — no panteão oficial. Isso corresponde à tradição da Igreja Católica, sem-
pre voltada para a vox populi quando trata de processos de canonização. Ao contrário
do que admite parte dos historiadores da Igreja, os milagres feitos e a fama junto ao
Povo foram a base do processo de canonização de todos os santos reconhecidos Mas,
independentemente disso, a devoção sempre se dirigiu também a santos Ioca.s e fami-
liares. Uma criança cruelmente assassinada, uma pessoa tragicamente morra ou um
leproso piedoso podiam tornar-se santos e desempenhar o papel de mtermed.ár.os
para a obtenção das cracas pedidas. 3
.
Outro aspecro era o caráter individual e privado da devoção aos santos Noes-
PWto dos devotos, Deus não era obje.o de um culro parucuiar. E ™ " ^
todo-poderoso, intervinha na vida cotidiana, sendo invocado pelo 8 ^ * * £
pressão "se Deus quiser", acrescentada a quase todas as frases »bre acontec.mentos
futuros. O povo L b é m venerava as "almas dos N * ^ ^ *
• j i o r í n p n muito solicitada nos mais ae treb
Purgatório» e os santos anônimos oua ^ ^ u T o s suplicantes haviam experi-
«»1 testamentos que estudamos. Isso demonstra que u
5
p
mentado sua eficacia. 6
392 BAHIA, SÉCULO XDC
se estabelecia n o b a t i s m o da c r i a n ç a ( c u j o n o m e h o m e n a g e a v a u m s a n t o padroeiro)
p o r t r a d i ç ã o familiar (quase todas as famílias t i n h a m u m o r a g o , o u s a n t o , doméstico)
o u para c u m p r i r u m a p r o m e s s a feita pelos pais. Essa relação era definitiva e não podia
ser r o m p i d a ; o fiel t i n h a u m p a d r i n h o n o c é u " , a o q u a l c o n s a g r a v a sua devoção,
# w
p o i$
o s a n t o o p r o t e g i a nesta v i d a e f a c i l i t a v a sua p a s s a g e m à vida e t e r n a . Q u a s e sempre se
e n c o n t r a v a , ao lado d o s a n t o , o a n j o d a g u a r d a , invisível p r o t e t o r e diretor de cons-
c i ê n c i a , ao q u a l o fiel prestava c o n t a s d e seus atos t o d o s os dias.
p r e c a v e r c o n t r a a m a s o r t e , as p e s s o a s u s a v a m c o l a r e s f e i t o s d e c o n t a s (de pedras
preciosas, o u r o p r a t a , m a d e i r a o u p e q u e n o s c o c o s ) , m e d a l h a s , escapulários Las e
fitas c o m a m e d i d a e x a t a d e u m a e s t a t u e t a d e s a n t o ( a n t e c e s s o r a s das fitas q u e h o j e
são e n r o l a d a s n o s p u l s o s d o s b a i a n o s e d o s t u r i s t a s q u e v i s i t a m o s a n t u á r i o d o S e
n h o r d o B o n f i m , e m S a l v a d o r ) . A v i s ã o d e e s q u e l e t o s p r o v o c a v a u m s a n t o terror
e s t i m u l a d o p e l a c r e n ç a d e q u e o m u n d o e s t a v a p o v o a d o d e almas p e n a d a s . C o n s i -
derava-se q u e a v i d a d o s v i v o s e r a m a i s i n f l u e n c i a d a pela atividade dos m o r t o s n o
p e r í o d o d a Quaresma, e x i g i n d o p r o c i s s õ e s d e e x o r c i s m o , seguidas s o m e n t e p o r h o -
m e n s e a c o m p a n h a d a s d e c a n t o s l ú g u b t e s . S o b r e t u d o n o c a m p o , as encruzilhadas
e r a m o r n a d a s c o m c r u z e s q u e l e m b r a v a m a p r e s e n ç a d a m o r t e e a aparição de almas
defuntas. 8
G i l b e r t o F r e y r e e s c r e v e u q u e " a b a i x o d o s s a n t o s , m a s a c i m a dos vivos,
havia os m o r t o s , q u e d i r i g i a m e v e l a v a m p e l a v i d a d e seus filhos, n e t o s e bisnetos.
Suas f o t o g r a f i a s e r a m c o n s e r v a d a s n o s a n t u á r i o , e n t r e as i m a g e n s d o s santos, c o m o
m e s m o d i r e i t o q u e estes à l u z d a l â m p a d a v o t i v a e a o b u q u ê d e flores piedosas. P o r
vezes, c o n s e r v a v a m - s e t a m b é m t r a n ç a s d a s m u l h e r e s o u m e c h a s d e cabelos das crianças
que m o r r i a m ' a n j o s ' . " 9
M a s as s u p e r s t i ç õ e s p r o f a n a s n e m s e m p r e p r e o c u p a v a m a I g r e j a de f o r m a espe-
c i a l , a n ã o ser c o m o e x p r e s s õ e s d e u m a m e n t a l i d a d e a t r a s a d a d o p o v o . A Igreja se
p r o p u n h a a l u t a r s o b r e t u d o c o n t r a s u p e r s t i ç õ e s q u e e n v o l v i a m seus p r ó p r i o s santos.
O u ç a m o s de n o v o G i l b e r t o F r e y r e : " O s g r a n d e s s a n t o s n a c i o n a i s t o r n a r a m - s e aqueles
a q u e m a i m a g i n a ç ã o d o p o v o a c h o u de a t r i b u i r m i l a g r o s a i n t e r v e n ç ã o e m aproximar
o s s e x o s , e m f e c u n d a r as m u l h e r e s , e m p r o t e g e r a m a t e r n i d a d e : S a n t o A n t ô n i o , São
J o ã o , S ã o G o n ç a l o de A m a r a n t e , S ã o P e d r o , o M e n i n o D e u s , N o s s a S e n h o r a do Ó ,
da B o a H o r a , d a C o n c e i ç ã o , d o B o m S u c e s s o , d o B o m P a r t o . N e m o s s a n t o s guerrei-
r o s , c o m o S ã o J o r g e , n e m o s p r o t e t o r e s das p o p u l a ç õ e s c o n t r a a p e s t e , c o m o São
S e b a s t i ã o , o u c o n t r a a f o m e , c o m o S a n t o O n o f r e — s a n t o s c u j a p o p u l a r i d a d e corres-
p o n d e a e x p e r i ê n c i a s d o l o r o s a m e n t e p o r t u g u e s a s — e l e v a r a m - s e n u n c a à importância
o u ao p r e s t í g i o . A o s o u t r o s , p a t r o n o s d o a m o r h u m a n o e d a f e c u n d i d a d e a g r í c o l a . " " 1
m u l h e r g r a v i d a , e r a m a m i g o s d o s a g r i c u l t o r e s , a q u e m a j u d a v a m t a n t o q u a n t o aos
n a m o r a d o s . Q u a n d o as p e s s o a s q u e r i a m c h u v a , m e r g u l h a v a m S a n t o A n t ô n i o n ' á g u a
Q u a n d o u m i n c ê n d i o d e v o r a v a as p l a n t a ç õ e s de c a n a , c o l o c a v a - s e a i m a g e m d o s a n t o
n u m a j a n e l a d a c a s a d o s e n h o r a t é q u e o f o g o se apagasse. A n o i t e de S ã o J o ã o t a m b é m
e r a a resta da a g r i c u l t u r a , s o b r e t u d o d o m i l h o , q u e , s e r v i d o c o m o c a n j i c a , p a m o n h a ou
b o l o , g u a r n e c i a as m e s a s de r i c o s c p o b r e s . 1 6
N a s c a n t i g a s d e n i n a r , as m ã e s n ã o h e s i t a v a m e m t r a n s f o r m a r seus filhos em
i r m ã o s m a i s m o ç o s d o M e n i n o J e s u s , c o n c e d e n d o a eles os m e s m o s direitos aos c u i -
d a d o s d e M a r i a , às v i g í l i a s d e S ã o J o s é , a o s m i m o s d e S a n t ' A n a . S ã o J o s é era e n c a r r e -
g a d o , s e m n e n h u m a c e r i m ô n i a , d e b a l a n ç a r o b e r ç o o u a rede d o b e b ê ; S a n t ' A n a , de
n i n á - l o n o p e i t o . T o m a v a m - s e t a n t a s l i b e r d a d e s c o m o s s a n t o s q u e eles e r a m e n c a r r e -
g a d o s a t é m e s m o d e p r o t e g e r o s v i d r o s d e g e l é i a e d o c e s c o n t r a a a ç ã o das f o r m i g a s :
" E m h o n r a d e S ã o B e n t o , p a r a q u e as f o r m i g a s n ã o e n t r e m " , escrevia-se n u m papel-
zinho c o l o c a d o na porta da d e s p e n s a ! 1 7
A v i d a c o t i d i a n a se d e s e n r o l a v a s o b o s i g n o d a r e l i g i ã o . E m q u a s e t o d a s as casas havia
o r a t ó r i o s q u e , p e l o m e n o s t r ê s vezes a o d i a , s e r v i a m d e p o n t o de e n c o n t r o para os
m e m b r o s d a f a m í l i a , s e u s a g r e g a d o s e e s c r a v o s : p a r a as o r a ç õ e s d a m a n h ã , as vésperas
e as o r a ç õ e s d a n o i t e . N a s c i d a d e s , o r a t ó r i o s c o l o c a d o s e m e n c r u z i l h a d a s c o n g r e g a v a m
os transeuntes d u r a n t e a recitação do rosário.
T o d a s as f e s t a s , i n c l u s i v e as c i v i s , t i n h a m c a r á t e r r e l i g i o s o , e os rituais estabeleci-
d o s pela t r a d i ç ã o — o t i l i n t a r d o s s i n o s , a m ú s i c a , a o r d e m q u e devia existir nas
p r o c i s s õ e s — e r a m t r a n s m i t i d o s d e g e r a ç ã o a g e r a ç ã o . As missas festivas e r a m c e r
^ a d
* i s
de p o m p a : o p a d r e se a p r e s e n t a v a t o d o p a r a m e n t a d o , d i a n t e de u m altar e n t u l h a d o de
flores c e s t á t u a s p i e d o s a s , e d e s a p a r e c i a atrás de u m a n u v e m de i n c e n s o q u e o e s c
° n d i a
d o s o l h a r e s d o s fiéis. A m i s s a e r a c a n t a d a p o r u m c o r o p o l i f ó n i c o , a c o m p a n h a d o
o r q u e s t r a , e n q u a n t o , n o a d r o , f a z i a m - s e e x p l o d i r f o g u e t e s e fogos de a r t
' f i c ,
°- P° '~ S
C a d a t e m p o l i t ú r g i c o t i n h a suas p r ó p r i a s p r á t i c a s . N o N a t a l , p r e p a r a v a m - s e pre-
s é p i o s , f r e q ü e n t e m e n t e v e r d a d e i r a s o b r a s d e a r t e , r e p r e s e n t a n d o c o m r e a l i s m o o nas-
c i m e n t o d e C r i s t o o u i n s e r i n d o - o e m m a q u e t e s q u e r e c o n s t i t u í a m f i e l m e n t e Salvador
c o m as c i d a d e s B a i x a e A l t a , as igrejas e e d i f í c i o s p ú b l i c o s , as p r a ç a s , as ruas e até
pessoas. A a u s t e r i d a d e d e q u e era i m p r e g n a d o o T e m p o d o A d v e n t o n ã o impedia a
alegre c e l e b r a ç ã o das festas d e S a n t a B á r b a r a , d e N o s s a S e n h o r a d a C o n c e i ç ã o ou de
S a n t a L ú c i a , c o m m u i t a b e b i d a , c o m i d a , d a n ç a e c a n t o s , p r e n ú n c i o das festas popu-
lares e p a r a l i t ú r g i c a s — c h e g a n ç a s , b a i l e s p a s t o r i s , b u m b a - m e u - b o i e c u c u m b i s q U e
As c h e g a n ç a s , o u f a n d a n g o s , e r a m e s p e t á c u l o s a o a r livre q u e representavam
a
c h e g a d a dos p o r t u g u e s e s a o B r a s i l , a v i t ó r i a d o c r i s t i a n i s m o s o b r e o p a g a n i s m o ou
as
batalhas e n t r e m o u r o s e c r i s t ã o s . O s b a i l e s p a s t o r i s c e l e b r a v a m a m e m ó r i a dos pastores
q u e a d o r a r a m J e s u s M e n i n o . C a r a c t e r í s t i c o s d a c l a s s e m é d i a b a i x a , r e u n i a m moças e
rapazes q u e , v e s t i d o s d e b r a n c o e a o s o m d e flautas e t a m b o r e s , i a m d e casa em casa
e cantavam diante dos presépios na n o i t e de N a t a l . As representações do bumba-meu-
b o i o c o r r i a m e n t r e m e a d o s d e n o v e m b r o e o D i a d e R e i s . N e l a s , h a v i a u m a cena
c a n t a d a , r e c i t a d a e d a n ç a d a , c u j o s p e r s o n a g e n s ( t i o M a t e u s , t i a C a t a r i n a , o médico, o
padre, o b o i a d e i r o , o c a r n e i r o e a j u m e n t a ) e n t r a v a m e m c o m p e t i ç ã o e lutavam entre
si e c o n t r a o b o i , p e r s o n a g e m c e n t r a l . S e g u n d o o f o l c l o r i s t a C â m a r a C a s c u d o , a
r e p r e s e n t a ç ã o d o b u m b a - m e u - b o i e r a e s s e n c i a l à n o i t e d e R e i s . O s c u c u m b i s , muito
populares n a B a h i a , e r a m d a n ç a s g u e r r e i r a s , e x e c u t a d a s e c a n t a d a s p e l o s negros ao som
de i n s t r u m e n t o s m u s i c a i s a f r i c a n o s .
E n t r e a E p i f a n i a e a Q u a r e s m a , festas p o p u l a r e s c e l e b r a v a m N o s s o S e n h o r do
B o n f i m e m j a n e i r o e a P u r i f i c a ç ã o de N o s s a S e n h o r a e m f e v e r e i r o . D a Quaresma à
Páscoa era t e m p o de p e n i t ê n c i a , j e j u m e o r a ç ã o , c o m n o i t e s p o v o a d a s de almas
a b e n ç o a d a s e p e n a d a s — q u e p r o v o c a v a m n o s fiéis u m a m i s t u r a d e m e d o e proximida-
d e . E r a u m a r e l i g i ã o e x p i a t ó r i a : as m a n i f e s t a ç õ e s d o c a t o l i c i s m o d o p o v o baseavam-se
mais na p a i x ã o de C r i s t o q u e e m S u a r e s s u r r e i ç ã o . D a í a i m p o r t â n c i a das procissões da
S e m a n a S a n t a , a c o m p a n h a d a s d e a u t o f l a g e l a ç õ e s , s o b r e t u d o nas z o n a s rurais, e a falta
de b r i l h o da c e l e b r a ç ã o p a s c o a l . E n t r e o d o m i n g o de P a s c o e l a e a festa da Assunção,
as festas d a A s c e n s ã o , P e n t e c o s t e s (festas d o D i v i n o ) , C o r p u s C h r i s t i , S ã o J o ã o e
A p ó s t o l o s P e d r o c P a u l o d a v a m lugar a p r o c i s s õ e s , s e m p r e a c o m p a n h a d a s de festejos
populares. 20
N a s c i d a d e s , a p o p u l a ç ã o e s t a v a d i v i d i d a e n t r e as diversas i r m a n d a d e s religiosas,
reflexos de u m a h i e r a r q u i a s o c i a l m a i s d i v e r s i f i c a d a . C o m e f e i t o , as diferenças e n t r e
elas d i z i a m r e s p e i t o a c r i t é r i o s de c o r , r i q u e z a e p r e s t í g i o s o c i a l . M a s as a t r i b u i ç õ e s dos
d i r i g e n t e s d e s s a s i r m a n d a d e s e r a m b e m d i f e r e n t e s das dos chefes das c o m u n i d a d e s
rurais, na m e d i d a e m q u e as p r e o c u p a ç õ e s m a t e r i a i s e r a m e q u i v a l e n t e s às p r e o c u p a -
ções de o r d e m e s p i r i t u a l . E n o e s p a ç o u r b a n o , q u a l era o papel dessas irmandades?
c a p e l a . E r a m c é l e b r e s e m t o d o o B r a s i l as i r m a n d a d e s d e e s c r a v o s , q u e admitiam
alforriados e t i n h a m u m e s p l e n d o r c o m p a r á v e l a o das i r m a n d a d e s exclusivas de ho-
m e n s livres e b r a n c o s . A l é m dessas c a r a c t e r í s t i c a s , d e v i d a s ao e s t a t u t o legal que dividia
a população, estabeleceu-se muito cedo o critério — f o r t e m e n t e encorajado p le a
A s e g u n d a i r m a n d a d e d e s t i n a v a - s e a p r o m o v e r o c u l t o d o S a n t í s s i m o Sacramento
d a E u c a r i s t i a , o q u e e x i g i a a p r e s e n ç a de u m p a d r e p a r a c e l e b r a r missas e consagrar a
h ó s t i a . M u i t o a n t i g a e d i f u n d i d a d u r a n t e o s p e r í o d o s c o l o n i a l e imperial (1549-
1 8 8 9 ) , existiu e m q u a s e t o d a s as p a r ó q u i a s , m a s foi e s s e n c i a l m e n t e u r b a n a . Organiza-
va a procissão anual de C o r p u s C h r i s t i , t a m b é m c h a m a d a p r o c i s s ã o d o Triunfo
E u c a r í s t i c o . S e u s m e m b r o s c o m p r o m e t i a m - s e a assistir a m i s s a t o d a s as quintas-feiras
e a r e c e b e r a b ê n ç ã o d o S a n t í s s i m o , q u e se s e g u i a . P o r c a u s a da í n t i m a relação com o
c u l t o da e u c a r i s t i a , c o n g r e g o u b o a p a r t e d a e l i t e m a s c u l i n a , q u e se orgulhava de poder
servir à missa a o lado d o p a d r e .
B a h i a , d o t a d a d e f o n e t r a d i ç ã o d e v i d a r e l i g i o s a comunitária, duas o t d e n s t e t c e i t a s
r o r a m c r i a d a s q u a s e s i m u l t a n e a m e n t e n o s é c u l o X V I I ( 1 6 3 5 e 1 6 3 6 ) u m a en 1 7 2 3
uma e m 1 8 0 7 . A p r i m e i r a delas - a Venerável O r d e m T e r c e i r a da PenitêncTa de São'
Francisco - t e v e c o m o f u n d a d o r e s as p e s s o a s m a i s importantes d e S a l v a d o r e d o
R e c ô n c a v o e se instalou n o c o n v e n t o d o s f r a n c i s c a n o s , s o b o patrocínio d e S a n t a
I s a b e l , r a i n h a d e P o r t u g a l , c u j a i m a g e m foi c o l o c a d a n o altar c o n s a g r a d o a N o s s a
S e n h o r a d a C o n c e i ç ã o ; a o s s e u s o b j e t i v o s e s p i r i t u a i s a i r m a n d a d e acrescentava a m i s -
são d e a j u d a r s e u s p r ó p r i o s m e m b r o s a t é a h o r a d a m o r t e .
U m a n o d e p o i s , t e n d o c o m o padroeira S a n t a T e r e s a D'Ávila, instalou-se a O r d e m
T e r c e i r a d o s Carmelitas, c u j o o b j e t i v o e r a g l o r i f i c a r o n o m e d e D e u s , p e r m i t i r q u e
seus m e m b r o s f o s s e m e n t e r r a d o s v e s t i n d o o v e n e r á v e l h á b i t o e g a r a n t i r q u e recebessem
o b e n e f í c i o d e m i s s a s . P r o p u n h a - s e , a i n d a , a o r g a n i z a r a celebração d a festa d o C a r m o ,
das p r o c i s s õ e s e d e o u t r a s manifestações r e l i g i o s a s . R e u n i n d o h o m e n s e m u l h e r e s d
as
c a m a d a s s u p e r i o r e s d a s o c i e d a d e , a i r m a n d a d e p o s s u í a t a n t o prestígio q u e , a o lado d
a
igreja d o C o n v e n t o , construíram o u t r a , d o m e s m o t a m a n h o , s ó p a r a e l a .
F o i p r e c i s o e s p e r a r q u a s e u m s é c u l o p a r a a f u n d a ç ã o , e m 1 7 2 3 , de u m a o r d e m
t e r c e i r a l i g a d a aos d o m i n i c a n o s , q u e n o e n t a n t o , c o m o c o r p o r a ç ã o , s ó c h e g a r i a m a o
Brasil m u i t o d e p o i s , n o final d o s é c u l o X I X . A o r i g e m desse f a t o paradoxal foi a
p a s s a g e m , p o r S a l v a d o r , e m 1 7 2 2 , d o d o m i n i c a n o G a b r i e l B a p t i s t a , q u e voltava das
í n d i a s . E l e f e z c o n t a t o c o m p o r t u g u e s e s r e s i d e n t e s n o Brasil q u e m a n i f e s t a r a m o
desejo d e f u n d a r na c a p i t a l d a B a h i a u m a o r d e m t e r c e i r a , n o s m o l d e s da q u e haviam
p e r t e n c i d o n o P o r t o , em L i s b o a e em V i a n a d o M i n h o . O i r m ã o B a p t i s t a levou o
pleito a o p r i o r p r o v i n c i a l d o s i r m ã o s p r e g a d o r e s d e P o r t u g a l . E m 1 7 2 3 , veio para o
Brasil o i r m ã o A n t ô n i o d o Sacramento, q u e i n s t a l o u a o r d e m n o c o n v e n t o dos
b e n e d i t i n o s , t o r n a n d o - s e s e u d i r e t o r . L o g o d e p o i s , e l a f o i t r a n s f e r i d a para o c o n v e n t o
de P a l m a , o c u p a d o p o r i r m ã o s a u g u s t i n i a n o s . E m 1 7 3 2 , a o r d e m c e l e b r o u a p n m e i r a
missa e m s u a p r ó p r i a i g r e j a , c o n s t r u í d a no c o r a ç ã o d a c i d a d e . F r e q ü e n r a d a s o b r e t u d o
pela c o m u n i d a d e p o r t u g u e s a , e l a t e n t a v a realizar d u p l a m i s s ã o , u m a espiritual (exaltar
a fé e e s t i m u l a r a p i e d a d e a t r a v é s d a o b s e r v â n c i a d o s m a n d a m e n t o s divinos) e u m a
t e m p o r a l ( o f e r e c e r a seus m e m b r o s u m a s e p u l t u r a n a sua p r ó p r i a igreja c m a n d a r rezar
missas pela s a l v a ç ã o d e suas a l m a s ) . C o n c e d i a , t a m b é m , p e n s õ e s aos m e m b r o s q u e
tivessem p e r d i d o seus b e n s , às viúvas e às ó r f ã s . N a v e r d a d e , a O r d e m T e r c e i r a de S ã o
D o m i n g o s servia d e t r a m p o l i m a o s p o r t u g u e s e s r e c é m - c h e g a d o s , q u e não podiam ser
i m e d i a t a m e n t e a d m i t i d o s n a s prestigiosas o r d e n s d o s c a r m e l i t a s e dos franciscanos.
e n t a n t o , m e d í o c r e , c o m o se p o d e ver p e l o p e q u e n o n ú m e r o d e b e n e f i c i a d o s . Mais dc
setenta a n o s d e p o i s , seus m e m b r o s j u s t i f i c a r a m a m u d a n ç a de o b j e t i v o s da ordem,
a l e g a n d o q u e , e m 1 8 7 8 , era i m p o s s í v e l l e v a n t a r f u n d o s s u f i c i e n t e s para comprar a
M a s , a p e s a r d e s s e s f a t o r e s , as d i v i s õ e s p e r s i s t i r a m .
H á p o u c o s e s t u d o s s o b r e i r m a n d a d e s n a B a h i a , e s p e c i a l m e n t e as q u e c o n g r e g a v a m
h o m e n s d e c o r , j u s t a m e n t e as m a i s n u m e r o s a s . B a s e a n d o - m e e m t e s t a m e n t o s de alfor-
r i a d o s , p u d e i d e n t i f i c a r m a i s d e t r i n t a , m a s seu papel p e r m a n e c e mal d e f i n i d o . O s
v i a j a n t e s d o s s é c u l o s X V I I I e X I X f i c a r a m i m p r e s s i o n a d o s c o m o zelo e o e n t u s i a s m o
dos n e g r o s e m r e l a ç ã o às m a n i f e s t a ç õ e s e x t e r i o r e s d a r e l i g i ã o c a t ó l i c a , m a s n ã o regis-
t r a r a m i n f o r m a ç õ e s s o b r e o l e g a d o c u l t u r a l a f r i c a n o , q u e se m a n i f e s t a v a na sobrevivên-
cia de c u l t o s a n i m i s t a s . N o e n t a n t o , a t r a v é s d o s t e s t a m e n t o s e d a t r a d i ç ã o oral (ainda
viva h o j e e m d i a ) p u d e d e s c o b r i r g r a d a t i v a m e n t e a i m p o r t â n c i a dessas associações
c o m o centros de conservação da herança africana.
para os sapateiros e c u r t i d o r e s . 2 6
T o d a s e n t r a r a m e m d e c a d ê n c i a n o s é c u l o X I X : fun-
dadas p o r b r a n c o s , desejosas de preservar u m a aura e u r o p é i a , n ã o c o n s e g u i r a m admitir
a massa de n e g r o s e m u l a t o s q u e c h e g a v a n o p e q u e n o c o m é r c i o e n o artesanato. Seus
m e m b r o s preferiram deixá-las d e s a p a r e c e r a p r a t i c a r u m a p o l í t i c a de a b e r t u r a .
I n t e r e s s a - m e ressaltar u m a s p e c t o : c o m a l g u m a s e x c e ç õ e s , c o m o a da Misericórdia
e as das o r d e n s terceiras d o C a r m o e de S ã o F r a n c i s c o , esse t i p o de associação quase
n ã o levava e m c o n t a h i e r a r q u i a s s o c i a i s baseadas na f o r t u n a . O u t r o s critérios predomi-
n a v a m , e s p e c i a l m e n t e a c o r e a e t n i a o r i g i n a l , t e s t e m u n h a n d o a forte coesão de tipo
c o r p o r a t i v o q u e c a r a c t e r i z a v a a s o c i e d a d e b a i a n a . O s c o n f l i t o s e n t r e diferentes grupos
raciais e e c o n ô m i c o s e r a m a t e n u a d o s pela c r i a ç ã o d e u m a i d e n t i d a d e social que, do
p o n t o de vista p s i c o l ó g i c o , a j u d a v a a v a l o r i z a r a t é os m a i s c a r e n t e s . N o seio de uma
i r m a n d a d e de m u l a t o s o u de n e g r o s , u m e s c r a v o se s e n t i a igual a u m p e q u e n o comer-
c i a n t e e, se gozasse d o r e s p e i t o de seus i r m ã o s e i r m ã s , p o d i a a s s u m i r as mesmas
r e s p o n s a b i l i d a d e s q u e ele. P o r o u t r o l a d o , n e g r o s e m u l a t o s se s e n t i a m iguais aos
b r a n c o s : t i n h a m a p o s s i b i l i d a d e d e c o n s t r u i r e o r n a m e n t a r suas p r ó p r i a s igrejas e ter
capelães; t e r e n t e r r o s t ã o s u n t u o s o s q u a n t o o s d o s s o c i a l m e n t e s u p e r i o r e s ; exibir-se
c o m b r i l h o e g r a n d e z a nas p r o c i s s õ e s religiosas q u e m a r c a v a m a v i d a da cidade.
D o m i n a d o pelos b r a n c o s , o c o r p o s o c i a l d e u m o s t r a d e m u i t o d i s c e r n i m e n t o ao
p e r m i t i r igualdade de c o n d i ç õ e s para q u e n e g r o s e m u l a t o s , livres, alforriados e escra-
vos c o m p a t i l h a s s e m d a m e s m a e x p e r i ê n c i a . A t r a v é s dessas a s s o c i a ç õ e s , a sociedade
b a i a n a d e m o n s t r o u ser r e l a t i v a m e n t e a b e r t a e p o u c o i n d i v i d u a l i s t a . P r o c u r o u ofere-
cer a t o d o s os seus m e m b r o s a p o s s i b i l i d a d e de a s s u m i r r e s p o n s a b i l i d a d e s e ter inicia-
tivas, i n d e p e n d e n t e m e n t e d o lugar d e c a d a u m na escala s o c i a l . A l é m de seus objetivos
t i p i c a m e n t e religiosos, essas a s s o c i a ç õ e s e r a m l o c a i s e m q u e f l o r e s c i a m solidariedades
q u e possibilitavam, p o r e x e m p l o , a ' r e s s o c i a l i z a ç ã o ' dos n e g r o s e m u m a sociedade
q u e a p a r e n t e m e n t e lhes era h o s t i l . 2 7
Isso o c o r r i a graças a t o d a espécie de ajuda que as
irmandades p r o p i c i a v a m a seus m e m b r o s : facilidades para a alforria, doações de di-
n h e i r o para casar ( e m casos d e m o ç a s s e m d o t e ) e, s o b r e t u d o , certeza de um enterro
d e c e n t e . N ã o m e parece e x a g e r a d o a f i r m a r q u e , d u r a n t e a p r i m e i r a m e t a d e do século
X I X , quase t o d o s os b a i a n o s p e r t e n c i a m a, p e l o m e n o s , u m a i r m a n d a d e . Elas entra-
ram em d e c a d ê n c i a mais t a r d e , p o r v o l t a de m e a d o s d o s é c u l o , q u a n d o os poderes
locais c o m e ç a r a m a se interessar s e r i a m e n t e pelos p r o b l e m a s sociais da cidade, crian-
do suas próprias i n s t i t u i ç õ e s de s o c o r r o , 2 8
e a s s o c i a ç õ e s privadas assumiram encargos
suportados o u t r o r a pelas i r m a n d a d e s . 2 9
J o s é d a S i l v a C a m p o s d e s c r e v e u u m a dessas p r o c i s s õ e s t r a d i c i o n a i s , a d o B o m
J e s u s dos M á r t i r e s , c u , a i r m a n d a d e era c o m p o s t a p o r n e g r o s n a s c i d o s n o Brasil. Essa
procissão era c é l e b r e , p e l a r i q u e z a das r o u p a s e das j ó i a s usadas n a o c a s i ã o e pela fita
de seda v e r m e l h a , b o r d a d a d e o u r o , q u e as m u l h e r e s u s a v a m e m t o r n o d o p e s c o ç o para
l e m b r a r o s a n g u e d o s m á r t i r e s . O p r e s i d e n t e d a i r m a n d a d e , m u i t o c i o s o de sua i m p o r -
tância, c o n v i d a v a p e s s o a l m e n t e o p r e s i d e n t e d a P r o v í n c i a para assistir à c e r i m ô n i a ,
t r a t a n d o - o de ' c o l e g a ' . A t r á s d a c r u z d a i r m a n d a d e , o c o r t e j o apresentava quadros
vivos: A d ã o e E v a e x p u l s o s d o P a r a í s o , c o b r i n d o - s c c o m vestes de p e n i t e n t e s , a c o m p a -
nhados d e u m a n j o e x t e r m i n a d o r c o m s u a e s p a d a flamejante. V i n h a , d e p o i s , a 'árvore
do b e m e d o m a l ' , s e g u i d a p o r t o d a s as i r m a n d a d e s f o r m a d a s p o r pessoas de cor,
c a r r e g a n d o r i c o s e s t a n d a r t e s , t r a z i d o s d e suas r e s p e c t i v a s igrejas. P o r ú l t i m o , v i n h a a
estátua de N o s s o S e n h o r B o m J e s u s d o s M á r t i t e s . A l g u m a s i m a g e n s t e o r i c a m e n t e n ã o
p o d i a m sair das i g r e j a s , m a s as p r o i b i ç õ e s das a u t o r i d a d e s eclesiásticas n e m sempre
eram r e s p e i t a d a s . S o b a p l a u s o s , a p r o c i s s ã o se e n r i q u e c i a c o n s t a n t e m e n t e c o m novos
adereços, r e t i r a d o s d e c a d a i g r e j a p o r o n d e passava. A e n o r m e i m a g e m da S a n t í s s i m a
T r i n d a d e , p o r e x e m p l o , era r e c e b i d a e m festa, c a r r e g a d a c o m c u i d a d o através da única
porta e m q u e c a b i a . A p r o c i s s ã o a t r a v e s s a v a t o d a a c i d a d e , a c o m p a n h a d a p o r três
orquestras, t e r m i n a n d o n a i g r e j a d a B a r r o q u i n h a , t o d a i l u m i n a d a e decorada c o m
flores e p e s a d o s v e l u d o s . 3 0
O u t r a p r o c i s s ã o i m p o r t a n t e era o r g a n i z a d a e m 2 1 de s e t e m b r o pela i r m a n d a d e de
B o m J e s u s da C r u z , f u n d a d a p o r u m n e g r o n o s é c u l o X V I I I . C u s t a v a c a r o , m a s era tão
brilhante q u e a t r a í a m u l t i d õ e s , s o b r e t u d o de m u l a t o s , q u e t i n h a m p o r N o s s o S e n h o r
da C r u z u m a d e v o ç ã o t o d a e s p e c i a l . E l e s e s c o l h i a m esse dia para fazer batizados,
c a s a m e n t o s e r e u n i õ e s d e f a m í l i a . E m 1 8 8 0 , Silva C a m p o s descreveu c o m o a "socie-
dade café c o m l e i t e " saía às r u a s , c o m suas m e l h o r e s r o u p a s , para ir à igreja d o
c o n v e n t o d a P a l m a , o n d e a c o n t e c i a m os p r i n c i p a i s festejos do dia. Para dar à sua
procissão u m b r i l h o igual a o das m a i s ricas, os m e m b r o s dessa confraria freqüentemen-
te trabalhavam o a n o i n t e i r o . O p r e s i d e n t e da i r m a n d a d e devia usar, em baixo de uma
tapa de seda escarlate, u m a c a s a c a ( d e p o i s s u b s t i t u í d a p o r um fraque), e luvas de
pelica. E m 1 9 2 5 a l o n g a p r o c i s s ã o d e N o s s o S e n h o r da C r u z saiu pela última vez.
O editorialista c o n f u n d i a d e s e j o s e r e a l i d a d e . N e s s e m e s m o a n o de 1 8 6 0 , o teste-
m u n h o de M a x i m i l i a n o de H a b s b u r g o , f u t u r o i m p e r a d o r d o M é x i c o , não foi nada
lisonjeiro: depois de c o m p a r a r o c o m p o r t a m e n t o d o " p o v i n h o " , o u seja, negros e
m u l a t o s q u e c e r c a v a m a i g r e j a , c o m o d a q u e l e s q u e c e r c a v a m o t e m p l o de Salomão na
época de C r i s t o , c o n c l u i u : " p a r a u m c a t ó l i c o r e s p e i t o s o , t o d o esse reboliço é blasfe-
m a t o r i o , p o r q u e nessa festa p o p u l a r de n e g r o s m i s t u r a m - s e , além d o que é permitido,
restos de p a g a n i s m o . . . F e s t e j a v a m - s e as ' s a t u r n a i s ' dos n e g r o s " . 3 3
Celebrada até hoje,
essa festa m a n t e v e suas características t ã o c r i t i c a d a s , e m b o r a n o s tempos atuais a
presença de turistas c o n t r i b u a para e m b r a n q u e c e r o " p o v i n h o " e a cerveja tenha subs-
tituído a c a c h a ç a .
A PASTORAL E SEUS A G E N T E S
preocupados c o m a falta de instrução religiosa dos fiéis. Aos olhos da hierarquia, estes
*0* BAHIA, SÉCULO X I X
transtornavam as tradições.
LIVRO V - A IGREJA
407
O PADRE E A PASTORAL
leiro de c a t e c i s m o a p a r e c e u n a é p o c a d a r o m a n i z a ç ã o d a I g r e j a , r e d i g i d o a pedido de
d o m A n t ô n i o F e r r e i r a V i ç o s a , b i s p o r e f o r m a d o r d e M a r i a n a , q u e t i n h a e s t u d a d o com
os o r a t o r i a n o s d e Paris. C o n h e c i d o p e l o n o m e d e Catecismo de Mariana, era composto
de três p a r t e s . A p r i m e i r a c o n t i n h a c e r t o n ú m e r o d e o r a ç õ e s , a p r o p r i a d a s para diferen-
tes o c a s i õ e s ; d e p o i s , s e g u i n d o o c o s t u m e d a é p o c a , a d o u t r i n a e r a a p r e s e n t a d a sob a
A ú l t i m a m i s s ã o d o c l e r o s e c u l a r era a e v a n g e l i z a ç ã o d o s p a g ã o s . C o m o n o passa-
d o , tratava-se e s s e n c i a l m e n t e d e o b r a e n t r e g u e às o r d e n s r e l i g i o s a s , s o b r e t u d o n o meio
rural. A ação d o c l e r o s e c u l a r se l i m i t a v a às c i d a d e s e às p l a n t a ç õ e s d e cana-de-açúcar
e de café, p r o c u r a n d o s o b r e t u d o c o n v e r t e r os a f r i c a n o s . A a b o l i ç ã o d o t r á f i c o em 1 8 5 0
l i b e r t o u o clero dessa tarefa, m a s n ã o f o i s u f i c i e n t e p a r a i n d u z i - l o a e n s i n a r a doutrina
a esses pagãos " r e d u z i d o s a o c r i s t i a n i s m o " , c u j a i n s t r u ç ã o religiosa era praticamente
nula. S c a difusão dos d o g m a s e d a d o u t r i n a d a I g r e j a era t ã o d i f í c i l nos centros
u r b a n o s , ela se t o r n a v a p r a t i c a m e n t e i m p o s s í v e l e n t r e a p o p u l a ç ã o dispersa e analfabe-
ta dos m e i o s rurais. D a í o papel d e s e m p e n h a d o pelas m i s s õ e s , c o n f i a d a s a regulares
que vinham socorrer o c l e r o secular.
MISSÕES E PASTORAL
J u í z o F i n a l ; c o n d e n a v a m o s a t o s v i n g a t i v o s e lascivos; q u a s e s e m p r e a úlrim
era c o n s a g r a d a a N o s s a S e n h o r a . s e m p r e , a u l t i m a pregação
M
U m a m i s s ã o d u r a v a d e o i t o a d e z dias. C o m e ç a v a g e r a l m e n t e n u m a sexta-feira ou
n u m s á b a d o à n o i t e , t e r m i n a n d o n o d o m i n g o s e g u i n t e , c o m u m a visita a o c c m i t é r i "
local. 4 2
Q u a n d o a p o p u l a ç ã o v , v , a m u i t o d i s p e r s a , o local de e n c o n t r o era um lugareio
ou u m a alde.a. A o raiar do sol, o missionário s e p u n h a a c a m i n h o da igreja recitando
o r a ç õ e s p a r a a c o r d a r o s fiéis. R e u n i d o s , e l e s e s c u t a v a m a p r e g a ç ã o , t a m b é m c h a m a d
a
c a t e c i s m o o u « n s t r u ç a o , e p a r t i c i p a v a m d a m i s s a , d u r a n t e a q u a l era e n t o a d o o h i n o de
N o s s a S e n h o r a . P e l a m a n h ã , o m i s s i o n á r i o c o n f e s s a v a m u l h e r e s , batizava, celebrava
c a s a m e n t o s e i n s t r u í a c r i a n ç a s . T o d o s esses a t o s , e x c e t o o p r i m e i r o , p o d i a m prosseguir
à tarde. O dia terminava c o m o s e r m ã o p r i n c i p a l , c o n s a g r a d o aos ú l t i m o s fins (a
m o r t e , o j u l g a m e n t o , o i n f e r n o e o p a r a í s o ) e a c o m p a n h a d o p o r t e s t e m u n h o s de
d e v o ç ã o . O s m i s s i o n á r i o s u t i l i z a v a m t o d o s os m e i o s p a r a i m p r e s s i o n a r o p o v o . C h e -
g a v a m , p o r e x e m p l o , a a m e a ç a r j o g a r o c r u c i f i x o n o c h ã o , p i s o t e a n d o - o . D e p o i s do
s e r m ã o e d a a d o r a ç ã o d o S a n t í s s i m o , m u l h e r e s e c r i a n ç a s se r e t i r a v a m para d o r m i r ,
mas os h o m e n s p e r m a n e c i a m f a z e n d o c o n f i s s õ e s a t é 2 1 : 0 0 h o r a s . 4 3
O s u c e s s o d o s m i s s i o n á r i o s e r a d e v i d o e m p a r t e à h a r m o n i a e n t r e os temas q u e
p r e g a v a m e a r e l i g i o s i d a d e d o p o v o , c h e i a d e p e n i t ê n c i a , m o r a l i z a d o r a e providencial.
As p r e g a ç õ e s e s t a v a m d e a c o r d o c o m o s e n t i m e n t o geral: nas missões efetuadas n o
i n t e r i o r d a B a h i a e m 1 8 7 0 , " a m a i o r i a d o s h o m e n s e m u l h e r e s usava coroas de espi-
n h o s e o s h o m e n s c a r r e g a v a m c r u z e s , a l g u m a s de g r a n d e d i m e n s ã o " . 4 4
nha o resgate dos pecados pelo sofrimento e pela dor, o que era perfeitamente coerente
com a doutrina da época e bem aceito pelos meios rurais e as camadas populares das
cidades, cuja vida estava imersa em sofrimento. A evangelização desse período era
baseada numa catequese que visava preparar os fiéis para os sacramentos.
Nas cidades, sobretudo em Salvador, o anúncio da Boa Nova também era vivido
como rotina litúrgica: os fiéis eram convidados a ir mais freqüentemente às igrejas para
cumprir seus atos de fé, assistindo à missa dominical e participando da recitação do
rosário ou da adoração do Santíssimo. O ensino da catequese era feito pelos párocos
e seus coadjutores, que se esforçavam por instruir as crianças, a maioria das quais não
freqüentava as escolas, que ofereciam instrução religiosa obrigatória. Assim, a renova-
ção da sociedade por intermédio da escola era muito aleatória. Nas cidades como
Salvador a catequese era permanente, pois o clero estava mais presente e uma parte da
população tinha livre acesso aos livros e periódicos religiosos, inacessíveis aos fiéis do
campo e das aldeias do interior.
Em meados do século XIX, o clero e os fiéis baianos se inspiravam em autores
franceses dos séculos XVII e XVIII. A literatura bem-pensante ocupava lugar de des-
taque nas três livrarias que existiam então em Salvador. O público letrado da capital
podia comprar livros de orações aprovados pelo arcebispo, como, por exemplo, o
Manuel de Doctrine Chrétienne, catecismo adotado nas escolas, impresso na França
mas traduzido para o português. Nessas livrarias encontravam-se, em língua francesa, .
Le prêtre face au siècle e Manifeste au monde politique de l'Eglise romaine, de Madrolle;
os Sermões, de Bossuet; as obras completas, em quinze volumes, de Massillon e a
Histoire abrégée de l'Eglise, de Lhomond. 4 6
As MULHERES E A PASTORAL
Além do a p o i o e s c o l a r , a n o v a o r i e n t a ç ã o d a I g r e j a c o n t a v a c o m o c o n c u r s o das
mulheres, c u j o papel social e r a a n t i g o e r e l e v a n t e . E l a s c o m a n d a v a m instituições reli-
giosas, c o m o escolas para a j u v e n t u d e f e m i n i n a e i n s t i t u i ç õ e s de caridade, c eram
maioria nas novas a s s o c i a ç õ e s religiosas. A l é m d i s s o , d i r i g i a m a vida í n t i m a nos lares.
A Igreja se a p o i o u nelas para d i m i n u i r a i n f l u ê n c i a das antigas confrarias, lideradas por
h o m e n s , infiltradas pela m a ç o n a r i a e a u t ô n o m a s e m relação ao p o d e r eclesiástico. Em
seguida, as m u l h e r e s se t o r n a r a m m a j o r i t á r i a s na c e l e b r a ç ã o das c e r i m ô n i a s litúrgicas
que, para evitar os abusos, eram praticadas cada vez m e n o s à noite. As mulheres
aceitaram m e l h o r a r e f o r m a , q u e , c o m o v i m o s , dava à religião um c u n h o nitidamente
clerical, acentuava o peso da a d m i n i s t r a ç ã o dos s a c r a m e n t o s e entregava aos clérigos o
controle sobre as associações r e l i g i o s a s . Além dessas considerações, parece-me que a
47
A r e l i g i ã o d o p o v o n ã o se c a r a c t e r i z a v a s ó pela d e v o ç ã o e o i n d i v i d u a l i s m o , m a s
t a m b é m p o r s e u c u n h o e m i n e n t e m e n t e f a m i l i a r . O c a t o l i c i s m o estava p r e s e n t e n o s
batizados das c r i a n ç a s , n o e n s i n o das orações, na primeira c o m u n h ã o . A vivência
religiosa das f a m í l i a s c o m p l e t a v a - s e pela reza c o l e t i v a e a r e c i t a ç ã o d o r o s á r i o novenas
e t r e z e n a s , p o r o c a s i ã o das p r i n c i p a i s f e s t a s a n u a i s o u das festas dos s a n t o s p a d r o e i r o s
da p r ó p r i a f a m í l i a . O O f í c i o d e N o s s a S e n h o r a era r e c i t a d o n o s á b a d o e o O f í c i o das
Almas d o Purgatório nas s e g u n d a s - f e i r a s . 4 8
T o d o s esses a t o s c o l e t i v o s , e m q u e o p a d r e
estava g e r a l m e n t e a u s e n t e , e r a m d i r i g i d o s p o r u m a m u l h e r — m ã e , a v ó , t i a o u p r i m a
L o g o , a I g r e j a t i n h a i n t e r e s s e e m p r o m o v e r a m u l h e r , a c e n t u a n d o seu papel de p r e -
ciosa a u x i l i a r .
A m u l h e r c a s a d a d e v i a , e m p r i m e i r o l u g a r , a m a r s e u m a r i d o , respeitá-lo c o m o
chefe e o b e d e c e r a suas d e c i s õ e s c o m afetuosa p r o n t i d ã o . Se necessário, podia chamar
sua a t e n ç ã o c o m p r u d ê n c i a e d i s c r i ç ã o , s e m d e i x a r d e s e r v i - l o s o l i c i t a m e n t e . S e ele
estivesse i r r i t a d o , e l a d e v i a c a l a r - s e e t o l e r a r seus d e f e i t o s c o m p a c i ê n c i a e m a n s i d ã o .
S e u c o r a ç ã o e s e u s o l h o s n ã o p o d i a m n u n c a s e r p a r a o u t r o . O s filhos precisavam ser
e d u c a d o s n a fé c a t ó l i c a . A e s p o s a d e v i a , e n f i m , s e r d o c e , p a c i e n t e e c a l m a na relação
com a família, a t e n c i o s a c o m os sogros e b e n e v o l e n t e c o m cunhados e cunhadas.
A v i ú v a d e v i a v i v e r c o m o as m u l h e r e s v i r g e n s , ser v i g i l a n t e c o m as mulheres
casadas e d a r e x e m p l o s v i r t u o s o s a u m a s e o u t r a s , s e n d o a m i g a dos retiros e inimiga
dos d i v e r t i m e n t o s m u n d a n o s . A p l i c a d a n a o r a ç ã o , d e v i a zelar c u i d a d o s a m e n t e pela sua
boa r e p u t a ç ã o , a m a r a m o r t i f i c a ç ã o e t r a b a l h a r p a r a a g l ó r i a d e D e u s . 4 9
E r a m esses o s m o d e l o s d e m u l h e r p r o p o s t o s p o r u m a I g r e j a desassociada do m e i o
cm q u e d e s e n v o l v i a sua a ç ã o . M a s , m e s m o q u e essa a t i t u d e n ã o t e n h a d a d o os frutos
« p c r a d o s , é c e r t o q u e as m u l h e r e s c o n t r i b u í r a m l a r g a m e n t e c o m as reformas deseja-
das pela h i e r a r q u i a c , p r i n c i p a l m e n t e , c o m a p r á t i c a dos s a c r a m e n t o s e das novas
d e v o ç õ e s . R e s t a s a b e r q u a l foi o a l c a n c e desse m o v i m e n t o r e f o r m a d o r q u e , p o r inter-
m é d i o de m i s s õ e s , e s c o l a s , n o v a s a s s o c i a ç õ e s religiosas e de u m clero mais instruído
t e n t o u i m p r i m i r u m a n o v a o r i e n t a ç ã o ao c o m p o r t a m e n t o d o povo de D e u s . N a o 6
fácil e s t a b e l e c e r tal b a l a n ç o . F a l t a m e s t u d o s q u a n t i t a t i v o s , os únicos capazes de p r e c -
sar as q u e s t õ e s . . , , i „ n
p r o p o r ç ã o se d i v i d i a m e , s o b r e t u d o , e m q u e m e d i d a as velhas c r e n ç a s e superstições
haviam sido extirpadas — m e s m o e n t r e o s ' p r a t i c a n t e s 9
— graças à n o v a catequese.
T r a t a v a - s e , a f i n a l , de u m a s o c i e d a d e q u e r e c e b e r a diversas h e r a n ç a s culturais e étnicas
c o n s t a n t e m e n t e reelaboradas e s i n t e t i z a d a s . E s s a s í n t e s e n u n c a t e r m i n a d a impunha
regras de c o m p o r t a m e n t o e m q u e a a p a r ê n c i a t i n h a m a i s i m p o r t â n c i a q u e o conteúdo,
pois q u a n t o mais a l g u é m se afastava d o m o d e l o p r o p o s t o p e l a s o c i e d a d e , m e n o s pos-
sibilidade t i n h a de fazer r e c o n h e c e r seus v í n c u l o s s o c i a i s . E s s a f o r m a de assimilação era
c o n d i ç ã o prévia para t o d o t i p o d e ê x i t o . P a r a q u e u m i n d i v í d u o fosse considerado
c i d a d ã o p l e n o de d i r e i t o s , seu c o m p o r t a m e n t o r e l i g i o s o e r a m u i t o i m p o r t a n t e . No
caso dos a f r i c a n o s l i b e r t a d o s , isso era t ã o i m p o r t a n t e q u a n t o os l a ç o s q u e conservavam
c o m seus a n t i g o s s e n h o r e s .
A a c e i t a ç ã o das n o v a s o r i e n t a ç õ e s d a I g r e j a v a r i o u s e g u n d o a c a t e g o r i a social e o
g r u p o é t n i c o . N a s z o n a s rurais, e m q u e a s o c i e d a d e era m e n o s diversificada e a união
dos p o b r e s e d e s e r d a d o s era m a i s f o r t e q u e o a n t a g o n i s m o das raças — aliás, menos
típicas q u e nas c i d a d e s — , h a v i a u n a n i m i d a d e q u a n t o à a ç ã o d o s m i s s i o n á r i o s : os fiéis
se curvavam f a c i l m e n t e a u m a d o u t r i n a q u e c o n s e r v a v a o a s p e c t o c e n t r a l de sua devo-
ção e n ã o e n t r a v a e m c h o q u e c o m s u a p r ó p r i a r e l i g i o s i d a d e , c e n t r a d a n o sofrimento,
na p e n i t ê n c i a e n a espera d e u m a v i d a m e l h o r . N o c o r a ç ã o desses h o m e n s e mulheres
e m b r e n h a d o s n o m a t o , a c o n v e r s ã o s o l i c i t a d a n ã o era u m a n o v a o p ç ã o pelo Evange-
l h o . E r a s o m e n t e u m m e l h o r a p r o f u n d a m e n t o d a f é , através da p r á t i c a mais freqüente
dos s a c r a m e n t o s e d a a s s i m i l a ç ã o d e n o v a s d e v o ç õ e s . L o g o , essa evangelização deixava
a porta a b e r t a para n o v a s s í n t e s e s , f a z e n d o c o e x i s t i r h a r m o n i o s a m e n t e o antigo e o
n o v o . É difícil j u l g a r o grau de c o n v e r s ã o das p o p u l a ç õ e s rurais à d o u t r i n a e às práticas
de u m a Igreja r o m a n i z a d a , s o b r e t u d o se l e v a r m o s e m c o n t a q u e a presença de um
clérigo era e p i s ó d i c a e q u e as m i s s õ e s n ã o se r e p e t i a m c o m f r e q ü ê n c i a .
o r d e m p u b h c a . C o l o c a d a c m p o s i ç ã o i n t e r m e d i á r i a e n t r e a p o p u l a ç ã o e o poder ,
r e h p a o d e v a ter c o m o o b . c u v o c o n g r e g a r os c i d a d ã o s c fortalecer laços de fiat^naad
e h a r m o m a . dos q u a i s d e p e n d i a , paz social. S e g u n d o o arcebispo d o m M a n u e l J o a q u i m
da Silveira, o d c s t . n o d o p o v o d e p e n d e dos b o n s padres q u e , c o n v e n c i d o s de sua 22
missão, d o m i n a m o s o b s t á c u l o s c fazem d o p ú l p i t o o local c o t i d i a n o de difusão das
verdades e t e r n a s d a r e h g . ã o , c o m b a t e n d o os erros e e x o r t a n d o ã prática das virtudes
d o a m o r ao t r a b a l h o e d o r e s p e i t o de t o d o s os d i r e i t o s c d e v e r e s " . 5 0
Discursos c o
esse m o s t r a m o q u a n t o era d i f í c i l s e p a r a r a ç ã o espiritual e a ç ã o temporal Erauma
situação a m b t g u a . q u e o b r i g a v a a Igreja a pregar u m e v a n g e l h o de resignação e aceitação
A a d e s ã o às r e f o r m a s e r a , c o m o v i m o s , s o b r e t u d o f e m i n i n a . E m Salvador, não
havia e q u i v a l e n t e m a s c u l i n o p a r a as a s s o c i a ç õ e s e i n s t i t u t o s f u n d a d o s na segunda
metade d o s é c u l o X I X . A S o c i e d a d e das D a m a s de C a r i d a d e reunia mulheres de
c a m a d a s elevadas d a s o c i e d a d e l o c a l , já q u e seus m e m b r o s eram recrutados entre ricos
proprietários d e t e r r a , g r a n d e s c o m e r c i a n t e s , p r o f i s s i o n a i s liberais e altos funcionários.
Essas m u l h e r e s e r a m p r e c i o s a s a u x i l i a r e s das I r m ã s de S ã o V i c e n t e de Paula, que
dirigiam a m a i o r p a r t e das o b r a s c a r i d o s a s f e m i n i n a s da c i d a d e . N o â m b i t o da paró-
quia, elas c o l a b o r a v a m t a m b é m c o m o c l e r o s e c u l a r , d o qual r e c e b i a m catecismo e
instrução r e l i g i o s a , p a r t i c i p a n d o das c e l e b r a ç õ e s l i t ú r g i c a s e dos atos de devoção. M a s
sua p r e s e n ç a e a i n f l u ê n c i a s o b r e as o u t r a s m u l h e r e s se l i m i t a v a m s o b r e t u d o às paró-
quias d o C e n t r o d a c i d a d e ( S ã o P e d r o , S a n t a n a e C o n c e i ç ã o da Praia). Era impensável
que elas s o c o r r e s s e m p e s s o a s nas p a r ó q u i a s m a i s afastadas e mais populares.
queixava dessas elites: "Se o dinheiro sempre afastou Deus do coração do rico, hoje é
o Poder que causa essa ruptura. O rico, o alto funcionário, o Poderoso têm vergonha
de ir à Igreja c a desdenham."
O catolicismo oficial era uma religião elitista e dirigida a uma maioria feminina.
As reformas realizadas pela Igreja penetraram pouco nas camadas populares. A grande
maioria do povo continuou entregue a si própria, vivenciando uma religião em que a
prática das devoções sobrepujava a dos sacramentos. Talvez a maioria do "povo sim-
ples" _ segundo a expressão de frei Hugo F r a g o s o 52
— ainda estivesse enquadrada
pelas antigas irmandades. Vimos que estas haviam mudado de figura, perdendo grande
parte de sua função social como associações de ajuda mútua e passando a ser dirigidas
pelo clero paroquial. Mas, ainda uma vez, é difícil avaliar o apostolado desse clero nos
meios populares. Acrescento, para terminar, que a grande massa nunca ficou indife-
rente e que sua fé na Igreja permaneceu viva, mesmo que nem sempre compreendesse
o sentido das novas orientações e o afastamento de um clero que, outrora, compara-
lhava de forma mais próxima suas alegrias e agruras cotidianas.
CAPÍTULO 23
A atitude religiosa do povo apresentava uma aparente unanimidade. Mas, dentro dela,
afirmava-se uma tendência à diferença, relacionada sobretudo com os cultos afro-
brasiieiros que sempre foram praticados pelas comunidades negras. A novidade era a
possibilidade de fazer celebrações públicas dessas práticas outrora dissimuladas (no
passado, até irmandades religiosas serviam de lugar de encontro para os adeptos dos
cultos). Essa tendência à diferença se afirmou claramente em 1835, quando negros
alforriados e escravos — todos muçulmanos — participaram, em Salvador, da Revolta
dos Males. Na segunda parte do século X I X , também os protestantes começaram a
angariar adeptos. Que influência essas outras práticas religiosas exerceram? Consegui-
ram quebrar o monopólio da Igreja Católica? Em que camadas sociais eram recrutados
seus seguidores?
O artigo 5 da Constituição de 1824 garantia liberdade de culto aos cidadãos
brasileiros. Ninguém podia ser perseguido por razões religiosas. Mas havia restrições,
como a exigência de respeito ao Estado c à moral pública, prevista no artigo 179, que
ensejavam todo tipo de intervenção c repressão. A lei não indicava claramente o que
entendia por "respeito ao Estado" e "ofensa à moral pública", deixando a interpretação
ao julgamento subjetivo da administração policial.
A Igreja Católica parece ter tolerado melhor os cultos afro-brasileiros que a pene-
tração do protestantismo. Ela entendia os primeiros como expressão lúdica, c não
propriamente religiosa, dc um conjunto de superstições c de magias próprias às socie-
dades primitivas. Dotada dc longa prática dc conversão dc pagãos, a Igreja se sentia
perfeitamente capaz dc levar a cabo a missão dc extirpar essas falsas crenças dos negros,
teoricamente cristãos e católicos. Só depois da Abolição da escravidão cia passou a
considerar perigosos os cultos animistas, que angariaram numerosos adeptos <nm a
população pobre, agora completamente misturada com ex-escravos.
415
BAHIA, Século X I X
N o i n í c i o , a I g r e j a C a t ó l i c a sc m o s t r o u i g u a l m e n t e t o l e r a n t e c o m o protestantis-
m o , n u m a p o s t u r a t í p i c a d e q u e m n u n c a t i v e r a q u e se d e f e n d e r d o a t a q u e de outras
religiões r e c o n h e c i d a s . M a s , q u a n d o as igrejas p r o t e s t a n t e s sc e s t a b e l e c e r a m de fato n o
a d e p t o s d o s c u l t o s a f r o - b r a s i l e i r o s o f e n d i a m a m o r a l p ú b l i c a , m a s o m e s m o n ã o acon-
tecia c m r e l a ç ã o aos p r o t e s t a n t e s .
E n t r e o p r o t e s t a n t i s m o c o s c u l t o s a f r o - b r a s i l e i r o s h a v i a u m a d i f e r e n ç a fundamen-
tal: n o p r i m e i r o c a s o , a c o n v e r s ã o à n o v a té e x i g i a o a b a n d o n o de c r e n ç a s e práticas
a n t i g a s , e n q u a n t o n o s e g u n d o , n ã o . ^ A p e s s o a p o d i a m a n t e r - s e l i g a d a a o catolicismo,
inclusive r e c e b e n d o o s s a c r a m e n t o s ( b a t i s m o , p r i m e i r a c o m u n h ã o e e n t e r r o ) , expres-
são m a i o r d a v i n c u l a ç ã o à I g r e j a . Essas d i f e r e n ç a s r e s u l t a v a m d e e s c o l h a s estratégicas,
c o n d i c i o n a d a s p o r d o i s f a t o r e s : a o r i g e m e l u g a r d e c a d a u m a dessas d u a s religiões e os
g r u p o s sociais e m q u e se d e s e n v o l v e r a m .
O p r o t e s t a n t i s m o e r a u m a r e l i g i ã o c r i s t ã , d e b r a n c o s , d o m i n a n t e e m países da
E u r o p a e d a A m é r i c a d o N o r t e , o n d e dera p r o v a s d e d i n a m i s m o c de resistência.
T i n h a , pois, tanto prestígio q u a n t o o c a t o l i c i s m o . O m i s s i o n á r i o p r o t e s t a n t e que
vinha a t u a r n o Brasil r e p r e s e n t a v a a m e s m a c i v i l i z a ç ã o j u d a i c o - c r i s t ã d o missionário
c a p u c h i n h o o u lazarista e p r o p u n h a u m m o d e l o d c fé c d e vida c o m obrigações
e q u i v a l e n t e s às d o c a t o l i c i s m o . O s c u l t o s a f r o - b r a s i l e i r o s , ao c o n t r á r i o , eram conside-
rados fetichistas, p a g ã o s , d i r i g i d o s p o r e s c r a v o s , c x - e s c r a v o s o u seus descendentes.
O r i u n d o s d c terras l o n g í n q u a s e ' s e l v a g e n s ' , seu p r e s t í g i o derivava m u i t o mais de
práticas m á g i c a s , ligadas às s o l u ç õ e s d c p r o b l e m a s da vida, d o q u e de u m m o d e l o de fé.
D o i s e l e m e n t o s — u m espacial c u m t e m p o r a l — c o n d i c i o n a r a m o desenvolvi-
m e n t o d o s c u l t o s a f r o - b r a s i l e i r o s . N a s c i d a d e s , o s escravos e s t a v a m m a i s distantes da
Igreja d o q u e n o c a m p o , o n d e o s e n h o r fiscalizava para q u e t o d o s c u m p r i s s e m os
deveres religiosos, p a r t i c i p a s s e m das c e l e b r a ç õ e s c tivessem u m a sepultura cristã. Por
o u t r o lado, o c o n t r o l e q u e a Igreja e x e r c i a s o b r e os escravos d i m i n u i u sensivelmente,
a c o m p a n h a n d o a gradual e x t i n ç ã o das i r m a n d a d e s . E s c r a v o s c alforriados tiveram,
e n t ã o , possibilidade dc voltar à religião d c seus a n t e p a s s a d o s . Esta t e n d ê n c i a aeentUOU-
sc ainda rnais c o m a A b o l i ç ã o da escravatura c a separação e n t r e Igreja c Estado.
N o Brasil, religiões africanas e p r o t e s t a n t i s m o se desenvolveram e m áreas dife-
rentes: as primeira?, sc p r o p a g a r a m s o b r e t u d o nas cidades c m q u e havia predomínio
da população negra; o s e g u n d o estabeleceu suas primeiras igrejas nos campos do
Sul do país. M a s a m b a s as religiões recrutavam seus m e m b r o s n o m e s m o meio so-
cial, c o n s t i t u í d o dc gente p o b r e . N o caso d o c a n d o m b l é , parece natural a adesão dc
escravos, alforriados c pessoas q u e exerciam ofícios h u m i l d e s c precários, vivendo
quase c o m o indigentes, mas c h e i o s d c espírito dc i n d e p e n d ê n c i a (isso não impedia
que os chefes espirituais das casas dc c a n d o m b l é administrassem pequenas fortunas.
LIVRO V - A IGREJA
41-
c o n s t i t u í d a s p e l a , c o n t r i b u i ç õ e s d o s p a r t i c i p a n t e s e p e l o d i n h e i r o dos q u e p e d i a m
serviços d e magia).- H pcaiam
u c
Mas esse ripo de recrutamento soa paradoxal no caso de uma religião em oue a
lemira e o comentário da Bíblia desempenham papel essencial e o discurso é mu to
mais importante que o gesto.* Quem era o homem do campo adepto do protestante
mor Era posseiro ou sitiante numa pequena propriedade cedida pelo antigo dono ou
era trabalhador rural também dotado de espírito independente.* Essas comunidades
agrícolas se caracterizavam pela proximidade espacial dos seus integrantes e pelo espí
rito de auxílio mútuo, que se manifestava em mutirões (como, por exemplo para a
construção de caminhos vicinais). Os laços estabelecidos por esse trabalho comunitá-
6
rio eram fortalecidos por laços de parentesco, permeados por uma mestiçagem sobre-
tudo entre branco e índio, e pela participação em celebrações religiosas e profanas.
O PROTESTANTISMO NA BAHIA
A m e n s a g e m p r o t e s t a n t e d e s a l v a ç ã o d i r i g i a - s e a p e s s o a s c a t ó l i c a s , j u r i d i c a m e n t e livres,
que g e r a l m e n t e v i v i a m n o c a m p o e n ã o e r a m instruídas na doutrina, limitação que não
p o d i a ser s u p e r a d a p e l a s p r e g a ç õ e s d o s m i s s i o n á r i o s . O s h a b i t a n t e s d o i n t e r i o r viviam
e m í n t i m a r e l a ç ã o c o m o s s a n t o s d e s u a d e v o ç ã o , e x p e r i m e n t a n d o u m a religião difusa,
n ã o s i s t e m a t i z a d a e, p o r t a n t o , m u i t o v u l n e r á v e l . A a u s ê n c i a de sacerdotes fazia c o m
q u e l e i g o s a s s u m i s s e m a d i r e ç ã o d a s p r á t i c a s religiosas c o m u n i t á r i a s .
O c u n h o m í s t i c o e m e s s i â n i c o d a r e l i g i o s i d a d e p o p u l a r incitava os h o m e n s a
p r o c u r a r u m a e s p i r i t u a l i d a d e m a i s a u t ê n t i c a , q u e n ã o p o d i a m e n c o n t r a r na religião
o f i c i a l . E m p á g i n a s q u e se t o r n a r a m c é l e b r e s , E m i l e L e o n a r d c o m p a r o u as c o n d i ç õ e s
7
e x i s t e n t e s n o B r a s i l e m m e a d o s d o s é c u l o X I X às d a E u r o p a d o s é c u l o X V I , explican-
d o o a p a r e c i m e n t o d o p r o t e s t a n t i s m o n o c o n t e x t o d e u m d e s e j o de a u t o n o m i a das
igrejas n a c i o n a i s , d e f a l t a d e p r e s t í g i o d o c l e r o c a t ó l i c o , de e s g o t a m e n t o da Igreja
R o m a n a c o m o i n s t i t u i ç ã o , d a p r o l i f e r a ç ã o d e d e v o ç õ e s populares e de um certo inte-
resse pela l e i t u r a d a B í b l i a . 8
É e v i d e n t e q u e essas c o n d i ç õ e s existiam e se aplicavam
ao c o n j u n t o da p o p u l a ç ã o c a t ó l i c a . M a s n ã o e x p l i c a m a g r a n d e receptividade ao pro-
t e s t a n t i s m o , d e m o n s t r a d a p o r u m m u n d o rural q u e , n o s é c u l o X I X , SC mostrou pronto
para a c o l h e r essa n o v a m e n s a g e m . A n t e s , h o u v e r a tentativas frustradas, c o m os pro-
testantes franceses d c V i l l c g a i g n o n (século X V I ) c os holandeses de Maurício de Nassau
(século X V I I ) .
N o s é c u l o X I X , o s p r i m e i r o s a c h e g a r f o r a m os metodistas americanos, que D e -
c o r r e r a m o país d i s t r i b u i n d o B í b l i a s , a t i t u d e até e n t ã o inédita. M a s esta confissão, q
mais t a r d e viria a d e s e m p e n h a r i m p o r t a n t e papel, só se estabeleceu de maneira pe
n e n t e a partir de 1 8 7 6 . O s c o n g r e g a c i o n i s t a s chegaram em 1 8 5 5 , vindos da I ha da
M a d e i r a , de o n d e haviam s i d o expulsos. T i n h a m a vantagem d e f a l a r p o r t u g * . m a s
sua a ç ã o direta foi p o u c o expressiva, resultando na fundação de duas igrejas, uma
BAHIV. Secuto XIX
E n t r e as diversas c o n f i s s õ e s p r o t e s t a n t e s q u e t e n t a r a m e s t a b c l c c c r - s c n o Brasil
o b t i v e r a m m a i o r s u c e s s o o s p r e s b i t e r i a n o s , o r i u n d o s d o s E s t a d o s U n i d o s . E m 1859
e s t a b c l c c c r a m - s e n o R i o d e J a n e i r o e, c m s e g u i d a , e m S ã o P a u l o , d e o n d e foram para
B r o t a s e C a m p i n a s , n o i n t e r i o r . E n t r e 1 8 5 0 e 1 8 5 9 , f u n d a r a m c e r c a de cinqüenta
igrejas, q u a t r o p r e s b i t é r i o s , u m s e m i n á r i o , d o i s c o l é g i o s e n u m e r o s o s jornais. Em
1 8 7 3 * d o i s deles f o r a m e n v i a d o s a R e c i f e , s e m p r e s e g u i n d o u m a estratégia inteligente,
q u e se a d a p t a v a p e r f e i t a m e n t e à r e a l i d a d e s ó c i o - e c o n ò m i c a d o país. N u m primeiro
m o v i m e n t o , a p r i m a z i a d e sua a ç ã o c a b i a a o i n t e r i o r , o n d e o c u p a v a m o e s p a ç o deixado
livre pela I g r e j a C a t ó l i c a . E r a m p e q u e n a s as p o s s i b i l i d a d e s de u m p r o s e l i t i s m o eficaz
nas c i d a d e s , o n d e o c a t o l i c i s m o o f i c i a l estava s o l i d a m e n t e e s t a b e l e c i d o e, nas camadas
mais abastadas e c u l t a s , n ã o h a v i a h o m e n s d i s p o n í v e i s para a c o n v e r s ã o — embora
houvesse s i m p a t i z a n t e s , c o m o T a v a r e s B a s t o s c R u i B a r b o s a .
Assim q u e c h e g a v a m , o s p r e s b i t e r i a n o s f o r m a v a m p a s t o r e s brasileiros, entre os
quais alguns a n t i g o s p a d r e s , c o m o J o s é M a n o e l d a C o n c e i ç ã o , q u e a b a n d o n o u as
ordens em 1864 para c o n v e r t e r - s e a o p r o t e s t a n t i s m o . S u a h i s t ó r i a é interessante.
S e g u n d o seu p r ó p r i o t e s t e m u n h o , a o s d e z e s s e t e a n o s leu a B í b l i a e c o m e ç o u a ter as
p r i m e i r a s d ú v i d a s s o b r e o c a t o l i c i s m o . E m s e g u i d a , t e v e c o n t a t o s c o m engenheiros e
t é c n i c o s ingleses, d i n a m a r q u e s e s e a l e m ã e s q u e t r a b a l h a v a m na f u n d i ç ã o de ferro de
I p a n e m a , p e r t o de S o r o c a b a , e q u e o i n i c i a r a m na t e o l o g i a p r o t e s t a n t e . M e s m o assim,
e n t r o u n o s e m i n á r i o , r e c e b e u as o r d e n s e foi e n v i a d o para o i n t e r i o r . E m Brotas, seu
ú l t i m o p o s t o , e n s i n a v a a seus p a r o q u i a n o s q u e a B í b l i a era a palavra de D e u s , que as
i m a g e n s dos s a n t o s n ã o e r a m sagradas e q u e p o d i a m c o n f e s s a r - s e d i r e t a m e n t e a Deus,
sem i n t e r m e d i a ç ã o , o q u e l h e v a l e u o a p e l i d o de " p a d r e p r o t e s t a n t e " . Convertido c
batizado (sic\)> foi f e i t o p a s t o r , n o R i o , p e l o r e v e r e n d o A . L . B l a c k f o r d , voltando cm
seguida à a n t i g a p a r ó q u i a d c B r o t a s , o n d e c o n t i n u o u seu m i n i s t é r i o . H o m e m de
caráter s o m b r i o , viveu c o m r e m o r s o d c haver s i d o padre, ter idolatrado a hóstia e a.
i m a g e n s d o s santos c ter i n d u z i d o seus p a r o q u i a n o s a erro. Passou o resto da vida
p e r c o r r e n d o as paroquiai o n d e havia sido vigário, e v a n g e l i z a n d o c t e n t a n d o converter
suas antigas o v e l h a s . 1 0
n s . s n a . s e s o b r e t u d o n a l e i t u r a e c o m e n t á r i o da B í b l i a , n a s i g n i f i c a ç ã o dos D e z M a n
damentos e n o c a n t o d e h . n o s e c â n t i c o s . M a i s tarde, nos colégios fundados em São
P a u l o , c o m o o M a c k e n z i e , c a d a vez m a i s f r e q ü e n t a d o p e l o s filhos da burguesia oZ
s o u - s c a e n s i n a r l i t e r a t u r a , c i ê n c i a s , p o e s i a ( e m p o r t u g u ê s , f r a n c ê s e inglês) música e
g i n á s t i c a . E m o p o s i ç ã o a o e n s i n o c a t ó l i c o , c e n t r a d o n o l a t i m e n a h i s t ó r i a sagrada
f a z i a m - s e t r a b a l h o s m a n u a i s , c o n s i d e r a d o s n e c e s s á r i o s p a r a a f o r m a ç ã o de jovens d i s '
c i p h n a d o s , e n é r g i c o s , r e s p o n s á v e i s e a m a n t e s d a o r d e m . A e d u c a ç ã o p r o p o s t a por esses
c o l é g i o s à b u r g u e s i a d a s c i d a d e s r e p r o d u z i a , e m c e r t a m e d i d a , o s m o d e l o s da ideologia
norte-americana, baseada e m individualismo, liberalismo e pragmatismo. 1 2
N o cam-
p o , a i n s t r u ç ã o p e r m a n e c i a e l e m e n t a r e m e n o s s o f i s t i c a d a , m a s n ã o deixava de trans-
m i t i r a l g u m s a b e r às p o p u l a ç õ e s a t i n g i d a s .
O e s f o r ç o n ã o e r a d e s i n t e r e s s a d o . O p r o t e s t a n t i s m o é u m c u l t o de alfabetizados e
só p o d e s e r c o n d u z i d o d e m a n e i r a e f i c i e n t e se o s fiéis f o r e m capazes de p a r t i c i p a r das
leituras s a g r a d a s , c o m p r e e n d e n d o o s c o m e n t á r i o s f e i t o s s o b r e a palavra divina e c a n -
t a n d o h i n o s . O s n o v o s c a m i n h o s d e s a l v a ç ã o d e p e n d i a m de u m m í n i m o de c o n h e c i -
m e n t o s , n o p l a n o h u m a n o e d o u t r i n a l . T r a t a - s e , a d e m a i s , de u m a religião e x t r e m a -
m e n t e i n d i v i d u a l i s t a , j á q u e o l i v r e e x a m e d e c o n s c i ê n c i a e x i g e q u e o c r e n t e tenha
acesso d i r e t o a o t e x t o s a g r a d o . E s s a r e l a ç ã o d i r e t a c o m a palavra de D e u s , s e m passar
por u m i n t e r m e d i á r i o — o pastor só está presente para ajudar a compreender e não
para se i m p o r c o m o d e p o s i t á r i o d a ú n i c a v e r d a d e — , e x e r c e u g r a n d e atração sobre
u m a p o p u l a ç ã o a c o s t u m a d a a m a n t e r r e l a ç õ e s í n t i m a s e i n d i v i d u a i s c o m o sagrado.
P o r o u t r o l a d o , a m e n s a g e m p r o t e s t a n t e d á ê n f a s e à l i b e r d a d e individual (somos
livres p a r a a c e i t a r o u r e c u s a r a s a l v a ç ã o ) e faz u m a p r e g a ç ã o igualitária, j á q u e todos os
h o m e n s s ã o i g u a i s n o q u e d i z r e s p e i t o à u n i v e r s a l i d a d e d o p e c a d o . L i b e r d a d e individual
e igualdade e r a m f a t o r e s q u e c o n c o r d a v a m p e r f e i t a m e n t e c o m o espírito i n d e p e n d e n t e
desse p o v o , a q u e m se e n s i n a r a q u e a-salvação era o b t i d a pela feitura de obras piedosas
(e n ã o pela fé e pela g r a ç a ) e q u e d e p e n d i a d a m e d i a ç ã o da Igreja (e n ã o de u m a decisão
i n d i v i d u a l ) . O c a t o l i c i s m o a p r e s e n t a v a o m u n d o c o m o o reino d o mal, o que exigia
s o f r i m e n t o d o s h o m e n s q u e q u e r i a m c h e g a r à T e r r a P r o m e t i d a . E m oposição a essa visão
m a n i q u e í s t a , o p r o t e s t a n t i s m o p r o p u n h a o u t r a i m a g e m : na o r i g e m , o mal não existia e
o m u n d o era b o m . D e p o i s , esse m e s m o m u n d o se t o r n o u d e s o r d e n a d o , mas vai voltar
a ser b o m . T r ê s é p o c a s , a ú l t i m a das q u a i s c o l o c a d a fora d o t e m p o e da historia.
" O m u n d o p r o t e s t a n t e é u m m u n d o d u a l , mas i g u a l m e n t e um t e m p o dual: tempo
sacro e t e m p o p r o f a n o . O fiel vive sua fé e m atos q u e se realizam n o t e m p o e suas
devoções n ã o e s t ã o ligadas ao e s p a ç o : q u a l q u e r lugar é adequado c sagxado_ ara suas P
O p r o t e s t a n t i s m o a p r e s e n t o u - s e c o m o u m a c o n t r a c u l t u r a q u e exigia comporta-
m e n t o s r a d i c a l m e n t e d i f e r e n t e s d o s h a b i t u a i s . E s s a s e x i g ê n c i a s a f a s t a v a m a m a i o r parte
d o s s i m p a t i z a n t e s e p r o v o c a v a m r e a ç õ e s e m t o d a a s o c i e d a d e , c o n t r i b u i n d o p a r a segre-
gar o s p r o t e s t a n t e s , a f a s t a d o s d e u m a c o n v i v ê n c i a c o t i d i a n a b a s e a d a nas relações do
t r a b a l h o , n a c e l e b r a ç ã o das festas e e m o u t r o s e v e n t o s c o m u n i t á r i o s q u e o c u p a v a m o
c e n t r o das r e l a ç õ e s s o c i a i s e n t r e o s h u m i l d e s .
