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Direito Constitucional Contemporâneo - Sebenta

Direito Constitucional Contemporaneo (Instituto Superior de Contabilidade e


Administração de Coimbra)

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DIREITO CONSTITUCIONAL
CONTEMPORÂNEO

1º ANO / 1º Semestre
2020/2021

Licenciatura em Solicitadoria e Administração

Mariana Marques

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Índice
Parte I – A Constituição
1. Constituição: um texto?.....................……………………………………………………4
2. Constituição: um só texto? A Constituição instrumental……………………….4
3. Constituição: mais do que o(s) texto(s)?...................................................5
4. Constituição: menos do que o texto? A questão das normas só
formalmente constitucionais………………………………………………………………..5
Parte II – A Constituição República Portuguesa de 1976
A) Génese da CRP: o exercício do poder constituinte originário
1. A Constituição de 1976 como resposta constitucional da nova
República………………………………………………………………………………………12
2. A CPR no quadro do constitucionalismo português: continuidade e
ruturas………………………………………………………………………………………….15
3. A CRP e as matrizes constitucionais estrangeiras……………………………17
4. Os momentos constitucionais……………………………………………………….17
B) Caracterização da CRP
1. A estrutura da Constituição……………………………………………………………19
2. As características formais………………………………………………………………20
C) A evolução da Constituição de 1976: o exercício do poder constituinte
derivado
1. As revisões constitucionais……………………………………………………………21
2. Garantia da Constituição e revisão constitucional………………………….23
Parte III – Princípios Constitucionais estruturantes da República
Portuguesa
1. Princípio do Estado de Direito……………………………………………………..……..29
2. Princípio Democrático………………………………………………………………………..40
3. Princípio da Socialidade………………………………………………………………………47
Parte IV – Direitos fundamentais
1. Tipologia dos direitos fundamentais……………………………………………………55
2. Regime geral dos direitos fundamentais……………………………………………..59
3. Regime específico dos direitos, liberdades e garantias………………………..64
4. Proteção dos direitos fundamentais
a) Meios de defesa jurisdicionais……………………………………………………….70
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b) Meios de defesa não jurisdicionais…………………………………………………77


c) Defesa de direitos perante autoridades administrativas
independentes………………………………………………………………………………79
d) Proteção internacional………………………………………………………………….81
e) Proteção na União Europeia………………………………………………………….82
Parte V – Justiça Constitucional
1. Caracterização global do sistema português vigente: sistema misto e
complexo……………………………………………………………………………………………84
2. Parâmetro do controlo ou determinação do “bloco de
constitucionalidade”…………………………………………………………………………..84
3. Objeto de controlo: o conceito funcional de norma…………………………….87
4. Sujeitos do controlo……………………………………………………………………………88
5. Sanções do controlo……………………………………………………………………………89

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Parte I – A Constituição
Direito?
• A especificidade da experiência jurídica face a outras dimensões da
coexistencialidade
o O direito e as outras ordens sociais (v.g., a ordem religiosa, a ordem moral, a
ordem do trato social…)
• A relação como prius (primeiro/anteriormente)
o A natureza eminentemente social do homem
Constituição: um texto?
Constituição – estruturação do corpo político de uma comunidade, que surge da
fundação ou refundação do ordenamento estatal, ou seja, ou da criação do próprio
Estado e subsequente ordem jurídico-política, ou de uma vicissitude constitucional que
tenha como consequência a modificação de toda a ordem em causa. Conjunto de
regras jurídicas codificadas num texto ou em costumes, e que possuem
superioridade hierárquica em relação às outras regras jurídicas, visto serem
atravessadas por princípios aos quais é atribuído um valor específico superior.
Os usos da Constituição
• Todos os países têm uma constituição – sentido descritivo
• Nem todos os países têm um documento escrito chamado constituição –
constituição como documento
• Nem todos os países que têm um documento escrito chamado constituição
possuem…uma constituição! – sentido normativo
O Corpus Constitucional
O corpus da constituição, que se define como conjunto limitado de materiais
normativos que formam a constituição, constitui não um dado, mas sim um
problema. São candidatos positivos os materiais normativos que fazem parte da
constituição, candidatos negativos os materiais não reentrantes na constituição, e
candidatos neutrais aqueles que suscitam dúvidas quanto à sua integração na
constituição.
Constituição: um só texto? A Constituição instrumental
• O texto: a Constituição instrumental
Alguns autores consideram que o corpus constitucional é todo o texto
constitucional, ou seja, existe identificação entre constituição e
constitucional formal. Surge o conceito de constituição instrumental –

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constituição enquanto um texto escrito.


Constituição: mais do que o(s) texto(s)?
• Reenvios constitucionais (v.g., o hino nacional e a bandeira nacional)
• O costume constitucional (v.g., as eleições legislativas e os “candidatos
a primeiro-ministro”)
• As interpretações do texto: o papel da justiça constitucional (v.g., a
judicial review, Brown v. Board of Education of Topeka – “Separate
but Equal”)
Constituição: menos do que o texto? A questão das normas só
formalmente constitucionais
Existem normas que, embora inseridas no texto, não são normas
materialmente constitucionais, não possuem dignidade constitucional. São
exemplos:
• Normas com importância transitória
• Normas de escassa relevância constitucional
• Normas de carácter compromissório
• Normas técnicas
O problema suscitado pela redução do corpus constitucional é a falta de
critérios seguros para aferir da constitucionalidade das normas, aliada à
impossibilidade de reconhecer ao intérprete o direito de
“desconstitucionalizar”. Assim, e como reconhecer a existência de normas
apenas formalmente constitucionais implicaria correr o risco de quebrar a
unidade normativa da constituição, consideramos que todas as normas da
constituição têm o mesmo valor, ou seja, fazem parte do corpus constitucional.
Ex:
PARTIDOS A B C D
40% 20% 10% 30%
Imaginar que o partido A tem mais votos, mas não tem a maioria. Mas o presidente
vai elegê-lo. Isto acabou de ser posto em causa pois não tinha mais votos, mas
coligado faziam a maioria então esse ganharia. Às vezes gera um costume
constitucional que afinal se acabou por desvanecer. É mais do que o texto quando
se acrescenta esse costume a uma lei que visa à eleição de um partido mais votado.
A jurisprudência (é um termo jurídico, que significa o conjunto das decisões,
aplicações e interpretações das leis. Também é descrita como a ciência do
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Direito e do estudo das leis) diz que uma lei tem maior interpretação do que aquilo
escrito e daí a constituição ter uma dimensão intrínseca e vai ser relevante à
interpretação do Estado.

- Elimina todas as
normas contra

Para alterar as normas é necessário um conjunto de requisitos mais graves,


exigentes do que aqueles que são exigidos. Que são os procedimentos de revisão
constitucional.
Cartografia constitucional: o Direito Constitucional no Quadro dos
Saberes
• O Direito constitucional no quadro da summa divisio Direito Público e Direito
Privado
o O Direito constitucional como ramo do direito público
O Direito Constitucional constitui um ramo do direito público, e opõe-se a
outros saberes como a Teoria Geral do Estado, a Ciência Política, o Direito
do Estado, etc. Contudo, é necessário dominar estas áreas do saber para
compreender o Direito Constitucional.
Direito constitucional tem repercussão também no privado, mas nasce para
controlar a disputar entre o estado e o povo. Não vive sozinho pois todas
as ciências nos ajudam a entender a constituição. Nos EUA há o direito
constitucional comparado.
O Direito Constitucional no quadro da divisão direito público/direito privado
Apesar dos campos do direito público e direito privado não serem dois campos
estanques, podemos distingui-los segundo diferentes critérios:
• Posição dos sujeitos: enquanto que no direito público há uma relação de supra-
infra-ordenação entre os sujeitos, no direito privado os sujeitos encontram‐se
num plano de paridade. Este critério não é, porém, absoluto.

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• Teoria dos interesses: o direito público persegue interesses públicos, enquanto


que o direito privado se rege por interesses privados.
• Teoria da especialidade
Contudo, esta distinção entre direito público e direito privado é meramente
tendencial, visto que a linha que separa estes dois campos tem-se vindo
progressivamente a atenuar.
Ciências constitucionais e outros saberes
• Ciências constitucionais: disciplinas cujo objeto de compreensão e investigação é
o Direito Constitucional e a Constituição
o Doutrina do Direito Constitucional
o Teoria da Constituição
o História Constitucional
o Política Constitucional
o Direito Constitucional comparado
• Direito Constitucional e outros saberes pertinentes: ciências que versam, com
métodos ou perspetivas diferentes, os problemas constitucionais ou se referem a
questões de relevante interesse para a doutrina do Direito Constitucional
o Teoria Geral do Estado
o Direito do Estado
o Ciência Política
o Teoria Política
o Ética Política
CONSTITUIÇÃO E CONSTITUCIONALISMOS
Movimentos constitucionais e constitucionalismo
Em termos rigorosos, não há um constitucionalismo mas vários constitucionalismos (o
constitucionalismo inglês, o americano e o francês).
Constitucionalismo – teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do governo limitado
indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização
político-social de uma comunidade.
Neste sentido, o constitucionalismo moderno representará uma técnica específica de
limitação do poder com fins garantísticos. O conceito de constitucionalismo transporta,
assim, um claro juízo de valor.

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Constitucionalismo moderno – designa o movimento político, social e cultural que


sugere uma nova forma de ordenação e fundamentação do poder político. Opõem-se
ao:
Constitucionalismo antigo – conjunto de princípios escritos ou consuetudinários
(hábitos) alicerçados da existência de direitos estamentais (da corte) perante o
monarca e simultaneamente limitadores do seu poder.
Constituição moderna e constituição histórica
Constituição moderna – ordenação sistemática e racional da comunidade política
através de um documento escrito no qual se declaram as liberdades e os direitos e se
fixam os limites do poder político (ex: Constituição dos EUA).
Dimensões fundamentais que este incorpora:
• Ordenação jurídico-política plasmada num documento escrito
• Declaração, nessa carta escrita, de um conjunto de direitos fundamentais e do
respetivo modo de garantia
• Organização do poder político segundo esquemas tendentes a torná-lo um poder
limitado e moderado
Para um Englishman a constituição dele será a sedimentação histórica dos direitos
adquiridos pelos “ingleses” e o alicerçamento, também histórico, de um governo
balanceado e moderado (the balanced constitution). A um Founding Father (e a um
qualquer americano) não repugnaria a ideia de uma carta escrita garantidora de
direitos e reguladora de um governo com “freios” e “contrapesos” feita por um poder
constituinte, mas já não se identificará com qualquer sugestão de uma cultura
projetante traduzida na programação racional e sistemática da comunidade. Aos olhos
de citoyen revolucionário ou de um “vintista exalto” português a constituição teria de
transportar necessariamente um momento de rutura e um momento construtivista.
Constituição histórica – conjunto de regras (escritas ou consuetudinárias) e de
estruturas institucionais conformadoras de uma dada ordem jurídico-política num
determinado sistema político-social (ex: Constituição Britânica).
Entre o constitucionalismo antigo e o constitucionalismo moderno vão-se
desenvolvendo perspetivas políticas, religiosas e jurídico-filosóficas sem o
conhecimento das quais não é possível compreender o próprio fenómeno da
modernidade constitucional.
MODELOS DE COMPREENSÃO
A constituição pretendeu radicar duas ideias:
• Ordenar, fundar e limitar o poder político
• Reconhecer e garantir os direitos e liberdades do indivíduo
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Os temas centrais do constitucionalismo são: a fundação e legitimação do poder


político e a constitucionalização das liberdades. E estes temas serão captados através
de modelos: o modelo historicista, o modelo individualista e o modelo individualista.
Modelo historicista: o tempo longo dos “jura et libertates”
As “palavras-chave” do modelo historicista encontram-se no constitucionalismo inglês.
Quais as dimensões histórico-constitucionais decisivamente caracterizadoras deste
modelo histórico?
• Garantia de direitos adquiridos fundamentalmente traduzida na garantia do
“binómio subjetivo” liberty and poverty;
• Estruturação corporativa dos direitos, pois eles pertenciam (pelo menos numa
primeira fase) aos indivíduos enquanto membros de um estamento;
• Regulação destes direitos e desta estruturação através de contratos de domínio do
tipo da Magna Charta.
Quais as cristalizações jurídico-constitucionais deste modelo que passaram a fazer
parte do património da “constituição ocidental”?
• A evolução destes momentos constitucionais desde a Magna Charta, de 1215, à
Petition of Rights, de 1628, do Habeas Corpus Act, de 1679, ao Bill of Rights, de
1689, conduzirá à sedimentação de algumas dimensões estruturantes da
“constituição ocidental”.
• Em primeiro lugar, a liberdade radicou-se subjetivamente como liberdade pessoal
de todos os ingleses e como segurança da pessoa e dos bens de que se é
proprietário no sentido já indiciado na Magna Charta.
• Em segundo lugar, a garantia da liberdade e da segurança impôs a criação de um
processo justo regulado por lei (due process of law), onde se estabelecessem as
regras disciplinadoras da privação da liberdade e da propriedade.
• Em terceiro lugar, as leis do país (laws of the land) reguladoras da tutela das
liberdades são dinamicamente interpretadas e reveladas pelos juízes – e não pelo
legislador! – que assim vão cimentando o chamado direito comum (common law)
de todos os ingleses.
• Em quarto lugar, sobretudo a partir da Glorious Revolution (1688-89), ganha
estatuto constitucional a ideia de representação e soberania parlamentar
indispensável à estruturação de um governo moderado. O rei, os comuns e os
lordes (King in Parliament, Commons and Lords) formavam uma espécie de
“soberania colegial” ainda não desvinculada de ideias medievais.
O balanceamento de forças políticas e sociais permite agora inventar a categoria
política de representação e soberania parlamentar. A soberania parlamentar afirma-
se como elemento estruturante da constituição mista.
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Constituição mista – aquela em que o poder não está concentrado nas mãos de um
monarca, antes é partilhado por ele e por outros órgãos do governo (rei e Parlamento).
A “soberania do parlamento” exprimirá também a ideia de que o “poder supremo”
deveria exercer-se através da forma de lei do parlamento. Esta ideia estará na génese
de um princípio básico do constitucionalismo: the rule of law.
Modelo individualista: os momentos fractais da Revolução
A narrativa historicista explica como se chegou à British Constitution. Não fornece um
esquema interpretativo do constitucionalismo revolucionário continental cujo
paradigma é o constitucionalismo francês.
Como e porquê a formação de uma tradição constitucional francesa (ou portuguesa)
não tem os mesmos traços do evolucionismo britânico? Por outras palavras: como se
explica o aparecimento de categorias políticas novas, expressas em kampfparole
(“palavras de combate”) – estado, nação, poder constituinte, soberania nacional,
constituição escrita já resolvidas pelo constitucionalismo britânico?
• Em primeiro lugar, a sedimentação histórica de tipo inglês não rompera totalmente
com os esquemas tardo-medievais dos “direitos dos estamentos”.
A Revolução Francesa procurava edificar um nova ordem sobre os direitos naturais
dos indivíduos – eis o primeiro momento individualista – e não com base em
posições subjetivas dos indivíduos enquanto membros integradores de uma
qualquer ordem jurídica estamental.
Ancien régime – mostra a “rutura” com o “antigo regime” e a criação de um “novo
regime” significa uma nova ordem social e não apenas uma adaptação político-
social ou ajustamento prudencial da história.
• Em segundo lugar, o momento fractal do individualismo repercute-se na
legitimação/fundação do novo poder político. O governo limitado e moderado da
Inglaterra – a sua constituição mista – acabou por deixar na sombra (embora isso
tivesse sido discutido) uma questão fundamental da modernidade política: como
podem ser livres e iguais dar a si próprios uma lei fundamental? A ordem dos
homens é uma ordem artificial, “constitui-se”, “inventa-se” ou “reinventa-se” por
acordo entre os homens.
Surge precisamente uma das categorias mais “modernas” do constitucionalismo – a
categoria do poder constituinte – no sentido de um poder originário pertencente à
Nação, o único que, de forma autónoma e independente, poderia criar a lei superior,
isto é, a constituição.
“Nós, o povo” e os usos da história: a técnica americana da liberdade
Constitucionalismo americano: um povo (mas não uma “nação”) que reclamou o
direito de escrever uma lei básica e na qual ele fez diferentes usos da história.

