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Introdução

A Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 54, ajuizada


pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), foi um marco na luta pelo direito das
mulheres à saúde reprodutiva e à autonomia. A ADPF questionou a
constitucionalidade de diversos dispositivos do Código Penal que criminalizavam o
aborto em todas as situações, exceto em casos de estupro ou risco de vida para a
mulher. Os ministros do STF, por maioria de votos, decidiram que a criminalização
do aborto viola diversos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal,
como o direito à vida, saúde, liberdade, igualdade e dignidade da pessoa humana.
Neste fichamento, irei analisar em detalhes a decisão da ADPF 54, com foco
na fundamentação jurídica utilizada pelos ministros do STF para chegar à conclusão
de que a criminalização do aborto é inconstitucional. Para isso, irei me basear em
diversas fontes, como o texto da ADPF 54, os votos dos ministros, artigos
acadêmicos e outras fontes relevantes.
Inicialmente, irei apresentar o contexto em que a ADPF 54 foi proposta,
destacando as violações aos direitos das mulheres que ocorriam devido à
criminalização do aborto. Em seguida, irei analisar a fundamentação jurídica
utilizada pelos ministros do STF para chegar à conclusão de que a criminalização do
aborto é inconstitucional, com destaque para os dispositivos constitucionais
invocados e os argumentos apresentados.
Por fim, irei discutir as implicações da decisão da ADPF 54 para a luta pelo
direito das mulheres à saúde reprodutiva e à autonomia, bem como as críticas e
contestações que surgiram após a decisão.

Fundamentação Jurídica

A fundamentação jurídica da ADPF 54 foi baseada em diversos dispositivos


constitucionais, entre os quais se destacam o direito à vida, saúde, liberdade,
igualdade e dignidade da pessoa humana. O argumento central da ADPF 54 foi que
a criminalização do aborto em todas as situações, exceto em casos de estupro ou
risco de vida para a mulher, viola esses direitos fundamentais.
Um dos principais dispositivos constitucionais invocados na ADPF 54 foi o
artigo 5º, caput, da Constituição Federal, que estabelece que "todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza". Os ministros argumentaram que
a criminalização do aborto em todas as situações, exceto em casos de estupro ou
risco de vida para a mulher, discrimina as mulheres em relação aos homens, uma
vez que apenas elas são afetadas pela restrição legal.
Outro argumento invocado pelos ministros foi o previsto no artigo 196 da
Constituição Federal, que garante a todos o acesso universal e igualitário às ações e
serviços de saúde. Eles argumentaram que a criminalização do aborto impede o
acesso das mulheres a serviços de saúde reprodutiva, o que pode levar à realização
de abortos inseguros e clandestinos, colocando em risco a vida e a saúde das
mulheres.
Outro dispositivo constitucional utilizado na argumentação foi o previsto no
artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, que garante a liberdade individual de
fazer escolhas e tomar decisões sobre sua própria vida e seu próprio corpo. Os
ministros argumentaram que a criminalização do aborto impede as mulheres de
exercerem sua autonomia, uma vez que as obriga a levar adiante uma gestação
indesejada, mesmo contra sua vontade.
Por fim, os ministros trouxeram o princípio da dignidade da pessoa humana,
previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, que estabelece que a
dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da república brasileira. O
argumento é que a criminalização do aborto viola a dignidade das mulheres, uma
vez que as trata como criminosas e impede que elas decidam sobre suas próprias
vidas e seus próprios corpos.

Argumentos do PSOL

O PSOL argumentou que a criminalização do aborto nos termos do Código


Penal brasileiro violava diversos preceitos fundamentais previstos na Constituição
Federal e em tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil. Os
principais argumentos apresentados foram:

1. O direito à vida, à saúde e à dignidade da pessoa humana: a criminalização do


aborto colocava em risco a saúde e a vida das mulheres que decidiam interromper a
gestação de forma clandestina e insegura. Além disso, a penalização dessas
mulheres e dos profissionais de saúde que as ajudavam violava a dignidade da
pessoa humana.

2. O direito à igualdade entre homens e mulheres: a criminalização do aborto


prejudicava especialmente as mulheres mais pobres e vulneráveis, que não tinham
acesso a serviços de saúde seguros e de qualidade. Isso criava uma situação de
desigualdade em relação aos homens, que não enfrentavam os mesmos riscos e
obstáculos para decidir sobre sua vida reprodutiva.

3. A autonomia e a integridade física e psicológica da mulher: a criminalização do


aborto violava a autonomia e a liberdade das mulheres de decidir sobre seu próprio
corpo e sua vida reprodutiva. Além disso, a penalização gerava um estigma social
que afetava a integridade física e psicológica das mulheres.

Decisão do STF

A decisão da ADPF 54, proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em


2012, foi um marco na história dos direitos das mulheres no Brasil. A ação
questionou a constitucionalidade dos artigos 124 e 126 do Código Penal Brasileiro,
que criminalizavam o aborto em todas as situações, exceto em casos de estupro ou
risco de vida para a mulher.
A argumentação foi baseada na defesa dos direitos reprodutivos das
mulheres, na garantia do direito à vida e à saúde e na defesa da dignidade da
pessoa humana. Os argumentos da ação foram de que a criminalização do aborto
violava esses princípios, pois impunha às mulheres riscos à sua saúde e vida, além
de ferir sua autonomia e privacidade.
Ademais a decisão da ADPF 54 foi favorável à ação, reconhecendo a
inconstitucionalidade dos artigos do Código Penal que criminalizavam o aborto nos
três primeiros meses de gestação. O julgamento foi marcado por intensos debates
entre os ministros do STF, e a decisão foi tomada por uma maioria apertada, com
sete votos favoráveis e quatro contrários.