O p o n d o - s e às festas d o c a t o l i c i s m o e c o n s i d e r a n d o o t e m p o c o m o i n t e i r a m e n t e
sacro, a m e n s a g e m protestante c o n t i n h a u m a ética c o m n o r m a s rigorosas e um modo
de v i d a b a s e a d o n a e s p e r a n ç a e n a r e c u s a , q u e e x i g i a d i s t â n c i a e m r e l a ç ã o ao m u n d o
e isolava os fiéis e m g r u p o s f e c h a d o s . P a r a o s c a t ó l i c o s , os p r o t e s t a n t e s e r a m os 'ou-
t r o s ' , o s q u e v i n h a m de f o r a , o s q u e v i v i a m à m a r g e m . U m s i t i a n t e d e M i n a s Gerais
e s t a b e l e c e u , p a r a seus i r m ã o s d e f é , as s e g u i n t e s Recomendações, q u e s e r v e m d e exemplo
das n o r m a s de v i d a d o s c r e n t e s : n ã o p e r m a n e c e r o c i o s o , n e m m e s m o u m a h o r a por
s e m a n a ; m a n t e r l i m p a a c a s a , m e s m o q u e s e j a u m a t a p e r a ; n ã o m e n t i r ; n ã o fazer
dívidas; n ã o ficar t r i s t e ; a t r a i r o s p e c a d o r e s p a r a o s pés d e J e s u s ; p a g a r impostos,
m e s m o q u e pesados; não andar a r m a d o q u a n d o for ao c u l t o . 1 6
T r a t a v a - s e , c o m o se v ê , d e u m a r e l i g i ã o s e v e r a e c o e r c i t i v a , q u e transtornava os
valores t r a d i c i o n a i s . P o r isso, n o s é c u l o X I X o p r o t e s t a n t i s m o n ã o teve n e n h u m suces-
s o na B a h i a . N u m e r o s o s m i s s i o n á r i o s p r o t e s t a n t e s t e n t a r a m fixar-se e m Salvador: em
1 8 7 1 , o a r c e b i s p o d o m M a n o e l J o a q u i m d a S i l v e i r a d e n u n c i o u " a a u d á c i a de certas
missões estrangeiras q u e , n e s t a c i d a d e , o u s a m q u e r e r a b a l a r nossa fé! O S e n h o r me
ajudará, e m e u s e s c r i t o s , q u e f o r a m a p r e c i a d o s pela E u r o p a c u l t a , expulsarão daqui os
pregadores d o erro q u e , s e g u n d o fui i n f o r m a d o , n ã o d e s e j a v a m abalar s o m e n t e nossa
fé, mas i g u a l m e n t e nossa a u t o n o m i a " . 1 7
A v i g o r o s a i n t e r v e n ç ã o d o arcebispo mostra
que a B a h i a n ã o escapara d o p r o s e l i t i s m o p r o t e s t a n t e . S ó dez a n o s depois, entretanto,
o m i s s i o n á r i o b a t i s t a a m e r i c a n o W i l l i a m B . B a g b y e s c o l h e u a B a h i a c o m o base
missionária de sua igreja: em 1 5 de o u t u b r o de 1 8 8 2 , j u n t o c o m o ex-padre A n t ô n i o
T e i x e i r a , f u n d o u e m terra baiana a p r i m e i r a Igreja Batista n a c i o n a l , c o m c i n c o mem-
bros, q u a t r o a m e r i c a n o s e u m b r a s i l e i r o . 18
D e p o i s de e n f r e n t a r sérias dificuldades
iniciais, ela c o m e ç o u v e r d a d e i r a m e n t e a se desenvolver n o século X X , c o m base num
r e c r u t a m e n t o c o n c e n t r a d o nas c a m a d a s p o p u l a r e s . 19
N o século X I X , o protestantismo
LIVRO V - A IGREJA
421
q u e vivia na i n t i m i d a d e d o s e n h o r . 2 4
M a s as s e n h o r a s d o s e n g e n h o s estavam cada y
m e n o s interessadas n a v i d a d o s filhos d e seus e s c r a v o s : "Até e n t ã o , a f u n ç ã o principa]
das s e n h o r a s das p l a n t a ç õ e s era d e se c o n s a g r a r c o t i d i a n a m e n t e ao d c s c n v o l v i m c n t 0
E m c o m p e n s a ç ã o , d e s c r e v e u m i n u c i o s a m e n t e o c o s t u m e d e p e d i r a b ê n ç ã o ao senhor,
t i r a n d o a p a r t i r d a í i l a ç õ e s s o b r e a r e l i g i o s i d a d e d o s e s c r a v o s : " Q u a n d o u m servidor
e n c o n t r a seu s e n h o r , s u a s e n h o r a o u u m o u t r o m e m b r o d a f a m í l i a , ele lhes pede a
b ê n ç ã o de D e u s , o l h a n d o p a r a o a l t o e e s t e n d e n d o a m ã o d i r e i t a i m p l o r a n d o : 'bênção',
a q u e seu s e n h o r r e s p o n d e : ' d e D e u s ' . E s s e c o s t u m e , a n t i g a m e n t e , era geral e todo
n e g r o pedia b ê n ç ã o a o b r a n c o . M a s , d e p o i s q u e e x i s t e m n u m e r o s o s alforriados e
h o m e n s de c o r q u e se m o s t r a m m a i s i n s o l e n t e s q u e e d u c a d o s c o m os b r a n c o s , esse
c o s t u m e s ó é p r a t i c a d o n a s p l a n t a ç õ e s , o n d e o s e n h o r c a s t i g a s e v e r a m e n t e a omissão
desse p e d i d o de b ê n ç ã o . " M e r a f o r m a l i d a d e , esse p e d i d o n ã o t i n h a m a i o r valor subje-
t i v o , d e v e n d o ser c o n s i d e r a d o u m a s i m p l e s s a u d a ç ã o d o s e r v i d o r a o s e n h o r : "Pessoal-
m e n t e , deixei d e a t r i b u i r - l h e q u a l q u e r i m p o r t â n c i a , q u a n d o p e r c e b i q u e as pretinhas
p r o c u r a v a m e s c o n d e r o r i s o c a d a vez q u e e u a t e n d i a s e u p e d i d o , o q u e d e m o n s t r a o
p o u c o valor q u e a t r i b u í a m à m i n h a b ê n ç ã o . . . " N o B r a s i l , a c r e s c e n t o u Naehrer, a
c o r r u p ç ã o faz p a r t e das m e n t a l i d a d e s d a é p o c a . R a r o s n ã o s ã o a t i n g i d o s p o r cia. C o m o
na E u r o p a , a r e l i g i ã o a p a r e c e c o m suas f o r m a s e x t e r i o r e s p o r q u e falta-lhe conteúdo
interior". 2 7
N u m e r o s o s t e s t e m u n h o s i n d i c a m q u e , n o s é c u l o X I X , os escravos q u e trabalha
v a m nas p l a n t a ç õ e s r e c e b i a m m e n o s a t e n ç ã o q u e os d o m é s t i c o s . 3 0
Essa a t e n ç ã o era
a i n d a m e n o r n a s c i d a d e s , o n d e era f r e q ü e n t e q u e os escravos vivessem fora da casa do
s e n h o r . A l é m d i s s o , as i r m a n d a d e s r e l i g i o s a s s e e n f r a q u e c i a m . E n t r e os s a c r a m e n t o s da
I g r e j a C a t ó l i c a , s ó o b a t i s m o e r a l a r g a m e n t e p r a t i c a d o e, m e s m o assim, n ã o atingia
t o d o s o s e s c r a v o s q u e c h e g a v a m d a Á f r i c a . B a t i s m o s d e escravos a d u l t o s eram c o m u n s ,
exigindo q u e eles r e c e b e s s e m i n s t r u ç ã o s u m á r i a .
A s r e f o r m a s i n t r o d u z i d a s p e l a I g r e j a n ã o t i n h a m m u d a d o em n a d a o catecismo
a b r e v i a d o u t i l i z a d o p a r a o s " e s c r a v o s b o ç a i s e de l í n g u a i g n o r a d a , c o m o todos os que
vêm d a [ C o s t a d a ] M i n a e d e A n g o l a " . N e s t e s c a s o s , bastava q u e respondessem, em
p o r t u g u ê s , a u m p e q u e n o q u e s t i o n á r i o a n t e s d e r e c e b e r o b a t i s m o : desejas lavar tua
alma c o m á g u a b e n t a ? Q u e r e s c o m e r o sal d e D e u s ? P õ e s t o d o s os teus pecados para
fora de sua a l m a ? N ã o p e c a r á s m a i s ? Q u e r e s ser filho de D e u s ? Expulsas o d e m ô n i o de
tua a l m a ? E r a u m a s i m p l i f i c a ç ã o d o a t o d e c o n t r i ç ã o q u e as C o n s t i t u i ç õ e s Primeiras
p r o p u n h a m a o s e s c r a v o s : " M e u D e u s e m e u S e n h o r : m e u c o r a ç ã o s ó deseja a vós, só
ama a v ó s . C o m e t i m u i t o s p e c a d o s e m e u c o r a ç ã o m e faz sofrer p o r q u e os c o m e t i .
P e r d o a i - m e , S e n h o r , e n ã o c o m e t e r e i m a i s p e c a d o s : e u os tiro de m e u c o r a ç ã o e de
minha alma pelo a m o r de D e u s . " 3 1
o s escravos p r e s e r v a s s e m o u r e c r i a s s e m a v i d a e s p i r i t u a l ( a n i m i s t a o u muçulmana)
h e r d a d a d e seus a n t e p a s s a d o s . 3 4
O ISLÃ N A B A H I A
É provável q u e o s p r i m e i r o s a f r i c a n o s i s l a m i z a d o s t e n h a m c h e g a d o à B a h i a n o fim do
s é c u l o X V I I I e n o p r i n c í p i o d o X I X . T r a t a v a - s e e s s e n c i a l m e n t e d e n e g r o s haussas e
i o r u b a s ( o u n a g ô s ) , v í t i m a s d e p r o b l e m a s p o l í t i c o s e r e l i g i o s o s q u e devastaram seus
países. I n i c i a l m e n t e , o c o r r e r a m as G u e r r a s I o r u b a s n o s u l d a N i g é r i a atual, então
império de O y o , causadas pela revolta d o c o m a n d a n t e - e m - c h e f e (are-ona-kankafo)
A f o n j á c o n t r a a a u t o r i d a d e d o rei ( A l a f i n ) . A f o n j á , q u e n ã o e r a m u ç u l m a n o , aliou-se
a m u ç u l m a n o s i o r u b a s e a e s c r a v o s h a u s s a , t a m b é m m u ç u l m a n o s . V i t o r i o s o n o início,
o c u p o u a c i d a d e d e I l o r i n , q u e s e t o r n o u u m a " v e r d a d e i r a M e c a " p a r a o s i o r u b a s . Mas,
m a i s t a r d e , foi e l i m i n a d o p e l o s f u l a s , d o c a l i f a d o d e S o k o t o , q u e h a v i a c h a m a d o para
a j u d á - l o c o n t r a o rei d e O y o . N ú m e r o i n c a l c u l á v e l d e c a t i v o s m u ç u l m a n o s disponíveis
para o tráfico d o A t l â n t i c o t a m b é m r e s u l t o u d a jihad ( g u e r r a s a n t a ) lançada pelo
reformador m u ç u l m a n o S h e h u U s u m a n u dan F o d i o c o n t r a o regime n ã o muçulmano
d o rei Y e n f a d e G o b i n . 3 5
N a B a h i a , os m u ç u l m a n o s a f r i c a n o s ficaram conhecidos
c o m o m a l e s , n o m e c u j a o r i g e m d e u l u g a r a v á r i a s h i p ó t e s e s , d i s c u t i d a s p o r Roger
Bastide. 3 6
H o j e , a s s o c i a - s e a p a l a v r a m a l ê a i m a l ê , t e r m o i o r u b a p a r a d e s i g n a r o Islã ou
o muçulmano. 3 7
O i s l a m i s m o n u n c a f o i p r e d o m i n a n t e e n t r e o s a f r i c a n o s t r a z i d o s à B a h i a . Os
haussas e r a m o ú n i c o g r u p o é t n i c o c u j o s m e m b r o s , n a o r i g e m , p r o f e s s a v a m majori-
t a r i a m e n t e esse c r e d o . T a l v e z o s n u p e s ( c o n h e c i d o s c o m o t a p a s ) , o s b o r n u s e os
nagôs t i v e s s e m m u ç u l m a n o s e m s e u m e i o . D e q u a l q u e r f o r m a , eles s e m p r e foram
m i n o r i t á r i o s n a s o c i e d a d e a f r i c a n a d e S a l v a d o r , o n d e h a v i a p r e d o m i n â n c i a dos cul-
tos dos o r i x á s ( i o r u b a s ) e v o d u n s ( e w ê s ) , a l é m d e o u t r a s r e l i g i õ e s d a Á f r i c a ociden-
tal. O s m u ç u l m a n o s se d i s t i n g u i a m p o r s e u p r o s e l i t i s m o ; foi s o b r e t u d o de suas fi-
leiras q u e s u r g i u a m a i o r p a r t e d o s c h e f e s d a r e v o l t a n e g r a d e 1 8 3 5 , m u i t o bem
estudada p o r P i e r r e V e r g e r e J o ã o J o s é R e i s , 3 8
c u j a o b r a m e p e r m i t e descrever as
práticas religiosas desse g r u p o .
E s s a c o m u n i d a d e m u ç u l m a n a t e v e , de i n í c i o , v á r i o s c h e f e s , c h a m a d o s alufás. Nem
t o d o s eram e s c r a v o s : o haussa D a n d a r a , t a m b é m c o n h e c i d o p e l o n o m e cristão de
E l e s b ã o d o C a r m o , era a l f o r r i a d o e n e g o c i a n t e d e t a b a c o . S e u colega S a n i n , o u Luís,
era u m escravo de o r i g e m t a p a . O s d o i s diziam ter e n s i n a d o a m e n s a g e m d o C o r ã o em
seus países natais. A h u n a c P a c í f i c o L i c u t a n e r a m escravos, o r i g i n á r i o s da t r i b o ioruba,
e letrados. V á r i o s o u t r o s escravos o u alforriados presos d e p o i s da revolta frustrada de
1 8 3 5 c o n f e s s a r a m q u e s a b i a m ler e escrever e m árabe e q u e t i n h a m f r e q ü e n t a d o escolas
religiosas e m suas respectivas terras n a t a i s . A o s e r e m presos, aliás, m u i t o s deles leva-
vam c o n s i g o escritos em á r a b e . 3 9
LIVRO V - A IGREJA
425
O u s o d e o b j e t o s s i m b ó l i c o s e a c o r d a r o u p a d e s e m p e n h a v a m i m p o r t a n t e papel,
c o m o sinais e x t e r i o r e s d e v i n c u l a ç ã o a u m a c u l t u r a religiosa. C o n s i d e r a d o s poderosos
protetores m á g i c o s , o s a m u l e t o s islâmicos eram particularmente populares na Bahia,
mas isso n ã o d e v e n o s i m p r e s s i o n a r , p o i s n a Á f r i c a eles e r a m usados t a n t o por m u ç u l -
manos quanto por n ã o - m u ç u l m a n o s . C h a m a d o s de tira p e l o s i o r u b a s , e r a m um saqui-
n h o de c o u r o c o m e x t r a t o s d o C o r ã o o u o r a ç õ e s m u ç u l m a n a s escritas em folhas de
papel d o b r a d a s s e p a r a d a m e n t e . O u t r o s a m u l e t o s e r a m feitos c o m c o n c h i n h a s d e n t r o
de sacos d e t e c i d o a f r i c a n o , c h a m a d o p a n o d a c o s t a . P r o t e g i a m da m á influência dos
h u m a n o s e d o s e s p í r i t o s d o m u n d o s o b r e n a t u r a l e e r a m v e n d i d o s pelos mestres m u ç u l -
manos, cujos poderes míticos {baraka) e r a m t r a n s f e r i d o s a esses o b j e t o s mágicos bené-
ficos. O u s o desses a m u l e t o s v i r o u m o d a , n ã o i m p l i c a n d o adesão ao islamismo.
C o m o os d e m a i s e s c r a v o s , os m u ç u l m a n o s p r o c u r a r a m c o n s e r v a r o essencial de
suas p r á t i c a s , e m p a r t i c u l a r a c e l e b r a ç ã o de festas e a l g u n s h á b i t o s alimentares. As
t e s t e m u n h a s d a f r u s t r a d a r e v o l t a de 1 8 3 5 d e i x a r a m i n f o r m a ç õ e s s o b r e o que era per-
m i t i d o e p r o i b i d o c o m e r e s o b r e as r e f e i ç õ e s q u e f a z i a m e m c o m u m . O grande consu-
m o de c a r n e de c a r n e i r o , a aversão de a l g u n s p o r t o u c i n h o e os ágapes coletivos
m o s t r a m q u e os m u ç u l m a n o s t e n t a r a m s e g u i r os p r e c e i t o s i s l â m i c o s , sobretudo o que
o r d e n a v a q u e só c o m e s s e m o q u e p r e p a r a v a m c o m as p r ó p r i a s m ã o s . 4 8
M a s sua liber-
dade era l i m i t a d a . M u i t o s v i v i a m nas casas d o s s e n h o r e s e c o m p a r t i l h a v a m sua comida.
Reis p ô d e i d e n t i f i c a r u m a c e l e b r a ç ã o d a festa de L a i l a t - a l - M i r a j (ascensão do
profeta M a o m é ao C é u ) e m n o v e m b r o de 1 8 3 4 , q u a n d o h o u v e u m a grande reunião
n u m a t e n d a q u e os escravos de u m inglês c h a m a d o A b r a h a m m o n t a r a m nos jardins da
residência deste, na p a r ó q u i a d a V i t ó r i a . T i n h a t a n t a g e n t e nessa c e r i m ô n i a que o
inspetor d o b a i r r o , A n t ô n i o M a r q u e s , resolveu i n t e r d i t á - l a , a p e l a n d o para o juiz de
paz, q u e repreendeu o inglês. A p e s a r d e t e r c o n s e n t i d o t u d o , este obrigou os escravos
a desmontarem a tenda. Essa iniciativa c o n f i r m a , s e g u n d o Reis, o sucesso do proselitismo
islâmico na B a h i a na década de 1 8 3 0 . 4 9
o u t r o s 9 7 n o m e s são de pessoas
indiciadas e m p r o c e s s o s a b e r t o s p o r d e n ú n c i a s , q u e n ã o f o r a m e n c o n t r a d a s , o u que
m o r r e r a m d u r a n t e a i n s u r r e i ç ã o , t e n d o s i d o i d e n t i f i c a d a s d e p o i s . S o b r e esses 189
presos, s ó h á t r a ç o s d e 1 1 9 j u l g a m e n t o s e o s 7 0 r e s t a n t e s o u f o r a m i n d u l t a d o s , o u ,
tendo sido c o n d e n a d o s , n ã o f o r a m e n c o n t r a d o s " . 5 2
M a s n e m J o ã o R e i s , n e m Pierro
Verger, separam os n ã o - m u ç u l m a n o s dos m u ç u l m a n o s .
A d m i t a m o s a h i p ó t e s e d e q u e , e m g r a u s d i v e r s o s , o s 2 8 6 a c u s a d o s tivessem a d o -
tado a r e l i g i ã o d o C o r ã o . E s s e n ú m e r o r e p r e s e n t a u m p e r c e n t u a l m í n i m o e m relação
ao c o n j u n t o d a p o p u l a ç ã o e s c r a v a e a l f o r r i a d a d a c i d a d e . E n t r e o s n e g r o s c o n v e r t i d o s
ao i s l a m i s m o n e n h u m e r a n a s c i d o n o B r a s i l . O o b j e t i v o d o s r e b e l a d o s , aliás, era m a t a r
todos o s b r a n c o s , o s ' c a b r a s ' ( m e s t i ç o s ) e o s n e g r o s b r a s i l e i r o s d a c i d a d e . 5 3
Segundo a
r e c o n s t i t u i ç ã o f e i t a p o r J . R e i s , n a c i d a d e d e S a l v a d o r haveria, e m 1 8 3 5 , cerca de
1 7 . 0 0 0 e s c r a v o s a f r i c a n o s , 1 0 . 5 0 0 e s c r a v o s n a s c i d o s n o B r a s i l , 1 2 . 0 0 0 negros livres e
26.000 brancos. 5 4
E n t r e as p e s s o a s livres d e c o r , h a v i a u m n ú m e r o i g n o r a d o de afri-
canos a l f o r r i a d o s , o q u e t o r n a i m p o s s í v e l c a l c u l a r o p e r c e n t u a l de acusados q u e perten-
ciam a essa c a t e g o r i a d a p o p u l a ç ã o b a i a n a . E m c o m p e n s a ç ã o , o s 1 6 0 escravos africanos
acusados ( n e m t o d o s m u ç u l m a n o s ) r e p r e s e n t a v a m e x a t a m e n t e 0 , 9 4 % d o t o t a l . E m b o -
ra a p r o x i m a d o s , esses n ú m e r o s s u g e r e m q u e a r e l i g i ã o m u ç u l m a n a s ó atingira u m a
parte m u i t o p e q u e n a d a p o p u l a ç ã o a f r i c a n a escrava. U m a r e v o l t a q u e t i n h a a pretensão
de ser uma. jihaddeveria t e r m u i t o s a d e p t o s , m a s isso n ã o se d e u . T a l v e z p o r isso, para
ter a l g u m a e x p e c t a t i v a d e v i t ó r i a , o s m u ç u l m a n o s t i v e r a m q u e apelar a n ã o - m u ç u l m a -
nos e a a f r i c a n o s q u e v i v i a m n o R e c ô n c a v o . 5 5
q u e p r o v a v e l m e n t e l e v o u a c n a ç ã o d e c u l t o s o r i g i n a i s . D o i s deles rapidamente se
«npuscram: o banto c o fon, e ioruba P o v o a d a s de espíritos relativos à natureza
ligados a n o s , florestas e m o n t a n h a s d a A f r i c a , as religiões b a n t o s se baseavam n o culto
dos a n t e p a s s a d o s m o r t o s . A o r e t i r a r seus a d e p t o s , à força, d o habitat tradicional e
q u e b r a r laços d e I t n h a g e m , a e s c r a v i d ã o p r o v o c o u u m a r u p t u r a nessas religiões que n o
Brasil, m o s t r a r a m - s e m u i t o p e r m e á v e i s a i n f l u ê n c i a s exteriores, inclusive reinterpretando
o c u l t o aos m o r t o s p r a t i c a d o p o r c a t ó l i c o s e p o r í n d i o s . N o s c a n d o m b l é s , por exem-
plo, os e s p í r i t o s d o s o r i x á s a f r i c a n o s e o s c a b o c l o s í n d i o s e r a m i n v o c a d o s , cada um em
sua p r ó p r i a l í n g u a , s e p a r a d a m e n t e , d u r a n t e a m e s m a c e r i m ô n i a de transe coletivo que
unia as d u a s c o m u n i d a d e s o p r i m i d a s , a a f r i c a n a e a a m e r í n d i a . Q u a n d o os bantos
r e i n t e r p r e t a r a m a f é c a t ó l i c a , a l g u n s s a n t o s c o m o S ã o B e n e d i t o o u S a n t a Efigênia, que
passam p o r ser s a n t o s n e g r o s , t o r n a r a m - s e a n t e p a s s a d o s familiares o u nacionais.
A religião d o s i o r u b a s é t ã o c o m p l e x a e e s t r u t u r a d a q u a n t o o c a t o l i c i s m o . 59
Para
os nagôs, a e x i s t ê n c i a h u m a n a se d e s e n v o l v e s i m u l t a n e a m e n t e em dois planos: o do
aié, isto é, o m u n d o visível e m q u e v i v e m o s , e o d o o r u m , o m u n d o do além. O
primeiro c o m p r e e n d e o u n i v e r s o f í s i c o e a v i d a de t o d o s os seres naturais, ao passo que
o s e g u n d o é u m e s p a ç o s o b r e n a t u r a l , p o v o a d o de seres, a b s t r a t o , i n f i n i t o , mas que nao
pode ser c o n f u n d i d o c o m o n o s s o c é u . N o espaço o r u m n ã o se e n c o n t r a m somente os
orixás, 60
as d i v i n d a d e s n a g ô s e t o d a espécie de antepassados, mas igualmente as 'dupli-
catas', os c o r p o s espirituais de t u d o o q u e se e n c o n t r a n o aiê. P o r conseguinte, o
espaço o r u m c o m p r e e n d e s i m u l t a n e a m e n t e o q u e p e r t e n c e ao aiê, inclusive a Terra e
o C é u e, e m c o n s e q ü ê n c i a , todas as e n t i d a d e s sobrenaturais associadas ao ar, à terra e
à água. O s orixás s ã o e s p e c i a l m e n t e associados à estrutura da natureza, do cosmo, ao
passo que os antepassados são associados à estrutura da sociedade.
C o m a diáspora, o a m b i e n t e a f r i c a n o foi de alguma forma transferido para o
terreiro, dividido e m d o i s espaços cujas características e funções sao diferentes u
primeiro c o m p r e e n d e c o n s t r u ç õ e s públicas e privadas que f o r m a m o espaço urban .
as casas-templos ( I l é - o r i x á ) , consagradas a u m orixá ou a um grupo de
construção q u e c o m p r e e n d e u m a parte estritamente reservada aos u m a
O s i s t e m a r e l i g i o s o i o r u b a é d i n â m i c o . O c o n t e ú d o m a i s p r e c i o s o de u m terreiro
é o ase, a f o r ç a q u e t o r n a p o s s í v e l o p r o c e s s o v i t a l e a s s e g u r a o d e v i r . S e m o ase a
e x i s t ê n c i a ficaria p a r a l i s a d a , s e m p o s s i b i l i d a d e d e r e a l i z a ç ã o . E s t a f o r ç a é transmitida
p o r m e i o s m a t e r i a i s e s i m b ó l i c o s , m a s e x i g e a l g u m t i p o d e c o n t a t o , necessariamente
v o l u n t á r i o . T o d o s os m a t e r i a i s p r e s e n t e s n u m t e r r e i r o , b e m c o m o o s i n i c i a d o s , devem
r e c e b e r o ase, a c u m u l á - l o , m a n t ê - l o e d e s e n v o l v ê - l o . 6 3
N ã o v a m o s e n t r a r e m detalhes
s o b r e a c o m p l e x a c o m b i n a ç ã o e o f u n c i o n a m e n t o d o s três e l e m e n t o s — ase, orixás e
a n t e p a s s a d o s — q u e c o n s t i t u e m o s f u n d a m e n t o s d e s s e c u l t o . R e g i s t r e m o s apenas que
a c r e n ç a n u m a i n t e r v e n ç ã o p o d e r o s a , c a p a z d e d a r a o fiel u m a f o r ç a s u f i c i e n t e para
v e n c e r adversidades, era m a i s a t r a e n t e q u e as p r o m e s s a s d o c a t o l i c i s m o o u d o islamismo
para u m a v i d a feliz n o f u t u r o . O e s c r a v o e o a l f o r r i a d o r e c e b i a m m e l h o r o pragmatismo
dos c u l t o s a f r o - b r a s i l e i r o s . A d e m a i s , e n c o n t r a v a m , n o s t e r r e i r o s , s e g u r a n ç a e uma
h i e r a r q u i a s a c e r d o t a l c a p a z d e g a r a n t i r p r e s t í g i o p a r a o s q u e se s o b r e s s a í s s e m . O chefe
religioso se t o r n a v a c h e f e d e t o d a a c o m u n i d a d e , o r g a n i z a d a n a f o r m a de u m a vasta
família, parecida c o m a patriarcal, m a s s e m a ingerência dos brancos.
lembravam a Á f r i c a perdida.
N ã o se sabe se o c u l t o n a g ò , t ã o b e m - e s t r u t u r a d o , era p r a t i c a d o nas plantações
de c a n a - d e - a ç ú c a r , o n d e , a o q u e se s u p õ e , existiam t a m b é m cultos de origem banto.
O s escravos nagôs vieram s o b r e t u d o para as cidades. E m m e a d o s d o século X I >
numerosas notas p u b l i c a d a s nos j o r n a i s de Salvador relatavam ações policiais em
casas de alforriados, o u m e s m o fie negros nascidos livres, o n d e ocorriam celebrações
LIVRO V - A IGREJA
431
S A L V A D O R : A C I D A D E N O SÉCULO XIX
"Entre o Bonfim e o cabo de Santo A n t ô n i o rasga-se uma formosa baía de duas léguas
de largura, no fundo da qual aparece a cidade de Salvador, edificada em anfiteatro
sobre uma encosta m u i t o escarpada. Vários edifícios consideráveis lhe dão uma apa-
rência de grandeza e de magnificência. O golpe de vista encantador que a construção
em anfiteatro dá à cidade perde muito do seu valor quando se põe pé em terra. A
montanha desce tão bruscamente para o mar que na praia não há mais espaço do que
o necessário para construir u m a só rua, cujas casas de um lado são banhadas pelo mar
e do outro aparadas de e n c o n t r o à montanha. (...) Esta Cidade Baixa é o centro dos
negócios; observa-se ali u m a grande atividade: transporte contínuo de mercadorias,
lojas muito freqüentadas, gritos de negros que vão e vêm nesse espaço tão estreito, que
ainda mais a u m e n t a o t u m u l t o . Se é acotovelado, fica-se atordoado. Quando não se
tem mais o que tratar nesta parte da cidade, procura-se deixá-la, com prazer tanto mais
vivo quanto ela é obscura e pouco asseada. (...) U m a vez chegado à Cidade Alta,
encontram-se ruas largas, calçadas e bem alinhadas; as casas são decentes e despidas das
tristes grades mouriscas que se observam com grande freqüência em Pernambuco." 1
435
BAHIA, SÉCULO X I X
436
A CIDADE À BEIRA-MAR
n u m m e r c a d o e s p e c i a l , c o m o a q u e l e d e s c r i t o p e l o a l e m ã o F r e y r e s s : " O s escravos,
a m o n t o a d o s às c e n t e n a s n u m b a r r a c ã o , e s t ã o v e s t i d o s a p e n a s c o m u m l e n ç o ou trapo
de lã c m t o r n o d o v e n t r e . P o r u m a q u e s t ã o d e h i g i e n e , s ã o - I h e raspados os cabelos.
Assim nus e p e l a d o s , s e n t a d o s a o c h ã o , o l h a n d o c u r i o s a m e n t e o s q u e passam, não
diferem m u i t o , n a a p a r ê n c i a , d o s m a c a c o s ! " " M u i t o s e s c r a v o s " , acrescentava o natura-
lista, " j á v ê m d a Á f r i c a a t é m e s m o m a r c a d o s a f e r r o q u e n t e , c o m o a n i m a i s . " 3
C i d a d e B a i x a r e c e b i a f o r ç o s a m e n t e o a f l u x o d e t o d a s as valas e t o d a s as i m u n d í c i e s das
casas c o n s t r u í d a s a c i m a , e m b o r a r e g u l a m e n t o s o b r i g a s s e m o s h a b i t a n t e s da Cidade
A l t a a r e c o l h e r seus d e j e t o s l o n g e d o m a r . 1 0
S e m c a n a l i z a ç õ e s o u e s g o t o s , c e n t r o d e v e n d a d e p r o d u t o s p e r e c í v e i s c o m o carnes,
peixes o u frutas, e n t u p i d a d u r a n t e o d i a p o r u m a m u l t i d ã o e x c e s s i v a p a r a o espaço
d i s p o n í v e l , a z o n a d o p o r t o , s o b r e t u d o s o b o c a l o r ú m i d o d o v e r ã o t r o p i c a l , dava
náuseas a o v i a j a n t e e s t r a n g e i r o , p o u c o a f e i t o a o o d o r d o s a l i m e n t o s e x ó t i c o s . A i n d a em
1 9 0 9 , o m é d i c o f r a n c ê s L a t t e a u x q u e i x a v a - s e d e t e r d e s e m b a r c a d o " e m m e i o a imun-
dícies e d e t r i t o s i n o m i n á v e i s " . " E i n f e c t o " , a c r e s c e n t a v a , " t e m - s e a i m p r e s s ã o de estar
e m certas c i d a d e s d o O r i e n t e , p o r o n d e j a m a i s p a s s o u u m a v a s s o u r a . " 1 1
C i d a d e B a i x a , c i d a d e s u j a , m a s c i d a d e m u i t o v i v a . O s p r e g õ e s dos vendedores
a m b u l a n t e s se m e s c l a v a m à m e l o p é i a b e m - r i t m a d a d o s c a r r e g a d o r e s n e g r o s curvados
sob pesadas c a r g a s , e m s e u v a i v é m . C i d a d e s u j a m a s c o l o r i d a , i n c l u s i v e pelas roupas e
as peles variadas d a s u a g e n t e . V e r d a d e i r a c i d a d e - p o r t o , o n d e o m a i s h u m i l d e acoto-
velava o m a i s i n s i g n e n o s a f a z e r e s d a v i d a c o t i d i a n a .
A t é p o r v o l t a d e 1 8 9 0 , r u a s e c a m i n h o s de S a l v a d o r c o n s e r v a r a m - s e tal c o m o
V i l h e n a os d e s c r e v e r a n o i n í c i o d o s é c u l o . A ú n i c a n o v a via p ú b l i c a , c o n s t r u í d a entre
a C i d a d e A l t a e a C i d a d e B a i x a , foi a f a m o s a l a d e i r a da M o n t a n h a , larga e espaçosa,
não m u i t o í n g r e m e , a b e r t a à c i r c u l a ç ã o e m 1 8 7 8 , p r o p o r c i o n a n d o u m a ligação mais
fácil e n t r e a c i d a d e d e c i m a e seu i n d u s t r i o s o p o r t o .
A p r i m e i r a l i n h a d e b o n d e d e b u r r o foi i n s t a l a d a na C i d a d e Baixa em 1 8 6 6 , sob
os a u s p í c i o s d o a u s t r í a c o R a p h a e l A r i a n i , f a z e n d o a ligação e n t r e a paróquia da P e n h a
e as de C o n c e i ç ã o d a P r a i a e d o P i l a r . T r ê s a n o s m a i s t a r d e , o m e s m o percurso era feito
por u m a l i n h a d e b o n d e s u r b a n o s , c h a m a d o s v e í c u l o s e c o n ô m i c o s , que se multiplica-
tam a p a t t i r de 1 8 6 9 .
A CIDADE ALTA
e d i f í c i o s p ú b l i c o s , c o n v e n t o s e igrejas e t a m b é m m e r c a d o s . F o n t e s e p o ç o s se espalha-
v a m p o r t o d a p a r t e , nessa c i d a d e o n d e a á g u a d o c e e s t á s e m p r e a o a l c a n c e d e q u e m se
d á a o t r a b a l h o de cavar u m p o u c o .
A paróquia da S é — p u l m ã o a d m i n i s t r a t i v o da c i d a d e e da P r o v í n c i a — concen-
trava o m a i o r n ú m e r o d e p r é d i o s p ú b l i c o s e r e l i g i o s o s : e m t o r n o d e s u a p r a ç a central
e r g u i a m - s e o p a l á c i o d o p r e s i d e n t e d a P r o v í n c i a , a s e d e d a P r e f e i t u r a , a C a s a da M o e d a
e o T r i b u n a l d e I n s t â n c i a . M a i s a n o r t e , a r u a d a M i s e r i c ó r d i a — o n d e ficava a Santa
Casa, i m p o n e n t e c o n s t r u ç ã o d o século X V I I — levava a o p a l á c i o episcopal, construído
a o lado da a n t i g a c a t e d r a l , d e 1 5 5 1 , q u e v i r i a a ser d e m o l i d a e m 1 9 3 3 p a r a a b r i r espaço
diante do palácio a r c e b i s p a l . 1 7
E s c o l h i d o p o r t o d a s as o r d e n s r e l i g i o s a s p a r a s e d i a r seus
c o n v e n t o s e igrejas, esse b a i r r o i m p r e s s i o n a v a , n o s é c u l o X I X , p e l a extraordinária
riqueza de seus m o n u m e n t o s .
As c o m u n i c a ç õ e s e r a m r e l a t i v a m e n t e f á c e i s n a C i d a d e A l t a , a o l o n g o d o s vales que
s e r p e n t e i a m e n t r e as m u i t a s c o l i n a s d o horstcm q u e se e m p o l e i r a S a l v a d o r . D e 1 8 5 1
a 1859, fizeram-se o b r a s p a r a c a n a l i z a r e c o b r i r p a r c i a l m e n t e o r i o d a s T r i p a s , o que
e l i m i n o u as i n c o n t á v e i s p o n t e s e passarelas d a e r a c o l o n i a l ( h o j e , esse rio é i n t e i r a m e n -
te s e c o , m a s n a é p o c a c o r r i a a n o r o e s t e d a c i d a d e , a t r a v e s s a n d o u m v a l e e m cujos
declives e s t a v a m c o n s t r u í d a s as c a s a s ) .
O q u a d r o geral e r a o d e u m a c i d a d e m u i t o v e r d e , t o d a e m s u b i d a s e descidas;
a l g u m a s p a r ó q u i a s , c o m o as de V i t ó r i a e B r o t a s , e r a m q u a s e r u r a i s , a o p a s s o q u e a de
Nossa S e n h o r a d a P e n h a , a o n o r t e , p a s s o u a c o n c e n t r a r u m a i n d ú s t r i a têxtil q u e aii
fixou u m a m ã o - d e - o b r a b a s t a n t e c o n s i d e r á v e l . A s s i m , e n q u a n t o a p a r ó q u i a d e V i t ó r i a
se t o r n a v a c a d a vez m a i s a r i s t o c r á t i c a , a d a P e n h a a s s u m i a u m c a r á t e r c r e s c e n t e m e n t e
popular. C o n h e c e m o s p o u c o , i n f e l i z m e n t e , d a h i s t ó r i a dessa m u t a ç ã o , m a s s a b e m o s
q u e , a partir de m e a d o s d o s é c u l o X I X , I t a p a j i p e , r e l a t i v a m e n t e d i s t a n t e d o c e n t r o de
Salvador, já t i n h a fácil c o m u n i c a ç ã o c o m o p o r t o p o r t r a n s p o r t e s m a r í t i m o s e terrestres.
E r a na C i d a d e A l t a , q u e r e u n i a as c i n c o p a r ó q u i a s ' c e n t r a i s ' ( S é , S a n t o A n t ô n i o
Aiém d o C a r m o , S a n t a n a , S ã o P e d r o o V e l h o e P a ç o ) , q u e se c o n c e n t r a v a o grosso da
p o p u l a ç ã o b a i a n a , v i v e n d o na m a i s c o m p l e t a p r o m i s c u i d a d e s o c i a l : artesãos livres,
alforriados, escravos, f u n c i o n á r i o s , b u r g u e s e s e n o b r e s m o r a v a m lado a lado, numa
babel de casas, igrejas, c o n v e n t o s , u m e m a r a n h a d o de c a m i n h o s , praças, becos e
travessas q u e s o b e m c d e s c e m c c u j a s ligações e s c a p a m a o r e c é m - c h e g a d o " . 1 9
Ao lado
de modestas casinhotas de taipa, m u i t a s das q u a i s e x i b i a m a p e n a s u m a porta c uma
janela, erguiam-se pretensiosos palacetes n o b r e s , c o m o a ' G a s a dos S e t e C a n d e e i r o s , 1
m o r a v a m d o t s m u l a t o s l.vres e u m p o l i c i a l , t a m b é m m u l a t o ; t i n h a m , respectivamente
3 0 , 2 3 e 2 4 a n o s e n e n h u m l a ç o de p a r e n t e s c o e n t r e si. N o n<> 8 , mais mulatos- a d o n a
da casa, Luiza M a n a C o n c e i ç ã o , 2 7 , s o l t e i r a , vivia c o m os três filhos e um irmão
M a n u e l da C u n h a P i n h e i r o , 2 2 a n o s , s o l t e i r o e m a r c e n e i r o . N o n ° 1 2 , o portu uês
Joaquim Rodrigues Vidal, m u l a t o , 2 6 anos, viúvo e c h a p e l e i r o , morava c o m a T ã e '
Gervaza P o r t á c i a J u l i a n a , m u l a t a , s o l t e i r a , 4 4 a n o s , e d o i r m ã o de doze anos, J o s é
M a r i a R o d r i g u e s V i d a l . N o n ° 1 4 m o r a v a m d o i s p o r t u g u e s e s b r a n c o s , J o s é A n t ô n i o de
Souza B r a g a , 4 9 a n o s , c o m e r c i a n t e , e seu c a i x e i r o J o s é L u i z P i n t o , de dezoito anos.
C o m a f a m í l i a d e M a l a q u i a s R o d r i g u e s dos S a n t o s , q u e o c u p a v a o n ° 1 3 , voltamos aos
m u l a t o s . O p a i , M a l a q u i a s , t i n h a 3 2 a n o s e era c a r p i n t e i r o ; sua m u l h e r , Felícia M a r i a ,
trinta a n o s , era o r i g i n á r i a d e N a z a r é , n o R e c ô n c a v o ; t i n h a m duas filhas, M a r i a Angé-
lica e M a r i a d a C o n c e i ç ã o , c o m d e z o i t o (sic) e seis a n o s , r e s p e c t i v a m e n t e (há evidente
engano na idade da p r i m e i r a ) .
D e f a t o , a C i d a d e A l t a era a p e n a s u m p o u c o m e n o s s u j a q u e a C i d a d e Baixa.
A d e m a i s , n ã o era b e m - p a v i m e n t a d a . D i z i a W e t h e r e l l , p o r v o l t a de 1 8 4 0 : " A pavimen-
t a ç ã o das ruas é das p i o r e s : e n o r m e s p e d r a s i n t e r c a l a d a s c o m p e q u e n a s , s e m a menor
regularidade, p o r vezes j u n t a s e a p e r t a d a s , p o r o u t r a s q u a s e soltas, t o r n a m perigosa
q u a l q u e r c a m i n h a d a . U m a vez e s t r a g a d a s , as ruas p a r e c e m n u n c a ser consertadas, fican-
d o assim, c o n d e n a d a s a se t o r n a r e m , c o m o d e c o r r e r d o t e m p o , q u a s e i n t r a n s i t á v e i s . " 24
A p o l í t i c a d o s p o d e r e s p ú b l i c o s e m f a c e d e s s a s i t u a ç ã o era h e s i t a n t e : o r a se encar-
r e g a v a m d a p a v i m e n t a ç ã o e c o n s e r v a ç ã o das r u a s , o r a e x i g i a m q u e os p r ó p r i o s mora-
dores o fizessem. U m d e c r e t o d e 1 8 5 0 d e t e r m i n o u a p a v i m e n t a ç ã o d e a l g u m a s grandes
artérias até o B o n f i m , p e n í n s u l a d e I t a p a j i p e ; a l g u n s a n o s m a i s t a r d e , a M u n i c i p a l i d a d e
m a n d o u p a v i m e n t a r o S o d r é , a s u b i d a d e S a n t a T e r e s a e o C a m p o G r a n d e , calçar a rua
da V a l a ( 1 8 6 3 ) , a p l a i n a r o C a m p o d a P ó l v o r a e a b r i r u m a a v e n i d a e n t r e o R e t i r o e o
Engenho Conceição. 2 5
P o u c o "a p o u c o , s e n s í v e i s m e l h o r i a s a c a b a r a m p o r facilitar a
c o m u n i c a ç ã o e n t r e as d i f e r e n t e s p a r ó q u i a s d a c i d a d e , o q u e p e r m i t i u a abertura de
novos mercados, c o m o o da rua da V a l a , de a l i m e n t o s .
U m c o n t r a t o a s s i n a d o e n t r e a C â m a r a M u n i c i p a l e u m a e m p r e s a que deveria
construir e s g o t o s , e m 1 8 7 3 , p e t m a n e c e u letra m o r t a , pois n u n c a foi aprovado pela
Assembléia P r o v i n c i a l . E m 1 8 8 0 , m a i s u m a vez se recorreu a particulates: alguns
cidadãos, m e d i a n t e c o n t r a t o , c u i d a r i a m d a r e m o ç ã o do l i x o . N o v o fracasso. T e n t a -
vam-se p a l i a t i v o s , q u a n d o a e x t e n s ã o d o p t o b l e m a exigia medidas drásticas.
A l é m d e s u j a s , as ruas e r a m estreitas e m a l a l i n h a d a s . O s r e g u l a m e n t o s da C â m a r a
Municipal 2 8
n e s s e c a m p o t a m p o u c o e r a m r e s p e i t a d o s : c a d a u m c o n s t r u í a a seu talante.
W e t h c r e l l , s e m p r e c r í t i c o , t e v e a p r i n c í p i o , ao passear pela C i d a d e A l t a , u m a impres-
são de a b a n d o n o , p o i s n ã o se v i a n i n g u é m nas ruas, e x c e t o negros, s o b r e t u d o nas horas
mais q u e n t e s d o d i a . M a s fez u m a ressalva: p o r f o r ç a d a " m a r c h a d o progresso",
muitos v e í c u l o s j á c i r c u l a v a m nesses b a i r r o s — " h á duas linhas de bondes e carros de
aluguel". 29
D i s c u r s o s d o s p r e s i d e n t e s d a P r o v í n c i a p e r a n t e a A s s e m b l é i a P r o v i n c i a l , incontáveis
leis e r e g u l a m e n t o s , p r o i b i ç ã o da c i r c u l a ç ã o d e e s c r a v o s à n o i t e s e m a u t o r i z a ç ã o por es-
c r i t o d o s s e n h o r e s — t u d o isso a t e s t a a i n u t i l i d a d e d o s e s f o r ç o s d o s p o d e r e s p ú b l i c o s . 33
O s i n c o n v e n i e n t e s d a c i d a d e e r a m e s q u e c i d o s p o r q u e m passeava p e l o esplêndido
J a r d i m P ú b l i c o , q u e t o d o s o s v i a j a n t e s e s t r a n g e i r o s l o u v a r a m . J á e m 1 8 1 3 , o sueco
B e y e r se s u r p r e e n d i a c o m esse " g r a n d e j a r d i m b e m c o n s e r v a d o , c u i d a d o s a m e n t e ilu-
minado à noite". 3 5
E r a , dizia e l e , p l a n t a d o c o m t o d a s o r t e d e árvores frutíferas e
o r n a d o p o r p e q u e n o s p a v i l h õ e s d e e s t i l o n e o c l á s s i c o . D e a l g u n s p o n t o s , t i n h a - s e uma
d e s l u m b r a n t e vista d a b a í a d e T o d o s o s S a n t o s , c o m suas ilhas. S e g u n d o W e t h e r e l l ,
c o m sua l í n g u a v i p e r i n a , esse j a r d i m e r a m u i t o p o u c o f r e q ü e n t a d o . O u t r o s viajantes
falaram d o m a u g o s t o das e s t á t u a s p i n t a d a s , e m t a m a n h o n a t u r a l , ali c o l o c a d a s . 36
A l g u n s v i a j a n t e s c o n s e g u i r a m v i s l u m b r a r (e c h e i r a r ) a l g u m a coisa q u a n d o u m a
porta se e n t r e a b r i a : n a d a de c a n a l i z a ç ã o d e á g u a , n a d a de e s g o t o ; os b a n h o s eram de
bacia e c u i a . S e a i s t o s o m a r m o s o c h e i r o d o m o f o q u e , graças à u m i d a d e , esverdeava
madeiras e c o u r o s m a l c o n s e r v a d o s , t e r e m o s u m a idéia dos o d o r e s e eflúvios que
emanavam daqueles escuros c o r r e d o r e s , e n t r e a rua c o q u i n t a l . 4 5
A m a i o r p a r t e d a c l a s s e m é d i a h a b i t a v a p r é d i o s d e d o i s , três o u q u a t r o andares,
c o m u m a p o r t a e d u a s o u t r ê s j a n e l a s d a n d o p a r a a r u a , só abertas depois q u e sol se
punha. As p e ç a s d o s . a p a r t a m e n t o s t i n h a m d e s i g n a ç õ e s precisas: sala, ' q u a r t o da sala',
'quarto d o m e i o ' , ' q u a r t o d e d e n t r o ' o u ' d a sala d e j a n t a r ' , sala de j a n t a r , às vezes
uma c o p a , c o z i n h a e d e p e n d ê n c i a s . O ' q u a r t o d a sala', assim c h a m a d o porque se
c o m u n i c a v a c o m e s t a p o r u m a p o r t a e n v i d r a ç a d a , s ó era usado para receber hóspe-
des o u e m g r a n d e s o c a s i õ e s , c o m o r e c e p ç õ e s , d u r a n t e as q u a i s n ã o p o d i a m p e r m a -
necer n o s a l ã o d e festas as v i ú v a s e as m u l h e r e s q u e v i v i a m i r r e g u l a r m e n t e c o m um
homem. O ' q u a r t o d e d e n t r o ' era g e r a l m e n t e u s a d o c o m o d o r m i t ó r i o . N a s casas
ricas, s o b r e t u d o q u a n d o o c u p a v a m m a i s de u m a n d a r , havia duas salas de j a n t a r , a
'de b a i x o ' e a ' d e c i m a ' , s e n d o a p r i m e i r a delas o c e n t r o da vida familiar; lá se comia,
se costurava, se r e c e b i a m o s a m i g o s . A sala d o s e g u n d o a n d a r só era aberta p o r o c a -
sião de g r a n d e s festas; se, p o r i n f e l i c i d a d e , m o r r e s s e o d o n o da casa, ficava fechada
para s e m p r e .
N o s p r é d i o s d e v á r i o s p a v i m e n t o s , o s e g u n d o e o t e r c e i r o eram ocupados por
famílias de u m m e s m o n í v e l s ó c i o - e c o n ô m i c o ; os d e m a i s , a q u e se t i n h a acesso p o r es-
cadas a b r u p t a s , de d e g r a u s a l t í s s i m o s , se d e s t i n a v a m a famílias mais pobres ou a
estudantes. N ã o ficava b e m m o r a r n u m m e z a n i n o d o t é r r e o , s o b r e t u d o q u a n d o não se
era c o m e r c i a n t e , n e m n o s f u n d o s de u m a l o j a , n e m e m casa de c h ã o batido. D e fato,
o primeiro i n d í c i o d a d e c a d ê n c i a de u m a f a m í l i a era sua m u d a n ç a para um a l o j a m e n t o
térreo. N a o c o r r ê n c i a de tal i n f o r t ú n i o , a família se tornava e x t r e m a m e n t e discret^
evitando t o d o c o n v í v i o s o c i a l ; as j a n e l a s q u e davam para a rua ficavam eternamente
fechadas c pessoas ' d e c o n s i d e r a ç ã o ' n ã o mais eram recebidas.
O s m o r a d o r e s d o ' d e s ç a ' , c o m o era c h a m a d o o subsolo, formavam uma c a t e g o m
a parte. E r a m os agregados c escravos das famílias que moravam n o s c
&™*°**™ s o g
estrangeira. &
REVOLTAS E MOTINS
p o r t o b e m p e r t o de S a l v a d o r . As palavras de o r d e m d o s c o m b a t e n t e s n e g r o s eram:
' L i b e r d a d e ! V i v a os negros e s e u rei!' e ' M o r t e a o s b r a n c o s e aos m u l a t o s ! ' 5 9
E m j u n h o d o m e s m o a n o , o u t r a c o n s p i r a ç ã o foi d e n u n c i a d a e r e p r i m i d a , o que
n ã o i m p e d i u a e c l o s ã o de n o v o s m o v i m e n t o s e m 1 8 1 6 e d e p o i s e m 1 8 2 2 , 1 8 2 6 , 1 8 2 7 ,
1 8 2 8 , 1 8 2 9 , 1 8 3 0 e 1 8 3 5 . A c a d a u m a dessas r e v o l t a s , s e m d ú v i d a f a v o r e c i d a s pela
r e c e n t e p r o c l a m a ç ã o da I n d e p e n d ê n c i a d o p a í s , o s r e v o l t o s o s t e n t a v a m r o u b a r armas,
i n c e n d i a r e n t t e p o s t o s , l i b e r t a r seus i r m ã o s d o c a t i v e i r o .
A revolta de 1 8 3 5 , b e m p r e p a r a d a e c e r c a d a d e s e g r e d o , q u a s e l o g r o u sucesso.
O r g a n i z a d a p o r a f r i c a n o s d e o r i g e m m u ç u l m a n a , t i n h a a a d e s ã o d e m u i t o s alforriados.
Indiciaram-se 2 6 0 h o m e n s e 2 6 mulheres, m u i t o s dos quais foram condenados à
m o r t e e às galeras o u d e p o r t a d o s p a r a a Á f r i c a . 6 0
O s escravos se r e v o l t a v a m p a r a se l i b e r t a r e p a r a v o l t a r à Á f r i c a , de o n d e t i n h a m
s i d o a r r a n c a d o s . S u a h o s t i l i d a d e se v o l t a v a c o n t r a o s b r a n c o s , m a s t a m b é m c o n t r a os
m u l a t o s , desde q u e f o s s e m livres. D e f a t o , a l i b e r d a d e era m a i s n e c e s s á r i a à inserção
social q u e a b r a n c u r a da p e l e . M a s a v e r d a d e é q u e c a d a u m a dessas revoltas acabava
p o r isolar u m p o u c o m a i s os e s c r a v o s n u m c í r c u l o f e c h a d o , c o m o o a t e s t a esta sucessão
de m e d i d a s : p r o i b i ç ã o de livre c i r c u l a ç ã o d e e s c r a v o s a p ó s as n o v e h o r a s d a noite
( 1 8 0 7 ) ; proibição de festejos e danças, de dia ou de n o i t e ( 1 8 1 4 ) ; 6 1
p r o i b i ç ã o do
t r â n s i t o de escravos pelas r u a s , a n ã o ser n o c u m p r i m e n t o d e o r d e n s d o s s e n h o r e s
(1833). 6 2
A l é m d i s s o , os e s c r a v o s n ã o p o d i a m c o m p r a r a r m a s n e m i n s t r u m e n t o s cor-
t a n t e s . T o d a s essas r e g u l a m e n t a ç õ e s s ã o u m i n d í c i o d a i n s e g u r a n ç a q u e r e i n a v a então
nas ruas d a c i d a d e , s o b r e t u d o a t é a d é c a d a d e 1 8 4 0 , q u a n d o as a u t o r i d a d e s passaram
a reprimir c o m mais eficácia qualquer tentativa de revolta dos escravos.
O s b a i a n o s n ã o e s q u e c i a m q u e b a t a l h õ e s f o r m a d o s p o r h o m e n s de c o r alforriados
t i n h a m l u t a d o nas guerras d a I n d e p e n d ê n c i a e c o m b a t i d o t o d o t i p o d e revolta. A
inexistência de fronteiras raciais n í t i d a s , n u m a s o c i e d a d e e m q u e o m e s t i ç o estava
presente em todas as classes s o c i a i s , nos leva a c r e r q u e a h o s t i l i d a d e m a n i f e s t a d a , pelos
negros, c o n t r a b r a n c o s c m u l a t o s p o r o c a s i ã o das revoltas era a n t e s a ira d o escravo
c o n t r a u m a p o p u l a ç ã o livre c c h e i a de privilégios q u e o ó d i o ao b r a n c o o u quase
b r a n c o . Se a liberdade é o b e m mais p r e c i o s o e n t r e t o d o s , o ' b r a n c o ' representava o
cidadão p l e n o , d o t a d o dos privilégios e s e n h o r d e sua vida. Para o s b a i a n o s , os 'bran-
cos da terra', a avalanche negra, o ' p e r i g o e s c r a v o ' , eram t e m o r e s a n á l o g o s aos q u e , na
m e s m a é p o c a , em Paris, as classes abastadas diziam s e n t i r das classes laboriosas, então
c h a m a d a s 'classes p e r i g o s a s ' . 64
J5= YhR ^ i ^ L J ^ ^ - - . T„OC
C H
E AVAM 4 5 3
A instalação d o I m p é r i o b r a s i l e i r o — q u c c o i n r i f j;,
c r a v a s na B a h i a , e n t r e 1 8 2 2 c 1 8 3 5 - inLtuiú n T ° d e r e V
°' t a s
CTJSl
t e n t o u desordens sociais c m que ' p o r t u g u e s e s ' e 'brasileiros' se opu rn ra D
d a v a . s e a d e p e n d e n e t a etn q u e se e n c o n t r a v a a classe p r o d u t o r a .
m e nte P o r n a t i v o s n o B r a s i l , e m r e l a ç ã o a o g r a n d e c o m é r c i o , quase t o d o em mãos de
portugueses, de f a t o o s p r i n c i p a i s b e n e f i c i á r i o s de u m a e c o n o m i a voltada para o mer
cado exterior. P r o c l a m a d a a I n d e p e n d ê n c i a , os p r o d u t o r e s brasileiros exigiam que a
nova a d m i n i s t r a ç ã o finalmente os favorecesse.
J á os p o b r e s , as r a z õ e s q u e o s m o v i a m n ã o e r a m de o r d e m política, n e m ideoló-
gica. A crise e c o n ô m i c a r e s u l t a n t e d a d e s o r g a n i z a ç ã o da p r o d u ç ã o elevara os preços
dos p r o d u t o s d e s u b s i s t ê n c i a , e n q u a n t o os salários se m a n t i n h a m m u i t o b a i x o s . 66
catastrófica em Salvador, 68
com o aumento dos preços, sobretudo dos artigos de
primeira necess idade. 69
imposto de cem réis por cada litro de farinha exportada e abriu um crédito de cem
contos de réis para a compra de reservas de farinha, que deveriam ser vendidas nos
mercados a preço de c u s t o . 72
Na realidade, eram medidas paliativas. A estrutura e o
funcionamento do mercado dos produtos de subsistência permaneceram intocados. O
motim fora abafado, mas os problemas continuavam sem solução para a maioria dos
habitantes de Salvador, obrigados a recorrer a um mercado em que oferta e procura
estavam em perpétuo desequilíbrio, em que faltava dinheiro, em que as atividades
produtivas tinham cada vez menos condições para se desenvolver.
C A P ( T U LO 2 5
As ATIVIDADES PRODUTIVAS:
CONDIÇÕES E DESENVOLVIMENTO
Não é fácil explicar este fenômeno, que alguns até chamam de 'o enigma baiano .
Em primeiro lugar, uma análise econômica requer dados quantitativos variados e
sobretudo confiáveis sobre todos os setores. Eu mesma, no passado tentei reunir e
organizar alguns desses dados, mas a tarefa revelou-se inviável, dada a falta de variáveis
"prescindíveis. Foi impossível, de fato, reconstituir séries relativas à renda sócia o
upw»"™ ' - a o movimento dos capitais
à produção líquida total da Província. Números n c o r a j a d a , res.g-
DeSC
455
BAHIA, SÉCULO XIX
A p a r t i r de 1 9 2 0 , a l g u n s b a i a n o s p r o c u r a r a m c o m p r e e n d e r essa s i t u a ç ã o , v a l e n d o -
se de estatísticas f r a g m e n t a d a s e, s o b r e t u d o , d e u m a d o c u m e n t a ç ã o q u a l i t a t i v a . Assim,
após descrever o c o m é r c i o d e S a l v a d o r e t r a ç a r o perfil d o s p r i n c i p a i s a g e n t e s e c o n ô -
m i c o s , G o e s C a l m o n p r o p ô s u m a e x p l i c a ç ã o para a d e c a d e n c i a d a e c o n o m i a baiana no
século a n t e r i o r . Para t a n t o , e n u m e r o u u m a s é r i e de f a t o r e s e x t r a - e c o n ô m i c o s , e n t r e os
quais d e s t a c o u a m i s t u r a racial e as m á s c o n d i ç õ e s c l i m á t i c a s r e i n a n t e s na Província,
fatalidades a q u e a s o c i e d a d e n ã o fora c a p a z d e r e a g i r . T a l e x p l i c a ç ã o , a i n d a que
a t r i b u a à fatalidade o papel d e V a r i á v e l ' , t e m o m é r i t o d e c h a m a r a a t e n ç ã o para as
secas p e r i ó d i c a s . S e g u n d o esse a u t o r , elas o c o r r i a m e m t o d o s os a n o s q u e t e r m i n a v a m
c o m os a l g a r i s m o s três e n o v e , a f e t a n d o s o b r e t u d o as r e g i õ e s d o S e r t ã o , c u j a p r o d u ç ã o
n ã o estava i n t e g r a d a a o c i r c u i t o a g r o e x p o r t a d o r . Ele definiu, assim, um quadro
c o n j u n t u r a l da e c o n o m i a b a i a n a c o m b a s e e m c i c l o s d e c e n a i s , a partir de 1 8 2 3 . Esse
recorte e m etapas de igual d u r a ç ã o na v i d a e c o n ô m i c a e financeira da p r o v í n c i a per-
m i t i u - l h e fixar c avaliar as p r i n c i p a i s o c o r r ê n c i a s de c a d a e t a p a . O e s q u e m a assim
m o n t a d o sugere q u e os p r i m e i r o s dezessete a n o s s u b s e q ü e n t e s à I n d e p e n d ê n c i a foram
d c crise, t a n t o c m razão das guerras c das p e r t u r b a ç õ e s sociais q u e se seguiram c o m o ,
s o b r e t u d o , em d e c o r r ê n c i a d a fuga d o s grandes n e g o c i a n t e s portugueses, c o m seus
capitais, o q u e teria d e s o r g a n i z a d o a p r o d u ç ã o c as trocas c o m e r c i a i s . A Bahia jamais
se teria r e c u p e r a d o dessa p e r d a . 4
ponto morto. A análise Feita por Rómulo de Almeida é tão qualitativa quanto a de
Goes Calmon. Mas há uma d.ferença, e fundamental: foi a primeira a considerar
sistematicamente cada produto cultivado, cada produto extraído de todo o territó
rio da provínc.a. englobando ainda análises sobre a atividade industrial, financeira e
comercial e a questão do abastecimento de Salvador. De um exame' limitado ao
Recôncavo, passamos assim a avaliações que abrangiam, por longos períodos, o con-
junto das estruturas econômicas da Província. Rómulo de Almeida criticou, aliás, o
papel da administração provincial, mais interessada cm distribuir sinecuras do que
em investir em atividades produtivas os recursos que angariava com os impostos.
A partir do quadro geral, o economista analisou o papel comercial de Salvador.
Deu ênfase às relações entre a Bahia e o mercado internacional, indicando as cres-
centes dificuldades que a Província encontrava para colocar seus produtos num mer-
cado em que a demanda era irregular. A Bahia nunca conseguiu captar mercados
estáveis. Os economistas baianos mencionam sempre, a esse respeito, a irregularida-
de da demanda, mas não a da oferta. Ora, as crises políticas das décadas de 1820 e
1830, os efeitos das epidemias de febre amarela e de cólera-morbo na década de
1850, a praga da cana-de-açúcar na década de 1870, as periódicas crises climáticas
nas áreas produtivas — tudo isso deve ter contribuído para diminuir a oferta em
certos momentos da conjuntura econômica, somando-se à instabilidade de deman-
da, fartamente apontada.
Para Rómulo de Almeida, as flutuações nos preços tornavam ainda mais pre-
cária a circulação das mercadorias no exterior. Analisou em seguida as relações da
Bahia com as províncias do Sul, com as quais tinha uma balança comercial sempre
desfavorável, pagando-lhes um duplo tributo: comprava-lhes mercadorias de preço
mais alto (tecidos e produtos manufaturados de São Paulo, queijos de Minas Ge-
rais) e fornecia-lhes mão-de-obra barata e capitais para seu desenvolvimento. O fe-
cho desse estudo da conjuntura econômica da Bahia, de apenas dezoito páginas, é
um diagnóstico bastante claro: "Numa curva de longa duração (médias móveis em
Períodos longos), podemos representar esse período da história da Bahia por uma
alta no início do século, uma baixa nas décadas de 1820 e 1830, uma recuperação
cm meados no século (décadas dc 1840 e 1850), logo interrompida, uma breve re-
cuperação no início dos anos 1860 e em seguida um;í queda, com a Guerra
D . I , , » 5 Fm suma, afora as duas
Paraguai, até 1890, quando se registra uma nova alta. cm suma,
primeiras décadas do século, a economia baiana só teria conhecido precários epis -
dios dc recuperação. . *
A despeito de seus muitos méritos, estas duas explicações do declínio econ^mico
da Bahia não são dc todo satisfatórias. Elas sugerem, no entanto, o vexame ^
variáveis, que, combinadas a alguns dados recentes, talvez permitam c eg.
nova tentativa de explicação.
BAHIA, SÉCULO XIX
GEOGRAFIA DA PRODUÇÃO
Q u a n t o aos d e m a i s g ê n e r o s d e s u b s i s t ê n c i a , a p r o d u ç ã o n u n c a c e s s o u d e se diver-
sificar e d e se e x p a n d i r , e m t o d o o t e r r i t ó r i o d a P r o v í n c i a . N o e n t a n t o , c o m o já se
m e n c i o n o u , p o r f a l t a d e t r a n s p o r t e a d e q u a d o , o q u e se p r o d u z i a p a r a a l é m d a z o n a do
Agreste, nas p r o f u n d e z a s d o S e r t ã o , r a r a m e n t e c h e g a v a ao m e r c a d o d e S a l v a d o r (vol-
t a r e m o s a i s t o ) . E m geral, tais g ê n e r o s s e r v i a m a o c o n s u m o de u m a p o p u l a ç ã o m u i t o
dispersa, m a s q u e a u m e n t o u c o n t i n u a m e n t e a o l o n g o d o s é c u l o . N a s r e g i õ e s cortadas
6
pelo S ã o F r a n c i s c o , e r a m t a m b é m o b j e t o de u m c o m é r c i o b a s t a n t e a t i v o c o m as
províncias l i m í t r o f e s , P e r n a m b u c o e M i n a s G e r a i s . M a s , se é f a t o q u e g r a n d e s áreas do
S e r t ã o b a i a n o t i n h a m u m c o m é r c i o l o c a l e e s t a v a m m a i s i n t e g r a d a s às e c o n o m i a s das
províncias vizinhas q u e à d a p r ó p r i a B a h i a , i g n o r a m o s t a n t o o v o l u m e de p r o d u ç ã o
c o m o as q u a n t i d a d e s e o s v a l o r e s n e g o c i a d o s . M e s m o s o b r e terras d o i n t e r i o r , próxi-
mas a S a l v a d o r , n ã o h á n e n h u m d a d o s o b r e q u a n t i d a d e s c u l t i v a d a s para e x p o r t a ç ã o e
consumo corrente.
TABELA 73
Z O N A S DE P R O D U Ç Ã O A G R Í C O L A NA BAHIA, 1 8 9 0
ZONA A
ZONA B
ZONA C
Agreste I 1
tabaco, algodão, café feijão, arroz, mandioca, cereais
Agreste II 2
açúcar, tabaco mandioca, batata
Centro-Oeste açúcar, tabaco, algodão, café, cacau feijão, arroz, mandioca, chá, cereais
Norte 3
Açúcar, tabaco, algodão, café feijão, arroz, mandioca, cereais
(1) Consideramos Agreste I a área a oeste de Salvador. (2) Agreste II corresponde à área ao norte de Salvador. (3) Para efeito
da rabeia. Norte inclui Extremo Norte, Extremo Oeste e Extremo Sudoeste.
Fonte: Francisco Vicente Viana, Memória sobre o Estado da Bahia, p. 419-560.
N ã o p o d e n d o c h e g a r ao m e r c a d o de S a l v a d o r , o a l g o d ã o era m a n u f a t u r a d o , conver-
tendo-se n u m i m p o r t a n t e i t e m de c o m é r c i o e n t r e regiões da p r o v í n c i a e talvez até no
â m b i t o i n t e r p r o v i n c i a l (é possível q u e o a l g o d ã o p r o d u z i d o n o c e n t r o - o e s t e e n o
e x t r e m o oeste da P r o v í n c i a j á fosse e x p o r t a d o para M i n a s G e r a i s a n t e s d o século X I X ) .
N ã o se sabe, p o r é m , q u e p r o p o r ç ã o d o a l g o d ã o p o d i a ser m a n u f a t u r a d a n o local, e por
certo u m e x c e d e n t e c o n s i d e r á v e l da m a t é r i a - p r i m a a p o d r e c i a ali, n ã o p o d e n d o ser
r e m e t i d o para o litoral.
En
¡riT Á
T \ C r m 0 ^ C C r C
J°a m 0
S» -
5 V Í l a r C
São
S
R e s t a falar d o a ç ú c a r e d o f u m o , q u e d o m i n a v a m as e x p o r t a ç õ e s baianas. N ã o é
m i n h a i n t e n ç ã o n a r r a r a h i s t ó r i a desses d o i s p r o d u t o s n o século X I X — q u e , aliás, está
p o r ser feita — , m a s e v o c a r a l g u n s d a d o s dos p r o b l e m a s , s o b r e t u d o os relativos ao
açúcar.
E n t r e as c a u s a s q u e e m geral se a p r e s e n t a m para e x p l i c a r o d e c l í n i o da p r o d u ç ã o
açucareira, as m a i s c i t a d a s se l i g a m à p r o d u ç ã o e à c o m e r c i a l i z a ç ã o . A o b s o l e s c ê n c i a
das t é c n i c a s de p r o d u ç ã o e a f a l t a de m ã o - d e - o b r a para c u l t i v a r a terra e fabricar o
açúcar f o r a m causas p r i m e i r a s , m a s n ã o as m a i s i m p o r t a n t e s , pois o d e c l í n i o da ativi-
dade a ç u c a r e i r a r e s u l t o u s o b r e t u d o das n o v a s c o n d i ç õ e s i m p o s t a s pelo m e r c a d o inter-
n a c i o n a l . A p ó s a I n d e p e n d ê n c i a , até P o r t u g a l d e i x o u de c o m p r a r o a ç ú c a r b a i a n o ,
e n q u a n t o o u t r o s p a í s e s , c o m o a I n g l a t e r r a , a F r a n ç a e a E s p a n h a , se abasteciam nas
próprias c o l ô n i a s . A d e m a i s , n a E u r o p a c o n t i n e n t a l , o a ç ú c a r de b e t e r r a b a , f o r t e m e n t e
protegido, o p u n h a u m a segunda barreira à penetração do açúcar b a i a n o . 1 3
M a s , por
i m p o r t a n t e s q u e t e n h a m s i d o , essas c o n d i ç õ e s i n t e r n a c i o n a i s t a m p o u c o m e parecem
uma explicação suficiente.
N o t o c a n t e à c u l t u r a d a c a n a - d e - a ç ú c a r , o R e c ô n c a v o t i n h a três p r o b l e m a s a
enfrentar: u m , p e r m a n e n t e , era r e p r e s e n t a d o pela e s t i a g e m o u o excesso de c h u v a s ; os
outros d o i s se m a n i f e s t a v a m a l o n g o p r a z o : o desgaste e o e m p o b r e c i m e n t o d o solo e
0 d e s m e m b r a m e n t o das p r o p r i e d a d e s , seja p o r partilha e n t r e herdeiros, seja e m decor-
rência de crises e c o n ô m i c a s .
P r i m e i r o p r o b l e m a : e x c e s s o o u escassez d e c h u v a s . S a b e m o s h o j e que, n o massapé
impermeável — terra argilosa, f o r m a d a pela d e c o m p o s i ç ã o de calcáreos cretáceos — ,
nos anos s e c o s ( í n d i c e s p l u v i o m é t r i c o s de 1 . 2 0 0 a 1 . 5 0 0 m m ) , a c a n a - d e - a ç ú c a r cresce
c o m b o m r e n d i m e n t o ; já nos a n o s de m u i t a c h u v a (entre 1 . 8 0 0 e 2 . 2 0 0 m m ) , nesse
tipo de t e r r e n o , a c o l h e i t a é m á , s e n ã o c a t a s t r ó f i c a . N o s 'silõcs' — terras argilo-
arenosas, m a i s p r o f u n d a s c mais b e m drenadas — . o c o r r e e x a t a m e n t e o inverso: o
r e n d i m e n t o é b o m nos a n o s de chuvas a b u n d a n t e s e m a u nos anos secos. A t u a l m e n t e ,
sem uso de a d u b o o u i r r i g a ç ã o , c o n s i d e r a - s e b o a u m a p r o d u ç ã o de 5 5 toneladas de
cana por h e c t a r e c m á a de 3 5 toneladas p o r hectare. I g n o r a m o s , l a m e n t a v e l m e n t e ,
qual era o r e n d i m e n t o n o século X I X . 1 4
D i g a - s e de passagem q u e , entre 1 8 0 9 c 1 8 8 9 ,
462 BAHIA, S É C U L O XIX
E m q u e terras o p l a n t i o d a c a n a - d e - a ç ú c a r se e x p a n d i a ? N o R e c ô n c a v o , zona
t r a d i c i o n a l d e c u l t u r a , as terras v i r g e n s r a r e a v a m ; as da p a r ó q u i a de S ã o P e d r o do R i o
F u n d o t i n h a m c o m e ç a d o a ser o c u p a d a s j á n o final d o s é c u l o X V I I I . P o r t a n t o , foi pelo
r e s t a n t e d o t e r r i t ó r i o d a P r o v í n c i a q u e a c u l t u r a da c a n a - d e - a ç ú c a r se e x p a n d i u . N ã o
s a b e m o s q u a n t o s e n g e n h o s se i n s t a l a r a m n o R e c ô n c a v o , n e m nas d e m a i s regiões. M a s
o s 6 0 3 e n g e n h o s a r r o l a d o s e m 1 8 3 2 - 1 8 3 3 p e l o M a r q u ê s d e A b r a n t e s talvez fossem
apenas os d o R e c ô n c a v o e d o A g r e s t e . O j o g o d o s d e s m e m b r a m e n t o s de unidades
m a i o r e s p e r m i t i a a d q u i r i r terras e nelas i n s t a l a r e n g e n h o s , graças à lei d e 13 de novem-
b r o de 1 8 2 7 , q u e a b o l i u a e x i g ê n c i a d e p e r m i s s ã o .
As m e s m a s c o n d i ç õ e s p r e v a l e c e r a m n o s é c u l o X I X : o s i n v e s t i m e n t o s necessários
c o n t i n u a v a m m e n o r e s q u e o s e x i g i d o s para a c u l t u r a d a c a n a , as áreas cultivadas não
passavam e m geral de dez h e c t a r e s e o t r a b a l h o era f e i t o p e l o a g r i c u l t o r e sua família.
E s t e s , p a r a l e l a m e n t e , p l a n t a v a m g ê n e r o s de s u b s i s t ê n c i a , c o m o m i l h o , m a n d i o c a e
feijão. O f u m o c o n t i n u o u s e n d o u m a c u l t u r a de h o m e n s livres, o q u e evitava o
d i s p ê n d i o na c o m p r a d e escravos, c u j o s p r e ç o s e l e v a r a m - s e c o n s t a n t e m e n t e ao longo
d o s é c u l o . M u i t a s vezes p l a n t a v a - s e e m t e r r a a l u g a d a e, e n t r e o s e m p r e g a d o s , havia
escravos a l f o r r i a d o s . 28
M a s o s é c u l o X I X t r o u x e u m a g r a n d e n o v i d a d e : a i m p l a n t a ç ã o das m a n u f a t u r a s de
f u m o . A p r i m e i r a , f u n d a d a e m 1 8 1 9 p e l o c i d a d ã o s u í ç o F r é d é r i c M e u r o n , fabricava
rapé. 2 9
M a s foi n a s e g u n d a m e t a d e d o s é c u l o q u e p r o l i f e r a r a m as m a n u f a t u r a s de
c h a r u t o s , c i g a r r o s e r a p é . N a m a i o r i a , e r a m p e q u e n a s f á b r i c a s de natureza familiar e
artesanal, c o m u m a m ã o - d e - o b r a c o m p o s t a b a s i c a m e n t e p o r m u l h e r e s e crianças. Poucas
usavam m á q u i n a s — c h a r u t o s e c i g a r r o s e r a m e n r o l a d o s a m ã o . U m a fábrica c o n h e -
c i d a , a Juventude, t i n h a e m 1 8 8 2 m a i s d e 1 5 0 o p e r á r i o s " c o n t a n d o c o m as muitas
famílias q u e t r a b a l h a m e m casa p o r c o n t a d a f á b r i c a " . E m o u t r a , c h a m a d a Fragrância,
dos s e t e n t a o p e r á r i o s v i n t e e r a m m u l h e r e s , e dez, c r i a n ç a s , t o d o s t r a b a l h a n d o sem a
ajuda de m á q u i n a s . N ã o s a b e m o s o n ú m e r o dessas f a b r i q u e t a s q u e , p o r sua estrutura
artesanal, d e m a n d a v a m p o u c o s i n v e s t i m e n t o s . A l é m disso, m u i t a s delas celebravam
c o n t r a t o s e registravam suas firmas n a J u n t a C o m e r c i a l , m a s q u a s e n u n c a c o m u n i c a -
vam a cessação de suas atividades, o q u e d i f i c u l t a q u a l q u e r c o n t a g e m r e a l i s t a . 30
A
literatura oficial, c o m o os relatórios dos p r e s i d e n t e s d e P r o v í n c i a , só m e n c i o n a m os
grandes e s t a b e l e c i m e n t o s , q u a n d o essa p e q u e n a p r o d u ç ã o artesal seria d o m a i o r inte-
resse, p o r q u a n t o e m p r e g a v a u m a m ã o - d e - o b r a r e c r u t a d a na p o p u l a ç ã o livre de Salva-
d o r . E m 1 8 8 9 , a c i d a d e c o n t a v a q u a t r o grandes fábricas de f u m o voltadas para a
e x p o r t a ç ã o : M e u r o n & C i a . e M o r e i r a & C i a . , fabricantes de rapé, a fábrica de cha-
rutos Leite & Alves, c u j a m a t r i z ficava n o R i o de J a n e i r o , e a fábrica de charutos
D a n e m a n n , fundada em 1 8 7 3 . 3 1
A PECUÁRIA
ricos. 3 5
muitas outras b o i a d a s .
I g n o r a m o s o n ú m e r o do r e b a n h o criado n o século X I X na Província e sua evolu-
ção. P a r e c e - m e q u e o a u m e n t o da população deve ter provocado um incremento da
pecuária, e se capital e o R e c ô n c a v o sempre se queixavam de um abastecimento defi-
ciente de c a r n e b o v i n a fresca, essa carência provavelmente se devia mais à estrutura do
mercado de Salvador d o que a u m a queda da produção.