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Através da Revolução, os americanos pretenderam reafirmar os Rights, na tradição


britânica medieval e da Glorious Revolution. Não se tratava de um movimento
reestruturador dos antigos direitos e liberdades e da English Constitution, porque no
corpus da constituição britânica, se tinha alojado um tirano – o parlamento soberano
que impõe impostos sem representação (taxation without representation). Contra esta
“omnipotência do legislador”, a constituição era ou devia ser inspirada por princípios
diferentes dos da ancient constitution. Ela devia garantir os cidadãos, em jeito de lei
superior, contra as leis do legislador parlamentar soberano. Aqui vem encontrar o
momento We the People, ou seja, o momento em que o povo toma decisões
(democracia dualista). Existem decisões tomadas pelo governo (government), como
existem decisões tomadas pelo povo. As decisões tomadas pelo povo são típicas dos
“momentos constitucionais”.
O modelo americano de constituição assenta na ideia da limitação normativa do
domínio político através de uma lei escrita. Esta “limitação normativa” postulava, pois,
a edição de uma bíblia política do estado” condensadora dos princípios fundamentais
da comunidade política e dos direitos dos particulares. Neste sentido, a constituição
não é um contrato entre governantes e governados mas sim um acordo celebrado
pelo povo e no seio do povo a fim de se criar e constituir um “governo” vinculado à
lei fundamental. A consequência lógica da lei superior que torna nula qualquer “lei”
de nível inferior, incluindo as leis ordinárias do legislador, se estas infringirem os
preceitos constitucionais. Constituição serviu para estabelecer uma ordem política do
estado condensadora dos princípios fundamentais da comunidade política e dos
direitos dos particulares.
O conceito de “lei proeminente” (constituição) justificará a elevação do poder judicial
a verdadeiro defensor da constituição e guardião dos direitos e liberdades.

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Parte II – A Constituição República Portuguesa de 1976


A) Génese da CRP: o exercício do poder constituinte originário
A Constituição de 1976 como resposta constitucional da nova
República
Preâmbulo
A 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência
do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime
fascista.
Libertar Portugal da ditadura, da opressão e do colonialismo representou uma
transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade
portuguesa.
A Revolução restituiu aos Portugueses os direitos e liberdades fundamentais. No
exercício destes direitos e liberdades, os legítimos representantes do povo reúnem-se
para elaborar uma Constituição que corresponde às aspirações do país.
A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português de defender a
independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de
estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado
de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito
da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais
justo e mais fraterno.
A Assembleia Constituinte, reunida na sessão plenária de 2 de Abril de 1976, aprova e
decreta a seguinte Constituição da República Portuguesa.
ORIGEM, ESTRUTURA E CARACTERIZAÇÃO
O exercício do poder constituinte originário
O que é o poder constituinte?
É o poder de o povo, através de um ato constituinte, criar uma lei superior
juridicamente ordenadora da ordem política.
Poder constituinte é, no Direito, o poder de criar, modificar, revisar, revogar ou
adicionar algo à Constituição do Estado.
As legitimidades do Poder Constituinte, do procedimento constituinte e da
Constituição por ele elaborada são indissociáveis e delas depende a legitimação do
exercício do poder político no Estado Democrático de Direito.
A legitimidade do Poder Constituinte decorre diretamente do princípio da soberania
popular. Só o povo, concebido como uma pluralidade de forças culturais, sociais e
políticas, pode deliberar sobre a conformação da sua ordem político-social. Um ou
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mais indivíduos manifestam vontade soberana que pode ser o início de um novo
núcleo social. Daí decorre, portanto, que a legitimidade da Constituição verifica-se
através da correspondência das suas normas aos valores e aspirações do povo, não se
contentando com a simples legalidade formal. É dessa correspondência com a vontade
geral, aliada à lisura da representação popular no procedimento constituinte que este
se legitima. A esta cadeia procedimental de legitimação democrática Canotilho atribui
a denominação de “Justiça da Constituição”.
• Poder constituinte originário: poder de criar uma Constituição
É o poder que se tem de constituir uma nova Constituição quando um novo Estado
é criado ou quando uma Constituição é trocada por outra, num Estado já existente,
seja essa substituição feita de forma democrática, revolucionária ou por um golpe
de estado. São características do poder constituinte originário:
o Inicial: não existe nenhum outro, antes ou acima dele;
o Incondicionado: não está submetido a nenhuma regra de forma ou de
conteúdo;
o Permanente: continua a existir mesmo após concluir a sua obra;
o Inalienável: a sua titularidade não é possível de transferência (a nação nunca
perde o direito de mudar a sua vontade).
• Poder constituinte derivado: poder de rever a Constituição
É o poder de modificar uma Constituição.
O poder constituinte derivado (também denominado reformador, secundário,
instituído, constituído, de segundo grau, de reforma) é um tipo de poder
constituinte que se ramifica em três espécies:
o Reformador: que abrange as prerrogativas de modificar, implementar ou
retirar dispositivos da Constituição;
o Decorrente: também obra do Poder Constituinte Originário. É o poder
investido aos Estados Membros para elaborar a sua própria constituição, sendo
assim possível a estes estabelecer a sua auto-organização;
o Revisor: que, como exemplo retirado de nossa própria Constituição, possibilita
a revisão de dispositivos constitucionais que necessitem de reformas.
Curiosidade: no Reino Unido não existe um documento, pois é um conjunto de
costumes, atos…
Constituição enquanto material global – protege os direitos humanos e garante os
direitos
O exercício do poder constituinte originário antes da CRP

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Tivemos 3 constituições monárquicas e 3 republicanas (já a contar com a de 1976)


O PROCEDIMENTO CONSTITUINTE DE 1976
A elaboração do texto de 1976 obedeceu ao paradigma clássico da soberania
constituinte e da democracia dualista:
• Eleição de deputados constituintes, segundo as regras do sufrágio universal, igual,
direto e secreto;
• Formação de uma assembleia constituinte exclusivamente competente para a
feitura de uma lei fundamental;
• Atribuição de soberania constituinte a essa assembleia, pois a ela competiria não
apenas a feitura (elaboração) do texto mas também a sua aprovação em termos
definitivos (técnica da assembleia constituinte soberana: uma assembleia eleita
livremente pelo povo, fazendo e aprovando uma constituição).
Teria havido justiça constitucional processual (ou procedimental) no procedimento
constituinte português?
Justiça procedimental constituinte – etapas de elaboração de uma constituição
reconduzíveis, no seu conjunto, a um procedimento considerado justo e gerador de
uma “boa comunicação”.
Como não existe um processo que, a priori ou em termos absolutos, se possa
considerar um procedimento ou processo justo, temos de nos satisfazer com uma
justiça processual imperfeita.
Mesmo com esta relatividade da justiça constitucional imperfeita, a justiça processual
(imperfeita) chegou, em algum momento, a tocar a injustiça processual?
Quanto à eleição de deputados, não há razões bastantes para contestar a justiça
processual constituinte de 1976. Relativamente ao procedimento de trabalho da
Assembleia Constituinte, o regimento que regulou o seu funcionamento mostrou-se
procedimentalmente adequado e justo como plano de elaboração de um texto e
método de trabalho de uma assembleia constituinte. Natureza e poderes da
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Assembleia Constituinte não padecem, prima facie, de entorses visíveis em termos de


justiça processual.
Procedimento constituinte: alguns problemas
• A inexistência de referendo constituinte: a contestação da legitimidade material da
CRP;
• A existência de coação sobre os deputados constituintes: a observância das
cláusulas constantes da Plataforma De Acordo Constitucional (Pactos MFA-
Partidos) – “A Constituição não nasce num vácuo histórico-cultural”. Isto porque a
união das forças armadas e dos partidos políticos dizem que estavam
coagidos/pelo pacto.

A CPR no quadro do constitucionalismo português: continuidade e


ruturas
Descontinuidades
A tradição constitucional portuguesa das ruturas constitucionais
A Constituição de 1976 insere-se na linha de descontinuidade do direito constitucional
português. O código binário continuidade/descontinuidade aplicado no direito
constitucional significa que: existe continuidade constitucional quando uma ordem
jurídico-constitucional que sucede a outra se reconduz, jurídica e politicamente, à
ordem constitucional precedente; fala-se de descontinuidade constitucional quando
uma nova ordem constitucional implica uma rutura com a ordem constitucional.
A aplicação do código binário continuidade/descontinuidade formal à história
constitucional portuguesa permite-nos considerar o constitucionalismo português
como um constitucionalismo dominado pelas ruturas ou descontinuidades formais.
Descontinuidade material

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Uma descontinuidade em sentido material é quando se verifica uma destruição do


antigo poder constituinte e da sua obra (momento desconstituinte) por um novo poder
constituinte alicerçado num título legitimatório radicalmente diferente do anterior.
Se quisermos transferir o conceito de descontinuidade constitucional material para a
história constitucional portuguesa, encontramos momentos inequívocos desta
descontinuidade, como por exemplo, a Constituição de 1822 resulta do exercício do
poder constituinte democrático (título de legitimação: a nação, o povo) materialmente
distinto do poder constituinte monárquico.
A descontinuidade material pode traduzir-se não tanto no diferente título de
legitimação do poder constituinte mas na rutura consciente com o passado no plano
dos princípios políticos constitucionalmente conformadores.
Continuidades
As descontinuidades constitucionais coexistem com algumas memórias e tradições do
constitucionalismo português. Pode-se verificar duas grandes tendências no
constitucionalismo português:
• Corrente democrática, que teve como momentos principais o constitucionalismo
vintista, o constitucionalismo setembrista, o constitucionalismo republicano e o
constitucionalismo democrático-social de 1976;
• Tendência autoritária e conservadora encontra as suas expressões mais
significativas no cartismo (Carta de 1826) e no constitucionalismo corporativo do
“Estado Novo” (Constituição de 1933).
Deve chamar-se a atenção para o facto de este código binário
progressista/conservador ser insuficiente para captar outras tendências do
constitucionalismo português, por exemplo, a inserção de um catálogo de direitos e
liberdades na constituição formal é uma constante em todas as constituições
portuguesas.

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A CRP e as matrizes constitucionais estrangeiras


A especificidade da Revolução de 25 de abril de 1974 e os seus desenvolvimentos
ulteriores crismaram o texto constitucional de soluções inovadoras em relação a textos
constitucionais estrangeiros.
Influências:
• Lei Fundamental de Bona de 1949 – catálogo de direitos, liberdades e garantias e
recolha de importantes aspetos quanto ao regime de direitos
• Texto constitucional italiano de 1948 – alguns aspetos dos direitos fundamentais,
princípios estruturantes e estatutos das Regiões Autónomas dos Açores e da
Madeira
• Modelo francês de organização do poder político – esquemas
semipresidencialistas
• Modelos das constituições socialistas dos países ex-comunistas – catálogo de
direitos económicos, sociais e culturais
Os momentos constitucionais
II – Os momentos constitucionais
Momento revolucionário
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Há vários critérios disponíveis para a caracterização de um acontecimento como


revolucionário.
Revolução – fenómeno político-social (ou conjunto de fenómenos) originador de
mudanças rápidas e radicais essencialmente traduzidas no plano político-social pela
deslegitimação de toda uma classe governante, com a consequência substituição da
maioria dos seus principais membros e uma transformação constitucional de
vastíssimas consequências.
As principais “leis constitucionais” (“leis”, na terminologia deste período) são leis de
destituição de dirigentes e de deslegitimação dos aparelhos políticos do Estado Novo.
Revolução – processo histórico de alterações estruturantes nos planos económico,
político e social.
• Plano político – exemplo, a decisão de descolonização e a decisão de
institucionalização da Revolução, que criou o Conselho da Revolução, atribuindo-
lhe não apenas os poderes conjuntos da Junta de Salvação Nacional, do Conselho
de Estado e do Conselho de Estado-Maior das Forças Armadas, mas também
competência legislativa para empreender as “necessárias reformas da estrutura
económica portuguesa”.
• Plano económico – exemplo, decisões da reforma agrária e das nacionalizações
O momento constitucional revolucionário português originou duas formas que
assinalaram as movimentações constitucionais no século XVIII: a forma da revolução
permanente não conduz a uma constituição estável e a forma da fundação consensual,
possibilitou a implantação de uma lei fundamental meio “garantística” e
meio ”restaurativa”, mas oferece uma medida de regulação constitucional sustentável
para o funcionamento estabilizado do poder político. A consolidação e a persistência
democráticas foram conseguidas através de um longo processo de acordos nos quais
intervieram as forças politicamente mais significativas.
Momento extraordinário
A verdadeira constituição é o conjunto de princípios abraçados por “Nós, o Povo” em
momentos extraordinárias de intensa participação popular com refrações inequívocas
na conformação da constituição, com ou sem modificação do texto constitucional. Em
termos realistas e históricos, a constituição radica mais na vontade dos governados do
que em princípios inerentes à justiça natural.
Momento maquiavélico
“Momento Maquiavélico” – momento em que uma república (uma sociedade
historicamente concreta) se vê confrontada, na sua dinâmica temporal, com a
gestação, no interior das suas estruturas económicas e sociais e dentro dos seus
quadros institucionais, de uma torrente de acontecimentos aparentemente
“irracionais” mas profundamente desestabilizadores. Exemplos: movimentos de
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libertação e guerra anticolonial, fracasso da tentativa “marcelista” de “liberalização do


regime”.
O movimento das Forças Armadas procurou restaurar a virtude e a fortuna da “nossa
República” através de uma “autocorreção revolucionária”.

B) Caracterização da CRP
A estrutura da Constituição
A Constituição dos princípios jurídicos fundamentais, princípios fundantes (o princípio
da dignidade da pessoa humana e o princípio da vontade popular) e princípios
estruturantes (o princípio democrático, o princípio republicano, o princípio da
independência, o princípio da separação e interdependência dos poderes, o princípio
da legalidade democrática, o princípio da unidade do Estado) – artigos 1º a 11º.
• Parte I – a constituição de direitos e deveres fundamentais – artigos 12º a 79º
• Parte II – a constituição económica – artigos 80º a 107º (confronto com a
constituição económica europeia)
• Parte III – a constituição organizatória é formada pelas normas que identificam os
órgãos de soberania, como são instituídos e quais as suas competências – artigos
108º a 276º

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• Parte IV – as normas relativas à garantia (os processos de fiscalização da


constitucionalidade e da legalidade) – artigos 277º a 283º - e à revisão (disciplina e
limites do exercício do poder constituinte derivado) – artigos 284º a 296º
As características formais
• Constituição unitextual (confronto com as constituições francesa (2
textos) e norte-americana (mais de 30 textos) );
• Constituição rígida (normas sobre a revisão e em oposição a flexíveis)
A constituição só pode ser modificada através de um procedimento de revisão
específico e dentro de certos limites (formais, circunstanciais e materiais) como se
verá no estudo dos artigos. Rigidez é sinónimo de garantia contra as mudanças
constantes, frequentes e imprevistas ao sabor das maiorias legislativas transitórias.
Não é um entrave ao desenvolvimento pois a constituição pode ser revista com
capacidade reflexiva e daí existir uma dicotomia entre rigidez e flexibilidade não é
uma alternativa radical pois há princípios fixos de conteúdo inalterável, mas que a
partir destes se pode desenvolver as forças políticas. A flexibilidade e rigidez do
direito constitucional relaciona-se com o problema da interpretação das normas
constitucionais.
• Constituição longa (296 artigos)
É um resultado da compreensão da lei fundamental de um estado supervisionador
de uma sociedade pluralista e complexa.
• Constituição programática (a existência de normas-fim e normas-tarefa
que fixam fins e tarefas do próprio estado, art. 9º e 80º)
Um texto constitucional limitado à individualização dos órgãos e à definição de
competências e procedimentos da ação dos poderes públicos. A constituição
comandaria a ação do Estado e imporia aos órgãos competentes a realização das
metas programáticas nela estabelecidas.
• Constituição compromissória (nível histórico, forma de Governo)
Representa uma força e uma debilidade. Mesmo quando se tratava de conflitos
profundo, houve a possibilidade de se chegar a bases normativas razoáveis por
exemplo entre o princípio liberal e o principio socialista. Os compromissos
constitucionais possibilitaram um projeto constitucional que tem servido para
resolver razoavelmente os problemas suscitados pelo pluralismo político, pela
complexidade social e pela democracia conflitual. É este carácter dinâmico que
está na base de sucessivos compromissos obtidos em sede de revisão.
C) A evolução da Constituição de 1976: o exercício do poder
constituinte derivado
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As revisões constitucionais
As tensões e contradições
O problema da coerência e unidade da Constituição da República de 1976 começou
cedo. Logo após a promulgação do texto constitucional, a doutrina assinalaria uma
tensão interna que percorria a Constituição. De um lado, existia uma constituição
liberal e democrática; do outro, haveria uma constituição dirigente e autoritária,
finalisticamente dirigida à “prossecução do socialismo”.
A observação das relações entre a constituição formal e a realidade constitucional
levaria mesmo alguns autores a radicalizar a oposição entre constitutio scripta e a
constituição viva, concretamente existentes, sugerindo-se até a tendencial
“inconstitucionalidade” do texto de 1976 pela sua manifesta oposição à constituição
real.
Daí uma nova tensão ou contradição entre o paradigma da constituição-processo
insinuado pelo esquema de organização política centrado na legitimidade democrática
e o paradigma da constituição-programa que converte a constituição num “caminho
de ferro económico e social” neutralizador de políticas públicas alternativas.
O antagonismo entre as “duas constituições” incorporadas no mesmo texto era de tal
modo insanável que já não poderia ser resolvido sem se romper com a constituição de
1976. Não bastava rever: era necessário um referendo-plebiscito democraticamente
superador do antagonismo congénito da Constituição de Abril. Tornou-se inevitável
um desenvolvimento constitucional tendente a “desideologizar” e a “desmilitarizar” o
texto constitucional e foi nesta vertente que surgiu a primeira revisão de 1982.
As revisões da CRP: o exercício do poder constituinte derivado
• 1º revisão (1982): a normalização política (libertação da entorse militar e criação
do Tribunal Constitucional)
o Reduzir a carga ideológica da Constituição;
o Qualificar constitucionalmente a República Portuguesa como um Estado de
Direito Democrático (n.º 2, do artigo 2º: "A expressão «Estado democrático»,
constante do mesmo artigo, é substituída pela expressão «Estado de direito
democrático».");
o Flexibilizar o sistema económico, através da diminuição da intervenção pública
e dando espaço à iniciativa privada, afirmando assim a economia mista, e da
diminuição da dimensão da planificação da economia, ainda que se mantenha
o controlo estatal. Contudo, mantém-se as nacionalizações e a reforma agrária;
o Redefinir as estruturas do poder político, sendo extinto o Conselho da
Revolução, que é substituído por dois novos órgãos: o Tribunal