Votos dos Ministros


Os ministros que votaram a favor da descriminalização do aborto nos casos
previstos na ADPF 54 apresentaram argumentos diversos para fundamentar suas
posições. O ministro Marco Aurélio, por exemplo, afirmou que a criminalização do
aborto nos três primeiros meses de gestação viola o direito à liberdade e à
autonomia da mulher. Segundo ele, o Estado não pode impor uma decisão que afeta
a vida íntima e pessoal das mulheres.
Já o ministro Luiz Fux argumentou que a criminalização do aborto não é
eficaz para evitar a prática do aborto, mas apenas a torna mais perigosa e prejudica
a saúde e a vida das mulheres. Ele defendeu que a descriminalização do aborto nos
casos previstos na ADPF 54 seria uma medida mais eficaz para proteger a saúde e
os direitos das mulheres.
Por outro lado, os ministros que se posicionaram contrários à
descriminalização do aborto nos casos previstos na ADPF 54 argumentaram que a
Constituição Federal protege o direito à vida desde a concepção, o que inclui o feto
em desenvolvimento. Para esses ministros, a descriminalização do aborto seria uma
forma de relativizar esse direito fundamental e abrir um precedente perigoso para a
proteção da vida humana.
O ministro Celso de Mello, por exemplo, argumentou que "o direito à vida é o
mais importante dos direitos fundamentais, e que a proteção à vida deve prevalecer
sobre outros direitos". Ele defendeu que o aborto deve ser permitido apenas em
casos excepcionais, como nos casos de estupro ou risco de vida para a mulher.
O ministro Gilmar Mendes também se posicionou contra a legalização do
aborto, argumentando que "a questão é moral e não jurídica". Ele defendeu que a
legalização do aborto seria uma questão de consciência individual, e que a decisão
sobre a realização ou não do aborto deve ser tomada por cada mulher, de acordo
com suas crenças e valores.

Consequências da ADPF 54

A ADPF teve importantes consequências para a luta pelo direito das mulheres
à saúde reprodutiva e à autonomia no Brasil. A decisão do STF de declarar a
inconstitucionalidade da criminalização do aborto em todas as situações, exceto em
casos de estupro ou risco de vida para a mulher, teve impactos significativos em
diferentes esferas, tais como:

1. Avanço no debate público: A decisão da ADPF 54 abriu espaço para o


debate público sobre o aborto no Brasil. Antes da decisão, o tema era pouco
discutido na sociedade e muitas mulheres eram obrigadas a recorrer a métodos
inseguros e clandestinos para interromper uma gravidez indesejada. Com a decisão,
foi possível ampliar a conscientização sobre os riscos da criminalização do aborto e
sobre a importância do acesso à saúde reprodutiva.

2. Proteção à saúde das mulheres: A criminalização do aborto em todas as


situações colocava em risco a saúde e a vida das mulheres, que muitas vezes
recorriam a métodos inseguros e clandestinos para interromper a gravidez. Com a
decisão da ADPF 54, as mulheres passaram a ter mais segurança e proteção à
saúde, já que podem agora buscar atendimento médico adequado e seguro para a
realização do aborto nos casos permitidos por lei.

3. Despenalização de mulheres: A decisão da ADPF 54 também teve como


consequência a despenalização das mulheres que realizam o aborto nos casos
permitidos por lei. Antes da decisão, as mulheres que realizavam o aborto eram
criminalizadas e poderiam ser condenadas a até três anos de prisão. Com a
decisão, as mulheres deixaram de ser consideradas criminosas e passaram a ter
seus direitos respeitados.

4. Fortalecimento dos direitos das mulheres: A decisão da ADPF 54


representou um importante avanço na luta pelo direito das mulheres à autonomia e à
liberdade reprodutiva. A partir dela, foi possível fortalecer a defesa dos direitos das
mulheres e combater a violência de gênero e a discriminação.

5. Resistência de grupos conservadores: A decisão da ADPF 54 enfrentou


forte resistência de grupos conservadores e religiosos, que argumentam que a
decisão viola o direito à vida dos fetos e a proteção à família. Esses grupos
continuam lutando contra a decisão e buscando maneiras de restringir o acesso das
mulheres ao aborto legal.
Conclusão

Sendo assim, a ADPF 54 foi uma ação proposta pelo PSOL para questionar a
constitucionalidade da criminalização do aborto nos termos do Código Penal
brasileiro. A decisão do STF de declarar a inconstitucionalidade da criminalização do
aborto em todas as situações, exceto em casos de estupro ou risco de vida para a
mulher, foi baseada em uma fundamentação jurídica sólida e ampla, com bases
constitucionais, como por exemplo o artigo 5, II.
A decisão teve importantes implicações para a luta pelo direito das mulheres
à saúde reprodutiva e à autonomia. A partir dela, foi possível avançar na discussão
sobre o aborto no Brasil, abrindo espaço para o debate público e para a criação de
políticas públicas que respeitem os direitos das mulheres. No entanto, a decisão
também enfrentou críticas e contestações por parte de grupos conservadores e
religiosos, que argumentam que a decisão viola o direito à vida dos fetos e a
proteção à família.
Por fim, é importante destacar que a decisão é um exemplo de como o Poder
Judiciário pode ser utilizado para a promoção dos direitos humanos e para a
garantia da igualdade e da justiça social. A luta pelo direito das mulheres à saúde
reprodutiva e à autonomia ainda enfrenta muitos obstáculos, mas a decisão da
ADPF é um importante passo nessa direção.

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