D e V i t ó r i a d a C o n q u i s t a , n o e x t r e m o sudoeste da Província, passando por Barra,
X i q u e x i q u e , S e n t o Sé c Juazeiro, até o Agreste, em torno de Feira d e Santana e de
E n t r e R i o s , a pecuária estava por toda parte. Aliás, até do longínquo Piau. chegavam
boiadas a Salvador. Barreiras (no extremo oeste) e Alagoinhas (no Agreste) eram
importantes centros de b e n e f i c i a m e n t o de c o u r o , ' Segundo o censo de 1 8 7 , , a agri-
7
N o S e r t ã o , n o s m u n i c í p i o s d e A l a g o i n h a s , M o n t e A l t o , B a r r e i r a s e O l i v e i r a do
B r e j i n h o , c r e s c i a m á r v o r e s q u e f o r n e c i a m l á t e x . A b o r r a c h a delas e x t r a í d a , s o b r e a qual
t e n h o escassa i n f o r m a ç ã o , ficava r e s t r i t a a o c o n s u m o l o c a l . S ó n o fim d o século pas-
s o u - s e a e x p l o r a r s i s t e m a t i c a m e n t e a v a r i e d a d e m a n i ç o b a , d e J e q u i é , m u n i c í p i o d o sul
do estado, e a exportar a p r o d u ç ã o . 4 0
MINAS E MINERAIS
D i a m a n t e s , o u r o e a m e t i s t a s p o d i a m ser e n c o n t r a d o s s o b r e t u d o n a C h a p a d a D i a m a n -
t i n a , n o c e n t r o - o e s t e d a P r o v í n c i a , o n d e o o u r o j á f o r a e x p l o r a d o n o p e r í o d o colonial.
As jazidas d e s t e ú l t i m o m e t a l , d e s c o b e r t a s na B a h i a n a é p o c a c o l o n i a l , e r a m m e d í o c r e s ,
e o v o l u m e d a p r o d u ç ã o foi i n s i g n i f i c a n t e . U m a s e g u n d a r e g i ã o d i a m a n t í f e r a , m u i t o
m o d e s t a , era a de J a c o b i n a . U m a m i n a foi ali d e s c o b e r t a e m 1 7 7 5 , mas n ã o pôde ser
e x p l o r a d a , p o i s as a u t o r i d a d e s p o r t u g u e s a s p r e f e r i r a m c o n s e r v a r o m o n o p ó l i o detido
por Minas Gerais.
D e s c o b e r t o s , o u r e d e s c o b e r t o s , e m 1 8 4 2 , o s d i a m a n t e s p r o v o c a r a m u m a corrida
febril, m a s a e x p l o r a ç ã o das m i n a s d u r o u p o u c o , p o i s as pedras baianas foram vencidas
pela c o n c o r r ê n c i a das q u e v i n h a m d o C a b o . A a t i v i d a d e r e a n i m o u - s e depois c o m a
e x t r a ç ã o dos c a r b o n a t o s , de b a i x o p r e ç o na é p o c a , m a s q u e servia para c o r t a r e lapidar
os d i a m a n t e s . F o i seu u s o industrial q u e c o n f e r i u d e p o i s u m real valor aos c a r b o n a t o s ,
s o b r e t u d o na a b e r t u r a d o t ú n e l de S ã o G o t a r d o e dos canais de Suez c d o P a n a m á . Sua
e x p l o r a ç ã o , m u i t o lucrativa, era p r a t i c a m e n t e u m m o n o p ó l i o da Bahia, j á que a con-
t r i b u i ç ã o de B o r n é u foi s e m p r e m u i t o l i m i t a d a . M a s os filões aluviais logo se esgota-
ram c , por volta de 1 9 0 0 , p r e c i s a m e n t e q u a n d o a d e m a n d a i n t e r n a c i o n a l crescia, os
c a r b o n a t o s t o r n a r a m - s e raros.
As m i n a s eram exploradas por e m p r e s a s c p o r faiscadores\ pessoas q u e trabalha-
4
RELAÇÕES E COMUNICAÇÕES
ESTRADAS
468
RÓ V I - O C O T I D I A N O DOS H O M E N S QUE PRODUZIAM E T R O C A V A M 469
T a m b é m n o s é c u l o X I X o d e s e n v o l v i m e n t o d a r e d e d e estradas foi i n s i g n i f i c a n t e .
S ó se a b r i r a m d u a s v i a s , q u e p e r m i t i r a m a l i g a ç ã o das vilas de C a m a m u e M a r a u à
r e g i ã o d e J e q u i é , q u e , n o fim d o s é c u l o , t o r n o u - s e p r o d u t o r a d e b o r r a c h a .
FERROVIAS
A partir d a s e g u n d a m e t a d e d o s é c u l o X I X , as a u t o r i d a d e s p r o v i n c i a i s c o m e ç a r a m
p o r fim a se i n q u i e t a r c o m o p r o b l e m a d a i n t e r l i g a ç ã o das diversas regiões. R e n d e -
r a m - s e à e v i d e n c i a de q u e as vias terrestres e x i s t e n t e s e r a m i n s u f i c i e n t e s , longas e
p o u c o rentáveis, para o t r a n s p o r t e t a n t o de pessoas c o m o de g a d o e de mercadorias.
As estradas d e f e r r o , q u e a p a r e c i a m c o m o a s o l u ç ã o ideal, e x i g i a m recursos e a
a n u ê n c i a dos legisladores. Era preciso a i n d a d e c i d i r s o b r e os traçados, q u e n ã o se-
riam f o r ç o s a m e n t e os m e s m o s das estradas. P o r sua vez, para estabelecer prioridades,
era preciso e s t u d a r as c o n d i ç õ e s g c o m o r f o l ó g i c a s . E m s u m a , a c o n s t r u ç ã o de ferro-
vias d e p e n d i a de capitais, de v o n t a d e política e de c o n d i ç õ e s geográficas. A n o apos
a n o , as Falas dos presidentes d e n u n c i a v a m as más c o n d i ç õ e s dos meios de transpor-
te, m a s o Legislativo n ã o t o m a v a decisões c o n c r e t a s sobre o assunto.
N a década de 1 8 5 0 , as receitas da Província eram irrisórias diante das proporções
BAHIA. SÉCULO X I X
a e s t a ç ã o de S e r r i n h a , e m 1 8 8 7 a de B o n f i m e, n o v e a n o s d e p o i s . a de J uazeiro. Os
resultados financeiros d o g o v e r n o n ã o f o r a m , aliás, m c l h ores q u e os da c o m p a n h i a
inglesa: e n t r e 1 8 7 0 e 1 8 8 8 , as receitas s o m a r a m 8 . 1 5 3 . 4 4 7 . 0 0 0 réis e as despesas
8 . 7 2 0 . 6 5 1 . 0 0 0 réis.
T A B E L A 7 4
Bahia-Minas - - - 142.400
Timbó - - - 82.580
A l i n h a E s t r a d a de F e r r o C e n t r a l d a B a h i a , o u T r a m - R o a d P a r a g u a ç u , foi a u t o r i -
zada pela lei i m p e r i a l 1 . 2 1 2 e m j u n h o de 1 8 6 5 . D e v e r i a ligar C a c h o e i r a e S ã o Félix à
C h a p a d a D i a m a n t i n a , c o m u m a r a m i f i c a ç ã o para Feira de S a n t a n a . O c o n t r a t o foi
assinado c o m C h a r l e s M o r g a n , s e m g a r a n t i a de j u r o s . E s t e f o r m o u a c o m p a n h i a em
L o n d r e s e c o m e ç o u os t r a b a l h o s e m 1 8 6 7 . D o i s a n o s d e p o i s , a e m p r e s a faliu, mas
H u g h W i l s o n , u m dos m a i o r e s a c i o n i s t a s , c o m p r o u - a , desta vez c o m garantia de juros
de 7 % . R e o r g a n i z o u - a sob o n o m e Brazilian I m p e r i a l C e n t r a l B a h i a Railway C o m p a n y
L i m i t e d e r e t o m o u os t r a b a l h o s em 1 8 7 6 . Até 1 8 8 8 , p o r é m , as obras se limitaram a
u m a rede de ramificações e n t r e as vilas de C a c h o e i r a , Feira de S a n t a n a , T a p e r a ,
Q u e i m a d i n h a s , C r u z das A l m a s e S ã o G o n ç a l o . Apesar de u m a gestão tão deficiente,
a linha p e r m a n e c e u sob a d m i n i s t r a ç ã o inglesa até 1 9 0 1 , q u a n d o foi alugada a outros
particulares, sem jamais alcançar o o b j e t i v o previsto: c h e g a r ao S ã o Francisco através
da C h a p a d a D i a m a n t i n a .
a E . F . C e n t r a l d a B a h i a . M a s n ã o h a v i a c o m o e n c o n t r a r i n v e s t i d o r e s p r i v a d o s . Assim,
a lei n ° 1 . 8 1 2 d e 1 1 d e j u l h o d e 1 8 7 8 a u t o r i z o u o g o v e r n o p r o v i n c i a l a a s s u m i r ele
p r ó p r i o a c o n s t r u ç ã o . E m 1 8 9 0 , 3 5 , 9 4 q u i l ô m e t r o s de vias férreas e s t a v a m c o n s t r u í d o s ,
m a s a o b r a s ó foi c o m p l e t a d a e m 1917.
A c o n s t r u ç ã o da l i n h a d e N a z a r é , q u e ligaria essa c i d a d e — e s p é c i e de p e q u e n a
c a p i t a l d o sul d o R e c ô n c a v o — c o m o i n t e r i o r d a r e g i ã o , e n f r e n t o u as m e s m a s dificul-
d a d e s , q u e p r o v a r a m m a i s u m a v e z a r e s i s t ê n c i a dos b a i a n o s e m i n v e s t i r e m ferrovias.
E m 1 8 7 2 a T r a m - R o a d N a z a r é C o m p a n y g a s t o u e m u m a n o t o d o o seu capital — 4 0 0
c o n t o s d e réis — e t e v e d e i n t e r r o m p e r o s t r a b a l h o s . O s 3 4 q u i l ô m e t r o s q u e se
e s t e n d e r a m e n t r e N a z a r é , O n h a e S a n t o A n t ô n i o d e J e s u s f o r a m c o n s t r u í d o s por
c o m p a n h i a s q u e se s u c e d i a m , u m a c o m p r a n d o a m a s s a falida d a o u t r a . E s t a linha e a
d e S a n t o A m a r o e r a m , n o e n t a n t o , d a m a i o r i m p o r t â n c i a , u m a vez q u e d e v i a m atra-
vessar z o n a s f é r t e i s , e m q u e se p l a n t a v a m c a n a - d e - a ç ú c a r , c a f é , f u m o e cereais.
T A B E L A 75
O f r a c a s s o de b o a p a r t e das ferrovias e a a u s ê n c i a de u m a p o l í t i c a de a m p l i a ç ã o e
m e l h o r i a da a n t i g a m a l h a de estradas — o p r i m e i r o p l a n o c o m esse i n t u i t o só surgiria
em 1 9 1 7 — r e s u l t a v a m n ã o só na m á i n t e g r a ç ã o e c o n ô m i c a das vastas regiões d o
i n t e r i o r , c o m o na sua m á i n t e g r a ç ã o a d m i n i s t r a t i v a , c o m a s o b r e v i v ê n c i a das velhas
estruturas, e m q u e os c h e f e s locais d e t i n h a m u m p o d e r m u i t o p o u c o c o n t r o l a d o pelos
governos provincial ou c e n t r a l . 4
T A B P. I. A 76
M O V I M E N T O DE N A V I O S
N O P O R T O DE SALVADOR, 1798-1810
O q u e o c o r r e u d e p o i s é i l u s t r a d o p o r u m a i n t e r e s s a n t e c o m p a r a ç ã o : se t o m a m o s o
a n o 1 8 2 1 — para o q u a l t e m o s d a d o s r e f e r e n t e s a e m b a r c a ç õ e s d e todas as nacionali-
dades , v e m o s q u e , de 5 2 navios de b a n d e i r a p o r t u g u e s a q u e passaram pelo p o r t o de
S a l v a d o r , 4 4 ( 8 4 , 6 % ) v o l t a r a m a p o r t o s p o r t u g u e s e s , a o passo q u e , das 9 5 e m b a r c a -
ções inglesas q u e p o r ali p a s s a r a m , 4 1 ( 4 3 , 1 % ) levaram m e r c a d o r i a s baianas para
o u t r o s p o r t o s e u r o p e u s q u e n ã o os ingleses.
É e v i d e n t e p o r t a n t o q u e , n u m t e m p o b a s t a n t e c u r t o , as c o m p a n h i a s inglesas de
navegação a ç a m b a r c a r a m o t r a n s p o r t e das m e r c a d o r i a s baianas, o que é c o n f i r m a d o
pela i m p o r t â n c i a q u e assumiram as i m p o r t a ç õ e s diretas de mercadorias produzidas na
Inglaterra. E m 1 8 1 0 , catorze navios portugueses partiram d e Salvador para portos
ingleses. J á em 1 8 2 1 n e n h u m deles teve esse d e s t i n o . É verdade q u e 1 8 1 0 foi um a n o
de guerra, e Portugal estava o c u p a d o p e l o e x é r c i t o francês. M a s dados referentes ao
a n o de 1 8 1 5 c o n f i r m a m a perda de i m p o r t â n c i a de Portugal n o transporte de merca-
LIVRO V I - O C O T I D I A N O DOS H O M E N S Q U E PRODUZIAM E T R O C A V
AM 47 S
P o r o u t r o l a d o , e n q u a n t o os n a v i o s das d e m a i s n a c i o n a l i d a d e s transportavam
m e r c a d o r i a s , a o q u e p a r e c e , a p e n a s para seus p o r t o s de o r i g e m , eram ingleses os navios
q u e , a p a r t i r d e 1 8 2 1 , a s s e g u r a v a m o t r a n s p o r t e p a r a o S u l d a E u r o p a . Aliás, o
aumen-
t o d o n ú m e r o d e n a v i o s e s t r a n g e i r o s e a p e r d a d a i m p o r t â n c i a de P o r t u g a l sã_
sao c o r r o -
b o r a d o s pela c o m p a r a ç ã o e n t r e a p a r t i c i p a ç ã o dos n a v i o s p o r t u g u e s e s e a dos navios
e s t r a n g e i r o s n o t r á f e g o i n t e r n a c i o n a l . S e g u n d o C a t h e r i n e L u g a r , e m 1 8 1 6 os navios
p o r t u g u e s e s j á r e p r e s e n t a v a m m e n o s d a m e t a d e d o t r á f e g o i n t e r n a c i o n a l q u e se dirigia
p a r a o p o r t o d o R i o d e J a n e i r o ; p a r a o de S a l v a d o r , c o n t u d o , ainda representavam
m a i s d a m e t a d e . E m c o n t r a p a r t i d a , e m 1 8 4 5 / 1 8 4 6 , os navios de b a n d e i r a brasileira
q u e p a r t i c i p a v a m d o t r a n s p o r t e i n t e r n a c i o n a l d e m e r c a d o r i a s eram apenas 5 % n o
p o r t o d o R i o d e J a n e i r o e 4 % n o de S a l v a d o r . A m a i o r p a r t e dos navios portugueses
— tornados 'estrangeiros' após a Independência — t o m o u a bandeira inglesa. 6
E c e r t o t a m b é m q u e , n o s a n o s 1 8 5 0 - 1 8 5 6 , as e m b a r c a ç õ e s portuguesas ainda
c o n s e r v a v a m a s u p r e m a c i a n o t r á f e g o m a r í t i m o e n t r e S a l v a d o r e P o r t u g a l e participa-
v a m d a l i g a ç ã o c o m o u t r o s p o r t o s a l é m d o s das possessões p o r t u g u e s a s , e m b o r a seu
p a p e l t e n d e s s e a d e c l i n a r . B o a p a r t e d o t r á f e g o c o m a Á f r i c a era f e i t o p o r essas e m b a r -
cações portuguesas, o q u e c o n f i r m a os dados qualitativos que destacam a importância
dos c a p i t a i s m e r c a n t i s d a a n t i g a M e t r ó p o l e n o t r á f i c o de escravos. A partir de 1 8 5 0 ,
esse c o m é r c i o e s t a v a o f i c i a l m e n t e a b o l i d o , m a s os a n t i g o s traficantes m a n t i v e r a m in-
t e n s o c o n t a t o c o m o s p o r t o s a f r i c a n o s . A b a s t e c i a m - n o s c o m f u m o , álcool de cana e
t o d a e s p é c i e d e m e r c a d o r i a s , i n c l u s i v e a r t i g o s m a n u f a t u r a d o s e u r o p e u s reexportados
p e l o p o r t o de S a l v a d o r , e v o l t a v a m c a r r e g a d o s de p a n o s da C o s t a — m u i t o do agrado
d a p o p u l a ç ã o a f r i c a n a d a c i d a d e — , t a p e t e s d e fibra vegetal, cestos de v i m e , sabão,
c o l a , a z e i t e - d e - d e n d ê e, às vezes, e s c r a v o s . B u r l a n d o a p r o i b i ç ã o , f a z i a m - n o s d e s e m b a r -
c a r c l a n d e s t i n a m e n t e e m praias d i s c r e t a s .
TABELA 77
ANO EMBARCAÇÕES
13 41
1852 22
41
1853 33
38
1854 27
41
1855 35
42
1856 37
27 25 206
Tocai 154
Fonte: TânU Penido I t e m Portuguesa na Bahia na segunda metade do século XIX, p. 108.
476 BAHIA, S É C U L O X L X
T A B E L A 78
ANO EMBARCAÇÕES
-
1853 24 6 *-
30
1854 23 6
- 34
-—-
1855 35 7
- 42
1856 28 10
- 38
Toral 136 40 3* 179
(*) Duas embarcações da Áustria e uma da Sardenha.
Fonte: Tânia Penido Monteiro, Portugueses na Bahia na segunda metade do século XIX, p. 108.
T A B E L A 79
1851 5 1 2 8
1852 6 1
- 7
1853 4 1 1
- 6
1854 8 4 2 - 14
1855 6 2 - 8
1856 6 1 1 8
Total 35 5 8 2 1 51
Fonte: Tânia Penido Monteiro, Portugueses na Bahia na segunda metade do século XIX, p. 112.
T A B E L A 80
1851 5 3 6 1 - - - 15
- - -
1852 6 12
3 1 2
- - -
1 28
1853 6 19 2
-
1854 1 4 20
9 4 l 1
- - -
1855 19
13 2 2 2
1856 11 2 _ 1 - - 1 15
Total 50 1 5 1 109
33 12 7
Fonte: Tinia Penido M o n t e i r o . Portuguesa na Bahia na segunda metadt do século XIX, p.
t'™J^OCo I ! ^ D _o ^
i s Q Ü E P r o d u z h m e T r o c a v a m
4 "
TABELA 8 1
N A V E G A Ç Ã O D E L O N G O C U R S O N O BRASIL ( E M TONELADAS)
TABELA 82
N A V E G A Ç Ã O D E L O N G O C U R S O NA B A H I A ( E M T O N E L A D A S )
1853-1858, 1862-1867, 1876-1879, 1885-1888
para q u a n t i f i c á - l a . P o d e - s e , p o r é m , m e s m o s e m s a b e r a n a c i o n a l i d a d e o u o n ú m e r o
dos navios, c o m p a r a r a t o n e l a g e m das e n t r a d a s e saídas d o s navios d e l o n g o curso dos
portos brasileiros e m geral e d a B a h i a e m p a r t i c u l a r , e n t r e 1 8 5 3 / 1 8 5 4 e 1 8 8 8 . Afora
os intervalo d e 1 8 5 4 / 1 8 5 5 a 1 8 5 7 / 1 8 5 8 — q u a n d o , p o r força das epidemias de febre
amarela c d e c ó l e r a - m o r b o , se a p r o x i m o u d e 1 2 % — , a p a r t i c i p a ç ã o do p o r t o da Bahia
na navegação de l o n g o c u r s o brasileira foi d e 2 0 % e m m é d i a , d e c l i n a n d o n o s exercí-
cios dc 1 8 8 6 - 1 8 8 7 c 1 8 8 8 para 1 7 , 1 % e 1 6 % , r e s p e c t i v a m e n t e . Salvador manteve,
p o r t a n t o , u m a p o s i ç ã o i m p o r t a n t e e n t r e os p o r t o s d o país, e m b o r a provavelmente
m u i t o s navios apenas aportassem ali, sem ser carregados ou descarregados. Era um dos
portos mais caros d o Brasil c as e m b a r c a ç õ e s p r o c u r a v a m nele permanecer o m e n o r
t e m p o possível.
A partir dos anos 1 8 6 0 , novas linhas regulares foram abertas, tanto para o exterior
c o m o para outros portos brasileiros. P e r t e n c i a m e m geral a c o m p a n h i a s formadas por
armadores estrangeiros, c o m sede n o exterior. As linhas d e vapores dessas empresas
para t r a n s p o n e d e carga e d e passageiros — beneficiavam-se de contratos privilegiados
c dc subvenções governamentais, f o r m a n d o muitas vezes m o n o p ó l i o s . O melhor exem-
LJVRO V U O C ^ O ^ H O K , ^ , PRODUZIAM . TROCAVAM
479
Z ^ Z L r a f a s t a a i d é i a d e m o n o p 6 l i o
^ - * • * - - p é . :
O v a i v é m das e m b a r c a ç õ e s n o p o r t o de S a l v a d o r i m p r e s s i o n a v a os forasteiros. N o
início do século X I X , L i n d l e y e s c r e v i a : " O c o m é r c i o realizado nas imediações da
B a h i a , g r a n d e p a r t e d o q u a l c o m o i n t e r i o r , é r e a l m e n t e e s p a n t o s o . O i t o c e n t a s lanchas
e s u m a c a s d e v á r i o s t a m a n h o s t r a z e m c o t i d i a n a m e n t e sua c o n t r i b u i ç ã o para o c o m é r -
c i o c o m a c a p i t a l : f u m o , a l g o d ã o , m e r c a d o r i a s diversas, de C a c h o e i r a ; o maior sorti-
mento de louça c o m u m , d e J a g u a r i p e ; a g u a r d e n t e e ó l e o de baleia, de Itaparica;
f a r i n h a e p e i x e s a l g a d o , d e P o r t o S e g u r o ; a l g o d ã o e m i l h o , dos rios Real e S ã o F r a n -
c i s c o ; a ç ú c a r , l e n h a e l e g u m e s , de t o d o s o s lugares. U m a riqueza, em grau desconhe-
c i d o n a E u r o p a , é a s s i m p o s t a e c i r c u l a ç ã o . " M a i s de c e m viajantes q u e passaram pela
9
B a h i a a o l o n g o d o s é c u l o n o s d e i x a r a m t e s t e m u n h o s s e m e l h a n t e s . U m deles, o c o m a n -
d a n t e M o u c h e z , d a m a r i n h a f r a n c e s a , avaliou e m m a i s de m i l o n ú m e r o de embarca-
ç õ e s q u e f a z i a m a c a b o t a g e m e n t r e rios e a b a í a . 1
T A B E L A 83
T A B E L A 84
Fonte: A inserção ¿11 Bahia na evolução nacional, p. 175- -176 (Anexo estatístico).
TABULA 85
(*) Todas as quantidades estão expressas cm arrobas. menos a de couros, expressas em livros.
Fonte; A inserção da Bahia na evolução nacional* p- 59 (Anexo estatístico).
d a d e , e m m a i o r o u m e n o r q u a n t i d a d e , m a s c o m o m e s m o c o n h e c i m e n t o dos escolhos,
dos b a n c o s d e a r e i a e d o s v e n t o s e i g u a l m e n t e à m e r c ê das c ó l e r a s d e I e m a n j á .
N ã o s a b e m o s se o s d a d o s d i s p o n í v e i s s o b r e a n a v e g a ç ã o d e c a b o t a g e m referem-se
a t o d a s as e m b a r c a ç õ e s q u e e n t r a v a m e s a í a m d o p o r t o d a B a h i a , o u só aos barcos a
v a p o r , c u j a s l i n h a s u l t r a p a s s a v a m o s l i m i t e s d a P r o v í n c i a . A o q u e p a r e c e , e n t r e os
p r o d u t o s n a c i o n a i s t r a n s p o r t a d o s p o r c a b o t a g e m e q u e e n t r a v a m na B a h i a e m regime
de f r a n q u i a , s ó o s t r a n s p o r t a d o s pelas embarcações a vapor eram efetivamente
r e g i s t r a d o s . A c a r g a das p e q u e n a s e m b a r c a ç õ e s s o f r i a p a r c o c o n t r o l e , a j u l g a r pelas
c o n s t a n t e s r e c l a m a ç õ e s , n o s r e l a t ó r i o s d o s p r e s i d e n t e s d a P r o v í n c i a , s o b r e as c o n s t a n -
tes f r a u d e s n a v e n d a d e g ê n e r o s i n t r o d u z i d o s c l a n d e s t i n a m e n t e n o m e r c a d o d a c a p i -
tal. 1 4
Aliás, o g r a n d e n ú m e r o d e a n g r a s d e fácil a c e s s o às e m b a r c a ç õ e s de p e q u e n o
c a l a d o e a p r ó p r i a e s t r u t u r a d o p o r t o d e S a l v a d o r f a c i l i t a v a m t r a n s p o r t e s clandestinos
e todo tipo de fraude.
L i n d l e y , o c o n t r a b a n d i s t a inglês q u e t ã o b e m s o u b e o b s e r v a r a B a h i a d o início do
século X I X , parece ter p e c a d o u m a vez p e l o e x a g e r o : e n t r e o p o r t o de S a n t o A n t ô -
n i o e a p o n t a de M o n t s c r r a t c o m a praia de I t a p a j i p e , disse ele, "fica o ancoradou-
ro, b e m a b r i g a d o de t o d o s os v e n t o s e e m lugar d e s i m p e d i d o , h a v e n d o espaço para
q u e se possam r e u n i r sem c o n f u s ã o todas as esquadras d o m u n d o " . 1 5
O que de fato
havia era, c o m o v i m o s , u m p o r t o e n g a r r a f a d o . D e s d e os primeiros anos do século
as autoridades e r a m u n â n i m e s em c l a m a r p o r m e l h o r i a s .
P o r volta de 1 8 1 6 , p o r iniciativa d o capitão-geral, o C o n d e dos Arcos, cogitou-se
seriamente em c o n s t r u i r u m canal q u e atravessaria Itapajipe, pois a p o n t a de Montserrat,
c o m seus recifes, era perigosa para as pequenas e m b a r c a ç õ e s q u e tentavam dobrá-la em
mar agitado. O canal de Itapajipe permitiria fácil a n c o r a g e m , na baía do m e s m o
Li\-Ro V I - O C O T I D I A N O DOS H O M E N S Q U E PRODUZIAM E TROCAVAM 483
E m 1 8 5 4 , J o ã o G o n ç a l v e s F e r r e i r a a p r e s e n t o u às a u t o r i d a d e s imperiais u m gran-
dioso projeto de aterro q u e a u m e n t a r i a o distrito comercial da Cidade Baixa. Pro-
pôs t a m b é m a c o n s t r u ç ã o d e diversos c a n a i s p a r a m e l h o r a b r i g a r os navios n o p o r -
t o . C o n f i a d o a o e n g e n h e i r o A n d r é P r z a w d o w s k i , o p r o j e t o valeu a G o n ç a l v e s Ferreira
o a p e l i d o d e ' J ° ã o dos C o c o s ' , e x p r e s s ã o q u e q u e r i a dizer h o m e m leviano, visioná-
r i o . . . A p ó s e n v i o d e várias p e t i ç õ e s a o g o v e r n o i m p e r i a l , t o d a s recusadas, a idéia foi
abandonada.
E m 1 8 7 0 , n o v a o f e n s i v a d a i n i c i a t i v a p r i v a d a : a p o i a d o s n o d e c r e t o imperial de 13
de o u t u b r o d e 1 8 6 9 , o s h e r d e i r o s de J o ã o G o n ç a l v e s F e r r e i r a , F r a n c i s c o I g n a c i o Ferreira
e M a n o e l J e s u í n o F e r r e i r a , p e d i r a m a o g o v e r n o p r o v i n c i a l p r e f e r ê n c i a para c o n s t r u i r
c i n c o d o c a s e e n t r e p o s t o s e n t r e o p r é d i o d a A l f â n d e g a e a p r a i a de J e q u i t a i a . E r a u m
p r o j e t o a m b i c i o s o : previa a c o n q u i s t a , a o m a r , da área q u e ia a t é o forte S ã o M a r c e l o ,
e o a l a r g a m e n t o dos t e r r e n o s s i t u a d o s e n t r e a A l f â n d e g a e a p r a ç a d o C o m é r c i o . Seriam
c o n s t r u í d o s ali c i n c o c a n a i s , de t r i n t a a c i n q ü e n t a m e t r o s de largura e c o m p r o f u n d i -
dade s u f i c i e n t e p a r a o t r â n s i t o d e n a v i o s d e g r a n d e c a l a d o , cais de e m b a r q u e de
passageiros e d e m e r c a d o r i a s e g r a n d e s e n t r e p o s t o s . O s i r m ã o s Ferreira p r o m e t i a m
t a m b é m a u m e n t a r a p a r t e c o m p r e e n d i d a e n t r e a praça d o C o m é r c i o c J e q u i t a i a e
encarregar-se da m a n u t e n ç ã o dos serviços gerais d o p o r t o . 1 7
C o m o se v ê , as t e n t a t i v a s d e f a z e r n o p o r t o d e S a l v a d o r as m e l h o r i a s t ã o necessá-
rias p a r a f a c i l i t a r o t r a n s p o r t e d e p a s s a g e i r o s e d e c a r g a n ã o t i v e r a m m a i o r ê x i t o q u e os
esforços para d o t a r a P r o v í n c i a d e u m s i s t e m a ferroviário. V i m o s que, neste último
c a s o , os g o v e r n o s p r o v i n c i a l e g e r a l e r a m a m b i v a l e n t e s : o r a f a v o r e c i a m os p r o j e t o s
p r i v a d o s e c h e g a v a m a g a r a n t i r a r e m u n e r a ç ã o d o s e u c a p i t a l , o r a se e n c a r r e g a v a m eles
m e s m o s d a c o n s t r u ç ã o d a s e s t r a d a s , s e m o b t e r m e l h o r e s r e s u l t a d o s q u e a g e s t ã o priva-
d a . S e r i a esse f r a c a s s o u m r e f l e x o d o p e s o n e g a t i v o d a e s t r u t u r a a d m i n i s t r a t i v a a u t o r i -
tária e c e n t r a l i z a d o r a d o I m p é r i o , c u j a l e n t i d ã o e n t r a v a v a os projetos? E n o e n t a n t o ,
c o m o m e n c i o n a m o s , a elite p o l í t i c a b a i a n a estava b e m - s i t u a d a n o governo central,
pelos ministérios q u e o c u p a v a , p o r sua r e p r e s e n t a ç ã o n o S e n a d o e n a Assembléia Geral
e p o r s u a p r e s e n ç a n o g o v e r n o p r o v i n c i a l . A o d e i x a r e m s u a s p r o v í n c i a s p a r a servir ao
E s t a d o c e n t r a l , o s p o l í t i c o s p a r e c i a m p a s s a r a se e m p e n h a r m a i s n a d e f e s a d e interesses
de caráter n a c i o n a l . S e n d o m e m b r o s da elite agrária da Província, n ã o p o d i a m esque-
c e r de t o d o o s p r o b l e m a s q u e a f e t a v a m a p r o s p e r i d a d e d e suas f a m í l i a s , m a s a t u a v a m
s e m e n t u s i a s m o e d e f r o n t a v a m c o m o s i n t e r e s s e s m a i s f o r t e s d o I m p é r i o . P a r a este,
m a n t e r o statu quo s i g n i f i c a v a p r e s e r v a r c e r t a s v a n t a g e n s fiscais q u e u m a m o d e r n i z a ç ã o
confiada ao capital privado poderia c o m p r o m e t e r . 2 0
D e f a t o , a c o n c e s s ã o o u t o r g a d a a o s i r m ã o s F e r r e i r a e m 1 8 7 1 e, p o r seu i n t e r m é -
d i o , à B a h i a D o c k s C o m p a n y L i m i t e d , t i n h a d u r a ç ã o p r e v i s t a d e n o v e n t a a n o s , após
o q u e a a d m i n i s t r a ç ã o d o p o r t o passaria a o g o v e r n o d a P r o v í n c i a . E s t e se reservava o
d i r e i t o de c o m p r a r a c o n c e s s ã o , r e s t i t u i n d o o c a p i t a l i n v e s t i d o c o m j u r o s d e 8 % , ao
a n o , m a s era p o u c o p r o v á v e l q u e , c o m s u a c r ô n i c a falta de d i n h e i r o , pudesse fazer tal
c o m p r a em prazo t ã o c u r t o . 2 1
A c o m p a n h i a t i n h a o d i r e i t o d e c o b r a r p o r seus serviços
(de cais, d o c a s , e m b a r q u e e d e s e m b a r q u e ) as m e s m a s tarifas fixadas para a C o m p a n h i a
d a D o c a da A l f â n d e g a , d o R i o d e J a n e i r o . P o d i a t a m b é m e m i t i r títulos de garantia
(warrants) das m e r c a d o r i a s d e p o s i t a d a s , q u e l h e s v a l i a m 2 5 % d o valor declarado das
m e s m a s . As tarifas eram passíveis de revisão, m a s só p o d e r i a m b a i x a r q u a n d o o l u c r o
l í q u i d o d a c o m p a n h i a fosse s u p e r i o r a 1 2 % d o capital i n v e s t i d o nas c o n s t r u ç õ e s e n o
material fixo e r o l a n t e . A d e m a i s , passageiros n a d a p a g a v a m , a m e n o s q u e portassem
v o l u m e s c o m m a i s de t r i n t a q u i l o s . 2 2
N a é p o c a c o l o n i a l , as m e r c a d o r i a s e x p o r t a d a s o u i m p o r t a d a s pelo p o r t o de Salva-
d o r e r a m depositadas e m t r a p i c h e s , m u i t o s dos q u a i s p e r t e n c e n t e s a c o m e r c i a n t e s .
486 BAHIA, S É C U L O XIX
lucros cessantes e seriam expropriados em troca de somas muito inferiores ao valor dos
imóveis de então. Cabe notar que esses donos de entrepostos eram também negociantes,
exportando e importando mercadorias, e ainda financiavam a atividade açucareira. A
perda dos trapiches significava para eles a perda de parte do controle que tinham sobre
os produtores de açúcar, bem como sobre suas próprias mercadorias, que passariam a ser
armazenadas em docas anônimas, freqüentadas por todos.
Para os modernizadores, interessava retirar do grupo conservador o domínio sobre
o porto, confiando-o a uma nova administração. Neste campo, convém distinguir
duas tendências. Havia os que, como os irmãos Ferreira, apresentavam projetos de
modernização global do porto e os que, como José Antônio de Araújo, se propunham
construir uma única doca e reconstruir dois grandes mercados, o de Ouro e o de S a n t a
Bárbara. Na verdade, as duas posições não diferiam muito. O individualismo demons-
trado por um José Antônio de Araújo equivalia ao de um Pedroso de Albuquerque ou
ao de um Pereira Marinho — todos desejavam conservar privilégios. Os que apresen-
tavam projetos sob o pretexto da modernização não me parecem mais abnegados que
os negociantes que a eles se opunham. Nos dois casos, o interesse privado primava
sobre o público. A atitude dos donos de trapiche não diferia da dos produtores de
açúcar que recusavam a passagem de ferrovias por suas terras. Isto explica o insucesso
de projetos mais completos, como o da Bahia Docks Company Limited ou o da Bahia
and São Francisco Railway Company. A primeira, apesar do capital inglês que captara,
jamais obteve a concessão; a segunda, também inglesa, interrompeu bruscamente suas
atividades antes de atingir o objetivo: Juazeiro e o São Francisco.
A responsabilidade do governo não foi menor, mas ainda ignoramos o papel que
a elite política baiana desempenhou nesse caso. O estudo de suas atitudes nesses
domínios — vitais, embora muito específicos — talvez permitisse compreender me-
lhor por que tantas linhas ferroviárias não foram concluídas, por que novas estradas
não foram abertas, por que, enfim, o novo porto de Salvador só veio a ser realizado —
entre 1 9 0 6 e 1 9 2 0 — exatamente quando a economia baiana chegava ao ponto mais
baixo de seu declínio. Declínio relativo, sem dúvida, porque a praça de Salvador
continuava a ser um centro comercial muito ativo.
C A P [ T U I. O 2 7
nacional. Sem esquecer as epidemias, que podiam atingir tanto a produção (a cana-de-
açúcar em 1 8 7 3 ) quanto os homens, como a febre amarela e o cólera-morbo nos anos
1 8 5 0 . Essas crises esgotavam as forças da Província e desencorajavam os homens. As
exportações quase sempre superavam as importações, numa hemorragia de capitais
que exauria paulatinamente as forças econômicas locais, incapazes de reverter os ter-
mos de intercâmbio em favor da Bahia.
Os produtos tradicionalmente exportados, como já foi dito, eram açúcar, fumo,
algodão, aguardente, algum café e cacau, couro, e os diamantes e carbonatos que
487
48S BAHIA, SÉCULO X I X
t e c i d o s , c a l ç a d o s , c h a p é u s , p o r c e l a n a , o b j e t o s de o u r o e de prata, i n s t r u m e n t o s musi-
cais e certos g ê n e r o s a l i m e n t í c i o s dispensáveis f o r m a v a m , e m 1 8 7 4 - 1 8 7 5 , 8 1 , 9 % do
valor total das i m p o r t a ç õ e s . E x c e ç ã o feita ao carvão, c o b r e , a ç o , papel, pólvora, fósfo-
ros e a l g u n s p r o d u t o s classificados n a r u b r i c a 'diversos', todos os demais itens de
i m p o r t a ç ã o p o d e m ser c o n s i d e r a d o s de c o n s u m o s u n t u a r i o .
A s s i m , os c o m e r c i a n t e s t i n h a m p o d e r s u f i c i e n t e para m a n i p u l a r as q u a n t i d a d e s e
as q u a l i d a d e s o f e r e c i d a s , e n q u a n t o n o i n t e r i o r e n c a l h a v a m e x c e d e n t e s , p r o m o v e n d o o
e m p o b r e c i m e n t o d a c i d a d e . M a s , para c o m p r e e n d e r o f u n c i o n a m e n t o dessa estrutura,
é preciso p r i m e i r o s a b e r q u e m e r a m esses h o m e n s , q u e t é c n i c a s c o m e r c i a i s e m p r e g a -
vam, com que meios de financiamento c o n t a v a m e q u e t i p o de n e g ó c i o s p r a t i c a v a m .
Os COMERCIANTES
V e n d e r era, de l o n g e , o o f í c i o m a i s p r a t i c a d o n a S a l v a d o r d o s é c u l o X I X . D e alto a
b a i x o da escala s o c i a l , h o m e n s e m u l h e r e s e x e r c i a m a l g u m t i p o de c o m é r c i o : eram
grandes n e g o c i a n t e s , c o m e r c i a n t e s de t o d o s os c a l i b r e s , c a i x e i r o s - v i a j a n t e s , a m b u l a n -
tes, leiloeiros, agentes de c â m b i o , c o r r e t o r e s , p r o p r i e t á r i o s de e n t r e p o s t o s . As realida-
des q u e se o c u l t a v a m sob tais atividades são difíceis de d e s l i n d a r ou de q u a n t i f i c a r . Era
um c o n j u n t o q u e só t i n h a c m c o m u m a essência da atividade q u e lhes garantia a
subsistência — a c o m p r a c a v e n d a — , c e x t r e m a m e n t e díspar n o t i p o , v o l u m e e nível
dos n e g ó c i o s p r a t i c a d o s .
N o fim d o século X V I I I , V i l h e n a m o s t r a v a - s c perplexo d i a n t e d o c o m é r c i o da
B a h i a . E l e c o n f e s s o u q u e , à falta d c " l u z e s " para descrevê-lo c o m c o e r ê n c i a , se c o n t e n -
taria c o m algumas c o n s i d e r a ç õ e s gerais q u e permitissem u m a classificação por peso
e c o n ó m i c o , ainda q u e os critérios fossem precários c i n s u f i c i e n t e m e n t e definidos.
N o t o p o da organização c o m e r c i a l , os grandes negociantes tratavam da exportação
de produtos primários para os mercados i n t e r n a c i o n a i s , dos quais importavam m a n u -
faturados, a l i m e n t o s c escravos. E r a m eles q u e financiavam a produção agrícola, m e s m o
LIVRO V I - Q COTIDlANOD^HoMENs QUE PRODUZIAM E TROCAVAM
491
A t é a a b e r t u r a d o s p o r t o s o s g r a n d e s n e g o c i a n t e s e r a m luso-brasileiros, isto é,
p o r t u g u e s e s i n s t a l a d o s n a B a h i a o u seus filhos; n o geral, p o r é m , q u a n d o o pai fazia
f o r t u n a os filhos a b r a ç a v a m p r o f i s s õ e s l i b e r a i s , i n g r e s s a n d o m u i t a s vezes na a d m i n i s -
t r a ç ã o c o l o n i a l . O g r u p o e r a s e m p r e r e n o v a d o p e l a c h e g a d a de novas pessoas, q u e c o m
f r e q ü ê n c i a t i n h a m p a r e n t e s j á e s t a b e l e c i d o s n o r a m o , c o m os quais viviam e faziam seu
aprendizado. O s m a i s a f o r t u n a d o s c h e g a v a m a s u c e d e r a o e x - p a t r ã o à frente dos
n e g ó c i o s , o u t r o s c h e g a v a m a a d q u i r i r c r é d i t o s u f i c i e n t e para criar o p r ó p r i o estabele-
c i m e n t o (aliás, p a r a i s s o , e r a m a i s i m p o r t a n t e t e r c r é d i t o n a p r a ç a q u e c a p i t a l ) . A partir
d e 1 8 0 8 as c o n d i ç õ e s c o m e r c i a i s se t r a n s f o r m a r a m m u i t o : os portugueses perderam o
m o n o p ó l i o e as g r a n d e s t r a n s a ç õ e s c o m e r c i a i s passaram a ser exercidas p o r gente de
todas as n a c i o n a l i d a d e s .
a n g l o - b r a s i l e i r o , m a s , n ã o o b s t a n t e os c o n t a t o s q u e m a n t i n h a m na G r ã - B r e t a n h a
os
o b s t á c u l o s foram excessivos. A h i s t o r i a d o r a n o r t e - a m e r i c a n a C . Lugar a p o n t a
uma
série deles: a rápida c h e g a d a , a S a l v a d o r , de c o m e r c i a n t e s ingleses, representantes d e
"casas c o m g r a n d e e x p e r i ê n c i a n o c o m é r c i o a n g l o - p o r t u g u ê s , a i m i g r a ç ã o de experien-
tes c o m e r c i a n t e s q u e t r a n s f e r i r a m sua base de o p e r a ç õ e s de L i s b o a para a B a h i a , o
d i m i n u t o m e r c a d o inglês para o s p r o d u t o s b a i a n o s (salvo o a l g o d ã o ) , a organização d o
m e r c a d o de L o n d r e s ( q u e , o p e r a n d o c o m s i s t e m a de c o r r e t a g e m , exigia c o n t a t o s
pessoais) e, finalmente, o a p o i o d i p l o m á t i c o inglês aos c o m e r c i a n t e s de seu p a í s . 1 5
493
lhes valia b o n s g a n h o s S m m a i ^ r r« . ,
a t i v i d a d e s eme |L n P r O
' °'
V m h a
diversificação das
d c f a t d e s s a
d e p o i s t r a n s p o r t a d o s pa a S .vado ^ , . a e l e v a ç â o d o s p r e ç o s
TA B E L A 8 6
C O N C E N T R A Ç Ã O D E CAPITAIS NA B A H I A ,
1 8 7 9 - 1 8 9 9 (EM C O N T O S D E RÉIS)
Suíços 60:000
Alemães 40:000
Portugueses 37:000
Italianos 20:000
Franceses 16:000
Brasileiros 16:000
Espanhóis 5:000
Ingleses 4:000
Norte-americanos 4:000
A c i d a d e r e u n i a t o d a e s p é c i e d e v a r e j i s t a s e r e v e n d e d o r e s . O s m a i s i m p o r t a n t e s , já
se v i u , t i n h a m m e r c e a r i a s , t a b e r n a s , p a d a r i a s e l o j a s d e t e c i d o s e de f e r r a g e n s instaladas
n o s b a i r r o s c e n t r a i s . S e r v i a m a u m a p o p u l a ç ã o n u m e r o s a . S e r p r o p r i e t á r i o de loja
c o n f e r i a c e r t o p r e s t í g i o s o c i a l . A o l a d o s d e l e s , c o n v i v i a e n o r m e q u a n t i d a d e de feirantes
e v e n d e d o r e s a m b u l a n t e s , q u e e x p u n h a m e m t a b u l e i r o s o u b a r r a c a s , o u levavam de
p o r t a e m p o r t a , d e s d e f r u t a s , l e g u m e s , p e i x e s , c a r n e s e g ê n e r o s d e m e r c e a r i a e m geral,
até t e c i d o s e m i u d e z a s v a r i a d a s . E r a m livres p a r a fixar seus p r e ç o s , m a s t i n h a m q u e ter
l i c e n ç a para c o m e r c i a r , p a g a n d o o i m p o s t o c o r r e s p o n d e n t e . C o m p e t i a à M u n i c i p a l i d a d e
c o n c e d e r o u r e c u s a r as l i c e n ç a s , a r r e c a d a n d o d e p o i s o i m p o s t o — e n t r e q u a t r o e c i n c o
réis — q u e i n c i d i a s o b r e o s ' t a b u l e i r o s ' e ' c a i x a s ' dos v e n d e d o r e s a m b u l a n t e s .
A ORGANIZAÇÃO COMERCIAL
Q u a l q u e r p e s s o a , c i d a d ã o b r a s i l e i r o o u n ã o , p o d i a c o m e r c i a r , desde q u e dispusesse
l i v r e m e n t e d e s u a pessoa e d e seus b e n s . As m u l h e r e s casadas e m e n o r e s d e idade
p r e c i s a v a m d e a u t o r i z a ç ã o d o s m a r i d o s o u d o s pais.
simples transportadores.
C o m a i n t e r d i ç ã o do t r á f i c o d e e s c r a v o s , s u r g i r a m o u t r a s possibilidades dc inves-
t i m e n t o , sc não m a i s r e n t á v e i s , bem m a i s s e g u r a s . D e f a t o , j á n o s a n o s 1 8 4 0 . c o m e ç a -
ram a ser f o r m a r , t a n t o e m S a l v a d o r c o m o e m p e q u e n a s c i d a d e s d o R e c ó n c a v o , c o m -
p a n h i a s d c c o m é r c i o o u ' s o c i e d a d e s a n ô n i m a s ' . S e g u n d o a legislação e m vigor na
é p o c a , tais c o m p a n h i a s d e v i a m ser e s t a b e l e c i d a s p o r u m t e m p o d e t e r m i n a d o c ter a
a u t o r i z a ç ã o d o g o v e r n o , e x i g ê n c i a q u e n ã o se a p l i c a v a n e m às sociedades simples de
pessoas, n e m às c o m a n d i t a s .
N a s s o c i e d a d e s s i m p l e s , v i m o s q u e o s s ó c i o s g a r a n t i a m as dívidas c o m os p r ó -
prios b e n s ; j á o s c o m a n d i t a r i o s s ó e r a m r e s p o n s á v e i s p o r dívidas da sociedade até o
limite de seu próprio i n v e s t i m e n t o ; 2 0
n a s s o c i e d a d e s a n ô n i m a s — sociedades d e c a -
pitais, p o r e x c e l ê n c i a — o s r i s c o s e r a m a i n d a m e n o r e s : os s ó c i o s só eram responsáveis
p e l o v a l o r d a s a ç õ e s e m i t i d a s . C o m o h o j e , n ã o t i n h a m c o m p r o m i s s o c o m dívidas
s o c i a i s , c u j a ú n i c a g a r a n t i a e r a o c a p i t a l s o c i a l c o n s t i t u í d o pelos i n v e s t i m e n t o s e os
lucros.
E m b o r a se a p l i c a s s e a t o d o t i p o d e m e r c a d o r i a s , a a ç ã o dos o l i g o p ó l i o s se eviden-
ciava s o b r e t u d o n o c a s o d o s a l i m e n t o s , d a d a a i m p o r t â n c i a destes n a e c o n o m i a p o p u -
lar. N a p r á t i c a c o m e r c i a l d o s b a i a n o s , s e m p r e p r e v a l e c e u o e n t e n d i m e n t o , o a c o r d o ,
i m p e d i n d o a f o r m a ç ã o d e u m a v e r d a d e i r a c o n c o r r ê n c i a , o q u e p o d e ser c o n s t a t a d o
pela a n á l i s e d o s p r e ç o s d o s víveres c o n s u m i d o s p e l o H o s p i t a l d a M i s e r i c ó r d i a de
S a l v a d o r . M e s m o q u a n d o h a v i a m u d a n ç a de f o r n e c e d o r e s , os p r e ç o s n ã o baixavam.
E r a , a f i n a l , u m p e q u e n o g r u p o — n ã o m a i s q u e u m a v i n t e n a — q u e se m a n t i n h a n o
t o p o d a h i e r a r q u i a das a t i v i d a d e s c o m e r c i a i s , c o m o p o d e r d e d i t a r a 'lei d o m e r c a d o ' .
m a i s n a d a , havia o g r a n d e n e g o c i a n t e , q u e se m a n t i n h a e m r e l a ç ã o c o m os m e r c a d o s
internacionais e nacional. O c o m e r c i a n t e b a i a n o era u m i n t e r m e d i á r i o e n t r e esse
n e g o c i a n t e e s t r a n g e i r o , e x p o r t a d o r e i m p o r t a d o r , e o c o m e r c i a n t e l o c a l , q u e v e n d i a as
m e r c a d o r i a s i m p o r t a d a s n o v a r e j o ; era e l e t a m b é m , p o r o u t r o l a d o , q u e m f o r n e c i a ao
e x p o r t a d o r os p r o d u t o s a e x p o r t a r . P a r e c e - m e q u e , n o papel de r e d i s t r i b u i d o r de
m e r c a d o r i a s , o c o m e r c i a n t e b a i a n o era m e n o s a u t ô n o m o a o c o m p r a r d o q u e ao v e n -
d e r . P r i m e i r o , p o r q u e o a t o d e c o m p r a r era q u a s e s e m p r e a c o m p a n h a d o p e l o de
vender, pois era p o r i n t e r m é d i o dele q u e os p r o d u t o s da terra eram colocados no
exterior. D e p o i s , p o r q u e os p r o d u t o s exportados n e m sempre t i n h a m b o a demanda
n o s m e r c a d o s e x t e r i o r e s e n ã o h a v i a c o n c o r r ê n c i a e n t r e o s n e g o c i a n t e s e s t r a n g e i r o s da
p r a ç a d e S a l v a d o r , aliás p o u c o n u m e r o s o s . O r a , o c o m e r c i a n t e b a i a n o b u s c a v a l u c r o s ,
a o c o m p r a r m e r c a d o r i a s i m p o r t a d a s o u a o v e n d e r p r o d u t o s d a terra. N e s t e s e g u n d o
c a s o , tais l u c r o s e r a m m a i o r e s q u a n d o ele p r ó p r i o financiava os p r o d u t o r e s , a n t e c i p a n -
d o - I h e s d i n h e i r o o u r e m e t e n d o - l h e s t o d a e s p é c i e d e m e r c a d o r i a . N ã o é difícil i m a g i n a r
o s p r o b l e m a s q u e tal c o m e r c i a n t e p o d i a e n f r e n t a r : a c o n j u n t u r a m u n d i a l p o d i a ser
d e s f a v o r á v e l , o u a i n f l a ç ã o c o r r o e r o s l u c r o s , p o r e x e m p l o . S u a estratégia envolvia o
u s o d e c e r t a s t á t i c a s n a r e l a ç ã o t a n t o c o m o s n e g o c i a n t e s e s t r a n g e i r o s c o m o c o m seus
c o n f r a d e s . A m e t a e r a c o m p r a r m a i s b a r a t o e v e n d e r m a i s c a r o . M a s q u a l era a s i t u a ç ã o
e x a t a d o m e r c a d o ? S e a s i t u a ç ã o d o m e r c a d o d e v e n d a s d o s a t a c a d i s t a s aos varejistas era
de o l i g o p ó l i o , o m e r c a d o d e c o m p r a s se c a r a c t e r i z a v a p e l o o l i g o p s ô n i o , c o m a d i f e r e n -
ça de que neste plano estavam envolvidos dois grupos: o dos vendedores-compradores
(vendiam m a n u f a t u r a d o s e c o m p r a v a m p r o d u t o s da terra) e o de compradores-vende-
dores ( c o m p r a v a m m a n u f a t u r a d o s e v e n d i a m p r o d u t o s da terra).
P a r a c o m e ç a r , o n ú m e r o r e l a t i v a m e n t e p e q u e n o de n e g o c i a n t e s estrangeiros
e m q u e o s i n g l e s e s t i n h a m f o r t e p r e d o m í n i o e c u j o s m e m b r o s p o d i a m estar eventual-
m e n t e c o m p r o m e t i d o s e n t r e si — l i m i t a v a as c h a n c e s q u e t i n h a o c o m e r c i a n t e b a i a n o
de e s c o l h e r p a r c e i r o s . D e p o i s , c o m o v e n d e d o r de p r o d u t o s agrícolas dos quais era
t a m b é m p r o d u t o r i n d i r e t o , p r e c i s a v a até c e r t o p o n t o d o c o n s e n t i m e n t o dos clientes
q u e r e p r e s e n t a v a . P o r f i m , se a p r ó p r i a n o ç ã o de t r o c a i m p l i c a a c o r d o v o l u n t á r i o e n t r e
as p a r t e s s o b r e c o n d i ç õ e s l i v r e m e n t e a c e i t a s p o r c a d a u m a , c a b e p e r g u n t a r c o m o tais
c o n d i ç õ e s p o d i a m v i g o r a r e m f a c e das d i f i c u l d a d e s q u e c e r c a v a m a c o l o c a ç ã o dos
produtos locais n o m e r c a d o . O essencial é saber que possibilidades tinha o comercian-
te b a i a n o , n u m a e v e n t u a l n e g o c i a ç ã o , d e i m p o r suas p r ó p r i a s c o n d i ç õ e s , o . q u e passo
a a n a l i s a r n u m p l a n o t e ó r i c o e h i p o t é t i c o , l e v a n t a n d o p r o b l e m a s sem resolvê-los.
S e r i a p r e c i s o d i s p o r de c o r r e s p o n d ê n c i a s o u das m e m ó r i a s de c o m e r c i a n t e s , d o c u -
m e n t o s q u e i n e x i s t e m . H á a p e n a s três e s t u d o s s o b r e as casas c o m e r c i a i s da B a h i a , de
a u t o r i a de M á r i o A u g u s t o d a Silva S a n t o s , de A r n o l d W i l d b e r g e r e da C a s a W e s t p h a l e n ,
Bach e K r o h n , 2 3
m a s t o d o s s ã o c o m e m o r a t i v o s d e c e n t e n á r i o s , o q u e i m p e d e que
t e n h a m a i m p a r c i a l i d a d e n e c e s s á r i a . M e s m o assim, a c r e d i t o p o d e r a f i r m a r que o m e r -
c a d o de S a l v a d o r era d e o l i g o p ó l i o e o l i g o p s ô n i o , talvez a t é o l i g o p s ô n i o bilateral, já
q u e c o m p r a d o r e s e v e n d e d o r e s se e q u i v a l i a m e m n ú m e r o . E r a t a m b é m n o q u a d r o do
o l i g o p s ô n i o q u e se d a v a m as r e l a ç õ e s e n t r e c o m e r c i a n t e s e p r o d u t o r e s agrícolas: uns
p o u c o s c o m p r a d o r e s n e g o c i a v a m c o m m u i t o s v e n d e d o r e s . M a s , neste caso, os p r o d u -
tores sc d i s t r i b u í a m e n t r e os grandes c o m e r c i a n t e s , c a d a u m dos quais tinha a sua
freguesia. U m e x e m p l o é Aristides N o v i s , q u e veio dc G o i á s na segunda metade do
século X I X e t o r n o u - s e u m forte i n t e r m e d i á r i o — representante — d o açúcar, graças
ao a p o i o das mais prestigiosas famílias d o R e c ô n c a v o , c o m o os M o n i z de Aragão.
Laços dc interesse, mas t a m b é m dc a m i z a d e c d c c o m p a d r i o que, cem anos depois,
p e r m a n e c e m vivos e n t r e os d e s c e n d e n t e s , seja de u m grande c o m e r c i a n t e , seja de um
poderoso s e n h o r d c m u i t o s e n g e n h o s . Salvo o f u m o , cujos p e q u e n o s produtores c o m
freqüência se dirigiam d i r e t a m e n t e ao m e r c a d o , c r i a n d o relações de um o u t r o tipo
c o m os c o m p r a d o r e s — e m b o r a s e m p r e n o q u a d r o do o l i g o p s ô n i o — , para todos os
produtos valiam as mesmas regras que para o açúcar: entre exportador e produtor,
i n t e r p u n h a - s c o representante.
BAHIA, SÉCULO X I X
N a s t r a n s a ç õ e s i n t e r - r e g i o n a i s e i n t e r p r o v i n c i a i s o c o m e r c i a n t e b a i a n o t i n h a por
c e r r o m a i s l i b e r d a d e na e s c o l h a de p a r c e i r o s c , talvez, m a i s c a m p o para c o n c o r r e r . M a s
isto é m e r a h i p ó t e s e , p o i s i g n o r o c o m o se c o m p o r t a v a m as o u t r a s praças c o m e r c i a i s d o
país.
A falta d e d a d o s s o b r e o v o l u m e d o s b e n s t r o c a d o s , b e m c o m o dos preços n o
a t a c a d o e n o v a r e j o , n ã o m e p e r m i t e q u a l q u e r a n á l i s e das m a r g e n s de g a n h o e dos
l u c r o s realizados nas d i f e r e n t e s c a t e g o r i a s d o c o m é r c i o . A e s t r u t u r a de o l i g o p s ô n i o do
m e r c a d o sugere q u e os l u c r o s e r a m m a i o r e s e n t r e o s a t a c a d i s t a s .
U m a p e r g u n t a p e r t i n e n t e é q u a l teria s i d o a s i t u a ç ã o se o s c o m e r c i a n t e s baianos
tivessem c o n s e r v a d o o a c e s s o d i r e t o a o s m e r c a d o s i n t e r n a c i o n a i s . T e n t a r respondê-la
seria e s p e c u l a r d e m a i s , q u a n d o n ã o s a b e m o s s e q u e r se esses c o m e r c i a n t e s t i n h a m os
c o n h e c i m e n t o s e os m e i o s financeiros n e c e s s á r i o s p a r a tal e m p r e i t a d a . M a s trata-se
s e m d ú v i d a de u m p o n t o i m p o r t a n t e . E x c l u í d o s d o m e r c a d o e x t e r n o , d e l e g a n d o a
o u t r o s o p e r a ç õ e s d e l i c a d a s , d e d e s f e c h o i n c e r t o , o s c o m e r c i a n t e s b a i a n o s perderam o
g o s t o p e l o r i s c o , q u e f o r j a a p e r s o n a l i d a d e e d e s e n v o l v e o e s p í r i t o de c o m b a t i v i d a d e e
d e c o n c o r r ê n c i a . D e f a t o , o c o m e r c i a n t e b r a s i l e i r o , f e c h a n d o - s e n u m a estrutura de
g r u p o q u e d e f e n d e a q u a l q u e r c u s t o s u a s u p r e m a c i a , p e r p e t u a v a u m e s q u e m a arcaico
de r e l a ç õ e s c o m e r c i a i s . A a u s ê n c i a de t o d a c o n c o r r ê n c i a , de t o d a a ç ã o individual, de
t o d a p o s s i b i l i d a d e de e m p r e e n d e r u m a p o l í t i c a c o m e r c i a l pessoal, l i m i t a v a - l h e o espa-
ç o . O e s p í r i t o g r e g á r i o talvez e x p l i q u e p o r q u e a p r a ç a d e S a l v a d o r p e r d e u aos poucos
sua área d e i n f l u ê n c i a , r e s t r i n g i n d o - s e a o i n t e r i o r d a P r o v í n c i a , c u j a vida comercial
t a m p o u c o d o m i n a v a p o r c o m p l e t o . O g r a n d e n e g o c i a n t e d o i n í c i o d o século, cujos
navios s i n g r a v a m os o c e a n o s , foi s u b s t i t u í d o p o r u m m e r c a d o r l i m i t a d o a operações
l o c a i s . E a e x i s t ê n c i a d e u m a m u l t i d ã o d e i n t e r m e d i á r i o s e n t r e a c h e g a d a das merca-
dorias ao p o r t o e sua d i s t r i b u i ç ã o p e l o s c o n s u m i d o r e s c o n t r i b u í a para a elevação dos
p r e ç o s , o q u e dava lugar a c o n s t a n t e s p r o t e s t o s d o s m e i o s p o p u l a r e s , s o b r e t u d o no
tocante a gêneros alimentícios de primeira necessidade.
OUTRAS TROCAS
N a B a h i a , o q u e c o m o v i m e t*.*.,
V - 4 n
° « c o m e r c i a i s era a palavra, que 'valia o u r o '
a S t r a n s a c
c o n t r a t o e s c r i t o . A t o s n o t a r ais ou privado* „ „ „ , u / .• r
consumidor. , .. A
D e s c r e v e n d o a vida c o t i d i a n a d e S a l v a d o r n o fim d o s é c u l o p a s s a d o , H i l d e ç a r d e s
V i a n a d i s t i n g u e e n t r e p r o d u t o s de p r e ç o fixo e a q u e l e s e m c u j a c o m p r a s e m p r e se
p o d i a b a r g a n h a r . T i n h a m p r e ç o fixo: o l e i t e , o p ã o , a c a r n e , o s b e i j u s , as balas, os
o b j e t o s de v i d r o e d e p o r c e l a n a ( e s t e s , diz cia, n e m s e m p r e ) , o m i n g a u , o cuscuz, o
acarajé, o a c a ç á e os m i ú d o s . " M a s c o m o v e n d e d o r de l e g u m e s , p o d i a - s e d i s c u t i r . Seus
legumes b e m arrumados n u m e n o r m e tabuleiro de madeira, carregado sobre a cabeça,
o tripé n o o m b r o , ele ia d e p o r t a e m p o r t a , a n u n c i a n d o sua c h e g a d a de m a n e i r a mais
o u m e n o s d i s c r e t a . T i n h a u m a m a n e i r a c o m p l i c a d a d e d i v u l g a r seus p r e ç o s : ' c i n c o por
um, um por u m ou u m p o r dois', o q u e os clientes, h a b i t u a d o s , facilmente entendiam
e t r a d u z i a m e m , p o r e x e m p l o , c i n c o b a n a n a s p o r u m v i n t é m , u m m o l h o de q u i a b o s
p o r u m v i n t é m o u u m m o l h o d e v a g e m p o r d o i s v i n t é n s . E m é p o c a d e c h u v a o u de
seca, o v e n d e d o r de l e g u m e s i n v e n t a v a ' c a s a r ' os l e g u m e s e n t r e si, o q u e divertia até os
c r o n i s t a s dos j o r n a i s l o c a i s , q u e a c h a v a m e n g r a ç a d o o c a s a m e n t o d a c o u v e c o m o
c h u c h u , d o q u i a b o c o m a b e r i n j e l a , d a b a t a t a c o m a a b ó b o r a e t c . P o r vezes, para b o n s
fregueses, o v e n d e d o r c o n c o r d a v a e m t r o c a r o s ' n o i v o s ' , v e n d e n d o o c h u c h u c o m a
b a t a t a o u a a b ó b o r a c o m a a l f a c e , e a t é a c r e s c e n t a v a , p o r u m v i n t é m , u m m o l h i n h o de
c h e i r o - v e r d e . M a s n e m o v e n d e d o r de l e g u m e s e s c a p a v a à p e c h i n c h a e, d e p o i s de
c o n c i l i á b u l o s m a i s o u m e n o s l o n g o s , c h e g a v a a fazer sete b a n a n a s p e l o p r e ç o de c i n c o ,
o u três b e r i n j e l a s p e l o p r e ç o d e u m a . N u n c a se d e v i a p e r g u n t a r a ele: ' a q u a n t o é isto?',
pergunta reservada a v e n d e d o r e s de mercadorias m a i s prestigiosas; a fórmula correta
era: a c o m o é ? \ s i g n o d o i n í c i o d e u m d i á l o g o c o m p l i c a d o , e m q u e t o d o s se diverti-
l
N ã o p o d i a ser d i f e r e n t e n u m a c i d a d e e m q u e a m a i o r i a vivia n a p o b r e z a e o n d e
n i n g u é m sabia o q u e l h e t r a r i a o d i a de a m a n h ã . N ã o p o d e n d o e c o n o m i z a r , a p o p u -
lação t e n t a v a t i r a r o p r o v e i t o possível d e u m m e r c a d o c u j o s t e r m o s l h e e r a m p o u c o
favoráveis. A b a r g a n h a t o r n a v a - s e regra e n t r e v e n d e d o r e c o m p r a d o r . A l g u m a s m e r c a -
dorias, p o r é m , d e i x a v a m p o u c a m a r g e m p a r a esses a c e r t o s : as taxadas, c o m o a farinha
de m a n d i o c a e a c a r n e de b o i ; o u as m o n o p o l i z a d a s p o r g r a n d e s firmas i m p o r t a d o r a s ,
c o m o o f e i j ã o , o arroz, o b a c a l h a u o u a c a r n e - s e c a . S ó q u a n d o m a i s o u m e n o s deterio-
rados — o q u e era c o m u m — esses p r o d u t o s ficavam sujeitos a barganha.
O s preços a prazo t a m b é m p o d i a m ser d i s c u t i d o s , m a s a ú l t i m a palavra era d o
v e n d e d o r , q u e n ã o abria m ã o de c o b r a r pelos riscos q u e a s s u m i a , fossem os de bruscas
elevações dos p r e ç o s , fosse o d e n u n c a c h e g a r a r e c e b e r o d i n h e i r o . D e v e - s e ressaltar,
n o e n t a n t o , a h o n e s t i d a d e da p o p u l a ç ã o alforriada: nos 3 0 3 t e s t a m e n t o s examinados,
as dívidas, q u e r a r a m e n t e ultrapassavam 2 0 0 réis, f o r a m c u i d a d o s a m e n t e explicadas, e
os testadores invariavelmente insistiam c m seu i m e d i a t o p a g a m e n t o .
É difícil apurar a que taxas se faziam as vendas a prazo. A freqüência das menções
a dívidas resultantes desse t i p o de c r é d i t o em inventários post mortem sugere que eram
um i n s t r u m e n t o c o r r i q u e i r o . É p o c a s d c preços altos, q u a n d o o m e r c a d o de c o n s u m o
sofria certa retração, m e s m o n o t o c a n t e aos gêneros de primeira necessidade, favore-
ciam esse t i p o de venda. B e n é f i c o ao c o n s u m i d o r n o i m e d i a t o , produzia efeitos catas-
^oyi^-OCanpiANo DOS HOMENS QUE PRODUZIAM E TROCAVVAM 503
A d é c a d a de 1 8 4 0 , b a s t a n t e favorável para a e c o n o m i a b a i a n a , t r o u x e a c r i a ç ã o de
b a n c o s capazes de o f e r e c e r os i n s t r u m e n t o s de c r é d i t o i n s i s t e n t e m e n t e reclamados
pelos m e i o s e c o n ô m i c o s l o c a i s . E m 1 8 4 5 , foi f u n d a d o o B a n c o C o m e r c i a l da P r o v í n -
cia d a B a h i a , c o m u m c a p i t a l de 2 . 0 0 0 : 0 0 0 de réis, d i r i g i d o n a p r i m e i r a fase por
pessoas m u i t o c o n h e c i d a s n o m u n d o dos g r a n d e s n e g ó c i o s d a B a h i a daquela época,
c o m o L u i z P a u l o de A r a u j o B a s t o s ( B a r ã o e, m a i s t a r d e , V i s c o n d e dos Fiais), J o s é
Agostinho Salles, Francisco Lang, J o a q u i m J o s é Rodrigues e Luiz A n t ô n i o Vianna. Era
u m a i n s t i t u i ç ã o de d e p ó s i t o e d e s c o n t o , c o m d i r e i t o a e m i t i r letras e valores pagáveis
ao p o r t a d o r c o m p r a z o s de m e n o s d e dez dias e v a l o r n o m i n a l de c e m mil réis, desde
q u e o v a l o r t o t a l n ã o superasse 5 0 % d o c a p i t a l e f e t i v o d o b a n c o . T r a t a v a - s e p o r t a n t o ,
s e m s o m b r a de d ú v i d a , d e u m b a n c o e m i s s o r de p a p e l m o e d a . E m 1 8 5 3 foi transfor-
:
P r o l i f e r a r a m assim — a t é m e s m o e m p o v o a d o s d o R e c ô n c a v o , c o m o C a c h o e i r a ,
Nazaré, Valença e S a n t o A m a r o — instituições b a n c á r i a s 3 9
q u e , e m sua m a i o r i a ,
tinham u m capital flutuante e q u e , a p r e t e x t o de ' p r e s t a r assistência às classes l a b o r i o -
sas', v i s a v a m a t r a i r o d i n h e i r o d e p e q u e n o s p o u p a d o r e s p a r a u t i l i z á - l o e m o p e r a ç õ e s
e s p e c u l a t i v a s . À f r e n t e desses e s t a b e l e c i m e n t o s e n c o n t r a v a m - s e t o d o s os grandes n o -
mes da época: J o s é A g o s t i n h o Salles, J o a q u i m J o s é Rodrigues, Luiz A n t ô n i o Vianna,
J o a q u i m de C a s t r o G u i m a r ã e s , J o a q u i m J o s é T e i x e i r a L e a l , F r a n c i s c o T e i x e i r a R i b e i r o
e t c . E s s a f e b r e a c a b o u p o r t e r e f e i t o s p e r v e r s o s . A e n t r a d a e m c i r c u l a ç ã o de e n o r m e s
quantidades de papéis fiduciários, se p o r u m l a d o aliviava o s m e i o s c o m e r c i a i s n o
t o c a n t e às suas o b r i g a ç õ e s m a i s u r g e n t e s , p o r o u t r o f o m e n t a v a a i n f l a ç ã o , i n d u z i n d o
a alta dos preços dos p r o d u t o s de p r i m e i r a necessidade. As maiores vítimas eram c o m o
sempre os mais pobres, q u e , s e m acesso ao crédito b a n c á r i o , estavam excluídos da
e s p e c u l a ç ã o q u e f a v o r e c i a o s m a i s p r o v i d o s . P a r a eles, d e s e n v o l v e u - s e u m crédito
usurário, praticado p o r particulares e d e n u n c i a d o pelos c o n t e m p o r â n e o s , comprovado
por numerosos inventários post mortem, q u e i n d i c a m g r a n d e n ú m e r o de devedores
para u m ú n i c o credor, e n v o l v e n d o e m p r é s t i m o s de s o m a s medíocres.
N a v e r d a d e , essa m u l t i p l i c a ç ã o d e i n s t i t u i ç õ e s b a n c á r i a s era e s t i m u l a d a p e l o p r ó -
prio g o v e r n o i m p e r i a l q u e , c o m o a u m e n t o d o s a g e n t e s d e e m i s s ã o , s u p u n h a f o r t a -
l e c e r a c i r c u l a ç ã o m o n e t á r i a . M a s , a n t e o c a o s c r i a d o p o r esses e s t a b e l e c i m e n t o s na
circulação fiduciária, a p a r t i r d e 1 8 6 0 o E s t a d o a d o t o u n o v a p o l í t i c a . A faculdade
de e m i t i r p a p e l - m o e d a g a r a n t i d o p e l o p o d e r p ú b l i c o ficava reservada a u m a única
i n s t i t u i ç ã o r e g i o n a l . A s s i m , o B a n c o d a B a h i a , f u n d a d o e m 1 8 5 8 , c o n s e r v o u o di-
reito de e m i t i r , q u e m a n t e v e a t é 1 8 9 8 , q u a n d o a ele r e n u n c i o u p o r iniciativa p r ó -
pria. O o b j e t i v o p r o c l a m a d o d e s s e b a n c o era " a t e n d e r às r e c l a m a ç õ e s locais e ser
v e r d a d e i r a m e n t e u m i n s t r u m e n t o p o p u l a r (sic) d o d e s e n v o l v i m e n t o e do progresso
de sua t e r r a " . 4 0
Fora fundado com u m capital de 8 . 0 0 0 : 0 0 0 d e réis, dos quais
4 . 0 0 0 : 0 0 0 f o r a m i m e d i a t a m e n t e s u b s c r i t o s . O d e c r e t o q u e o c r i o u o autorizava a
e m i t i r b i l h e t e s de valor s u p e r i o r a dez réis, d e m o d o q u e suas e m i s s õ e s favoreciam
e x c l u s i v a m e n t e as classes p r o d u t o r a s e m e r c a n t i s . A l i á s , os b e n e f i c i á r i o s dos e m p r é s -
t i m o s d o B a n c o da B a h i a e r a m o g o v e r n o p r o v i n c i a l e as g r a n d e s firmas c o m e r c i a i s ,
pois até a a g r i c u l t u r a d e e x p o r t a ç ã o era e x c l u í d a .
mas os ú l t i m o s a n o s d o I m p é r i o foram de c o n t e n ç ã o m o n e t á r i a . E m 1 8 8 6 - 1 8 8 7 a
massa m o n e t á r i a em c i r c u l a ç ã o só superava a de 1 8 7 0 - 1 8 7 1 em 5 , 5 % . Esses dados
f r a g m e n t a d o s d ã o u m a idéia d o i n c h a ç o da massa m o n e t á r i a n o Brasil, mas f a l t a m - m e
n ú m e r o s s o b r e a s i t u a ç ã o específica da P r o v í n c i a da B a h i a .
Até 1 8 5 6 - 1 8 5 7 , o p r i n c i p a l responsável pelas e m i s s õ e s n ã o foi o T e s o u r o , m a s os
b a n c o s privados, o q u e p r o v o c o u a r e f o r m a b a n c á r i a de 1 8 6 0 , c o m o os parcos resul-
tados já referidos. D e p o i s , em 1 8 7 0 - 1 8 7 1 , e p o r causa d a G u e r r a d o Paraguai, os
déficits o r ç a m e n t á r i o s e x i g i r a m e m i s s õ e s vultosas e a i n f l a ç ã o se a c e n t u o u , sem c o n t u -
d o c h e g a r aos níveis de 1 8 5 6 - 1 8 5 7 ( 4 1 , 2 % ) . 4 5
E n t r e esses t r á f i c o s b e m c o n h e c i d o s , 5 2
havia u m a o p e r a ç ã o q u e m e r e c e ser explicada
em d e t a l h e , p o r q u e d u r a n t e d é c a d a s a c a r r e t o u i n c a l c u l á v e i s prejuízos à e c o n o m i a
local. E r a a f a l s i f i c a ç ã o de d i n h e i r o , p r á t i c a i n t r o d u z i d a pela p r ó p r i a C o r t e , p o r volta
de 1 8 1 0 , q u a n d o m o e d a s de p r a t a das c o l ô n i a s e s p a n h o l a s f o r a m r e c u n h a d a s . C o m o
c o n t i n h a m u m a q u a n t i d a d e de p r a t a m u i t o s u p e r i o r à d o m i l réis p o r t u g u ê s , bastava
c o m p r a r pesos p o r seu v a l o r o f i c i a l de 7 5 0 réis, r e c u n h á - l o s e a t r i b u i r - l h e s o valor de
9 6 0 réis. O p e r a ç ã o t ã o l u c r a t i v a q u e " o p r ó p r i o p o v o a c o m p r e e n d e u e c o m e ç o u a
c o m p r a r pesos para r e c u n h á - l o s a d o m i c í l i o " .
A prática se d i f u n d i u pela B a h i a . A l i , p o r é m , a f a b r i c a ç ã o de m o e d a s falsas de
c o b r e teve c o n s e q ü ê n c i a s a i n d a m a i s nefastas para a e c o n o m i a p o p u l a r . O exemplo
mais u m a vez veio da C o r t e . C o m o o c o b r e valia mais q u e a c é d u l a , ela autorizou p o r
três alvarás (de 6 , 9 e 2 0 de s e t e m b r o de 1 8 2 2 ) o e n v i o d e m á q u i n a s de c u n h a r cobre
para todas as p r o v í n c i a s . " P o r q u e isto seria u m a f o n t e de renda para o país, uma vez
que u m a libra de c o b r e , custava 3 6 0 réis, e a m o e n d a d a p e r m i t i a a fabricação de
moedas n o valor de 2 . 0 0 0 réis, de o n d e u m l u c r o c e r t o de 1 . 6 4 0 r é i s . "
A primeira cunhagem dc moedas de c o b r e na Bahia ocorreu em j u n h o de 1 8 2 3 .