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Constitucional (fiscalização da constitucionalidade das leis) e o Conselho de


Estado (aconselhamento do Presidente da República);
o Limitar os poderes discricionários do Presidente da República em favor
da Assembleia da República (n.º 2, do artigo 198º: “O Presidente da República
só pode demitir o Governo quando tal se torne necessário para assegurar o
regular funcionamento das instituições democráticas, ouvido o Conselho de
Estado.");
o Diminuir os poderes do Ministro da Justiça, que deixa de nomear os juízes.
Processo esse entregue ao Conselho Superior da Magistratura.
• 2º revisão (1989): a normalização económica
o Uma maior abertura do sistema económico e adaptação à economia de
mercado, acabando inclusivamente com o princípio da irreversibilidade das
nacionalizações (as reprivatizações podem ser feitas desde que reguladas por
lei-quadro aprovada por maioria absoluta dos deputados);
o A diminuição do peso da economia planificada pelo estado;
o A diminuição do âmbito da reforma agrária, mantendo-se apenas o objetivo da
eliminação dos latifúndios e ordenamento do minifúndio;
o A possibilidade de referendo;
o O direito ao acesso gratuito ao serviço nacional de saúde.
• 3º revisão (1992): a revisão que veio de cima (Maastricht)
o Possibilidade de voto para as eleições europeias de cidadãos europeus a viver
em Portugal;
o O Banco de Portugal perde a exclusividade da emissão de moeda, devido à
adesão à moeda única (Euro).
• 4º revisão (1997)
o A adaptação ao Tratado de Amesterdão;
o O direito de voto dos emigrantes na eleição do Presidente da República;
o Os cidadãos estrangeiros ganham capacidade eleitoral;
o A criação de círculos uninominais nas legislativas, desde que não ponham em
causa a proporcionalidade do sistema eleitoral;
o A variação dos deputados da Assembleia da República entre 180 e 230;
o O reconhecimento do direito de iniciativa legislativa aos cidadãos;
o A criação de candidaturas independentes às eleições autárquicas (câmaras
municipais);

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o O alargamento do regime de referendo, incluindo a imposição constitucional


de que a regionalização seja submetida a referendo;
o O reforço dos poderes legislativos exclusivos da Assembleia da República;
o O reforço dos poderes do Tribunal Constitucional.
• 5º revisão (2001)
o As regras de extradição, de expulsão, e de asilo;
o As regras da inviolabilidade do domicílio e da correspondência, e da restrição
de direitos.
• 6º revisão (2004)
o O aprofundamento da autonomia político-administrativa das regiões
autónomas dos Açores e da Madeira, nomeadamente no que diz respeito ao
aumentando dos poderes (incluindo o poder de dissolução) das
respetivas Assembleias Legislativas;
o A substituição do cargo de “Ministro da República” pelo de “Representante da
República”;
o O alargamento da limitação dos mandatos dos cargos políticos e eletivos;
o O reforço do princípio da não discriminação, designadamente em função
da orientação sexual;
o O aprofundamento da integração da Constituição no campo jurídico-
constitucional da União Europeia, através do aperfeiçoamento da
compatibilidade com as regras das relações internacionais e do direito
internacional (como, por exemplo, entre a ordem jurídica interna e as normas
da União Europeia e dos tratados europeus).
• 7º revisão (2005): o referendo sobre o Tratado constitucional europeu
o A realização de referendo sobre a aprovação de um futuro tratado que vise a
construção e o aprofundamento da União Europeia.

Garantia da Constituição e revisão constitucional


Rigidez constitucional e garantia da Constituição
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Da leitura de artigos 284 e seguintes conclui-se que a constituição é do tipo rígido, pois
exige para a sua modificação um processo agravado em relação ao processo de
formação das leis ordinárias.
As normas de revisão não são o fundamento da rigidez da constituição, mas os meios
de revelação da escolha feita pelo poder constituinte. Esta escolha de um processo
agravado de revisão, impedindo a livre modificação da lei fundamental pelo legislador
ordinário (constituição flexível), considera-se uma garantia da constituição. O processo
agravado da revisão é, por sua vez, um instrumento dessa garantia – a rigidez
constitucional é um limite absoluto ao poder de revisão, assegurando, desta forma, a
relativa estabilidade da constituição. Os limites do poder de revisão e o procedimento
especial de revisão pretendem assegurar precisamente esta rigidez relativa (a
superioridade da constituição e do poder constituinte).
Poder constituinte e poder de revisão
O Poder Constituinte é aquele capaz de editar uma Constituição, estabelecendo uma
organização jurídica fundamental, dando forma ao Estado, constituindo poderes e
criando normas de exercício de governo.
O poder de revisão constitucional é um poder constituinte, porque diz respeito a
normas constitucionais. Mas é poder constituinte derivado, não originário, porque não
consiste em fazer nova Constituição, introduzindo princípios fundamentais em vez de
outros princípios fundamentais.
A revisão não poderá violar os “limites definidores da identidade substancial imposta
pelo tipo de democracia constitucional que carateriza o ordenamento sem causa”. Esta
perspetiva revela-se importante, como adiante veremos, nas questões de rutura da
constituição e no problema da chamada revisão do duplo grau.
OS LIMITES DA REVISÃO DA CONSTITUIÇÃO
Limites formais
Os processos específicos de modificação da constituição baseiam-se essencialmente
nas várias formas de participação popular, na escolha do órgão a quem é atribuído o
poder de revisão, na exigência de um iter processual mais complexo do que o processo
legislativo normal, e no exercício temporal do poder de revisão.
Limites quanto ao titular do poder de revisão
• O órgão de revisão é o órgão legislativo ordinário
Neste caso, a revisão ou modificação da constituição é feita pelo mesmo órgão que
desempenha funções legislativas normais, mas segundo um processo
particularmente agravado.
• O órgão de revisão é o órgão legislativo, mas a revisão exige a participação direta
do povo
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Aqui a revisão constitucional continua a pertencer ao órgão legislativo, mas as


modificações constitucionais carecem de aprovação popular através de
referendum, preventivo e sucessivo, facultativo ou obrigatório.
• O órgão de revisão é um órgão especial
Neste esquema poderemos descortinar duas hipóteses consoante haja ou não
ligação com o órgão legislativo normal. Assim, o órgão especial pode ter como base
o órgão legislativo normal ou ser um órgão especialmente eleito para o efeito.
Limites relativos às maiorias deliberativas
Tem a ver com as revisões ordinárias e extraordinárias anteriormente já referidas.
Limitações temporais
Necessidade de assegurar uma certa estabilidade às instituições constitucionais.
• Em primeiro: estabeleceu-se, na versão originária, um período inicial de 4 anos o
qual não seriam admissíveis quaisquer alterações (art. 284º/1, conjugado com o
art. 294º/1, na redação primitiva).
• Em segundo: fixou-se o espaço temporal de 5 anos como o lapso de tempo que
deve mediar entre as revisões ordinárias da constituição.
• Em terceiro: aceitou-se a revisão extraordinária em qualquer momento (artigo
284º/2), desde que se satisfaçam os restantes requisitos exigidos (maioria
qualificada de 4/5).
Limites quanto à legitimidade do órgão com poder de revisão
Estabelecem-se requisitos tendentes a impedir que as maiorias parlamentares no
poder assumam poderes de revisão para moldar a constituição de acordo com os seus
interesses. Ao sabor da correlação transitória de forças políticas, se alterasse o
compromisso constitucional, alcançado, por vezes, com grande dificuldade, na
constituinte (arts. 286º/1 e 299º/1). Por outro lado, ao estatuir que a AR pode rever a
constituição decorridos 5 anos sobre a data de publicação de qualquer lei de revisão”
(artigo 284º/1), o legislador constituinte pretendeu que fosse a nova assembleia eleita
a assumir poderes de revisão.
Limites circunstanciais
Proíbem a revisão da constituição em situação de anormalidade constitucional
(estado-de-sítio ou estado de emergência).
II – Limites materiais
Limites superiores e limites inferiores
Limites inferiores – a inexistência de uma reserva de matéria constitucional,
obrigatoriamente plasmada sob a forma constitucional a forma constitucional pelo

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legislador constituinte. A inexistência de uma reserva de matéria constitucional valerá


também em sede do poder de revisão.
Limites superiores – existem efetivamente limites do poder de revisão, pois algumas
normas da constituição não podem ser objeto de revisão. A determinação das normas
constitucionais que, por constituírem o cerne da constituição, não podem ser objeto
de revisão, conduz-nos aos desenvolvimentos seguintes.
Limites expressos e limites tácitos
Expressos – são os limites previstos no próprio texto constitucional.
Outras vezes, as constituições não contêm quaisquer preceitos limitativos de poder de
revisão, mas entende-se que há limites não articulados ou tácitos, vinculativos do
poder de revisão. Esses limites podem ainda desdobrar-se em limites textuais
implícitos, deduzidos do próprio texto constitucional, e limites tácitos imanentes numa
ordem de valores pré-positiva, vinculativa da ordem constitucional concreta.
Problema: será defensável vincular gerações futuras a ideias de legitimação e a
projetos políticos que, provavelmente, já não serão os mesmos que pautaram o
legislador constituinte?
Os limites são limites do poder de revisão como manifestação do próprio poder
constituinte. Em sentido absoluto, nunca a “geração” fundadora pode vincular
eternamente as gerações futuras. Esta é uma das razões justificativas de previsão de
uma revisão total. Caso contrário, a falta de alternativa evolutiva abriria o campo da
revolução jurídica. Assegurar a continuidade da constituição num processo histórico
em permanente fluxo implica a proibição não só de uma revisão total, mas também de
alterações constitucionais aniquiladoras da identidade de uma ordem constitucional
histórico-concreta.
A ideia de limitação do poder de revisão, no sentido apontado, não pode divorciar-se
das conexões de sentido captadas no texto constitucional. Desta forma, os limites
materiais devem encontrar um mínimo de receção no texto constitucional, ou seja,
devem ser limites textuais implícitos.
Esta nem sempre se apresenta isenta de dificuldade, havendo autores que defendem
mesmo a inexistência de limites tácitos. Só os limites expressos seriam autênticos
limites de revisão. As constituições que não previssem limites textuais expressos
transformar-se-iam em meras leis provisórias, em constituições em branco.
(Artigo 288º)
Limites absolutos e limites relativos
Limites absolutos – revisão de todos os limites da constituição que não podem ser
superados pelo exercício de um poder de revisão.

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Limites relativos – destinam-se a condicionar o exercício do poder de revisão, mas não


a impedir a modificabilidade das normas constitucionais, desde que cumpridas as
condições agravadas estabelecidas por esses limites.
Mas os limites absolutos são contestados com base na possibilidade de o legislador de
revisão poder sempre ultrapassar esses limites mediante a técnica da dupla revisão,
isto é, os limites de revisão constantes dos art. 286º e ss da CRP poderiam ser
ultrapassados se o legislador de revisão ab-rogasse, em primeiro, estas normas, e,
posteriormente, estabelecesse as alterações julgadas necessárias, de acordo com a lei
de revisão sobre normas de revisão.
A tese do duplo processo de revisão, conducente à relatividade dos limites de revisão,
parece-nos afastar. De facto, as normas de revisão são qualificadas como normas
supraconstitucionais. Elas atestariam a superioridade do legislador constituinte
perfilam-se como o parâmetro material de controlo especificamente referente às
alterações da constituição. E isto essencialmente porque o paradigma do nosso
sistema jurídico é um paradigma fundacional.
A norma fundamental é constituída como norma individual referida a determinado ou
a determinados atos constituintes. A sua violação, mesmo pelo legislador de revisão,
deverá ser considerada como incidindo sobre a própria garantia da constituição. As
disposições do art. 286º e ss serão simples proibições ineficazes em face de alterações
constitucionais diretamente dirigidas à rutura constitucional. Por outro lado, a
supressão dos limites pode ser um sério fraude à constituição. Não se compreende
bem a lógica da dupla revisão ou procedimento de revisão em duas fases. A regra de
alteração de uma norma tem nível de validade superior ao da norma a modificar, sendo
que, nenhuma fonte de direito pode dispor do seu próprio regime jurídico arrogando-
se um valor que constitucionalmente não tem.
Contra estes argumentais, tem sido dito:
• As normas de revisão não são regras reguladoras da sua própria revisão, nunca
podendo uma norma estatuir a sua própria imodificabilidade;
• O único arrimo jurídico-normativo de imodificabilidade das normas de revisão só
poderia partir de uma hierarquia de fontes de direito em que uma “norma superior”
declarava a sua própria irrevisibilidade. Os art. 287º são elas próprias revisíveis.
Os limites de revisão conceber-se-iam como vinculações heterónomas estabelecidas
pelo poder constituinte que não estariam à disposição do “poder constituído” de
revisão. De qualquer modo, a inaceitabilidade da dupla revisão não é um elemento
impeditivo de alterações substanciais, constitucionalmente legítimas. Os limites
materiais devem considerar-se como garantias de determinados princípios,
independentemente da sua concreta expressão constitucional, e não como garantias
de cada princípio na formulação concreta que tem na constituição.

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Por outro lado, a positivação constitucional de limites de revisão não elimina a


necessidade de seletividade dos princípios, pois bem pode acontecer que alguns
destes sejam limites genuínos respeitantes a autoidentificação material da esfera
jurídico-constitucional e outros sejam limites conjunturalmente justificados. O
problema está em saber como dar operacionalidade a esta distinção.

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Parte III – Princípios Constitucionais estruturantes da República


Portuguesa
Princípio do Estado de Direito
Princípio fundante – a dignidade da pessoa humana
Art. 1.º CRP – “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa
humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre,
justa e solidária.”
Dizer que o princípio fundante da Constituição de 1976 é a dignidade humana
equivale a dizer que este princípio é simultaneamente o fundamento e o limite de
todo o poder político. É um fim em si mesmo e, por isso, as dimensões estruturantes
ou constitutivas do Estado de Direito visam a proteção deste princípio, que foi pela
primeira vez reconhecido na Lei Fundamental de Bona.
Duas das consequências normativas do reconhecimento do princípio da dignidade
humana são a proibição da pena de morte e a proibição das penas de prisão perpétua.
Princípios estruturantes
Juridicidade
• Matéria, procedimento, forma
O princípio do Estado de Direito é um princípio constitutivo, de natureza material,
formal e procedimental, que visa dar resposta ao problema do conteúdo,
extensão e modo de proceder da atividade do estado. Assim, a Constituição de
um Estado de Direito visa conformar o exercício do poder político e a organização
da sociedade segundo a medida do direito. Esta medida compreende-‐se
enquanto uma articulação entre matéria e forma – medida material enquanto
conjunto de princípios materiais informados por uma certa ideia de justiça e que
funcionam como meio de ordenação racional de uma comunidade organizada; e
medida formal enquanto princípios orgânicos, formais e procedimentais que
cumprem essa função organizadora.
• Distanciação/diferenciação
O Estado de Direito é um Estado de distância ou de limites, visto garantir ao
indivíduo uma esfera de autonomia marcada pela diferença e pela
individualidade, que se opõe ao poder político e na qual este não pode intervir.
Contudo, a função do direito não é apenas negativa, de defesa, mas também
positiva: o direito deve assegurar também o desenvolvimento da personalidade
do indivíduo.
• Justiça

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A justiça faz parte da própria ideia de direito, e concretiza-‐se em princípios


materiais que se reconduzem à afirmação e respeito da dignidade humana,
proteção da liberdade e desenvolvimento da personalidade e à realização da
igualdade. Podemos destacar várias dimensões de um Estado de justiça: proteção
dos direitos das minorias, equidade na distribuição de direitos e deveres e
igualdade de distribuição de bens e de oportunidades.
Constitucionalidade
O Estado de direito é necessariamente um Estado constitucional, alicerçada na
supremacia normativa da Constituição, que deve vincular todos os órgãos políticos.
Esta supremacia da Constituição é a primeira expressão do “primado do direito”.
• A ideia de estado constitucional
O princípio da supremacia da Constituição traduz-‐se, em primeiro lugar, no
princípio da constitucionalidade das leis ou da vinculação do legislador à
Constituição – todos os actos legislativos devem obedecer aos parâmetros
materiais e formais estabelecidos no texto constitucional. Este primado da
Constituição manifesta-‐se também na proibição de leis de alteração
constitucional, salvo as leis de revisão elaboradas nos termos previstos (arts.
161º/a e 284º a 289º).
Em segundo lugar, o princípio da constitucionalidade reside na conformidade,
intrínseca e formal, dos actos do Estado com a Constituição (art. 3.º /2 e art. 3.º/3).
• Vinculação do legislador à Constituição
As leis são obrigatoriamente feitas pelo órgão, têm a forma e seguem o
procedimento, nos termos constitucionalmente fixados.
• Vinculação de todos os atos do Estado à Constituição
Exige, a conformidade intrínseca e formal de todos os atos dos poderes públicos
com a Constituição.
• Princípio da reserva da Constituição
A reserva da Constituição, significa que determinadas questões respeitantes ao
estatuto jurídico do político, não devem ser reguladas por leis ordinárias, mas sim
pela constituição. A reserva de constituição, concretiza-se através de dois
princípios:
o Princípio da tipicidade constitucional de competências (art. 111º/2)
Os órgãos do estado só têm competência para fazer aquilo que a constituição
lhes permite.
o Princípio da constitucionalidade de restrições a direitos, liberdades e garantias
(art. 18º/2)

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As restrições destes direitos devem ser feitas diretamente pela constituição ou


através da lei, mediante autorização constitucional expressa e nos casos
previstos pela constituição.
• Força normativa da Constituição
Quando existe uma normação jurídico-constitucional, ela não pode ser postergada,
quaisquer que sejam os pretextos invocados.
Sistema de direitos fundamentais
O Estado de Direito assenta numa base de direitos fundamentais, que por sua vez são
informados pelo princípio fundante da dignidade humana. Podemos, assim, afirmar
que a Constituição da República possui uma base antropológica que se reconduz ao
homem como pessoa, cidadão, trabalhador e administrado.
Podlech teorizou que o sistema de direitos fundamentais possuía cinco componentes:
• Afirmação da integridade física e espiritual do homem como dimensão essencial
da sua integridade (arts. 24.º, 25.º e 26.º);
• Garantia da identidade e integridade do homem através do livre desenvolvimento
da sua personalidade (art. 26.º);
• Libertação da “angústia da existência” da pessoa mediante mecanismos de
socialidade, como a possibilidade de trabalho e qualificação e a garantia de
condições existenciais mínimas (arts. 53.º, 58.º, 63.º e 64.º);
• Garantia e defesa da autonomia individual através da limitação dos poderes
públicos;
• Garantia da dignidade social e da igualdade de tratamento normativo (art. 13.º).
Divisão de poderes
Dimensão negativa e dimensão positiva
A constitucionalística mais recente salienta que o princípio da divisão de poderes
transporta duas dimensões: a dimensão negativa, de controlo e limite de poderes e
que corresponde, em rigor, à “divisão” de poderes; e a dimensão positiva, de
ordenação e organização dos poderes e que associamos à “separação” de poderes.
Relevância jurídico-constitucional
• Princípio jurídico-organizatório
Uma ideia subjacente ao princípio da divisão de poderes é a ordenação de
funções através da atribuição de competências aos órgãos de poderes e da sua
vinculação à forma jurídica. Neste sentido, a divisão de poderes constitui um
princípio organizatório fundamental da Constituição, art. 111.º), permitindo
assim um controlo recíproco do poder (checks and balances) e uma organização
jurídica de limites dos órgãos do poder.
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• Princípio normativo autónomo


Nem sempre a divisão funcional coincide com a divisão orgânica dos poderes.
Contudo, esta sobreposição das linhas divisórias de funções não justifica que, por
si só, se fale de ruturas na divisão de poderes – apesar destes desvios apenas
serem legítimos se não interferirem com o núcleo essencial de competências de
poderes.
• Princípio fundamentador de incompatibilidades
A divisão organizatório-‐funcional pressupõe uma divisão pessoal dos poderes,
que é particularmente acentuada no que respeita aos titulares da função judicial.
Esta entrelaçamento pessoal de funções é evitado através do princípio da
incompatibilidade, expresso nos arts. 216.º/3 (juízes) e 154.º/1/2 (deputados).
Divisão horizontal e divisão vertical
A divisão de poderes pode também ser classificada em horizontal e vertical. Enquanto
que a divisão horizontal se prende com a hierarquia interna de poderes, a divisão
vertical prende-se com a organização do poder em termos territoriais.
Divisão vertical
• Garantia da autonomia político – regional dos Açores e da Madeira (arts. 6.º, 225.º,
288.º/o)
• Garantia da administração autónoma local (arts. 6.º/1, 235.º e 288.º/n) ) – a
garantia da administração municipal autónoma está estreitamente conexionada
com o princípio democrático de “democracia descentralizada”, o que assegura a
separação territorial e uma maior participação democrática no exercício do poder.
Apesar de não ser tão claro a sua ligação com o princípio do Estado de Direito,
compreendemos que a descentralização administrativa constituiu um limite ao
poder unicitário e é uma forma de separação entre o Estado e a sociedade civil.
Este princípio garante a autonomia normativa local e a garantia institucional que
garante aos municípios um espaço de conformação autónoma.
O PRINCÍPIO DO ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO NA
CONSTITUIÇÃO DE 1976
A Constituição e o princípio do estado de direito
O princípio do estado de direito tem vindo a ser aplicado pela jurisprudência
constitucional portuguesa como um princípio geral dotado de um “mínimo normativo”
capaz de fundamentar autonomamente direitos e pretensões dos cidadãos e justificar
a inconstitucionalidade de atos normativos violadores dos princípios do Estado de
direito.
Elementos formais e materiais

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Elementos formais – corresponde a um conjunto de normas constitucionais, com uma


particular força jurídica. Entre os elementos formais temos a separação e
interdependência de poderes, a constitucionalidade das leis, a legalidade da
administração, a independência dos tribunais, a tutela jurisdicional efetiva e a
exigência de outros mecanismos de garantia.
Sentido material – carateriza-se por ser um conjunto de normas que obedecem a uma
determinada lógica axiológica ou lógica valorativa, formando o sistema como uma
unidade interna. São os direitos fundamentais, liberdade, segurança…
O PRINCÍPIO DO ESTADO DE DIREITO E OS SUBPRINCÍPIOS
CONCRETIZADORES
O princípio da legalidade da administração
• Princípio da primazia ou prevalência da lei
A lei deliberada e aprovada pelo Parlamento tem superioridade e preferência
relativamente a actos da administração (ver arts. 266.º/2 e 112.º/6, 7 e 8).
• Princípio da reserva de lei
As restrições dos direitos, liberdades e garantias só podem ser deitas por lei ou
mediante autorização desta. Outras matérias constituem também reserva da
Assembleia da República (ver arts. 164.º e 165.º).
• Princípio da precedência da lei
É um corolário do princípio da primazia da lei e diz-‐nos que a lei é anterior
ao regulamento.
Princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos
O princípio geral da segurança jurídica
Abrange a ideia de proteção da confiança dos cidadãos e traduz-‐ se numa pretensão
de uma certa cautelabilidade e previsibilidade dos efeitos jurídicos. Enquanto que a
segurança jurídica se prende com elementos objetivos (a estabilidade jurídica, etc.), a
proteção da confiança dos cidadãos remete-‐nos para elementos subjetivos como a
previsibilidade dos efeitos jurídicos.
Proteção da segurança jurídica relativamente a actos normativos
O princípio da precisão ou determinabilidade das normas jurídicas
Exigência de clareza (as normas devem ser suficientemente claras para constituírem
um padrão de conduta) e de densidade suficiente (uma norma tem de ser o mais
determinável possível numa dada situação, ter uma disciplina concreta).
Proibição de pré-efeitos de atos normativos

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Proibição da produção de efeitos jurídicos de actos normativos antes da sua entrada


em vigor (ver art. 119.º).
Proibição de normas retroativas
• Existem dois tipos de retroatividade: a retroatividade autêntica, quando a lei
pretende a produção de efeitos para o passado; e a retrospetividade ou
retroatividade inautêntica, quando a alteração dos pressupostos de uma norma
afeta relações jurídicas do passado.
• Retroatividade exigida (1 caso) – exigência de retroatividade dos princípios penais
mais favoráveis (art. 29.º/4).
• Retroatividade proibida (3 casos)
o Leis restritivas de direitos, liberdades e garantias (art. 18.º/3)
o Leis penais mais gravosas (art. 29.º)
o Leis fiscais mais gravosas para o contribuinte (art. 103.º/3)
• Retroatividade permitida – a retroatividade apenas é inconstitucional se violar o
princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos.
Princípio da segurança jurídica relativamente a actos jurisdicionais
A segurança jurídica no âmbito dos actos jurisdicionais aponta para o instituto do
caso julgado – estabilidade definitiva das decisões judiciais, quer devido à
impossibilidade de recurso ou reapreciação, quer porque a relação material
introvertida é decidida em termos definitivos. Apesar deste princípio não estar
expressamente consagrado na Constituição, deriva de vários preceitos (ver arts.
29,º/4 e 282.º/3).
O princípio da segurança jurídica relativamente a actos da administração
• Força de “caso decidido” – o ato administrativo goza de uma tendencial
imutabilidade que se traduz na autovinculação da administração e na
irrevogabilidade do ato administrativo.
• Sociedade de risco – necessidade de actos provisórios e precários a fim de a
administração poder reagir à alteração das situações fácticas.
O princípio da proibição do excesso
Origem do princípio
O princípio da proibição do excesso ou da proporcionalidade em sentido amplo dizia
primitivamente respeito ao problema da limitação do poder executivo, como
princípio geral do poder de polícia (século XIX). Posteriormente, foi erigido à
categoria de princípio constitucional.
Este princípio é hoje assumido como um princípio de controlo exercido pelos
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tribunais sobre a adequação dos meios administrativos, sobretudo coativos, à


prossecução dos seus fins. A sua dimensão material estava já presente nos séculos
XVIII e XIX, em Inglaterra, França e Itália, tendo sido erguido a princípio constitucional
pela doutrina alemã, no pós‐guerra.
A “europeização” do princípio da proibição do excesso
Foi feita através dos standars jurisprudenciais como o da proporcionalidade,
razoabilidade, proibição de excesso, é possível hoje recolocar a administração num
plano menos sobranceiro e incontestado relativamente ao cidadão. Através desses
standards de controlo, verifica-se que a administração se pauta por critérios de
necessidade, proporcionalidade e razoabilidade. Este controlo é hoje objeto de difusão
em toda a UE através do Tribunal de Justiça das Comunidades. Contribui para a
integração do momento de justiça no palco da conflitualidade social.
Subprincípios constitutivos
• Princípio da conformidade ou adequação de meios – a medida adotada para a
prossecução de um interesse público deve ser apropriada à prossecução do fim
subjacente.
• Princípio da exigibilidade ou da necessidade – o cidadão tem direito à menor
desvantagem possível.
o Exigibilidade material – limitação da restrição dos direitos fundamentais.
o Exigibilidade espacial – limitação do âmbito de intervenção.
o Exigibilidade temporal – delimitação no tempo da medida coativa.
o Exigibilidade pessoal – limitação da aplicação da medida à pessoa ou pessoas
cujos interesses devem ser sacrificados.
• Princípio da proporcionalidade em sentido restrito – ou princípio da “justa
medida”. O resultado obtido com a intervenção deve ser proporcional à carga
coativa da mesma.
Campos de aplicação
• Princípio da proporcionalidade é o da restrição dos direitos, liberdades e
garantias por atos dos poderes públicos, sendo mais lógico aplicar-se aos
conflitos de bens jurídicos de qualquer espécie.
• O princípio da proibição do excesso aplica-se a todas as espécies de atos dos
poderes públicos.
“Proibição por defeito” ou por insuficiência de proteção
Diz respeito ao défice no cumprimento do dever de proteção do Estado em relação
aos direitos fundamentais, haja vista caber ao Poder Público adotar medidas
suficientes de natureza normativa e de natureza material, possibilitando uma proteção
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eficiente e adequada dos direitos fundamentais. Ao enunciar um direito fundamental,


incumbe ao Poder Público não somente respeitá-lo, evitando, desse modo, por ação,
ferir o direito fundamental do cidadão, considerado em sua dimensão subjetiva, mas
também imprescindível que o defenda de ataques de terceiros, sob pena de incorrer
em omissão inconstitucional. Contudo, o Estado deve adotar as medidas necessárias à
proteção dos particulares, de modo a evitar que tenham o direito à vida ceifado por
ataques de terceiros.
O princípio da proteção jurídica e das garantias processuais
O acesso ao tribunal tem de ser acompanhado de dimensões garantísticas.
As garantias processuais e procedimentais
• Garantias do processo judicial em geral
o Garantia do processo equitativo (art. 20.º/4)
o Princípio do juiz legal (art. 32.º/7)
o Princípio da audição (art. 28.º/1)
o Princípio de igualdade processual das partes (art. 13.º e 20.º/2)
o Princípio da conformação do processo segundo os direitos fundamentais (art.
32.º)
o Princípio da fundamentação dos actos judiciais (art. 205.º/1)
• Garantias de processo penal – princípios materialmente informadores do
processo penal (arts. 28.º, 32.º, 209.º/4).
• Garantias do procedimento administrativo – garantias de um procedimento
administrativo justo.
o Direito de participação do particular (art. 267.º/4)
o Princípio da imparcialidade da administração (266.º/2)
o Princípio da audição jurídica (269.º/3)
o Princípio da informação (art. 268.º/1)
o Princípio da fundamentação dos actos administrativos lesivos e do arquivo
aberto (268.º/2)
o Princípio da conformação do procedimento segundo os direitos fundamentais
(art. 266.º/1 e 267.º/4)
Princípio do acesso ao direito ou garantia de via judiciária
O princípio do acesso ao direito está consagrado no art. 20.º da Constituição.
• Abertura da via judiciária enquanto imposição diretamente dirigida ao legislador.