Eram peças de 8 0 réis, d c peso o mais incerto. A partir d e então, e por trinta anos, a
Polícia a todo m o m e n t o descobria falsificadores de moedas. A prática era até incentivada
por membros influentes do m u n d o comercial c agrícola da Bahia e, ao que tudo indica,
foi a origem de algumas fortunas. C a s o c o n h e c i d o é o do c o m e n d a d o r Antônio Pedroso
de Albuquerque, mais tarde Visconde de Pedroso de Albuquerque. U m dos maiores
negociantes da praça, não conseguia obter um título de nobreza brasileiro porque o
-LiVRQj^I - O COTIDIANO DOS HOMENS QUE PRODUZIAM E TROCAVAM 513
N ã o se s a b e o v o l u m e d a m o e d a falsa de c o b r e q u e c i r c u l o u na B a h i a . S e g u n d o
u m a petição apresentada em 1 8 2 7 pelos c o m e r c i a n t e s locais, o valor c o n j u n t o das
m o e d a s v e r d a d e i r a s e falsas se a p r o x i m a r i a de 3 : 5 0 0 a 4 : 0 0 0 de réis. M a s , n o fim do
m e s m o a n o , f a l a v a - d e d e 5 m i l h õ e s , talvez m a i s , e m c i r c u l a ç ã o . 5 4
M a l o g r a r a m todos
o s e s t r a t a g e m a s i m a g i n a d o s p a r a ' l i m p a r ' a c i r c u l a ç ã o . E m 1 8 3 4 , o g o v e r n o imperial
se v i u o b r i g a d o a p r o m u l g a r u m a lei p e l a q u a l a m o e d a de c o b r e da B a h i a n ã o teria
m a i s c u r s o n o I m p é r i o ; s ó a m o e d a c u n h a d a n o R i o de J a n e i r o seria r e c o n h e c i d a
c o m o oficial. F o r a m então recolhidos 3 1 . 2 2 5 : 0 0 0 de réis e m m o e d a s de c o b r e . 5 5
N e s s e m e s m o a n o , a T e s o u r a r i a d o M i n i s t é r i o d a F a z e n d a d a B a h i a o r d e n o u à Alfân-
d e g a q u e s ó r e c e b e s s e e m m o e d a de c o b r e a m e t a d e d a s o m a devida p o r aqueles que
p a g a v a m i m p o s t o s a l f a n d e g á r i o s , p o r c a u s a d a f a l s i f i c a ç ã o . D e p o i s dessa lei, n e n h u m
p a g a m e n t o f o i f e i t o n e s s a m o e d a , o q u e leva a s u p o r q u e t o d a a m o e d a de c o b r e e m
circulação era f a l s a . 5 6
As p o u c a s séries d e i n d i c a d o r e s e c o n ô m i c o s d i s p o n í v e i s s o b r e a B a h i a n o século X I X
r e f e r e m - s e e s s e n c i a l m e n t e a o c o m é r c i o e x t e r i o r e c o m o u t r a s províncias de 1 8 0 8
a
1 8 1 6 e d e 1 8 5 0 a 1 8 8 8 . E m b o r a n ã o p o s s a m f u n d a r u m a análise global da situação
econômica c financeira d a P r o v í n c i a , d ã o u m a visão a p r o x i m a t i v a da c i r c u l a ç ã o das
m e r c a d o r i a s n o s m e r c a d o s i n t e r n a c i o n a l e l o c a l , r e v e l a n d o os impasses criados pelas
estruturas p r o d u t i v a s . A c o m p a r a ç ã o d e d a d o s f r a g m e n t a d o s d o s d o i s períodos é tam-
b é m reveladora.
O s d a d o s s o b r e as t r o c a s c o m e r c i a i s d a B a h i a e n t r e 1 8 0 8 e 1 8 1 6 abrangem,
além d o i n t e r c â m b i o i n t e r n a c i o n a l , as t r o c a s c o m o R i o G r a n d e d o S u l , a n t i g o par-
c e i r o d a p r o v í n c i a , q u e l h e f o r n e c i a s o b r e t u d o c a r n e - s e c a e f a r i n h a de m a n d i o c a .
Nesses oito a n o s , a b a l a n ç a c o m e r c i a l da B a h i a apresentou u m déficit constante,
p r i n c i p a l m e n t e n a s t r o c a s c o m a E u r o p a — c o m destaque para Portugal — e a África,
seus p r i n c i p a i s p a r c e i r o s .
TABELA 87
Goa 9 10 12 26 23 36 13
Fonte: Catherine Lugar, The Merchant Community of Salvador, Bahia, 1780-1830, p. 112.
Em 1 8 0 8 , c o m a o c u p a ç ã o d o t e r r i t ó r i o p o r t u g u ê s pela F r a n ç a , o c o m é r c i o da
B a h i a c o m o restante da E u r o p a ( 7 3 5 : 0 0 0 d e réis e m e x p o r t a ç õ e s e 8 1 5 : 0 0 0 e m
i m p o r t a ç õ e s ) foi b e m m a i o r d o q u e c o m P o r t u g a l ( 8 0 : 0 0 0 d e réis e m exportações e
4 7 6 : 0 0 0 c m i m p o r t a ç õ e s ) . J á n o a n o s e g u i n t e a M e t r ó p o l e foi responsável p o r 4 4 , 5 %
das e x p o r t a ç õ e s e u r o p é i a s para a B a h i a , e n q u a n t o o valor das e x p o r t a ç õ e s baianas para
Portugal era t a m b é m q u a s e m e t a d e d o valor e x p o r t a d o para toda a E u r o p a . M a s essa
r e t o m a d a foi c u r t a : de 1 8 1 0 a 1 8 1 6 , as e x p o r t a ç õ e s portuguesas foram e m média
2 2 , 6 % das e x p o r t a ç õ e s da E u r o p a para a B a h i a . Esse d e c l í n i o c o r r o b o r a o q u e foi dito
sobre a s u b s t i t u i ç ã o dos n e g o c i a n t e s portugueses p o r estrangeiros, sobretudo ingleses.
A perda sofrida pela praça c o m e r c i a l d e Salvador c o m a partida dos portugueses
afetou o financiamento da p r o d u ç ã o agrícola, m a s n ã o reduziu as importações da
B a h i a . A l t e r o u - a s : a o passo q u e a balança c o m e r c i a l c o m os demais países europeus
passou a ser deficitária a partir de 1 8 0 8 , a Província passou a ter superávit nas trocas
LIVRO V I - O COTIDIANO DOS HOMENS QUE PRODUZIAM F TROCAVAM 515
c o m P o r t u g a l , e x c e t o e m 1 8 0 8 e 1 8 0 9 , a n o s da o c u p a ç ã o francesa. E n t r e 1 8 1 0 e 1 8 1 6 ,
as e x p o r t a ç õ e s d a B a h i a para a M e t r ó p o l e foram 7 0 , 3 % d o total e x p o r t a d o para a
E u r o p a , s.nal d o q u a n t o P o r t u g a l d e p e n d i a d o Brasil, mas t a m b é m do p o u c o interesse
das o u t r a s n a ç õ e s e u r o p é i a s pelos p r o d u t o s b a i a n o s .
A surpresa nesses d a d o s é o v o l u m e das transações c o m o R i o G r a n d e do S u l , que,
e n t r e 1 8 0 S e 1 8 1 6 , r e p r e s e n t a r a m nada m e n o s q u e 1 4 , 8 e 1 1 , 6 % d o total das expor-
t a ç õ e s c i m p o r t a ç õ e s b a i a n a s . A b a l a n ç a c o m e r c i a l b a i a n a era deficitária nesse inter-
c â m b i o , e x c e t o e m 1 8 0 8 , e m q u e h o u v e u m superávit de 1 5 : 0 0 0 de réis. Surpreende
t a m b é m s a b e r q u e , n a q u e l e i n í c i o d o s é c u l o X I X , a B a h i a ainda m a n t i n h a relações
c o m o E x t r e m o O r i e n t e , e m b o r a as trocas c o m G o a fossem insignificantes. J á o
c o m é r c i o c o m a Á f r i c a ( C o s t a da M i n a , A n g o l a , B e n g u e l a e S ã o T o m é ) era deficitário:
a i m p o r t a ç ã o de escravos c o n t i n u a v a p e s a n d o m u i t o n a balança c o m e r c i a l .
C o m r e l a ç ã o a o p e r í o d o 1 8 1 6 - 1 8 5 0 , a c a r ê n c i a de dados é c o m p l e t a . C o m o teria
e v o l u í d o a s i t u a ç ã o a p a r t i r d o i n í c i o da d é c a d a de 1 8 2 0 , c o m a balança comercial
deficitária e m a i o r e s i m p o r t a ç õ e s d o c o n j u n t o d a E u r o p a q u e de Portugal? G u e r r a ,
revoltas, p r o b l e m a s p o l í t i c o s p o r c e r t o a f e t a r a m g r a v e m e n t e as trocas comerciais, de-
s o r g a n i z a n d o a p r o d u ç ã o d e b e n s de e x p o r t a ç ã o e p e r t u r b a n d o mais ainda os termos
das t r o c a s . A c o n j u n t u r a e c o n ô m i c a estava e m depressão, c o m o indica o estudo da
e v o l u ç ã o d o s p r e ç o s dos g ê n e r o s a l i m e n t a r e s . M a s e m 1 8 4 5 h o u v e u m a retomada que
se p r o l o n g o u a t é 1 8 6 0 . 5 9
a l c a n ç a d o e m 1 8 7 1 - 1 8 7 2 : 2 2 . 5 3 1 : 9 0 6 d e réis ( 2 . 3 4 3 : 3 2 8 l i b r a s ) . A partir de e n t ã o
esse v a l o r d e c l i n o u r a p i d a m e n t e , c h e g a n d o a 1 1 . 9 4 2 : 0 7 0 d e réis ( 1 . 0 7 4 . 7 8 libras) e m
1882-1883. D e p o i s h o u v e u m a ligeira e l e v a ç ã o , q u e d u r o u a t é 1887-1888. Em
c o n t r a p a r t i d a , as i m p o r t a ç õ e s a u m e n t a v a m c o n s t a n t e m e n t e , salvo e n t r e 1857-1859,
por certo e m decorrência do c ó l e r a - m o r b o que atigiu a capital e o Recôncavo em
1 8 5 5 - 1 8 5 6 , m a s talvez t a m b é m p o r c a u s a d a i m p o r t a ç ã o m a c i ç a feita e m 1856-1857.
A l i á s , nesse c u r t o p e r í o d o , o s v a l o r e s das e x p o r r a ç õ e s e das i m p o r t a ç õ e s flutuaram da
m e s m a m a n e i r a , m a s d e p o i s s ó o v a l o r das i m p o r t a ç õ e s p a s s o u a a u m e n t a r , acelerán-
d o l e a partir de 1881-1882.
F a z e n d o f l u t u a r o s v a l o r e s das e x p o r t a ç õ e s e i m p o r t a ç õ e s e m t o r n o d a m é d i a
desses v a l o r e s p o r t o d o o p e r í o d o , e u t i l i z a n d o m é d i a s m ó v e i s p o r t r i e n i o s , os e c o n o -
m i s t a s b a i a n o s t o r n a r a m suas t e n d ê n c i a s d i v e r g e n t e s m a i s visíveis, c o m o m o s t r a m os
gráficos abaixo.
EXPORTAÇÕES BAIANAS
150-j— —
y
) /
/
t
100
/ f
s
50-
IMPORTAÇÕES BAIANAS
Mediu móveis trienais. 100 * média do período. Fonte: Ubinnan Castro dc Araiíjo, "A Bahia no século XIX". p. 61.
TAXA DE CÂMBIO
Médias móveis trienais. 100 = 1851. Fonte: Ubiratan Castro de Araújo, "A Bahia no século XIX", p. 55. '
T A B E L A 8 8
T A B E L A 8 9
-
1880 93 96 303 186 130
1885 60 100 316 118 117 -
1889 92 122 234 190 138 —
S e g u n d o p r o d u t o m a i s i m p o r t a n t e d a p a u t a de e x p o r t a ç õ e s b a i a n a , o f u m o teve
u m c o m p o r t a m e n t o i n v e r s o ao d o a ç ú c a r : e n t r e 1 8 5 0 e 1 8 8 1 , n ã o só sua p a r t i c i p a ç ã o
nas e x p o r t a ç õ e s b a i a n a s c r e s c e u c o n s t a n t e m e n t e — embora com flutuações bastante
i r r e g u l a r e s — , c o m o seu p r e ç o a u m e n t o u , s ó s o f r e n d o u m a q u e d a forte e m 1881,
q u a n d o c h e g o u a 7 9 e m r e l a ç ã o ao í n d i c e - b a s e c e m , de 1 8 5 2 .
N o m o m e n t o m a i s d e s f a v o r á v e l ( 1 8 6 0 - 1 8 6 1 ) o a ç ú c a r e o f u m o ainda c o m p u -
n h a m m a i s de m e t a d e das e x p o r t a ç õ e s d a B a h i a . S u a p a r t i c i p a ç ã o n o total das ex-
p o r t a ç õ e s , q u e era de 4/5 n o i n í c i o d o p e r í o d o ( 1 8 5 0 - 1 8 5 1 ) , a i n d a chegava a 2/3
e m 1 8 8 0 - 1 8 8 1 , a p e s a r d a e n t r a d a e m c e n a d o c a c a u , a i n d a t í m i d a , e d o café, mais
forte.
O r a , e n q u a n t o a d e m a n d a d o a ç ú c a r n o e x t e r i o r se r e s t r i n g i a , a d o café a u m e n -
tava. A q u e d a b r u t a l ( p a r a 1/10) d e s u a p a r t i c i p a ç ã o nas e x p o r t a ç õ e s e m 1878-1879,
q u a n d o n o s d o i s a n o s a n t e r i o r e s r e p r e s e n t a r a q u a s e 1/5, s ó p o d e ser explicada p o r u m a
q u e d a d a p r o d u ç ã o o u p o r p r o b l e m a s d e t r a n s p o r t e , j á q u e e r a c u l t i v a d o e m regiões
d i s t a n t e s d a c a p i t a l . T a n t o m a i s q u e , n o a n o s e g u i n t e , v o l t o u a r e p r e s e n t a r 1/5 das
e x p o r t a ç õ e s . F a l t a m - m e d a d o s p a r a a c o m p a n h a r sua e v o l u ç ã o p o s t e r i o r .
A c o n s t a n t e p r o g r e s s ã o das e x p o r t a ç õ e s de c a c a u i n d i c a q u e a p r o d u ç ã o avançava
de m a n e i r a r e g u l a r , e m b o r a s ó a p ó s 1 8 8 3 - 1 8 8 4 t e n h a s o f r i d o e x p a n s ã o significativa e
a c e l e r a d a . A l i á s , o s p r e ç o s d o c a f é e d o c a c a u a p r e s e n t a v a m t e n d ê n c i a geral de alta, o
q u e i n d i c a u m a d e m a n d a e x t e r n a estável.
O a l g o d ã o e o s d i a m a n t e s t i v e r a m e v o l u ç õ e s b a s t a n t e s e m e l h a n t e s , c o m altas m a i s
notáveis para o p r i m e i r o n o s a n o s c o n s e c u t i v o s à G u e r r a de S e c e s s ã o ( 1 8 6 1 - 1 8 6 5 ) nos
E s t a d o s U n i d o s , A l i á s , c o m p a r a n d o a p a r t i c i p a ç ã o nas e x p o r t a ç õ e s e o í n d i c e d o preço
d o a l g o d ã o e n t r e 1 8 6 0 - 1 8 6 1 e 1 8 6 7 - 1 8 6 8 , o b s e r v a - s e q u e a p r i m e i r a ( q u e passa de
0,1 a 2 0 , 6 % ) a c o m p a n h o u a alta d o s e g u n d o (de 1 5 7 e m 1 8 6 0 para 1 7 5 em 1 8 6 8 ) .
N ã o t e n h o d a d o s q u e i n d i q u e m se a p r o d u ç ã o de a l g o d ã o c r e s c e u nesse p e r í o d o . E m
c o n t r a p a r t i d a , é de t o d o provável q u e o s c o m e r c i a n t e s b a i a n o s , d i a n t e dessa c o n s i d e -
rável alta dos p r e ç o s , t e n h a m i d o e m b u s c a d o p r o d u t o n o i n t e r i o r , pois o custo do
transporte poderia ser c o m p e n s a d o . A q u e d a da p a r t i c i p a ç ã o d o p r o d u t o nas exporta-
ções após 1 8 6 8 - 1 8 6 9 , q u a n d o os preços c a í r a m , c o r r o b o r a a hipótese.
Q u a n t o aos d i a m a n t e s , a despeito das esperanças q u e haviam despertado na déca-
da dc 1 8 4 0 , n u n c a passaram de 1 5 % do c o n j u n t o das e x p o r t a ç õ e s e n t r e 1 8 5 0 - 1 8 5 1
c 1 8 7 7 - 1 8 7 8 . N a o há dados sobre períodos posteriores. As peles e os couros mantive-
ram uma presença bastante regular n o c o n j u n t o das exportações, mas n u n c a atingiram
níveis significativos, apesar d o papel da pecuária tanto na Bahia c o m o nas províncias
vizinhas c o m q u e c o m e r c i a v a .
TAB ELA 9 0
E X P O R T A Ç Õ E S BRASILEIRAS (%)
T A B E L A 91
1852-1853 - 46 5 5 1 9 34
1855-1856 42 7 6 4 13 28
1860-1861 52 8 2 1 18 19
1865-1866 59 3 13 3 13 10
1867-1868 60 2 12 3 13 10
M a s h a o u t r o s a s p e c t o s a c o n s i d e r a r , l i g a d o s t a n t o à e x t e n s ã o e à q u a l i d a d e das
t e r r a s c o m o à f o r m a d a p r o p r i e d a d e . C e r t o s s e n h o r e s de e n g e n h o e x p l o r a v a m u m a só
p r o p r i e d a d e : se a t e r r a f o s s e m a s s a p é , e r a i m p r ó p r i a p a r a a c u l t u r a d o c a f é e d o c a c a u ;
p o r v e z e s , a e x t e n s ã o d a f a z e n d a n ã o p e r m i t i a e x p e r i m e n t a r as n o v a s c u l t u r a s j u n t o
c o m a p r o d u ç ã o da c a n a - d e - a ç ú c a r . A d e m a i s , o ú n i c o crédito disponível era o forne-
c i d o p e l o s n e g o c i a n t e s , q u e d i f i c i l m e n t e e s p e r a r i a m o s três a c i n c o a n o s necessários
p a r a q u e u m a r b u s t o d e c a c a u o u d e c a f é c o m e c e m a p r o d u z i r . O u t r o s s e n h o r e s de
e n g e n h o t i n h a m v á r i a s p r o p r i e d a d e s , m a s e s t a s e r a m p o s s e c o l e t i v a de d i f e r e n t e s ra-
m o s de u m a m e s m a f a m í l i a e o n ú m e r o de co-proprietários n ã o facilitava a t o m a d a
d e d e c i s õ e s d e v u l t o . A l é m d i s t o , as g r a n d e s u n i d a d e s p r o d u z i a m a c u s t o s m e n o r e s e
c o m m a i o r r e n t a b i l i d a d e , m e s m o q u e os lucros fossem repartidos. M a s o que atuava
c o m m a i s f o r ç a s o b r e t o d o s e r a , p o r u m l a d o , a c r e n ç a d e q u e o R e c ô n c a v o s ó se
p r e s t a v a à c u l t u r a d a c a n a - d e - a ç ú c a r e, p o r o u t r o , a c o n v i c ç ã o d e q u e a m ã o - d e - o b r a
a s s a l a r i a d a , s o b r e t u d o e u r o p é i a , l o g o c o n q u i s t a r i a a p o s s e d a t e r r a , p o r f o r ç a de s u a
t e n a c i d a d e e b o a o r g a n i z a ç ã o n o t r a b a l h o . O r a , era nessa posse q u e residiam o poder
e o p r e s t í g i o d e s s a c a t e g o r i a . O s n e g o c i a n t e s , g r a ç a s às suas p r ó p r i a s l i m i t a ç õ e s , r e f o r -
ç a v a m essa i n é r c i a e a s s i m se c o n t i n u a v a a p l a n t a r c a n a , a p e n a s c a n a , s e m c o n s i d e r a r
alternativas.
A série d e q u e d i s p o n h o , e m b o r a l i m i t a d a a dezesseis a n o s , d e 1 8 5 2 - 1 8 5 3 a 1 8 6 7 -
1 8 6 8 , t e m a v a n t a g e m d e p e r m i t i r c o m p a r a r as e x p o r t a ç õ e s d o B r a s i l e as d a B a h i a .
Entre 1 8 5 2 - 1 8 5 3 e 1 8 5 5 - 1 8 5 6 , 2/5 d a s e x p o r t a ç õ e s d a B a h i a f o r a m para a G r ã -
B r e t a n h a e suas p o s s e s s õ e s . A p ó s 1 8 5 7 - 1 8 5 8 , m a i s d e m e t a d e , às vezes q u a s e 6 0 % ,
das e x p o r t a ç õ e s d a P r o v í n c i a t i v e r a m o m e s m o d e s t i n o . A B a h i a vivia, pois, s o b
forte d e p e n d ê n c i a d o c o m é r c i o i n g l ê s . C o m o e s t e t i n h a p o u c a n e c e s s i d a d e d e a ç ú -
c a r , s e n d o s u p r i d o p o r suas c o l ô n i a s , n ã o e s p a n t a q u e o a ç ú c a r b a i a n o tivesse p r o -
b l e m a s de m e r c a d o . J á nas e x p o r t a ç õ e s de t o d o o B r a s i l , a p a r c e l a d e s t i n a d a à G r ã -
B r e t a n h a ia de 1/3 a 2 / 5 , o q u e s u g e r e q u e as o u t r a s p r a ç a s c o m e r c i a i s d o país
dependiam m e n o s da Inglaterra q u e a de Salvador.
As e x p o r t a ç õ e s d a B a h i a para os E s t a d o s U n i d o s nesse p e r í o d o foram m e d í o c r e s ,
n u n c a m a i s q u e 8 % d o v a l o r e x p o r t a d o , a o passo q u e o Brasil destinava a esse país, em
média, 1/4 das suas e x p o r t a ç õ e s . O s níveis mais b a i x o s , p o r volta de 1 6 , 6 % , c o i n c i d i -
ram c o m a G u e r r a d e S e c e s s ã o , q u a n d o a c o m p r a d e p r o d u t o s primários brasileiros
deve ter s i d o s u b s t i t u í d a p o r i m p o r t a ç õ e s de guerra e talvez t e n h a o c o r r i d o u m a baixa
m o m e n t â n e a d a d e m a n d a . E m 1 8 6 5 - 1 8 6 6 as e x p o r t a ç õ e s d o Brasil para os Estados
Unidos já chegavam a 1 9 , 1 % do total.
As e x p o r t a ç õ e s d a B a h i a para a F r a n ç a assemelharam-se m u i t o às exportações
globais d o Brasil. E n t r e 1 8 5 6 c 1 8 6 0 , p o r é m , seu valor caiu c o n s i d e r a v e l m e n t e , b a i -
BAHIA, S É C U L O XIX
S22
x a n d o de 6 a 2 % d o t o t a l , o q u e n ã o o c o r r e u n o r e s t a n t e d o país. M a i s u m a c o n s e -
q ü ê n c i a d o c ó l e r a - m o r b o , q u e deve ter a f a s t a d o m u i t o s n a v i o s d o p o r t o de Salvador.
O s c o m a n d a n t e s franceses p a r e c e m t e r r e c e b i d o o r d e n s m a i s severas q u e o s ingleses o u
os norte-americanos.
As e x p o r t a ç õ e s d a B a h i a d i f e r i r a m das d o c o n j u n t o d o B r a s i l t a m b é m n o t o c a n -
te às c i d a d e s h a n s e á t i c a s , s o b r e t u d o p o r c a u s a d o f u m o . E n q u a n t o o país enviava
para elas, e m m é d i a , 4 % d o v a l o r t o t a l d e suas e x p o r t a ç õ e s , a B a h i a r e m e t i a até
1 2 % . E m contrapartida, a Província parece ter participado p o u c o d o c o m é r c i o com
os países d o R i o d a P r a t a , c o m q u e as o u t r a s p r a ç a s c o m e r c i a i s m a n t i n h a m relações
c o n s t a n t e s , m a n t e n d o - s e o v a l o r das e x p o r t a ç õ e s n o t a v e l m e n t e estável. A e x c e ç ã o
foi 1 8 6 6 - 1 8 6 7 , q u a n d o o v a l o r das e x p o r t a ç õ e s b a i a n a s p a r a esses países c h e g o u a
1 1 % do total.
E m r e s u m o , t a n t o o B r a s i l c o m o a B a h i a t i n h a m a G r ã - B r e t a n h a e suas possessões
c o m o seu m a i o r i m p o r t a d o r , o q u e m a i s u m a v e z c o n f i r m a a s u p r e m a c i a desse i m p é r i o
nas relações c o m e r c i a i s d o B r a s i l e de suas p r o v í n c i a s . P o r o u t r o l a d o , a B a h i a tinha
relações c o m e r c i a i s m a i s i n t e n s a s c o m as c i d a d e s h a n s e á t i c a s d o q u e c o m a F r a n ç a , os
E s t a d o s U n i d o s e o s países d o R i o d a P r a t a , e n q u a n t o , p a r a o c o n j u n t o d o B r a s i l , eram
os E s t a d o s U n i d o s q u e v i n h a m e m s e g u n d o l u g a r , s e g u i d o s pela F r a n ç a , os países do
R i o d a P r a t a e só d e p o i s as c i d a d e s h a n s e á t i c a s .
A t a b e l a 9 2 t e m a v a n t a g e m d e a b r a n g e r o p e r í o d o d e 1 8 5 0 - 1 8 8 7 e f o r n e c e r dados
referentes à p a r t i c i p a ç ã o d a B a h i a t a n t o n o c o m é r c i o i n t e r n a c i o n a l c o m o n o c o m é r c i o
nacional, que no m o m e n t o m e interessa p a r t i c u l a r m e n t e .
R e t o m o as relações c o m e r c i a i s d a B a h i a c o m o e s t r a n g e i r o a p e n a s para assina-
lar mais u m a vez a p e r d a de i m p o r t â n c i a d a p r a ç a d a B a h i a c o m o e x p o r t a d o r a . E n -
q u a n t o e m 1 8 5 0 - 1 8 5 1 a B a h i a era r e s p o n s á v e l p o r 1 4 , 5 % d o v a l o r das e x p o r t a ç õ e s do
Brasil, e m 1 8 8 6 - 1 8 8 7 essa p a r t i c i p a ç ã o se l i m i t o u a 4 , 1 % . E s s a q u e d a teve início nos
anos 1 8 5 9 - 1 8 6 0 , m a s se a c e l e r o u e m 1 8 7 2 - 1 8 7 3 , q u a n d o c a i u a b a i x o de 1 0 % , nível
q u e não ultrapassou mais até o fim d o p e r í o d o . C o m b i n a d o a o a u m e n t o das i m p o r -
tações, isso só c o n f i r m a a d e t e r i o r a ç ã o dos t e r m o s d o i n t e r c â m b i o da B a h i a c o m o
exterior. M a s , s o b r e t u d o a p a r t i r de 1 8 7 3 - 1 8 7 4 , até as i m p o r t a ç õ e s da B a h i a declina-
ram. C o m e ç a v a ela a perder seu papel de r e d i s t r i b u i d o r a d e m e r c a d o r i a s ? As i m p o r t a -
ções se distribuíam m e l h o r pelo c o n j u n t o d o país? O u o m e r c a d o b a i a n o t i n h a menores
possibilidades de absorver os p r o d u t o s i m p o r t a d o s ?
Q u a n t o à balança do c o m é r c i o da B a h i a c o m as outras províncias, t e n h o dados
sobre 2 8 anos, ao l o n g o d o p e r í o d o 1 8 5 0 - 1 8 5 1 a 1 8 8 6 - 1 8 8 7 . N e l e s , surpreende
constatar q u e h o u v e q u i n z e anos de déficits e treze de superávits. O i n í c i o do período
( 1 8 5 0 - 1 8 6 2 ) foi de déficit c o n s t a n t e . M a s n o ú l t i m o d e c ê n i o a situação se inverteu:
V I - O COTIDIANO DOS HOMENS QUE PRODUZIAM E TROCAVAM 523
TABELA 92
EXPORTAÇÕES E IMPORTAÇÕES DA BAHIA COMO PERCENTAGEM DOS TOTAIS BRASILEIROS
1850-1851 14,5 - - -
1855-1856 13.6 14,7 - -
1860-1861 6,8 11,4
- -
1865-1866 12,2 12,8
-
1870-1871 10,9 14,4 8,1 9,5
Fonre: Adaptado dc A inserção da Bahia na evt lução nacional, p. 35, 40, 45 e 50 (Anexo estatístico).
O M E R C A D O DE TRABALHO
C o m e x c e ç ã o das e s c r a v i s t a s , as r e l a ç õ e s d e t r a b a l h o d o s s é c u l o s passados p o u c o
i n t e r e s s a r a m a o s h i s t o r i a d o r e s b r a s i l e i r o s . Q u a n d o a b o r d a d o s , os p r o b l e m a s de m ã o -
d e - o b r a f o r a m t r a t a d o s d o p o n t o d e v i s t a d a o f e r t a i n t e r n a , e m f u n ç ã o das u n i d a d e s
q u e p r o d u z i a m m e r c a d o r i a s de e x p o r t a ç ã o . 1
A p ó s o fim d o t r á f i c o , o s p r o d u t o r e s
de a ç ú c a r se q u e i x a v a m a m a r g a m e n t e d a f a l t a d e m ã o - d e - o b r a . A s q u e i x a s eram u m a
c o n s t a n t e t a n t o n a s m a n i f e s t a ç õ e s p ú b l i c a s q u e f a z i a m através d o I n s t i t u t o I m p e r i a l
d e A g r i c u l t u r a d a B a h i a , f u n d a d o e m 1 8 5 9 , c o m o e m suas ' r e p r e s e n t a ç õ e s ' aos p r e -
sidentes da P r o v í n c i a . T a m b é m estes, a l i á s , e m seus r e l a t ó r i o s , r e p e t i a m a n o após
a n o a m e s m a r e c l a m a ç ã o , q u e se r e s u m i a n u m a c u r t a frase: " F a l t a m b r a ç o s para a
l a v o u r a . " C o m o o s p r ó p r i o s p r o d u t o r e s d e a ç ú c a r , o g o v e r n o p r o v i n c i a l n ã o era c a -
paz d e o p t a r e n t r e d i f e r e n t e s p r o j e t o s q u e p r o p u n h a m a i m p o r t a ç ã o de m ã o - d e - o b r a
c h i n e s a e e u r o p é i a . As p o u c a s e x p e r i ê n c i a s feitas c o m estes ú l t i m o s foram fiascos
c o m p l e t o s , q u e a r r u i n a r a m o s p r o d u t o r e s . O c a s o m a i s t í p i c o p a r e c e ter sido o de
T o m a z Pedreira G e r e m o a b o , rico senhor de engenho do Recôncavo que, em 1858-
1859, financiou a v i n d a d e 1 0 5 c o l o n o s d e P o r t u g a l , t e n d o e m vista a i n t r o d u ç ã o
de u m s i s t e m a de a r r e n d a m e n t o a m e i a s e m sua p r o p r i e d a d e . A e x p e r i ê n c i a nao
d u r o u um a n o , pois só dois colonos permaneceram n o e n g e n h o , c o m os demais
o p t a n d o p o r r e t o r n a r , n o p r ó p r i o R e c ô n c a v o o u e m S a l v a d o r , aos seus ofícios n o
c o m é r c i o o u n o a r t e s a n a t o . G e r e m o a b o p e r d e u assim u m a s o m a e q u i v a l e n t e ao p r e -
ç o de u m b o m e n g e n h o na r e g i ã o . 2
527
BAHIA, S É C U L O XIX
A l é m d e c o m p l e x o , o p r o b l e m a d a m ã o - d e - o b r a era p e r m e a d o d e a m b i g ü i d a d e s .
E n t r e t o d a s as a t i v i d a d e s r u r a i s , a ú n i c a q u e d e m a n d a v a b r a ç o s era a lavoura. E
m e s m o nesse d o m í n i o , s ó h á r e f e r ê n c i a à c a n a - d e - a ç ú c a r , c o m o se n ã o existissem
o u t r a s c u l t u r a s . A t é c e r t o p o n t o i s t o se j u s t i f i c a : a c u l t u r a d a c a n a , p o r sua natureza e
d i m e n s õ e s , exigia u m c o n t i n g e n t e d e m ã o - d e - o b r a m u i t o m a i o r q u e as de f u m o , café
o u c a c a u . M a s , se o f u m o e o c a c a u e r a m e m geral p r o d u z i d o s e m escala f a m i l i a r e
e m terras r e c é m - d e s b r a v a d a s , 3
a p r o d u ç ã o d o café teria p o d i d o ocupar extensões c o m -
paráveis às q u e t i n h a e m r e g i õ e s m a i s c e n t r a i s d o B r a s i l . D e f a t o , p o u c o sabemos
s o b r e as d i m e n s õ e s das p r o p r i e d a d e s c a f e e i r a s b a i a n a s n o s é c u l o X I X . O s i l ê n c i o das
f o n t e s a esse r e s p e i t o s u g e r e q u e a c u l t u r a d o c a f é t a m b é m e r a f e i t a e m escala f a m i -
liar, o q u e e x p l i c a r i a a p e q u e n a e n v e r g a d u r a d a p r o d u ç ã o e o s i l ê n c i o s o b r e a q u e s t ã o
da m ã o - d e - o b r a .
o u t r a , o f e r e c e n d o seus s e r v i ç o s p o r t e m p o g e r a l m e n t e i n d e t e r m i n a d o , e m t r o c a de u m
teto e de u m p e d a ç o de terra q u e lhes garantisse a subsistência. E m condições ótimas,
esses t r a b a l h a d o r e s a g r í c o l a s c o n s e g u i a m a t é p r o d u z i r a l g u n s e x c e d e n t e s e v e n d ê - l o s
n o s m e r c a d o s l o c a i s . A l g u n s , b a f e j a d o s p e l a s o r t e , a p ó s a l g u n s a n o s de o c u p a ç ã o efe-
tiva t o r n a v a m - s e p r o p r i e t á r i o s d e t e r r a s d e v o l u t a s , e m r e g i õ e s e m q u e n ã o existiam
escrituras. A figura d o ' p o s s e i r o ' é t ã o a n t i g a c o m o a d o ' m o r a d o r ' e d o 'agregado
rural'. Apesar de a Lei d e T e r r a s de 1 8 5 0 n ã o r e c o n h e c e r q u e o desbravamento ou a
s i m p l e s p o s s e g e r a s s e m d i r e i t o s d e f i n i t i v o s , essas — e n ã o a c o m p r a , c o m o d e t e r m i n a -
v a a lei — f o r a m as f o r m a s m a i s c o m u n s d e f o r m a ç ã o das p r o p r i e d a d e s rurais n o
Brasil. 4
P o r o u t r o l a d o , a f r a g i l i d a d e d a r e d e u r b a n a , as p o u c a s o p o r t u n i d a d e s q u e
o f e r e c i a m o s v i l a r e j o s d i s s e m i n a d o s p o r u m v a s t o t e r r i t ó r i o e a falta d e transportes
fixavam essa p o p u l a ç ã o n o c a m p o . S ó g r a n d e s c a t á s t r o f e s , c o m o secas p r o l o n g a d a s o u
chuvas diluvianas, c o n s e g u i a m e m p u r r á - l a para o litoral. C o m o já observei, porém, no
s é c u l o X I X esses d e s l o c a m e n t o s f o r a m raros e d e c u r t a d u r a ç ã o : passada a crise, os
'flagelados' v o l t a v a m p a r a c a s a . A s a t i v i d a d e s a g r í c o l a s q u e se d e s e n v o l v i a m n o inte-
5
L m c o n t r a p a m d a . há d a d o s s o b r e a idade e a c o r da p o p u l a ç ã o d o c o n j u n t o da
Província A d m i t i n d o a h i p ó t e s e , m u i t o plausível, de q u e eles reflitam t a m b é m a
K t u a ç a o d o R e c ô n c a v o , c o n c l u o q u e a p o p u l a ç ã o m a s c u l i n a e c o n o m i c a m e n t e ativa
(de o n z e a s e s s e n t a a n o s ) da P r o v í n c i a era c o m p o s t a e m m é d i a por cerca de 6 5 % da
p o p u l a ç ã o m a s c u l i n a livre e 6 9 % da p o p u l a ç ã o m a s c u l i n a escrava; a f e m i n i n a reunia
6 4 , 5 % das m u l h e r e s livres e 7 0 % das escravas. P o r o u t r o lado, negros e m u l a t o s -
s u p o s t a m e n t e p e r t e n c e n t e s às c a m a d a s m e n o s favorecidas — representavam 7 1 % d a
p o p u l a ç ã o livre m a s c u l i n a e 7 4 % d a f e m i n i n a nessas regiões p r ó x i m a s de Salvador.
Alias, t o m a d o s i s o l a d a m e n t e , h o m e n s e m u l h e r e s negros p a r t i c i p a v a m c o m o m e s m o
p e r c e n t u a l ( c e r c a de 2 3 % ) n a p o p u l a ç ã o livre d o R e c ô n c a v o . H a v i a e n t ã o u m a reser-
va de m ã o - d e - o b r a q u e n ã o era u t i l i z a d a nas atividades açucareiras.
E s t a a n á l i s e , a p a r e n t e m e n t e i m p r e c i s a , é a m p l a m e n t e c o r r o b o r a d a pela d o c u m e n -
tação qualitativa da época. E m 1 8 5 7 , o presidente da Província, J o ã o Vieira Lins
C a n s a n ç ã o d e S i n i m b u , d e c l a r a v a à A s s e m b l é i a P r o v i n c i a l : " N i n g u é m ignora q u e nas
p l a n t a ç õ e s a ç u c a r e i r a s e e m suas p r o x i m i d a d e s e x i s t e m i n d i v í d u o s o u famílias pobres
q u e , n ã o p o s s u i n d o t e r r a s , nelas h a b i t a m g r a t u i t a m e n t e o u p a g a m u m aluguel insig-
n i f i c a n t e , s e g u n d o a b o a v o n t a d e d o p r o p r i e t á r i o . " A c r e s c e n t a v a q u e essas famílias,
m e s m o q u a n d o , p o r a c a s o , p r o p r i e t á r i a s de u m p e q u e n o t e r r e n o , se v i a m m u i t a s vezes
o b r i g a d a s a v e n d ê - l o s a s e n h o r e s de e n g e n h o m a i s p o d e r o s o s , p a r t i n d o d e p o i s . 7
Em
1 8 7 0 , o u t r o presidente da Província, o Barão de S ã o Lourenço, retomava a mesma
cantilena. 8
E x i s t i a , p o r t a n t o , m ã o - d e - o b r a p o t e n c i a l . P o r q u e n ã o era utilizada?
A i n d a q u e n ã o e n t r e e m d e t a l h e s , a resposta deve ser m a t i z a d a , u m a vez q u e não
se d e v e p e r d e r d e v i s t a n e m a a t i t u d e dos s e n h o r e s de e n g e n h o , n e m a dos trabalhado-
res a g r í c o l a s . P a r a o s p r i m e i r o s , e m p r e g a r m ã o - d e - o b r a livre significava pagar diárias.
N a p r á t i c a d a é p o c a , u m a d i á r i a e n v o l v i a , a l é m de u m a s o m a e m d i n h e i r o , a m a n u t e n -
ção alimentar do trabalhador, o q u e aumentava consideravelmente o ônus do contra-
t a n t e , s o b r e t u d o e m p e r í o d o s e m q u e a c o m e r c i a l i z a ç ã o da p r o d u ç ã o era incerta. A
s o l u ç ã o t e r i a s i d o o a r r e n d a m e n t o a m e i a s , s o b r e t u d o q u a n d o se sabe q u e as plantações
t o m a v a m m e n o s d e 1 0 % das terras cultiváveis. Essas terras, p o r é m , c o n s t i t u í a m reser-
vas: q u a n d o a p r o d u t i v i d a d e d a t e r r a c u l t i v a d a d i m i n u í a , era preciso deslocar o cultivo
para o u t r a s terras, a t é e n t ã o n ã o utilizadas. P o r o u t r o l a d o , a idéia d e ver sua plantação
rodeada p o r u m n ú m e r o m a i s o u m e n o s g r a n d e d e p e q u e n o s produtores não agradava
aos s e n h o r e s d e e n g e n h o , q u e t e m i a m a c o n c o r r ê n c i a . Q u a n d o se c o m e ç o u a discutir
;i i n t r o d u ç ã o de i m i g r a n t e s e u r o p e u s na B a h i a , esse t e m o r ficou patente. E m 1884, o
B a r ã o de S ã o T i a g o , rico p r o p r i e t á r i o d o vale d o Iguapé, declarava: " A cessão gratuita,
ou c m m ó d i c a s c o n d i ç õ e s , de terrenos i n c u l t o s a imigrantes não pode ser feita pelos
agricultores desta P r o v í n c i a . Estes não possuem terrenos i n c u l t o s . A zona beira-mar, a
m e l h o r c b a s t a n t e extensa, em q u e se a c h a m estabelecidos canaviais e outras proprie-
dades agrícolas, c o m p õ e - s e de terrenos todos a p r o v e i t a d o s . " Havia, p o r t a n t o , recusa
9
E m Salvador, a s i t u a ç ã o p a r e c i a à p r i m e i r a vista d i f e r e n t e d a d o A g r e s t e o u m e s m o do
R e c ô n c a v o . Q u e m e r c a d o de t r a b a l h o a c a p i t a l o f e r e c i a a seus h a b i t a n t e s ? A questão
r a r a m e n t e aparece nas f o n t e s d a é p o c a , pois se tratava de u m m e r c a d o n ã o p r o d u t i v o ,
na m e d i d a em q u e a indústria era i n c i p i e n t e e a e c o n o m i a da região era e m i n e n t e m e n -
te agrícola. M a s , se a p r o d u ç ã o industrial era m í n i m a , a c o n s t r u ç ã o civil pública e
privada — f r e q ü e n t e m e n t e e s q u e c i d a — teve na S a l v a d o r d o s é c u l o X I X considerável
expansão. P o r o u t r o l a d o , sede de i n t e n s a atividade c o m e r c i a l — i m p o r t a ç ã o , expor-
tação e redistribuição regional de m e r c a d o r i a s — e c e n t r o a d m i n i s t r a t i v o da Província,
a cidade tinha m u i t o s c apreciáveis e m p r e g o s a o f e r e c e r .
P o r o u t r o l a d o , os e s c r a v o s — e, p o r e x t e n s ã o , os a l f o r r i a d o s — eram p r o i b i d o s de
e x e r c e r a l g u m a s f u n ç õ e s a d m i n i s t r a t i v a s o u p ú b l i c a s , m e s m o as m a i s h u m i l d e s , c o m o
as de s o l d a d o o u p o l i c i a l (essa i n t e r d i ç ã o foi d e s r e s p e i t a d a nas guerras da I n d e p ê n c i a
da B a h i a e d o P a r a g u a i , m a s nesses casos o s e r v i ç o m i l i t a r assegurava a alforria). E m
c e r t o s p e r í o d o s , p o r f o r ç a d a c o n j u n t u r a , o e x e r c í c i o de a l g u n s o f í c i o s era t a m b é m
p r o i b i d o à m ã o - d e - o b r a e s c r a v a . E m 1 8 5 0 , p o r e x e m p l o , escravos e estrangeiros foram
p r o i b i d o s de t r i p u l a r s a v e i r o s , u s a d o s n a n a v e g a ç ã o de c a b o t a g e m . Para inviabilizar sua
c o n t r a t a ç ã o , as a u t o r i d a d e s p r o v i n c i a i s i m p u s e r a m u m a taxa de 1 0 0 . 0 0 0 réis anuais
por escravo e m b a r c a d o , o q u e r e p r e s e n t a v a p a r c e l a s u b s t a n c i a l d o aluguel dos serviços
d o escravo ( c e r c a de 3 6 0 . 0 0 0 réis p o r a n o ) e p e l o m e n o s 1 0 % d o seu p r e ç o . E m 1 8 6 1 ,
os estivadores d o p o r t o de S a l v a d o r p r o t e s t a r a m j u n t o a o p r e s i d e n t e da Província
c o n t r a o ingresso d e u m n ú m e r o c r e s c e n t e d e escravos na atividade, o q u e considera-
vam p r e j u d i c i a l a o s t r a b a l h o s p o r t u á r i o s . D e fato, isso estava p r o i b i d o desde 1 8 5 0 ,
mas as p e r t u r b a ç õ e s o c a s i o n a d a s pelo c ó l e r a - m o r b o t i n h a m p r o v o c a d o u m relaxamen-
to n o c u m p r i m e n t o da n o r m a , " d e tal m o d o q u e os cidadãos pais de família se viam
sem e m p r e g o , q u a n d o os s e n h o r e s p o d e r i a m i g u a l m e n t e utilizar seus escravos — que
aliás n ã o t ê m f a m í l i a — c o m o d o m é s t i c o s o u g a n h a d o r e s ' em terra firme", declara-
vam os r e q u e r e n t e s , q u e foram a t e n d i d o s . 1 0
N o m e s m o espírito, os poderes locais
d e c i d i r a m , e m 1 8 4 8 , n ã o mais utilizar escravos nas c o n s t r u ç õ e s públicas, ficando o
setor, a partir de e n t ã o , i n t e i r a m e n t e reservado aos trabalhadores livres.
Esses e x e m p l o s m o s t r a m a c o m p l e x i d a d e d o p r o b l e m a . R e f l e t e m t a m b é m a luta
surda q u e se travou ao l o n g o de t o d o o século e n t r e os trabalhadores livres e os
BAHIA, S É C U L O XIX
532
A OFERTA DE EMPREGO
C o n t i n u e m o s a d m i t i n d o q u e o m e r c a d o d e t r a b a l h o de S a l v a d o r f u n c i o n a v a c o m o
q u a l q u e r o u t r o . Q u e e m p r e g o s e r a m n e l e o f e r e c i d o s ? O s e t o r industrial, reduzido a
u m a s p o u c a s m a n u f a t u r a s t ê x t e i s e p e q u e n a s i n d ú s t r i a s de t r a n s f o r m a ç ã o , n ã o podia
a b s o r v e r m u i t o s assalariados. E m 1 8 7 5 - 1 8 7 6 , o s e m p r e g a d o s das m a n u f a t u r a s têxteis
n ã o passavam de 4 7 8 p e s s o a s . 1 3
N ã o t e m o s i n f o r m a ç õ e s s o b r e o n ú m e r o de e m p r e g a -
dos desse setor n o p e r í o d o p o s t e r i o r , a t é 1 8 8 7 , q u a n d o várias m a n u f a t u r a s se fundi-
ram, mas não chegavam a q u i n h e n t o s .
S a l v a d o r t i n h a t a m b é m m a n u f a t u r a s d e f u m o ( q u e p r e p a r a v a m rapé, cigarros e
c h a r u t o s ) e fábricas de c a l ç a d o s , b i s c o i t o s e m ó v e i s . T i n h a a i n d a p e q u e n a s fundições
de ferro e b r o n z e , destilarias de á l c o o l e lugares para a p r o d u ç ã o de ó l e o , serrarias e
o f i c i n a s q u e e s m a l t a v a m f e r r o . A l é m d e p r e g o s , anzóis, velas, fósforos e açúcar, fabri-
cavam-se sabões, c h o c o l a t e s , c e r v e j a , massas e até r o u p a s , inclusive l u v a s . 14
N ã o temos,
p o r é m , i n f o r m a ç ã o s o b r e o n ú m e r o de operários e n g a j a d o s nessas atividades. Prova-
v e l m e n t e esse g ê n e r o de indústria de t r a n s f o r m a ç ã o proliferou e evoluiu c o m o au-
m e n t o da p o p u l a ç ã o da c i d a d e e de suas necessidades, s o b r e t u d o a partir da segunda
metade d o século X I X . O Almanaque de 1 8 6 0 relaciona 9 8 estabelecimentos desse
gênero. A d m i t i n d o q u e cada um empregasse em média vinte operários, chegamos a
um total de 1 . 9 2 0 pessoas e m p r e g a d a s . A esse n ú m e r o é preciso acrescentar alguns
milhares q u e trabalhavam n o preparo d o f u m o . Nesse setor, n ã o há registro do n ú m e -
ro de estabelecimentos ou dc e m p r e g a d o s . 19
Seja c o m o for, é evidente que essas ativi-
dades de tipo industrial ofereciam em seu c o n j u n t o escassas possibilidades de empre-
g o . As alternativas abertas à massa de trabalhadores eram as empresas de construção
civil e naval, além das atividades do setor terciário, e m expansão n u m a cidade que
necessitava de um n ú m e r o crescente de serviços para f u n c i o n a r .
LIVRO V I I - O D I N H E I R O DOS BAIANOS
533
N o s s e t o r e s p u b l i c o e p r i v a d o , a c o n s t r u ç ã o civil oferecia b o m n ú m e r o de e m p r e -
gos aos h a b i t a n t e s de S a l v a d o r , s o b r e t u d o na segunda metade do século X I X , q u a n d o
a m u n i c i p a l i d a d e e m p r e e n d e u m u i t a s o b r a s . O g o v e r n o da P r o v í n c i a era t a m b é m u m
e m p r e g a d o r c o n s i d e r á v e l . " M a s , a j u l g a r pelas r e c l a m a ç õ e s c o n s t a n t e s da p o p u l a ç ã o ,
1
as o f e r t a s d e e m p r e g o na c o n s t r u ç ã o civil n ã o c o r r e s p o n d i a m à d e m a n d a , q u e partia
s o b r e t u d o da p o p u l a ç ã o livre da c i d a d e . E s t a e n f r e n t a v a a c o n c o r r ê n c i a c o n s t a n t e da
m ã o - d e - o b r a e s c r a v a , a m p a r a d a p o r seus p r o p r i e t á r i o s , q u e m u i t a s vezes estavam à
f r e n t e de p e q u e n a s e m p r e s a s ligadas à c o n s t r u ç ã o . S o b a r u b r i c a 'Artes e o f í c i o s ' , o
Almanaque d e 1 8 6 0 d á u m a lista de m e s t r e s artesãos e m atividade e m Salvador: seis
c a r p i n t e i r o s , q u a t r o e n t a l h a d o r e s d e m a d e i r a , sete e n t a l h a d o r e s de pedra, 2 9 m a r c e -
n e i r o s , c i n c o p e d r e i r o s e d e z e s s e t e p i n t o r e s . S o m a r i a m 6 8 mestres artesãos, mas pro-
v a v e l m e n t e só e s t ã o m e n c i o n a d o s os m a i s i m p o r t a n t e s . N ã o há registro do n ú m e r o de
escravos q u e c a d a u m t i n h a a seu s e r v i ç o , m a s , r e c o r r e n d o n o v a m e n t e aos inventários
post mortem, v e j o q u e seria algo e n t r e c i n c o c d e z . A s s i m , n o c o n j u n t o dos ofícios
ligados à c o n s t r u ç ã o , o s m e s t r e s artesãos c i t a d o s n o Almanaque d i s p o r i a m de u m a
m ã o - d e - o b r a c a t i v a d e 3 4 0 a 6 8 0 escravos a r t e s ã o s . Esse n ú m e r o , e m b o r a m o d e s t o , era
s u f i c i e n t e para a f e t a r a d e m a n d a de e m p r e g o s n o s e t o r . Q u a n t o ao Arsenal da M a r i -
n h a , q u e a t é a d é c a d a d e 1 8 3 0 e m p r e g a v a c e r c a de t r e z e n t o s artesãos livres, parece ter
reduzido a o s p o u c o s s u a a t i v i d a d e , pois e m 1 8 6 0 t i n h a apenas o n z e mestres c o n t r a -
t a d o s ; n ã o se s a b e q u a n t o s s i m p l e s artesãos a i n d a e m p r e g a v a . 1 7
A d e c a d ê n c i a dessa
i n d ú s t r i a de c o n s t r u ç ã o n a v a l , o u t r o r a c o n s i d e r á v e l , fez secar u m a b o a f o n t e de e m p r e -
gos, t a n t o m a i s q u e n e l a só t r a b a l h a v a m artesãos livres.
A m e n o s q u e e s t i v e s s e m m e r g u l h a d o s e m c o m p l e t a m i s é r i a física, m o r a l e espiri-
t u a l , o s b r a n c o s se b e n e f i c i a v a m das m e l h o r e s ^ o p o r t u n i d a d e s . E r a m em geral os mais
i n s t r u í d o s , e, d e s d e q u e f o s s e m b r a s i l e i r o s , t i n h a m fácil acesso às f u n ç õ e s públicas.
N ã o e n c o n t r a v a m m a i o r e s p r o b l e m a s p a r a se e m p r e g a r c o m o c o n t a d o r e s , caixeiros
o u v e n d e d o r e s n o s e t o r d o s n e g ó c i o s e d o c o m é r c i o , n o s b a n c o s , nas c o m p a n h i a s o u
nas i n s t i t u i ç õ e s d e c a r i d a d e . M a s o s b r a n c o s q u e t r a b a l h a v a m c o m o artesãos eram
t a m b é m n u m e r o s o s . P e d r e i r o s , c a r p i n t e i r o s , p i n t o r e s , e n t a l h a d o res de pedra, estofa-
dores, funileiros, serralheiros etc. — era e n t r e eles q u e , o m a i s das vezes, se recruta-
v a m c o n t r a m e s t r e s e a d m i n i s t r a d o r e s . E m geral, estava t a m b é m restrito aos b r a n c o s o
e x e r c í c i o d e c e r t o s o f í c i o s r e p u t a d o s ' n o b r e s ' e p r e s t i g i o s o s , c o m o os de j o a l h e i r o e
r e l o j o e i r o . M a s e r a n a s f i l e i r a s d o s p r o p r i e t á r i o s ( t e r m o q u e a b r a n g i a t a n t o grandes
p r o p r i e t á r i o s i m o b i l i á r i o s , m u i t a s vezes e x - c o m e r c i a n t e s a p o s e n t a d o s , c o m o senhores
de e n g e n h o ) , d o s g r a n d e s n e g o c i a n t e s , d o s p r o f i s s i o n a i s l i b e r a i s , dos altos f u n c i o n á -
rios e d o s m i l i t a r e s d e a l t a p a t e n t e q u e se c o n c e n t r a v a a m a i o r i a dos b r a n c o s , ' p u r o s '
o u da 'terra'.
Q u a n t o às m u l h e r e s , as d a b u r g u e s i a e m geral n ã o t r a b a l h a v a m . H a v i a umas
p o u c a s , c o n t u d o , q u e d i v i d i a m r e s p o n s a b i l i d a d e s c o m os m a r i d o s n o setor c o m e r c i a l
o u a s s u m i a m a d i r e ç ã o d e u m a a t i v i d a d e a g r í c o l a , c o m o u m a p l a n t a ç ã o de c a n a - d e -
a ç ú c a r . M a s era e s p e c i a l m e n t e a v i u v e z , s o m a d a à falta o u à p o u c a idade de d e s c e n d e n -
tes m a s c u l i n o s , q u e levava a m u l h e r a t o m a r a f r e n t e d e u m e m p r e e n d i m e n t o c o m e r -
cial o u a g r í c o l a . Q u a n t o a o g r a u de a u t o n o m i a c o m q u e e x e r c i a m essas funções, é
possível e n c o n t r a r t o d a s as g r a d a ç õ e s : d a g e r ê n c i a pessoal à c o n t r a t a ç ã o de gerente,
p a s s a n d o e v i d e n t e m e n t e pela assessoria de u m c o n s e l h e i r o , p a r e n t e ou c o m p a d r e ,
m u i t a s vezes t a m b é m t u t o r dos filhos m e n o r e s . M u l h e r e s b r a n c a s trabalhavam ainda
c o m o professoras primárias - a p a r t i r de 1 8 3 0 c o m o diretoras de asilos o u abrigos
e c o m o e n f e r m e i r a s de h o s p i t a i s o u casas de c a r i d a d e . E r a m p o u c a s , mas seja c o m o for
o e x e r c í c i o dessas atividades e m p u r r o u m u l h e r e s brancas para fora d o d o m í n i o priva-
d o , e x c l u s i v a m e n t e f a m i l i a r , p o n d o - a s e m c o n t a t o c o m o c o n j u n t o da sociedade. A
i m a g e m de u m a m u l h e r reclusa, e x c l u s i v a m e n t e dedicada aos afazeres domésticos,
e m b o r a c o r r e s p o n d e s s e à m a i o r i a , deve p o r t a n t o ser n u a n ç a d a Aliás, antes que o
século X I X chegasse ao fim já havia mulheres formadas em m e d . c m a , fato notável
dadas as características gerais da sociedade b a i a n a .
M a s as m u l h e r e s q u e p e r m a n e c i a m n o lar e r a m s e m d ú v i d a m a i o r i a . N a s classes
médias, q u a n d o era p r e c i s o e q u i l i b r a r o o r ç a m e n t o f a m i l i a r , n ã o e r a m raras as q u e se
d e d i c a v a m a t r a b a l h o s d c b o r d a d o o u c o s t u r a , o u a o p r e p a r o de petiscos — s o b r e t u d o
d o c e s — . v e n d i d o s d e p o i s nas ruas p o r escravas ' g a n h a d e i r a s ' . N e g r a s c m u l a t a s livres,
alem de fazerem t a m b é m esses t r a b a l h o s a r t e s a n a i s , p o d i a m ser lavadeiras, passadeiras
e e n g o m a d e i r a s . M a s , c o m e x c e ç ã o das p r o f e s s o r a s p r i m á r i a s , d i r e t o r a s d e hospitais o u
casas de c a r i d a d e c e n f e r m e i r a s , q u e r e c e b i a m p o r m ê s , n o c a s o dessas m u l h e r e s n ã o se
pode falar de v e r d a d e i r o t r a b a l h o a s s a l a r i a d o .
S a b e - s e p o u c o s o b r e as r e l a ç õ e s e n t r e assalariados c e m p r e g a d o r e s O s e m p r e g a d o s
d o c o m é r c i o g o z a v a m d e u m a s i t u a ç ã o a p a r e n t e m e n t e i n v e j á v e l , p o i s . além de salário,
t i n h a m casa e c o m i d a p o r c o n t a d o p a t r ã o . N a d a p e r m i t e a f i r m a r , c o n t u d o , q u e essa
prática — certamente c o m u m entre comerciantes e comerciários portugueses — se
estendia ao c o n j u n t o d a c a t e g o r i a . E provável q u e só p r e v a l e c e s s e q u a n d o o caixeiro
era e s t r a n g e i r o e s o l t e i r o , c e s s a n d o q u a n d o c o n s t i t u í a f a m í l i a . Aliás, m o r a r c o m o
p a t r ã o , se era e c o n o m i c a m e n t e v a n t a j o s o , t i n h a seus i n c o n v e n i e n t e s , c o m o o de viver
sob sua p e r m a n e n t e v i g i l â n c i a . F o i a tal d e s t i n o q u e n ã o p ô d e e s c a p a r , p o r e x e m p l o ,
o p o b r e B a r t h o l o m e o P o d e s t a , c h a p e i e i r o i t a l i a n o , o b r i g a d o a prestar seus b o n s servi-
ços ao c o m p a t r i o t a A n g e l o P o g g i o , p o r u m p e r í o d o d c c i n c o a n o s , à razão de 4 0 0 . 0 0 0
réis p o r a n o , a fim d e pagar os 2 : 0 0 0 d c réis q u e e s t e ú l t i m o l h e e m p r e s t a r a na E u r o p a
para s o c o r r ê - l o e a j u d á - l o a a l i m e n t a r sua f a m í l i a , q u e a i n d a residia na I t á l i a . 2 0
I H 1 „ m a n e i r a c o m q u e v i v e m , p r e f e r i n d o a ociosidade ao
t r a b a l h o h o n e s t o q u e l h e s d a r i a o p ã o c o t i d i a n o para suas famílias e os prepa aria ara
se t o r n a r e m m e s t r e s - d e - o b r a s o u a p o n t a d o r e s . Q u a n t o a m i m , prefiro u m ' m e s t r e d e
o b r a s e s c o l h i d o e n t r e o s m e l h o r e s t r a b a l h a d o r e s a u m h o m e m q u e n ã o c o n h e c e seu
o f i c i o e n a o é c a p a z , p o r isso m e s m o , d e c o m a n d a r os o u t r o s operários " 2 2
N a s listas e l e i t o r a i s a p a r e c e m 6 . 9 2 9 p r o f i s s i o n a i s assim d i s c r i m i n a d o s : 2 8 1 p r o -
p r i e t á r i o s , 1 . 2 4 4 c o m e r c i a n t e s , 2 0 1 e m p r e g a d o s n o c o m é r c i o , 2 2 7 profissionais libe-
rais, 1 8 6 p r o f i s s i o n a i s i n d e p e n d e n t e s ' , 4 4 e m p r e g a d o s privados, 7 6 h o m e n s da Igreja
1 8 9 ' h o m e n s d a l e i ' , 5 2 7 f u n c i o n á r i o s , 1 4 3 m i l i t a r e s , 2 . 5 9 7 artesãos, 8 8 1 m a r i n h e i r o s !
1 9 5 agricultores e 1 3 8 profissionais n ã o especificados. É evidente que a população
livre, q u a n d o n ã o c o n s e g u i a o b t e r u m a s i n e c u r a o u u m b o m g a n h o n o exercício de u m
o f í c i o , p r e f e r i a d e d i c a r - s e a o s p e q u e n o s e x p e d i e n t e s d o c o m é r c i o a m b u l a n t e , livrando-
se das p e s a d a s i m p o s i ç õ e s d e h o r á r i o e d e c a r g a de t r a b a l h o dos e m p r e g o s oferecidos
na c o n s t r u ç ã o . A s m u l h e r e s m u l a t a s e negras t a m b é m p r e f e r i a m esse t i p o de trabalho
e v i n h a m e n g r o s s a r o n ú m e r o d o s v e n d e d o r e s a m b u l a n t e s q u e a n i m a v a m c o m seus
g r i t o s as r u a s e s t r e i t a s d a c i d a d e .
M a s e r a j u s t a m e n t e nessas a t i v i d a d e s ligadas a o p e q u e n o c o m é r c i o q u e os traba-
l h a d o r e s livres e n c o n t r a v a m a a c i r r a d a c o n c o r r ê n c i a dos escravos, q u e , g r a d a t i v a m e n t e
e x c l u í d o s d o e x e r c í c i o d e c e r t a s a t i v i d a d e s , p r o c u r a v a m nas ruas u m e s p a ç o de traba-
l h o . A d e m a i s , o s e s c r a v o s , m o v i d o s p e l o d e s e j o d e c o m p r a r a p r ó p r i a liberdade, n ã o
r e c u s a v a m n e n h u m t r a b a l h o , p o r d u r o q u e fosse, q u e lhes p e r m i t i s s e a m e a l h a r algum
d i n h e i r o , t o r n a n d o m a i s p r ó x i m a a r e a l i z a ç ã o d o s o n h o . S e m dúvida, e r a m , p o r é m , os
livres q u e t i n h a m p o s s i b i l i d a d e s d e e m p r e g o s estáveis e l u c r a t i v o s , e n ã o os escravos.
P o r v o l t a d e 1 8 7 0 , o s e s c r a v o s , h o m e n s e m u l h e r e s , a i n d a e r a m m u i t o s . O recensea-
m e n t o de 1 8 7 2 m o s t r a q u e 1 1 , 6 % d a p o p u l a ç ã o d e c i d a d e estavam nessa situação, os
d o i s sexos se e q u i v a l e n d o e m n ú m e r o . N a falta de dados p r e c i s o s , supus q u e essa massa
tivesse as m e s m a s c a r a c t e r í s t i c a s presentes e m t o d a a P r o v í n c i a e a d m i t i q u e a idade
ativa se situava e n t r e dezesseis e sessenta a n o s , c h e g a n d o e n t ã o a estimar q u e 2/3 desses
escravos e r a m c o n s t i t u í d o s por g e n t e c m idade de trabalhar nas residências de seus
s e n h o r e s o u , a l u g a d o s , para t e r c e i r o s . E n t r e eles havia negros africanos, negros nasci-
dos n o Brasil e m u l a t o s . Cirande parte devia trabalhar na casa dos senhores, pois a
c o n s i d e r a ç ã o social f u n d a v a - s c n o n ú m e r o de escravos q u e se tinha a seu dispor. Até
h o m e n s e m u l h e r e s c o n s i d e r a d o s pobres pela Assembléia Provincial possuíam alguns,
s e n d o isentos da taxa de 2 . 0 0 0 réis, criada e m 1 8 3 5 , que incidia sobre quaisquer
escravos de doze a sessenta anos q u e morassem n o p e r í m e t r o u r b a n o .
M u i t o s trabalhavam n o m e r c a d o da cidade, nos serviços mais vis e pesados, c o m o ^
de carga o u l i m p e z a . Até 1 8 5 0 , as mulheres escravas eram empregadas c o m o traba-
$38 BAHIA, S É C U L O X I X
Havia t a m b é m c o n t r a t o s firm-id
T r a t a v a - s e de r e c é m - l i b e r t a d o s miflf^f PT6pÚ
° t r a b a l h a d o r e
° empregador,
assim a n t e c i p a d o criava para o JJ, ^ p d
° n
° ° P
V a t r ã o
- ° d i n h e i r o
n u m t r a b a l h a d o r de t i p o m u i t o ZT^ ^
ohti
^^ ^ ° ~ * i m m
pagamento (teórico) d e ^ L ^ ^ UC^ZS" ^ °
de 2 0 . 0 0 0 a 3 0 . 0 0 0 réis nos anos I860T h \ "° ° ' S m 1 8 5
a j u s a n t e o u a m o n t a n t e d a escala ^ r i o l A i -
t r a b a l h a v a m f o r a d e casa n o d i a m rela
^« e
" t r e os senhores e os escravos que
t r o c a d e u m a d i á r i a fixa o l ^ T ^ ° ^ ^ «""^«
artesãos de todas f ^ Z ^ Z Z ^ A ° P r Í m e Í r
° " " ^ ° d
° S
SALARIOS E P R E Ç O S
O salário, p o r o u t r o l a d o , e r a m u i t a s vezes a p e n a s p a r t e d a r e m u n e r a ç ã o de um
trabalhador, pois, n u m a peculiaridade d o m e r c a d o de trabalho baiano — até hoje
observável, p o r sinal — , m u i t a s p e s s o a s e x e r c i a m d i v e r s o s o f í c i o s , r e c e b e n d o dois,
três o u até q u a t r o salários, p o r vezes t o d o s i r r i s ó r i o s . A s s i m , p a r a avaliar as r e m u n e r a -
ções globais reais, seria p r e c i s o e x a m i n a r c o m o o s s a l á r i o s se c o m p u n h a m e m c e r t o
n ú m e r o de casos i n d i v i d u a i s , m a s e m geral só h á i n f o r m a ç õ e s s o b r e o salário c o n s i d e -
rado p r i n c i p a l .
S44
545
Os SALÁRIOS
T i t o
ate
ri a r a m
d C P O Í
° ' °
S d C 1 8 4
™ ^ r i e que vai
f r m a n d
e m geral, a m b a s as i n s t i t u i ç õ e s p a g a v a m os m e s m o s salários. Q u a n d o , n u m m e s m o
a n o , h a v i a d i f e r e n t e s salários p a r a u m a m e s m a profissão — caso dos pedreiros e dos
carpinteiros — , o p t a m o s p o r a p r e s e n t a r a m é d i a ( n ã o p o n d e r a d a ) . Considerar os
salários m a i s b a i x o s , o u os m a i s a l t o s , teria s i d o t a m b é m interessante. N a m a i o t i a dos
c a s o s , p o r é m , esses a r q u i v o s i n f o r m a m u m ú n i c o valor p o r a n o , o q u e limita nosso
c a m p o d e e s c o l h a s e i m p e d e e l a b o r a ç õ e s m a i s finas. A c r e d i t o c o n t u d o que as séries que
m o n t e i m o s t r a m b a s t a n t e b e m a t e n d ê n c i a desses salários n o p e r í o d o estudado.
A s e g u n d a s é r i e de salários refere-se a e m p r e g a d o s n ã o m a n u a i s d o setor privado.
F o r a m c o l h i d o s t a m b é m n o s a r q u i v o s d o C o l é g i o S ã o J o a q u i m e, c o m o os anteriores,
c o r r e s p o n d e m a o p e r í o d o 1 8 4 0 - 1 8 8 9 . C o n s i d e r a m o s três categorias: professor p r i m á -
r i o , p o r t e i r o e e n f e r m e i r o . T o d o s r e c e b i a m salários m e n s a i s , m a s , para facilitar as
comparações, transformei-os em anuais.
A t e r c e i r a s é r i e d e s a l á r i o s v e m d o s e t o r p ú b l i c o : c o m p r e e n d e os salários pagos à
P o l í c i a d e S a l v a d o r a p a r t i r d e 1 8 3 5 e a o s f u n c i o n á r i o s d o g o v e r n o e da instrução
pública entre 1 8 6 0 e 1 8 8 9 . 6
D o s t r i n t a salários q u e estas duas séries e n g l o b a v a m , optei
p o r c o n s i d e r a r d o z e , c o m b a s e n o s s e g u i n t e s c r i t é r i o s : a c o n t i n u i d a d e dos dados, a
h o m o g e n e i d a d e n a c o m p o s i ç ã o dos salários e a representatividade destes n o c o n j u n t o
dos salários p a g o s n o s e t o r . V a m o s p o r partes. O s n ú m e r o s relativos aos diferentes
p e r í o d o s t ê m c o n t i n u i d a d e , e , q u a s e s e m p r e , a falta de dados de u m a n o para o u t r o
i n d i c a q u e o s a l á r i o p e r m a n e c e u estável. M e s m o assim, preferi sublinhar a falta de
q u a l q u e r i n f o r m a ç ã o e aspear as s o m a s m e n c i o n a d a s . N o s gráficos, as curvas são
i n t e r r o m p i d a s e m c a d a p a s s a g e m de u m nível salarial para o u t r o . N o s casos em que
faltavam i n f o r m a ç õ e s p a r a u m l o n g o p e r í o d o , tracei u m a l i n h a c o n t í n u a sempre que
o n ú m e r o e n c o n t r a d o m a i s a d i a n t e fosse o m e s m o . A ausência de oscilações salariais
nesse s e t o r a u t o r i z a essa s o l u ç ã o , d e s a c o n s e l h a d a para os salários referentes às ativida-
des artesanais. O s e g u n d o c r i t é r i o foi o de h o m o g e n e i d a d e na c o m p o s i ç ã o dos salários,
pois havia casos e m q u e estes e r a m c o m p l e m e n t a d o s p o r gratificações e outros ganhos,
t o r n a n d o - s e i m p r ó p r i o s para uso e m nosso t r a b a l h o . Q u a n t o à representatividade
(terceiro c r i t é r i o ) , tentei agrupar os doze salários e m três categorias: altos (funcionários
graduados, fossem civis o u m i l i t a r e s ) , m é d i o s ( f u n c i o n á r i o s e empregados de escalão
i n t e r m e d i á r i o ) e baixos ( f u n c i o n á r i o s subalternos e pequenos empregados do setor
privado). Esses doze salários p e r m i t i r a m - m e m o n t a r os gráficos, nos quais incluímos
t a m b é m os salários d o pessoal d o setor privado referidos n o parágrafo anterior
S ó é possível fazer u m a c o m p a r a ç ã o q u e englobe todas as três séries (trabalho
artesanal n o setor privado e funções n ã o manuais n o setor público e n o setor privado)
nos trinta ú l t i m o s anos d o período ( 1 8 6 0 - 1 8 8 9 ) . C o m e c e m o s pela mais longa, que
BAHIA, SÉCULO XIX
Mestres-pedreiros
500
/ \
400
_
500
J -
200
100
• —\ ~
1800 1810 1820 1830 1840 1850 1860 1870 1880 1890
Pedreiros
700
600 n
A
/\
500
/
/
400 w
w
300
200
100 J
1800 1810 1820 1830 1840 1850 1860 1370 ISSO 1890
Mestres-carpinteiros
800
700
600
500
400
300
200
J - - ™•—"
100
-
1800 1810 1820 1830 1840 1850 1860 1870 1880 1890
Carpinteiros
700
600 A
500 A
400
N
/
300 A
200
100 » v
1800 1810 1820 Í830 1840 1850 1860 1870 1880 1890
300
200 -
100 -
1890
1 8 0 0
"820 1830 1840 1850 1860 1870 1880
549
1.9001 1 ~—
Altos funcionários
5.500
5.000
4.500
4.000
i
3.500
/ 1
1j
7
3.000
1
2.500
A
2.000
1.500
1.000
500
Professores
2.100
2.000
1.900
1.800
1.700
1.600
L500
1.400
1.300
1.200
1.100
1.000 l
900
800
1. 7-
700-
600
500
t
400
300
200
1O0
.« e . m c o m A üéncia :L:x;°« o
r o it o X I Xostrabi,hos impo
"- a
t a m d a s listas d o s t r a b a l h a d o r e s c o m u n r h h°* ° U C O n t r a m e s
" « . q « " 5 o cons-
o a d o s ao.s W caloria ^ ^ Z Z ^ Z Z ^
tat. no entanto q u e as curvas d o s salários d o s mestres apresentam t e n Z c s m D
, ,H
, i r n - n n o de réis e m 1 8 0 1 , chegava a 2 0 0 : 0 0 0 de ré.s em
c a r p i n t e i r o s , t a m b é m d e 16Ü:ÜUU cie reis c m . o v b
i oí 1 j . l « , ^ 5 n d e 25%. N ã o t e n h o c o m o explicar essa diferença,
1831, a p r e s e n t a n d o u m a elevação a e /«• „_,•„!
1
. , , • n f_ n 8 3 2 - 1 8 5 5 ) os salários de pedreiros e carpintei-
t a n t o mais q u e n o p e r í o d o s e g u i n t e \\o D * ^ ' l o
« * »\*Ac,- n t n
1 8 3 1 u m a elevação q u e os d o s peareiro» *u : t\ n r n e
N o c o n j u n t o d o p e r í o d o 1 8 0 1 - 1 8 8 9 , o s s a l á r i o s d e s s a s d u a s c a t e g o r i a s de artesãos
s u b i r a m 2 1 2 , 5 % , m a s f o i e n t r e 1 8 3 2 e 1 8 7 3 q u e essa a l t a o c o r r e u . O s salários dos
serventes t a m b é m a u m e n t a r a m : o s das m u l h e r e s e m 1 6 6 % (os d a d o s s o b r e m u l h e r e s
n a c o n s t r u ç ã o civil p a r a r a m e m 1 8 4 8 ) e o s d o s h o m e n s e m 5 2 5 % , o q u e representa a
m a i o r e l e v a ç ã o e n t r e t o d o s o s s a l á r i o s d e 1 8 0 1 a 1 8 8 9 . P o d e - s e n o t a r a i n d a q u e , se e m
1 8 0 1 u m s e r v e n t e r e c e b i a 1/4 d o s a l á r i o d e u m p e d r e i r o o u d e u m c a r p i n t e i r o , em
1 8 8 9 r e c e b i a e x a t a m e n t e 3 / 5 . I s t o p o d e ser i n d í c i o d e u m a falta d e m ã o - d e - o b r a n ã o
especializada, i d é i a q u e é c o r r o b o r a d a p e l o f a t o d e q u e só esses t r a b a l h a d o r e s tiveram
a u m e n t o salarial a p ó s 1 8 7 3 .
O s q u i n z e salários p a g o s p e l o s s e t o r e s p ú b l i c o e p r i v a d o para a força de t r a b a l h o
n ã o m a n u a l e v o l u í r a m d o m e s m o m o d o q u e o s d o s artesãos e serventes: l o n g o s p e r í o -
dos de estabilidade f o r a m s e g u i d o s p o r altas b a s t a n t e expressivas, q u e p r e c e d e m novos
períodos de e s t a b i l i d a d e . A o c o n t r á r i o , p o r é m , d o q u e o c o r r e u c o m os trabalhadores
m a n u a i s , n ã o se p r o d u z i r a m q u e d a s , o q u e é n o r m a l n o c a s o das categorias envolvidas.
N o s períodos em q u e o s d a d o s são c o m p a r á v e i s o s salários a u m e n t a m nas m e s m a s fases
q u e o s dos artesãos, c o m d i f e r e n ç a s de q u a t r o a seis a n o s .
F o r a dessas fases, p o r é m , dois g r u p o s de salários tiveram u m comportamento
diferente: o dos oficiais e s u b o f i c í a i s d e P o l í c i a c o dos e m p r e g a d o s n ã o manuais do
setor privado. Aliás, para esses dois tipos de assalariados, as séries c r o n o l ó g i c a s são mais
longas: c o m e ç a m e m 1 8 3 5 para o pessoal da P o l í c i a e em 1 8 4 0 para os empregados do
orfanato S ã o J o a q u i m .
Após l o n g o p e r í o d o de estabilidade ( 1 8 3 5 - 1 8 5 0 ) , os salários d o pessoal da P o -
lícia tiveram sucessivas elevações. E n t r e 1 8 5 0 e 1 8 6 1 , o d o c o m a n d a n t e geral subiu
1 2 0 % , o dos capitães 8 5 % , o dos primeiros-sargentos 6 6 % e o d o restante do pes-
LrvRoVII — O DINHEIRO DOS BAIANOS 553
T A B E L A 93
A t é o m o m e n t o , a n a l i s a m o s os m o v i m e n t o s desses s a l á r i o s , p r o c u r a n d o seguir o
r i t m o de suas v a r i a ç õ e s n o t e m p o . A i n d a q u e tal r i t m o fosse i d ê n t i c o , as séries de que
disponho t ê m durações diferentes, o q u e i m p e d e c o m p a r a ç õ e s mais finas. Podemos,
c o n t u d o , c o m p a r a r o m o v i m e n t o de três desses d e z o i t o s a l á r i o s e n t r e 1 8 5 9 / 6 1 e 1 8 8 9 .
M e u interesse é v e r i f i c a r t a n t o a p r o p o r ç ã o e m q u e a u m e n t a r a m c o m o o grau de
variação q u e e x i b i a m ,
A p r o g r e s s ã o m a i s a c e n t u a d a é a d o s salários d o s f u n c i o n á r i o s d a F a z e n d a . S e t o r
importante do governo — p o i s dele d e p e n d i a a g e s t ã o das finanças da Província — ,
seus f u n c i o n á r i o s e s t a v a m e n t r e os m a i s b e m r e m u n e r a d o s e m t o d o o serviço p ú b l i c o .
O inspetor da Fazenda, por e x e m p l o , t o r n o u - s e e m 1 8 7 6 o mais b e m pago funcionário
d o g o v e r n o (até e n t ã o , g a n h a v a o m e s m o q u e o d i r e t o r geral d a I n s t r u ç ã o P ú b l i c a ) . P o r
o u t r o l a d o , os a l t o s f u n c i o n á r i o s d a a d m i n i s t r a ç ã o p r o v i n c i a l t i n h a m e m geral c a m i -
n h o a b e r t o para a c o n q u i s t a de c a r g o s p o l í t i c o s de p r i m e i r o p l a n o , seja n o P a r l a m e n t o ,
seja n a p r ó p r i a p r e s i d ê n c i a o u v i c e - p r e s i d ê n c i a d a P r o v í n c i a , m u i t a s vezes ocupadas
por m a g i s t r a d o s de a l t o n í v e l , j u í z e s d o T r i b u n a l de J u s t i ç a .