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• Controlo judicial enquanto “contrapeso” clássico em relação ao exercício dos


poderes executivo e legislativo – importância da função jurisdicional na realização
do Estado de Direito.
• Garantia da tutela jurisdicional efetiva (art. 20.º).
Princípio da responsabilidade do Estado e da compensação de prejuízos
A proteção jurídica exige a consagração de institutos que garantam uma
compensação, no caso de violação de direitos, liberdades ou garantias, pelos
prejuízos derivados dos actos do poder público.
• Responsabilidade do Estado e consequente dever de reparação de prejuízos (arts.
22.º e 271.º).
• Indemnização dos sacrifícios especiais impostos a determinados cidadãos
(exemplo do art. 62.º).
O ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO
Estado de direito democrático internacionalmente vinculado
Até agora a teorização do Estado do Estado do direito democrático centrou-se até aqui
em duas ideias básicas: o estado limitado pelo direito e o poder político estatal
legitimado pelo povo. O direito é o direito interno do Estado; o poder democrático é o
poder do povo que reside no território do Estado ou pertence ao Estado.
Hoje, os limites jurídicos impostos ao Estado advém também, em medida crescente,
de princípio regras jurídicas internacionais. Estes princípios e regras estão, em grande
número, recebidos ou incorporados no direito interno fazendo parte of the law of the
land (CRP, artigo 8º/1 e 2). A doutrina mais recente acentua mesmo a amizade e a
abertura ao direito internacional como uma das dimensões caraterizadoras do estado
de direito. A vinculação do estado de direito internacional começa, logo, pela
observância e cumprimento do chamado jus cogens internacional. Por exemplo, o
princípio da paz e muitos outros constam de “textos internacionais” e nos textos
constitucionais mais recentes eles também não deixam de ter acolhimento como
normas de conduta e como limites jurídicos do atuar estadual.
Em segundo lugar, os direitos fundamentais tal como estruturam o estado de direito
no plano interno, surgem também, nas vestes de direitos humanos ou de direitos
homem, como um núcleo básico do direito internacional vinculativo das ordens
jurídicas. Estado de direito é o estado que respeita e cumpre os direitos do homem
consagrados nos grandes pactos internacionais, nas grandes declarações
internacionais e noutras grandes convenções de direito internacional.
A vinculação do estado pelo direito internacional é, em alguns estados, de tal forma
intensa que leva as próprias constituições internas a proclamarem o direito
internacional como fonte de direito de valor superior à própria constituição. Para

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finalizar esta referência aos direitos internacionais como fonte de juridicidade do


poder estatal impõe-se ainda saliente que o direito internacional recorta pré-
condições políticas indispensáveis à implantação de um estado democrático de direito.
Dentre essas pré-condições, destaca-se o princípio da autodeterminação dos povos (é
a "ação ou resultado de decidir por si mesmo" e "a capacidade, direito ou ação (de um
indivíduo, grupo, uma instituição etc.) de decidir, por si mesmo, as questões que
afetam sua própria vida e de lutar, perseverar para atingir seus objetivos e realizar seus
próprios projetos"...). A autodeterminação precede o estado de direito e precede a
democracia: ela é o momento verdadeiramente fundacional de qualquer comunidade
constituída como estado democrático de direito.
Estado Constitucional integrante de uma Comunidade Jurídica de Estados
Democráticos de Direito
É um ponto de partida e nunca um ponto de chegada. Como ponto de partida constitui
uma tecnologia jurídico-política razoável para estruturar uma ordem de segurança e
de paz jurídica.
O estado constitucional democrático de direito insere-se agora – e referimo-nos
obviamente ao estado português- numa comunidade jurídica mais vasta que
designaremos por comunidade jurídica de estados constitucionais democráticos de
direito.
Esta inserção dos estados numa comunidade jurídica mais ampla tem importantes
consequências a nível da construção jurídico-constitucional do Estado.
Direito constitucional interno sobre a Europa
• Cláusula europeia
Em muitas constituições da Europa encontra-se uma cláusula que os autores
designam de cláusula europeia. Esta é uma referência aberta para elementos
materiais de uma comunidade jurídico-política (Europa, direitos fundamentais,
União económica e monetária, justiça, cidadania europeia, UE). – (CRP, artigo 7º/5)
• A cláusula de integração europeia
Tem um sentido jurídico-político mais definido do que a “cláusula Europa” (CRP,
artigo 7º/6). O estado constitucional passa a ter de compreender a “soberania” e
a “competência de competências” de forma radicalmente diversa com o
nascimento do Estado Moderno.
“Direito constitucional Europeu”
Há uma comunidade jurídica de estados democráticos de direito. O tribunal da justiça
da comunidade europeia/TJCE vem recordando uma série de princípios jurídicos e
políticos substancialmente transformadores da “estadualidade soberana”. O princípio
da primazia do direito comunitário e o consequente princípio da prioridade ou
apreensão de competências desbanca o direito nacional e ousa mesmo afirmar a sua
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proeminência perante a constituição dos estados-membros o principio da autonomia


do direito comunitário aponta para a diferenciação da ordem jurídica comunitária em
relação às ordens jurídicas dos estados-membros. A autonomia parece implicar a auto-
organização e autorreprodução de uma verdadeira ordem jurídica suscetível de
originar um Estado de direito europeu com a subsequente obrigação dos estados-
membros respeitarem a autonomia. Se a estes princípios acrescentarmos o princípio
da aplicabilidade direta do direito europeu, ou seja, o princípio de que as normas têm
eficácia imediata nas ordens jurídicas dos Estados-membros, podendo ser invocadas e
feitas valer diretamente pelos particulares, estão conjugados os princípios
estruturantes par a constituição da UE.
A existência da UE pressupõe a existência de estados membros, autoconstituídos como
estados democráticos de direito. As relações entre estados membros e a ordem
jurídica comunitária não devem, de resto, reconduzir-se, como até aqui, a questão de
limites – os limites as constituições nacionais ao processo de integração. As leis
fundamentais devem considerar-se ativamente estruturantes da própria constituição
europeia. Por esta via se chegará à comunidade de direito europeia.
Estado de direito democrático na Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP)
Nos países membros da CLPL descortina-se progressivamente uma razão pública
tendente à realização de uma coletividade política de cidadãos iguais, regidos por uma
constituição e por leis legitimadoras de instituições políticas básicas. Nesse sentido, a
razão pública de um governo sob “império do direito” e sob o mando de mulheres e
homens ancorado em esquemas e legitimação democrática encontra a sua formulação
linguística na expressão “estado de direito democrático”. As fórmulas linguísticas não
são inteiramente coincidentes. A reclamação de estado de direito democrático pode,
de resto, ser apenas uma das múltiplas formas de simbolização constitucional. O
estado de direito democrático – para lograr ter força político-normativa-necessita:
• De um conjunto de instituições políticas básicas;
• De um conjunto de condições económicas, sociais e culturais favoráveis a estas
instituições;
• E de um conjunto de esquemas político-constitucionais (forma de governo,
controlo judicial, sistema eleitoral, sistema partidário).
Justifica-se, por fim, mais um esclarecimento indispensável. O estado democrático de
direito é um padrão legitimatório aceitável, mas não é um paradigma totalitário
necessariamente identificado com o “paradigma capital-expansionista” supranacional
e se se limitar ao papel de herói local, a ele cabe ainda, em termos de direito e sob a
forma democrática, cumprir a função de injunção de solidariedades territoriais e a
função de produção de bens coletivos.

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Princípio Democrático
CARACTERIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO
O princípio democrático visa responder ao problema da legitimação do poder político
e, ao ser consagrado constitucionalmente, constitui uma ordenação normativa para
uma dada realidade histórica contingente.
A fórmula mais conhecida, e que traduz a essência dos movimentos históricos
democráticos, é a fórmula de Lincoln – “governo do povo, pelo povo e para o
povo”. A esta formulação positiva opõe-‐‐se a formulação negativa de Popper –
“a democracia nunca foi a soberania do povo, não o pode ser, não o deve ser”.
Tipos de democracia:
• Democracia direta – primeiro tipo de democracia, que surgiu com os gregos e na
qual os cidadãos fazem eles próprios as leis.
• Democracia participativa – surgiu na pós-‐‐modernidade e consiste no
exercício da democracia pelos cidadãos através de instituições cívicas.
• Democracia representativa – delegação de poder em representantes, por parte
dos cidadãos.
• Democracia semidirecta – partilha algumas características com a democracia
representativa, apesar dos cidadãos desempenharem um papel directo em certos
aspetos da tomada de decisão.
A Constituição de 76 foi fundada no princípio da democracia representativa, sendo
os principais instrumentos de democracia:
• Sufrágio
• Partidos políticos
Contudo, as sucessivas revisões constitucionais foram assimilando os outros tipos de
democracia:
• Direta – plenário dos cidadãos (art. 245.º/2)
• Semidirecta – referendo
• Participativa – ver arts. 2.º, 109.º e 151.º
CONCRETIZAÇÃO CONSTITUCIONAL DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO
O princípio da soberania popular
O princípio da soberania popular transporta várias dimensões históricas:
• Necessidade de legitimação do domínio político;
• Povo enquanto legitimação do poder político;
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• Povo enquanto titular da soberania;


• Soberania popular enquanto princípio eficaz e vinculativo no âmbito
constitucional;
• Constituição enquanto plano da construção organizatória da democracia.
O princípio da representação popular
A representação popular é o exercício jurídico, constitucionalmente autorizado, de
funções de domínio, feita em nome do povo por órgãos de soberania do Estado.
Existem dois tipos de representação democrática:
Representação democrática formal – autorização e legitimação jurídico-formal
concedida a um órgão governante para o exercício do poder político.
Representação democrática material – momento referencial substantivo e
normativo, conformidade da vontade do povo com o conteúdo dos actos dos
representantes.
O princípio da democracia semidirecta
O referendo é o principal instrumento de democracia semidirecta. É uma consulta
feita aos eleitores sobre uma questão ou texto através de um procedimento formal
regulado na lei.
Tipos de referendo (quanto ao território):
• O referendo nacional (art. 115.º):
o Âmbito material: domínios excluídos do âmbito material do referendo (art.
115.º/4):
▪ Referendos constitucionais – a revisão constitucional é “reserva absoluta
do Parlamento (art. 161.º/a))
▪ Referendos sobre questões ou actos de conteúdo orçamental, tributário
ou financeiro – visto que são matérias de fácil manipulação pelo
eleitorado.
▪ Referendos em matérias legislativas e políticas:
⎯ Art. 115.º/4/c) – fecha as matérias de reserva do Parlamento.
⎯ Art. 115.º/4/d) – exceto a matéria do art. 164.º/i), toda a matéria do
artigo 164.º não pode ser objeto de referendo. Esta alínea deve
considerada em conjunto com a c).
⎯ Art. 115.º/5 – abra as matérias , estabelecendo uma exceção para
matérias de relevante interesse nacional. Ver art. 295.º, introduzido
com a revisão constitucional de 2005.
o Procedimento referendário – art. 167.º.
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o Iniciativa – a iniciativa de referendo pertence à Assembleia da República, ao


Governo e, desde a 4ª Revisão Constitucional, também aos cidadãos (ver arts.
115.º/1 e 2). Contudo, a decisão de referendo pertence exclusivamente ao
Presidente da República – este decide se há ou não referendo, um poder
absoluto que não carece de referenda ministerial (art. 134.º/c e 140.º).
o Eficácia jurídica – o referendo terá eficácia vinculativa quando o número de
votantes for superior a metade dos eleitores inscritos no recenseamento (art.
115.º/11).
o Universo eleitoral – tendencialmente, o referendo tem o mesmo universo
eleitoral que as eleições para o Presidente da República (arts. 115.º/12 e
124.º/2), ou seja, têm também direito de participação no referendo os
cidadãos portugueses recenseados no território nacional e residentes no
estrangeiro.
Referendo regional – art. 323.º/2
Entende‐se por referendo regional o referendo incidente sobre questões de
interesse específico regional, no âmbito das Regiões Autónomas dos Açores e da
Madeira. A iniciativa compete à respetiva assembleia regional e o universo eleitoral
é composto pelos cidadãos eleitores recenseados no respetivo território.
Referendo local – art. 240.º
Considera‐se referendo local o referendo que tem por objeto questões de
relevante interesse local que devam ser decididas pelos órgãos autárquicos
municipais ou de freguesia.
Existem outras classificações do referendo.
• Facultativo e obrigatório – o referendo obrigatório é “letra morta” na Constituição.
• Quanto ao objeto – constitucional, convencional e legislativo.
• Quanto à iniciativa – do governo, parlamentar e popular.
• Quanto à eficácia jurídica – consultivo (apesar de um referendo não chegar ao
mínimo exigível para a eficácia vinculativa, permite conhecer a opinião dos
cidadãos) e vinculativo.
Princípio da participação (art. 9.º/c e 109.º)
O princípio da participação política está estreitamente conexionado com a
democratização da sociedade – democratizar a democracia através da participação
significa intensificar a participação ativa e direta de homens e mulheres.
PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO E DIREITO DE SUFRÁGIO
O sufrágio é um instrumento fundamental de realização do princípio democrático,
pois é através dele que se legitima democraticamente a conversão da vontade em
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poder, se estabelece a organização legitimante de distribuição dos poderes e se


procede à criação do pessoal político.
Os princípios materiais do sufrágio
Princípio da universalidade (art. 49º/1)
Todos os cidadãos são titulares do direito de sufrágio, quer ativo (direito de votar),
quer passivo (capacidade de ser eleito). O conceito de cidadania aqui expresso é a
cidadania portuguesa.
Princípio da imediaticidade (art. 10º)
O voto tem de resultar imediatamente da manifestação da vontade do eleitor, não
existindo nenhum intermediário entre o titular da soberania o eleitor. Com
este princípio pretende assegurar-se a fidedignidade do voto.
No sufrágio indireto ou mediato, os eleitores limitam-se a eleger um colégio de
delegados eleitorais que, por sua vez, escolherão os candidatos.
Princípio da liberdade
A afirmação da liberdade do voto transporta duas dimensões:
• Liberdade de votar ou não – o sufrágio é um dever cívico e não jurídico (art. 49.º/2).
• Liberdade no voto, na escolha.
Princípio do voto secreto (art. 10º)
O cidadão eleitor guarda para si a sua decisão de voto, sendo este princípio uma
garantia da própria liberdade de voto. Podemos falar em pessoalidade do voto, mas
não em presencialidade (voto por correspondência).
Princípio da igualdade
A igualdade de voto compreende duas dimensões:
• Igualdade em peso numérico – todos os votos têm a mesma eficácia jurídica.
• Igualdade em valor de resultado – a mesma consideração para a distribuição de
mandatos. Esta igualdade deriva do sistema eleitoral adotado, o sistema
proporcional (art. 149.º).
Princípio da periodicidade do voto
A periodicidade vale para todos os atos eleitorais e está relacionado com o princípio
democrático, que exige a renovação da legitimidade. Impede-‐‐se, assim, a
vitaliciedade de mandatos.
Princípio da unicidade
Este princípio não está consagrado na Constituição, contudo vem complementar a
ideia de igualdade do sufrágio, sendo um corolário lógico deste. Afirma que cada

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cidadão apenas vota uma vez.


PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO E SISTEMA ELEITORAL
Sistema proporcional e sistema maioritário
Sistema eleitoral – modo como os votos são convertidos em mandatos, neste caso
em deputados da Assembleia da República. Este sistema eleitoral é diferente do
sistema eleitoral para Presidente da República, que é maioritário a duas voltas.
Tipos de sistemas eleitorais:
Sistema maioritário
• Característica – o espaço geográfico está dividido em círculos uninominais, cada
um dos círculos elege o deputado que venceu.
• Origem – origem inglesa, recebendo também o nome de “modelo de
Westminster”.
Está associado ao tipo de democracia representativa.
• Vantagens:
o Governos estáveis e funcionais;
o Alternância do poder através do sistema bipartidário;
o Robustecimento da oposição.
• Desvantagens:
o Fraca representatividade e proporcionalidade;
o Dificuldade de controlo do poder – atenta contra o princípio da
“accountability”.
Sistema proporcional
• Característica – o espaço geográfico está dividido em círculos plurinominais,
havendo repartição proporcional entre as listas de candidatos consoante o número
de votos.
• Origem – origem francófona, defendido na Revolução Francesa (“o Parlamento
deve ser um mapa reduzido do povo”). Associado ao tipo de democracia
participativa.
• Vantagens:
o Igualdade material;
o Adequação ao pluripartidarismo, favorecendo a representação e o
aparecimento de pequenos partidos;
o Maior controlo e transparência do poder.

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• Desvantagens:
o Escassa personalização da escolha do eleitor;
o Dificuldade de obtenção de maiorias parlamentares, muitas vezes colmatada
com coligações
II – Sistema eleitoral na Constituição
O sistema eleitoral proporcional na Constituição
Os princípios fundamentais do sistema eleitoral constituem direito constitucional
formal, sendo o sistema eleitoral proporcional um dos limites materiais de revisão
(art. 288.º/h). Nas eleições para a Assembleia da República, a Constituição optou
concretamente por uma das fórmulas de proporcionalidade, o método de Hondt (art.
149.º/1). Nos outros casos de eleições colegiais, consagra-‐‐se o sistema
proporcional mas há liberdade de escolha quanto à escolha da fórmula de
proporcionalidade (art. 113.º/5, 231.º/2 e 239.º/2).
À procura da personalização do sistema
Uma das críticas dirigidas ao sistema proporcional é a impessoalidade da escolha dos
representantes, bem como a hipertrofia do monopólio partidário. Assim, a Revisão
Constitucional de 1997 procurou responder a estas críticas através da flexibilização
do sistema eleitoral – fórmulas de escrutínio e sistemas de pessoalização:
• Fórmulas de escrutínio – no escrutínio uninominal (círculos uninominais), há
apenas um mandato a preencher; enquanto que, no escrutínio plurinominal
(círculos plurinominais), há vários mandatos a preencher, existindo por isso uma
lista. Na Revisão Constitucional de 97, admitiu-‐‐se a coexistência de círculos
uninominais e plurinominais, sem perturbar o sistema de representação
proporcional.
• Sistemas de pessoalização do voto – através do sistema de panachage
(possibilidade de escolha dos nomes dentre os propostos), do voto preferencial
(possibilidade de modificação da ordem dos candidatos), e do sistema de duplo
voto (sistema alemão, que conjuga as vantagens da representação proporcional
com as do escrutínio uninominal).
PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO E SISTEMA PARTIDÁRIO
Conceção constitucional
O pluralismo partidário, ou seja, a possibilidade de existência de vários partidos, é
um elemento essencial do princípio democrático, estando consagrado na
Constituição.
Este princípio resulta de vários artigos da Constituição:
• Art. 2.º - consagra o princípio do Estado de Direito, aludindo ao pluripartidarismo.
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• Art. 10.º/2 – consagra os princípios fundamentais da democracia.


• Art. 51.º – possibilita a existência de associações.
• Art. 288.º/i – pluralismo enquanto limite material de revisão.
As dimensões constitucionais do sistema partidário
Órgãos estaduais ou constitucionais?
Alguns autores defendem, em virtude do reconhecimento constitucional dos
partidos políticos, que estes são órgãos constitucionais. Alguns autores chegam
mesmo a defender o seu estatuto de órgãos estaduais – contudo, o reconhecimento
de relevância jurídico-‐‐constitucional dos partidos não corresponde à sua
estatização. O estatuto constitucional dos partidos deriva do reconhecimento da
liberdade de formação dos partidos como um direito fundamental – como tal, estes
não podem ser considerados órgãos constitucionais.
Corporações ou associações de direito público?
Nem constitucionais, nem estaduais, os partidos também não devem qualificar-
se como corporações de direito público, pois, do seu estatuto subjetivo, deriva a
sua caracterização como associações de direito privado. A sua função de mediação
política (expressão da vontade do povo) confere-lhes, porém, um estatuto
diferenciador das restantes associações privadas. Como tal, podemos classificar os
partidos políticos enquanto associações privadas com funções constitucionais.
Liberdade interna e liberdade externa
Liberdade externa
• Liberdade de fundação dos partidos políticos (art. 51.º/1) – a liberdade externa
dos partidos reconduz-‐‐se fundamentalmente à liberdade de fundação de
partidos políticos. Assim, será inconstitucional qualquer regime de autorização
prévia (art. 46.º/1).
• Liberdade de atuação partidária – como corolário da liberdade de associação
partidária, ninguém pode ser obrigado a fazer parte de um partido ou a nele
permanecer (art. 46.º/3).
• Extinção dos partidos políticos – pertence ao Tribunal Constitucional ordenar a
extinção de um partido político.
Liberdade interna
• Proibição de controlo ideológico ou programático (art. 51.º/3) – proibição de
controlo sobre a ideologia ou organização interna dos partidos. Contudo, são
proibidos os partidos políticos de ideologia fascista, proibição esta que encontra
o seu fundamento na proibição da discriminação de raças (art. 13.º).
• Admissibilidade de controlo sobre a organização interna (art. 51.º/5) – apesar da
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clássica inadmissibilidade de controlo sobre a organização partidária, a 4ª Revisão


Constitucional veio consagrar um conjunto de princípios pelos quais os partidos
se devem reger.
Princípio da igualdade de oportunidades dos partidos políticos
A liberdade partidária é inseparável da garantia de igualdade, ou seja, o
reconhecimento jurídico a todos os partidos de iguais possibilidades.
Dimensões da igualdade de oportunidades:
• Na concorrência eleitoral (art. 113.º/3) – distribuição igual da propaganda
eleitoral na rádio, televisão e imprensa e limitação do trabalho de publicidade do
governo.
• No financiamento dos partidos (art. 51.º/6) – o financiamento público das
campanhas dos partidos é justificado pela sua importância para a formação da
opinião dos cidadãos.
Direito de oposição democrática
O direito de oposição democrática é um direito decorrente da liberdade de opinião
e da liberdade de associação partidária. Conexiona-‐‐se com outros direitos
fundamentais, como os direitos de reunião e manifestação e o próprio princípio
democrático, e engloba um conjunto de direitos de oposição, como o direito de
antena (40.º/2).
Princípio da Socialidade
Para além da democracia política, o artigo 2.º da CRP faz ainda referência à realização
de uma democracia económica, social e cultural como objetivo fundamental a
prosseguir pelos poderes públicos. A concretização de uma democracia económica,
social e cultural implica que o Estado deva procurar atenuar as diferenças reais entre
as pessoas, em situações de maior carência, não pode deixar desprotegidos os seus
cidadãos e deve promover a igualdade de oportunidades entre todos.
A República Portuguesa é, portanto, um Estado de Direito democrático e social que
deve promover a justiça social. Há uma estreita ligação desta dimensão social com o
princípio da dignidade da pessoa humana que, como tivemos já oportunidade de ver,
é o fundamento constitucional de todos os direitos fundamentais, sejam direitos,
liberdades e garantias, sejam direitos económicos, sociais e culturais. Por outro lado,
é do princípio da dignidade que se tem feito derivar o direito a um mínimo para uma
existência condigna, direito este juridicamente exigível.
O princípio da socialidade está também intimamente relacionado com o princípio da
igualdade, uma vez que a própria interpretação deste último em Estado social implica
que não possam deixar de ser tidas em conta as diferenças reais entre as pessoas,
sendo inclusivamente exigível que se trate diferentemente para atenuar essas

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desigualdades. Assim, o facto de sermos um Estado social de Direito significa que não
está na livre disponibilidade do Estado a garantia dos direitos económicos, sociais e
culturais dos seus cidadãos.
«DECISÃO SOCIALISTA» E «ABERTURA» ECONÓMICA, SOCIAL E
CULTURAL
A realização da democracia económica, social e cultural é uma consequência política e
lógico-material do princípio democrático.
Neste integra-se o princípio da socialidade, isto é, a busca da supremacia dos valores
coletivos sobre os interesses individuais, afastando assim o individualismo presente no
Código Civil de 1916. Traz um caráter social aos institutos civis como no contrato e na
propriedade. (artigo 2º/CRP).
A abertura económico-social operada pelas leis de revisão
Na 1º, 2º e 4º revisão eliminaram a opção abstrata-ideológica da «decisão socialista»
e das suas refrações escatológicas e económicas.
Para isso temos o princípio da democracia económica, social e cultural onde tem a
mesma dignidade constitucional do princípio do estado do direito. Este tem duas
dimensões: 1 – uma dimensão teleológica, pois a democracia económica, social e
cultural é um objetivo a realizar no contexto de um processo público aberto e por isso
ela apresenta-se como fim do Estado (art.9). 2 – Uma dimensão impositivo-
constitucional, pois muitas das suas concretizações assentam no cumprimento de fins
e tarefas por parte de órgãos de entidades públicas.
SIGNIFICADO JURÍDICO-CONSTITUCIONAIS DO PRINCÍPIO DA
DEMOCRACIA ECONÓMICA E SOCIAL
Imposição constitucional e discricionariedade legislativa
O princípio da democracia económica e social contém uma imposição obrigatória
dirigida aos órgãos de direção política (legislativo, executivo) no sentido de
desenvolverem uma atividade económica e social conformadora das estruturas
socioeconómicas, de forma a evoluir-se para uma sociedade democrática. Este
princípio é um mandato constitucional juridicamente vinculativo que limita a
discricionariedade legislativa.
O direito como instrumento de conformação social
O princípio da democracia económica e social constitui uma autorização constitucional
no sentido do legislador democrático e outros órgãos. Este princípio impõe tarefas ao
Estado e justifica que elas sejam tarefas de conformação, transformação e
modernização das estruturas económicas e sociais, de forma a promover a igualdade
real entre os portugueses (arts. 9º/d e 81º/a e b).

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O princípio do não retrocesso social


O princípio da democracia económica e social aponta para a proibição de retrocesso
social. Com isto quer dizer-se que os direitos sociais e económicos, uma vez obtido um
determinado grau de realização, passam a construir, simultaneamente, uma garantia
institucional e um direito subjetivo. A proibição de retrocesso social nada pode fazer
contra recessões e crises económicas, mas o princípio em análise limita a
reversibilidade dos direitos adquiridos, em clara violação do princípio da proteção da
confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito económico, social e cultural, e do
núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa
humana. O direito prestacional da propriedade constitui um limite jurídico do
legislador e, ao mesmo tempo, uma obrigação de prossecução de uma política
congruente com os direitos concretos e as expectativas subjetivamente alicerçadas. O
princípio da proibição de retrocesso social pode formular-se, assim: o núcleo essencial
dos direitos sociais já realizado e efetivado através de medidas legislativas deve
considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer
medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alterativos ou
compensatórios, se traduzam, na prática, numa “aniquilação/revogação” pura a
simples desse núcleo essencial. Não se trata, pois, de proibir um retrocesso social
captado em termos ideológicos ou formulado em termos gerais ou de garantir em
abstrato um status quo social, mas de proteger direitos fundamentais sobretudo no
seu núcleo essencial.
O princípio da democracia económica, social e cultural como elemento de
interpretação
É um elemento essencial de interpretação na forma de interpretação conforme a
constituição para avaliar a conformidade dos atos do poder público com a constituição.
Nos casos de exercício de poder discricionário e de interpretação de conceitos
indeterminados, o principio da democracia económica e social constitui uma medida
vinculativa do exercício da discricionariedade e uma linha de direção obrigatória na
concretização do conceito indeterminado.
Imposição da democracia económica, social e cultural
Este princípio justifica e legitima a intervenção económica constitutiva e
concretizadora do Estado nos domínios económico, cultural e social. O princípio da
subsidiariedade é hoje um princípio constitucional (arts. 6º e 7º/6), sendo este
apresentado quando, do cometimento de uma conduta inicial faz surgir
uma incriminadora que, pela gravidade da atuação do agente, passa a configurar um
outro crime. Na utilização desse princípio, devemos observar o grau de violação
cometido pelo agente contra o bem jurídico tutelado pela norma. O princípio em que
uma autoridade central deve ter apenas uma função subsidiária, agindo somente em
questões que não podem ser decididas em um plano mais local. isto significa, que o

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estado tinha uma função apenas acessória ou complementar na conformação da vida


económica e social.
Ideia do capitalismo liberal. O princípio da democracia económica, social e cultural, é
porém, uma imposição constitucional conducente à adoção de medidas existenciais
para os indivíduos e grupos que, em virtude de condicionalismos particulares ou de
condições sociais, encontram dificuldades no desenvolvimento da personalidade em
termos económicos, sociais e culturais. A atividade social do estado é, assim, atividade
necessária e objetivamente pública, aqui entendido como sentido amplo.
O princípio como fundamento de pretensões jurídicas
A problemática pode ser fundamentada com a resposta à questão de saber se o
princípio da democracia económica e social pode ser fundamento imediato e
autónomo de pretensões jurídicas, perante a administração e os tribunais, pretensões
subjetivas. A resposta, em geral, é negativa, considerando-se que o princípio da
democracia económica e social é tão-somente um princípio jurídico fundamental
objetivo e não uma norma de prestação subjetiva. De qualquer modo, ao princípio da
democracia económica e social pode e deve reconhecer-se em alguns casos da
natureza de princípio jurídico fundamental, imediatamente vinculante. Trata-se de
casos em que se poderá falar de inconstitucionalidade da lei por violação do princípio
da socialidade:
• No caso de arbitrária inatividade do legislador: artigo 283º;
• No caso de particulares situações sociais de necessidade, justificadoras de uma
imediata pretensão dos cidadãos a partir do princípio da defesa de condições
mínimas de existência inerente ao respeito da dignidade humano;
• No caso de o legislador intervir restritivamente na legislação social existente
sacrificando o mínimo de existência do cidadão.
O princípio da democracia económica, social e cultural como princípio organizatória
A administração pública é uma administração socialmente vinculada à estruturação de
serviços fornecedores de prestação sociais. O estado social, entende-se, de resto, hoje,
como um esquema político-organizativo socialmente ativante, mas não como um
esquema obrigatoriamente prestador de serviços de forma direta. Mas há um limite
imposto pelo princípio da democracia económica, social e cultural: o acesso aos bens
públicos, não pode implicar a violação do núcleo essencial dos direitos sociais já
efetivados. A transmutação de formas de organização públicas em esquemas
organizatórios privados pressupõe a continuação do princípio da universalidade de
acesso das pessoas aos bens indispensáveis e um mínimo de existência. Os serviços de
interesses económico geral previstos no TUE (art. 86º) passaram a ser serviços
prestados ao público por particulares ou empresas particulares. Os serviços de
interesse económico geral devem ser igualitários e progressivos.

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O princípio da democracia económica, social e cultural como limite da revisão


constitucional
É um princípio garantido contra a revisão constitucional. O art. 288º, nas alíneas d, h,
i, e, f, g, conclui-se que a dimensão económica e social do princípio democrático é um
limite material de revisão. Consequentemente, o regime substantivo do princípio,
sobretudo quando corporizado pelos direitos económicos, sociais e culturais, não pode
ser perturbado pelas leis de revisão.
A CONCRETIZAÇÃO CONSTITUCIONAL DO PRINCÍPIO DA
DEMOCRACIA ECONÓMICA E SOCIAL
A constituição económica
No seu sentido restrito, ou seja, o conjunto de disposições constitucionais -regras e
princípios- que dizem respeito à conformação da ordem fundamental e económica.
Constituição, em estreita conexão com o princípio democrático, consagrou uma
constituição económica que, embora não reproduza uma “ordem económica” ou um
“sistema económico” abstrato e puro e é finalmente concretizada a ideia de
democracia económica e social. O princípio da democracia social e económica, quer na
sua configuração geral, quer nas concretizações concretas, disseminadas ao longo da
constituição, constitui um limite e um impulso para o legislador como limite, o
legislador não pode executar uma política económica e socia de sinal contrário ao
importo pelas normas constitucionais: como impulso, o princípio da democracia
económica e social exige positivamente ao legislador (e aos outros órgãos
concretizadores) a prossecução de uma política em conformidade com as normas
concretamente impositivas da constituição.
A constituição do trabalho
Dois motivos fundamentais: 1- ganhou uma dimensão ainda mais inequívoca com a lei
da 1º revisão, ao autonomizarem-se no cap. III da Parte I, os direitos, liberdades e
garantias dos trabalhadores (arts. 53 e ss.). 2- Foi deliberadamente colocado em plano
mais modesto pela LC (lei complementar) nº1/82 e pela LC nº1/89, embora o problema
do trabalho continue a ser compreendido não apenas sob ângulo do trabalho
subordinado, mas também sob o ponto de vista do poder dos trabalhadores como
poder socialmente emancipatório (arts. 54º/1 e 55º/2/d, 56º/2/b e c).
A constituição social
A conceção estruturalista assinala que a Constituição é resultado das estruturas sociais,
equilibradora das relações políticas e da sua transformação. Aproximando-se do
campo sociológico, a doutrina culturalista afirma que a Constituição é um fato social,
intimamente ligado à filosofia dos valores.
a) Direitos sociais

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Os direitos sociais são direitos criados para possibilitar que os cidadãos tenham as
necessidades básicas para uma vida digna garantidas. Os direitos sociais são ligados à
cidadania por que não basta que sejam previstos na lei, é preciso que sejam colocados
em prática pelo Estado para que os cidadãos possam desfrutar de bem-estar social.
No cap. II, referente aos direitos económicos, sociais e culturais, encontra-se um amplo
“catálogo de direitos sociais”. Em primeiro lugar, são direitos de todos os portugueses,
e de todas as pessoas residentes em Portugal (arts. 63-67). Em segundo lugar,
pressupõe um tratamento preferencial para as pessoas que, em virtude de condições
económicas, físicas ou sociais, não podem desfrutar destes direitos (arts 63º/4, 64/2,
65/3, 67/e, 68-72). Um terceiro sentido se poderá ainda apontar à dimensão da
democracia económica e social no campo dos direitos sociais.
b) O princípio de democracia social
como princípio objetivo, pode derivar-se ainda de outras disposições constitucionais.
Do conjunto de princípios referentes à organização económica (dignidade social,
artº13; 9º/d; 81º/a, b e d) deduz-se que a transformação das estruturas económicas
visa também uma igualdade social. Neste sentido, o princípio de democracia social não
se reduz a um esquema de segurança, previdência e assistência social, antes abrange
um conjunto de tarefas conformadoras, tendentes a assegurar uma verdadeira
“dignidade social” ao cidadão e uma igualdade real entre os portugueses (art. 9º/d).
A constituição cultural
O princípio da democracia económica e social tem manifestas incidências na chamada
constituição cultural.
Verifica-se que o princípio da democracia económica e social não se limita,
unilateralmente, a uma simples dimensão económica. A criação dos pressupostos
concretos do direito à cultura e ensino (pressupostos materiais da igualdade de
oportunidades) é condição ineliminável de uma real liberdade de formação de
desenvolvimento na personalidade (art. 73º/2) e instrumento indispensável da própria
emancipação (progresso social e participação democrática). Igualdade de
oportunidades, participação, individualização e emancipação, são componentes do
direito à educação e à cultura, e dimensões concretas implícitas no princípio da
democracia cultural.
Por último, as instituições democráticas do ensino e da cultura transformam-se, no
quadro constitucional de mecanismos de direção, conformadores de novas estruturas
sociais: art. 73º/2; art. 74º/3-f)
Note-se que a revisão de 1989 favoreceu no artigo 76 na redação originária de 1976 e
na redação de 1982 e a revisão de 1997 que eliminou os restos da compreensão
classista do ensino.
O princípio da igualdade