TABELA 94
SETOR PÚBLICO
ANOS %
Altos funcionários
Comandante de Polícia
1861-1889 25,0
Secretário Geral da Assembléia Provincial
1863-1889 38,0
Chefe de Seção
1861-1889 35,0
Inspetor do Tesouro
1863-1889 78,6
Diretor Geral de Instrução Pública
1860-1889 33,0.
Funcionários médios
Primeiro-escrevente (Governo)
1861-1889 23,0
Primeiro-escrevente (Tesouraria)
1863-1889 28,0
Primeiro-escrevente (Instrução Pública)
1861-1889 33,3
Capitão de Polícia
1861-1889 38,0
Funcionários subalternos
Terceiro-escrevente (Fazenda) 1863-1889 64,4
Porteiro (Assembléia Provincial) 1863-1889 50,0
Primeiro-sargento de Polícia 1861-1889 20,0
SETOR PRIVADO
Artesãos
Pedreiro 1860-1889 25,0
Carpinteiro 1859-1889 39,0
Serventes 1861-1889 33,0
todos os q u e r e g i s t r a m o s , o d e p o r t e i r o d o C o l é g i o S ã o J o a q u i m , m a s só 3 , 5 vezes
m a i o r q u e o d o e s c r e v e n t e d a m e s m a i n s t i t u i ç ã o , q u e r e c e b i a o salário m é d i o mais
b a i x o ; e m 1 8 6 9 , o p o r t e i r o c o n t i n u a v a t e n d o o salário m a i s b a i x o , e sua relação c o m
o mais a l t o n a o c a s i ã o ( o d o i n s p e t o r d o T e s o u r o ) era d e 2 7 , 7 ; o escrevente ganhava
agora u m s a l á r i o c i n c o vezes m e n o r q u e o m a i s a l t o d o p e r í o d o . P o r o u t r o lado, em
1 8 6 1 , o salário d o e s c r e v e n t e era 8 , 3 vezes m a i o r q u e o d o p o r t e i r o e, e m 1 8 8 9 , apenas
6 , 5 vezes, e m b o r a a m b o s f o s s e m e m p r e g a d o s d a m e s m a i n s t i t u i ç ã o . A tabela 9 5 m o s -
tra a média dos salários para o s três níveis e m 1 8 6 3 e 1 8 8 9 . C o n s i d e r e i altos os salários
c o m p r e e n d i d o s e n t r e 2 : 0 0 0 e 5 : 0 0 0 de réis, m é d i o s os c o m p r e e n d i d o s e n t r e 1 : 0 0 0 e
2 : 0 0 0 de réis e b a i x o s os i n f e r i o r e s a esse p a t a m a r . F o r a m e x c l u í d o s os sa a n o s - como
o de capitão de Polícia - q u e , c m 1 8 8 9 , estavam n u m nível diferente d o original
Em 1 8 6 3 , as d i f e r e n ç a s e n t r e esses três níveis eram as seguintes: a media dos
salários altos era 2 , 2 vezes m a i o r q u e a m é d i a dos salários m é d i o s e 6 , 2 vezes mais alta
que a m é d i a d o s salários b a i x o s . A m é d i a dos salários médios era 2 , 8 vezes superior à
média dos salários b a i x o s . E m 1 8 8 9 , o fim d o p e r í o d o , as relações e n t r e essas três
grandes faixas salariais eram p r a t i c a m e n t e as m e s m a s , apesar da diferença nas p r o p o r -
m BAHIA. S*CVÏ o XIX
TABELA §3
Média Salarial, 1 8 6 3 i 1 8 8 ) 1
(m comos m rfis)
FAOUS N* 1863
ç õ c s c m q u e a l g u n s d o s salários t i n h a m a u m e n t a d o . N ã o o b s t a n t e , a d i f e r e n ç a e n t r e o
salário m a i s b a i x o e o m a i s a l t o era e n o r m e , c o m o n ã o p o d i a d e i x a r d e ser, dada a
e s t r u t u r a e c o n ô m i c a e social d a é p o c a . É p r e c i s o t e r e m m e n t e , a i n d a , q u e os salários
b a i x o s r e p r e s e n t a v a m m u i t a s vezes a t o t a l i d a d e d o g a n h o de u m a s s a l a r i a d o , e n q u a n t o
os m a i s a l t o s e m geral n ã o p a s s a v a m d e c o m p l e m e n t o s d e r e n d a s b e m m a i s elevadas,
o r i u n d a s de a ç õ e s , i m ó v e i s , o b r i g a ç õ e s b a n c á r i a s o u d o E s t a d o , p r o p r i e d a d e s rurais ou
do comércio.
A o u t r a t e n d ê n c i a , q u e t e v e s e u e x p o e n t e c m E r n e s t L a b r o u s s e , privilegia as tabelas
oficiais, e m geral m o n t a d a s e p u b l i c a d a s pelas a u t o r i d a d e s m u n i c i p a i s , q u e i n f o r m a m
os preços p r a t i c a d o s n o m e r c a d o . As c o t a ç õ e s dessas t a b e l a s , q u e p o d e m ser s e m a n a i s ,
8
bimensais o u m e n s a i s , r e s u l t a m d o a j u s t e e n t r e a o f e r t a e a d e m a n d a , pressupondo
portanto u m m e r c a d o livre.
Estes d o i s p r e c u r s o r e s d o e s t u d o d o s m o v i m e n t o s d o s preços c r i t i c a r a m - s e m u t u a -
m e n t e . H a m i l t o n r e s s a l t o u q u e as séries a p r e s e n t a d a s p o r L a b r o u s s e c o n t i n h a m dados
já e l a b o r a d o s , c u j a s b a s e s p e r m a n e c i a m d e s c o n h e c i d a s . L a b r o u s s e , p o r sua vez, alegou
que as séries q u e H a m i l t o n usava n ã o r e p r e s e n t a v a m t o d a a g a m a dos preços d o
m e r c a d o , c o m p o n d o - s e a d e m a i s d e v a l o r e s i n f e r i o r e s aos q u e nele se praticavam, u m a
vez q u e as i n s t i t u i ç õ e s g o z a v a m d e c e r t o s p r i v i l é g i o s e m r e l a ç ã o aos c o m p r a d o r e s
c o m u n s . V i t o r i n o M a g a l h ã e s G o d i n h o t e n t o u c o n c i l i a r os d o i s c a m i n h o s , p r o p o n d o o
uso s i m u l t â n e o d o s d o i s t i p o s d e d o c u m e n t o , d e tal m o d o q u e u m a série controlasse a
outra. 9
N a p r á t i c a , o h i s t o r i a d o r s ó p o d e se d a r a o l u x o de e s c o l h e r e n t r e esses três
c a m i n h o s se d i s p u s e r d e t o d a s essas f o n t e s e se as m e s m a s c o n t i v e r e m dados c o n t í n u o s
e h o m o g ê n e o s o b a s t a n t e p a r a o e s t a b e l e c i m e n t o d e séries úteis.
N o B r a s i l , s ó f o r a m f e i t o s e s t u d o s d e p r e ç o s de g ê n e r o s d e p r i m e i r a necessidade
c o m r e l a ç ã o a R e c i f e , S a l v a d o r e R i o de J a n e i r o . P o r c a u s a d o s p e r í o d o s estudados, só
os referentes às d u a s ú l t i m a s c i d a d e s p o d e m s e r úteis a q u i . 1 0
A i n d a assim, as c o m p a -
rações são d i f í c e i s , p o r c a u s a das d i f e r e n ç a s e n t r e as f o n t e s utilizadas na e l a b o r a ç ã o das
estatísticas, e n t r e os p r o d u t o s c o n s i d e r a d o s e as a b o r d a g e n s teóricas adotadas.
O e s t u d o de E u l á l i a M a r i a L a h m e y e r L o b o , q u e a b a r c a o p e r í o d o de 1 8 2 0 a 1 9 3 0 ,
t e m q u a t r o o b j e t i v o s : a n a l i s a r os e v e n t u a i s a s p e c t o s c í c l i c o s de u m a e c o n o m i a de
t r a n s i ç ã o p a r a u m a s o c i e d a d e c a p i t a l i s t a ; u t i l i z a r o s p r e ç o s c o m o i n d i c a d o r e s para o
e s t a b e l e c i m e n t o d e u m a p e r i o d i z a ç ã o m a i s o b j e t i v a ; p r e c i s a r a i n f l u ê n c i a dos m o d e l o s
de e x p o r t a ç ã o s o b r e o s p r e ç o s d o m e r c a d o i n t e r n o ; v e r i f i c a r as r e l a ç õ e s e n t r e o s preços
d o m e r c a d o i n t e r n o e o p r o c e s s o de i n d u s t r i a l i z a ç ã o .
E s c o l h e n d o treze p r o d u t o s , a a u t o r a d e c l a r a " t e r t e n t a d o o b t e r p r e ç o s de p r o d u t o s
h o m o g ê n e o s e da m e s m a f o n t e g e o g r á f i c a " . 1 3
Não fica c l a r o , c o n t u d o , o q u e ela
e n t e n d e p o r p r o d u t o s h o m o g ê n e o s : h o m o g ê n e o s c o m r e l a ç ã o a q u ê ? E m relação a
séries c r o n o l ó g i c a s de igual d u r a ç ã o o u à q u a l i d a d e d o p r o d u t o , q u e p o d e variar
m u i t o ? As f o n t e s u t i l i z a d a s são d e d o i s t i p o s : p o r u m l a d o , h o s p i t a i s e i r m a n d a d e s
( S a n t a C a s a de M i s e r i c ó r d i a e O r d e m T e r c e i r a d e S ã o F r a n c i s c o d a P e n i t ê n c i a ) e, por
o u t r o , o Jornal do Commercio, q u e p o d e ser c o n s i d e r a d o u m a f o n t e o f i c i a l d a época,
c o m d a d o s q u e t ê m as c a r a c t e r í s t i c a s das t a b e l a s d i v u l g a d a s pelas a u t o r i d a d e s . D e fato,
a n a l i s a n d o estas f o n t e s , a a u t o r a d i z : " O s p r e ç o s das i n s t i t u i ç õ e s religiosas são mais
b a i x o s q u e o s d o m e r c a d o , p o r c a u s a das r e d u ç õ e s o f e r e c i d a s p e l o s f o r n e c e d o r e s nas
c o m p r a s e m grandes q u a n t i d a d e s . O s p r e ç o s o f i c i a i s p u b l i c a d o s n o Jornal do Commercio
de 1 8 4 0 a 1 8 7 0 , s o b a r u b r i c a ' P r e ç o s c o r r e n t e s d a P r a ç a ' , e d e 1 8 7 0 a 1 9 0 0 na Revista
do Mercada e e m Gêneros de Consumo, são m a i s b a i x o s q u e o s d a v e n d a n o v a r e j o e mais
altos q u e os da v e n d a n o a t a c a d o . C o i n c i d e m c o m o s das i n s t i t u i ç õ e s . H á u m p e r í o d o
de s u p e r p o s i ç ã o das diversas f o n t e s , q u e p e r m i t i u a c o m p a r a ç ã o d e suas c o n t a b i l i d a -
des; foi necessário t a m b é m fazer u m a p e s q u i s a s o b r e a c o r r e s p o n d ê n c i a e n t r e o s diver-
sos pesos e m e d i d a s utilizados n o c u r s o d e s s e l o n g o p e r í o d o . " 1 4
D e i x a n d o de lado,
nesta longa c i t a ç ã o , a r e f e r ê n c i a aos p e s o s e m e d i d a s , passo a t e n t a r e n t e n d e r o resto.
S e b e m c o m p r e e n d i , L a h m e y e r L o b o u t i l i z o u , para o p e r í o d o 1 8 2 0 - 1 8 4 0 , os
preços c o n s i g n a d o s nos livros d o q u e d e n o m i n a i n s t i t u i ç õ e s religiosas*. O r a , J o h n s o n ,
q u e trabalhou e x a t a m e n t e c o m as m e s m a s f o n t e s e n t r e 1 7 2 0 e 1 8 2 0 , a f i r m a textual-
m e n t e que esses preços " e r a m p r e ç o s d e m e r c a d o , livres, e x c e t o q u a n d o a instituição
fazia um c o n t r a t o e x t r a o r d i n á r i o , q u a s e s e m p r e m e n c i o n a d o " . 1 5
O que Lahmeyer
L o b o sustenta é j u s t a m e n t e o c o n t r á r i o . Ela fala de " r e d u ç õ e s oferecidas pelos f o r n e c e -
d o r e s " , sugerindo q u e , nesse p e r í o d o , essas i n s t i t u i ç õ e s t i n h a m m u d a d o de tática e j á
n ã o sc abasteciam n o m e r c a d o varejista. A a u t o r a , n o e n t a n t o , n ã o d á explicação
alguma sobre o fato e parece ignorar a análise desse t i p o de f o n t e feita p o r J o h n s o n .
F i c a m o s p o r t a n t o na incerteza n o t o c a n t e ac)s o i t e n t a anos ( 1 7 6 0 - 1 8 4 0 ) abrangidos
pela c o m b i n a ç ã o dos estudos de J o h n s o n e dc L a h m e y e r L o b o .
^oVl^o DINHEIRO DOS BAIAN. 559
C o m r e l a ç ã o a o p e r í o d o de 1 8 4 0 a 1 8 9 0 , L a h m e y e r L o b o usou c o m o fontes o
Jornal do Commerao e zRevtsta do Mercado. S e g u n d o ela, os p t e ç o s p u b l i c a d o s nesses
dois j o r n a i s e t a m m a i s b a i x o s q u e os d a v e n d a n o v a t e j o e mais altos q u e os da v e n d a
no a t a c a d o ' . M a i s u m a vez e s t a m o s n o t e i n o da incerteza. Q u e p a r â m e t r o s e m b a s a m
essa a f i r m a ç ã o ? E l a s ó p o d e r i a ser v á l i d a se h o u v e s s e séries de preços n o atacado e n o
varejo, caso e m q u e d e v e r i a m t e r s i d o utilizadas pela a u t o r a . Q u e s i g n i f i c a m , aliás, as
expressões mais baixos e mais altos} C o n t u d o , é c o m base nessa n e b u l o s a apreciação
que a a u t o r a d e c l a r a q u e o s p r e ç o s " o f e r e c i d o s às i n s t i t u i ç õ e s " e r a m . . . ' m é d i o s ' (expres-
são m i n h a ) . P r e o c u p a d a t a l v e z c o m a v e r o s s i m i l h a n ç a , apressa-se e m dizer q u e houve
um p e r í o d o d e s u p e r p o s i ç ã o das diversas f o n t e s q u e p e r m i t i u a c o m p a r a ç ã o de suas
c o n t a b i l i d a d e s . S e isso d e f a t o o c o r r e u , p o r q u e a a u t o r a n ã o e s p e c i f i c o u tal p e r í o d o ,
para f u n d a m e n t a r a a n á l i s e d e suas f o n t e s ? E m s u m a , q u e valor p o d e m o s atribuir a
análises feitas a p a r t i r d e d a d o s t ã o c o n t e s t á v e i s e a p r e s e n t a d a s n u m a História do Rio
de Janeiro: do capital comercial ao capital industrial e financeiro^ 6
N ã o o b s t a n t e , h á e c o n o m i s t a s q u e u s a m tais d a d o s s e m dar m o s t r a s de i n q u i e t a ç ã o
com suas i m p r e c i s õ e s . F o i o c a s o d e M i r c e a B u e s c u , q u e u t i l i z o u séries elaboradas p o r
ele, por J o h n s o n , p o r L a h m e y e r L o b o e p o r m i m m e s m a , e x p l i c a n d o certas i n c o e r ê n -
cias nas v a r i a ç õ e s d o s p r e ç o s a p a r t i r d a i n c o n s i s t ê n c i a d o m e r c a d o , das diferenças n o
n ú m e r o e n a n a t u r e z a d o s p r o d u t o s q u e c o m p õ e m o s í n d i c e s d e c a d a a u t o r (por
exemplo, o p e s o m u i t o a l t o d o s p r o d u t o s n a c i o n a i s de c o n s u m o i n t e r n o e m certos
períodos), s e m j a m a i s q u e s t i o n a r , p o r u m l a d o , a fidedignidade dos dados q u e integra-
vam as séries e, p o r o u t r o , a h o m o g e n e i d a d e dos p r o d u t o s c u j a s variações de preços se
comparavam. 1 7
J á i n d i q u e i o q u a n t o as séries e m q u e s t ã o d e i x a m a desejar n o t o c a n t e
à fidedignidade; q u e r o d e s t a c a r a p e n a s q u e , s e g u n d o M i r c e a B u e s c u , os preços dos
géneros p u b l i c a d o s n o s j o r n a i s s e r i a m os d o a t a c a d o .
N o t o c a n t e à h o m o g e n e i d a d e d o s p r o d u t o s , o p r o b l e m a q u e se c o l o c a é da m e s m a
ordem: além d o p e s o , h á a q u e s t ã o da q u a l i d a d e . N ã o retornarei ao p r o b l e m a dos pesos
c medidas e suas c o n v e r s õ e s , 1 8
m a s g o s t a r i a de frisar mais u m a vez c o m o é i m p o r t a n t e
ter certeza s o b r e a h o m o g e n e i d a d e d o s g ê n e r o s c u j o s preços se c o m p a r a m e da clara
definição destes q u a n d o d a c o m p o s i ç ã o d o s í n d i c e s . D e f a t o , n o caso de quase todos
0 $ alimentos, os preços variam s e g u n d o a qualidade, e u m m e s m o p r o d u t o pode apresen-
tar qualidades diversas. É p r e c i s o , p o r t a n t o , q u e a q u a l i d a d e seja c l a r a m e n t e definida
Para se saber e x a t a m e n t e o q u e se está c o m p a r a n d o . E m sua série sobre os preços do
açúcar, L a h m e y e r L o b o , p o r e x e m p l o , t o m a c o m o ' q u a l i d a d e ' o açúcar mascavo. O r a ,
Buescu considera q u a t r o q u a l i d a d e s de a ç ú c a r , e n t r e b r a n c o s e mascavos, e entre elas
há consideráveis d i f e r e n ç a s de p r e ç o : o açúcar mascavo de tipo S a n t o s era 1 2 , 2 % mais
barato q u c o de t i p o C a m p o s . I n d o mais longe, L a h m e y e r L o b o n ã o hesita em subs-
tituir seu açúcar m a s c a v o de C a m p o s pelos provenientes de P e r n a m b u c o e de M a c e i ó
eada vez que há u m a l a c u n a c m sua série original. O preço do açúcar mascavo que
vinha do N o r d e s t e era m a i s c a r o , mais barato o u igual ao do fluminense? A autora não
*e pronuncia a respeito. E x e m p l o s assim poderiam ser multiplicados, mas s e n a enfa-
360 BAHIA, SÉCULO XIX
d o n h o . D i g o a p e n a s , para c o n c l u i r , q u e n o e s t a d o e m q u e se e n c o n t r a m o s e s t u d o s
s o b r e o s m o v i m e n t o s d o s p r e ç o s e m S a l v a d o r e n o R i o d e J a n e i r o , as c o m p a r a ç õ e s
p o d e m sugerir certas ordens de grandeza, mas de m o d o algum definir m o v i m e n t o s
c í c l i c o s e c o n j u n t u r a i s . S e as f o n t e s p r i m á r i a s s ã o escassas, as séries d i s p o n í v e i s , d a d o
o m o d o c o m o f o r a m p r e p a r a d a s , d e v e m ser u s a d a s c o m a m a i s e x t r e m a p r u d ê n c i a .
P a r a m e u e s t u d o d o s m o v i m e n t o s d o s p r e ç o s na B a h i a , utilizei a ú n i c a f o n t e — a
Santa Casa de Misericórdia — q u e o f e r e c i a as c o n d i ç õ e s n e c e s s á r i a s à e l a b o r a ç ã o
e s t a t í s t i c a . D e i x e i d e usar p e s q u i s a s f e i t a s n o s c o n v e n t o s d o C a r m o , d e S ã o B e n t o , de
S ã o F r a n c i s c o (a c u j o s d a d o s n ã o t i v e a c e s s o d i r e t o ) e d o D e s t e r r o ( q u e n ã o p e r m i t i u
d a d o s h o m o g ê n e o s , n e m c o n t í n u o s ) , b e m c o m o d o s A r q u i v o s M u n i c i p a i s de Salvador
( e m c u j o s registros a p a r e c e m a p e n a s as q u a n t i d a d e s , s e m p r e ç o s ) . T e n h o p l e n a c o n s -
c i ê n c i a das l i m i t a ç õ e s i n e r e n t e s a o u s o d e u m a f o n t e ú n i c a , m a s n ã o h a v i a e s c o l h a , e
a c r e d i t o q u e ela p o d e f o r n e c e r u m a b a s e r e l a t i v a m e n t e c o r r e t a p a r a o a c o m p a n h a m e n -
to dos preços e m Salvador ao l o n g o d o século X I X .
A t é 1 8 2 7 , as despesas d o h o s p i t a l a b r a n g i a m u m a g a m a de p r o d u t o s m u i t o mais
v a r i a d a q u e as d o r e c o l h i m e n t o , c o n t a b i l i z a d a s s e p a r a d a m e n t e . A s s i m , só recorri aos
d a d o s r e f e r e n t e s a e s t e s e t o r d a i n s t i t u i ç ã o p a r a o s a n o s e m q u e m e f a l t a v a m dados
r e f e r e n t e s ao h o s p i t a l . N o t o c a n t e a o s é c u l o X I X , aliás, essa s u b s t i t u i ç ã o só foi neces-
sária n o s a n o s 1 8 1 8 / 1 9 e 1 8 2 4 / 2 5 . L a m e n t a v e l m e n t e , h á u m a l a c u n a n a d o c u m e n t a -
ç ã o e n t r e 1 8 3 3 e 1 8 4 2 , o q u e n o s i m p e d e d e a c o m p a n h a r o m o v i m e n t o dos preços
nesse p e r í o d o c o n t u r b a d o n a h i s t ó r i a d a c i d a d e . 1 9
U m a d u p l a p r e o c u p a ç ã o n o r t e o u m e u e s t u d o : t r a b a l h a r c o m u m l o n g o intervalo
de t e m p o e e s c o l h e r p r o d u t o s s i g n i f i c a t i v o s , c u j o s p r e ç o s p u d e s s e m ser a c o m p a n h a d o s
por l o n g o s p e r í o d o s , s e m d e s c o n t i n u i d a d e s .
Para a b r a n g e r o i n t e r v a l o m a i s l o n g o possível, d e f i n i c o m o p o n t o de partida o a n o
de 1 7 5 0 c c o m o l i m i t e final o de 1 9 3 0 , s i t u a d o s b e m a q u é m e b e m além d o período
de 8 9 anos q u e n o s interessa ( 1 8 0 1 - 1 8 8 9 ) . Q u a t r o razões d e t e r m i n a r a m essa escolha:
a existência de d o c u m e n t a ç ã o b a s t a n t e regular a p a r t i r d e m e a d o s d o século X V I I I ; o
desejo de oferecer a h i s t o r i a d o r e s c e c o n o m i s t a s u m a série t ã o longa q u a n t o possível;
a i n t e n ç ã o de possibilitar c o m p a r a ç õ e s c o m e s t u d o s a n á l o g o s existentes n o Brasil e
s o b r e t u d o n o exterior, a i n d a q u e p a u t a d o s p o r o u t r o s c r i t é r i o s ; p o r fim, a razão prin-
cipal: q u a n t o mais longa for, mais b e m u m a série i n d i c a os r i t m o s observáveis n u m a
c o n j u n t u r a , c u j o s m o v i m e n t o s n ã o c o i n c i d e m n e c e s s a r i a m e n t e c o m os cortes c r o n o l ó -
gicos tradicionais.
LIVRO V H - O D I N H E I R O DOS BAIANOS 561
A e s c o l h a d o s p r o d u t o s a c o n s i d e r a r foi o r i e n t a d a p o r três c r i t é r i o s . E m p r i m e i r o
lugar, já q u e se t r a t a v a d e e s t a b e l e c e r u m a série c r o n o l ó g i c a , era p r e c i s o d i s p o r de séries
anuais de d a d o s , c o m p r e ç o s expressos na m o e d a c o r r e n t e da é p o c a , c o m h o m o g e n e i d a d e
de pesos e m e d i d a s e d e p r o c e d ê n c i a g e o g r á f i c a . E m s e g u n d o l u g a r , o q u e m e i n t e r e s -
sava eram p r e ç o s d e g ê n e r o s b á s i c o s d a a l i m e n t a ç ã o c o t i d i a n a d a p o p u l a ç ã o de S a l v a -
dor. E m t e r c e i r o , e r a d e s e j á v e l d i s t i n g u i r , e n t r e tais g ê n e r o s , p r o d u t o s de i m p o r t a ç ã o
e de e x p o r t a ç ã o , i n d i c a n d o q u a i s e r a m o s d e c o n s u m o geral. A e s c o l h a recaiu e m
dezoito p r o d u t o s — q u e c o n s i d e r e i r e p r e s e n t a t i v o s d a p r o d u ç ã o a g r í c o l a d a B a h i a , p o r
u m lado, e d o c o n s u m o b a i a n o , p o r o u t r o — , d i v i d i d o s e m três c a t e g o r i a s : p r o d u t o s
de e x p o r t a ç ã o ( a ç ú c a r , 1 7 5 0 - 1 9 3 0 ; e c a f é , 1 8 1 0 - 1 9 3 , 1 ) , p r o d u t o s d e i m p o r t a ç ã o (fa-
rinha de t r i g o , a z e i t e d e o l i v a , b a c a l h a u , v i n a g r e , m a n t e i g a e c h á ) e p r o d u t o s de o r i g e m
e c o n s u m o l o c a i s ( f a r i n h a d e m a n d i o c a , c a r n e f r e s c a , f e i j ã o , arroz, c a r n e - s e c a , t o u c i n h o ,
galinha, ó l e o d e b a l e i a e ó l e o d e r í c i n o ) . A l o n g a e x p l i c a ç ã o n e c e s s á r i a s o b r e as dificul-
dades de m o n t a g e m d e n o s s a s é r i e e a m e t o d o l o g i a u t i l i z a d a e m c a d a c a s o está nas
notas d e s t e c a p í t u l o . 2 0
eram produzidos na Bahia; alguns, porém, não chegavam à capital, em razão dos
problemas de transporte. Assim, grande parte da carne-seca e do toucinho comer-
cializados em Salvador vinha sobretudo da região do Prata, do Rio Grande do Sul e,
no caso do segundo, até de Lisboa, porque a produção local era insuficiente e de má
qualidade e porque os negociantes que detinham o oligopólio do abastecimento do
mercado tinham todo interesse em manter o statu quo.
Portanto, a lista dos produtos "de importação" poderia incluir a carne-seca e o
toucinho. Mas eles eram produzidos também localmente, e a parcela importada vinha
principalmente de outras províncias brasileiras. Consideramos, por isso, que integra-
vam um comércio nacional, e não internacional, caso em que outros fatores intervi-
riam na fixação de preços. Nossa lista reúne produtos que não eram produzidos no
país ou o eram em quantidades ínfimas. E o caso da manteiga, do vinagre e do chá,
cuja produção local só foi suficiente para substituir as importações do estrangeiro após
o fim do nosso período. Com exceção do chá — cujo consumo na Santa Casa era
muito pequeno, embora fosse provavelmente maior que o consumo geral — , os de-
mais itens, como farinha de trigo, azeite de oliva, bacalhau e vinagre, eram amplamen-
te consumidos pelo conjunto da população.
Quanto aos produtos de exportação — açúcar e café — , seus preços no mercado
interno dependiam inteiramente das cotações que tinham no mercado externo, que
absorvia a maior parte da produção.
Esses gêneros não tinham todos igual peso no consumo geral em Salvador. A
farinha de mandioca, a carne de boi e o feijão não podiam faltar na mesa do baiano, fosse
qual fosse sua classe social, mas os demais não eram de consumo tão geral, ficando fora
do alcance dos menos favorecidos. As flutuações de preços desses itens afetavam ape-
nas as categorias de maior poder aquisitivo, que podiam consumir uma gama mais
ampla de produtos e diversificar sua alimentação. Por outro lado, faltam à nossa lista
produtos amplamente consumidos como as frutas e os legumes, cultivados em hortas e
pomares. A contabilidade da Santa Casa registra alguns preços, mas como não há
menção de quantidades, não podem ser considerados. Os livros não esclarecem
tampouco até que ponto a batata-doce, o aipim ou o inhame eram usados para substi-
tuir a farinha de mandioca quando esta faltava ou tinha preços muito altos.
Sobre os hábitos alimentares dos baianos no século XIX, se o feijão, a carne fresca
e a farinha de mandioca eram onipresentes, não se deve concluir daí que o cardápio
local fosse pouco variado. Até os menos afortunados podiam diversificar sua alimen-
tação diária, seja pela maneira de preparar os pratos, seja pelo consumo de certos
gêneros que hoje já não são apreciados, como a carne de baleia ou do rascasso (um tipo
de peixe). Quando se comprava uma peça de carne de boi, começava-se por comê-la
na forma de rosbife: era o prato do domingo. Com as sobras, preparavam-se dois ou-
tros pratos para os dias seguintes: o cozido, feito com legumes, e o escaldado, em que
a carne era preparada com quiabo, abóbora e couve. A farinha de mandioca, em di-
versas apresentações — pirão, farofa ou ao natural —, era o acompanhamento
563
f e i j da era s o b e r a n a . O b a c a l h a u ^ era o p r a t o ^ S ^ Z Z ! :
m i o l o s de b o . ( e m b o r a e m geral d e p r e c i a d o s ) e r a m bastante c o n s u m i d o s . Hábito
c o m u m era c o m e r f r u t a s - b a n a n a , m a n g a , m e l a n c i a , abacaxi e t c . 2 1
- 'molhadas'
isto é, p o l v i l h a d a s c o m f a r i n h a d e m a n d i o c a , s e m esquecer as guloseimas e d o c i n h o s
de origem a f r i c a n a , s e m p r e à v e n d a nas ruas p o r alguns t o s t õ e s .
TABELA 96
PRODUTOS IMPORTADOS
1 8 5 9 , mas nesse caso só o feijão baixou ( 1 8 4 7 - 1 8 5 2 ) , o que não tenho c o m o exp .car.
de r e c o r r e r ao m e r c a d o d e S a l v a d o r p o r falta d e p o d e r de c o m p r a ? S u b a l i m e n t a d a essa
p o p u l a ç ã o talvez t e n h a r e s i s t i d o m a l aos a t a q u e s e p i d ê m i c o s . C o m o era provavelmente
nessas c a m a d a s s u b a h m e n t a d a s q u e as e p i d e m i a s faziam m a i o r n ú m e r o de vítimas a
m a i o r m o r t a l i d a d e talvez n ã o a l t e r a s s e m u i t o o nível da d e m a n d a . P o r o u t r o lado 'as
e p i d e m i a s , a l e m d e m a t a r , d e s o r g a n i z a m a p r o d u ç ã o e o a b a s t e c i m e n t o , o que é fator
de e l e v a ç ã o d o s p r e ç o s . V i m o s , p o r e x e m p l o , q u e n a v i o s evitavam e n t r a r na baía ou
a t r a c a r n o p o r t o . A s s i m , m e s m o q u e a m o r t a l i d a d e p r o v o c a s s e r e d u ç ã o da d e m a n d a
a o f e r t a t a m b é m d . m i n u í a . O s p e r í o d o s d e b a i x a e r a m tão n u m e r o s o s q u a n t o os dê
alta, m a s , c o m o v e r e m o s , s u a a m p l i t u d e era m u i t o m e n o r .
P a r a v e r i f i c a r a t é q u e p o n t o e s t a a n á l i s e , b a s e a d a n o s m o v i m e n t o s dos p r e ç o s de 18
p r o d u t o s c o n s i d e r a d o s e m s e p a r a d o , r e f l e t e o m o v i m e n t o geral d o s preços em Salva-
d o r , c o n s t r u í m o s d o i s í n d i c e s g e r a i s : o p r i m e i r o leva e m c o n t a p r e ç o s de 11 produtos
(arroz, f a r i n h a d e t r i g o , f a r i n h a d e m a n d i o c a , f e i j ã o , c a r n e b o v i n a fresca, galinha,
t o u c i n h o , ó l e o d e o l i v a , a ç ú c a r , sal e v i n a g r e ) e o a n o b a s e é 1 7 5 1 ( = 1 0 0 ) ; o segundo
c o r r e s p o n d e a 1 5 p r o d u t o s ( o s a n t e r i o r e s m a i s c a f é , b a c a l h a u , m a n t e i g a e carne-seca)
e o a n o b a s e é 1 8 0 0 ( = 1 0 0 ) . C o m o as t e n d ê n c i a s de l o n g o p r a z o destas duas curvas
são p r a t i c a m e n t e i d ê n t i c a s , e s c o l h e m o s p a r a n o s s a a n á l i s e a s e g u n d a , que abarca o
período mais l o n g o ( 1 7 5 1 - 1 9 3 0 ) . A l é m d i s t o , u t i l i z e i o s d a d o s d o í n d i c e geral de
p r e ç o s ( p r e ç o s n o m i n a i s ) c o m o b a s e d o s p e r í o d o s e c i c l o s q u e a p r e s e n t o na tabela 9 7 .
TABELA 97
(1) Para precisar os ano* dc pico, usamos como referência os períodos para os quais o características de do.s subc.clos do
zado. (2) c (3) Prccijâo dc cerca dc 0,2%. (4) Os dados enire parêntesis definem as
C o m o se o b s e r v a , e n t r e 1 7 5 1 c 1 9 3 0 d i s t i n g u e m - s e c l a r a m e n t e o i t o g ^ c i d o s
q u e d u r a r a m d e dez a 2 3 a n o s , o u s e j a , 1 6 , 5 a n o s e m m é d i a . Esses ciclos, p >
se i n s c r e v e m e m c i n c o p e r í o d o s o u fases q u e - c o m e x c e ç ã o da primeira,
BAHIA, SÉCULO X I X
a 1 8 9 0 , t i n h a m c r e s c i d o d e 2 0 . 5 0 0 : 0 0 0 a 2 9 8 . 9 0 0 : 0 0 0 de réis. E n t r e 1 8 8 9 e 1 8 9 8
emissão de p a p e l - m o e d a a u m e n t o u 2 6 9 , 7 % , e n q u a n t o os preços aumentavam 2 0 9 6 %
Entre 1 8 9 8 e 1 9 0 7 , p r e o c u p a d o e m reduzir o d é f i c i t , o g o v e r n o reduziu suas despesas'
investiu na formação de c a p i t a l fixo e n e g o c i o u n o estrangeiro u m funding loan que
aliviou a dívida e x t e r n a . A c i r c u l a ç ã o m o n e t á r i a d i m i n u i u , h a v e n d o u m período de
deflação e n t r e 1 8 9 8 e 1 9 0 5 , s e g u i d o p o r n o v o p e r í o d o de inflação, c o m a u m e n t o na
circulação m o n e t á r i a . M a s o s p r e ç o s se m a n t i v e r a m estáveis, segundo M . Buescu,
graças ao c r e s c i m e n t o d o p r o d u t o real. A P r i m e i r a G u e r r a M u n d i a l afetou profunda-
mente as finanças f e d e r a i s , p o r causa d a d i m i n u i ç ã o das i m p o r t a ç õ e s e o crescimento
das despesas g o v e r n a m e n t a i s . I m p o s s i b i l i t a d o de recorrer a e m p r é s t i m o s externos, o
governo a u m e n t o u a e m i s s ã o d e p a p e l - m o e d a em 8 9 , 5 % e n t r e 1 9 1 3 e 1 9 1 8 . O s preços
a c o m p a n h a r a m esse m o v i m e n t o , a u m e n t a n d o 1 0 4 % . O fim d a guerra n ã o trouxe
melhorias: e n t r e 1 9 1 9 e 1 9 2 4 a c i r c u l a ç ã o m o n e t á r i a a u m e n t o u 6 9 , 6 % e os meios de
pagamento 11,6%. 2 6
A c u r v a d o í n d i c e d e m a i o r d u r a ç ã o para o s é c u l o X I X , n o gráfico, b e m c o m o os
dados d a t a b e l a 9 7 , m o s t r a m a r a p i d e z c o m q u e p e r í o d o s de fortes elevações de preço
(mais de 2 0 % ) — 1 8 0 4 - 1 8 2 2 , 1 8 4 5 - 1 8 5 9 — f o r a m seguidos p o r períodos de baixas
relativamente c o n s i d e r á v e i s ( 1 8 5 9 — 1 8 6 4 , 1 8 7 9 — 1 8 8 9 ) . A o q u e parece, após as altas, os
preços n o m i n a i s se e s t a b i l i z a v a m e m níveis r e l a t i v a m e n t e baixos em relação aos do
início d o p e r í o d o d e a l t a . P o r o u t r o l a d o , e n t r e 1 7 9 9 e 1 8 9 9 registraram-se c i n c o
períodos de a l t a e igual n ú m e r o d e p e r í o d o s de b a i x a . M a s , n o total, houve cinqüenta
anos de alta e a p e n a s 2 6 d e b a i x a . É i m p o r t a n t e n o t a r q u e esses anos de elevação dos
preços a b s o l u t a m e n t e n ã o c o r r e s p o n d e m a p e r í o d o s de prosperidade e c o n ô m i c a .
É a c u r v a d o í n d i c e d e f l a c i o n a d o d o s p r e ç o s , p o r é m , q u e p o d e p r o p i c i a r a visão
m a i s c o r r e t a das t e n d ê n c i a s d e l o n g o p r a z o da c o n j u n t u r a b a i a n a (curva C n o g r á f i c o ) .
A o q u e p a r e c e , h o u v e q u a t r o p e r í o d o s d e relativa p r o s p e r i d a d e e n t r e 1 8 1 1 e 1 9 2 9 .
S u a s d u r a ç õ e s v a r i a r a m ( 9 , 1 0 , 11 e 2 1 a n o s ) , m a s , c o m o se n o t a n a t a b e l a 9 8 , as q u e
c o r r e s p o n d e m a o s é c u l o X I X , isto é, a o i n t e r v a l o 1 8 1 1 - 1 8 8 1 , t i v e r a m p r a t i c a m e n t e a
m e s m a d u r a ç ã o , o q u e a b s o l u t a m e n t e n ã o o c o r r e u c o m os p e r í o d o s d e d e p r e s s ã o , entre
o s q u a i s s e registra u m d e 3 6 a n o s ( 1 8 2 0 - 1 8 5 5 ) e o u t r o d e a p e n a s três ( 1 8 6 7 - 1 8 6 9 ) .
Aliás, a s o m a d o s p e r í o d o s s u p e r i o r e s a [l (+|i) e i n f e r i o r e s a [l ( - U . ) m o s t r a q u e , entre
1811 e 1 8 8 9 , h o u v e m a i s d e z e s s e t e a n o s d e b a i x a q u e d e p r o s p e r i d a d e . A longa
d e p r e s s ã o q u e se e s t e n d e u d e 1 8 2 0 a 1 8 5 5 — c e r t a m e n t e c o m i m p a c t o m u i t o negativo
s o b r e a e c o n o m i a b a i a n a — , m e s m o e n t r e m e a d a d e c u r t o s p e r í o d o s d e prosperidade,
n ã o p e r m i t i u a a c u m u l a ç ã o d e c a p i t a i s , q u e teria p o d i d o e s t i m u l a r a iniciativa e a
i m a g i n a ç ã o d o s d e t e n t o r e s d e v e r d a d e i r a s f o r t u n a s , p r o p i c i a n d o o d e s e n v o l v i m e n t o de
atividades p r o d u t i v a s .
F i n a l m e n t e , c o m p a r a n d o o s m o v i m e n t o s d e l o n g a d u r a ç ã o dessa c u r v a deflacionada
dos p r e ç o s c o m o s m o v i m e n t o s d e l o n g a d u r a ç ã o d e s c r i t o s p o r K o n d r a t i e v , 3 0
verifica-
se q u e as fases e m q u e se i n s c r e v e m são as m e s m a s .
Essa c o i n c i d ê n c i a m o s t r a o q u a n t o o s p t e ç o s n a B a h i a e r a m c o n d i c i o n a d o s por
fatores e x t e r n o s . D e f a t o , a m a i o r i a d o s p r o d u t o s q u e c o m p õ e m m e u í n d i c e de pte-
ç o s e r a m e x p o r t a d o s o u i m p o r t a d o s , h a v e n d o p o r t a n t o i n t e r a ç ã o e n t r e a formação
dos p r e ç o s e m S a l v a d o r e a q u e l e s p r a t i c a d o s n o s m e r c a d o s e x t e r n o s . P o r o u t r o lado,
TABELA 9 8
DIFERENÇA MÁXIMA/MÍNIMA EM RELAÇÃO À MEDIANA (139,0)
TABELA 99
PERÍODOS DE REFERÊNCIA
+H DURAÇAO
-M- DURAÇÃO
1811-1819 9
1820(?)-1855 36
1856-1866 10
1867-1869 3
1870-1881 11 1882-1906 25
1907-1928 21 1929-(?) 1
Total 51
65
TABELA 10 0
CICLOS DE K O N D R A T I E V BAHIA
Máximo: 1 9 2 0 - 2 6 Máximo: 1 9 1 9
não é i m p r o v á v e l q u e o s p r e ç o s f i x a d o s d o s p r o d u t o s d e i m p o r t a ç ã o influenciassem
os dos g ê n e r o s p r o d u z i d o s l o c a l m e n t e , e m b o r a n ã o se d e v a s u b e s t i m a r o papel de-
s e m p e n h a d o p o r f a t o r e s i n t e r n o s . S ó u m a c o m p a r a ç ã o e n t r e p r e ç o s de i m p o r t a ç ã o ,
no atacado e n o varejo, revelaria a i n f l u ê n c i a d o m e r c a d o internacional sobre o m o -
v i m e n t o d o s p r e ç o s n a B a h i a . T a l c o m p a r a ç ã o p e r m i t i r i a a i n d a verificar q u e grupo
de c o m e r c i a n t e s o b t i n h a m a i o r e s m a r g e n s d e l u c r o , o q u e n o s daria u m q u a d r o mais
c o m p l e t o d o s e l e m e n t o s e m j o g o n u m m e r c a d o l o c a l m a r c a d o pelo o l i g o p ó l i o e o
oligopsônio.
Resta explicar — c o m m u i t a p r e c a u ç ã o , d a d o o n ú m e r o l i m i t a d o das estatísticas
disponíveis — c a d a u m d o s m o v i m e n t o s d e l o n g a d u r a ç ã o verificados na c o n j u n t u r a
baiana, c o m suas p a r t i c u l a r i d a d e s . T o m a r e i fase p o r fase.
FASE A ( 1 7 8 7 - 1 8 2 1 )
FASE B (1821-1842/45)
F o i u m l o n g o p e r í o d o d e d e p r e s s ã o a c a r r e t a d o pelas guerras d a I n d e p e n d ê n c i a ( 1 8 2 1 —
1 8 2 3 ) e p o r c o n t u r b a ç õ e s s o c i a i s , q u e d e s o r g a n i z a r a m a p r o d u ç ã o . A situação foi
agravada pela i m p l a n t a ç ã o de u m n ú m e r o d e s m e s u r a d o de e n g e n h o s n u m m o m e n t o
e m q u e o c r é d i t o era escasso e a m o e d a falsa de c o b r e c i r c u l a v a e m g r a n d e s q u a n t i d a -
des. T a m b é m a i m p o r t a ç ã o d e escravos c o m p l i c o u - s e , p o i s t r a t a d o s assinados a partir
de 1 8 3 0 d i f i c u l t a v a m o t r á f i c o (aliás, t i n h a m p o r o b j e t i v o final a c o m p l e t a abolição
desse t r á f i c o ) . O r a , e r a c o m o t r á f i c o n e g r e i r o q u e os c o m e r c i a n t e s b a i a n o s — os
f i n a n c i a d o r e s das atividades p r o d u t i v a s , s o b r e t u d o n o s e t o r a ç u c a r e i r o — auferiam
grande parte de seus l u c r o s . P o r o u t r o l a d o , a r e p o s i ç ã o d a m ã o - d e - o b r a t o r n o u - s e
difícil a p a r t i r d e 1 8 3 5 , s o b r e t u d o e m d e c o r r ê n c i a d a v e n d a de g r a n d e n ú m e r o de
escravos b a i a n o s para s e n h o r e s d e o u t r a s p r o v í n c i a s , o n d e a c u l t u r a d o c a f é se amplia-
va. A c o n j u n t u r a i n t e r n a c i o n a l r e f o r ç o u a crise, m o s t r a n d o - s e p o u c o receptiva à pro-
d u ç ã o agrícola b a i a n a : o a ç ú c a r , p o r e x e m p l o , p a s s o u a ser s u b s t i t u í d o p e l o produzido
e m outras c o l ô n i a s , o u p e l o de b e t e r r a b a .
e x p o r t a ç õ e s de a l g o d ã o , q u e t i n h a m c r e s c i d o s e n s i v e l m e n t e d u r a n t e a G u e r r a de Seces
são, c a í r a m a níveis m u i t o b a i x o s . P o r f i m , a p r o d u ç ã o a ç u c a r e i r a , a despeito de um
esforço c o n s t a n t e p a r a a u m e n t a r a p r o d u ç ã o , viu-se p r e j u d i c a d a pela deterioração dos
preços do p r o d u t o n o m e r c a d o e x t e t n o . N a d é c a d a de 1 8 7 0 , a c a n a - d e - a ç ú c a r foi
afetada p o r d o e n ç a s e p a r t e d a p r o d u ç ã o foi p e r d i d a . P o r o u t r o lado, os p r o d u t o r e s de
açúcar, s e m m e i o s d e c r é d i t o d i s p o n í v e i s , m o s t r a v a m - s e d e s a n i m a d o s , avessos a inova-
ções, e p e r m i t i a m q u e c o n t i n u a s s e o ê x o d o d e e s c r a v o s para o u t r o s c e n t r o s produtores
de açúcar, e m o u t r a s p r o v í n c i a s . A d e p r e s s ã o e c o n ô m i c a q u e sc instalou na E u r o p a a
partir de 1 8 7 3 v e i o t o r n a r d r a m á t i c o u m q u a d r o j á s o m b r i o .
mais obsoletas. ,
À p o p u l a ç ã o , em c o n s t a n t e a u m e n t o , não restava m u i t o mais que tentar sobrev,-
ver, encapsulada n u m a e c o n o m i a que não soubera imaginar, prever ou se adaptar. Era
uma sociedade tão desprovida de h o m e n s de iniciativa, verdadeiros empresános, que
B\H:\. Srci ;o XIX
E n t r e o s p r e ç o s , t o m a r e i u m t r i o de p r o d u t o s a l i m e n t a r e s - farinha de m a n d i o c a
carne de b o i f r e s c a e f e i j ã o - q u e , c o m o v i m o s , e r a m indefectíveis n a mesa de ricos ê
pobres e a p r e s e n t a m a v a n t a g e m a d i c i o n a l de s e r e m p r o d u z i d o s l o c a l m e n t e O s salários
considerados s e r ã o o s d e a l g u n s m e m b r o s d o c o r p o de P o l í c i a , e m p r e g a d o s do C o l é g i o
dos Ó r f ã o s d e S ã o J o a q u i m , a r t e s ã o s ( p e d r e i r o , c a r p i n t e i r o ) e serventes h o m e n s
O s p r e ç o s d a f a r i n h a d e m a n d i o c a e d o f e i j ã o tiveram a u m e n t o s consideráveis de
1 8 5 4 a 1 8 6 3 ( 1 3 9 , 6 % e 1 4 3 , 9 % ) ; j á a c a r n e b o v i n a , n o m e s m o p e r í o d o , baixou 3 , 7 %
após ter s u b i d o 5 % e n t r e 1 8 4 5 e 1 8 5 4 . O s salários t a m b é m a u m e n t a r a m , especial-
m e n t e e n t r e 1 8 4 5 e 1 8 5 4 , m a s s ó o c o m a n d a n t e d a P o l í c i a p a r e c e t e r tido u m a u m e n -
to q u e c o m p e n s a v a p l e n a m e n t e a a l t a d o p r e ç o desses g ê n e r o s . A l g u n s salários ficaram
estáveis ( e s c r e v e n t e , p e d r e i r o ) , o u t r o s a t é d i m i n u í r a m ( c a r p i n t e i r o , servente); j á os
capitães e p r i m e i r o s - s a r g e n t o s d a P o l í c i a e o s p r o f e s s o r e s p r i m á r i o s d o C o l é g i o S ã o
J o a q u i m , seus s a l á r i o s s ó r e c u p e r a r a m p a r c i a l m e n t e o p o d e r a q u i s i t i v o
TABELA 1 0 1
VARIAÇÕES DE PREÇOS, 1 8 4 5 - 1 8 6 3 (EM RÉIS)
TABELA 10 2
D e 1 8 5 4 a 1 8 6 3 , t o d o s os salários s u b i r a m , m a s só o c o m a n d a n t e de polícia, os
serventes recrutados e n t r e os escravos, os professores primários e os escreventes tive-
ram a u m e n t o s c o r r e s p o n d e n t e s à elevação dos preços. O s outros ficaram perto disso,
exceto os artesãos, q u e parecem ter atravessado u m período crítico. Para todas essas
categorias, os a u m e n t o s de salário ocorridos e n t r e 1 8 5 4 e 1 8 6 3 parecem ter sido
provocados p e l o a u m e n t o dos preços ocorrido antes de 1 8 5 3 .
576 BAHIA, SÉCULO X I X
P a r a u m c o n s u m o f a m i l i a r a n u a l de 1 . 3 0 0 l i t r o s d e f a r i n h a , 1 5 6 q u i l o s de feijão
e 1 5 6 q u i l o s d e c a r n e fresca, u m p e d r e i r o gastava 3 7 , 6 % de seu salário e m 1845,
4 7 , 0 % e m 1 8 5 4 e 5 8 , 6 % e m 1 8 5 8 . R e s t a v a - l h e a l g u m a m a r g e m p a r a a c o m p r a de
o u t r o s p r o d u t o s b á s i c o s , c o m o sal, b a n h a , a ç ú c a r , p e i x e e t c . , e a i n d a p a r a o vestuário
e a m o r a d i a . E n f r e n t a r i a u m g r a n d e a p e r t o , c o n t u d o , se a d o e c e s s e o u n ã o pudesse
trabalhar 2 5 0 dias p o r a n o p o r a l g u m a o u t r a r a z ã o . T a n t o m a i s q u e , e n t r e 1 8 4 5 e
1 8 5 8 , os p r e ç o s t i v e r a m fortes altas: 2 3 5 % p a r a a f a r i n h a d e m a n d i o c a , 4 2 % para o
feijão, 1 1 , 6 % para a c a r n e fresca, n u m a e l e v a ç ã o g l o b a l q u e seu a u m e n t o de salário
( 6 0 % ) a b s o l u t a m e n t e n ã o a c o m p a n h o u . O s p r e ç o s desses três p r o d u t o s s u b i r a m a tais
níveis q u e , m e s m o a p ó s os a u m e n t o s de salário o b t i d o s e n t r e 1 8 5 4 e 1 8 5 8 (de 2 5 0 . 0 0 0
para 4 0 0 . 0 0 0 réis), sua c o m p r a d e m a n d a v a , c o m o v i m o s , u m a p o r c e n t a g e m m a i o r do
seu salário.
a c i m a i n d i c a d o d e f a r i n h a , f e i j ã o e c a r n e e q u i v a l i a a 4 4 , 9 % d o salário de 1 8 6 6 ( 4 0 0 0 0 0
réis), a 3 5 , 9 % d o d e 1 8 7 3 ( 6 2 5 . 0 0 0 réis) e a 4 1 , 0 % d o de 1 8 8 5 ( 5 0 0 . 0 0 0 réis)
E m b o r a a d e s p e s a c o m esses três p r o d u t o s c o n t i n u a s s e a pesar m u i t o n o o r ç a m e n t o
do nosso p e d r e . r o . é p r e c i s o a d m i t i r q u e a p e q u e n a e l e v a ç ã o de seus preços ( 7 , 5 % p a r a
a f a r i n h a de m a n d i o c a . 4 , 2 % p a r a o f e i j ã o e 3 3 , 5 % para a c a r n e b o v i n a fresca) n ã o
d e t e r i o r o u d e m a s i a d a m e n t e o s e u p o d e r d e c o m p r a , u m a vez q u e ele teve n o p e r í o d o
um a u m e n t o salarial d e 2 5 % . O b s e r v a - s e m e s m o q u e , e m 1 8 7 3 , a n o e m que os preços
desses três g ê n e r o s m a i s s u b i r a m , o s p e d r e i r o s t i v e r a m u m a u m e n t o salarial b a s t a n t e
apreciável ( 5 6 , 2 % ) , a i n d a q u e p o s t e r i o r m e n t e seus g a n h o s t e n h a m b a i x a d o . O período
1 8 6 3 - 1 8 8 8 r e v e l a - s e p o r t a n t o m a i s p r o p í c i o , c o m p a r a d o ao de 1 8 4 5 - 1 8 6 3 . Seria esta
esta
a razão d a q u a s e t o t a l a u s ê n c i a d e m o v i m e n t o s p o p u l a r e s nessa época? D e f a t o ,
os
únicos q u e se v e r i f i c a r a m d a t a m d e 1 8 7 8 , a n o e m q u e o s p r e ç o s s u b i r a m e o salário d
os
pedreiros b a i x o u . N e s s e a n o , 5 8 , 8 % d o s a l á r i o d e 4 5 0 . 0 0 0 réis s e r i a m c o n s u m i d
os
naquelas q u a n t i d a d e s d e f a r i n h a , f e i j ã o e c a r n e c o m q u e e s t a m o s t r a b a l h a n d o .
S e t o m a m o s 1 8 6 6 c o m o a n o - b a s e , v e m o s q u e a f a r i n h a de m a n d i o c a a u m e n t o u
4 3 , 8 % , o f e i j ã o 6 3 , 6 % e a c a r n e b o v i n a f r e s c a 4 3 , 1 % , e n q u a n t o o salário d o s pedreiros
subiu a p e n a s 1 2 , 5 % . P o r o u t r o l a d o , o p e r c e n t u a l d e s e u o r ç a m e n t o necessário para
adquirir esses t r ê s p r o d u t o s e m 1 8 7 8 e r a d e 5 8 , 8 % , o m e s m o q u e em 1 8 5 8 , que foi
t a m b é m u m a n o d e a g i t a ç ã o s o c i a l . E r a esse o p a t a m a r a b a i x o d o qual n ã o se podia
descer? A l i á s , a o q u e t u d o i n d i c a , a m a n i f e s t a ç ã o d a c ó l e r a p o p u l a r teve a l g u m ê x i t o ,
e, p r e s s i o n a n d o o s p o d e r e s p ú b l i c o s e o s q u e m o n o p o l i z a v a m o a b a s t e c i m e n t o da
cidade, c o n t r i b u i u p a r a r e s t a b e l e c e r u m e q u i l í b r i o — aliás b a s t a n t e relativo — entre
os p r e ç o s e o s s a l á r i o s .
E m r e s u m o , n a s e g u n d a m e t a d e d o s é c u l o X I X , m a s s o b r e t u d o a partir de 1 8 6 3 ,
o poder de c o m p r a d e u m t r a b a l h a d o r a s s a l a r i a d o dessa c a t e g o r i a era suficiente, ao q u e
parece, p a r a d e s p e s a s e s s e n c i a i s c o m a m o r a d i a , a a l i m e n t a ç ã o e o vestuário. Isto e
c o n f i r m a d o p e l o f a t o de q u e e n t r e o s a s s a l a r i a d o s estava a m a i o r p o r c e n t a g e m dos que
tinham casa própria, c o m o v e r e m o s adiante.
Esses d a d o s s u g e r e m q u e n ã o d e v e m o s d e s c r e r p o r c o m p l e t o das crônicas da
época, q u a n d o f a l a m d e a b u n d â n c i a e d e v i d a fácil, d e s d e q u e n ã o e s q u e ç a m o s que
essa s i t u a ç ã o e r a p r i v i l é g i o d e u m a p e q u e n a p o r c e n t a g e m da p o p u l a ç ã o de Salvador.
V e j a m o s , p o r e x e m p l o , c o m o J o s é F r a n c i s c o S i l v a L i m a descreve a Salvador da déca-
da de 1 8 4 0 : " A a l i m e n t a ç ã o era frugal c b a r a t a . S e n ã o havia grandes fortunas c o m o
há h o j e , t a m b é m as despesas e r a m m o d e r a d a s . Q u e m possuísse c e m c o n t o s de réis
« a já u m r i c a ç o . As f o r t u n a s e r a m mais sólidas, n ã o sujeitas a rápidas oscilações de
c â m b i o , d o s t í t u l o s de c o m p a n h i a s e de b a n c o s , e a aventuras d o j o g o da bolsa. O s
mais c a u t e l o s o s g u a r d a v a m o o u r o nas burras, t e m e n d o c o n f i á - l o à administração
alheia. U m a f a m í l i a de até dez pessoas n ã o gastava n o passadio diário mais de dois
mil réis, o u sete p a t a c a s . A c a r n e fresca n ã o custava mais de u m a pataca a libra no
m á x i m o , e o m e s m o a libra d a m a n t e i g a inglesa de barril; u m q u e i j o flamengo, duas
patacas, e t u d o m a i s a p r o p o r ç ã o . "
5"S BAHIA, SÉCULO X I X
O quadro é demasiado lisonjeiro e idílico para que se lhe confira um valor abso-
luto, tanto mais que são reminiscências de um ancião, que evocava o tempo de sua
juventude, 6 0 anos antes. Ele atesta, não obstante, que a tradição oral guardou uma
imagem otimista das condições de vida no século X I X , apesar de todas as catástrofes.
Um crença muito enraizada pretende que, naqueles bons tempos, a vida era mais fácil,
mais barata.
C o m o chegar hoje a uma avaliação justa desse tempo, quando há tão poucos
testemunhos disponíveis? Alguns alegariam, aliás com razão, que os pedreiros da épo-
ca, já privilegiados por serem assalariados, eram ademais trabalhadores qualificados.
Mas como estimar a renda da grande massa dos baianos que exerciam trabalho não
qualificado, marinheiros, pescadores, milhares de vendedores ambulantes, carregado-
res, desempregados mais ou menos crônicos, biscateiros que alugavam seus braços para
qualquer serviço? Ademais, essa gente, que muitas vezes ocultava sua miséria sob trajes
de luxo, sempre podia contar com a solidariedade dos que possuíam um pouco mais.
Muitos viviam na dependência de outros que, por sua vez, tinham apenas um pouco
mais que o estritamente necessário para não morrer de fome. Todas as estruturas —
a família, o Estado ou a Igreja — contribuíam para manter esse tipo de relação,
reforçando a idéia de que os ricos deviam socorrer os pobres. Não havia família sem
seus protegidos, seus agregados mais ou menos próximos. A população era assim
mantida, a despeito da precariedade de suas condições de vida, longe de qualquer
tentação de caráter reivindicatório. A harmonia social era preservada ao preço de
submissões e servilismos (que, aliás, ainda hoje persistem). O preço do sucesso social
era, muitas vezes, curvar-se diante das regras de um jogo estabelecido havia muito, e
que nem a modernização do Estado, nem a romanização da Igreja puderam modificar.
Em meio a tudo isso, quem ascendia socialmente? Qual era a fortuna real dos baianos
no século XIX? É o que passo a considerar.
C A P I T U L O JO
HIERARQUIAS SOCIAIS
tuguesa, lançada à conquista do mundo, não tinha muitos braços para exportar. Ade-
mais, o português que se dispunha a emigrar, por miserável que fosse, não admitia
alugar sua força dc trabalho para cultivar uma terra que não lhe pertencia. Era preciso
buscar alhures a mão-dc-obra indispensável. O tráfico dc africanos, com os lucros que
propiciou, completou e aumentou o fluxo comercial que se estabeleceu cm tomo do
açúcar c, mais tarde, do fumo c dc outros produtos, como algodão c café.
A disponibilidade quase inesgotável dc mão-dc-obra escrava imprimiu a essa socie-
dade em formação, desde seus primórdios, um caráter muito particular, pois favoreceu
A
idéia de que nela a estratificação fundava-se exclusivamente na cor da pele c no
estatuto legal dos membros da comunidade. Segundo tal visão, havia no Brasil dois
segmentos: dc um lado os brancos, os senhores, que comandavam; do outro a massa
escrava, que produzia.
Estava criada, de maneira peremptória c definitiva, a mais pobre das visões, a
mais imprecisa das descrições dc uma sociedade. Pobre porque desconsidera toda
mobilidade, toda evolução havida nas hierarquias sociais no Brasil entre o início da
colonização c a industrialização moderna, no século XIX. Imprecisa porque não leva
cm conta a imensidão das terras brasileiras, a diversidade das realidades regionais e
suas respectivas evoluções.
579
BAHIA. SÉCULO X I X
S e r i a a b s u r d o , p o r e x e m p l o , t e n t a r fazer u m a m e s m a d e s c r i ç ã o d a o r g a n i z a ç ã o
social das p o p u l a ç õ e s da c i d a d e d e S a l v a d o r , d o R e c ô n c a v o a ç u c a r e i r o e d o Sertão
p e c u á r i o , e m t u d o e p o r t u d o d i f e r e n t e s : p o r sua o r i g e m , p e l o m o d o c o m o se estabele-
c e r a m e e n r a i z a r a m , p o r força das c a r a c t e r í s t i c a s d o m e i o f í s i c o e m q u e viveram e
e v o l u í r a m ; d i f e r e n t e s e n f i m pela m e n t a l i d a d e , i n c l u s i v e p o r q u e parte dessa g e n t e vivia
e m m u n d o s f e c h a d o s , s e m c o n t a t o c o m o e x t e r i o r , e m q u e era p r e c i s o a p r e n d e r a
c o n s t r u i r e p r o d u z i r e m c o n j u n t o para s o b r e v i v e r .
C a d a região d a P r o v í n c i a da B a h i a e v o l u i u n u m r i t m o p r ó p r i o . A e v o l u ç ã o da
c i d a d e de S a l v a d o r e d o R e c ô n c a v o é m a i s b e m c o n h e c i d a , m a s isso se deve a que a
riqueza desse i n d i s s o c i á v e l c o n j u n t o c i d a d e - c a m p o s e m p r e a t r a i u m a i s a curiosidade
dos h i s t o r i a d o r e s q u e as terras d i s t a n t e s , p o b r e s e q u a s e i n a c e s s í v e i s . M e s m o o c o n h e -
c i m e n t o s o b r e S a l v a d o r e o R e c ô n c a v o , aliás l i m i t a d o e p o u c o s a t i s f a t ó r i o , apóia-se o
mais das vezes e m e s c r i t o s de s o c i ó l o g o s q u e p e n e t r a r a m n o c a m p o na h i s t ó r i a , sem
c o n t u d o c o n h e c e r e m as i m p o s i ç õ e s d a h i s t ó r i a s o c i a l . G e r a r a m - s e assim generalizações
apressadas, e s p e c i a l m e n t e p e r i g o s a s q u a n d o se t r a t a v a d e d e s c r e v e r o q u a d r o social não
só das velhas r e g i õ e s a ç u c a r e i r a s c o m o das diversas s o c i e d a d e s d e t o d o o Brasil. D o i s
desses a u t o r e s c o n t i n u a m s e n d o t o m a d o s c o m o r e f e r ê n c i a .
P o r o u t r o l a d o , h i s t o r i a d o r e s e s o c i ó l o g o s u t i l i z a m a m p l a m e n t e , para descrever
a
s o c i e d a d e d o p a s s a d o , r e l a t o s de v i a j a n t e s e s t r a n g e i r o s . S e m q u e r e r reduzir em demasia
a i m p o r t â n c i a dessa f o n t e , d e q u e e u m e s m a m e servi, l e m b r o q u e m u i t o s desses relat
os
foram e s c r i t o s p o r pessoas q u e p a s s a r a m a l g u n s dias, q u a n d o n ã o algumas horas,
no
porto de S a l v a d o r . M e s m o q u a n d o s e u s a u t o r e s r e s i d i r a m anos n o Brasil, essas fontes
devem s e r u t i l i z a d a s c o m a l g u m a d e s c o n f i a n ç a . O s q u e passaram rapidamente, por
mais a r g u t o s o b s e r v a d o r e s q u e f o s s e m , e v i d e n t e m e n t e n ã o p o d i a m captar mais que a
a p a r ê n c i a : v i n d o s d a E u r o p a , v i a m c i r c u l a r pelas ruas n e g r o s e mestiços, que não
p o d i a m d i s t i n g u i r d o s e s c r a v o s . N o s c o n t a t o s q u e t i n h a m c o m a elite — quando
t i n h a m — , e r a s o b r e t u d o c o m b r a n c o s q u e se e n c o n t r a v a m , a i n d a que fossem 'brancos
da terra'.' E r a q u a s e i n e v i t á v e l q u e levassem c o n s i g o u m a visão simplificada e dicotômica
( b r a n c o s - l i v r e s / n e g r o s - c a t i v o s ) dessa s o c i e d a d e . P o r o u t r o l a d o , os estrangeiros que
residiram m a i s t e m p o e m S a l v a d o r , c o m o L i n d l e y o u W e t h e r e l l , estavam mais interes-
sados em c o m p r e e n d e r o f u n c i o n a m e n t o das r e l a ç õ e s sociais d o que em descrever
hierarquias. S u a s o b s e r v a ç õ e s f o r a m feitas e m t e r m o s de raça e de cor, pois sua visão
c o n f o r m a v a - s e e m ú l t i m a a n á l i s e à q u e l a q u e a e l i t e b a i a n a queria rer de si mesma:
b r a n c a , e m o p o s i ç ã o a n e g r o s e m e s t i ç o s . É e s p e c i a l m e n t e l a m e n t á v e l que essas descri-
ções se t e n h a m t o r n a d o f o n t e s ú n i c a s , o q u e lhes c o n f e r e u m peso excessivo. T a m b é m
nelas, n e n h u m c r i t é r i o o b j e t i v o p e r m i t e c o m p r e e n d e r o q u e de f a t o distinguia essas
diferentes c a m a d a s d a p o p u l a ç ã o .
Q u a n d o as classes c o m p o d e r d e m a n d o se v i a m e m d i f i c u l d a d e e c o n ô m i c a , os
efeitos da t o l e r â n c i a p o d i a m a r r e f e c e r - s e o u a t é e s t a n c a r . U m e x e m p l o é o q u e se
passou n o m e r c a d o d e t r a b a l h o de S a l v a d o r e m m e a d o s d o s é c u l o X I X : a recusa de dar
t t a b a l h o aos e s c r a v o s n ã o e r a falta d e t o l e r â n c i a ? S e r á q u e s ó e n t ã o a sociedade baiana
se t o r n a r a i n t o l e r a n t e ? O u o m e s m o t e r i a o c o r r i d o e m o u t r o s p e r í o d o s de crise?
S e j a c o m o f o r , esse m o m e n t o m a r c o u d e f a t o u m a m u d a n ç a n a a t i t u d e da socie-
dade b a i a n a . A p a r t i r d e e n t ã o ela se f e c h o u , e n r i j e c e n d o - s e n u m e s q u e m a de estrati-
ficação racial c u j o c r i t é r i o d e d e m a r c a ç ã o — d e i n í c i o o e s t a t u t o civil (livre/escravo)
— passou a ser, a p ó s a A b o l i ç ã o , a c o r d a p e l e . I s t o era f a c i l i t a d o p o r dois fatos: a
imigração d e b r a n c o s p o b r e s d i m i n u í r a c o n s i d e r a v e l m e n t e e as o c u p a ç õ e s e ofícios
menos p r e s t i g i o s o s e r a m , c a d a vez m a i s , e x e r c i d o s p o r u m a p o p u l a ç ã o i n r e i r a m e n t e de
cor, mas livre. Essa l i n h a de d e m a r c a ç ã o o p ô s ' b r a n c o s ' , s e n h o r e s , de u m lado, a
negros, p o b r e s , de o u t r o . O e m i n e n t e s o c i ó l o g o T h a l e s A z e v e d o , n u m a análise m u i t o
correta d a s o c i e d a d e b a i a n a p o r v o l t a da d é c a d a de 1 9 5 0 , d i s t i n g u i u três categorias.
A elite se c o m p u n h a de três g r u p o s : as famílias t r a d i c i o n a i s , as famílias ricas e as
famílias s e m t r a d i ç ã o . T r a d i c i o n a i s seriam todas as q u e d e s c e n d i a m d o a n t i g o grupo
de p r o p r i e t á r i o s rurais, e s p e c i a l m e n t e o s s e n h o r e s de e n g e n h o ; ricas eram as dos g r a n -
des c o m e r c i a n t e s ; as s e m t r a d i ç ã o t i n h a m se e s t a b e l e c i d o e m Salvador após terem
e n r i q u e c i d o e m o u t r a s regiões d o E s t a d o . A s e g u n d a categoria era a classe m é d i a ,
c o m p o s t a de g r a n d e s e p e q u e n o s c o m e r c i a n t e s , proprietários, f u n c i o n á r i o s , profissio-
nais liberais, t é c n i c o s e e m p r e g a d o s d o c o m é r c i o , todos g o z a n d o de certa i n d e p e n d e n -
584 BAHIA, SÉCULO X I X
P o r f i m , a o r g a n i z a ç ã o s o c i a l q u e se e s t a b e l e c e u a p a r t i r de m e a d o s d o século X V I
n ã o n a s c e u ex nihilo: o s p o r t u g u e s e s , seus a r t í f i c e s , t r o u x e r a m c o n s i g o u m m o d e l o de
sociedade. N ã o h á c o m o penetrar a essência da sociedade baiana sem conhecê-lo e
analisar o m o d o c o m o se a d a p t o u à r e a l i d a d e d o N o v o M u n d o . É o q u e e m p r e e n d o
a seguir, para d e p o i s i n v e s t i g a r c o m o se o r g a n i z a r a m o s g r u p o s s o c i a i s e m Salvador e
n o R e c ô n c a v o n o i n í c i o d o s é c u l o X I X . F i n a l m e n t e , p r o c u r a r e i destacar as especificidades
d o m o d e l o b a i a n o de s o c i e d a d e .
O M O D E L O PORTUGUÊS DE SOCIEDADE
O s h i s t o r i a d o r e s p o r t u g u e s e s s e m p r e a t r i b u í r a m c a r á t e r c o r p o r a t i v o à sua sociedade.
S e u s p o n t o s de p a r t i d a t ê m s i d o d o c u m e n t o s legais e a d m i n i s t r a t i v o s , s o b r e t u d o as
O r d e n a ç õ e s d o R e i n o , leis f u n d a m e n t a i s d o E s t a d o p o r t u g u ê s , c o n s t a n t e m e n t e reno-
vadas pelos m o n a r c a s . A s m a i s r e c e n t e s e m a i s i n t e r e s s a n t e s p a r a m i m são as de Fili-
pe II ( O r d e n a ç õ e s F i l i p i n a s , de 1 6 0 3 ) , p o r q u e p e r m a n e c e r a m e m v i g o r n o Brasil até
depois d o período c o l o n i a l . A s o c i e d a d e p o r t u g u e s a teria t i d o u m a organização tripartite
clássica, d i v i d i n d o - s e e m três e s t a d o s : n o b r e z a , c l e r o e p o v o . N o i n t e r i o r de cada u m , a
organização social seria de caráter c o r p o r a t i v o , c a d a g r u p o social g o z a n d o de certos privi-
légios e de u m e s t a t u t o j u r í d i c o e p o l í t i c o p a r t i c u l a r . N o m o m e n t o de sua grande expan-
são a l é m - m a r , a s o c i e d a d e p o r t u g u e s a estaria pois h i e r a r q u i z a d a da s e g u i n t e maneira.
privilegiada d i a n t e d a lei e o c u p a v a p o s i ç õ e s de a u t o r i d a d e e c o m a n d o n o g o v e r n o .
Esse c o n j u n t o d e a t r i b u t o s c o n f e r i a a essa c a t e g o r i a o mais alto prestígio social. E m seu
Tratado prático de morgados, de 1 8 1 4 , o j u r i s t a p o r t u g u ê s M a n u e l de A l m e i d a e S o u z a
de L o b ã o e n u m e r o u as d i f e r e n t e s c a t e g o r i a s da n o b r e z a p o r t u g u e s a de seu t e m p o :
fidalgos t i t u l a d o s ( d u q u e s , m a r q u e s e s , c o n d e s ) , fidalgos de solar (isto é, possuidores de
um solar, u m a s e n h o r i a , u m a l i n h a g e m ) , fidalgos de solar c o n h e c i d o ( n o b r e s de linha-
gem c o n h e c i d a ) , fidalgos de c o t a d e a r m a s , fidalgos cavaleiros, fidalgos escudeiros,
cavaleiros fidalgos e cavaleiros escudeiros. 8
c o n d u z i a m c o m f r e q ü ê n c i a à o b t e n ç ã o de t í t u l o s de e s c u d e i r o , c a v a l e i r o o u m e s m o de
fidalgo-cavaleiro. 11
t i a m o ingresso n o â m b i t o d o s q u e t i n h a m u m o f í c i o p a r a g a n h a r a v i d a .
N o nível m a i s b a i x o d a e s c a l a s o c i a l e s t a v a m o s e m p r e g a d o s d o m é s t i c o s — na
m a i o r i a escravos, m o u r o s o u n e g r o s v i n d o s d a Á f r i c a 1 2
— e os desocupados e vagabun-
dos de t o d a s o r t e . E r a m o s r e l e g a d o s d e s s a o r g a n i z a ç ã o s o c i a l , o u p e l a c o n d i ç ã o de
escravos, o u p o r q u e s e u e s t i l o d e v i d a n ã o se e n q u a d r a v a e m n e n h u m d o s três estilos
que garantiam cidadania plena.
A n t e s de e n c e r r a r esta d e s c r i ç ã o d a s o c i e d a d e p o r t u g u e s a , d e v o s u b l i n h a r o u t r o s
princípios que influenciavam sua organização. E m 1497, a numerosa comunidade
j u d a i c a de P o r t u g a l foi o b r i g a d a a e s c o l h e r : c o n v e r t i a - s e à fé c a t ó l i c a o u a b a n d o n a v a
o país. F o r a m assim c r i a d a s , n o i n í c i o d o s é c u l o X V I , as c a t e g o r i a s ' c r i s t ã o s v e l h o s ' e
'cristãos n o v o s ' , q u e se m a n t i v e r a m a t é m e a d o s d o s é c u l o X V I I I . O s c r i s t ã o s - n o v o s e
seus d e s c e n d e n t e s c o n t i n u a r a m a s o f r e r m u i t a s l i m i t a ç õ e s , a i n d a q u e s u a conversão
tivesse sido p r o f u n d a e v e r d a d e i r a . T a m b é m um nascimento ilegítimo, sobretudo
q u a n d o a c o m p a n h a d o d e u m a tez m a i s e s c u r a , p o d i a a c a r r e t a r sérias d i f i c u l d a d e s para
o r e c e b i m e n t o de u m a h e r a n ç a o u o i n g r e s s o n o s e r v i ç o d o rei. D e f a t o , a idéia de
pureza de sangue a b a r c a v a t a n t o a i l e g i t i m i d a d e c o m o a r e l i g i ã o professada pela f a m í -
lia. T u d o o q u e se afastava de m a n e i r a p e r c e p t í v e l d o p a r a d i g m a — o s a n g u e sem
m i s c i g e n a ç ã o , a fé c a t ó l i c a secular — era o b j e t o d a r e j e i ç ã o p o r p a r t e de u m a socie-
dade e m q u e , n o e n t a n t o , a m i s t u r a racial r e m o n t a v a à c o n q u i s t a d o país pelos m o u r o s ,
e e m q u e o c r i s t i a n i s m o sofrera f o r t e c o n c o r r ê n c i a dos c r e d o s h e t e r o d o x o s m u ç u l m a n o
c h e b r a i c o . Analisar c o m o essa r e p u g n â n c i a foi vivida e v e n c i d a e m P o r t u g a l escapa ao
nosso p r o p ó s i t o , mas é c e r t o q u e , n a B a h i a , o s n a s c i m e n t o s ilegítimos eram bem
tolerados, e n q u a n t o as c r e n ç a s h e t e r o d o x a s s u s c i t a r a m c o m f r e q ü ê n c i a atitudes de
r e p u g n â n c i a e rejeição por parte d o c o r p o social. J á e m 1 5 9 2 , doze dos 4 1 engenhos
LIVRO V I I _ 0 DINHEIRO DOS BAIANOS
" — !>o.
V o l t e m o s a o n o s s o t e m a . A b r e v e d e s c r i ç ã o da o r g a n i z a ç ã o social portuguesa
m o s t r a , e m p r i m e i r o l u g a r , q u e a d i v i s ã o j u r í d i c a d a p o p u l a ç ã o e m três estados era
p u r a m e n t e t e ó r i c a . A m o b i l i d a d e s o c i a l e r a g r a n d e , p e r m i t i n d o a passagem d e u m a
o r d e m a o u t r a . A n o b r e z a c o n f i g u r a v a u m ideal d e vida, a q u e aspiravam todos os
m e m b r o s d a s o c i e d a d e , d e s d e o g r a n d e n e g o c i a n t e a o m e s t r e a r t e s ã o p r ó s p e r o , incluin-
d o o l e t r a d o . A p a s s a g e m e r a u m a q u e s t ã o d e o p o r t u n i d a d e e d e t e m p o . O desenvol-
v i m e n t o d o c o m é r c i o e a f o r m a ç ã o d o E s t a d o p o r t u g u ê s , e m fins do século X I V ,
f a v o r e c e r a m m e r c a d o r e s , f u n c i o n á r i o s d o rei e o u t r o s l e t r a d o s q u e desejavam ingressar
na n o b r e z a . A p o s s e d e u m a b o a f o r t u n a e a c o n s i d e r a ç ã o social e r a m os atributos q u e
lhes p e r m i t i a m a s p i r a r a r e c e b e r d o r e i , d e q u e m e r a m p r e c i o s o s auxiliares, a fidalguia,
o u m e s m o o i n g r e s s o i m e d i a t o n o r o l d o s n o b r e s t i t u l a d o s . S e r n o b r e era ser servidor
do rei, m a s e r a t a m b é m s e r o s e n h o r d e u m a g r a n d e casa — c o m p o s t a de vasta
parentela, servidores, m u i t o s f r e q ü e n t a d o r e s — , ter i n d e p e n d ê n c i a e c o n ô m i c a e domí-
nio s e n h o r i a l , m a n t e r u m a t r a d i ç ã o f a m i l i a r e a c a l e n t a r e s p e r a n ç a d e q u e a própria
d e s c e n d ê n c i a se t r a n s f o r m a r i a , c o m o t e m p o , n u m a l i n h a g e m . N a d a i m p e d i a , aliás,
que os n o b r e s d e p r i m e i r o g r a u c h e g a s s e m às fileiras d a mais alta nobreza, caso aprouvesse
ao rei a s s i m r e c o m p e n s a r b o n s s e r v i ç o s a e l e p r e s t a d o s . P o r o u t r o l a d o , m e s m o q u e não
obtivesse a ' f i d a l g u i a ' , u m g r a n d e n e g o c i a n t e o u u m l e t r a d o p o d i a e m nada distinguir-
se d o s n o b r e s , tal a s u a f o r t u n a , e s t i l o d e v i d a e f u n ç ã o .