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A democracia económica e social abrange as duas dimensões da tríade clássica: liberté


e égalité.
O princípio da igualdade e o princípio da democracia económica e social aglutinam-se
reciprocamente numa unidade não redutível a momentos unidimensionais de estática
ou dinâmica da igualdade. Em fórmula sintática, dir-se-á que o princípio da igualdade
é, simultaneamente, um princípio de igualdade de Estado de direitos e um princípio de
igualdade de democracia económica e social.
O PRINCÍPIO DA SOCIALIDADE E O ESTADO REGULADOR
O Estado social de regulação
A anterior exposição referente ao princípio da socialidade tem como referência o
Estado Social juridicamente conformado pela Constituição de 1976. O problema que
se pode e deve pôr é o saber se o Estado Social, tal como ele se encontra jurídico-
politicamente plasmado na Constituição, não foi já objeto de adaptações não
convencionais profundas originadas pelo aprofundamento da união e integração
europeias e pelo processo de globalização da economia. Elas podem: (1) ser
desempenhadas exclusivamente por entidades públicas; (2) ser progressivas por
entidades resultantes de formas várias de partnership entre o Estado e entidade
privadas; (3) ser desenvolvidas apenas por entes do setor privado. Neste sentido se diz
que o Estado social assume hoje a forma moderna de Estado Regulador de serviços
públicos essenciais. De uma forma crescente, a própria regulação e supervisão é
confiada a entidades administrativas independentes não diretamente subordinadas ao
poder político governamental. A socialidade estatal subjacente à prestação de serviços
de interesse económico geral é pública na medida em que a regulação dessa prestação
assenta em regras públicas definidas por entidades públicas direta ou indiretamente
legitimas.
Consequentemente, elas só podem ser disponíveis lá onde se encontram. A
liberalização e a privatização dos serviços económicos de interesse geral não significam,
de resto, a despedida do Estado e a inexistência de regras públicas. É neste sentido
que a mais recente literatura jurispublicística fala de autorregulamentação regulada.
Vejamos, per suma capita, alguns princípios destas regulações das infraestruturas
económicas dos serviços de interesse geral em que se procuram articular dois modelos:
o servisse publique, de matriz francesa, e o de public utility regulation (de cariz anglo-
saxónico).
Estado Social e novo serviço público
As empresas encarregadas de serviços de interesse económico geral (artigo 86º TUE)
estão sujeitas a regulações públicas definidoras das “regras do jogo”. O regime jurídico
dessas empresas é materialmente informado por quatro liberdades: liberdade de
entrada, liberdade de acesso ao mercado ou à rede, liberdade de contratação e
liberdade de investimento.
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A transferência de tarefas – repete-se – para os sujeitos privados não significa um


abandono da responsabilidade estatal pela prossecução do interesse público inerente
à realização do princípio da socialidade. Não se trata, pois, de uma desconstrução do
Estado social a favor das forças autorregulavas do mercado livre.
No plano teórico pode discutir-se se a nova cidadania social se reconduz à atribuição
de direitos sociais ou se se trata de oportunidades sociais condicionadas à prestação
de serviços sociais.

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Parte IV – Direitos fundamentais


Tipologia dos direitos fundamentais
A Constituição de 1976: direitos, liberdades e garantias e direitos
económicos, sociais e culturais
A Constituição de 1976 veio sistematizar os direitos fundamentais em direitos,
liberdades e garantias e em direitos económicos, sociais e culturais.
Esta sistematização corresponde à divisão presente nos dois pactos
internacionais da União Europeia, assinados na sequência da Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão:
• Direitos civis e políticos (correspondentes aos direitos, liberdades e garantias);
• Direitos económicos, sociais e culturais.
Encontramos, porém, outra forma de sistematização dos direitos fundamentais,
presente na Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, de acordo com
os valores fundamentais.
Classificações doutrinais e históricas
• Direitos do homem – direitos pertencentes ao homem enquanto tal.
• Direitos do cidadão – direitos pertencentes ao homem enquanto ser social.
• Direitos naturais – direitos do homem.
• Direitos civis – direitos pertencentes ao homem enquanto cidadão.
o Direitos civis – reconhecidos a todos os homens que vivem em sociedade.
Depois de esvaziados dos direitos políticos, os direitos civis passam a
designar-‐se direitos ou liberdades individuais.
o Direitos políticos – só são atribuídos aos cidadãos ativos.
• Garantias – rigorosamente, os direitos também são garantias, apesar de se
traduzirem no direito dos cidadãos a exigir dos poderes públicos a proteção
dos seus direitos, bem como no reconhecimento de meios processuais
adequados a essa finalidade.
• Direitos de personalidade- Os direitos da personalidade são normalmente
definidos como o direito irrenunciável e intransmissível que todo indivíduo tem de
controlar o uso de seu corpo, nome, imagem, aparência ou quaisquer outros
aspetos constitutivos de sua identidade. (artigo 26º/1)
O sistema do direito constitucional positivo
• Critério do radical subjetivo – de acordo com este critério, os direitos,
liberdades e garantias seriam direitos com referência pessoal ao homem
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individual, ou seja, como uma função e titularidade subjetiva. Trata-‐se de


um critério não constitucionalmente adequado, visto que existem alguns
direitos, liberdades e garantias que só podem ser titulados por pessoas
coletivas (ver arts. 40.º, 54.º, 56.º e 57.º).
• Critério da natureza defensiva ou negativa – numa lógica de compreensão
liberal, os direitos, liberdades e garantias seriam direitos que teriam como
destinatário o Estado e, como objeto, a obrigação de abstenção do mesmo
relativamente à esfera jurídico-‐subjetiva dos cidadãos.
Trata-se, de novo, de um critério não constitucionalmente adequado:
o Existem direitos, liberdades e garantias que são direitos positivos a ações
ou prestações do Estado (art. 40.º e 35.º);
o Os destinatários dos direitos, liberdades e garantias não são apenas os
poderes públicos, mas também as entidades privadas (art. 36.º/3 –
direitos dos cônjuges, art. 53.º e 57.º);
o Existem direitos, liberdades e garantias que exigem o cumprimento, por
parte do Estado, do dever de proteção, como o direito à vida (art. 24.º/1).
• Critério da determinação ou determinabilidade constitucional do conteúdo –
os direitos, liberdades e garantias são aqueles direitos cujo conteúdo é
essencialmente determinado, ou determinável, ao nível das opções
constitucionais. Assim, não serão direitos, liberdades e garantias aqueles
direitos cujo conteúdo é essencialmente determinado por opções do legislador
ordinário. Este critério depara igualmente com dificuldades, principalmente
devido à existência de direitos, liberdades e garantias que dependem de atos
legislativos concretizadores (como é exemplo o direito à greve). Contudo,
aponta para duas dimensões distintivas dos direitos, liberdades e garantias – a
aplicabilidade direta e a densidade normativa suficiente para valerem na
ausência de lei ou mesmo contra ela.
• Traços distintivos dos direitos, liberdades e garantias:
o Aplicabilidade direta – devido à pretensão jurídica individual a nível
constitucional.
o Determinabilidade constitucional do conteúdo – dispensa de legislação
ordinária.
o Exequibilidade autónoma – independência da mediação concretizadora
ou densificadora dos poderes públicos.
Direitos económicos, sociais e culturais
Os direitos económicos, sociais e culturais (Título III), serão os direitos sujeitos ao
regime geral dos direitos fundamentais, mas que não beneficiam do regime

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especial dos direitos, liberdades e garantias.


Muitos destes direitos consistem em direitos a prestações ou a atividades do
Estado, embora alguns possuam uma natureza defensiva (como o direito de
iniciativa privada, art. 61.º e 62.º) e outros tenham como destinatário não apenas
o Estado, mas também a generalidade dos cidadãos (como o direito dos
consumidores, art. 60.º, e arts. 60.º e 69.º).
3. Direitos só formalmente fundamentais
Não existem direitos fundamentais apenas formalmente constitucionais, pela
mesma lógica segundo a qual não existem normas constitucionais que o sejam
apenas a nível formal.
Direitos fundamentais dispersos
São direitos fundamentais que se encontram fora do catálogo (arts. 24.º -‐ 79.º).
Alguns destes direitos gozam de natureza análoga aos direitos, liberdades e
garantias, enquanto que outros se aproximam dos direitos sociais. Ver exemplo
do art. 268.º/4.
Direitos de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias
O art. 17.º menciona uma categoria de direitos – os direitos de natureza análoga
aos direitos, liberdades e garantias. Estes direitos de natureza análoga são
direitos que, apesar de não constarem no catálogo dos direitos, liberdades e
garantias, gozam do seu regime especial. Podem, assim, encontrar-‐‐se entre os
direitos económicos, sociais e culturais, ou entre os restantes direitos
fundamentais dispersos.
Contudo, a determinação dos contornos destes direitos de natureza análoga não
está isenta de dificuldades. O Dr. Gomes Canotilho propõe a seguinte metódica
para a captação da natureza análoga de um direito:

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Direitos só materialmente fundamentais


O art. 16.º/1 consagra o princípio da cláusula aberta, também chamado de
princípio da não tipicidade ou da norma com “fattispecie” aberta, que reconhece
a existência de direitos fundamentais fora do texto constitucional. Assim, em
virtude de as normas que os reconhecem e protegem não terem a forma
constitucional, estes direitos são chamados de direitos fundamentalmente
constitucionais.
FUNÇÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
As funções dos direitos fundamentais são quatro e foram sendo historicamente
assumidas.
Função de defesa ou de liberdade
Função de defesa da pessoa humana e da sua dignidade perante os poderes do
Estado. Dupla perspetiva:
• Direitos enquanto normas de competência negativa para os poderes públicos,
proibindo as ingerências destes na esfera jurídica individual;
• Direitos enquanto faculdades de exercício positivo dos mesmos pelos cidadãos.
Função de prestação social
Direitos a prestações são direitos do particular a obter algo através do Estado
(saúde, educação e segurança social). Assim, o Estado é chamado a garantir um
conjunto de bens fundamentais – Estado social.
Função de proteção perante terceiros
Nesta função, o eixo das relações que se estabelecem já não é entre o indivíduo e
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o Estado, mas sim entre indivíduos. O “outro” pode constituir uma condição de
desenvolvimento, mas também uma ameaça. Assim, alguns direitos impõem um
dever ao Estado no sentido de este proteger perante terceiros os titulares de
direitos fundamentais, assegurando uma coexistência pacífica. É exemplo o direito
à vida (art. 24.º), apesar de nele também podermos encontrar uma dimensão
prestacional.
Função de não discriminação
A partir do princípio da igualdade e dos direitos específicos de igualdade
constitucionalmente consagrados, deduz-‐se a função de não discriminação dos
direitos fundamentais. Trata-‐se, aqui, de assegurar que o Estado trata os seus
cidadãos como fundamentalmente iguais. Inclui também a função de criar
discriminações positivas, como a criação de cotas para a participação das mulheres
na política.
Regime geral dos direitos fundamentais
Âmbito da titularidade de direitos fundamentais
Três notas:
• Existe um regime geral de direitos fundamentais. Este regime é comum aos
direitos, liberdades e garantias e aos direitos económicos, sociais e culturais.
• Existe uma mais-‐valia para os direitos, liberdades e garantias que são próprios
destes. Tem uma natureza análoga. – Um regime específico.
O regime geral dos direitos fundamentais compreende 3 princípios:
• Princípio da universalidade;
• Princípio da igualdade;
• Princípio do acesso ao direito e da garantia jurisdicional efetiva (remissão).
O princípio da universalidade
O primeiro princípio geral dos direitos (e deveres) fundamentais consiste na sua
universalidade – ou seja, todas as pessoas, pelo simples facto de o serem, são
titulares de direitos fundamentais.
• Princípio da universalidade em sentido restrito
Este princípio está consagrado, no seu sentido restrito, no art. 12.º/1, que
afirma que “todos os cidadãos” são titulares dos direitos. Contudo, este artigo
não confirma a universalidade da titularidade dos direitos fundamentais.
• Princípio da universalidade e equiparação entre portugueses e estrangeiros
como regra
Este artigo deve ser tomado em conjunto com o art. 12.º/1 na compreensão
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do princípio da universalidade. Assim, os direitos fundamentais não serão


apenas dos cidadãos portugueses, mas também dos estrangeiros e apátridas.
A equiparação dos cidadãos estrangeiros e dos apátridas aos cidadãos
portugueses vale para todos os direitos, salvo disposição em contrário.
Admitem-‐se, contudo, exceções a este princípio de equiparação, através
da delimitação de círculos de cidadania – a resposta à pergunta “será que
todos têm todos os direitos?” é negativa.
Círculos de cidadanias (art. 15.º):
• Direitos reservados aos cidadãos portugueses (art. 15.º/2) – os direitos
políticos (art. 121.º/1 – direitos eleitorais) e o exercício das funções públicas
que não tenham carácter predominantemente técnico (art. 275.º/2 – serviço
nas Forças Armadas) são direitos fundamentais exclusivamente pertencentes
aos cidadãos portugueses. Admitem-‐se aqui outros direitos reservados pela
Constituição e pela lei aos cidadãos portugueses, porém a lei não é livre no
estabelecimento de outras exclusões de direitos aos estrangeiros.
O nº 4, introduzido com a 2ª Revisão Constitucional, é uma exceção ao nº2 do
art. 15.º, pois consente a extensão aos estrangeiros residentes em Portugal de
um direito político, a capacidade eleitoral nas eleições dos titulares das
autarquias locais. Este direito está sujeito à cláusula de reciprocidade.
• Direitos dos cidadãos dos países de língua portuguesa (art. 15.º/3) – estabelece
um regime privilegiado para os estrangeiros que sejam cidadãos de países de
língua portuguesa, contudo esta extensão está dependente da sua residência
permanente em Portugal e da cláusula de reciprocidade com a constituição do
país de origem. É exemplo a capacidade eleitoral ativa e passiva.
• Direitos dos cidadãos de outros Estados-membros da União Europeia (art.
15.º/5) – traduz a refração, na ordem constitucional portuguesa, da cidadania
europeia. A cidadania europeia não é uma categoria política estática, estando
aberta ao aprofundamento da integração europeia.
O nº 5 do art. 15.º foi introduzido com a 1ª Revisão Constitucional e consagra
o alargamento de alguns direitos políticos pertencentes aos cidadãos
portugueses aos cidadãos de Estados‐membros da União Europeia (como o
nº 4).
Direitos dos portugueses no estrangeiro (art. 14.º)
Os direitos fundamentais valem também para os cidadãos não residentes no
território nacional, que têm os mesmos direitos e deveres dos cidadãos
portugueses residentes em Portugal, salvo aqueles que sejam incompatíveis com
a ausência do país (algo que terá de ser determinado caso a caso). Os cidadãos
portugueses nessas condições também têm direito à proteção do Estado para o

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exercício desses direitos, estabelecendo-‐se uma discriminação positiva.


A questão das pessoas coletivas (art. 12.º/2)
A Constituição reconhece expressamente a capacidade de gozo de direitos às
pessoas coletivas, superando assim uma conceção de direitos fundamentais
exclusivamente centrada sobre os indivíduos. Contudo, é necessário responder às
seguintes perguntas: qual o sentido de pessoas coletivas usado? Todas as pessoas
coletivas gozam de direitos fundamentais?
Existem dois tipos de pessoas coletivas:
• Pessoas coletivas de direito privado;
• Pessoas coletivas de direito público.
As pessoas coletivas não podem ser titulares de todos os direitos fundamentais,
mas apenas daqueles que sejam compatíveis com a sua natureza. Este problema
deverá ser resolvido casuisticamente. Não serão aplicáveis, por exemplo:
• Direito à vida e à integridade pessoal;
• Direito de constituir família.
Levanta-se também a questão da titularidade de direitos por parte das pessoas
coletivas de direito público, opondo-‐se uma tese negativa e positiva.
Argumentos da tese negativa – impossibilidade da titularidade:
• Argumento da natureza dos direitos – os direitos fundamentais são direitos de
defesa perante os poderes públicos, logo não faz sentido reconhecer às
entidades públicas estes direitos.
• Argumento da confusão – se as pessoas coletivas de direito público fossem
titulares de direitos, então seriam simultaneamente titulares e destinatárias
dos mesmos.
Argumentos da tese positiva – possibilidade e limites:
• Argumento literal – a Constituição não distingue entre pessoas coletivas de
direito público e de direito privado.
• Algumas pessoas coletivas gozam de uma posição de infra ordenação em
relação ao Estado, podendo como tal ocorrer situações de conflito entre elas.
Assim, as pessoas infraestaduais terão de ser titulares de direitos fundamentais.
Direitos fundamentais coletivos e direitos fundamentais de exercício coletivo
• Direitos fundamentais coletivos – assim como certos direitos fundamentais
pressupõem uma referência humana, não sendo suscetíveis de gozo e exercício
por parte de pessoas coletivas, também existem na Constituição direitos cuja
titularidade é inerente às pessoas coletivas como tais (ver arts. 40.º, direito de

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antena, 54.º, 56.º e 57.º).