O M O D E L O BAIANO DE SOCIEDADE
A o r g a n i z a ç ã o social b a i a n a e n g e n d r o u u m m o d e l o de s o c i e d a d e q u e , e m b o r a inspira-
d o n o m o d e l o p o r t u g u ê s , foi a d a p t a d o às c o n d i ç õ e s p r ó p r i a s d a C o l ô n i a . A estrutura
social c o n t i n u o u h i e r a r q u i z a d a , m a s s o b o u t r a b a s e j u r í d i c a . A s e g m e n t a ç ã o nobres-
plebeus foi s u b s t i t u í d a p o r o u t r a , de m o d o q u e a d i c o t o m i a social d o m o d e l o portu-
guês, e m b o r a m a n t i d a , m u d o u de n a t u r e z a .
N o n o v o m o d e l o , os n o b r e s f o r a m s u b s t i t u í d o s p e l o s b r a n c o s livres e os escravos
t o m a r a m o lugar dos p l e b e u s . N o n o v o c o n t e x t o c r i a d o p e l o r e g i m e escravocrata, o
b r a n c o , fosse q u a l fosse sua o r i g e m s o c i a l , f u n ç ã o o u r i q u e z a , t i n h a u m a posição
p r e e m i n e n t e p e l o m e r o f a t o d e ser livre p a r a d i s p o r de sua p e s s o a e de seu d e s t i n o . Q u e
u m s i m p l e s a r t e s ã o , f e i t o r o u p e q u e n o c o m e r c i a n t e assumisse ares de n o b r e z a e afetas-
se s u p e r i o r i d a d e n ã o causava q u a l q u e r e s p a n t o . M e s m o os q u e se situavam em níveis
mais altos da escala s o c i a l e v i t a v a m c e n s u r a r tal a t i t u d e , n u m m e i o e m q u e os brancos
eram u m a m i n o r i a a m e a ç a d a p o r t o d o s o s l a d o s .
C o m o passar d o t e m p o e a m u d a n ç a das c o n d i ç õ e s , esse e s q u e m a se alterou.
Antes de mais nada, alguns b r a n c o s f i z e r a m f o r t u n a , até g r a n d e f o r t u n a ; depois, a
m e s t i ç a g e m e a prática d a alforria c r i a r a m u m a n o v a e c a d a vez m a i s n u m e r o s a cate-
goria de h o m e n s livres e n ã o b r a n c o s , a o s q u a i s era preciso a t r i b u i r um lugar na escala
social. P o r f i m , na m e d i d a e m q u e a p o p u l a ç ã o livre de c o r a u m e n t a v a , certos ofícios
(cuja técnica antes só os b r a n c o s d o m i n a v a m ) passaram a ser exercidos peia população
de c o r . C o m isto, b r a n c o s q u e a n t e s v i n h a m à B a h i a para exercer um ofício manual
passaram a só a d m i t i r fazê-lo c o m a c o n d i ç ã o de p o d e r guindar-se imediatamente ao
t o p o da profissão, de m o d o a p o d e r exercer algum p o d e r de c o m a n d o . Garantiam
assim certa p r e e m i n ê n c i a e m relação aos demais m e m b r o s de sua categoria profissional
e certa proximidade dos b r a n c o s q u e , t e n d o e n r i q u e c i d o na agricultura ou n o comér-
cio, se consideravam a nata da sociedade.
O r a , u m a vez que a sociedade se estruturava em bases jurídicas que separavam a
população e m livres e escravos, não seria demasiado pretensioso para os brancos que
t i n h a m feito fortuna excluir de seu meio outros brancos, cujas origens sociais eram
LIVRO V I I - o DINHEIRO DOS BAIANOS
589
m u i t a S v e , e s s e m e l h a n t e s às suas? N a v e r d a d e , os q u e c h e g a r a m ^
ram regras d e c o n d u t a c u e d e v a m s e r o b s e r v a d a s p o r q u e n , „ e s s e vencer socialmen-
q 1 S
O b r a n c o e r a s e m p r e , e m s u m a , u m a r i s t o c r a t a e m p o t e n c i a l , assim c o m o eram
n o b r e s e m p o t e n c i a l o s g r a n d e s n e g o c i a n t e s e os l e t r a d o s de P o r t u g a l . A diferença é
q u e , d e s t e l a d o d o A t l â n t i c o , p r a t i c a m e n t e n i n g u é m p a r e c i a interessado em investigar
m u i t o a o r i g e m s o c i a l d o s c a n d i d a t o s . S ó q u a n d o n ã o l h e interessava a d m i t i r alguém
em seu seio o g r u p o d o m i n a n t e t r a z i a à t o n a a q u e s t ã o d a i m p u r e z a da o r i g e m . 1
D e f a t o , os h i s t o r i a d o r e s da B a h i a p u d e r a m c e l e b r a r c e r t a s a s c e n s õ e s sociais fulgu-
rantes, mas os m u i t o s d e c l í n i o s q u e as a c o m p a n h a r a m p e r m a n e c e m desconhecidos.
P o r pudor? T a l v e z , m a s s o b r e t u d o p o r f a l t a d e i n f o r m a ç õ e s : o d e c l í n i o social geral-
m e n t e acarreta o e s q u e c i m e n t o . N o m e s q u e u m d i a f o r a m ilustres r e t o r n a m ao a n o -
n i m a t o , de o n d e e m e r g i r a m p o r u m t e m p o d e m a s i a d a m e n t e c u r t o .
N o o u t r o e x t r e m o d a escala s o c i a l e s t a v a m os e s c r a v o s . D e i n í c i o , n o s é c u l o X V I ,
foram os í n d i o s , d e p o i s os a f r i c a n o s . E s s a d u p l a e x p e r i ê n c i a de e s c r a v i s m o e m p r e e n d i -
da pelos portugueses na B a h i a foi a d m i r a v e l m e n t e e s t u d a d a p o r S t u a r t S c h w a r t z . 1 8
O
que i m p o r t a s u b l i n h a r a q u i é q u e , e m b o r a f o s s e m d a d a s a o s e s c r a v o s o p o r t u n i d a d e s
e x t r e m a m e n t e variadas de se l i b e r t a r e as alforrias f o s s e m f r e q ü e n t e s , elas n ã o benefi-
ciaram a m a i o r i a , e m u i t o m e n o s p e r m i t i r a m à m a i o r i a d o s b e n e f i c i a d o s u m a ascensão
fácil na escala social.
Antes de m a . s n a d a o s a d v o g a d o s , q u e a t u a v a m m u i t a s vezes c o m o p r o c u r a d o r e s do
s e n h o r , r e p r e s e n t a n d o - o j u n t o a n e g o c i a n t e s d e S a l v a d o r o u d e f e n d e n d o - o na o c o r r ê n
cia de a l g u m l i t í g i o . E m geral r e s i d i a m na c a p i t a l o u e m S a n t o A m a r o e r e c e b i a m
salários a n u a i s . C o m o p o d i a m ser p r o c u r a d o r e s d e d i v e r s o s s e n h o r e s , f r e q ü e n t e m e n t e
a c u m u l a v a m m u i t o s s a l á r i o s . O u t r a c a t e g o r i a de a s s a l a r i a d o s q u e t a m b é m n ã o residia
nos e n g e n h o s era a d o s c h a m a d o s ' c a i x e i r o s d a c i d a d e ' . T i n h a m p o r f u n ç ã o c u i d a r do
registro das c a i x a s d e a ç ú c a r n o s a r m a z é n s d a p r o p r i e d a d e , de seu t r a n s p o r t e até o
p o r t o , d o p a g a m e n t o d a s t a x a s q u e i n c i d i a m s o b r e o p r o d u t o e d a remessa, ao e n g e -
n h o , das m e r c a d o r i a s , i n s t r u m e n t o s e f e r r a m e n t a s n e c e s s á r i o s .
J á os c a p e l ã e s e os m é d i c o s , t a m b é m p a r t e d e s s e p r i m e i r o g r u p o , e m geral m o r a v a m
n o e n g e n h o e r e c e b i a m s a l á r i o s a n u a i s . N ã o r a r o t o r n a v a m - s e p l a n t a d o r e s de c a n a , na
c o n d i ç ã o de l a v r a d o r e s d o s e n h o r q u e a l u g a v a seus s e r v i ç o s . N o final d o s é c u l o X V I I I ,
porém, os p a d r e s r e s i d e n t e s e s c a s s e a v a m , e o s v e r d a d e i r o s m é d i c o s eram ainda mais raros.
A saúde d a p o p u l a ç ã o d o s e n g e n h o s ficou e n t ã o a c a r g o d o s p e r s o n a g e n s m a i s varia-
dos: c i r u r g i õ e s ( q u e d e f a t o n ã o i a m a l é m d a s a n g r i a ) , e n f e r m e i r o s e e n f e r m e i r a s ,
parteiras, c u r a n d e i r o s e h e r b o r i s t a s r e c r u t a d o s e n t r e a p o p u l a ç ã o livre e escrava local.
N o s e g u n d o g r u p o e s t a v a m t r a b a l h a d o r e s a s s a l a r i a d o s m e d i a n t e c o n t r a t o anual,
entre os q u a i s se d e s t a c a v a m o s e s p e c i a l i s t a s n a f a b r i c a ç ã o d o a ç ú c a r e os feitores:
mestres a ç u c a r e i r o s , p u r g a d o r e s , r e s p o n s á v e i s p e l a m a d e i r a o u p e l o m o s t o , pelas caixas
de e m b a l a g e m , t i m o n e i r o s d a s b a r c a s q u e t r a n s p o r t a v a m o a ç ú c a r , feitores q u e super-
visionavam o t r a b a l h o n a p l a n t a ç ã o e n o e n g e n h o , e a d m i n i s t r a d o r e s em geral. R e c e -
b i a m seu s a l á r i o e m d i n h e i r o , m a s h a v i a l u g a r p a r a a j u s t e s q u a n d o t i n h a m direito a
casa e c o m i d a .
Esses d o i s g r u p o s p a r e c e m t e r s i d o o s m a i s f a v o r e c i d o s n o c o n j u n t o dos trabalha-
dores assalariados: s e n d o e s p e c i a l i z a d o s e r e l a t i v a m e n t e p o u c o n u m e r o s o s , tinham
relações p r i v i l e g i a d a s c o m o s e m p r e g a d o r e s , q u e n ã o p o d i a m prescindir de seus servi-
ços n e m s u b s t i t u í - l o s c o m f a c i l i d a d e .
R e s t a m d o i s o u t r o s g r u p o s , c o m p o s t o s p o r t r a b a l h a d o r e s q u e recebiam por dia ou
por serviço: os a r t e s ã o s e os s e r v e n t e s . A r t í f i c e s ( c o m o ferreiros, ferradores, carpintei-
ros, p e d r e i r o s , c a l a f a t e s , c o n s t r u t o r e s de e m b a r c a ç õ e s e caldeireiros) trabalhavam para
os e n g e n h o s de m a n e i r a c o n s t a n t e o u e s p o r á d i c a , m a s pelo m e n o s u m a vez por a n o
seus serviços eram s o l i c i t a d o s . Q u a n d o havia m u i t o s t r a b a l h o s de m o n t a a fazer,
podiam até g a n h a r m a i s q u e os q u e r e c e b i a m salários anuais. Aos ferreiros e caldeireiros,
em especial, n u n c a faltava s e r v i ç o . 2 3
E n t r e esses trabalhadores — q u e formavam uma
elite, u m g r u p o t ã o privilegiado n o m u n d o d o trabalho q u a n t o o dos especialistas do
açúcar — havia d i f e r e n ç a s hierárquicas acentuadas. As distinções e n t r e mestre, c o m -
panheiro e a p r e n d i z eram c u i d a d o s a m e n t e conservadas, ainda q u e , c o m o j á tivemos
ocasião de observar, n ã o tivessem um significado rígido.
O q u a r t o e ú l t i m o g r u p o , e n t r e os assalariados, era o dos que não u n h a m espe-
cialidade o u o f í c i o (os serventes), c u j o s serviços eram d e m a n d a d o s o c a s i o n a l m e n t e
e por p o u c o t e m p o . A « s e s h o m e n s livres eram confiadas tarefas c o m o as de per-
BAHIA, SÉCULO X I X
S94
seguir e c a p t u r a r n e g r o s e m f u g a , a b r i r t r i n c h e i r a s , c o r t a r á r v o r e s na m a t a p a r a
A c o m u n i d a d e rural n o s e n g e n h o s d o R e c ô n c a v o a p r e s e n t a v a - s e p o r t a n t o , por
volta de 1 8 0 0 , c o m o u m a s o c i e d a d e de e s t r u t u r a c e r t a m e n t e p i r a m i d a l , m a s de com-
posição diversificada: u m a p o p u l a ç ã o d e t r a b a l h a d o r e s livres m a i o r q u e n o primeiro
século da c o l o n i z a ç ã o , e a g o r a de c o r , e x e r c i a o f í c i o s q u e t i n h a m s i d o o u t r o r a apanágio
dos b r a n c o s . Essa p o p u l a ç ã o se o r d e n a v a e m c a t e g o r i a s q u e s e g u i a m critérios ligados
ao estatuto legal, à c o r , aos o f í c i o s e x e r c i d o s e à r e m u n e r a ç ã o p e r c e b i d a , sem esquecer
a c o n s i d e r a ç ã o social de q u e gozava o i n d i v í d u o , s e m p r e d e s u m a i m p o r t â n c i a . Cabe
lembrar, aliás, q u e essa c o n s i d e r a ç ã o p o d i a ser d i f e r e n t e , s e g u n d o e m a n a s s e do senhor
e de seu c í r c u l o mais p r ó x i m o o u d a c o m u n i d a d e .
As relações sociais, e m seu c o n j u n t o , g a n h a r a m e m q u a l i d a d e ? Seria tentador
afirmar que sim, c o m base n o f a t o de q u e , e n t r e o s s e n h o r e s b r a n c o s e os escravos
negros, viera inserir-se u m a p o p u l a ç ã o livre d e c o r , q u e , f a z e n d o u m a m e d i a ç ã o entre
os primeiros e os segundos, evitaria c h o q u e s v i o l e n t o s . M a s as provas indicam o
c o n t r á r i o : eram muitos os escravos q u e recusavam q u a l q u e r relação c o m os brancos, c
isso era feito pelo i s o l a m e n t o , pela fuga o u pela resistência. P o r m a i o r q u e pudesse ser
o poder mediador da gente livre de c o r , esse g r u p o , q u e conseguira elevar-se social-
m e n t e , era cm seu c o n j u n t o solidário c o m os q u e representavam o poder branco, dos
quais dependia sua sobrevivência. T a l v e z j a m a i s v e n h a m o s a saber o que essa solidarie-
dade custou cm sacrifícios e concessões, mas u m a coisa é clara: essa população repre-
sentava, para os escravos, de c u j o m e i o emergira, uma prova de q u e a liberdade não era
um sonho impossível, desde que se aceitassem as n o r m a s de c o n d u t a impostas pela
sociedade branca.
categorias.
Como já m e n c i o n e i , o e n g e n h o n ã o era o ú n i c o m o d e l o de organização rural da
Bahia do s é c u l o X I X . D e s d e a s e g u n d a m e t a d e d o s é c u l o X V I I , a diversificação da
p r o d u ç ã o a g r í c o l a d e u o r i g e m a n o v o s a g e n c i a m e n t o s d o espaço e c o n ô m i c o . A o c o m -
plexo a g r o i n d ú s t r i a ! d a c a n a - d e - a ç ú c a r , f u n d a d o n a g r a n d e propriedade — ainda que.
c o m o t e m p o , esta t e n h a se s u b d i v i d i d o e m u n i d a d e s m e n o r e s para o plantio da cana
— , vieram se a c r e s c e n t a r p e q u e n o s e m é d i o s e m p r e e n d i m e n t o s agrícolas. Nestes, o
senhor — p o r q u e s e m p r e o s h a v i a , s o b r e t u d o o n d e havia escravos — reinava sobre
uma p e q u e n a g l e b a c u m a m ã o - d e - o b r a r e d u z i d a . D e fato, o p e q u e n o produtor de
f u m o o u d e m a n d i o c a , q u e m u i t a s vezes c u l t i v a v a sua terra c o m a ajuda de dois ou
três e s c r a v o s , e m n a d a se a s s e m e l h a v a ao s e n h o r de e n g e n h o . N o m á x i m o , q u a n d o
sua p l a n t a ç ã o e x i g i a m a i o r n ú m e r o d e b r a ç o s , podia ser c o m p a r a d o ao lavrador de
cana-de-açúcar. O f u m o c os g é n e r o s a l i m e n t í c i o s eram produzidos em unidades
t i p i c a m e n t e f a m i l i a r e s . N ã o fosse pela p r e s e n ç a d c alguns escravos e n t r e a m ã o - d e -
obra, elas s e r i a m c o m p a r á v e i s às u n i d a d e s agrícolas familiares d o N o r t e de Portugal
na m e s m a é p o c a . 2 6
->)> os grandes n e g o -
ciantes e, p o r h m , o s g r a n d e s p r o p r i e t á r i o s de terras, s e n h o r e s de e n g e n h o ou
pecuaristas. E r a a c h a m a d a ' e l i t e ' d a s o c i e d a d e b a i a n a , g e n t e ávida de honrarias or-
gulhosa da ' n o b r e z a ' d e s u a s o r i g e n s , s e m p r e d e m a n d a n d o títulos q u e , aliás, depois
da I n d e p e n d ê n c i a , o g o v e r n o i m p e r i a l c o n c e d e u c o m p r o d i g a l i d a d e aos' grandes pro-
prietários r u r a i s . E x c l u í m o s d e s s a lista o s l a v r a d o r e s d a c a n a e os p r o d u t o r e s de taba-
co e d e p r o d u t o s d e s u b s i s t ê n c i a , p o i s , a p e s a r de a u f e r i r e m mais de u m c o n t o de réis,
c o m a n d a v a m e x p l o r a ç õ e s d e p o r t e p e q u e n o o u m é d i o , s e n d o p o r isso proprietários
de s e g u n d o e s c a l ã o , e m u i t a s vezes s e q u e r e r a m d o n o s das terras q u e cultivavam; seu
prestígio s o c i a l e s u a p a r t i c i p a ç ã o n o p o d e r e r a m n i t i d a m e n t e i n f e r i o r e s .
q u a n t i d a d e d e d i n h e i r o e n v o l v i d a , e m p r e s t a v a - s e e t o m a v a - s e e m p r e s t a d o c m todas
as classes da s o c i e d a d e .
Q u a n t o aos ' m e s t r e s a r t e s ã o s ' , t a m b é m e n g l o b a d o s nesse g r u p o , j á m e n c i o n e i a
a m b i g ü i d a d e da d e s i g n a ç ã o . N e s t e c a s o , t r a t a v a - s e d a q u e l e s q u e e r a m de fato peque-
nos e m p r e i t e i r o s e m seus r e s p e c t i v o s o f í c i o s , o u m e s t r e s e m o f í c i o s c o n s i d e r a d o s no-
bres por suas e x i g ê n c i a s t é c n i c a s o u a r t í s t i c a s , c o m o o s o u r i v e s , p i n t o r e s , entalhadores
de pedra, m a r m o r i s t a s , t o r n e a d o r e s e e s c u l t o r e s d e m a d e i r a , f r e q ü e n t e m e n t e qualifica-
dos de ' a r t i s t a s ' na d o c u m e n t a ç ã o d a é p o c a . E s p e c i a l i z a d o s e p o u c o n u m e r o s o s , esses
artesãos g o z a v a m de u m a e s t i m a s o c i a l m u i t a s vezes igual à d o s o f i c i a i s d o E x é r c i t o . 39
O t e r c e i r o g r u p o , o d a q u e l e s c u j o s r e n d i m e n t o s n ã o p a s s a v a m de 5 0 0 . 0 0 0 réis
anuais, c o m p r e e n d i a f u n c i o n á r i o s p ú b l i c o s e m i l i t a r e s de b a i x o e s c a l ã o , integrantes de
profissões liberais s e c u n d á r i a s ( s a n g r a d o r e s , b a r b e i r o s , p i l o t o s de b a r c o s , músicos,
práticos de m e d i c i n a ) , a r t e s ã o s e o s q u e c o m e r c i a v a m f r u t a s , l e g u m e s e d o c e s nas ruas.
M u i t a s vezes e r a m a m b u l a n t e s , e e n t r e e s t e s p r e d o m i n a v a m o s a l f o r r i a d o s . Incluíam-se
ainda neste g r u p o os p e s c a d o r e s e m a r i n h e i r o s d o R e c ô n c a v o e t o d o s os q u e ganhavam
seu pão e m t o r n o d o m a r e d o p o r t o .
O q u a r t o e ú l t i m o g r u p o e r a o d o s e s c r a v o s , d o s m e n d i g o s e d o s vagabundos.
L e g a l m e n t e m a r g i n a l i z a d o , u m a vez q u e n ã o t i n h a q u a l q u e r d i r e i t o civil, o escravo de
fato d e s e m p e n h a v a u m p a p e l c a p i t a l n a d i n â m i c a e c o n ô m i c a d a c i d a d e , o q u e , inclu-
sive, m u i t a s vezes l h e valia c e r t a i n d e p e n d ê n c i a m a t e r i a l . P o r v o l t a d e 1 8 0 0 já era
possível d i s t i n g u i r d o i s t i p o s de e s c r a v o s u r b a n o s : os d e u s o d o m é s t i c o e os destinados
a t r a b a l h a r f o r a , para g a n h a r d i n h e i r o p a r a o s e n h o r . N o t o c a n t e a essa categoria, as
f o r m a s de t r a b a l h o e as r e l a ç õ e s s o c i a i s n ã o se a l t e r a r a m a o l o n g o d o s é c u l o X I X .
COMPARAÇÕES
S e m d ú v i d a m a i s a b e r t a , a e s t r u t u r a s o c i a l d a c i d a d e p e r m i t i a a v i o l a ç ã o de limites
s u p o s t a m e n t e r í g i d o s e o f e r e c i a u m l e q u e d e o p o r t u n i d a d e s m u i t o m a i s a m p l o : este
e r a s e u p r i m e i r o t r a ç o c a r a c t e r í s t i c o . O s e g u n d o , j á m e n c i o n a d o , e r a o c a r á t e r plural
d o g r u p o d o m i n a n t e , d a e l i t e u r b a n a . E r a m m u i t o s o s h o m e n s r i c o s e p r e s t i g i o s o s que,
de u m a m a n e i r a o u d e o u t r a , e x e r c i a m p o d e r s o b r e o c o n j u n t o d o c o r p o social. Por
c e r t o n e m t o d o s e r a m c l a r o s , e m b o r a s e j a i m p o s s í v e l e s t a b e l e c e r c o m e x a t i d ã o a pro-
p o r ç ã o d a s p e s s o a s d e c o r q u e i n t e g r a v a m essa e l i t e , j á q u e o s d o c u m e n t o s n ã o men-
c i o n a m a c o r d a p e l e n e m f a z e m r e f e r ê n c i a a r a ç a . I s t o p o d e r i a ser e x p l i c a d o pelo
p u d o r , m a s i n c l i n o - m e a n t e s a p e n s a r q u e a q u e s t ã o e r a e v i t a d a s o b r e t u d o p o r causa
da a m p l i d ã o d a m e s t i ç a g e m , q u e p e n e t r a r a e m t o d a s as c a m a d a s s o c i a i s , m e s m o na-
q u e l a s q u e o n e g a v a m , a p o n t o d e a t é h o j e se r e c u s a r e m a a d m i t i - l o . Essas pessoas de
cor que figuravam na elite n ã o eram ' b r a n c o s da terra' — esses j á e r a m efetivamente
b r a n c o s , n ã o s ó p e l a c o m p l e t a a s s i m i l a ç ã o , c o m o p e l a p e l e . S e r i a m a n t e s pessoas que,
t o t a l m e n t e a c u l t u r a d a s — p o r t a n t o , n a t u r a l m e n t e v i s t a s c o m o b r a n c a s — , guardavam
sinais n o t ó r i o s d a m e s t i ç a g e m . E r a o c a s o d o V i s c o n d e d e J e q u i t i n h o n h a o u d o médi-
c o J o s é L i n o C o u t i n h o , q u e f o r a m c h a m a d o s a d e s e m p e n h a r u m p a p e l p o l í t i c o impor-
t a n t e p o r o c a s i ã o d a I n d e p e n d ê n c i a . E se a ' n e g r i t u d e ' desses p e r s o n a g e n s foi mais
o b s e r v a d a q u e a d e m u i t o s o u t r o s , é p o r q u e s u a s p o s i ç õ e s e c o m p o r t a m e n t o s políticos
— c o n t r á r i o s às d o g r u p o a q u e p e r t e n c i a m — os puseram e m destaque.
Vssirn SC a p r e s e n t a v a a s o c i e d a d e b a i a n a n o final d o s é c u l o X V I I I : o r i g i n a l , d i n â -
mica, e f i c a z . E n t r e s e u s p ó l o s — a e s t a b i l i d a d e c a permeabilidade — todos tentavam
navegar. A p r e o c u p a ç ã o m a i o r d o s q u e t i n h a m l o g r a d o a a s c e n s ã o social é b e m c o -
o h e c t d a : r r a t a v a - s c , p a r a e l e s . d c p r o v a r s u a n o b r e z a , o q u e . para a m a i o r i a , era esfor-
ço s ã o . V i l h e n a , c o m seu s e n s o d e o b s e r v a ç ã o c seu d e s d é m s u p e r i o r de e u r o p e u ,
descreveu m u i t o b e m e s s e c a p r i c h o c n ã o se d e i x o u e n g a n a r p o r n e n h u m a bastardia,
n e n h u m a f a l s i f i c a ç ã o d c á r v o r e g e n e a l ó g i c a . A o c o n t r á r i o , z o m b o u d c t o d o s aqueles
d e s c e n d e n t e s d c c a m p o n e s e s o u c a i x e i r o s p o r t u g u e s e s i m i g r a d o s para fazer f o r t u n a
— que, ademais, não tinham escapado a mestiçagem — e q u e , n ã o o b s t a n t e , se
a p r o p r i a v a m d c n o m e s i l u s t r e s c p o s a v a m c o m o d e s c e n d e n t e s de a l g u m g o v e r n a d o r
geral d e s a n g u e a z u l , q u a n d o não buscavam s i m p l e s m e n t e c o m p r a r na C o r t e u m a
nobreza nova e m f o l h a , q u e o s fazia t ã o s u p e r i o r e s q u e " o i m p e r a d o r da C h i n a é
i n d i g n o d c ser s e u c r i a d o " . ' " '
602
603
tos (ascendentes e descendentes) não pagavam qualquer taxa pelo direito de sucessão.
Já os herdeiros não necessários pagavam taxas quando eram designados em testamento
ou quando se beneficiavam da terça para favorecer parentes distantes ou outras pessoas.
Nestes dois casos, era o testamento que servia c o m o documento probatório para
estabelecer o m o n t a n t e das taxas que i n c i d i a m sobre a herança de cada categoria de
herdeiros não necessários.
A l g u n s m o m e n t o s da história das taxaçóes aplicadas pelo E s t a d o as sucessões
merecem ser evocados. E m 1 8 0 9 , o 'selo de herança' — c o m o era chamado o imposto
sobre a sucessão — era pago à razão de 1 0 % do valor da herança por parentes próxi-
mos do falecido (segundo grau canónico) e de 2 0 % por outros herdeiros, parentes
distantes ou não-parentes. A partir de 1 8 3 8 , os filhos naturais foram também obriga-
dos a pagar uma taxa dc 1 0 % , sendo assim equiparados aos parentes próximos. E m
1 8 6 1 , os mesmos filhos naturais tornaram-se isentos, recebendo desde então o mesmo
tratamento de descendentes e ascendentes legítimos; mas os filhos de um primeiro
casamento passaram a ter que pagar o selo quando herdavam de tios e tias. Essa nova
lei reafirmava ainda u m dispositivo anterior, pelo qual as apólices emitidas pelo Estado
eram isentas de qualquer taxação, fosse qual fosse a categoria do herdeiro. A situação
dos filhos naturais voltou a ser alterada em 1 8 7 7 : já não eram considerados herdeiros
necessários, mesmo quando reconhecidos pelos pais por ato cartonai ou testamento e
deviam pagar uma taxa de 2 0 % pelo direito à sucessão parental, igual à que pagavam
os parentes distantes do testador o u os não-parentes.
604 BAHIA, SÉCULO X I X
N ã o p u d e a p u r a r se essa d i s c r i m i n a ç ã o d o s f i l h o s n a t u r a i s , m e s m o reconhecidos
s u s c i t o u r e a ç õ e s . O fato é q u e p o u c o s a n o s d e p o i s , e m 1 8 8 0 , n o v a lei das sucessões
novamente equiparou filhos l e g í t i m o s e n a t u r a i s , a l é m d e r e d e f i n i r os direitos das
d e m a i s c a t e g o r i a s de h e r d e i r o s . E s t i p u l o u q u e filhos l e g í t i m o s e l e g i t i m a d o s pagariam
taxas de s u c e s s ã o de 1 % e filhos n a t u r a i s d e 2 % , i g u a i s às q u e d e v i a m pagar irmãos,
tios e s o b r i n h o s . T i o s - a v ó s d e v i a m p a g a r 5 % . A g r a n d e n o v i d a d e dessa lei foi impor
aos esposos, a t é e n t ã o i s e n t o s , u m a t a x a de 5 % q u a n d o h a v i a t e s t a m e n t o e d e 1 0 % em
c a s o de s u c e s s ã o ab intestato. N e s t e ú l t i m o c a s o , a t a x a a s e r p a g a p e l o c ô n j u g e sobre-
v i v e n t e era igual à c o b r a d a d e p a r e n t e s a t é o d é c i m o g r a u e de religiosos professos
secularizados. P a r a o s n ã o - p a r e n t e s a t a x a era d e 2 0 % . E s t a lei v i g o r o u , inalterada, até
o a d v e n t o da R e p ú b l i c a . 2
p e r g u n t a d e m a n e i r a c l a r a e d i r e t a . É p r e c i s o p r o c e d e r p o r hipóteses.
J o h i l d o L o p e s d e A t h a y d e c a l c u l o u e m 2 . 7 5 5 o n ú m e r o de ó b i t o s d e 1 8 5 5 e e m
2 . 6 6 4 o d e 1 8 8 1 , s e m p r e e m S a l v a d o r . S e a d m i t i r m o s q u e 3 0 % deles correspondiam
a e s c r a v o s , c r i a n ç a s e j o v e n s , t e r e m o s 1 . 9 2 0 a d u l t o s livres m o r t o s e m 1 8 8 5 e 1 . 8 6 5 em
1 8 8 1 . É u m a h i p ó t e s e , m a s b o a p a r t e d e l e s , c o m o s a b e m o s , n ã o tinha bens a legar.
F i c o p o r a q u i n e s s e t e r r e n o d o s ardis e p a s s o a t e n t a r verificar q u e resultados é possível
o b t e r c o m p a r a n d o o n ú m e r o d e i n v e n t á r i o s q u e e n c o n t r e i c o m o n ú m e r o estimado e
ó b i t o s e n t r e a p o p u l a ç ã o a d u l t a livre:
TABELA 103
1881 W_ }**
m o d e s t a s ; de o u t r o , m u i t o s d e i x a v a m b e n s q u e n u n c a f o r a m i n v e n t a r i a d o s . Seja como
for, d o total de 4 . 6 1 8 i n v e n t á r i o s q u e e n c o n t r a m o s , s ó c o n s i d e r a m o s em nossos estu-
dos os i n v e n t á r i o s post mortem p r o v e n i e n t e s de a r q u i v o s de t a b e l i ã e s . D o s 2 . 5 5 0 inven-
tários referentes a o n o s s o p e r í o d o , f o r a m e x a m i n a d o s 1 . 1 1 5 , isto é, 4 3 , 7 % desse
c o n j u n t o e 2 4 , 1 % d o t o t a l e n c o n t r a d o . E s s a a m o s t r a m e p a r e c e u estatisticamente
correta e — na i m p o s s i b i l i d a d e , à falta de f o n t e s m a i s ricas, d e avaliar e m cifras a
riqueza e a p o b r e z a d o s b a i a n o s — s u f i c i e n t e para u m a avaliação das ordens de gran-
deza e m q u e se s i t u a v a m as f o r t u n a s e dos b e n s q u e as c o m p u n h a m .
E s t a b e l e c i a a m o s t r a t o m a n d o o i t o i n v e n t á r i o s p o r a n o e n t r e 1 8 0 1 e 1 8 8 9 , já que
para o s a n o s das três p r i m e i r a s d é c a d a s d o s é c u l o n ã o d i s p u n h a de n ú m e r o maior.
Escolhi e m seguida dois períodos — 1 8 5 3 - 1 8 5 7 e 1 8 8 1 - 1 8 8 5 , c o m o j á referi — para
os q u a i s e x a m i n e i a t o t a l i d a d e dos i n v e n t á r i o s , d e m o d o a ter, p a r a alguns anos, uma
q u a n t i d a d e razoável de d o c u m e n t o s , q u e p e r m i t i s s e c o m p a r a ç õ e s m a i s sólidas. Para os
a n o s e m q u e e x a m i n a m o s a p e n a s o i t o i n v e n t á r i o s , q u a n d o seu n ú m e r o total se apro-
x i m a v a dos q u a r e n t a , c o n s i d e r a m o s s i s t e m a t i c a m e n t e , n a m e d i d a d o possível, o último
de c a d a série de c i n c o .
TABELA 104
CIASSE
FREQÜÊNCIA FREQÜÊNCIA FREQÜÊNCIA
ABSOLUTA RELATIVA ACUMULADA
1. até : 1 0 0 6 0,5 0,5
2. :101 a :200 8 0,7 1,2
3. :201 a :500 55 4,9 6,1
4. :501 a 1:000 97 8,7 14,8
5. 1:100 a 2:000 128 11,5 26,3
6. 2:100 a 5:000 233 20,9 47,2
f o s s e m v á l i d o s d e , BOO a t é a U e ^ c a ) .
P
tenham m a n t i d o inal.ctadas a o £ n g o d o ^ ^ ^ ^
q u e r e p e r c u t i r a m nas f o r t u n a s de seus m i m m ^ oportunidades de
do m e r c a d o de t r a b a l h o , p o r e x e m p l o , mostra q
608 BAHIA, SÉCULO X I X
É v e r d a d e q u e , n o e s p í r i t o d o p o v o , o d e v i d o d e s c o n t o n ã o era f e i t o . Q u e m tinha
u m a f o r t u n a desse v a l o r c o n t i n u a v a a ser c o n s i d e r a d o r e m e d i a d o . T e r u m a casa térrea
q u a n d o talvez se s o n h a s s e c o m u m s o b r a d o — , a l g u n s m ó v e i s t o s c o s e u m dinhei-
r i n h o n o b o l s o j á c o n f e r i a p r e s t í g i o e i n t r o d u z i a a p e s s o a n o rol dos a b o n a d o s . Aliás,
n u m a c i d a d e o n d e a m a i o r i a vivia n a p e n ú r i a , a l g u m a s c e n t e n a s d e m i l réis n o bolso
j á era riqueza.
V o l t a r e i aos c o n c e i t o s d e r i q u e z a e p o b r e z a , m a s d e s d e j á q u e r o deixar claro que
n ã o p r e t e n d o ir m u i t o l o n g e n a b u s c a d e c r i t é r i o s p a r a essa d e f i n i ç ã o : na B a h i a , aposse
d e q u a l q u e r b e m c o n f i g u r a v a f o r t u n a , e e s t e s e r á u m p r e s s u p o s t o de t o d a a minha
análise.
TABELA 1 05
CLASSIFICAÇÃO DAS FORTUNAS EM SALVADOR,
1 8 0 1 - 1 8 8 9 (EM CONTOS DE RÉIS)
até 2 0 0 . 0 0 0 réis — q u e c p n m e , r a s
« t e g o r i a s d a classificação anterior. As fortunas
bens de u s o pessoal c o m o * p r
" n c i r a c l a s s c
~ ü m i t a v a m - s e em geral a
d C d
° " e t á r i o . O s inventários da segunda metade d o século
*JV«oVH - O DINHEIRO DOS BAIANO.
609
rico, especialmente na
século, c o m o v e r e m o s . Nesta
610 BAHIA, SÉCULO X I X
C a b e l e m b r a r , p o r e m , a n t e s d e m a i s n a d a , q u e t e m o s u m n ú m e r o reduzido de
^ ^ 0 5 feitos n o i n t e r v a l o 1 8 0 1 - 1 8 5 0 . É v e r d a d e q u e c o n c e n t r e i m i n h a s investi-
gações na s e g u n d a m e t a d e d e s s e p e r í o d o , m a s 2 1 5 , d e u m total de 3 9 5 , representam
a v a l i d a d e d o s i n v e n t á r i o s d o s a n o s 1 8 0 1 - 1 8 3 0 . F a z i a m - s e m e n o s inventários post
mortem n a p r i m e i r a m e t a d e d o s é c u l o d o q u e n a s e g u n d a ? É provável, pois para as duas
ultimas d é c a d a s d o s é c u l o X V I I I a p u r a m o s u m a m é d i a a i n d a m e n o r , de apenas quatro
por a n o . D o s i n v e n t á r i o s f e i t o s a t é 1 8 5 0 , 3 5 , 4 % p e r f a z i a m u m m o n t a n t e m e d í o c r e ,
equivalente a a p e n a s 1 6 , 4 % d a s o m a d a s f o r t u n a s d o c o n j u n t o desse p e r í o d o .
TABELA 106
CLASSIFICAÇÃO DAS FORTUNAS EM SALVADOR,
1 8 0 1 - 1 8 5 0 (EM CONTOS DE RÉIS)
CLASSE N 1
% TOTAL 2
MÉDIA
%v
1 9 2,3 :130 0,0
(1) N = n° de inventários; (2) Total de inventários • 395; (3) S - soma d:is fortunas =
4.534:258 de réis.
TABELA 1 0 7
CLASSIFICAÇÃO DAS FORTUNAS EM SALVADOR,
1 8 5 1 - 1 8 8 9 (EM CONTOS DE RÉIS)
CLASSE N 1
% TOTAL 2 MÉDIA
.098
%v
0,0
1 5 0,7
d a n t e s , q u a n d o e n t r e 1 8 5 1 e 1 8 8 9 esse p e r c e n t u a l c h e g o u a 1 1 , 2 % . T o r n a d o s isola-
d a m e n t e , t i n h a m as m a i o r e s f o r t u n a s d a c i d a d e e m a m b o s o s p e r í o d o s , m a s n o p r i m e i -
ro d e t i n h a m 2 3 , 5 % d a f o r t u n a total e n o s e g u n d o essa p a r t i c i p a ç ã o e l e v o u - s e a 3 5 , 4 % .
S e j a c o m o for, os d a d o s das t a b e l a s 1 0 6 e 1 0 7 r e v e l a m inegável e n r i q u e c i m e n t o
dos b a i a n o s n a s e g u n d a m e t a d e d o s é c u l o , o q u e é t a m b é m i n d i c a d o pela d i m i n u i ç ã o
n o n ú m e r o de p e q u e n a s f o r t u n a s e pela r e d u ç ã o de s u a p a r t i c i p a ç ã o n o c o n j u n t o . Esse
e n r i q u e c i m e n t o se t o r n a a i n d a m a i s e v i d e n t e q u a n d o se c o n s i d e r a q u e até 1 8 5 0 i n e -
xistiam f o r t u n a s superiores a 5 0 0 : 1 0 0 d e réis. P o r o u t r o l a d o , a u m e n t o u a p e r c e n t a -
g e m dos d e t e n t o r e s de f o r t u n a s c o n s i d e r á v e i s .
F i n a l m e n t e , c a b e assinalar q u e , n a p r i m e i r a m e t a d e d o s é c u l o , os m a i s r i c o s ( f o r -
tunas superiores a 1 0 : 1 0 0 de réis) d e t i n h a m 8 0 , 8 % d a f o r t u n a g l o b a l e e r a m apenas
2 3 , 5 % dos i n v e n t a r i a d o s , e n q u a n t o n a s e g u n d a m e t a d e d e t i n h a m 9 3 , 5 % d a f o r t u n a
e c o r r e s p o n d i a m a 4 3 , 6 % dos i n v e n t a r i a d o s . O n ú m e r o d o s m e n o s r i c o s (até 2 : 0 0 0 de
réis) d i m i n u i u d e 3 9 , 4 % n o p r i m e i r o p e r í o d o p a r a 1 9 , 3 % n o s e g u n d o , e a d i s t â n c i a
entre ricos e p o b r e s t o r n o u - s e m a i o r : a o p a s s o q u e e n t r e 1 8 0 1 e 1 8 5 0 essas f o r t u n a s
c o r r e s p o n d i a m a q u a s e 2/3 d o s i n v e n t á r i o s e a 3 % d a f o r t u n a g l o b a l , d e 1 8 5 1 a 1 8 8 9
representavam m e n o s d e 1/5 dos i n v e n t á r i o s e 0 , 6 % d a f o r t u n a g l o b a l .
O nível das f o r t u n a s b a i a n a s p a r e c e p o r t a n t o t e r a u m e n t a d o n a s e g u n d a m e t a d e
d o século, m e s m o l e v a n d o - s e e m c o n t a a i n f l a ç ã o , c a l c u l a d a e m 1 1 8 , 7 % p o r M i r c e a
B u e s c u , t o m a n d o c o m o base o s p r e ç o s d e 1 8 2 6 . O l i v e r O n o d y , p o r sua vez, e s t i m o u
em 9 1 % o a u m e n t o d o c u s t o d e v i d a e n t r e 1 8 5 0 e 1 8 8 9 . 7
E m q u a l q u e r c a s o , au-
m e n t o u o n ú m e r o das b o a s f o r t u n a s ( m a i s d e 1 0 : 1 0 0 d e réis) e das g r a n d e s f o r t u n a s
(mais de 5 0 : 1 0 0 de r é i s ) . A s f o r t u n a s m é d i a s ( 2 : 1 0 0 a 1 0 : 0 0 0 d e réis) a p r e s e n t a r a m
notável estabilidade e m t e r m o s d e p a r t i c i p a ç ã o p e r c e n t u a l n o n ú m e r o d e casos ( 3 7 , 2 %
até 1 8 5 0 e 3 7 % d e p o i s ) , m a s s e u p e s o n o c o n j u n t o d a r i q u e z a m e n s u r a d a d i m i n u i u
a c e n t u a d a m e n t e , p a s s a n d o de 1 8 % a 5 , 8 % . E s t a c o n s t a t a ç ã o é c o r r o b o r a d a pela aná-
lise dos m e s m o s d a d o s , s e g u n d o o s d o i s o u t r o s r e c o r t e s c r o n o l ó g i c o s q u e p r o p u s : u m
de quatro p e r í o d o s , q u e a c o m p a n h a o s m o v i m e n t o s d a c o n j u n t u r a , e o u t r o e m q u e
destaco dois m o m e n t o s para u m e x a m e e x a u s t i v o dos i n v e n t á r i o s .
R e a g r u p a n d o d a d o s , p u d e m o n t a r a t a b e l a 1 0 8 , q u e c o m p r e e n d e os dados referen-
tes às fortunas na faixa d e até 1 0 : 0 0 0 de réis. P o d e - s e c o n s i d e r a r q u e f o r m a m um
c o n j u n t o c o e r e n t e , em q u e A c o r r e s p o n d e às f o r t u n a s de a t é 2 : 0 0 0 de réis e B às
camadas superiores a essa faixa. A t a b e l a 1 0 9 reagrupa as f o r t u n a s q u e p o d e m ser c o n -
sideradas sólidas, isto é, de valor s u p e r i o r a 1 0 : 1 0 0 de réis. As f o r t u n a s de 1 0 : 1 0 0 a
5 0 : 0 0 0 de réis c o n s t i t u í a m o p r i m e i r o s i g n o d e verdadeira riqueza.
Esta nova classificação, estudada s e g u n d o recortes c r o n o l ó g i c o s diferentes, p e r m i t e
comparações esclarecedoras. A redução d o n ú m e r o e d o percentual de participação das
pequenas fortunas n o c o n j u n t o se c o n f i r m a de f o r m a nítida: e n t r e 1 8 0 1 e 1 8 2 2 elas
representavam mais de metade dos inventários e c o r r e s p o n d i a m a 4 , 4 % da fortuna
total; n o fim do período c o r r e s p o n d i a m a 1 8 , 7 % dos inventários e a apenas 0 , 4 % da
riqueza arrolada.
613
T A B E L A 108
PERIODOS
%N %I o
A+B
NT
/ o N
56,3 6,4
2. 1801-1821 52,7 4,4 322
1822-1845 32,0 2,5 4L3 170 8 4 , 9
-
1 9 4
TABELA 109
CLASSIFICAÇÃO DAS FORTUNAS DE 1 0 : 1 0 0 A 1 . 0 0 0 : 0 0 0 DE RÉIS (%)
PERÍODOS C D E F C D+ E + F +
%N %I %N %I %N %I %N %I %NT %IT
1. 1801-1850 19,0 34,0 4,3 38,6 0,2 8,2 _ _ 23,5 80,8
1851-1889 29,0 21,5 11,2 31,6 2,9 29,5 0,4 10,9 43,5 93,5
2. 1801-1821 10,9 19,2 3,4 37,0 0,7 24,2 _ 15,0 80,4
1822-1845 22,3 41,3 4,4 39,2 — — — — 26,7 80,5
1846-1860 28,3 32,0 6,9 29,5 1,6 26,0 —
- 36,8
47,4
87,5
1861-1889 29,6 18,8 13,7 32,6 3,5 29,7 0,6 14,0 95,1
Por que o numero dessas fortunas teria decrescido tanto no conjunto dos inven-
tários? Há duas explicações possíveis: o enriquecimento geral teria provocado um
aumento do número dos inventários em outras faixas; ou fortunas dessa faixa teriam
Passado a ser mais raramente inventariadas. A legislação referente às heranças não
sustenta, contudo, a segunda hipótese: herdeiros não necessários ou legatários estavam
sujeitos a taxas, por pequena que fosse a fortuna (em 139 testamentos datados de 1865
1868, encontrei seis com menos de 1 0 0 . 0 0 0 réis, outros sete inferiores a 500.000 e
a
mais dez inferiores a 1:000 de réis). É bem provável, pois, que o número dessas
Pequenas fortunas tenha de fato decrescido, mas convém ser prudente e nao tomar o
Plausível por certo. De fato, ao longo de todo o período, esses pequenos patrimónios
corresponderam a 1 8 , 7 % das fortunas inventariadas. Por outro lado, a redução da sua
Participação no conjunto da fortuna, de 4 , 4 % ( 1 8 0 1 - 1 8 2 1 ) para 0,4%, mostra que
esses pés-de-meia se compunham de bens cada vez mais parcos.
614 BAHIA, SÉCULO X I X
TABELA 1 1 0
1 S 6 1 a I S S O e r a m a i n d a m a i s da m e t a d e ( 5 2 , 5 % ) , mas sua p a r t i c i p a ç ã o na f o r t u n a
total caiu a 4 , 8 % . N o c o n j u n t o d o p e r í o d o 1 8 0 1 - 1 8 8 9 , essas duas classes perfaziam
6 6 , 3 % d o s i n v e n t a r i o s c c o r r e s p o n d i a m a 1 2 . 7 % da f o r t u n a .
p a r t i l h a v a m 8 0 , 4 % d a f o r t u n a g l o b a l ; d e 1 8 6 1 a 1 8 8 9 , e r a m 4 7 % , p a r t i l h a n d o 95,lo/ 0
da f o r t u n a .
A q u e d a d o v a l o r m é d i o dessas f o r t u n a s é c o r r e l a t o a o a u m e n t o d o n ú m e r o de pro-
p r i e t á r i o s e i n d i c a m e l h o r d i s t r i b u i ç ã o d a r i q u e z a e n t r e r i c o s e a b a s t a d o s . N o interior
dessas classes q u e t i n h a m a l g u n s b e n s , seria e n t ã o p o s s í v e l , n u m a p r i m e i r a conclusão
o p o r o s m e n o s a b a s t a d o s aos m a i s r i c o s , s e m n o e n t a n t o e s q u e c e r q u e , n o s dois casos
estava e m j o g o a p e n a s u m a f r a ç ã o p r i v i l e g i a d a d o s b a i a n o s ? E n t r e 1 8 0 1 e 1 8 5 0 , esses
m e n o s a b a s t a d o s , q u e f o r m a v a m 7 6 , 4 % d o s i n v e n t a r i a d o s , p a r t i l h a v a m 1 9 % da fortu-
n a r e g i s t r a d a n o s i n v e n t á r i o s ; n o r e s t a n t e d o p e r í o d o , p o r é m , e m b o r a correspondessem
a 5 6 , 3 % d o s i n v e n t a r i a d o s , sua p a r t i c i p a ç ã o n a r i q u e z a g l o b a l c a i u a 6 , 4 % . S e houve
e n r i q u e c i m e n t o n a B a h i a n a s e g u n d a m e t a d e d o s é c u l o , ele n ã o a u m e n t o u o número
dos q u e t i n h a m p o u c a s p o s s e s , n e m i n c r e m e n t o u o n í v e l d e suas f o r t u n a s .
TABELA 1 1 1
MÉDIAS DAS FORTUNAS (EM CONTOS DE RÉIS)
PERÍODOS C D E F
C = 10:100 a 50:000 de réis; D = 50:100 a 200:000 de réis; E = 200:100 a 500:000 de réis; F = 500:100 a 1.000:000 de réis.
Q U E M POSSUÍA?
N a a u s ê n c i a q u a s e t o t a l d e i n f o r m a ç õ e s p r e c i s a s s o b r e as o c u p a ç õ e s , profissionais
o u n ã o , dos i n v e n t a r i a d o s e d i a n t e d e u m a p e r c e n t a g e m r e l a t i v a m e n t e elevada de
inventários referentes a m u l h e r e s ( 3 5 , 2 % ) , n ã o é possível d i s t r i b u i r as fortunas em
categorias e c o n ô m i c a s m u i t o variadas. P r o p o n h o a g r u p a m e n t o s q u e refletem as de-
ficiências dos p r ó p r i o s d o c u m e n t o s . A q u a l i f i c a ç ã o de 1/3 dos inventariados c o m o
'sem o c u p a ç ã o ' e x e m p l i f i c a i s t o . P u d e e s t a b e l e c e r q u i n z e c a t e g o r i a s : negociantes, in-
dustriais, c o m e r c i a n t e s , s e n h o r e s de e n g e n h o , p r o p r i e t á r i o s agrícolas, profissionais
liberais, c l e r o , f u n c i o n á r i o s p ú b l i c o s , oficiais g r a d u a d o s , oficiais subalternos, artesãos,
d o n o s de b a r c o s , pescadores e m a r í t i m o s , pessoas q u e viviam de rendas e os ditos
'sem o c u p a ç ã o ' .
As fortunas avaliadas e n t r e 1 8 0 1 c 1 8 8 9 s o m a m 2 7 . 7 1 3 : 9 8 9 de réis. A média das
fortunas das várias categorias s ó c i o - c c o n ô m i c a s serve t ã o - s o m e n t e para definir sua
posição relativa. T r a t a - s e de u m q u a d r o m u i t o geral, q u e aparentemente não traz
surpresas: n o t o p o estavam os negociantes, n o degrau mais bairto os marítimos e pes-
cadores, gente c u j o o f í c i o não exigia grande qualificação e cujos rendimentos anuais
eram por certo inferiores aos dos artesãos.
i^TLlOD,N„ E I R O D O S B A , A S . O S
" " 6 1/
C o m m e n o s de 1 0 % dos invernar.™ ^-
cotai, o o u e c o n f i r m a r u d o o q u " l * * " ™ }» * * ~
s e n h o r d e e n g e n h o , a d e s p e i t o d e seu p o d e r ¡ Z ^ ^ T ^ ?
provinha a m a i o r parte dos políticos eles figuram
^ ^ S S S Z Z 5 0 : 0 0 0 d e r é i s
' m a s b e m í n L o
< à ¿
- :
TABELA 112
v^UMUROS ABSOLUTOS)
PERÍODOS
HOMENS
MULHERES
. AGIOTAGEM ALUGUEI. 71, n
1. 1801-1889 7 7 ~ W A O E M ALUGUEL
37 1 2
13 16
2. 1801-1850 j 4 ~
1851-1889 23 4 '3
3
3. 1801-1821 6
1822-1845 77 3 1
2
1846-1860 15 4 4
3
1861-1889 9
3
3
4. 1853-1857 10
7 4
1881-1885 3
1
O fato de m u i t o s n e g o c i a n t e s a p o s e n t a d o s , c o m g r a n d e s f o r t u n a s ( m a i s de 5 0 : 0 0 0
de réis), o u suas viúvas, se i n c l u í r e m e n t r e os q u e v i v i a m de r e n d a s explica o peso da
f o r t u n a dessa c a t e g o r i a :
TABELA 114
NEGOCIANTES E EX-NEGOCIANTES, 1801-1889
N %N X . X %IR'
Ex-negociantes 49 15.8 3
6.250:721 127:565 63.5
(1) Percentagem sobre o somatório das fortunas dos rentistas; (2) percentagem sobre o total dos inventários; (3) percentagei
sobre os inventários dos rentistas.
Estes dois casos são típicos da diferença existente entre o oficial portugue*,de
Patente, que p e r m a n e c i a p o b r e , e o oficial baiano subalterno, que, graças âs s
624 BAHIA, SÉCULO X I X
É desnecessário c o t e j a r os p a r c o s b e n s d o t e n e n t e - c o r o n e l português c o m os do
alferes b a i a n o ; i m p o r t a a q u i ressaltar q u e n ã o se trata de casos excepcionais: tanto
entre 1 8 0 1 e 1 8 2 1 c o m o entre 1 8 2 2 e 1 8 4 5 , os oficiais s u b a l t e r n o s de origem baiana
tinham fortuna m é d i a m a i o r q u e a d o s oficiais de alta p a t e n t e , ainda que os últimos
pudessem gozar de m a i o r prestígio. A q u e s t ã o é saber q u e critérios a sociedade privile-
giava ao posicionar as categorias s ó c i o - e c o n ô m i c a s na hierarquia social.
A partir de 1 8 4 5 o p a n o r a m a m u d o u . C o m a I n d e p e n d ê n c i a e a partida do
Exército português, oficiais nascidos n o Brasil foram promovidos aos postos mais
elevados do c o m a n d o militar. N a Bahia, o n d e h o u v e luta armada contra o coloniza-
d o r , m u i t o s filhos de senhores de e n g e n h o que haviam feito serviço militar no Exército
real c o m o cadetes passaram rapidamente para o lado brasileiro e logo se tornaram
oficiais graduados do Exército nacional. E r a m das famílias Balthazar da Silveira, Sodre
LIVRO V I I - O D.N-HEIRO DOS BAI>
625
C a s o t í p i c o é o d o B a r ã o d e C a j a í b a , A l e x a n d r e G o m e s de A r g o l o F e r r ã o , filho de
Jose J o a q u i m d e T e . v e e A r g o l o e de M a r i a J o a q u i n a G o m e s Ferrão Castelo Branco
a m b o s d e s c e n d e n t e s d e f a m í l i a s i m p o r t a n t e s d o R e c ô n c a v o . N a s c i d o em 1 8 0 0 nó
e n g e n h o p a t e r n o d e M a t a r i p e , c o m s e t e a n o s A r g o l o F e r r ã o já era cadete d o E x é r c i t o
real. T e n e n t e e m 1 8 2 0 , foi p r o m o v i d o a m a j o r e m 1 8 2 4 e a t e n e n t e - c o r o n e l em 1 8 2 6
Em 1 8 5 2 reformou-se, c o m a patente de marechal. E m 1 8 5 9 , assim o descrevia a
C o n d e s s a d e B a r r a l : " F a m í l i a A r g o l o . B a r ã o d e C a j a í b a , d i s t i n t o cavalheiro, n i n g u é m
t e m m e l h o r e s m a n e i r a s , b o m m i l i t a r , p r e s t o u r e l e v a n t e s serviços d u r a n t e a Sabinada,
mas h o m e m m a u , a q u e m se a t r i b u i t e r a s s a s s i n a d o a sua m u l h e r e muitas outras
pessoas. N ã o q u e r o g r a ç a s c o m e l e . T e m u m b e l o e n g e n h o d e f r o n t e da vila de S. F r a n -
cisco." 2 1
O n d e a C o n d e s s a o u v i r a esses m e x e r i c o s q u e faziam de C a j a í b a o assassino de
sua esposa? A v e r d a d e é q u e , a o m o r r e r , ele d e i x o u u m filho l e g i t i m a d o , q u e tinha
n o m e igual a o s e u , e q u e , g r a ç a s a seus f e i t o s m i l i t a r e s , r e c e b e u o t í t u l o de V i s c o n d e de
I t a p a r i c a . E s t e p e r m a n e c e u s o l t e i r o e m o r r e u n o m e s m o a n o q u e o p a i , em 1 8 7 0 . 2 2
E s t e c a s o t e m u m a p e c u l i a r i d a d e : o B a r ã o d e C a j a í b a foi o ú n i c o s e n h o r de
e n g e n h o q u e c o n t i n u o u n a c a r r e i r a m i l i t a r a p ó s a I n d e p e n d ê n c i a e fez de seu filho
t a m b é m u m m i l i t a r . D e f a t o , o p o u c o p r e s t í g i o d e q u e gozava a c o r p o r a ç ã o militar
entre a d é c a d a de 1 8 3 0 e a G u e r r a d o P a r a g u a i fazia c o m q u e as elites da Bahia
preferissem o r i e n t a r o s filhos p a r a o e s t u d o de d i r e i t o o u d e m e d i c i n a . O s candidatos
às a c a d e m i a s m i l i t a r e s p a s s a r a m a ser r e c r u t a d o s nas classes m é d i a s altas, nas catego-
rias dos lojistas e n o s f u n c i o n á r i o s d e e s c a l ã o m é d i o . O s oficiais subalternos — geral-
m e n t e f o r m a d o s n a t r o p a , s e m p a s s a g e m pelas a c a d e m i a s militares — vinham das
classes m é d i a s . N ã o se e n c o n t r a e n t r e eles n e n h u m dos s o b r e n o m e s prestigiosos das
famílias i m p o r t a n t e s . S e esta a n á l i s e é c o r r e t a , h o u v e u m a reviravolta que explica por
q u e , após 1 8 4 5 , a c a t e g o r i a dos o f i c i a i s s u p e r i o r e s se s o b r e p ô s e c o n o m i c a m e n t e à dos
oficiais s u b a l t e r n o s .
F i n a l m e n t e , e x p u r g a n d o - s e das f o r t u n a s dos oficiais superiores e subalternos as
maiores de 2 0 : 0 0 0 de réis e as m e n o r e s de 2 : 0 0 0 de réis, o b t ê m - s e para essas quatro
categorias de f u n c i o n á r i o s as s e g u i n t e s f o r t u n a s m é d i a s : funcionários, 8 : 1 2 9 de réis,
padres, 8 : 1 0 2 ; o f i c i a i s s u b a l t e r n o s , 6 : 6 8 6 ; oficiais superiores, 6 : 6 1 6 .
A ligeira i n f e r i o r i d a d e da f o r t u n a m é d i a dos oficiais superiores em r
*' a ç a
°
subalternos, refletida neste q u a d r o , se deve ao fato de que, de 1801 a 1 8 4 5 , nao se
registrava entre os p r i m e i r o s n e n h u m a fortuna superior a 6 : 0 0 0 de réis. or outr
lado, f u n c i o n á r i o s e padres estavam e c o n o m i c a m e n t e mais bem-situados que os mi -
tares, o que talvez explique a pouca atração que esta carreira exercia.
E n t r e as três últimas categorias que distingui, duas envolvem pessoas que _
ciam ofício qualificado: os artesãos e o pessoal ligado ao mar. A seu respeito, q
fazer duas observações importantes. A primeira delas diz respeito aos artesãos, ,
626 BAHIA, SÉCULO XIX
f o r t u n a m é d i a ( 9 : 2 4 9 de réis) p o d e p a r e c e r alta. D e f a t o , n o p e r í o d o 1 8 6 1 - 1 8 8 9 , os
artesãos estavam à f r e n t e n ã o só dos m a r í t i m o s c o m o d o s s e n h o r e s de e n g e n h o , dos
oficiais superiores, dos padres e dos f u n c i o n á r i o s . O r a , m e s m o q u a n d o eram emprei-
teiros, eles d e i x a v a m f o r t u n a s d e n o m á x i m o 2 0 : 0 0 0 de réis; e s t a m o s d i a n t e de um
a b s u r d o e s t a t í s t i c o , d e c o r r e n t e d e u m a e x c e ç ã o : e m 1 8 8 3 , o ourives p o r t u g u ê s A n t ô -
n i o M a r t i n s de O l i v e i r a N e v e s d e i x o u à sua m u l h e r u m a h e r a n ç a de 1 2 1 : 1 5 6 de réis.
As j ó i a s de sua o f i c i n a , c o n t u d o , r e p r e s e n t a v a m a p e n a s 6 : 7 5 0 d e réis, 5 , 6 % desse
m o n t a n t e . O s o u t r o s h a v e r e s e r a m b e n s i m o b i l i á r i o s ( 4 0 : 5 0 0 de r é i s ) , e n t r e os quais
u m s o b r a d o na rua dos O u r i v e s , n a C i d a d e B a i x a , e s o b r e t u d o u m d e p ó s i t o de 6 0 : 0 0 0
de réis n o B a n c o M e r c a n t i l . H a v i a a i n d a 5 4 8 . 0 0 0 réis e m e s p é c i e , 6 5 8 . 0 0 0 réis em
m ó v e i s , u m escravo n o v a l o r d e 6 0 0 . 0 0 0 réis e u m c r é d i t o de 1 2 : 1 0 0 de réis. T r a t a -
va-se pois d e u m a r t e s ã o - c o m e r c i a n t e q u e a c u m u l a r a g r a n d e f o r t u n a . E u teria podido
classificá-lo e n t r e o s c o m e r c i a n t e s e a t é e n t r e os n e g o c i a n t e s , d a d o o valor de seus
b e n s , m a s o p t e i p o r m a n t ê - l o e n t r e os a r t e s ã o s p a r a s u b l i n h a r q u e os q u e exerciam
u m a 'arte n o b r e ' t i n h a m a p o s s i b i l i d a d e de a c u m u l a r f o r t u n a s de v u l t o . Aliás, em seu
testamento, nosso h o m e m q u a l i f i c a a si p r ó p r i o de o u r i v e s , n ã o de c o m e r c i a n t e ,
e m b o r a de fato t a m b é m o f o s s e . 2 3
E l i m i n a n d o essa f o r t u n a e x c e p c i o n a l d o rol dos 3 2
inventários r e f e r e n t e s a a r t e s ã o s , c h e g a - s e a u m a m é d i a d e 5 : 6 4 0 de réis, q u e j á não
t r a n s t o r n a a h i e r a r q u i a s ó c i o - e c o n ô m i c a e s i t u a os a r t e s ã o s n o d e v i d o lugar n a estru-
tura e c o n ô m i c a d a c i d a d e .
e
/f ,XOU d 0 1 S
, fi,hOS; C m t e S t
— ' c o n h e c e u u m terceiro. Era um p e s t d
'abastado . p o i s u n h a u m a c a n o a e q u a t r o escravos, u m d o s quais m o r r e u durante o
i n v e n t a n o . A c a n o a n a o valia g r a n d e c o i s a ( 2 4 . 0 0 0 réis), c o m o t a m p o u c o os ins l -
mentos de pesca ( 3 . 7 2 0 réis); m a s o s escravos v a l i a m 1 : 2 0 0 d e réis e ele tinh 1
d
quatro casas térreas ( 1 : 7 6 3 d e réis), 4 7 7 . 0 0 0 réis d e dívidas e m ativo, além demoveis*
avaliados e m 2 3 . 0 0 0 réis. D u z e n t o s m i l réis d e dívidas fizeram c o m q u e a herança aos
três filhos c a í s s e p a r a 3 : 9 2 0 d e r é i s . 2 6
T a m b é m p e s c a d o r , M a n o e l da P a i x ã o F a v i l l a d e i x o u à m u l h e r e aos c i n c o filhos
menores 2 : 1 7 4 d e réis, d e d u z i d a s as dívidas d e 2 9 5 . 0 0 0 réis. Seus bens eram quase os
mesmos q u e os d e F r a n c i s c o D i a s d a S i l v a : três escravos ( 1 : 1 0 0 de réis), u m a casa
'assobradada' ( 8 0 0 . 0 0 0 r é i s ) , u m a c a s a térrea ( 4 0 0 . 0 0 0 réis) e duas cabanas de madeira
( 8 5 . 0 0 0 réis) e m q u e g u a r d a v a s u a c a n o a ( 8 0 . 0 0 0 réis) e seus instrumentos de pesca
( 1 0 . 0 0 0 réis). T i n h a a i n d a 3 6 . 0 0 0 reis d e m ó v e i s e 8 . 0 0 0 réis de dívidas em ativo.
C o m o devia 2 9 5 . 0 0 0 réis, a m u l h e r e o s filhos r e c e b e r a m apenas 2 : 2 2 4 de r é i s . 27
O q u a r t o e x e m p l o é o d o m e s t r e d e t r i p u l a ç ã o M i g u e l A f f o n s o Rodrigues, portu-
guês de L a m e g o , s o l t e i r o . S e u s b e n s v a l i a m 1 : 1 7 8 d e réis, i n c l u i n d o dois escravos
( 7 6 0 . 0 0 0 réis), d i n h e i r o e m e s p é c i e ( 3 5 0 . 0 0 0 réis) e o b j e t o s pessoais: roupas no valor
de 3 5 . 0 0 0 réis, r e l ó g i o d e 3 0 . 0 0 0 réis e u m b a ú avaliado e m 3 . 0 0 0 réis. H o m e m c o m
passagem n o p o r t o , seus b e n s n ã o r e p r e s e n t a m u m a f o r t u n a baiana, mas eu quis
destacá-lo p o r ser o ú n i c o c a s o desse t i p o q u e e n c o n t r e i n o c o n j u n t o do período.
O ú l t i m o e x e m p l o é o p e s c a d o r M a n o e l T i m ó t e o Pereira, da comunidade de
pescadores da praia d e I t a p o ã . A o m o r r e r , e m 1 8 5 7 , deixou para a m u l h e r e os quatro
filhos, dois deles m e n o r e s , u m a h e r a n ç a l í q u i d a d e 3 : 1 0 9 de réis: três escravos ( 2 : 8 0 0
de réis), u m a l a n c h a ( 1 5 0 . 0 0 0 r é i s ) , duas casinhas térreas sobre pilotis ( 2 0 0 . 0 0 0 e
1 5 0 . 0 0 0 réis) e 4 5 . 0 0 0 réis d a v e n d a d e dois c a r n e i r o s . 29
TABELA 115
1. Imóveis 8.082:245
2. Terras 1.797:392
3. Escravos 2.008:644
8. Móveis 596:961
Total 27.713:848
TABELA 116
COMPOSIÇÃO DAS FORTUNAS POR CATEGORIAS SÓCIO-ECONÔMICAS, 1801-1889 (%)
CATEGORIAS 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Negociantes 26,9 4,5 2,5 0,8 21,1 10,1 17,4 1,7 13,6 1,2
Industriais 26,0 1,1 8,7 2,1 2,0 15,4 7,4 2,8 32,5 1,8
Profissionais liberais 20,4 1,3 3,6 1,6 19,4 44,4 7,0 2,0 - 0,2
Senhores de engenho 4,0 50,8 19,1 0,6 3,7 1,9 17,1 1,0 - 0,9
Rentistas 37,9 2,6 5,9 2,0 15,8 15,8 15,6 2,3 1,8
Donos de barcos 4,4 2,8 5,1 0,1 4,0 1,2 5,5 3,3 73,4
-
Comerciantes 4,4 2,6 44,6 2,0 16,2 0,4
16,1 2,6 9,6 1,2
Proprietários agrícolas 9,5 32,0 23,5 3,5 10,4 9,5 8,8 1,6 - 1,2
Padre» 35,0 6,8 14,3 3,9 4,6 18,5 9,0 2,7 - 5,1
Sem ocupação 42.7 1.4 17,4 2,6 17,0 10.0 4.5 4.0
- 0,3
Marítimos 26,3 10,8 40,3 0.5 8.9 - 2.4 4.2 1.4 5.2
Estes dados m o s t r a m o peso dos bens imobiliários na fortuna dos baianos que
exerciam ofícios o u profissões q u e poderiam ser qualificados c o m o tipicamente ur a-
nos. R e p r e s e n t a m mais de 1/4 da fortuna dos negociantes, industriais, funcionários e
pessoal ligado ao m a r , mais de 1/3 da fortuna daqueles que viviam de rendas, dos
630 BAHIA, SÉCULO X I X
E n t r e os c o m e r c i a n t e s , q u e s ó t i n h a m 1 0 % d e seus b e n s e m p r o p r i e d a d e s imobi-
liárias, o b s e r v a - s e q u e , n a q u e l e s q u e o p e r a v a m n o v a r e j o e n o c o m é r c i o ambulante,
as dívidas e m a t i v o e r a m d e l o n g e o p r i n c i p a l c o m p o n e n t e d a f o r t u n a , c o m 4 4 , 6 %
d o t o t a l . I s t o revela q u e o p e q u e n o c o m é r c i o e n v o l v i a g r a n d e s r i s c o s , p o i s essas dívi-
das e r a m c r é d i t o s n e m s e m p r e d e fácil c o b r a n ç a a p ó s a m o r t e d o c r e d o r .
I s t o é c o n f i r m a d o p e l o f a t o d e q u e , e m d i n h e i r o l í q u i d o , d e p ó s i t o s bancários e
ações o u a p ó l i c e s , os h a v e r e s d e s s a c a t e g o r i a s o m a v a m a p e n a s 8 , 2 % d o total da fortu-
na, ao passo q u e , e n t r e o s n e g o c i a n t e s e o s i n d u s t r i a i s , essas três r u b r i c a s representa-
v a m , r e s p e c t i v a m e n t e , 3 2 % e 1 9 , 4 % desse t o t a l . M a s era e n t r e o s profissionais liberais
q u e elas a s s u m i a m m a i s i m p o r t â n c i a , c o r r e s p o n d e n d o a 6 5 , 4 % d a f o r t u n a total, dos
quais 4 4 , 4 % e m c a r t e i r a de a ç õ e s , a p ó l i c e s e e m p r é s t i m o s d o E s t a d o . C o m os funcio-
nários p ú b l i c o s — q u e t i n h a m 4 0 , 5 % d e seus haveres nessas r u b r i c a s — , esta era a
categoria q u e mais se arriscava nesse t i p o d e i n v e s t i m e n t o .
V i m o s q u e a p r o p r i e d a d e i m o b i l i á r i a t i n h a papel m u i t o r e d u z i d o na composição
da f o r t u n a dos s e n h o r e s de e n g e n h o , p r o p r i e t á r i o s agrícolas e proprietários de embar-
c a ç õ e s . As terras cultivadas e os escravos f o r m a v a m 6 9 , 9 % d a f o r t u n a dos senhores de
e n g e n h o e 5 5 , 5 % da dos p r o p r i e t á r i o s agrícolas, fossem pecuaristas o u cultivadores de
c a n a - d e - a ç ú c a r , f u m o e a l i m e n t o s . M a s a f o r t u n a desses p r o p r i e t á r i o s era mais equili-
brada q u e a dos senhores de e n g e n h o : t i n h a m 3 , 5 % e m d i n h e i r o líquido (rubrica 4)
c o n t r a 0 , 6 % dos p r i m e i r o s ; seus d e p ó s i t o s b a n c á r i o s (rubrica 5 ) eram mais consisten-
tes, s o m a n d o 1 0 , 4 % , c o n t r a 3 , 7 % para os p r i m e i r o s ; seus investimentos em ações e
apólices (rubrica 6 ) eram de 9 , 5 % , para 1 , 9 % dos senhores de e n g e n h o .
A reduzida p e r c e n t a g e m representada pela f o r t u n a imobiliária dessas duas catego-
rias é facilmente explicável: seus imóveis eram casas rurais, sem valor próprio; mesmo
que fossem portentosas, n ã o p o d i a m ser vendidas separadamente das terras e do enge-
nho. O p e r c e n t u a l a l c a n ç a d o pela fortuna imobiliária rln,
cuias casas e r a m m a i s r ú s t i c a s q u e as d o s s e n h o r e s d e ZJ2 ' T** ~
mais a l t o p o r q u e , c o m o o s i n v e n t á r i o s r e v e l a m eles no i rel
«ivamente
mais f r e q ü ê n c i a q u e o s s e n h o r e s d e e n g e n h o Quanto T ' ™
m 6 S U r b a n
° S C O m
ç õ e s , 7 3 , 4 % d e s u a f o r t u n a c o r r e s p o n d i a m a s e u s bens 7 • °° * e m W
TABELA 1 1 7
COMPOSIÇÃO DAS FORTUNAS POR CATEGORIAS SÓCIO-ECONÔMICAS, 1801-1889 (%)
Negociantes ( 1 0 8 ) 26,9 63,0 2,5 70,0 31,2 77,7 17,4 59,2 78,0 60,6
Industriais ( 1 3 ) 26,0 69,2 8,7 76,9 17,4 69,2 7,4 69,2 59,5 52,1
Profissionais liberais ( 1 9 ) 20,4 57,9 3,6 63,1 63,8 89,4 7,0 36,8 94,8 87,8
Senhores de engenho ( 1 7 ) 4,8 41,1 19,1 100,0 5,6 52,9 17,1 47,0 46,6 29,5
Rentistas ( 3 1 0 ) 37,9 72,6 5,9 67,4 31,6 66,7 15,6 53,5 91,0 75,4
Donos de barcos ( 6 ) 4,4 33,3 5,1 83,3 5,2 50,0 5,5 33,3 20,2 14,7
Comerciantes ( 7 3 ) 16,1 57,5 9,6 75,3 7,0 37,0 44,6 55,0 77,3 32,7
Proprietários agrícolas ( 7 8 ) 9,5 59,0 23,5 82,0 19,9 21,8 8,8 39,7 61,7 ' 52,9
Padres ( 2 3 ) 35,0 60,9 14,3 65,2 23,1 43,5 9,0 47,8 81,4 72,4
Funcionários ( 1 4 ) 25,6 57,1 6,4 57,1 52,1 71,4 7,2 35,7 91,3 84,1
Oficiais subalternos ( 1 4 ) 35,5 64,3 12,0 85,7 15,6 50,0 26,6 35,7 89,7 63,1
Oficiais superiores ( 1 8 ) 40,7 61,0 14,2 72,2 23,5 55,5 13,6 44,4 92,0 78,4
Artesãos ( 3 2 ) 32,2 46,8 11,5 75,0 31,6 21,8 7,7 25,0 83,0 75.3
Sem ocupação ( 3 7 8 ) 42,7 62,4 17,4 54,2 27,0 27,0 4,5 15,6 91,6 87,1
( ) Entre parêntesis, número dc inventários; 1 = imóveis (percentagem sobre o rotal das fortunas, c m valor); 2 = escravos
(idem); 3 - deoÓMtos bancirios c ações/apólices ( i d e m ) ; 4 = dívidas em ativo ( i d e m ) ; N • n ° dc inventários; % N =
percentagem sobre o n» de inventários; % T o t a l = percentagem das quatro rubricas sobre o n« de inventários; % Total - 4 =
o mesmo que o anterior, exeluindo-sc as dívidas c m ativo.
TABELA 118
C O M P O S I Ç Ã O DAS F O R T U N A S D E A R T E S Ã O S E L I M I N A N D O - S E A M A I O R DELAS
I % N 2 % N 3 % N 4 % N % TOTAL % TOTAL - 4
TABELA 119
CATEGORIAS* 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Rentistas ( 8 6 ) 40,8 3,7 12,2 0,7 15.9 0,9 21,8 3,6 - 0,3
Donos de barcos ( 5 ) 12,1 5,0 13,9 0.4 10,9 3,2 15,0 5,6 33,8
-
Comerciantes ( 3 4 ) 23,1 0,2 8,7 1,6 2,8
- 37,7 3.4 22.4
-
Proprietários agrícolas ( 3 7 ) 9,9 38,1 18,4 0,9 9,0 4.1 15,3 2,6 - 1.5
P ^ ^ t ^ ^ S
dois p e r í o d o s . No e n t a n t o , na p r i m e i r a m e t a d e d o s é c u l o „ ! tl ^
g r a n d e p e s o , s o b r e t u d o nas f o r t u n a s d o s
^ o t ^ l S ^ ' fUnC
— *" ternos, £
N a s e g u n d a m e t a d e d o s é c u l o esse p e s o a u m e n t o u - e m b o r a e m percentuais n ã o
muito elevados - n a f o r t u n a d o s n e g o c i a n t e s , d o s industriais, dos oficiais graduados
e dos a r t e s ã o s . E m c o n t r a p a r t i d a , r e d u z i u - s e - e m p e r c e n t u a i s expressivos - na
f o r t u n a d o s p r o f i s s i o n a i s l i b e r a i s ( p a s s o u d e 4 2 , 8 % a 1 8 , 9 % ) , dos padres (de 4 7 1 %
a 3 2 , 5 % ) e d o s o f i c i a i s s u b a l t e r n o s ( 4 8 , 5 % a 1 0 , 5 % ) . I s t o se deveu s o b r e t u d o ao
s u r g i m e n t o d e n o v a s o p o r t u n i d a d e s d e i n v e s t i m e n t o a p a r t i r de 1 8 4 0 , c o m a criação
de b a n c o s e s o c i e d a d e s a n ô n i m a s e as p o s s i b i l i d a d e s de e m p r e s t a r ao E s t a d o . D e fato,
as r u b r i c a s r e l a t i v a s a esses d o i s c o m p o n e n t e s p e r m i t e m n o t a r , n o c o n j u n t o , u m nítido
a u m e n t o d o s d e p ó s i t o s b a n c á r i o s e s o b r e t u d o d o s i n v e s t i m e n t o s n a c o m p r a de valores,
ao p a s s o q u e , n a p r i m e i r a m e t a d e d o s é c u l o , s ó o s q u e v i v i a m de rendas, os proprie-
tários d e e m b a r c a ç õ e s e o s p r o p r i e t á r i o s a g r í c o l a s p o s s u í a m u m a parte de seus bens —
aliás í n f i m a — n a s r a r a s s o c i e d a d e s a b e r t a s e x i s t e n t e s . A s s i m , p o r e x e m p l o , na catego-
TABELA 120
CATF.CORIAS* 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Negociantes (81) 27,5 •4,3 2.0 0,9 22,7 11,4 15,0 1.6 13.0 1,3
Industriais (12) 7,8 2.2 1,9 15,8 7,4 2,9 33.0 1,9
26,3 0,7
Profissionais liberais (15) 18,9 ' - 3,2 1.7 19,2 47,4 6,8 1,6
- 0,1
Senhores de engenho (10) 4.2 30,2 37,2 - 9,3 7,6 6,9 1,6
- 2.8
Rentistas (224) 37.4 2,4 5,0 2.3 17,8 16,1 14,7 2.1 - 2,0
10,0 1,7
Oficiais superiores (7) 42,6 4,2 14,9 - 11.0 15,4
T A B E L A 121
PREÇOS DE
ESCRAVOS LIBERTADOS (EM MIL REIS)
HOMENS
MUI HERES
IWU5
MF.N INAS
Nü.MFRO PREÇO NÚMERO PREÇO NUMERO PREÇO N0MF.RO PRFÍT»
1S19-1820 59 214 104 151 11 33 12 36
1825-1826 77 207 153 170 18 63 12 50
1829-1830 70 266 102 197 4 34 10 100
1835-1836 102 292 179 249 27 52 17 47
1839-1840 158 483 194 368 15 108 18 109
1845-1846 156 558 210 417 8 114 15 80
1S49-1850 161 543 210 407 26 134 19 150
1855-1856 199 874 214 695 16 233 25 222
1859-1860 184 1.261 217 1.004 29 294 56 346
1865-1866 170 1.165 280 887 29 267 35 212
TABELA 1 2 2
INVENTÁRIOS POSTMORTEMS ESCRAVOS, 1801-1889
tes d e S a l v a d o r ela c e r t a m e n t e d e c r e s c e u : o s i n v e n t á r i o s m o s t r a m q u e m e n o r n ú m e r o
de baianos passou a possuir m e n o r n ú m e r o de escravos.
A partir d a d é c a d a d e 1 8 7 0 o s e s c r a v o s figuram e m m e n o s d e m e t a d e dos inven-
tários. P r o f i s s i o n a i s l i b e r a i s , p a d r e s e a l t o s f u n c i o n á r i o s j á n ã o o s t i n h a m p a r a o serviço
d o m é s t i c o . O q u e restava c o m o e s c r a v o s d o m é s t i c o s e r a m m u l h e r e s i d o s a s , conserva-
das e m casa p o r c o m i s e r a ç ã o o u c o s t u m e . S ó p r o p r i e t á r i o s a g r í c o l a s , s e n h o r e s de
e n g e n h o , a l g u n s n e g o c i a n t e s e c o m e r c i a n t e s c o n t i n u a v a m a ter g r a n d e n ú m e r o de
escravos, p o r vezes m a i s d e v i n t e , e m geral t r a b a l h a n d o e m p l a n t a ç õ e s o u c o m o auxi-
liares d e c o m é r c i o . O p r e s t í g i o a n t e s a s s o c i a d o à p o s s e d e e s c r a v o s e s f u m a v a - s e : passa-
va a t é a ser de b o m t o m n ã o o s p o s s u i r , r e c o r r e n d o a e m p r e g a d o s d o m é s t i c o s assala-
riados o u s i m p l e s m e n t e a o s a g r e g a d o s e a g r e g a d a s q u e p o v o a v a m as casas abastadas.
Q u a n t o aos o u t r o s c o m p o n e n t e s das f o r t u n a s b a i a n a s , d e v e - s e n o t a r u m a q u e d a
das dívidas e m a t i v o . N a v e r d a d e , n o s i n v e n t á r i o s d o s c o m e r c i a n t e s , esse e l e m e n t o ,
q u e j á era f o r t e a n t e s d e 1 8 5 0 ( 3 7 > 7 % ) , t o r n o u - s e a i n d a m a i o r a p a r t i r d e m e a d o s do
s é c u l o , c h e g a n d o a 4 6 , 6 % . E n t r e o s n e g o c i a n t e s , e n t r e t a n t o , o c o r r e u u m a n í t i d a redu-
ç ã o , passando esse t i p o d e ' h a v e r p r o b l e m á t i c o ' d e 3 5 , 8 % a 1 5 % d a f o r t u n a total.
I n t e r r o m p o aqui estas análises fundadas e m dados b r u t o s . S e r i a p o r c e r t o interessan-
te t e n t a r c o m p r e e n d e r o q u e r e p r e s e n t a v a m as dívidas e m passivo para c a d a categoria
s ó c i o - e c o n ô m i c a . As tabelas 1 2 3 e 1 2 4 , q u e o b e d e c e m ao c o r t e d o p e r í o d o e m 1 8 5 0 ,
d ã o o n u m e r o de i n v e n t á r i o s ( N ) , o p e r c e n t u a l d o s q u e t ê m dívidas e m passivo ( % N ) ,
o percentual d o passivo de c a d a c a t e g o r i a s o b r e o m o n t a n t e d o passivo n o período, o
percentual d o passivo s o b r e o m o n t a n t e da f o r t u n a d e c a d a c a t e g o r i a s ó c i o - e c o n ô m i c a
e o p e r c e n t u a l das dívidas e m ativo s o b r e o total d a f o r t u n a de c a d a categoria.
N e n h u m a categoria s ó c i o - e c o n ô m i c a escapava a o e n d i v i d a m e n t o , q u e era m a i o r
o u m e n o r s e g u n d o o p e r í o d o d o século e a c a t e g o r i a c o n s i d e r a d o s . G l o b a l m e n t e ,
p o r é m , o e n d i v i d a m e n t o quase d o b r o u na segunda m e t a d e d o s é c u l o : 1 4 , 5 % c o n t r a
Í f W ^ - O D i N H O R o D O S BAIANOS
639
TABELA 123
-, W U . - i o
CATECOMAS N % N % PASSIVO
% PASsr/o/ToT.íx % ATTVO^TfTTl*
- " 1 'J i A I ,
Negociantes 27 48,1
-
15,6 5,2 35,8
-
Industriais 1 100,0
1,7 8,1
Profissionais liberais 4 73,5 1,0 4,7 10,5
Senhores de engenho 7 42,8 18,4 8,8 20,5
Renóftas 86 39,5 17,7 4,7 21,8
Donos de barcos 5 80,0 5,5 42,1 35,8
Comerciantes 34 54,0 5,9 5,0 37,7
Proprietários agrícolas 37 62,1 11,7 12,3 15,3
Padres 8 12,5
- 0,6 14,9
Fucdonirk» 5 100,0 1,6 10,9 22,8
Ofkiais subalternos 4 100,0 10,2 36,8 21,0
Ofkiais superiores 11 72,7 1,0 8,6 25,5
Artesãos 14 50,0 2,3 36,8 7,6
Sem ocupação 142 31,7 10,0 12,4 6,3
Marítimos 5 60,0 0,2 4,5 6,7
(*) Total da* dividas cm passivo = 3 5 6 : 9 3 1 de réis; total das dívidas em ativo = 1 . 0 9 1 : 8 3 3 de réis,
TAB ELA 1 2 4
Negociantes 8 1 7 4 , 0 3 5 . 4 1 4 * 6 1 5
' °
Industriais 1 2 6 6 , 7 3 , 4 1 3 , 2 7 , 4
Profissionais liberais 1 5 7 3 , 3 6 , 8 2 0 , 4 6 , 8
Senhores de engenho 1 0 1 0 0 , 0 3 , 0 J * J 6 , 9
Rentistas 2 2 4 5 1 , 3 2 3 , 7 Í F ¿
Dono* de barcos 1 1 0 0 , 0 2 , 5
0,0
4 6 , 6
^merciantet 3 9 7 4 , 3 1 3 , 3 3 9 . 0
Propriedades agrícolas 4 1
Padres 1 5
Funcionário*
OFICIAI* SUBALTERNO*
OFICIAIS SUPERIORES
ARTESÃOS 1 8 5 5 , 5 "
SEM OCUPAÇÃO 2 3 6
RNAIOF F O R T U N A , REFERIDA O O T E X T O .
MO BAHIA, SÉCULO X I X
<» * * - p t o p t i c i i ñ o s . ; n L : ~ x ^ r 20
- 4v
média, a l c a n ç a v a m 1 8 , 3 % d o toral. E m s i t u a d o « n . P
* q u c
' c m
TABELA 125
1801-1850- 1851-1889"
TAMANHO DAS FORTUNAS*
7 12
até 1:000
1:100 a 2:000 1 * *
9
2:100 a ) 0:000
2 1 0
10:100 a 50:000
2
50:100 a 200:000
,
K a~ . n.nnn , 5 0 : 0 0 0 de réi.s. Entre dez mventános n e s s a v
se situava na faixa dos 1 0 : 0 0 0 a 5 0 : 0 0 0 cie reis. ciure
:
» • ^ ^ ^ comerciantes
sete fornecem informações precisas: três pertenciam a agr.cu to , ^
(dois quitandeiros e uma padeira) e o sétimo a um farmacêutico-
desses inventários era 1 7 : 0 0 0 de réis.
642 BAHIA, SÉCULO X I X
P o u c o n u m e r o s o s n o c o n j u n t o , o s i n v e n t á r i o s c o m s a l d o n e g a t i v o t ê m uma
f r e q ü ê n c i a q u e d e i x a c l a r o q u e o s b a i a n o s p o u c o o u m e d i a n a m e n t e abastados — cujas
h e r a n ç a s variavam e n t r e a l g u m a s c e n t e n a s d e m i l réis e 1 0 : 0 0 0 d e réis — estavam mais
expostos a esse revés. E n ã o se p o d e a t r i b u i r tal d e s f e c h o a m á g e s t ã o : q u a n d o a fortuna
era m o d e s t a , o s b e n s e r a m n e c e s s a r i a m e n t e p o u c o d i v e r s i f i c a d o s e m u i t a s vezes insu-
ficientes p a r a assegurar o s u s t e n t o de u m a f a m í l i a o u m e s m o de u m a pessoa.
A raiz d o p r o b l e m a está, a n t e s , n u m e s t i l o d e v i d a . O s b a i a n o s dessas faixas de
f o r t u n a viviam s e m se p r e o c u p a r m u i t o c o m o a m a n h ã , c o n t r a i n d o dívidas freqüentes
e e m p r e s t a n d o d i n h e i r o c o m p r o d i g a l i d a d e . P o r m o d e s t o s q u e fossem os bens, eles
situavam o p r o p r i e t á r i o a c i m a dos q u e n a d a t i n h a m . B a s t a v a e n t ã o u m a doença para
q u e as dívidas se m u l t i p l i c a s s e m , c o m as despesas d e m é d i c o e f a r m á c i a . Aliás, dívidas
de ú l t i m a h o r a c o n s t a m d e 6 6 % desses i n v e n t á r i o s , a o passo q u e n o s d e faixas de maior
f o r t u n a , s e m registro de o u t r a s dívidas, n ã o p e s a m t a n t o .
RIQUEZAS E POBREZAS
" ™ é S
' ^ * — - t a m e n c o . Kr, membro
da A s s o c i a ç ã o ( o m e r e u l d a B a h í a e a c o n i s t a d o , p r i n c i p a i s b a n c o , da cidade. T i n h a
também .polices do [«ouro da P r o v í n c i a e d o g o v e r n o centra!. Q u a n d o de sua
morte, ,i encerrara set, p r ó p n o n e g ó c i o , p o i s n ã o c o n s t a d o inventário n e n h u m a
avaliação d c seus b e n s m o v e s , E r a p o i s u m m e r o capitalista", designação c o m u m e n t e
conferida a esses « - c o m e r c i a n t e s q u e p e r m a n e c i a m ligados aos n e g ó c i o s , fosse pela
p a n k i p a ç i o c m o u t r a s s o c i e d a d e s c o m e r c i a i s , fosse investindo seu dinheiro em empreen-
d i m e n t o s b a n c á r i o s o u i n d u s t r i a i s . A f o r t u n a d c M i g u e l Ferreira Dias dos Santos —
uma grande fortuna baiana típica — t i n h a a s e g u i n t e c o m p o s i ç ã o : imóveis ( 1 6 7 : 3 3 8
d c râs), a ç õ e s b a n c á r i a s ( 1 7 4 : 7 1 0 d e r é i s ) , a ç õ e s de c o m p a n h i a s de seguro ( 1 : 1 6 0 de
réis), a ç õ e s d e c o m p a n h i a s c o m e r c i a i s ( 6 2 : 1 2 0 d c r é i s ) , apólices d o g o v e r n o provincia]
( 1 0 : 3 0 0 de r é i s ) , a p ó l i c e s d o g o v e r n o c e n t r a l ( 1 0 1 : 6 0 0 de réis), d i n h e i r o em conta
c o r r e n t e em b a n c o (30:679 de r é i s ) , d i n h e i r o d c u m a h i p o t e c a ( 5 3 : 5 5 3 de réis),
d i n h e i r o l í q u i d o e n c o n t r a d o n a casa ( 1 3 : 4 0 0 d c r é i s ) , d i n h e i r o entregue aos herdeiros
( 1 0 0 : 0 0 0 d e r é i s ) , m ó v e i s ( 3 3 3 . 0 0 0 r é i s ) , b a i x e l a ( 6 0 3 . 0 0 0 réis), talheres em prata
( 1 3 5 . 0 0 0 r é i s ) , u m par d c c a s t i ç a i s ( 5 5 . 0 0 0 réis) e jóias cm o u r o ( 2 6 1 . 0 0 0 réis).
U m a s ó l i d a f o r t u n a , p o r c e r t o , q u e perfazia o total de 7 1 6 : 2 4 7 de réis. M a s o
n e g o c i a n t e d e i x o u d í v i d a s . A l g u m a s , c o n t r a í d a s j u n t o a c o m e r c i a n t e s c o m que o
i n v e n t a r i a d o fizera n e g ó c i o s , e r a m p o n d e r á v e i s , s o m a n d o 8 8 : 8 8 9 dc réis; as outras,
c o n t r a í d a s j u n t o a m e m b r o s d a f a m í l i a — c u n h a d o s , c u n h a d a s e prima — , montavam
a 4 7 : 2 4 5 d c réis. Esses 1 3 6 : 1 3 4 de réis d c dívidas p o d i a m ser f a c i l m e n t e cobertos por
um a t i v o 5 , 5 vezes m a i o r , c seus dez filhos, dos q u a i s apenas um m e n o r , herdaram
5 8 : 0 0 0 d c réis c a d a um. 3 6
m u d a m o s d e m e i o s o c i a l e de faixa de f o r t u n a O
C o m B e n t o J o s é de A l m e i d a r e e n c o n t r a m o s u m g r a n d e negociante. Português de
n a s c i m e n t o , da região d o P o r t o , t i n h a 7 2 a n o s e m 1 8 5 6 , q u a n d o escreveu seu testa-
m e n t o , p o u c o a n t e s de m o r r e r . E r a s ó c i o d o i r m ã o , J o s é P i n t o Rodrigues da Costa
era este o n o m e de f a m í l i a d o pai, e n ã o se sabe p o r que B e n t o J o s é se tra
™ ™2 or
A estes l e g a d o s p r o f a n o s a c r e s c e n t a v a m - s e o s p i e d o s o s : 1 : 0 0 0 d e réis a o C o l é g i o
dos Ó r f ã o s d e S ã o J o a q u i m , 5 0 0 . 0 0 0 réis a o C o l é g i o d o s Ó r f ã o s d o S a g r a d o C o r a ç ã o
de J e s u s , 1 : 0 0 0 d e réis à S a n t a C a s a d e M i s e r i c ó r d i a , 1 : 0 0 0 d e réis à I r m a n d a d e do
S a n t o S a c r a m e n t o d a I g r e j a d a C o n c e i ç ã o d a P r a i a , 1 : 0 0 0 d e réis à V e n e r á v e l O r d e m
T e r c e i r a de S ã o D o m i n g o s , 5 0 0 . 0 0 0 réis à I g r e j a M a t r i z d e N . S r a . d e B r o t a s , 1 : 6 0 0
de réis para o d o t e de q u a t r o m o ç a s p o b r e s e h o n e s t a s e , finalmente, 1 2 0 . 0 0 0 réis para
o s p o b r e s d o C o n v e n t o d e S ã o F r a n c i s c o , p e r f a z e n d o u m t o t a l de 6 : 7 2 0 de réis.
O restante d a t e r ç a de q u e p o d i a d i s p o r — 7 6 : 7 0 6 de réis — d e v i a ser distri-
b u í d o a seus i r m ã o s q u e v i v i a m e m P o r t u g a l . 4 3
T o d o m u n d o r e c e b e r i a a sua parte,
portanto, da fortuna que D e u s permitira J o s é B e n t o a c u m u l a r : filhos naturais, em
p r i m e i r o lugar, d e p o i s i r m ã o s , p r i m o s e s o b r i n h o s , n ã o p o r q u e estes estivessem em
dificuldades, mas p o r q u e assim g u a r d a r i a m viva a l e m b r a n ç a d o f a l e c i d o e os laços de
família se e s t r e i t a r i a m . N ã o f o r a m e s q u e c i d o s o s q u e t i n h a m t r a b a l h a d o o u ainda
trabalhavam para o sucesso d o s n e g ó c i o s d o finado: g e s t o d e r e c o n h e c i m e n t o e, ao
m e s m o t e m p o , f o r m a de r e f o r ç a r o s laços d e fidelidade q u e d e v i a m u n i r patrões e
e m p r e g a d o s . E m seguida v i n h a m o s a f i l h a d o s , n u m e r o s o s , p o r q u e J o s é B e n t o já não
se lembrava d o n o m e de b o m n ú m e r o deles ( t o d o b a i a n o , rico o u p o b r e , tinha afi-
lhados, m a n e i r a de a m p l i a r as relações sociais e a c l i e n t e l a p r o n t a a servir e a ser útil.
mas que i m p u n h a t a m b é m deveres). P o r fim, expressou sua gratidão aos escravos que
o t i n h a m servido, c o n t e m p l a n d o inclusive os filhos deles. Pediu às ex-escravas que
permanecessem fiéis a seus filhos naturais e os V i s i t a s s e m ' s e m p r e , pois sabia que tal
pedido teria ressonância e q u e tais visitas seriam ocasiões sempre renovadas de trocas
dc serviços.
Í^ i L-iL
C Vq D
« » BAIANOS 647
toda uma clientela, cuja existência era prova de sua riqueza e dela dependia. rc
64$ BAHIA, SÉCULO X I X
v i c i o s o p a r a q u e m n ã o c o n s e g u i a m a n t e r u m a f o r t u n a , p o r q u e na B a h i a ninguém
gostava de n e g a r u m p e d i d o , d e i x a r de s o c o r r e r a u m p o b r e , r e n u n c i a r a seus hábitos
C o m o p e r m a n e c e r r i c o o u c o m o e s c a p a r d a p o b r e z a : e r a m estes o s problemas
c r u c i a i s q u e se c o l o c a v a m p a r a o s b a i a n o s , c o m m u i t o p o u c a s e x c e ç õ e s , a julgar pela
análise das f o r t u n a s . E r a m instáveis e frágeis o s b e n s a d q u i r i d o s , e h a v i a dificuldades
para a d q u i r i - l o s . V e n c e r e m a n t e r a p o s i ç ã o e x i g i a m iguais e s f o r ç o s de fidelidade aos
c o m p r o m i s s o s , à c l i e n t e l a , à f a m í l i a . O E s t a d o j á n ã o s a b i a r e c r u t a r seus servidores sem
u m a r e c o m e n d a ç ã o , o c l i e n t e n ã o t i n h a c o r a g e m d e m u d a r seus h á b i t o s c o m e r c i a i s . A
i m a g i n a ç ã o se refugiava e m u n s p o u c o s h o m e n s e m u l h e r e s q u e , e m b o r a preservando
o s l a ç o s t e c i d o s p e l a v i d a a s s o c i a t i v a o u d e f a m í l i a , o u s a v a m n o v a s a v e n t u r a s . Estes
passavam d a p o b r e z a à a b a s t a n ç a , e r a m r e c o n h e c i d o s c o m o r i c o s e c o m e ç a v a m a
d a n ç a r n a c o r d a b a m b a q u e e r a s e m p r e , p a r a os b a i a n o s , a p o s s e de u m a f o r t u n a : por
real e s u b s t a n c i o s a q u e f o s s e , n u n c a e r a s e g u r a .
N a B a h i a , r i q u e z a s e p o b r e z a s se p e r d i a m e se g a n h a v a m , m e s m o q u e o declínio de
q u e m e m p o b r e c e s s e p o r f o r ç a d e d í v i d a s , d e m á g e s t ã o d o p a t r i m ô n i o o u excesso de
filhos p a r a c r i a r p u d e s s e se m a n t e r n ã o s ó i n c o m p r e e n s í v e l c o m o invisível para o meio
social. Passar p o r r i c o n ã o e r a ser r i c o : e r a m u i t a s vezes t e r s i d o , o u ser parente de
q u e m j á t i n h a s i d o . U m a f a m í l i a e m p o b r e c i d a p o d i a c o r t a r n a c a r n e para ajudar seus
p o b r e s , n ã o p o r o s t e n t a ç ã o , m a s p o r o b r i g a ç ã o m o r a l , p o r h á b i t o , p o r verdadeira
p i e d a d e . E , m e s m o e m p o b r e c i d a , o b t i n h a f a c i l m e n t e p a t e n t e s n o E x é r c i t o o u postos
n o serviço p ú b l i c o q u e l h e p e r m i t i a m , m a l o u b e m , s o b r e v i v e r . C o n t i n u a v a a passar
p o r rica, c o m a c u m p l i c i d a d e d e t o d o o m e i o s o c i a l .
Esta d i f i c u l d a d e q u e h a v i a e m c o n s e r v a r u m a f o r t u n a n a B a h i a devia-se sem
dúvida ao c r e s c e n t e e s m o r e c i m e n t o d a c o m b a t i v i d a d e , presa nas m a l h a s das redes e
dos laços q u e a j u d a v a m t a n t o s p o b r e s a s o b r e v i v e r . P o r q u e t a n t o s alforriados conse-
g u i a m fazer fortuna? P o r c e r t o p o r q u e e r a m c o r a j o s o s , o b s t i n a d o s , h u m i l d e s e eficazes.
T i n h a m s a b i d o lutar p o r sua l i b e r d a d e , c o n t i n u a v a m l u t a n d o e m suas vidinhas modes-
tas. Alguns c o n s e g u i a m v e n c e r o u p r o m o v e r o s filhos. A s o c i e d a d e baiana era a um só
t e m p o a b e r t a e fechada, a riqueza e a a s c e n s ã o social e r a m i n t e i r a m e n t e possíveis n o
século X I X . M a s era t a m b é m u m a s o c i e d a d e q u e p o d i a f a c i l m e n t e embalar seus filhos
n o c o n f o r t o das redes de ajuda m ú t u a . F i n a l m e n t e , t u d o o q u e o estudo qualitativo das
hierarquias sociais baianas revelara e n c o n t r o u c o n f i r m a ç ã o em m i n h a s tentativas de
estudo q u a n t i t a t i v o das f o r t u n a s q u e , ao m o r r e r , os baianos deixavam; gente que, para
além da m o r t e , tentava d o l o r o s a m e n t e c o n t i n u a r h u m i l d e perante D e u s e os homens,
honesta, pagando todas as suas dívidas, fiel para c o m todos os q u e souberam amá-la e
dar-lhe uma segurança e u m r e c o n h e c i m e n t o social, q u e consideravam o bem supremo.
N a medida em q u e f u n c i o n o u b e m , o sistema a c a b o u p o r se esclerosar, se cris-
talizar. S u a flexibilidade se converteu c m rigidez, seus equilíbrios se transformaram
em falta de a m b i ç ã o , c o m o b e m o d e m o n s t r a a comparação entre o desenvolvimen-
to de outras províncias brasileiras e o marasmo em q u e , lentamente, mergulhou, no
século X I X , a opulenta B a h i a do século X V I I I .
CONCLUSÃO
entanto, 2/3 deviam ficar sem cultivo - era mais uma ilusão, que
649
6M> BAHIA, SÉCLTO X I X
o s p r o p r i e t á r i o s , c o m o t e m p o , c p o r e f e i t o das p a r t i l h a s , se v i a m d e s t i t u í d o s de
e x t e n s õ e s d e terra s u f i c i e n t e s pa?a a u m e n t a r sua p r o d u t i v i d a d e .
A glória de q u e t o d o s e n h o r d e e n g e n h o se via i n c o n d i c i o n a l m e n t e aureolado
o c u l t a v a seu e m p o b r e c i m e n t o . A p r o d u ç ã o d o a ç ú c a r era de f a t o gerida pelos nego-
c i a n t e s , q u e a f i n a n c i a v a m , e m f a c e d a i n c i p i é n e i a e i n o p e r â n c i a das i n s t i t u i ç õ e s de
crédito.
N ã o o b s t a n t e , a t é o final d o s é c u l o a B a h i a o c u p o u u m l u g a r d e d e s t a q u e e n t r e as
p r o v í n c i a s b r a s i l e i r a s , t a n t o p o r seus p o l í t i c o s e r e l i g i o s o s c o m o pela i m p o r t â n c i a de
suas o p e r a ç õ e s c o m e r c i a i s o u pela i n i c i a t i v a de a l g u n s e s p í r i t o s e m p r e e n d e d o r e s , deci-
didos a c o n s t r u i r p o r t o s e vias d e c o m u n i c a ç ã o , a i m p l a n t a r f á b r i c a s o u i n s t i t u i ç õ e s de
crédito. É verdade q u e p o u c o s c o n s e g u i r a m e n c o n t r a r o a p o i o necessário, tanto no Rio
de J a n e i r o c o m o , p r i n c i p a l m e n t e , n a p r ó p r i a B a h i a , o n d e o m e r c a d o o l i g o p ó l i c o e
o l i g o p s ô n i c o s u f o c a v a os e m p r e e n d i m e n t o s i n d i v i d u a i s .
D e f a t o , à i m a g e m d e seus h a b i t a n t e s , o m e r c a d o d e S a l v a d o r era escravo de sua
o r g a n i z a ç ã o h i e r á r q u i c a d e t i p o a s s o c i a t i v o , e m q u e o s n e g o c i a n t e s estrangeiros —
s o b r e t u d o ingleses — d o m i n a v a m as i m p o r t a ç õ e s e as e x p o r t a ç õ e s e e m q u e os c o m e r -
c i a n t e s b r a s i l e i r o s e p o r t u g u e s e s d i s t r i b u í a m as m e r c a d o r i a s e financiavam as ativida-
des agrícolas. F o r m a v a m u m a elite d e r i c o s m u i t o p r u d e n t e s , q u e i n v e s t i a m quase
u n i c a m e n t e e m i m ó v e i s e v a l o r e s s e g u r o s , s e m c o g i t a r d e a t i v i d a d e s n o v a s e arriscadas.
O g o s t o pela a s s o c i a ç ã o , a n e c e s s i d a d e d e se i n s e r i r n u m a o r g a n i z a ç ã o tutelar
m a r c a v a t o d o s os b a i a n o s . E r a o s e g r e d o das e s t r a t é g i a s m a t r i m o n i a i s e d a vida cotidia-
n a , e m f a m í l i a o u n o t r a b a l h o . N e s s e q u a d r o , a I g r e j a d e s e m p e n h o u , desde o século
X V I , papel n ã o n e g l i g e n c i á v e l , a u x i l i a n d o o p o d e r p o l í t i c o a e n q u a d r a r seu pessoal em
confrarias e p a r ó q u i a s e e m p e n h a n d o t o d o o s e u p r e s t í g i o n a p r e s e r v a ç ã o da paz social.
N ã o p o d i a , aliás, t e r s i d o d i f e r e n t e , n u m a é p o c a e m q u e , n o m u n d o t o d o , a própria
Igreja C a t ó l i c a associava o p o d e r a o a l t a r .
E n r e d a d o , c o m o os fiéis, n a t r a m a d e u m t e c i d o s o c i a l i m p r e g n a d o de heranças
religiosas portuguesas, a f r i c a n a s e i n d í g e n a s , o c l e r o b r a s i l e i r o teve o g r a n d e mérito
de não abafar a religiosidade de suas o v e l h a s . M a s as a s s o c i a ç õ e s e f o r m a s de organi-
zação q u e propôs n e m s e m p r e e r a m p r o p í c i a s a o e n s i n a m e n t o d a d o u t r i n a . A fé dava
livre curso a práticas m u i t a s vezes i m p r e g n a d a s de s u p e r s t i ç õ e s : práticas individuais e
coletivas q u e c o a d u n a v a m m u i t o b e m c o m o c l i m a associativo tão característico da
sociedade baiana. A tal p o n t o q u e , q u a n d o a Igreja quis g a n h a r qualidade, romani-
z á n d o l e , c o n s t a t o u q u e criara u m n o v o padre, a l h e i o a seu p o v o , distante dele, não
mais depositário de sua c o n f i a n ç a . M a s o padre c o n t i n u o u a servir fielmente à Igreja
c o m o o f u n c i o n á r i o p ú b l i c o servia ao E s t a d o ; c o m o este, era u m a mera peça dessa
engrenagem q u e enquadrava os cidadãos.
E r a o Estado, sem dúvida, q u e auferia g a n h o s imediatos de toda essa rede de
supervisão e c o n t r o l e : o c o b i ç a d o ingresso na G u a r d a N a c i o n a l , a almejada inscrição
nas listas eleitorais, a corrida aos títulos e c o n d e c o r a ç õ e s balizavam o percurso das
ascensões individuas. Elas eram b e m - v i n d a s . O ingresso na carreira pública — que
651
A h i s t ó r i a d e s s a P r o v í n c i a d o n o v o I m p é r i o b r a s i l e i r o é, n o século X I X , u m a
h i s t ó r i a d e r i c o s . N a B a h i a , o s p o b r e s e r a m a f o r t u n a d o s . N ã o p o r q u e tivessem no
b o l s o c o m q u e c o m p r a r s u p é r f l u o s ; à m a i o r i a , f a l t a v a m m e s m o os ' c o b r e s ' para o
necessário. Eram r i c o s , p o r é m , d a s e g u r a n ç a q u e l h e s c o n f e r i a m relações sociais
a r c a i z a n t e s , o r i u n d a s d o s i s t e m a e s c r a v i s t a e c o n s e r v a d a s p o r t o d a u m a sociedade presa
de suas p r ó p r i a s a r m a d i l h a s .
P o r t o d a s essas r a z õ e s , e s t e e s t u d o d a B a h i a é, a n t e s de t u d o , u m a história social,
a h i s t ó r i a d e u m t e m p o q u e p r e c e d e e e x p l i c a u m a d e c a d ê n c i a só efetivamente cons-
t a t a d a n o s a n o s 1 9 2 0 . O s é c u l o X I X b a i a n o , j u s t a m e n t e p o r q u e nele se preservaram
c e r t o s e q u i l í b r i o s , f o i a i n d a u m s é c u l o d e g l ó r i a . M u i t o l e n t a m e n t e , e sem maiores
choques, a partir dos anos 1860 n o s s a P r o v í n c i a foi d e s a p r e n d e n d o as necessárias
adaptações e c o n ô m i c a s i m p o s t a s pelo m u n d o que a cercava.
F o i u m m o v i m e n t o l e n t o , m u i t o l e n t o . U m m o v i m e n t o a o m e s m o t e m p o freado
e a c o m p a n h a d o , s u s t e n t a d o e e x p l i c a d o , pelas e x p e c t a t i v a s e os c o m p o r t a m e n t o s de
t o d o u m p o v o q u e se c o m p r a z i a , e a i n d a se c o m p r a z , e m p e r p e t u a r certas atitudes.
N ã o s e n t e o p e s o d e c e r t o s j u g o s , o c u p a d o q u e e s t á e m m a q u i n a r estratégias em suas
r e l a ç õ e s s o c i a i s , q u e s ã o a v i a real p a r a o b t e r e s t i m a e a p o i o sociais.
T e n t e i d e s c r e v e r essas e s t r a t é g i a s , m a s c a b e - m e r e c o n h e c e r , c o m h u m i l d a d e , que
a p e n a s c o m e ç o a c o m p r e e n d e r essa s o c i e d a d e , o n d e os h u m i l d e s e os pobres de
e s p í r i t o ' s ã o t a n t o s q u e suas v o z e s d e v e r i a m a b a f a r a d o s gloriosos e dos eloquentes.
NOTAS
NOTAS DA I N T R O D U Ç Ã O
2. Idem, i b i d e m , p . 6 .
4. Idem, ibidem, p. 3 8 1 - 3 9 0 .
5. I d e m , i b i d e m , p . 2 7 0 - 2 7 1 .
653
BAHIA, SÉCULO XIX
21. Johildo Lopes de Athayde, La ville de Salvador au XIX siècle. Aspects démographiques (daprès
e
22. Essa documentação estatística, essencialmente composta de dados relativos aos intercâm-
bios comerciais e à navegação nos anos de 1 8 5 0 - 1 8 8 9 , está incrementada por numerosas
variáveis para o período dito republicano ( 1 8 9 0 - 1 9 7 8 ) .
23- Catherine Lugar, The Merchant Community of Salvador, Bahia y 1780-1830.
24. Os métodos utilizados para a elaboração dessas séries estão indicados no decorrer deste
trabalho, no próprio texto ou em notas.
25. Destaco especialmente os livros Bahia: a cidade do Salvador e seu mercado no século XIXe
Ser escravo no Brasil.
NOTAS DO CAPÍTULO 1
1. Sobre os problemas dos limites administrativos, cf. Livro II, capítulo 7. As fronteiras da
cidade correspondem àquelas do antigo 'termo da cidade'. Cf. Katia M. de Queirós
Mattoso, Bahia: a cidade do Salvador e seu mercado no século XIX p. 5 - 8 8 . Aí estão mais
amplamente desenvolvidos alguns dados geográficos mencionados neste capítulo.
2. Eram capitanias gerais: Grão-Pará, Maranhão, Pernambuco, Bahia, Rio, Minas, São Pau-
lo, Rio Grande de São Pedro, Goiás e Mato Grosso. Além delas, tornaram-se províncias
do Império as antigas capitanias subalternas: Rio Negro. Piauí, Ceará, Rio Grande do
Norte, Paraíba, Alagoas, Sergipe dei Rey, Espírito Santo e Santa Catarina. Com a Repu-
blica, transformaram-se cm estados federados as províncias imperiais e o Paraná.
3. Luís Henrique Dias Tavares, História da Bahia, p. 51.
4. Luiz dos Santos Vilhena, A Bahia no século XVIII, v. 2, carta XVI, p. 551-575-
5. Luís Henrique Dias Tavares, História da Bahia, p. 5 1 - 5 8 e 9 5 - 9 6 . F.W.O. Morton, Tfo
Conservative Revolution of Independence: Economy, Society and Politics in Bahia, 1790
1840, mapa p. 412.
655
XOTAS DO CAPÍTULO 2
6. Sobre a participação das tripulações no reabastecimento da cidade, cf. Livro II, capítulo 8.
7. Amade E . B . M o u c h e z , Les cotes du Brésil, p. 4 0 s s .
NOTAS DO CAPÍTULO 3
7. André João Antonil, Cultura e opulência do Brasil por suas minas e drogas, p. 150.
8. Estudos básicos para o projeto agropecuário do Recôncavo, p. 2 6 - 3 5 . Sobre os solos, foram
realizados cinco levantamentos pela Seplantec entre 1945 e 1970. O primeiro em Cruz das
Almas (grande altitude); o segundo em Itaparica (região marítima); o terceiro em Santo
Antônio de Jesus (no limite do Recôncavo); o quarto em Salvador; o quinto em São
Francisco do Conde, sobre o qual nos detivemos porque o município é exemplar, dada a
sua situação geográfica.
9. Certas reflexões deste parágrafo me foram sugeridas oralmente pelo Sr. Perraud, pedólogo
do Office de Recherches Scientifiques et Techniques d'Outre-Mer, hoje Institut Français
de Recherches Scientifiques pour le Développement en Coopération.
10. Luiz dos Santos Vilhena dá uma descrição magnífica do massapé em A Bahia no século
XVIII, v. l , p . 175.
11. Cf. o exemplo de Iguapé, no Livro VT, capítulo 25, consagrado às estruturas econômicas.
NOTAS DO CAPÍTULO 4
, n, B r M i l m l m U A S u f m m 0 i r u J a H i I m
d a d o a Dio
Alvares por seus amigos índios - citemos Artur Neiva "Dkiel
franceses"; Serafim Leite, ^ C ^ ^ ? ° ° f A vares Caramuru c os
tiJ!ZZ^?££ * ^ '*
o w / W
2
' p 88-Tl7a d C Q U C Í f Ó S M a t t O S
°' * adade d
° Salmd0r
' SeU mercad
° » W
19. Smart B. Schwartz, Burocracia e sociedade no Brasil colonial, David G. Smith, The Mercantile
Class of Portugal and Brazil in the Seventecnth Century: A Socio-Economie Study of the
Merchants ofLisbon and Bahia; Anita Novinsky, Cristãos-novos na Bahia.
20. A.J.R. Russel-Wood, Fidalgos and Philanthropists. The Santa Casa de Misericórdia of Bahia,
1550-1755; R.J.D. Flory, Bahian Society in the Mid-Colonial Period; buzan A. Soeiro,
A Barroque Nunncry.
21. Nestor Goulart Reis Filho, Evolução urbana do Brasil, J500-1720, p. 7 3 .
22. J.R. Amaral Lapa, A Bahia e a carreira da índia, p. 5 - 9 3 ; Frédéric Mauro, Le Brésil du XV e
colonial 1777-1808, p. 5 7 - 9 2 .
23. Katia M. de Queirós Mattoso, "Des Bahianais comme les autres? 20 Nouveaux Chrétiens
du début du X V I I I siècle", p. 3 1 3 - 3 3 2 .
e
24. Katia M. de Queirós Mattoso, "Pará uma metodologia em história social: a história social
de Salvador no século XIX".
25. Milton Santos, O centro da cidade do Salvador.
NOTAS DO CAPÍTULO 6
1. É interessante notar que existe uma documentação ampla c variada — constituída por
listas nominais, recenseamentos c registros paroquiais — relativa às capitanias de São
Paulo c Minas Gerais. Há cerca de quinze anos cia vem servindo a estudos que têm
ajudado a esclarecer os comportamentos c a dinAmica da população brasileira nos séculos
XVIII e XIX. Citarei os excelentes trabalhos de Maria Luíza Marcílio. La ville de São Paulo,
peuplement et population, 1750-1850 (ed. brasileira: A cidade de São Paulo, povoamento e
população, 1750-1850); Iraci dei Nero da Costa Vila Ri
pulações mineiras. Sobre a estrutura populacional d, I Vf (
"° ( I 7 l 9
~ ^ 2 6 ) e Po-
século XIX; Francisco Vida. Luna, Í/L^ Ä ^ " ^ - - ^ *
populacional e econômica de alguns centros mineratórios (1718 7*Z?v •' f
e Iraci dei Nero da C o s . , Minas colonial: economia e a d ^ ^ T T ^ ^na
tese de doutorado (inédita) de Robert W. Slcncs The Demoli ° SéCU,
° ^ a
notável
S W y , 1850-1888. Demography and Economia ofBrazili,
'ian
2. Johildo Lopes de Athaydc, La ville de Salvador au XIX e
siècle.
3. Cf. Livro I, capítulo 1.
25. Para tornar possível a comparação em um período longo, escolhi como quadro dessa
análise a antiga divisão administrativa da Bahia, tal qual se apresentava no século XVIII,
isto é, repartida em quatro comarcas. Para os anos de 1779 e de 1808, foram excluídas as
capitanias de Sergipe dei Rey e do Espírito Santo, que se tornaram independentes depois
de 1820. Em compensação, não houve meio de incluir, para 1779 e 1808, os dados
relativos ao território pertencente à antiga Capitania de Pernambuco, anexado pela Bahia
na época da Independência. Todavia, a falta de dados sobre esse território, situado na área
' do São Francisco, não deve alterar muito o quadro geral referente à população da Bahia,
pois tratava-se de terras com povoamento escasso. A comarca da Bahia, nos anos de 1872
e de 1890, abrangia os municípios de Salvador e do Recôncavo, de povoamento antigo, e
as comunidades situadas ao norte da cidade (na maioria, antigos aldeamentos indígenas,
anexados a partir de meados do século XVIII pela administração laica). A comarca de
Jacobina compreendia todo o território situado no centro-oeste, no norte, no extremo
norte e no extremo oeste, que correspondia às terras do interior da Capitania, tornada
província em 1822 e estado em 1890. A comarca de Ilhéus compreendia os municípios da
região chamada de Recôncavo Sul e de uma parte do Litoral Sul: Marau, Barra do Rio das
Contas, Barcelos, Ilhéus, Olivença, Una, Canavieiras, Belmonte, Santa Cruz (1872 e
1890). A Comarca de Porto Seguro compreendia os municípios restantes do Litoral Sul:
Porto Seguro, Vila Verde, Trancoso, Caravelas, Prado, Alcobaça, Viçosa, Porto Alegre
(1872 e 1890). Registre-se ainda que o estudo dos fenômenos demográficos contemporâ-
neos se faz, em grande medida, graças à combinação de dados extraídos do registro civil e
daqueles fornecidos pelos recenseamentos: natalidade, nupcialidade, fecundidade, morta-
lidade. Os recenseamentos com que aqui lidamos não fornecem esses dados. Fica difícil
calcular as taxas de crescimento natural da população baiana, pois não é possível obter as
taxas de natalidade e de mortalidade dessa população. Por outro lado, não se conhecem as
migrações líquidas da Bahia nesse mesmo período, o que confere à análise aqui proposta
um cunho precário.
26. Foram de seca os anos de 1809, 1810, 1816, 1817, 1824, 1825, 1830, 1831, 1832, 1844,
1845, 1857, 1858, 1859, 1860, 1868, 1869, 1870, 1877, 1878, 1882, 1884, 1885, 1888
c 1889. De pluviosidade anormal, foram 1813, 1833, 1843, 1852, 1861, 1862, 1865,
1872, 1873, 1879 e 1880. Séries estabelecidas a partir de informações colhidas nas seguin-
tes obras: Braz do Amaral, Resenha histórica da Bahia, p. 55 e 67; monsenhor Manoel de
Aquino Barbosa, Efemérides da freguesia de N.S. da Conceição da Praia, v. I, p. 164; Afonso
Ruy de Souza, História política e administrativa da cidade do Salvador, p. 591; Souza Co-
lombo, A seca, sua incidência e medidas para minorar seus efeitos".
M
27. Para 1800, Luiz dos Santos Vilhena, A Bahia no século XVIII v. 2, tabela inserida entre as
páginas 460 e 461. Para 1872, dados do recenseamento de 1872. Para 1890, dados do
recenseamento de 1890.
28. Luiz dos Santos Vilhena, A Bahia no século XVIII, v. 2, p. 4 6 0 - 4 6 1 .
29. Para maiores detalhes, cf. Livro V.
30. Cf. Luiz dos Santos Vilhena, A Bahia no século XVIII, v. 2, p. 4 6 0 - 4 6 1 . Em 1893, Fran-
cisco Vicente Viana escreveu: "A Carta Régia de 8 de maio de 1758 mandava recolher
66!
40. I d e m , i b i d e m , p. 198.
42. Ibidem.
era muito variável: 88 habitantes por km em São Felipe, dois habitantes por km em
2 2
lação diminuía à medida que a costa ficava mais longe. Cf. "Quatro séculos de história da
Bahia".
48. Cf. Livro VI. Para o conjunto de dados acima cf. A inserção da Bahia na evolução nacional
v. 4, p. 1 3 - 1 4 .
NOTAS DO CAPITULO 7
26. Dados coletados por J.I de Athayde e utilizados em Katia M. de Queirós Mattoso &
Johildo Lopes dc Athayde, Ep.dem.as e flutuações de preços na Bahia no século XIX".
p. IS3 —198.
27. Katia M. dc Queirós Mattoso, "Sociedade e conjuntura na Bahia nos anos de luta pela
Independência".
28. Katia M. dc Queirós Mattoso & Johildo Lopes de Athayde, "Epidemias eflutuaçõesde
preços...", p. 1 8 5 - 1 8 6 .
NOTAS do CAPÍTULO 8
10. Sobre o desenvolvimento das estradas dc ferro que modificaram esse quadro, c .
664 BAHIA, SÉCULO X I X
1 3 . Idem, ibidem, p. 5 3 - 6 5 .
14. Maurício Goulart, A escravidão africana do Brasil Pierre Verger, Flux et reflux de la traite
des nègres entre le golfe du Bénin et de Bahia de Todos os Santos du XVII e
au XIXe
siècle,
p. 1 1 4 (ed. brasileira: Fluxo e refluxo do tráfego de escravos entre o golfo de Benin e a Bahia
de todos- os Santos: dos séculos XVII a XIX); Luís V i a n a F i l h o , O negro na Bahia-, Nina
Rodrigues, Os africanos no Brasil
NOTAS DO CAPÍTULO 9
A
™ " * * * * * * «*»1. ,
9. Idem. ibidem, título 7 2 , p. 3 0 4 - 3 1 7
15. Este foi o caso, por exemplo, da família Sodré Pereira, cujo morgadio tinha sido instituído
com bens prediais situados cm Portugal c no Brasil. Um representante do ramo brasileiro,
Jerónimo Sodré Pereira, foi seu último administrador. Mario Torres, "Os Morgados do
Sodré".
19. Autorização que deu, por exemplo, Manuel Frederico Chiappe a sua mulher, Dona Caro-
lina Octavia Ferreira Adães Chiappe, Livro de Notas e Escrituras 343 (1858-1859), fl. 80.
Ou Francisco Gomes Magarão a sua mulher, Maria Francisca Magario, Livro de Notas e
Escrituras 343 ( 1 8 5 8 - 1 8 5 9 ) , fl. 128.
20. Katia M. de Queirós Mattoso, "Párocos e vigários em Salvador no século XIX: as múltiplas
riquezas do clero secular da capital baiana .
21. Daí a facilidade com que foi rejeitada a petição dos filhos naturais de J ^ " " ° e n
p o m | .
Pereira, que exigiam sua inclusão na herança dos bens prediais que, no Brasi c:
gal, tinham constituído o morgadio da família Sodré Pereira. Mano I orres.
dos dos Sodré", p. 3 2 - 3 4 .
NOTAS IX> C A P Í T U L O 10
1 • Katia M. de Queirós MaMoso. Bahia: a cidade do Salvador e seu mercado no século XIX
p. 151-169. O mesmo tema é retomado n o capítulo 30 do LIMO v .
2. Lub Aguiar da Costa Pinto, Lutas de famílias no Brasil, p, 25. / / w l 6 . Pa ra
3. Maria Isaura Pereira dc Queiroz, O mandomsmo ^ ^ . ^ ^ ' " ^ u s ^ f i í h o s legítimos) c
« , a autora, a família patriarcal tinha um centro (o casal branco
BAHIA, SÉCULO XIX
uma periferia mal definida (escravos, agregados, afilhados, concubinas e filhos ilegítimos)
Os ascendentes, irmãos, irmãs e colaterais não são mencionados.
4. A demografia histórica no Brasil deve muito a Maria Luiza Marcílio, verdadeira pioneira
nesse campo de estudos, fundadora e diretora do Cedal da Universidade de São Paulo
Cf. La ville de São Paulo... (ed. brasileira: A cidade de São Paulo...). Como definiu Louis
Henri, "em estatística, a família é formada pelo casal ou o cônjuge sobrevivente e, even
tualmente, os filhos sobreviventes".
5. Entre 1741 e 1845, a freqüência dos batismos de crianças ilegítimas variou entre 10,24%
e 3 1 , 4 9 % , em constante progressão. No mesmo período, em média, 14,8% dos batismos
foram feitos em crianças enjeitadas. Maria Luiza Marcílio, La ville de São Paulo..., p. 183~
184 (ed. brasileira: A cidade de São Paulo...).
7. A autora chama a atenção para o fato de que, nesse trabalho, foi usada uma lista nominativa
de 1765 que não incluía os escravos, nem levava em conta a composição racial das famílias.
Nos lares com apenas um chefe, habitavam um casal com ou sem filhos, viúvo ou viúva
com filhos, esposa com marido ausente, mãe ou pai solteiro, chefe de domicílio e seus
filhos morando com os pais. Nos domicílios com apenas um chefe de família habitavam:
um casal legal com ou sem filhos, viúvo ou viúva com filhos, esposa com marido ausente,
mãe ou pai solteiro, viúvo ou viúva vivendo sozinhos, chefe de domicílio e seus filhos
vivendo com seus irmãos ou irmãs solteiros, chefe de domicílio e seus filhos morando com
os pais, chefe de domicílio e seus filhos morando com dependentes (agregados) solteiros.
Nos domicílios com vários chefes de família habitavam: um ou vários filhos casados
morando com pai ou mãe, um chefe de domicílio morando com a família de seu empre-
gado (feitor), um núcleo principal e outro aparentado, núcleos não aparentados. Nos
domicílios sem chefe, todos eram solteiros sem filhos. Esta última categoria não é precisa,
pois alude a casos muito diferentes, como, entre outros, irmãos e irmãs vivendo sob o
mesmo teto ou escravos alforriados unidos por uma mesma origem étnica. Como se verá
adiante, essa associação sob um mesmo teto era muito freqüente na Bahia do século XIX.
Maria Luiza Marcílio, La ville de São Paulo..., p. 148 (ed. brasileira: A cidade de São
Paulo...).
8. Largamente inspirada nos trabalhos de Peter Laslett ("La famille et le ménage: approches
historiques") e de Jean-Claude Peyronnet ("Famille élargie ou famille nucléaire. L'exemple
limousin du début du X I X siècle"), Iraci dei Nero da Costa, em Vila Rica:população
e
(1719-
1826), distingue quatro categorias de famílias: independentes (família do chefe da casa,
famílias dos filhos do chefe da casa e famílias de parentes do chefe da casa), dependentes
(as dos agregados), escravas c pseudo-famílias (viúvos ou viúvas solitários, viúvos ou viuvas
que vivem com filhos que constituíram família, viúvos ou viúvas dependentes ou escravos
que não constituíram família).
9. A noção de família simples pode ser assimilada à de casal, pois se refere, essencialmente,
ao laço conjugal. Corresponde h expressão atual 'jovem casal*. Cf. Martine Segalen, Soaolope
de la famille, p. 15.
10. Idem, ibidem, p. 15.
11. Circunscrições n° 21 e 22 da Sé, n° 16 de Santo Antônio, n° 1 de São Pedro e n° 10 do Pi-
lar. Existem dados para duas outras circunscrições (a 13 de Santo Antônio e a 20
a
d c a n q ü e n u anos. c w
'«".minos, lemprcdc M U H »
com rnau
Katia M. de Queirós Mattoso, "A carta ,1, u
estudo da rentabilidade da m a o - d e - o b r ^ r a f e ^ J ^ - •
2 5 . Idem, ibidem.
35. Lembremos que o filho ilegítimo permanecia nesta condição se não fosse reconhecido pelo
pai. O bastardo era reconhecido pelo pai (casado ou viúvo) ou a mãe (casada ou viúva)
Segundo os inventários post mortem, cinco das 103 mulheres casadas tiveram filhos natu-
rais antes de casar. Entre 298 homens, dezessete tiveram filhos nas mesmas condições;
cinco viúvas (num total de 65) e quinze viúvos (entre 94) tiveram filhos naturais após a
morte do cônjuge. Lembremos, para constar, que na Europa do século XIX o maior índice
de filhos naturais era o da Baviera (27,3%) e os menores eram os da Bulgária e da Sérvia
(0,2%). Infelizmente, não tenho dados sobre Portugal. A Espanha tinha um índice de
5,9%, mas as estruturas familiais espanholas eram muito diferentes das portuguesas. Cf.
Emmanuel Todd, La troisiémeplanete. Structures familiales et systémes idéologiques, p. 101.
Antônio José também poderia ser afilhada, ou mesmo filha dos to, A \ " """^ d e
52. É significativo que o recenseador tenha anotado o nome de Maria Joaquina dos Passos,
chefe do grupo familiar, sem qualificá-la de 'dona'. Mas a agregada, porque é branca e
Cerqueira (família muito conhecida), foi assim qualificada, apesar de ser mãe solteira. O
tratamento de 'dona' ou de 'senhor' não podia ser dado aos alforriados.
53. Considerei casos particulares três grupos de 'estrutura indeterminada'. Seus membros
tinham laços de parentesco, mas é difícil inseri-los nas categorias que eu quis distinguir. O
primeiro era o grupo de dona Maria dos Prazeres, mulata de 70 anos, mãe solteira de três
filhos: Henriqueta Joana de Nepomuceno (50 anos, mulata, solteira), Maria Constança da
Silva (mulata, mãe solteira de quatro filhos) e Epifânio Francisco Ramos (35 anos, mulato,
escrevente público). Note-se que cada um tinha um sobrenome diferente. No sobrado,
não havia agregados ou escravos, mas vivia em concubinato José Alberto Ramos, 40 anos,
branco, solteiro, escrivão do Tribunal. Impossível saber se havia laço de parentesco entre
os dois grupos, mas o nome Ramos (que não era comum na Salvador de então) pode ser
considerado um indício neste sentido.
Outro grupo complexo era o do italiano Rafael Gastet, 44 anos, solteiro, tintureiro que
vivia com três agregados: Camilla Rafaella (14 anos, solteira, mulata), Manuel Katael
anos, mulato) e dona Maria Joaquina do Sacramento (20 anos, branca, solteira). Morava
com eles o escravo André (12 anos, crioulo). Tratava-se de um pai solteiro
filhos com uma mulher de cor e lhes dera seu próprio preñóme? Eram filhos na
eidos? Qual o lugar de dona Maria Joaquina junto ao nosso italiano. ^
O terceiro c último grupo nessa situação era o de dona Mariana da Silva ( 6 0 J f " ° * £ ^ c
branca) e de suas duas filhas: Umbelina Adelaide de Souza (30 anos so * >
Maria Marques de Souza (26 anos, solteira, branca). Umbelma «nhatrêsfilhos
com menos de 13 anos. O grupo não possuía nem agregados, nem es
NOTAS DO CAPITULO 11
9- Sobretudo ao tratar-se de u m casamento c o m u m cônjuge cuja cor da pele era mais escura.
Eis c o m o Luiza Margarida Portugal de Barros, Condessa de Barrai, apresentava sua família
paterna: " M i n h a família se c o m p õ e , h o j e , de duas tias, religiosas n o convento do Desterro,
soror Maria e soror Rosa Borges, e de u m tio, Francisco Borges (tenente reformado, de
sessenta anos), m u i t o extravagante que acabou se casando c o m uma mulata, com quem
teve doze fdhos. Ele é p o b r e . " Condessa de Barral, Cartas a Suas Majestades, 1859-1890,
p. 3 5 5 . Apesar dessa mésalliance, a sobrinha continuava a colocar o tio entre as famílias
aristocráticas da Bahia, mas excluindo a mulher e os filhos deste.
por suas dificuldades. Cf. Pinto de Aguiar, A economia baiana no alvorecer do século XIX.
18. A informação é de frei Antônio de Santa Maria do Jaboatão, que no século X V I I I fez um
catálogo genealógico das mais poderosas famílias de senhores de engenho do Recôncavo»
conseguindo dotar todas cias de antepassados ilustres. Gaspar de Araújo seria membro a
N o t jAS
671
19. O genealogista da família foi Bulcão Sobrinho, "Famílias baianas: Araújo Góis".
20. Limitarei meu estudo aos casamentos celebrados ainda no século XIX. Escolhi esta família
simplesmente porque desejava conhecer o peso das práticas endogâmicas nos primórdios
da coloni zação, quando as oportunidades de casamentos exógamos eram mais escassas ue
no século X I X . Se houve evolução, para que lado foi? As datas-limites para cada genealogia
foram fixadas a partir dos nascimentos do fundador do ramo e do último descendente. Nas
genealogias do século X I X , a última data correspondia ao nascimento de um descendente,
que eventualmente poderia ter se casado no século XIX. Os barões de Araújo Góis e de
Camaçari descendiam de Simeão de Araújo Góis.
21. Das 124 pessoas que se casaram sem que o genealogista fornecesse a descendência, 41
contraíram matrimônios estéreis, ou supostamente estéreis. Mas, por causa da endogamia,
na realidade somente 193 casamentos foram celebrados. Encontrei citadas duas vezes 24
das 217 pessoas que se casaram, por causa do jogo dos casamentos endógenos.
22. Eul-Soo Pang, O Engenho Central de Bom Jardim na economia baiana.
23. "Lá onde filhos de dois SIBLINGS podem casar-se e onde impera um IDEAL NUCLEAR da fa-
mília, observa-se geralmente uma contradição flagrante entre teoria e prática: as famílias
observadas na época dos recenseamentos, em geral não são simplesmente compostas de
pais e de filhos celibatários. Cada grupo doméstico agrega indivíduos adultos suplementa-
res e, freqüentemente, vários casais. A coabitação entre pais e filhos casados é freqüente e
se estabelece a maior parte do tempo através das mulheres. Mas essa forma nunca é tida
como ideal, mesmo quando domina do ponto de vista estatístico... Trata-se de um sistema
nuclear que não consegue separar os membros da família quando osfilhosatingem a idade
adulta". Emmanuel Todd, La troisièmeplanète, p. 3 3 - 3 4 .
24. Os fatores que permitiram o estabelecimento de comerciantes portugueses como senhores
de engenho no fim do século XVII e no primeiro quarto do século XVIII foram estudados
por Flory. Cf. R.J.D. Flory, Bahian Society..., p. 217-280.
25. Katia M. de Queirós Mattoso, "Conjoncture et société au Brésil..."; "Sociedade e conjun-
tura na Bahia...".
26. A.A.A. Bulcão Sobrinho, "Famílias baianas: Bulcão", p. 2 - 3 . Também as
família Bulcão foram descritas de forma pouco convincente. Ela teria um an P
flamengo, o burguês (iro.. Bulscam ou Bulscamp, que teria integrado o conunge
flamengo de Jobs, van H c u . c n , colonizador da ilha do Faial, a ped.do do re. Afonso V,
Portugual.
27. Mario Torres, "Os Sodres". .
28. Os Bittencourt afirmam ser descendentes da família normanda dos ^Áencourt.da
alguns membros teriam emigrado para Madeira no início do século X V , onde
672 BAHIA, SÉCULO X I X
3 2 . E u l - S o o Pang, O E n g e n h o Central de B o m J a r d i m . . . , p. 1 8 5 - 2 2 2 .
2. Luís Henrique Dias Tavares, «Evolução educacional na Bahia (sumula até 1930)"
3. Cl. Tan.a Penido Monte.ro, Portugueses na Bahia..., p . 59,75. '
4. Para ç> ano de 1872, tenho informações sobre o número de alunos Ar .1
privadas e publicas: Escola Norma, (moços), 36 a.unos; b £ ^ & £ S £
nas. das quais 13 internas, oriundas do interior da Província- Licen Pm • • ? ,
2 9 9 alunos. Para o ano de 1873, tenho informações ^ ^ T ^ T ^
colégios internos administrados pela Igreja e dedicados à educação de pobres e értos-
Nossa Senhora da Salette (meninas), 51 internas e 70 externas; Casa da Providência
(meninas), 160 internas e 188 externas; Colégio do S. Coração de Jesus (meninas) 88
internas e 7 0 externas; Recolhimento dos Humildes (meninas), 47 internas; Seminário
Diocesano, 11 internos no curso preparatório e 41 alunos no de Teologia; Órfãos de São
Joaquim (meninos), 7 6 internos.
2 8 . Idem, ibidem, p. 1 2 6 .
3 0 . Idem, ibidem, p. 3 1 .
NOTAS DO CAPITULO 1 3
1. Citado por J . F . de Almeida Prado, Dom João e o inicio da classe dirigente do Brasil
2. Luiz dos Santos Vilhena, A Bahia no século XVIIL v. 2. p. 2 9 7 - 3 2 9 .
3. Stuart B. Schwartz, Burocracia e sociedade no Brasil colonial
4 . Luiz dos Santos Vilhena, A Bahia no século XVIIL v. 2, p. 3 4 5 .
5 . Idem, ibidem, p. 3 3 5 .
6 . F . W . O . M o r t o n , The Conservative Revolution..., p. 6 1 - 6 2 .
Fernando Uricoechea, O Minotauro Imperial Ah,
século XIX (especialmente o capítulo 2, p. £ _ g 0 ) ^ ^ p a t H m
° n Í a l
™
8. Luiz dos Santos Vilhena, A Bahia no século XVIII, v. 1, . p 2 4 -250
8
9. Idem, ibidem, p. 2 4 7 - 2 4 8 .
19. Heloísa Rodrigues Fernandes, Política e segurança. Força pública do Estado de São Paulo.
Fundamentos histórico-sociais, p. 3 6 - 6 1 .
20. Eis a lista dos membros e dos funcionários do Senado da Câmara de Salvador em 1800:
juiz de fora (presidente), vereador mais velho, segundo vereador, terceiro vereador (prove-
dor da saúde), procurador do Senado, escrivão do Senado, síndico do Senado, tesoureiro,
escrivão da Almotaçaria, escrivão das Execuções, primeiro oficial da Secretaria, segundo
oficial da Secretaria, solicitador das causas, superintendente da feira, aferidor das medidas
redondas, aferidor das medidas quadradas, contraste da prata e aferidor de pesos, medidor
das obras de pedra, medidor das obras de madeira, médico da Câmara, cirurgião da
Câmara, carcereiro das cadeias, alcaide da Câmara, escrivão da Vara do alcaide, meirinho
do campo, escrivão do meirinho, meirinho da freguesia de Santo Antônio Além do Carmo,
.escrivão da Vara do mesmo, segundo escrivão da Vara do dito meirinho, escrivão da
freguesia de Santo Antônio, meirinho da freguesia de Sant'Anna, escrivão da Vara do
mesmo, meirinho da freguesia de Santo Amaro de Ipitanga, escrivão da Vara do meirinho
da Vitória, primeiro porteiro do Conselho e segundo porteiro do Conselho. Luiz dos
Santos Vilhena, A Bahia no século XVIII, v. 2, p. 339.
21. Luís Henrique Dias Tavares, História da Bahia, p. 6 2 - 6 3 ; Max Fleiuss, História admi-
nistrativa do Brasil; Victor Nunes Leal, Coronelismo, enxada e voto.
22. Katia M. dc Queirós Mattoso, "Bahia opulenta. Uma capital portuguesa no Novo Mundo
0 549-1763)".
23. Vitor Nunes Leal, Coronelismo. enxada e voto, p. 6 5 - 7 6 , 137. 139, 230-231.
24. Idem, ibidem, p. 139.
25. Nestor Duarte. Ordem privada e organizttção politica nacional especialmente p. * ~ J n
. q
Prado Jr., Formação do Brasil contemporâneo; Maria Isaura Pereira de Queiroz, < u m
NOTAS DO CAPÍTULO 1 4
2. A melhor análise geral desse período é a obra de Túlio Halperin Donghi, Histoire contem-
poraine de VAmérique Latine [tradução brasileira, Paz e Terra, 1975].
3. Francisco Mariz Tavares, História da Revolução de Pernambuco em 1817; Amaro Quintas,
A gênese do espírito republicano em Pernambuco e a Revolução de 1817; Carlos Guilherme
Mota, Nordeste 1817. Estruturas e argumentos.
4. Cf. Luís Henrique Dias Tavares, A Independência do Brasil na Bahia.
5. Celso Furtado, La formation économique du Brésil, p. 8 4 - 8 5 (ed. brasileira: A formação
econômica do Brasil); Mircea Buescu, Evolução econômica do Brasil, p. 1 1 2 - 1 1 3 .
6. As tarifas alfandegárias, conhecidas como tarifas Alves Branco, nome do ministro das
Finanças (Visconde de Caravelas), taxaram 2 . 9 1 9 artigos de importação, com alíquotas
que variavam entre 3 0 % e 6 0 % sobre o valor. Alguns acham que essa medida, muito
combatida pelos importadores estrangeiros, não teve influência significativa sobre o pro-
gresso industrial do país, mas de qualquer forma melhorou as rendas do Estado. Celso
Furtado, La formation économique du Brésil, p. 85 (ed. brasileira: A formação econômica do
Brasil); Virgilio Noya Pinto, "Balanço das transformações econômicas no século XIX",
p. 136; Nícia Vilela Luz, A luta pela industrialização do Brasil, p. 24; Mircea Buescu,
Evolução econômica do Brasil, p. 1 3 8 - 1 4 1 ; Guilherme Deveza, "Política tributária no
período imperial", p. 6 0 - 8 4 .
CÍt0
tores de finanças, os chefes de Polícia e os juízes E m ° S Í n s
P " e
2 0 . Idem, ibidem, p. 1 0 4 .
2 1 . Idem, ibidem, p. 1 1 7 - 1 1 8 .
2 3 . Brasil Bandecchi, " O m u n i c í p i o n o Brasil e sua função política", Revista de História, n° 93,
p. 1 3 6 - 1 3 8 ; Paulo Ferreira C a s t r o , " A experiência republicana...", p. 38 57; Heloísa e
1
dc tenente, foi degradado sob o pretexto de que vendia peixe. O Minotauro tmp
p. 169.
3 3 . Alberto Salles Paraíso Borges (org.), 150 anos da Policia Militar da Bahia, p. 5 6 - •
3 4 . Para 1 8 3 5 : Lei n« 2 9 , de 2 3 de junho; para 1 8 3 8 - 1 8 4 9 : Lei Provincial de 7 de ju
1846.
3 5 . Eul-Soo Pang, Coronelismo e oligarquias (¡889-1940).
NOTAS DO CAPÍTULO 1 5 A M U
( 1 8 3 0 - 1 8 3 1 ) e Luiz dos Santos Lima (1831). Cf. Renato Berbert de Castro, Os vice-
presidentes da Província da Bahia, p. 20.
2. Idem, ibidem, p. 1 3 - 2 6 .
3. Heloísa Rodrigues Fernandes, Política e segurança..., p. 65 e 66; Brasil Bandecchi, "O
município no Brasil c sua função política", Revista de História, n° 93, p. 129. A leitura das
obras dos homens políticos c juristas contemporâneos é proveitosa: Cortines Laxe, Regi-
mento das Câmaras Municipais ou Lei de 10 de Outubro de 1828; Tavares Bastos, A Pro-
víncia; Carneiro Maia, O Município.
4. Carneiro Maia, O Município, p. 9 6 - 9 7 .
5. Cf. Brasil Bandecchi, "O município no Brasil e sua função política", Revista de História,
n° 9 3 .
6. Heloísa Rodrigues Fernandes, Política e segurança..., p. 6 5 - 6 6 .
7. Brasil Bandecchi, "O município no Brasil e sua função política", Revista de História, n° 93.
8. Tavares Bastos, A Província-, Visconde de Uruguai, Ensaio sobre o Direito Administrativo.
9. R. Magalhães Jr., Três panfletários do Segundo Reinado, p. 1 8 6 - 1 8 9 ; Elmano Cardim, Justi-
niano José da Rocha.
NOTAS DO CAPÍTULO 1 6
1. Cf. Katia M. de Queirós Mattoso, Ser escravo no Brasil, p. 2 1 9 - 2 3 7 ; J . J . Reis, Slave Rebellion
in Brazil..., p. 2 7 1 - 2 8 7 (ed. brasileira: Rebelião escrava no Brasil...).
2. Essa integração nacional é contestada por numerosos autores, que a consideram aparente.
Ela nunca teria ultrapassado o estágio de uma fraca superestrutura que escondia um
sistema de poder familiar dissimulado. Cf. A.O.Cintra, "Integração do processo político
no Brasil: algumas hipóteses inspiradas na literatura", p. 2, e as obras já citadas de Maria
Isaura Pereira de Queiroz e de Nestor Duarte.
3. Simon Schwartzman, São Paulo e o Estado Nacional, p. 1 0 8 - 1 0 9 .
4. Por exemplo, a biografia que o historiador José Wanderley de Araújo Pinho consagra a seu
avô, o Barão de Cotejipe. Cf. Cotejipe e seu tempo. Primeira fase, 1815-1867.
5. Antonio Loureiro de Souza, "Os nobres do Rio Vermelho", p. 2 2 3 .
6. Arquivo do Estado da Bahia, Presidência da Província, Série Qualificação de Votantes,
Paróquia da Sé (1862); Almanaque, ano 1862; Afonso Ruy de Souza, História da Câmara
Municipal da cidade de Salvador, p. 3 7 0 .
7. Arquivo do Estado da Bahia, Presidência da Província, Série Qualificação de Votantes, Pa-
róquia da Sé (1862); Almanaque, ano de 1862; Afonso Ruy de Souza, História da Câmara
Municipal da cidade de Salvador, p. 70.
8. Arquivo do Estado da Bahia, Presidência da Província, Série Qualificação de Votantes, Pa-
róquia de N.S. da Vitória (1851); Almanaque, anos 1845 e 1862; Afonso Ruy de Souza,
História da Câmara Municipal da cidade de Salvador, p. 369.
9. Simon Schwartzman, São Paulo e o Estado Nacional, p. 106-107.
10. Francisco Iglesias, Politica econômica do governo provincial (1835—1889), p. 47-
11. Citado por Maria Isaura Pereira de Queiroz, O mandonismo local..., p. 40.
12. Manuel Inácio da Cunha Menezes, futuro Barão de Rio Vermelho, de 7 de julho de 1826
' : ^ ^ ^ « - o , de »6 dc novcmbrodc miTZl•«*
« ç * > , Augusto Álvares Guimarães só ficou cinen lí , u n h o d e , 8 ?
* Emcompen-
Cf. Arnold W d d b c ^ , , c , , 6 ^ 2 ' « * * S -
13. ( a n a do Marques dc Abrantes datada dc 25 dr t .
B o b o . d< C a , , ™ „ Oi ^rtLt^V^' R O a t t
Jose"
Cachoeira. noZnt^ ^ *
15. Ignoro a> origens sociais de seus pais, Peixoto ri,. I -, i ,
O r n a r a . Nascido e falecido em
mais chegado (talvez até meio-irmao) do Barão de Lacerda VÀn^m^T?"
efeno, o par de Honorato Araújo também era José Peixoto de Lacerda, mas
chamava-se Mana Josefa do Amor Divino de Carvalho. C f A.A.A. Bulcão Sobrinho
titulares baianos - Honorato Antonio de Lacerda Paim (Barão de Lacerda Paim).
16. Arnold Wildberger, Os presidentes da Província da Bahia, p. 46.
17. Cf. José Wanderley de Araújo Pinho, Cotejtpe e seu tempo; A.A.A. Bulcão Sobrinho, Ti-
tulares baianos - J o ã o Maurício Wanderley (Barão de Cotcjipe). J.M. Wanderley, Barão de
Cotejipe, e Miguel Calmon du Pin e Almeida, Marquês de Abrantes, foram certamente as
duas personalidades mais ilustres do Império. Não admira, pois, que tenham tido excelen-
tes biógrafos. Mas não foram os únicos baianos que desempenharam um papel político de
primeiro plano. O mesmo ocorreu, por exemplo, com os irmãos Carneiro de Campos,
José Maria da Silva Paranhos, Manoel Vieira Costa, José Carlos de Almeida Torres c
outros.
18. A mãe dc Antónia Tereza pertencia a outra poderosa família de senhores de engenho, os
Moniz Fiúza Barreto. Casada cm 1857 com um homem sem dúvida brilhante, mas que era
dezessete anos mais velho que ela, Antónia Tereza morreu aos trinta anos (1834-1864),
deixando duas filhas: Maria Luiza e Antónia Tereza, que tinha o nome de sua mãe.
Quando morreu o avó materno, o Conde de Passé, as duas meninas herdaram o engenho
Freguesia, que veio acrescentar-se ao engenho Jacaracanga, herdado quando morreu sua
mãe. Uma partilha amigável permitiu que as herdeiras escapassem da indivisão, Antónia
Tereza tornando-se proprietária de Jacaracanga e Maria Luiza de Freguesia. Absorvida por
suas ocupações políticas, o Barão dc Cotejipe geriu muito mal essas duas propriedades. Cf.
José Wanderley dc Araújo Pinho, História de um engenho do Recôncavo, p. 330-331-
19. Jose Wanderley dc Araújo Pinho, Salões e damas do Segundo Reinado, p. 173.
2 0 . Cf, Livro V.
21. A.A.A. Bulcão Sobrinho, Titulares baianos - J o s é Maria da Silva Paranhos (Barão do Ru,
Branco), .
22. Por exemplo, o influente homem dc negócios Luiz Paulo de Araújo
Fiais, foi vicc-presídcmc entre 1841 c 1859. O mesmo cargo o, f^g^tobzi
• Cajaíba, hapoa. São Tiago c Pojuca, o Visconde dc Ferrera " "
etc. Cf, Renato Bcrbe, dc Castro, Os vice-presidentes da Província da Bahia, p.
23. Renato Bcrbcrt de Castro, Os vice-praidenies da Província da Bahia, p. 76-78,
24. "Manoel Messias dc Leão tinha sido nomeado cm quinto lugar na I.sta ™ £ £ ™ V
, ;
já que a tradição dizia q u e os magistrados deviam sempre estar colocados entre os primei-
ros da lista, ele argumentava " n ã o ter título de q u i n t o vice-presidente c nunca ter recebido
c o m u n i c a ç ã o alguma a semelhante r e s p e i t o . . . " O governo central teve que refazer a lista
dos vice-presidentes, c o l o c a n d o - o c o m o primeiro vice-presidente para que ele aceitasse o
cargo. C f . R e n a t o Berbert de C a s t r o , Os vice-presidentes da Provinda da Bahia, p. 7 8 - 7 9
Buk5
nho. TUulan, baianos - ] o U 1 Jantas faifa» P c
Dantas ( « g u n d o Barão de R i o R e ^ f MS Í S . ^ ' *
Senado Federal (Braaflia), Senadores do Império Sa/dld, t T
ral (Braaflia), Depurados baianos a Assembleia ^ , 8 ^ ^ ^ ^ ^
NOTAS DO CAPÍTULO 1 7
12. O primeiro foi José Thomas Nabuco de Araújo ( 1 8 1 3 - 1 8 7 8 ) , cujo pai e homônimo era
militar profissional. Quando morou em Recife, casou-se com Ana Benigna de Sá Barreto,
de uma eminente família local. Jornalista, advogado e magistrado, Nabuco de Araújo foi
presidente da Província de São Paulo ( 1 8 5 1 - 1 8 5 2 ) e ministro da Justiça nos gabinetes de
1853-1857, 1 8 5 8 - 1 8 5 9 e 1 8 6 5 - 1 8 6 6 . Nomeado senador em 1858, aderiu à Liga Pro-
gressista em 1862 e integrou o Gabinete de Conciliação em 1869, como filiado do Partido
Liberal. O segundo foi Zacarias Góis e Vasconcelos ( 1 8 1 8 - 1 8 7 7 ) , conhecido como Con-
selheiro Zacarias. Professor na Faculdade de Direito de Recife ( 1 8 4 0 - 1 8 4 5 ) , deputado
provincial da Bahia ( 1 8 4 4 - 1 8 4 5 , 1 8 4 6 - 1 8 4 7 e 1 8 5 2 - 1 8 5 3 ) , deputado geral da Bahia
(1850-1852, 1 8 5 3 - 1 8 5 6 ) , também foi presidente das províncias do Piauí (1845-1847) e
de Sergipe ( 1 8 4 7 - 1 8 4 9 ) , antes de se tornar ministro da Marinha (1852) e presidente do
Conselho dos Ministros (1862, 1864, 1866). Foi nomeado senador em 1864. O terceiro
foi Carlos Pereira de Almeida Torres ( 1 7 9 9 - 1 8 5 0 ) , Visconde de Macaé. Seu pai, o
desembargador José Carlos Pereira, casara com uma Almeida Torres, família de senhores
de engenho do Recôncavo. Após estudar direito em Coimbra, o jovem Almeida Torres
entrou na magistratura, onde fez carreira, antes de ser eleito deputado geral pela Província
de Minas Gerais ( 1 8 2 6 - 1 8 2 9 ) , da Bahia ( 1 8 3 0 - 1 8 3 3 ) e de São Paulo (1843). Ocupou as
funções de presidente das províncias de São Paulo (1829 e 1842) e do Rio Grande do Sul
(1831), antes de ser nomeado conselheiro do Estado (1842) e ministro do Império (1844,
1845 e 1848). Nesta última função, foi responsável, em 1844, pela anistia aos rebeldes
liberais, a cujo partido aderiu. Como liberal, presidiu o Conselho dos Ministros em 1848.
13. São raros os estudos sobre os partidos políticos durante o Império, mas programas desses
partidos são uma leitura proveitosa. Foram publicados por A. Brasiliense, Os programas dos
partidos e o Segundo Império.
14. As formações mais importantes desse partido ficavam no Rio de Janeiro e em São Paulo.
No Rio, os membros do Partido Republicano pregavam a descentralização, maior repre-
sentação popular e respeito aos direitos c liberdades individuais. O Partido Republicano
Paulista tinha como preocupação principal a federação das províncias, isto é, a autonomia
dos governos provinciais. Em outras palavras, interessava aos republicanos paulistas, antes
de mais nada, assumir o controle total de sua Província, o que era impossível com a
centralização imperial. Cf. José Murilo de Carvalho, A construção da ordem. A elite política
imperial, p. 161-162.
15. Caio Prado Jr. admite um certo conflito entre o que ele chamou de burguesia reacionária,
representada pelos proprietários de terras escravocratas, e a burguesia dita progressista,
r c r c enrada pelo c o m e r ã o , pela finança. Mas. segundo ele, as duas correntes se fundiam
P
nos do.s part.dos, apesar de unta certa preferência dos reacionários pelo Partido C o r T
vador. M a n a Isaura Pçretra de Q u e r o , c Nestor Duarte consideram os dois partido" 1
Conservador e Ltbcral - c o m o os representantes dos intetesses agtátios , „ « , segundo
esses dois autores, d o m i n a r a m a política imperial.
16. Caio Prado J r " E v o l u ç ã o política do Brasil", p. 8 2 ; Maria Isaura Pereira de Queiroz
O mandomsmo local.., p. 5 1 - 5 4 ; Nestor Duarte, Ordem privada..., p. 183.
17. R a y n u m d o F a o r o , Os donos do poder, p. 2 3 1 - 2 3 5 .
2 2 . Senado Federal (Brasília), Senadores do Império (Bahia), José Joaquim Carneiro de Cam-
pos ( M a r q u ê s de Caravelas) e Francisco Carneiro de C a m p o s , dados biográficos.
2H.l A.A.A. Bulcão Sobrinho, Titulares baianos - Carlos Carneiro de Campos (Visconde de
Caravelas).
NOTAS DO CAPÍTULO 1 8
3. Cf. História da Igreja no Brasil* t. 2, p. 164. Capítulo XVI, artigo 3 do regulamento que
regia a Mesa da Consciência c Ordens.
4. A História da Igreja no Brasil, obra coletiva recente ( 1 9 7 7 - 1 9 8 0 ) , redigida por membros
do clero brasileiro, é o melhor exemplo de uma atitude que se pretende revisionista, como
prova, aliás, o subtítulo da obra: Uma interpretação a partir do povo. Seus autores sofrem
grande influencia da Teologia da Libertação.
5. Thales de Azevedo, A religião civil brasileira como instrumento político, p. 43.
6. Cf. Katia M. de Queirós Mattoso, Ser escravo no Brasil, p. 5 3 - 6 5 .
7. Oscar de Figueiredo Lustosa (O.P.), Política e Igreja. O partido católico no Brasil: mito ou
realidade, p. 2 5 .
8. Essa periodização é proposta na História da Igreja no Brasil, t. II/2. Podemos situá-la pa-
ralelamente à cronologia adotada pela maior parte dos manuais sobre História do Brasil no
século XIX.
NOTAS DO CAPÍTULO 1 9
1. Roberto Romano, Brasil: Igreja contra Estado, p. 8 1 ; Thales de Azevedo, A religião civil
brasileira como instrumento político, p. 8.
4. Cf. Monsenhor Eugênio de Andrade Veiga, Os párocos no Brasil no período colonial, 1500-
1822, p. 49.
— * J - e i r o . TipograHa l^Lít
14. Dom Romualdo António de Seixas ( 1 7 8 8 - 1 8 6 0 ) nasceu em Camitá (PA), sendo o mais
velho de oito irmãos. Sua educação foi confiada a um tio materno, o padre Romualdo de
Souza Coelho, secretário do bispo do Pará, dom Manuel de Almeida Carvalho. Aos oito
anos entrou para o seminário episcopal de Santa Maria de Belém. Terminou sua educação
no convento de Santo Antônio de Belém e, em seguida, foi aluno dos oratorianos do Real
Hospício das Necessidades de Lisboa. De volta ao Brasil em 1805, foi professor de latim,
francês, retórica e fdosofia no seminário episcopal da diocese do Pará. Ainda como simples
diácono, foi nomeado cónego e ordenado padre em 1810, galgou rapidamente os degraus
da hierarquia eclesiástica e tornou-se arcipreste e vigário-geral da diocese do Pará, antes de
assumir o governo dessa diocese como vigário capitular, por ocasião da morte do prelado
local. Eleito, pela Capitania do Pará, deputado às Cortes de Lisboa, iniciou uma vida
política oue só abandonaria em 1841, para consagrar-se a suas atividades pastorais. Nomeado
arcebispo da Bahia em 1827, foi deputado à Assembléia Geral (1826-1829 pelo Pará,
1834-1 837 pela Bahia) e à Assembléia da Bahia (1835-1841). Ultramontano e conserva-
dor, mostrou-se um dos ardentes defensores do celibato do clero e f ^ T ^ ^ f
Igreja. Respeitado por seus confrades e pelo governo, recebeu o título de Conde de & « a
Cru, em 1858 e foi elevado à categoria de marquês pouco antes dc.sua mo « , em 1860.
Cândido da Costa Silva, "Notícia sobre o primeiro brasile.ro na Sé da Barua p.
1 5. Cândido Mendes de Almeida, Direito ei.il eclesiástico an*o ^ ™ ^ t o T
o direito canónico, tomo I, primeira parte, p. C.LXXIII. Apud. Uscar &
(O.P.), "Reformistas na Igreja...", p. 59.
2 1 . Idem, ibidem, p. 2 3 .
2 4 . H é l i o V i a n n a , História do Brasil, v. I I , p. 9 8 - 1 0 0 .
2 6 . Idem, ibidem, p. 9 6 - 9 8 .
3 4 . I d e m , ibidem, p. 1 2 7 .
3 6 . Idem, ibidem, p. 1 8 2 .
3 7 . Idem, ibidem, p. 1 8 3 .
4 0 . Idem, ibidem, p. 5 8 .
4 1 . Idem, ibidem, p. 1 8 .
do laicato católico muito antes da chamada Questão dos Bispos, que explodiu em 187*.-
Roque Spencer Maciel de Barros, " A questão religiosa", p. 3 2 7 .
4 6 . As idéias da corrente leiga ultramontana foram expressas, pela primeira vez, no livro de
José Soriano dc Souza, A religião do Estado e a liberdade dos cultos. Apud: Roque Spencer
Maciel de Barros, "A questão religiosa", p. 3 2 8 .
4 7 . Roberto Romano. Brasil: Igreja contra Estado, p. 1 2 0 - 1 3 4 ; Ivan Lins, História do positivismo
no Brasil, p. 2 4 3 - 2 6 2 c 3 5 5 - 3 7 0 .
4 8 . Oscar de Figueiredo Lustosa ( O . P . ) , Política e Igreja, p. 2 5 .
4 9 . João Cruz C o s t a , " O pensamento brasileiro sob o Império", p. 3 3 4 - 3 4 1 .
50. Richard Graham, Grã-Bretanha e o início do v n * J - , .
p. 3 1 - 5 8 e 2 8 7 - 3 0 8 . modernização no Brasil (1850-1914),
60. É a posição de autores como Basílio de Magalhães, "Pedro II e a Igreja católica" e Estudos
da História do Brasil; Jonatas Serrano, História do Brasil, Fernando de Azevedo, A cultura
brasileira. Estes autores falam de questão "epíscopo-maçônica".
61. Antônio Carlos Villaça, História da questão religiosa no Brasil. Esta obra apresenta a análise
mais completa sobre a questão. Aconselhamos, também, a leitura de: Roberto Romano,
Brasil: Igreja contra Estado; José Honório Rodrigues (dir. e introd.), "Terceiro Conselho de
Estado, 1 8 7 5 - 1 8 8 0 " ; Roque Spencer Maciel de Barros, "A questão religiosa", p. 330-336.
62. Thales de Azevedo, A religião civil brasileira como instrumento político, p. 53.
que regiam as confrarias c ordens terceiras. R o q u e Spencer Maciel de Barros, "A questão
religiosa**.
6 7 . Idem, ibidem, p. 3 4 3 - 3 4 8 .
6 8 . Idem, ibidem, p. 3 4 8 - 3 5 1 ; História da Igreja no Brasil, t. II/2, p. 1 8 7 - 1 8 8 .
7 1 . Idem, ibidem, p. 3 5 6 .
7 2 . Idem, ibidem, p. 3 5 6 - 3 5 9 .
p. 1 7 - 8 1 .
7 4 . Ramos de Oliveira, O conflito maçônico-religioso de 1872, p. 1 4 .
83- Katia M . de Queirós M a t t o s o , Etre esclave au Brésil, p. 1 2 8 - 1 3 4 (ed. brasileira: Ser escravo
no Brasil); História da Igreja no Brasil, t. II/2, p. 5 7 - 5 9 , 1 2 0 - 1 2 2 , 2 5 9 - 2 6 2 e 3 6 5 - 3 6 7 .
103
- ttr^T SR D LUIZ A
"' ° * *«*
MI
NOTAS DO CAPÍTULO 2 0
1. Almanach para a cidade da Bahia - Anno 1812, p. 9 2 - 9 6 .
4. Julita Scarano, Devoção e escravidão: a irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos
no Distrito Diamantino no século XVIII; Eduardo Hoornaert, Formação do catolicismo
brasileiro (1500-1800), p. 8 8 - 9 7 .
2 6 . Idem, ibidem, p. 3 1 1 .
2 9 . Legislação brasileira ou Coleção cronológica das leis, decretos, resoluções de consulta, provisões
etc..., t. 7, p. 3 8 8 .
3 2 . Ibidem, p. 1 2 1 - 1 2 2 .
í
bula confirmara os estatutos sobre a "pureza do s a n g u ^ d Í a ^ o f e ^ ^ í?
do que judeus entrassem nas misericórdias, colégios e corpZl
isso, Anita Novinsky, Cristãos-novos na Bahia, p 33,35"
6 1 . Idem, ibidem, p. 1 4 8 .
6 2 . M o n s e n h o r Eugênio de Andrade Veiga, Os párocos no Brasil..., p. 103.
6 3 . Cf. Katia M . de Q u e i r ó s M a t t o s o , Bahia: a cidade do Salvador e seu mercado no século XIX,
p. 3 4 4 - 3 5 1 .
6 4 . Fala do presidente da Província (Conselheiro Pedro Luiz Pereira de Souza), 1883, p. 14.
6 5 . Fala do presidente da Província (Barão de São Lourenço), 1 8 7 1 : Relatório do Arcebispo,
C o n d e de São Salvador, de 8 de dezembro de 1 8 7 1 , p. 4 (relatório anexado ao discurso do
presidente da Província).
6 6 . "Província da Bahia: O r ç a m e n t o e despesas, 1 8 3 5 - 1 8 3 6 " . In Leis e resoluções da Assembléia
Provincial da Bahia, v. 1 ( 1 8 3 5 - 1 8 3 7 ) .
6 7 . Constituições Primeiras, livro I V , título X X X V I I I , § 7 7 4 - 7 7 8 , p. 2 9 4 - 2 9 5 .
6 8 . Arquivo do Estado da Bahia, Seção Judiciária, Livro de Notas e Escrituras n° 197 (1816),
fl. 2 1 7 , e n° 3 8 9 ( 1 8 6 6 ) , fl. 3 5 .
6 9 . Katia M . de Queirós Mattoso, Bahia: a cidade do Salvador e seu mercado no século X ,
p. 3 6 7 - 3 7 3 . C f . também Livro V I , capítulo 2 5 .
7 0 . Arquivo do Estado da Bahia, Seção Judiciária, Livro de Notas e Escrituras n° 222 (1827;.
fl. 1 3 7 - 1 3 7 v , n° 2 3 0 ( 1 8 3 0 ) , fl. 8 4 v - 8 5 e n° 196 ( 1 8 1 1 ) , fl. 4 2 .
7 1 . Esses dados foram extraídos de séries anuais compostas por n o ^ n ^ | ^ ^ S
aleatoriamente. Para o período de 1 8 2 1 - 1 8 5 0 , temos 2 5 3 mventános, dos qua.s 151
por homens livres, 8 2 por mulheres livres e oito por alforriados.
t ^ m ^ ^ ^ i ^ 5 0 M
"- líis 1:000
* 1
extraídos d e 6 3 inventários.
BAHIA, SÉCULO X I X
NOTAS DO CAPÍTULO 2 1
1. Cf. Susan A. Soeiro, A Barroque Nunnery. Igualmente desta historiadora americana: "The
feminine orders in colonial Brazil", p. 1 7 3 - 1 9 7 e " T h e social and economic role o f the
Convent: W o m e n and Nuns in Colonial Bahia. 1 6 7 7 - 1 8 0 0 " ; História da Igreja no Brasil
t. 2, p. 2 2 3 - 2 3 3 ; Riolando Azzi & M a r i a Valéria V . Resende, " A vida religiosa feminina
no Brasil colonial".
4 . O papel econômico das ordens religiosas não está suficientemente estudado, salvo no que
tange ao Convento do Desterro. C f . estudos da historiadora Susan Soeiro, citados na no-
ta 1 acima.
6. Luiz dos Santos Vilhena, A Bahia no século XVIII, p. 4 4 3 ^ 4 5 9 ; História da Igreja no Brasil
tomo 2, p. 2 2 1 - 2 2 2 .
2 1 . Idem, ibidem, p. 1 6 4 .
3 2 . Ibidem, p. 4 8 - 4 9 .
3 3 . Riolando Azzi, " D . Romualdo Antônio de Seixas, arcebispo da Bahia...", p. 32.
37. Riolando Azzi, "Padres da Missão e movimento brasileiro de reforma católica no sécu.o
XIX".
3 8 . José Oscar Beozzo, "Decadência c morte...", p. 8 9 .
3 9 . D o m Romualdo Antônio de Seixas. Memórias do Marauts de Santa Cruz, p.
NOTAS DO CAPUTI O 2 2
19. Cf. M e l o M o r a i s Filho, Festas e tradições populares no Brasil, p 82ss e 167 178 M .
Q u e r i n o . Costumes africanos no Brasil p 2 6 6 - L u í s da Camar* C A rv ' a n
° d
brasileiro, p. 3 8 4 - 3 ^ 6 , 6 8 2 - 6 8 4 , 1 9 W 9 7 . 3 2 5 - ^3 2 ' * Z W
: 1. História da Igreja no Brasil, t. II/2, p. 1 1 7 . A história das relações entre esses chefes locais
o clero e os fiéis ainda está por escrever, sobretudo no tocante ao período de introdução
das reformas romanizantes.
3 1 . Idem, ibidem, p. 8 9 - 9 0 . „
3 2 . Katia M . de Queirós Mattoso, "Párocos e vigários em Salvador no século AIA... , -P
14, 4 1 - 4 2 .
3 3 . Maximilian« de Habsburgo, Bahia, 1860. Esboços de viagem, p. 128 •
3 4 . História da Igreja no Brasil t. II/2, p. 2 1 7 .
3 5 . Idem, ibidem, p. 2 1 8 .
3 6 . Chronica Religiosa, n° 4 4 , p. 3 4 8 - 3 5 1 .
3 7 . Idem, ibidem, ano II, n° 14, p. 107.
3 8 . História da Igreja no Brasil II/2, p. 104.
3 9 . Idem, ibidem, p. 1 0 2 .
696 BAHIA, SÉCULO XIX
NOTAS DO CAPÍTULO 2 3
14. " O crente é deste m u n d o e nele deve viver à espera da chegada de um mundo novo; deve
tazè-lo e m h a r m o n i a c o m certas regras, que tendem a caracterizá-lo como alguém qiie não
se resigna c o m o estado atual das coisas, de maneira que seus atos não são atos de resigna-
ção. Este é um dos estranhos paradoxos do protestantismo: sua maneira de viver na
sociedade não é u m a maneira resignada, mas nada faz para mudá-la; ao contrário, ele a
despreza e procura dela se afastar. Nisto se resume sua não-resignação. Na verdade, o
crente tem, s i m u l t a n e a m e n t e , u m a grande resignação e uma não-resignação particular
interior. Se luta do lado de D e u s , deve agir segundo seus mandamentos: observar o
repouso dominical, não matar, não roubar, não cometer adultério, não mentir, não beber,
afastar-se dos prazeres e da ociosidade. Esforçando-se por viver em conformidade com
essas regras q u e , na prática, c h o c a m - s e contra a sociedade glo.bal, é, no entanto, um não
resignado; mas, c o m o se interessa pelo m u n d o que está por vir, desinteressa-se do presente
e nada faz para m o d i f i c á - l o . Neste sentido, é um resignado. É , pois, ao mesmo tempo, um
resignado e um não resignado". A n t ô n i o Gouvêa Mendonça, O celeste porvir, p. 1 4 5 - 1 4 6 .
3 8 . J . J . Reis, Rebelião escrava no Brasil...-, Pierre Verger, Fluxo e refluxo do tráfego de escravos...,
p. 3 3 9 - 3 5 9 .
4 0 . Idem, ibidem, p. 1 3 6 - 1 5 5 .
4 2 . Idem, ibidem, p. 1 5 0 - 1 5 1 .
1
I " " ' - difícil « U < f/.JMo à , | r . , , ., M , „
^ ^ ^ ^ ^
* "" " r B a
" í d c
' ,/Hca BraríU 204
18 J! Rdf, ^ve Rebétlton in liratít, , „ |<, ,,I W i ', .
59. A dcs< rição resumida dos elementos fundamentais do culto íoruba 6 tomuó-A da obra dc
j nana hlhcín dos Santos, Oi Nagò e a morte. (', evidente que este estudo se baseia ern uma
observação atual desse culto, não levando cm conta as adaptações que sofreu desde sua
introdução na Bahia. M a s , sendo um culto pr;itit;jdo cm um dos terreiros mais antigos c
tradicionais da Bailia, cujos ministros vieram especialmente da África para irnplantá-lo,
por volta da década dc 1 8 3 0 , acha/nos provável que mantenha boje os elementos funda-
mentais que tinha então.
6 0 . Juana Elbcín dos Santos recusa-sc a discutir o problema da origem dos orixás: para certos
autores, diz cia, os orixás são ancestrais divinizados, chefes dc linhagens ou dc clãs, que,
por causa dc atos excepcionais praticados durante a vida, transcenderam os limites dc sua
família C SC transformaram cm entidades do culto nacional. A autora constata apenas que
os seres sobrenaturais sc dividem cm duas categorias bem definidas: de um lado os or.xis,
entidades divinas, e dc outro os ancestrais, espíritos humanos. Cf. 0$ Nago e a morte,
p. 102 103.
6 1 . Idem, ibidem, p. 3 0 , 5 3 , 7 3 e 103.
6 2 . Ide/í), ibidem, p. 3 3 - 3 4 .
63- Idem, ibidem, p. 3 9 . , . c
64. K.,i. M . ,U- < ; „ c i , 6 . M a „ „ s „ , Em«*»«>HM ?• i$*7l C«A
no Brasil). c 1905
65. N i n a RodrígUCl i r a n s c r e v e u m a (juin/ena d c n o i k i a s de jornais entre 2y)_ 46.
2
„ , b r c os cullo,
a f r o - b r a s i l d r o » c e l e b r a d o , em Salvador. Os afneanos no fírasd ? .
NOTAS DO C A P Í T U L O 24
1. L F , d c T o l l c n a r c , Notas dominicais..., p. 2 8 1 - 2 8 2 .
2. Thomas ü n d l c y . Narrativa de uma viagem ao Brasil, p. 1 2 8 .
BAHIA, SÉCULO X I X
3 0 . José Álvares do Amaral, Resumo cronológico e noticioso da Província da Bahia desde o seu
descobrimento em 1500.
3 4 . Ibidem, fl. 8 1 - 9 3 .
3 5 . Gustav Beyer, "Ligeiras notas de viagem do Rio de Janeiro à capitania de São Paullo, no
Brasil, no verão de 1 8 1 3 . . . " , p . 2 7 5 .
3 8 . L . F . de T o l l e n a r e , Notas dominicais..., p. 2 9 7 .
5 9 . Pierre Verger, Flux et reflux de la traite des nègres..., p. 3 2 8 - 3 5 0 (ed. brasileira: Fluxo e refluxo
do tráfego de escravos...); J o s é Carlos Ferreira, "As insurreições dos africanos na Bahia";
Eduardo Caldas de B r i t o , "Levantes de pretos na B a h i a " ; J J . Reis, "A elite baiana face aos
movimentos sociais. Bahia, 1 8 2 4 — 1 8 4 0 " .
6 0 . Etienne Ignacio Brazil, " O s males"; J J . Reis, Slave Rébellion in Brazil... (ed. brasileira:
Rebelião escrava no Brasil...). C f . Livro V , capítulo 2 3 .
6 1 . Pierre Verger, Flux et reflux de la traite des nègres..., p. 329—330 (ed. brasileira: Fluxo e refluxo
do tráfego de escravos...). V e r t a m b é m Arquivo Municipal de Salvador, Livro de Posturas
Municipais, postura 7 0 , fl. 3 8 - 3 9 .
NOTAS DO CAPÍTULO 2 5
9 . C f . Livro I I , capítulo 6 .
2 2 . Idem, ibidem, p. 5 1 .
2 3 . R J . D . Flory, Bahian Society..., p. 1 7 4 - 1 7 5 .
2 4 . Idem, ibidem, p. 1 7 2 .
2 5 . Idem, ibidem, p. 1 8 1 .
2 6 . André João Antonil, Cultura e opulência do Brasil.., p. 1 8 2 - 1 8 5 .
2 7 . R J . D . Flor>', Bahian Society..., p. 1 7 5 - 1 7 6 e 1 9 1 - 1 9 2 .
4 3 . Idem, ibidem.
NOTAS DO CAPÍTULO 2 6
do século XVIII na Bahia"; Catherine Lugar, The Merchant Community of balvaao ....
p. 6 6 - 1 3 2 .
6. C a t h e r i n e Lugar, The Merchant Community ofSalv^
Bretanha e o inicio da modernização no Brasif,£ P
" ^ Graham, Grã-
12. A primeira concessão para a abertura de uma linha de navegação regular foi obtida em
1 8 3 6 por J o ã o D i o g o Sturtz, que a transmitiu a Diogo Asthley et Cie. Em 1847, Z
bandada a C o m p a n h i a do B o n f i m , encarregada da navegação do interior da baía até o forte
de V a l e n ç a . E m 1 8 5 2 , por iniciativa do negociante Antônio Pedroso de Albuquerque, foi
tundada a C o m p a n h i a Santa Cruz, destinada a fazer a navegação costeira de Maceió', ao
norte, até Caravelas, n o sul. E m 1 8 6 2 , as duas companhias se fundiram sob o nome de
C o m p a n h i a Baiana de Navegação a Vapor. Cf. Katia M . de Queirós Mattoso, Bahia: a cidade
do Salvador e seu mercado no século XIX, p. 7 3 .
1 3 . Idem, ibidem, p. 7 3 - 7 4 .
1 4 . Idem, ibidem, p. 2 5 3 - 2 6 1 .
2 5 . Idem, ibidem, p. 6 5 .
10. Código Comercial do Império do Brasil ( 1 8 5 0 ) . In: Francisco Marques de Goes Calmon
Vida econômico-financcira da Bahia, p. 2 5 3 .
11. Luiz dos Santos Vilhena, A Bahia no século XVIII, v. 1, p. 5 6 .
12. Catherine Lugar, The Merchant Community of Salvador, p. 1 3 4 .
13. Luiz dos Santos Vilhena, A Bahia no século XVIII, v. 1, p. 5 6 .
14. Catherine Lugar, The Merchant Community of Salvador, p. 1 7 4 - 1 7 5 .
15. Idem, ibidem, p. 177.
16. Idem, ibidem, p. 1 7 8 - 1 7 9 .
17. Mário Augusto da Silva Santos, O comércio português na Bahia, 1870-1970.
18. Hildcrgardcs Viana, A Bahia já foi assim, p. 7 4 - 8 3 .
19. Catherine Lugar, 'The Merchant Community of Salvador, p. 1 3 7 - 1 4 1 .
2 0 . Cf. Livro V I I , capítulo 3 1 .
32. Idem, i b i d e m , p. 9 - 3 8 .
43. Ibidem, T í t u l o X I e T í t u l o X I I .
44. Ibidem, T í t u l o X I I I e T í t u l o X I V .
45. Mircea Buescu, Evolução econômica do Brasil p. 1 4 5 - 1 4 7 .
j o ï l \%á | « (ed brasileira: A formação
4 6 . Celso Furtado, La formation économique du Brésil p. 1 3 4 - U ? iea. »
econômica do Brasil).
4 7 . Dorival Teixeira Vieira, O problema monetário brasileiro, p. 3 0 - 3 1 -
4 8 . Mircea Buescu, 300 anos de inflação, p. 2 1 3 - 2 2 6 ; Katia M. de Queirós Mattoso,
ços na Bahia dc 1 7 5 0 a 1 9 3 0 " , p. 1 8 1 - 1 8 2 .
4 9 . Dorival Teixeira Vieira, O problema monetário brasileiro, p. 5 6 - 5 7 .
5 0 . Idem, ibidem, p. 5 7 .
5 1 . Mircea Buescu, Evolução econômica do Brasil p. 146.
5 2 . Dorival Teixeira Vieira, O problema monetário brasileiro, p. 6 1 - 7 .
708 BAHIA, SÉCULO X I X
6 0 . Série baseada em dados que constam dos " P r o p o s t o s e relativos apresentados à Assembléia
Geral Legislativa pelos M i n i s t r o s e Secretários de Estado dos Negócios da Fazenda, Rio de
Janeiro, anos 1 8 5 2 a 1 8 8 8 " , do Ministério das Finanças. C f . Ubiratan Castro de Araújo,
"A Bahia n o século X I X " , p. 4 8 , nota 6 1 .
NOTAS DO CAPÍTULO 2 8
1 " . Almanaque, 1 8 6 0 , p. 3 4 6 - 3 4 7 .
2 1
1849 ° Í V d
° E S t a d
° d a B a h Í a
' P r e S Í d ê n d a d a P r o v í n c i a
- V i a
9 ã o e Obras Públicas, 1 8 4 7 -
NOTAS DO CAPÍTULO 2 9
1. Pierre Vilar, "Remarques sur l'histoire des prix", p. 1 1 0 - 1 1 1 .
2. Num estudo anterior, sugeri que os assalariados correspondessem a IU
urrJ£^ ^?"
5 % e 150/, do mercado de trabalho de Salvador. Katia M . de Q ^ ^ J J « .
cidade do Salvador e seu mercado no século XIX, p. 2 9 0 . Trata-se, agora, de nova abo oag
6. Colhi cm duas fontes os dados referentes aos salários dos oficiais, suboficiais e soldados d
Polícia: para o período 1 8 3 5 - 1 8 5 0 , usei os orçamentos de despesas da Província public *
dos nas Leis e resoluções da Assembléia Provincial da Bahia; para o período 1 8 5 1 - 1 8 8 9
os anexos estatísticos das Falas dos presidentes da Província. Estas últimas também '
ram de fonte para os salários dos funcionários civis.
7. Earl J . H a m i l t o n , Money, priées and wages in Valencia, Aragon and Navarre, 1351-1^nn
War and Priées in Spahi, 1651-1800. ' C
8. Ernest Labrousse, Esquisse du mouvement des prix et des revenus en France au XVIII siècle e
12. M i n h a crítica sobre a utilização da fórmula de Fisher pode ser lida no volume publicado
pelo C N R S sobre L'Histoire quantitative du Brésil. O trabalho de R. R o m a n o , ao qual se
refere J o h n s o n Jr., se chama Cuestiones de historia económica latinoamericana, Caracas, 1966.
13- Eulália Maria Lahmeyer L o b o , " E v o l u t i o n des prix et du coût de la vie à Rio de Janeiro
(1820-1930)".
14. Idem, ibidem, p. 2 0 3 - 2 0 4 .
ou C a r g a s (litoral sul da P ^ S ^ ^
O consumo de bacalhau, prato preferido dos portugueses, era muito irregular até 1790, o
que se explica pelo consumo de garoupa, fornecida até essa data pelos entrepostos de Porto
Seguro e de Santa Cruz (litoral sul da Capitania). Como aparecem apenas os preços de
compra desse peixe salgado, sem menção de qualidade, não podemos saber por que ele foi
substituído por bacalhau importado de Portugal, comprado em arrobas até 1818 e em
barricas (cada um com 4,5 arrobas) depois dessa data. A partir de 1871 o quilo substituiu
as arrobas, mas a venda em barricas continuou até 1927. Transformei tudo em quilos,
bascando-me em informações de Frederico Edelweiss e Luiz Henrique Dias Tavares. O
primeiro foi, entre 1915 e 1940, um importante comerciante de Salvador. O segundo e
filho de um comerciante atacadista de Nazaré das Farinhas, no Recôncavo.
Utilizado na conservação de alimentos, o vinagre era consumido em larga escala. Impor-
tado de Portugal até os primeiros anos do século XIX (apesar da concurrencia do produto
fabricado no Rio de janeiro), era vendido em canadas até maio de 1874, em barrí i
4 8 0 litros) de 1875 a 1881 e de 1915 a 1921, e em litros nos outros anos. Nao há menção
sobre a qualidade do produto, mas apenas referência a 'vinagre tinto , ra
boa', mas sempre depois de 1 875. Desse ano em diante, foram comprados vinagredc I t a »
gal c do Rio dc Janeiro, mas com os mesmos preços. Construí, por isso, p
até então o consumo desse produ
em quilos. Tinha, sem dúvida, origem estrangeira. Mas talvez viesse também do Sul do
Brasil, onde ele era cultivado na segunda metade do século XIX.
Desde a época colonial a farinha de mandioca tinha diversas qualidades, o que evidente-
mente determinava diferentes preços. Tudo indica, no entanto, que a Santa Casa consu-
mia apenas dois tipos de farinha, a fina e a grossa (também chamada 'de guerra', por ser
mais resistente ao tempo). Ricos e pobres geralmente consumiam os dois tipos, acompa-
nhando outros pratos ou na forma de pirão. Como a documentação muitas vezes não
registra a qualidade da farinha comprada, calculamos uma média que leva em conta todas
as compras feitas pela Santa Casa. Comercializada em alqueires (até 1874), em litros e em
sacos (cada um com 80 litros), foi o único produto cujo peso conservamos em litros, por
falta de informação precisa sobre a conversão em quilos. Em alguns mercados de Salvador
essa medida continua a ser usada, correspondendo ao consumo de um adulto em cada
período de dois dias.
Até 1796, a carne fresca tinha seu preço fixado pelas autoridades, mas isso não impediu
grandes oscilações. Não havia critério para definir a qualidade, pois se considerava carne
boa aquela que não tinha osso. Ignoramos como ela era vendida ao público, mas a Santa
Casa comprava peças inteiras, cotadas em arrobas até 1875 e, depois, em quilos.
A carne-seca (ou carne do Sertão) era muito pouco consumida no hospital da Misericórdia
antes de 1801. Entretanto, a partir de 1802 o consumo dessa mercadoria se tornou
regular, sem que encontrássemos a razão. O peso era expresso em arrobas até 1874 e em
quilos depois. Somente em 1919, 1920 e 1921 aparece uma carne-seca 'de primeira,
mesmo assim de forma muito esporádica. De grande consumo popular, ela era oriunda da
região do rio da Prata c do Rio Grande do Sul.
O toucinho, que substituía muitas vezes a manteiga na confecção de numerosos pratos, era
regularmente consumido na Santa Casa desde 1750. Até 1862 não apareceu nenhuma
referencia sobre as diferentes qualidades do produto, mas depois surgiu o 'toucinho da
terra', 10% mais barato que os demais. Não o levamos cm consideração em nossos cálcu-
los. Os pesos eram expressos cm arrobas até 1874 e depois em quilos.
O hospital da Santa Casa era grande consumidor de galinhas, alimento de todos os
doentes, inclusive os escravos. Era o produto que apresentava a maior variedade de preços
num mesmo mês. Na época (1750-1930), as galinhas eram vendidas por unidade, como
acontecia com as frutas c legumes.
O preço do sal era fixado pelas autoridades. Mesmo assim, não escapava a oscilações,
embora menores do que as que atingiam os demais produtos. Até 1874, o sal era comer-
cializado por alqueire, depois por litro (191 m , C .
tudo para quilo, na base de um quilo por lit ; ConTí^"°" *° ° - — ' 8 Htr S C o
"7T ^
Ó l e o de baleia e óleo de rícino nrnr.,„™ - .•
n o t u r n a . O primeiro ligura ^ ^ n ^ ^ T ^ 3
2 5 . C f . Livro I I , capítulo 7.
2 9 . C f . Livro V I , capítulo 2 7 .
NOTAS DO CAPITULO 3 0
artesãos na cidade), Faoro sustenta que essas camadas eram flutuantes, prop ^
colonial (p. 2 2 0 ) . E m compensação, é preciso íVisar que, ma.s recentenun ^ ^
Fernando Urícochea descartam esses estereótipos fazendo ^
presente na sociedade brasileira e o pluralismo de suas f j W J J ^ ^ ^ u d o b r e t
15. R J . D . Floty, Bahian Society..., p. 102; Stuart B. Schwartz, Sugar Plantations..., p. 271 (ed.
bras.: Segredos internos..., p. 2 2 8 ) .
16. Ver a esse respeito o belíssimo livro de Evaldo Cabral de Melo, O nome e o sangue. Uma
fraude genealógica no Pernambuco colonial.
17- Stuart B. Schwartz, Segredos internos..., p. 230.
18. Idem, ibidem, p. 5 7 - 7 3 .
19- Redfield, R. Linton & M.J. Herskovits, "Outline for the study of acculturation".
20. Roger Bastide, "La causalité externe et la causalité interne dans l'explication sociologique".
21. Stuart B. Schwartz, Segredos internos..., p. 2 5 3 - 2 5 7 .
22. R J . D . Flory, Bahian Society..., p. 4 0 - 4 1 . Schwartz acredita que esta historiadora norte-
americana se enganou ao atribuir quinze fazendeiros para cada engenho. Propõe baixar
este número para oito. Stuart B. Schwartz, Segredos internos..., nota 4 1 , cap. 11, p. 435-
23- Stuart B. Schwartz, Segredos internos..., p. 2 6 9 - 2 7 4 .
24. Idem, ibidem, p. 2 6 1 - 2 6 4 .
25. Idem, ibidem, p. 1 2 2 - 1 4 3 .
26. Paul Descamps, Histoire sociale du Portugal, p. 2 3 3 - 2 4 0 .
27. Idem, ibidem, p. 227.
28. Essa descrição está baseada em R J . D . Flory, Bahian Society..., p. 158-216, capítulo con-
sagrado aos agricultores de tabaco e de produtos de subsistência, e em Jean-Baptiste Nardi,
O fumo no Brasil Colónia.
29. Luiz dos Santos Vilhena, A Bahia no século XVIII, v. 1, p. I—III.
30. Idem, ibidem, p. 5 5 - 5 6 .
31. Katia M. de Queirós Mattoso, "Para uma metodologia cm história social..."ï Katia M. de
Queirós Mattoso, Bahia: a cidade do Salvador e seu mercado no século XIX, p. 161-167; István
Jancso, Contradições, tensões, conflito..., p. 4 3 - 4 9 , utilizou a minha classificação.
32. Luiz dos Santos Vilhena, A Bahia no século XVIII, v. 2, p. 333-354.
33. Idem, ibidem, v. 1, p. 2 4 8 - 2 6 1 .
34. Do ponto de vista salarial, apenas o arcebispo deveria ser colocado aqui, mas critérios de
prestígio social e de poder possibilitam incluir também membros do alto clero secu ar,
como, por exemplo, os cónegos.
3 5 . T r a b a l h a n d o c o m capital próprio ou não, no século X V I I I os « a n d e s n , ™ !
sobretudo representantes de casas portuguesas. Mas tudo i n Z ^ e Z cXleT
mou uma classe local de grandes comerciantes independentes da Metrópole. Ao on r do
dos demais grupos, as operações destes ultrapassavam o comércio local, integrando- à
esfera do grande c o m e r ã o m t c r n a a o n a l . Eles desempenhavam também o papel de ra-
cistas, c o m a n d a n d o auvidades de importação-exportação (eram também proprietários de
navios), o transporte de mercadorias e a produção de açúcar. Cf. Luiz dos Santos Vilhena
A Bahia no século XVIII, v. 1, p. 5 6 ; Francisco Marques de Goes Calmon, Vida econòmicò-
financetra da Bahia, p. 4 0 - 4 1 . C f . t a m b é m Livro V I I , capítulo 3 1 .
NOTAS DO CAPITULO 3 1
™ ]± ^^^S^^TLd
M a r i a L
T
(46:206);' 1864 (4/985), Ana
mes ( 1 0 : 1 7 5 ) ; 1861 (2/975), Leopoldina Chaves Monte.ro 4 6 : ^ — ( 3 /
Barreto ( 1 4 : 0 4 3 ) . . 2 5
7. M i r c e a B u e s c u , 300 anos de inflação, p . 2 2 3 . Oliver O n o d v , A inflação brasileira, . ? •
— 1 ^ 8 " l 4 3 de reis ( l o u y .
8 . C i t e m o s , c o m o e x e m p l o , A n a d e Souza Queirós e C a s t r o , c o m . , R o c h a >
10. Arquivo do Estado da Bahia, Seção Judiciária, Série Inventários (maços), Luiz Ferrar
( 1 8 8 1 : 1/1096) e Hermelina da Costa Ferraro ( 1 8 8 4 : 7 / 2 1 4 5 ) .
11. Ibidem, Justo Ariani ( 1 8 8 3 : 3 / 4 7 3 5 ) e Maria Lopes Ariani ( 1 8 8 4 : 7 / 2 1 4 5 ) .
12. Ibidem, C o e l h o Messeder ( 1 8 6 9 : 4 / 4 6 1 5 ) .
14. Arquivo do Estado da Bahia, Seção Judiciária, Série Inventários (maços), Bernardo Rodrigues
Ferreira ( 1 8 3 1 : 3 / 7 7 1 ) , J o ã o Ladislau Japiassu Figueiredo e Mello ( 1 8 8 5 : 1/4745) Luiz e
Martins Alves ( 1 8 8 6 : 1 / 1 0 9 2 ) .
2 3 . Arquivo do Estado da Bahia, Seção Judiciária, Série Inventários (maços), Antônio Martins
de Oliveira Neves ( 1 8 8 3 : 2 / 7 2 1 6 ) .
2 4 . Ibidem, J o ã o Nunes ( 1 8 0 8 : 5 / 6 7 3 ) .
2 5 . Ibidem, João D o r m e n t e Antunes ( 1 8 0 5 : 4 / 6 6 8 ) .
2 6 . Ibidem, Francisco Dias da Silva ( 1 8 3 0 : 6 / 7 6 7 ) .
2 7 . Ibidem, Manoel da Paixão Favilla ( 1 8 4 1 : 6 / 8 1 8 ) .
2 8 . Ibidem, Miguel Affonso Rodrigues ( 1 8 4 5 , 10/919).
2 9 . Ibidem, Manoel T i m ó t e o Pereira ( 1 8 5 7 : 2/896).
3 0 . Ibidem, Inocêncio Manoel da Purificação ( 1 8 8 2 : 3/3820).
3 1 . Ibidem, José Pereira de Almeida ( 1 8 1 1 : 1/684) e José Fernandes Grillo (1817: 8/699).
3 2 . O s dados e comentários que se seguem são extraídos de Katia M . de Queirós Mattoso.
Herbert S. Klein e Stanley L. Engcrman, "Trends and patterns in the priées o f manumitte
slaves: Bahia, 1 8 1 9 - 1 8 8 8 " .
3 3 . Herbert S. Klein, " T h e internai slave trade in X I X t h
Century Brazil: a study o f slave
importations into Rio de Janeiro in 1 8 5 2 " .
3 4 . Arquivo do Estado da Bahia, Seção Judiciária, Série Inventários (maços), ^ " . i ° m n
35. I b i d e m . E m i l i a n o M o r e i r a d e C a r v a l h o c Silva ( 1 8 7 4 : 1 / 1 0 2 0 ) .
37. I b i d e m , M i g u e l A g o s t i n h o da C r u z ( 1 8 8 1 : 2 / 1 0 6 6 ) .
41. I b i d e m , C y p r i a n o das C h a g a s ( 1 8 5 6 : 2 / 8 9 9 ) .
4 2 . I b i d e m , J o ã o F r a n c i s c o de A l m e i d a ( 1 8 8 5 : 4 / 8 9 2 ) .
DOCUMENTOS MANUSCRITOS
2.822, 2.830
Viação e obras públicas
• O b r a * p ú b l i c a s ( 1 8 4 7 - 1 8 8 9 ) , d o c u m e n t o s avulsos
• R e g i s t r o s eclesiásticos de terras, 5 5 v. (Sant.ago do Iguapé, v. 4 . 7 1 2 )
• Secretaria da F a z e n d a , c o n t a d o r i a da Caixa P r o v . n c a l , Reg.stro de testamentos ( 1 8 3 7 -
1 8 9 1 ) , 2 1 v.
Seção judiciária: ( 1 8 0 5 - 1 8 9 0 ) , 6 4 v.
m s
719
720 BAHIA, SÉCULO X I X
M a ç o s de despesa ( 1 8 4 0 - 1 8 8 9 ) , 5 0 maços
JORNAIS
Idade douro do Brasil, ano 1 8 2 1
Gozem da Bahia, anos 1 8 3 0 , 1 8 3 2 , 1 8 8 0 - 1 8 8 9
O Baiano, ano 1 8 3 0
O Diário da Bahia, anos 1 8 3 5 , 1 8 7 1 - 1 9 0 0 (faltando anos 1 8 7 2 - 1 8 7 5 > 1 8 7 7 , 1878, 1882,
1883, 1886)
Jornal de Notícias, anos 1 8 8 3 - 1 8 8 9
Monitor, anos 1 8 7 6 - 1 8 8 1
Chronica Religiosa, 1 8 6 9 - 1 8 7 3
Semana Religiosa, ano I
Briguct, 1 9 6 0 .
A C C I O L I , Ignacio de Cerqueira e Silva. Memórias históricas epolíticas da Província dá Bahta.
Anotador D r . Braz do Amaral. Bahia: Imprensa Oficial do Estado, 1 9 1 9 - 1 9 3 7 . 5 v.
A G A S S I Z , Elizabeth C . C. & A G A S S I Z , J . - L . R. Viagem ao Brasil, 1865-1866. São Paulo: ü a .
Editora Nacional, 1 9 3 8 . .
A G O S T I N H O , Pedro. Embarcações do Recôncavo: um estudo de origens. Salvador: Publicações
do Museu do Recôncavo Wanderley Pinho, 1 9 7 3 . ~ V B
3
-V
, , D K.r,n A Bahia e a carreira da índia. São Paulo: Cia. Editora Na-
A M A R A L LAPA, Jose Roberto. A tsam
Oficial, 1 9 1 8 .
A N T O N I L , André J o ã o . Cultura e opulência do Brasil por suas minas e drogas. T e x t o da edição
de 1 7 1 1 , tradução e comentários de Andrée Mansuy. Paris: Institut des Hautes Etudes de
l'Amérique Latine, 1 9 6 8 .
A R A Ú J O , Ubiratan Castro de. " A Bahia no século X I X " . I n : A inserção da Bahia na evolução
Nacional. Ia
etapa: 1850-1889. Salvador: Fundação de P e s q u i s a s - C P E , 1 9 7 8 .
A R G O L L O F E R R Ã O , V . A . " A Bahia agrícola: zonas climatéricas". In: Diário Oficiai Pu-
blicação do centenário da Independência da Bahia, 1 8 2 3 - 1 9 2 3 . Salvador: Imprensa Ofi-
cial, 1 9 2 3 .
A R I E S , Philippe. L'enfant et la vie familiale sous l'Ancien Régime. Paris: Seuil, 1 9 7 3 .
. L'homme devant la mort. Paris: Seuil, 1 9 7 7 .
A R N O L D , Samuel Greene. Viaje por América dei Sur (1847-1848). Buenos Aires: Emecé, 1 9 5 1 .
A S S I E R , Adolphe d'. Le Brésil contemporain. Races, mœurs, institutions, paysages. Paris: Durand
et Lauriel, 1 8 6 7 .
A T H A Y D E , J o h i l d o Lopes de. " F i l h o s ilegítimos e crianças expostas (Notas para o estudo da
família baiana no século X I X ) " . Salvador: Revista da Academia de Letras da Bahia, (27) :
9 - 2 5 » setembro de 1 9 7 9 .
. La ville de Salvador au XIX e
siècle. Aspects démographiques (d'après les registres
paroissiaux). Paris: Université de Paris X - Nanterre, 1 9 7 5 (tese de doutorado de 3 ° ciclo
não publicada).
Atlas do Brasil. Rio de J a n e i r o : C o n s e l h o N a c i o n a l de Geografia, 1 9 6 0 .
A U F D E R H E I D E , Patricia. Order and Violence: Social Déviance and Social Control in Brazil,
1780-1840. Minneapolis: University o f M i n n e s o t a , 1 9 7 6 (tese de doutorado não publi-
cada). *
A U G E L , M o e m a Parente. Visitantes estrangeiros na Bahia oitocentista. São Paulo: Cultrix/INL/
MEC, 1980.
A V E - L A L L E M A N T , Robert C . Viagem pelo norte do Brasil no ano de 1859. Trad. Eduardo de
Lima Castro. Rio de J a n e i r o : Instituto Nacional do Livro, 1 9 5 1 . 2 v.
A Z E V E D O , Aluísio. O cortiço. 4 a
ed. S ã o Paulo: Ática, 1 9 7 6 .
— . O mulato. São Paulo: Ática, 1 9 7 7 .
A Z E V E I ) 0 , Fernando de. Canaviais e engenhos na vida politica do Brasil 2 ed. São Paulo: Ed. a
Melhoramentos, s/d*
. A cultura brasileira, introdução ao estudo da cultura no Brasil. 3 ed. São Paulo: a
Melhoramentos, 1 9 5 5 .
-. "A Picty o f the Enlightcnmcnt". In: Didaskalia 5 : 1 0 5 - 1 3 2 , 1 9 7 5 .
AZEVEDO, João Lúcio dc. História dos cristãos novos portugueses. Lisboa, 1921.
AZEVEDO, Thaies de. "Classes sociais e grupos de prestígio". In: Ensaios de antropologia so-
ciai. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 1959.
. Cultura e situação racial no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.
. Igreja e Estado em tensão e crise. São Paulo: Ática, 1978.
. Les elites de couleur dans une ville brésilienne. Paris: Unesco, 1953.
. Namoro à antiga. Tradição e mudança. Salvador: Banco Econômico da Bahia, 1975.
BlBUOGRAFIA
723
S£££
AZEVEDO T H L d & U M Vozes, 1 9 8 l .
— — Eremitas
t r e m i t a s ee irmãos:
irmãos: uma
uma forma
forma de de vida religiosa no Brasil antigo". Convergência.
I X ( 9 4 ) 3 7 0 - 3 8 3 , ( 9 5 ) : 4 3 0 - 4 4 1 , jul./set. 1 9 7 6 .
: ^ « « X * * * * ano
p 44_7l 0 r m a Ç ã 0 h Í S t Ó r Í C a d
° c a t o l i c i s m o
P°P u l
" brasileiro". In: A religião do povo...,
RFNASSAR, Bartholome, v a i u w *
—. . Historia
Historié econômica
/ - / - / J M r t n , ^ do
J„ Brasil
D / - Pesquisas e análises
. Rin *A 7 U/H. .
B U L C Ã O S O B R I N H O , Antônio de Araújo de - F ^ f l ^ ^ A ? E C
> WO.
Salvador: Recado Instituto Cenealôgicí da B a h ^ ,^ ^ 2
_ _ . ^ B e r e n g u e r " . Sa.vador: Revista do Instituto
1 9 6 8 . 5 v.
C A L D E R O N , V a l e n t i n . Biografia de um monumento: o antigo convento de Santa Teresa da
Bahia. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 1 9 7 0 .
C A L M O N , Francisco Marques de G o e s . Vida econômico-financeira da Bahia (elementospara a
história) de 1808 a 1899. Salvador: Fundação de Pesquisas-CPE, 1979 ( I ed., 1925). a
Caetano,
726 BAHIA, SÉCULO X I X
P a u l o : C i a . Editora N a c i o n a l / I N L / M E C , 1 9 8 0 .
C O U T O , D o m i n g o s Loreto. Desagravos do Brasileglórias de Pernambuco. Rio de Janeiro, 1904.
C O U T Y , Louis. Le Brésil en 1864. R i o de Janeiro: Faro e Livio Editores, 1 8 8 4 .
. L'esclavage au Brésil. Paris: Guillaumin et Cie, 1 8 8 1 .
C R A B T R E E , A . R . História dos Batistas no Brasil - até o ano 1906. Rio de Janeiro: Casa
Publicadora Batista, 1 9 6 2 .
C R O U Z E T , François. De la supériorité de l"Angleterre sur la France. L'économique et l'imaginaire,
XVII-XIX siècles. Paris: Librairie Académique Perrin, 1 9 8 5 .
. L'économie de la Grande-Bretagne Victorienne. Paris: S E D E S , 1978.
C R U Z C O S T A , J o ã o . Contribuição à história das idéias n o Brasil. Rio de Janeiro: J . Olympio,
"O pensamento brasileiro sob o Império". In: Sérgio Buarque de Holanda (dir),
História geral da civilização brasileira, t. II, v. 3, p. 3 2 3 - 3 4 9 . São Paulo: D.fel, 1 9 6 0 -
1972.
C U N H A , Euclides da. Os sertões. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1954
C U N H A , Pedro Octávio Carneiro da. "A fundação de um Império liberal . I n : Sérg.0.Buarque
de 1 Iolanda (dir.). História geral da civilização brasileira, t. II. y. 1. Sao Paulo. P * * " ^
C U N H A , Ruy Vieira da. O Parlamento e a nobreza brasileira. Brasília: Senado Federal/Arqu.
Nacional, 1 9 7 9 . . Mie+rirÁrdia da
DAMAZIO, Antonio Joaquim. Tornbamento dos bens móveis da Santa Casada Misencórd
Bahia em 1862. Salvador: Typographia Camillo de Lellis Masson 1862.
D A M P 1 E R , William. A voyage to Ne. Holland etc. in ^TaTùnZ^-
Canary Islands, the Islcs ofMaya and S. Jago the Bay of All Saints i n BraziL U n d « .
D A U M A R D , Adeline. Les
. . Les r e n d e m e n t s de la socicte DOUI^
Histoire économie et soaale de la France, t. 3 , v. IL Pans: P U F , 1 9 7 6 .
728 BAHIA, SÉCULO X I X
^ ^ ^ ^ ^ ^ - ™ S , Paulo: G r ,
F E R R E I R A , José Carlos. "As insurreições dos africanos na Bahia". Salvador: Revista do Insti-
tuto Geográfico e Histórico da Bahia, ( 1 0 ) 2 9 : 1 0 3 - 1 1 9 , 1 9 0 3 .
FERREIRA, Manoel Rodrigues. História dos sistemas eleitorais brasileiros. São Paulo: Nobel,
1976.
FERREIRA, Manuel Jesuíno. A Província da Bahia: apontamentos. Rio de Janeiro: Typographia
Naval, 1 8 7 5 .
FLEIUSS, Max. História administrativa do Brasil. 2 ed. São Paulo: Cia. Melhoramentos, 1 Jlj-
a
FLORY, R.J.D. Bahian Society in the Mid-Colonial Period the Sugar j™*"'£' P
Janeiro: J . O l y m p i o , 1 9 5 0 . 2 v.).
. Nordeste. Rio de J a n e i r o : J . O l y m p i o , 1 9 3 7 .
. Sobrados e mocambos — Decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano
5 a
ed. R i o de J a n e i r o : J . O l y m p i o / M E C , 1 9 7 7 . 2 v.
-. Vida social no Brasil nos meados do século XIX. T r a d . W a l d e m a r Valente. Recife-
Instituto de Pesquisas Sociais J o a q u i m N a b u c o , 1 9 6 4 .
F R I E I R O , Eduardo. O diabo na livraria do cónego. B e l o Horizonte: Itatiaia, 1 9 5 7 .
F U R E T , F . & D A U M A R D , A. Structures et relations sociales à Paris au XVIII e
siècle. Paris: A.
Colin, 1 9 6 1 .
F U R T A D O , Celso. La formation économique du Brésil. Paris/La Haye: M o u t o n , 1972 (ed.
brasileira: A formação econômica do Brasil. 6 ed. R i o de J a n e i r o : Fundo de Óuhura, 1964).
a
G R A H A M , Maria. Diário de uma viagem ao Brasil e de uma estada nesse pais durante parte dos
anos 1821, 1822 e ¡823. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1 9 5 6 .
G R A H A M , Richard. Grã-Bretanha e o início da modernização no Brasil (1850-1914). São Paulo:
Brasiliense, 1 9 7 3 .
G U D E M A N , S. & S C H W A R T Z S " C I •
o f Slaves in E i g h t e e n t h C e n t u r y in B ^ S ^ j ^ - t h o o d a n d t h R •
Practice in Latin America. C h a p e ! Hill , q«, y m
° n d S m
» h (ed ) S S - ?
G U I L L A U M E , Pierre. La population de^ordlaux au XIX > e
H E M M I N G , J o h n . Red gold: the conquest of the brazilian Indians. Londres: Mac Millan, 1978
H E R S K O V I T S , Melville J . Pesquisas etnológicas na Bahia. Salvador: Museu do Estado da Bahia
1943.
. " T h e social o r g a n i z a t i o n o f the c a n d o m b l é " . In: Anais do 31° Congresso Interna-
cional dos Americanistas, v. 1 . S ã o P a u l o : A n h e m b i , 1 9 5 5 .
H I L L , H e n r y . A view of the commerce of Brazil. Uma visão do comércio do Brasil em 1808. Trad.
G i l d a Pires. N o t a s L u i z H e n r i q u e Dias Tavares. Salvador: Banco da Bahia S.A., 1964.
L'Histoire quantitative du Brésil de 1800 à 1930. Paris: C N R S , 1 9 7 3 .
História da Igreja no Brasil. Ensaio de interpretação a partir do povo. Primeira época. Eduardo
H o o r n a e r t et alii. T o m o 2 . Petrópolis: Vozes, 1 9 8 0 .
História da Igreja no Brasil. Ensaio de interpretação a partir do povo. Segunda época. João Fagundes
H a u c k et alii. T o m o II/2. Petrópolis: Vozes, 1 9 8 0 .
História do Rio de Janeiro: do capital comercial ao capital industrial e financeiro. Rio de Janeiro:
IBMEC, 1978.
H O L A N D A , Sérgio B u a r q u e de. Clienteles et fidélités en Europe à l'époque moderne. (Hommage
à Roland Mousnier). Paris: P U F , 1 9 8 1 . .. .
. " A herança colonial - sua desagregação". In: História geral da civilização órasileira,
t. I I , v. 1. São Paulo: Difel, 1 9 6 4 . T mo Il-
idir.). História geral da civilização brasileira. T o m o I: A época colonial 2 v.
O Brasil monárquico, 5 v. São Paulo: Difel, 1 9 6 0 - 1 9 6 7 .
. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: J . Olympio, 1 9 5 6 .
. Visão do paraíso. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1977. Histórico
H O N Ó R I O , Sylvestre. " O sul da Bahia", Salvador: Revista do Instituto Geográpco
H U N T 1 N G T O N , S. The Soldier and the State. Nova Yorkr Vimage Bocks, 1964.
I A N N I , Octávio. As metamorfoses do escravo São Paulo:j M j f c V • ^
. Raças e classes sociais no Brasil. Rio de Jane.ro. & ™ % £ 1 8 a 9 ) . Rio de Janeiro:
I G L E S I A S , Francisco. Politica económica do governo provincial (1835
Instituto Nacional do Livro, 1958 Kondratieff. Aix-en-Provence: La Pensée
I M B E R T , Gascon. Des mouvements de longue durée Kondratieff
Universitaire, 1959-
732 BAHIA, SÉCULO X I X
1971.
Legislação brasileira (coleção cronológica das leis, decretos, resoluções de consulta, provisões,
BIBLIOGRAFIA
733
LUNA, Francisco Vidal & NERO DA COSTA, Iraci dei. Minas colonial: economia esocieOaa
São Paulo: FIPE/Pioneira, 1982. vAirfiesLumen
LUNA, Joaquim. Os monges beneditinos no Brasil. Esboço histórico. Rio de Janeiro. Edições Lumen
Christi, 1947.
734 BAHIA, SÉCULO X I X
Vozes, 1 9 7 6 . 2 v.
M A R C H A N T , Alexander. "Feudal and capitalistic elements in the portuguese settlement o f
Brazil". Hispanic American Histórica! Review, ( 2 2 ) : 4 9 3 - 5 1 2 , 1 9 4 2 .
. Do escambo à escravidão. São Paulo: C i a . Editora Nacional, 1 9 4 3 .
M A R C Í L I O , Maria Luiza. La ville de São Paulo, peuplement etpopulation, 1750-1850. Rouen,
Publ. Faculte de Rouen, 1 9 6 8 (ed. brasileira: A cidade de São Paulo, povoamento epopu-
lação, 1750-1850. São Paulo: Pioneira, 1 9 7 4 ) .
M A R I Z , Celso. Ibiapina. Um apóstolo do Nordeste. 2 ed. J o ã o Pessoa: Universidade da Paraíba,
a
1980.
M A R Q U E S , Xavier. O feiticeiro. Rio de Janeiro: Livraria Leste Ribeiro, 1 9 2 2 .
M A R T I N E Z , Maria do Socorro T a r g i n o . Ordens Terceiras, ideologia e arquitetura. Salvador:
Universidade Federal da Bahia, 1 9 7 9 (tese de mestrado não publicada).
M A S C A R E N H A S D E M O R A I S , João Batista (marechal). Memórias. Rio de Janeiro: Livraria
Olímpio, 1 9 6 9 . 2 v.
M A T T O S , Waldemar. Panorama econômico da Bahia, 1808—1960. Edição comemorativa o
sesquicentenário da Associação Comercial da Bahia. Bahia: Tipografia Manu, 1 9 6 1 .
M A T T O S O , Karia M . de Queirós. Bahia: a cidade do Salvador e seu mercado no século XIX São
Paulo: Hucitec, 1 9 7 8 .
-. "Bahia opulenta. U m a capital portuguesa no Novo M u n d o ( 1 5 4 9 - 1 7 6 3 ) " - Sao
Paulo: Revista de História, 1 1 4 : 5 - 2 0 , janeiro-junho de 1 9 8 3 .
BIBLIOGRAFIA
735
33-53U970 O O n
" ^ ^ d e s A m M
^ i L
"<»«> (5) :
39TÍ4^r 1 9 7 0 . f r a n C ê S
^ B a h U C m 1 8 2 4
"' ^ * * * * * ^
^ "Des Bahianais comme des autres? 20 Nouveaux Chrétiens du début du XVIII e
siècle
:1e". In: Festschrift für Hermann Kcllenbenz. Wirtschatskrafte und Wirtschaûwere
IV : 3 1 3 - 3 3 2 , Kletr-Cota, 1978. ' J g
1 A 2 l l A 2 3
. u , u u u u v - — j VIII Simpósio
n naciona,
Itabuna (1890-1930)". £
de História (Aracaju, setembro de Ijnh *
-36 BAHIA, SÉCULO X I X
MORSE, Richard. Formação histórica de São Paulo. São Paulo- Dife] 1970
da Costa, s/d.
O L I V E I R A V I A N A , Francisco J o s é de. Evolução do povo brasileiro. R i o de Janeiro: J . Olympio,
1956.
. Instituições políticas brasileiras. R i o de J a n e i r o : J . O l y m p i o , 1 9 5 5 .
. Introdução à história social da economia pré-capitalista no Brasil. Rio de Janeiro:
J . Olympio, 1 9 6 8 .
. O ocaso do Império. S ã o Paulo: M e l h o r a m e n t o s , 1 9 2 5 .
-. Populações meridionais do Brasil. R i o de J a n e i r o : Paz e Terra, 1 9 7 3 .
O N O D Y , Oliver. A inflação brasileira. R i o de J a n e i r o , 1 9 6 0 .
Ordres et classes (Colloque d'histoire sociale, S a i n t - C l o u d , 2 4 - 2 5 mai 1 9 6 7 ) . Paris, La Haye:
Mouton, 1973.
O T T , Carlos B . Formação e evolução étnica da cidade do Salvador. Salvador: Prefeitura Mu-
nicipal do Salvador, 1 9 5 7 . 2 v.
PAES M A C H A D O , Eduardo & O L I V E I R A , Eliene S i m o n e S . " C a c a u na Bahia". In: A in-
serção da Bahia na evolução nacional. Ia
etapa: 1850-1889. Salvador: Fundação de Pes-
quisas - C P E , 1 9 7 7 (exemplar datilografado).
P A M P O N E T , José Luís Sampaio. Evolução de uma empresa no contexto da industrialização
brasileira. A Companhia Empório Industrialdo Norte, 1891-1973. Salvador: Universidade
Federal da Bahia, 1 9 7 5 (tese de mestrado não publicada).
P A N T A L E Ã O , Olga. "A presença inglesa". In: História geral da civilização brasileira. Wh 1964.
P A R A Í S O B O R G E S , Alberto Salles (org.). 150 anos da Polícia Militar da Bahia. Salvador:
Empresa Gráfica, 1 9 7 5 .
P E D R O II ( D o m ) . Diário da viagem ao Norte do Brasil, 1859. Bahia: Livraria Progresso, 1959.
Pelourinho Informa. Salvador: Fundação do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia, 3 - 4 ,
1 9 7 9 . 4 v.
P E R E I R A , N u n o Marques. Compêndio narrativo do peregrino da América, 6» ed. Rio de Ja-
neiro: Academia Brasileira, 1 9 3 9 . 2 v. ,
P E R E I R A D E Q U E I R O Z , Maria Isaura. Bairros rurais paulistas. São Paulo: Duas Cidades,
1973.
. O campesinato brasileiro. Petrópolis: Vozes/Edusp, 1 9 7 3 .
—. O mandonismo local na vida politica brasileira. São Paulo: IEB/USP, 1969.
BIBLIOGRAFIA
• 739
O
messianismo no Brasil e ho mundo. São Paulo: AJfa-O,
P E R R O T . J e a n C l a u d e . Genèse d'une ville modZecZen T^n^Tv n
M o u t o n , 1 9 7 5 . 2 v. 1 1 s , è c l e
- Pans/La Haye:
P E R R U C I , Gadiel. " L e s prix à Recife ( 1 7 9 0 - 1 8 5 0 1 " In- T'Ut* •
1800 à ¡930. Paris: C N R S . 1 9 7 3 . ' putative du Brésil de
"Quatro séculos de história da Bahia". Salvador: Revista Fiscal da Bahia, 1 9 4 9 (edição especial
dedicada ao I V centenário da fundação da cidade do Salvador).
Q U E I R O Z , Suely Robles de. Escravidão negra em São Paulo. Um estudo das tensões provocadas
pelo escravismo no século XIX. R i o de Janeiro: J . O l y m p i o / M E C , 1 9 7 7 .
Q U E N I A R T , J e a n . Les hommes* PEglise et Dieu dans la France du XVIII e
siècle. Paris: Hachette
1978.
Q U E R I N O , Manoel. "A cadeirinha de arruar". In: A Bahia de outrora. Bahia: Livraria Eco-
nômica, 1 9 1 6 .
. Costumes africanos no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1 9 3 8 .
. " O s homens de cor preta na História". Revista do Instituto Geográfico e Histórico da
Bahia, 4 8 : 3 5 3 - 3 6 9 , 1 9 2 3 .
R A M O S , Arthur. A aculturação negra no Brasil São Paulo: C i a . Editora Nacional, 1 9 4 2 .
. " O espírito associativo do negro brasileiro". RAM Al : 1 0 5 - 1 2 6 , 1 9 3 8 .
. O negro brasileiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1 9 3 4 .
. O negro na civilização brasileira. R i o de Janeiro: E d . Casa dos Estudantes do Brasil
s/d.
R E B E L L O , D o m i n g o s José A n t ô n i o . Corografia ou abreviada história geográfica do Império do
Brasil. Bahia: Typographia Imperial e Nacional, 1 8 2 9 (Revista do Instituto Geográfico e
Histórico da Bahia, 1 9 2 9 , p. 1 4 0 - 1 6 5 ) .
R E B O U Ç A S , Diógenes & G O D O F R E D O Filho. Salvador da Bahia de Todos os Santos no
século XIX. Salvador: Odebrecht S.A., 1 9 7 9 .
Recenseamento de 1872 (1° de agosto). Biblioteca Nacional, Seção de Livros Raros.
R E D F I E L D , R., L I N T O N , R. & H E R S K O V I T S , M J . "Outline for the study ofacculturation".
American Anthropologist, 3 8 : 8 7 - 1 3 0 , 1 9 3 6 .
R E G O , José Lins do. Bangüê. R i o de Janeiro: J . O l y m p i o , 1 9 3 4 .
. Fogo morto. Rio de Janeiro: J . O l y m p i o , 1 9 4 3 .
. Menino de engenho. R i o de Janeiro: J . O l y m p i o , 1 9 6 9 .
REIS, João José. "A elite baiana face aos movimentos sociais. Bahia, 1824—1840". São Paulo:
Revista de História, 1 0 8 : 3 4 1 - 3 4 8 , 1 9 7 6 .
• . Slave Rebellion in Brazil: The African Muslim Uprising in Bahia, 1835* Minneapolis:
University o f Minnesota, 1 9 8 2 (tese de doutorado, ed. brasileira: Rebelião escrava no
Brasil: a história do levante dos males, 1835. São Paulo: Brasiliense, 1 9 8 6 ) .
. Slave Revolt in Bahia, 1790-1835: Economy, Society, Demography. Minneapolis:
University o f Minnesota, 1 9 7 7 (tese de mestrado não publicada).
REIS F I L H O , Nestor Goulart. Evolução urbana do Brasil, 1500-1720. São Paulo: Pioneira,
1968.
R H E I N G A N T Z , Carlos G . Titulares do Império. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, i 9 6 0 .
R I B E I R O , Boanerges. O padre protestante. São Paulo: Cia. Editora Presbiteriana, 1950.
R I B E I R O , João. História do Brasil. 2 ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1 9 0 1 .
a
•"° C ,
7 r 0
- 3 I n
í )
d e
/ e n d ê n c Í
D
a
''
R
r ista de
^asiUiros, (32) : 3 0 9 - 3 2 6 , 1 9 7 2
— . Conciliação e Reforma no Brasil. Um desafio histérico cultural Rio de Janei o S
vihzaçao Brasileira, 1 9 6 5 . *j*ncuo. ^i-
. História e historiadores do Brasil R i o de Janeiro: Fulgor, 1 9 6 5 .
. Independência, revolução e contra-revolução. Rio de Janeiro: J . Olympio 1967
. Teoria da história do Brasil 2* ed. São Paulo: Cia. Editora Nacional 1957
— (dir. e i n t r o d . ) . " T e r c e i r o C o n s e l h o de Estado, 1 8 7 5 - 1 8 8 0 " . Brasília: Atas do Con-
selho de Estado, v. I X , 1 9 7 3 .
R O D R I G U E S , Leda M a r i a Pereira. A instrução feminina em São Paulo. Subsídios para sua
história até a proclamação da República. São Paulo: Faculdade de Filosofia Sedes Sapientiae,
1962.
R O D R I G U E S , N i n a . Os africanos no Brasil 5 ed. Rev. e pref. H o m e r o Pires. São Paulo: Cia. a
Editora N a c i o n a l , 1 9 7 7 .
R O M A N O , R o b e r t o . Brasil: Igreja contra Estado (crítica ao populismo católico). São Paulo: Kairos
1979.
R O N Z I , A. " C e n a s da vida baiana. As m i n h a s amáveis vizinhas quando eu morava à rua...". In:
David Salles (org. e i n t r . ) . Primeiras manifestações da ficção na Bahia. Salvador: Univer-
sidade Federal da Bahia, 1 9 7 3 .
R O S A D O , R i t a de Cássia Santana de Carvalho. O porto de Salvador, 1854-189L Salvador:
Universidade Federal da Bahia/Cia. de Docas do Estado da Bahia, 1 9 8 3 .
R U G E N D A S , J o ã o M a u r í c i o . Viagem pitoresca através do Brasil São Paulo: Livraria Martins,
1954.
R U S S E L - W O O D , A . J . R . "Aspectos da vida social das irmandades leigas da Bahia no século
X V I U " . In: Bicentenário de um monumento baiano. Salvador: Beneditina Ltda., 1 9 7 1 ,
p. 1 4 5 - 1 6 0 .
-. " B l a c k mulatto brotherhood in colonial Brazil: a study in collective behaviour".
Hispanic American Historical Review, 54 (4) : 5 6 7 - 6 0 2 , 1 9 7 4 .
. "Colonial Brazil". In: D . W . C o h e n and J . P . Grenne (ed.). Neither Slaves nor Free.
Baltimore, 1 9 7 2 .
-. Fidalgos and Philanthropists. The Santa Casa de Misericórdia of Bahia, 1550-1755.
Berkeley: University o f California Press, 1 9 6 8 .
SÁ M E N E Z E S , J . de. "Família C a l m o n " . Salvador: Revista do Instituto Genealógico da Bahia,
(16) : 125-168, 1968.
SÁ O L I V E I R A , J . B . Evolução psíquica do povo baiano. Bahia: 1 8 9 8 . ^
S A I N T H l LAI R E , Auguste de. Segunda viagem do Rio de Janeiro a Minas Gerais e òao au o.
São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1 9 3 8 . ... , p 9 7 2
Â
"42 BAHIA, SÉCULO X I X
Nacional, 1 9 6 7 . - . ^oyo
S I Q U E I R A , Sónia A- A inquisição portuguesa e a sociedade colonial São Paulo: Uttel, • i J f
^ ^ ^ ^ ^ ^ ^ ^ ^ ^ , . 5 ^ Calunia:
Stanford University, 1 9 7 6 (tese de doutorado não publ.cada;.
744 BAHIA, SÉCULO X I X
S M I T H , David G . The Mercantile Class of Portugal and Brazil in the Seventeenth Century-
A Socio-Economie Study of the Merchants of Lisbon and Bahia. Austin: University o f Texas
at Austin, 1 9 7 5 (tese de doutorado não publicada).
S O A R E S , Sebastião Ferreira. Notas estatísticas sobre a produção agrícola e a carestia dos géneros
alimentícios no Império do Brasil Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1 9 7 7 ( I ed. 1 8 6 0 ) a
Editora Nacional/USP, 1 9 7 1 .
S O D R É , Nelson Werneck. Formação histórica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1 9 6 2 .
. História da burguesia brasileira. 2 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967
a
p^' p S S . y t Ä "
:
B a H a
' 7 9 S < A C o
" M
* « S ä
°
-. A Independência do Brasil na Bahia. R i o de J a n e i r o : Civilização Brasileira, 1 9 7 7 .
. O p r o b l e m a da involução industrial da Bahia. Salvador: Universidade Federal da
Bailia, 1 9 6 6 .
T A V A R E S , O d o r i c o . Bahia. 3 a
ed. R i o de J a n e i r o : Edições de O u r o , s/d.
T A V A R E S B A S T O S . A Província. 2* ed. São Paulo: C i a . Editora Nacional, 1 9 3 7 ( I a
ed Rio
de J a n e i r o , 1 8 7 0 ) . °
T U R N B U L L , J o h n . A voyage round the world in theyears 1800, 1801, 1802, 1803 and 1804,
in which the author visited Madeira, the Brazils, cape ofGood Hope, the engltsb settumm
at Botany bay and Norfolk islands in the Pacific Ocean. 2* ed. Londres: Maxwell, ^
U R I C O E C H E A , Fernando. O Minotauro Imperial. A burocratização do Estado patrtmoma n
século XIX. São Paulo: Difcl, 1 9 7 8 . . . . .
U R U G U A I , Visconde de (Paulino José Soares dc Souza). Ensaio sobre o Direito AOnum
Rio dc Janeiro: Typographia Nacional, 1 8 6 2 . 2 v. Nacional,
V A L E N T E , W a l d e m a r . Sincretismo religioso afro-brasileiro. São Paulo: Cia. Editora aci
refluxo do tráfego de escravos entre o golfo de Benin e a Bahia de Todos os Santos: dos séculos
XVII a XIX. São Paulo: Corrupio, 1 9 8 7 ) .
. Noticias da Bahia - 1850. Salvador: Corrupio, 1 9 8 1 .
V I A N A , Francisco Vicente. Memória sobre o Estado da Bahia. Bahia: Tipografia e Encaderna-
ção do Diário da Bahia, 1 8 9 3 .
V I A N A , Hildergardes. A Bahia já foi assim. Salvador: Itapuã, 1 9 7 3 .
. A cozinha baiana. Seu folclore, suas receitas. Bahia: Fundação Gonçalo Muniz, 1955
. I . "Manual dos namorados" {A Tarde, Salvador, 21/11/67); II. "Linguagem muda
do n a m o r o " {A Tarde, Salvador, 2 6 / 1 1 / 6 7 ) .
V I A N A F I L H O , Luís. O negro na Bahia. R i o de Janeiro: J . O l y m p i o , 1 9 4 6 .
. A sabinada. Rio de Janeiro: J . O l y m p i o , 1 9 3 8 .
V I A N A M O O G . Bandeirantes e pioneiros. Rio de J a n e i r o : E d . G l o b o , 1 9 5 4 .
V I A N N A , A n t o n i o . Casos e coisas da Bahia. Salvador: Publicações do Museu do Estado, 1 9 5 0 .
V I A N N A , Hélio. História do Brasil 6 a
ed. São Paulo: Melhoramentos, 1 9 6 7 . 2 v.
. Vultos do Império. São Paulo: C i a . Editora Nacional, 1 9 6 8 .
V I E I R A , Dorival Teixeira. O problema monetário brasileiro. São Paulo: Instituto de Economia
e Finanças Gastão Vidigal, 1 9 5 2 .
V I E I R A N A S C I M E N T O , A n a Amélia. Le couvent de Sainte Claire au Désert. Amiens: Université
d'Amiens, 1 9 7 7 (tese de mestrado não publicada).
V I L A R , Pierre. Une histoire en construction. Approche marxiste et problématiques conjoncturelles.
Paris: Hautes Etudes/Gallimard/Seuil, 1 9 8 2 .
. "Remarques sur l'histoire des prix". Paris: Annales (Economies, Sociétés, Civilisations)
4 : 110-115, 1961.
V I L H E N A , Luiz dos Santos. A Bahia no século XVIIL Salvador: Itapuã, 1 9 6 9 . 3v.
V I L L A Ç A , Antonio Carlos. História da questão religiosa no Brasil Rio de Janeiro: Francisco
Alves, 1 9 7 4 .
V I O T T I D A C O S T A , Emilia. Da Monarquia ã República. Momentos decisivos. São Paulo:
Grijalbo, 1 9 7 7 .
— —. Da senzala à colônia. São Paulo: Difel, 1 9 6 6 .
V O U E L L E , Michel. Piété Baroque et Déchristianisation en Provence au XVIII e
siècle. Paris: Pion,
1973.
W A G L E Y , Charles. Introduction to Brazil Nova York: Columbia University Press, 1968.
— . Races et classes dans le Brésil rural Paris: Unesco, 1 9 5 2 .
. A revolução brasileira. Salvador: Fundação para o Desenvolvimento de Ciência na
Bahia, 1 9 5 9 .
W A G L E Y , Charles, A Z E V E D O , Thaïes de & C O S T A P I N T O , Luiz A. Uma pesquisa sobre a
vida social no Estado da Bahia (com texto em inglês). Salvador: Museu do Estado, 1950.
W E S T P H A L E N , B A C H & ( C R O H N . Centenário 1828-1928. Bahia: 1 9 2 8 .
W E T H E R E L L , James. Brasil Apontamentos sobre a Bahia, 1842-1857. Apres, e trad. Miguel
P. do Rio Branco. Salvador: Banco da Bahia, 1 9 7 2 .
W I E D - N E U W I D , Maximiliano (Príncipe). Viagem ao Bnisilnos anos de 1815a 1817 São Paulo:
Cia. Editora Nacional, 1 9 5 8 .
BIBLIOGRAFIA 747
9
Este livro foi impresso na cidade de Petrópolis,
em março de 1992, pela Editora Vozes Ltda.
* para a Editora Nova Fronteira do Rio de Janeiro.
O tipo usado no texto foi Garamond no corpo 11/14.
Os-fotolitos do miolo foram feitos pela Scritta Oficina Editorial,
e os da capa, pela Grafcolor Reproduções Gráficas.
O papel do miolo é pólen 70g,
c o da capa, cartão supremo 240g.
inglesa).
O r i g i n a r i a m e n t e t e s e de D o u t o r a d o de E s t a d o ,
a p r e s e n t a d a em 1 9 8 6 à Universidade de
Paris I V — S o r b o n n e , este texto teve a oportunidade
de s e r a n a l i s a d o p o r u m a b a n c a n a q u a l c o n s t a v a m
alguns dos mais ilustres h i s t o r i a d o r e s da F r a n ç a ,
como P i e r r e C h a u n u , E m m a n u e l Le Roy L a d u r i e ,
J^an-Marie Mayeur e François Crouzet. (...)
C o u b e - m e , e m b o r a m o d e s t a m e n t e , a h o n r a de
p a r t i c i p a r dessa c o m i s s ã o . (...) E aqui presto o meu
d e p o i m e n t o : a t e s e d e K a t i a M a t t o s o foi
minuciosamente examinada, durante cinco horas, e
a c l a m a d a , p o r unanimidade, como um trabalho
magistral, d a d o o seu r a r o nível de e x c e l ê n c i a .
Como c o r o l á r i o , e n u m a d e m o n s t r a ç ã o de que
cabe à U n i v e r s i d a d e a b s o r v e r os v a l o r e s e x p o n e n c i a i s
q u e a e l a se r e v e l a m , foi c r i a d a a c á t e d r a d e
História do B r a s i l em P a r i s I V — S o r b o n n e ,
cabendo a K a t i a de Queirós Mattoso o c u p a r
a sua p r i m e i r a regência como titular.
E0IT0RA
NOVA"
FRONTEIRA
SEMPRE
UM BOM
LIVRÇ)