• Direitos fundamentais de exercício coletivo – existem também direitos cuja
titularidade é individual, mas que só se podem exercer coletivamente (exemplo
– o direito à greve).
Titularidade e capacidade de exercício de direitos
A distinção do direito privado entre capacidade de gozo de direitos (ou titularidade)
e capacidade de exercício não terá qualquer utilidade no direito constitucional. Por
um lado, porque não faz sentido reconhecer direitos fundamentais insuscetíveis
de ser exercidos; por outro lado, esta restrição pode ser um expediente para a
restrição inconstitucional de direitos.
Princípio da igualdade (art. 13.º)
Da igualdade formal à igualdade material
Um dos princípios estruturantes do regime geral dos direitos fundamentais é o
princípio da igualdade, que tem como base o princípio da dignidade social de
todos os cidadãos. Considera-‐se que o princípio da igualdade é um dos
princípios estruturantes do sistema constitucional, visto conjugar dialeticamente
as dimensões liberais, democráticas e sociais do Estado de Direito democrático e
social:
• Dimensão liberal – ideia de igual status social de todas as pessoas,
independentemente do
• nascimento, perante a lei, geral e abstrata.
• Dimensão democrática – ideia de igualdade na participação da vida política.
• Dimensão social – eliminação das desigualdades de facto para se assegurar
uma igualdade material.
Esta igualdade é, desde logo, a igualdade formal – que também recebe o nome
de liberal ou jurídica -‐, que corresponde ao que está consagrado no art. 13.º/1.
Assim, podemos afirmar que a Constituição acolhe a versão historicamente
adquirida da fórmula clássica do princípio da igualdade, que veio pôr fim ao
sistema de privilégios do antigo regime e se traduz na exigência de igualdade de
aplicação do direito.
Mas o alcance da proteção constitucional do conteúdo, quer quanto ao âmbito,
quer quanto ao conteúdo, não fica por aqui. Num dado momento da História, o
Estado “cão de guarda noturno” entra em crise e exige-‐se, para além de uma
igualdade formal – igualdade perante a lei –, uma igualdade material – igualdade
na criação e através da lei.
O âmbito de proteção do princípio da igualdade abrange, na ordem
constitucional portuguesa, as seguintes dimensões:
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• Proibição do arbítrio;
• Proibição de discriminação;
• Obrigação de diferenciação.
Princípio da proibição do arbítrio
A proibição do arbítrio constitui um limite externo da liberdade de conformação
ou de decisão dos poderes públicos, como princípio negativo de controlo. Assim,
existirá observância de igualdade quando indivíduos ou situações iguais não são
arbitrariamente tratados como desiguais, e assim este princípio tem de andar
sempre ligado a um fundamento material ou critério material objetivo. Este
critério costuma ser sintetizado em 3 notas:
• Fundamento sério;
• Sentido legítimo;
• Estabelecimento de uma diferenciação jurídica com fundamento razoável.
Contudo, a vinculação do legislador ao princípio da igualdade não elimina a sua
liberdade de conformação legislativa, pois a ele pertence, dentro dos limites
constitucionais, definir ou qualificar as situações que poderão funcionar como
elementos de referência a um tratamento igual ou desigual.
Princípio da proibição da discriminação
O princípio da proibição da discriminação, consagrado no art. 13.º/2 , não
significa uma exigência de igualdade absoluta em todas as situações, nem proíbe
diferenciações de tratamento.
Consagra um conjunto de fatores discriminatórios ilegítimos, que correspondem
aos mais frequentes e historicamente mais significativos. Contudo, esta lista não
tem um carácter exaustivo, sendo puramente enunciativo.
Assim, exige-se que as medidas de diferenciação sejam materialmente
fundadas sob o ponto de vista da segurança jurídica, da proporcionalidade e
da justiça, não se baseando num motivo constitucionalmente impróprio.
Princípio da obrigação de diferenciação
A obrigação de diferenciação vem compensar a desigualdade de oportunidades,
confirmando a função social do princípio de igualdade, ou seja, o dever de
atenuação das desigualdades fácticas (sociais, culturais e sociais) pelos poderes
públicos, através de discriminações positivas.
Diferenciação e discriminação não são conceitos equivalentes pois, numa
situação de diferenciação, não existe necessariamente discriminação. A
discriminação negativa é uma diferenciação ilegítima, enquanto que
discriminação positiva já é um tipo de diferenciação legítima.
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Princípio da igualdade perante os encargos públicos


O princípio da igualdade perante os encargos públicos é outra manifestação do
princípio da igualdade, que afirma que estes devem ser objeto de igualdade
material. O seu sentido tendencial é o seguinte:
• Os encargos públicos devem ser repartidos de forma igual pelos cidadãos;
• No caso de existir um sacrifício especial de um indivíduo ou grupo de indivíduos
justificado por razões de interesse público, deve estabelecer-‐se uma
indemnização ou compensação.
Direitos especiais de igualdade
Ao lado do princípio geral da igualdade, que encontra a sua positivação
constitucional no artigo 13.º, a Constituição consagra um conjunto de direitos
específicos ou especiais de igualdade, que visam efetivar o princípio material de
igualdade. Estes direitos específicos valem como lex specialis relativamente ao
princípio geral, e como tal sobrepõem-se ou têm preferência sobre os
preceitos do art. 13.º/1, que vale como lex generalis.
Princípio de acesso ao direito e da garantia da tutela jurisdicional
efetiva
O princípio constitucional do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva,
plasmado no artº 20º da CRP, é um direito fundamental. Aí se prevê o acesso ao
direito e aos tribunais, e mais precisamente o direito a fazer-se acompanhar por
advogado perante qualquer autoridade.
Este concretiza-se fundamentalmente através de um processo jurisdicional
equitativo – due process.
Regime específico dos direitos, liberdades e garantias
Os direitos, liberdades e garantias e os direitos de natureza análoga beneficiam
de um regime específico, ou seja, uma disciplina jurídico-‐constitucional
específica que goza dos seguintes traços caracterizadores:
• Aplicabilidade direta;
• Vinculatividade de entidades públicas e privadas;
• Reserva da lei para a sua restrição;
• Princípio da autorização constitucional expressa para a sua restrição;
• Princípio da proporcionalidade das leis restritivas;
• Princípio da generalidade e abstração das leis restritivas;
• Princípio da não retroatividade de leis restritivas;

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• Princípio da salvaguarda do núcleo essencial;


• Limitação da possibilidade de suspensão nos casos do estado de sítio e de
emergência;
• Garantia do direito de resistência;
• Garantia da responsabilidade do Estado e demais entidades públicas;
• Garantia perante o exercício da ação penal e a adoção de medidas de polícia;
• Garantia contra leis de revisão restritivas.
Aplicabilidade direta (art. 18.º/1, segmento 1)
Esta cláusula de aplicabilidade direta ganhou inspiração na Lei Fundamental de
Bona, e implica o fim da doutrina das liberdades.
Os direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis porque:
• Valem constitucionalmente como normas definidoras de posições jurídicas;
• Aplicam-se sem necessidade de interposição conformadora
de outras entidades, nomeadamente o legislador;
• Constituem direito atual e eficaz. Assim, a aplicabilidade direta permite:
• Invocar as normas consagradoras de direitos, liberdades e garantias na
ausência de lei;
• Invocar a invalidade de atos normativos que infrinjam os preceitos
consagradores de direitos, liberdades e garantias, e assim estes valem contra
a lei e em vez dela.
Vinculação das entidades públicas e privadas (art. 18.º/1, segmento 2)
Vinculação de entidades públicas
Os preceitos dos direitos, liberdades e garantias vinculam as entidades públicas,
princípio este que não pode ser uma particularização do princípio geral da
constitucionalidade, sendo conotado com a aplicabilidade direta. Esta cláusula
exige uma vinculação sem lacunas, ou seja, abrangendo todos os âmbitos
funcionais, e deve ser entendida de duas perspetivas:
• Perspetiva funcional – funções das entidades públicas;
• Perspetiva formal-‐organizacional – titulares ou órgãos dessas entidades.
A primeira das “entidades públicas” a ser vinculada é o Estado em sentido estrito,
ou seja, o legislador, a administração/governo e os tribunais.
Vinculação do legislador – a cláusula de vinculação do legislador tem duas
dimensões, negativa e positiva.

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• Dimensão negativa – proibição de emanação de leis inconstitucionais lesivas


de direitos, liberdades e garantias.
• Dimensão positiva – obrigação de criação de dimensões institucionais,
procedimentais e organizatórias ou de mediação legislativa, assegurando assim
a realização dos direitos, liberdades e garantias.
Vinculação da administração – a administração está obrigada a respeitar e dar
satisfação aos direitos fundamentais. Contudo, coloca-se o problema de
saber se a administração está obrigada, no caso de uma lei violar um direito
fundamental, a preferir a Constituição à lei – conflito entre o princípio da
constitucionalidade e da legalidade. À administração não é reconhecido o poder
de fiscalização da constitucionalidade das leis, mesmo se dessa aplicação resultar
a violação dos direitos fundamentais. Contudo, são reconhecidas algumas
exceções – assim, as entidades administrativas devem:
• No caso de violação de um preceito consagrador de direitos, liberdades e
garantias, optar pela não decisão imediata do problema e a apresentação do
caso aos superiores hierárquicos;
• Optar pela prevalência das normas constitucionais quando a observância do
princípio da legalidade conduzir à prática de um crime (art. 271.º/3);
• Não praticar atos aplicadores da lei violadora de direitos, liberdades e garantias
sempre que estes se defrontem com o direito de resistência de particulares
(art. 21.º).
Vinculação do poder judicial – a vinculação dos tribunais pelos direitos,
liberdades e garantias concretiza-‐se através da conformidade, em sentido
formal e material, das normas consagradoras destes direitos.
Vinculação de entidades privadas
Os preceitos dos direitos, liberdades e garantias vinculam também as entidades
privadas, adquirindo assim eficácia geral. Esta eficácia também nas relações entre
particulares pressupõe uma conceção dos direitos fundamentais incompatível
com a tese liberal, que via nestes direitos exclusivamente direitos de defesa
perante o Estado, relevantes apenas nas relações entre este e os particulares.
Assim, a eficácia dos direitos, liberdades e garantias não é apenas vertical, mas
também horizontal.
Importa esclarecer se a eficácia dos direitos fundamentais na relação entre
particulares é imediata ou mediata:
• Eficácia imediata – a vinculação das entidades privadas é absoluta e ocorre de
forma direta, sem necessidade de mediação do legislador.
• Eficácia mediata – a vinculação das entidades privadas afirma-‐se apenas
através da lei.
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O texto da Constituição não faz qualquer restrição, afirmando que os direitos


fundamentais são “diretamente aplicáveis e vinculam as entidades (...) privadas”.
Podemos, portanto, concluir que os direitos têm uma eficácia imediata perante
as entidades privadas.
Também se pode discutir se esta eficácia vale para todas as entidades privadas.
Apesar de terem sido defendidas conceções restritivas, entende-‐se que, como
a Constituição não faz qualquer restrição, a eficácia vincula todas as entidades,
à exceção daqueles direitos que, expressamente ou pela sua natureza, só valem
perante o Estado.
Restrição de direitos, liberdades e garantias (artigo 18º/2/3)
O regime específico dos direitos, liberdades e garantias não exclui a possibilidade
de restrição, por via de lei, do seu exercício – porém, submete tais restrições a
vários requisitos. Para que uma lei restritiva seja constitucionalmente legítima, é
necessária a verificação cumulativa das seguintes condições:
• A restrição esteja expressamente admitida pela Constituição;
• A restrição seja exigida por essa salvaguarda, seja apta e se limite à medida
necessária para alcançar esse fim;
• A restrição não atinja o núcleo essencial do direito.
Para além destes quatro pressupostos materiais, a validade das leis depende
ainda de três requisitos formais:
• A lei deve ser geral e abstrata;
• A lei não pode ter efeito retroativo;
• A lei deve ser uma lei da AR ou, quanto muito, um decreto-‐lei autorizado.
Tipos de restrições ou limites constitucionais
• Limites constitucionais expressos ou imediatos – casos em que a própria
Constituição estabelece um limite ao âmbito potencial de determinado direito
fundamental.
• Limites constitucionais mediatos – casos em que a Constituição remete para a
lei apenas a delimitação, geral ou específica, do âmbito de um determinado
direito fundamental.
• Limites constitucionais implícitos ou imanentes – restrições não
expressamente autorizadas pela Constituição. É necessário respeitar três
requisitos:
o Que a lei se limite a revelar limites não presentes na Constituição;
o Que a definição de tais limites seja o único meio de resolver conflitos de
outro modo insuperáveis;
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o Que tais limites reduzam o âmbito do direito atingido apenas na medida


necessária.
Limites dos limites
• Requisito de lei formal
Só nos casos expressamente previstos na Constituição podem ser restringidos
os direitos, liberdades e garantias e só a lei os pode restringir.
o Regime-‐regra: reserva de lei relativa (art. 165.º/1/b))
o Exceções: reserva de lei absoluta (art. 164.º)
• Autorização de restrição expressa (art. 18.º/2)
O legislador não tem, no ordenamento jurídico-‐constitucional português,
uma autorização geral de direitos, liberdades e garantias. A lei fundamental
individualizou expressamente os direitos que podem ficar no âmbito de uma
lei restritiva. Esta autorização de restrição expressa tem como objetivo levar
o legislador a procurar nas normas constitucionais o fundamento concreto
para o exercício da sua competência de restrição, visando criar segurança
jurídica.
• Princípio da proibição do excesso (ou proporcionalidade em sentido amplo)
(art. 18.º/2). O princípio da proibição do excesso está associado a três
exigências:
o Adequação – a medida restritiva tem de ser apropriada para a prossecução
dos fins invocados pela lei.
o Necessidade – a medida restritiva tem de ser exigível, ou seja, deve-‐
se evitar a adoção de medidas que não sejam necessárias para obterem
os fins de proteção visados pela Constituição e pela lei.
o Proporcionalidade – o princípio da proporcionalidade, aqui em sentido
estrito (ou princípio da justa medida), pretende a realização de uma
ponderação final, averiguando se as medidas são “desmedidas”, excessivas”
ou “desproporcionadas” em relação aos resultados obtidos.
• Generalidade e abstração como expressão do princípio da igualdade (art.
18.º/3)
A generalidade e a abstração são dois requisitos cumulativos para a
legitimidade das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias.
o Uma lei geral é aquela lei que se dirige a uma generalidade de pessoas,
sendo o contrário da lei
o individual, aplicável apenas a uma pessoa ou a um conjunto identificado de
pessoas.

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o Uma lei abstrata é a lei aplicável a um conjunto indeterminado de casos,


sendo o contrário da lei concreta, aplicável apenas a um caso ou a um
número determinado.
Contudo, não basta que as leis sejam formais ou aparentemente gerais e
abstratas, importa que o sejam material e realmente. Assim, as leis individuais
e/ou concretas camufladas em forma geral e abstrata – leis que formalmente
contêm uma normação geral e abstrata, mas, segundo o conteúdo e efeitos, se
dirigem a um círculo determinado ou determinável de pessoas – são ilegítimas.
Apesar das modernas figuras de lei – leis‐medida, leis‐plano e leis‐grupo – não
estarem constitucionalmente proibidas noutros domínios, não podem restringir
direitos, liberdades e garantias.
• Proibição da retroatividade
Apesar de a proibição da retroatividade admitir exceções no ordenamento
constitucional português, é-‐o de forma absoluta no que respeita a leis
restritivas de direitos, liberdades e garantias.
Assim, as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias não se podem
aplicar a situações ou atos passados, mas apenas aos verificados após a sua
entrada em vigor.
o A proibição incide sobre a retroatividade autêntica ou retroatividade, em
que as leis afetam posições jusfundamentais já estabelecidas no passado.
o A proibição abrangerá também alguns casos de retroatividade inautêntica
ou retrospetividade sempre que as medidas se revelem arbitrárias,
inesperadas, desproporcionadas ou afetarem direitos de forma
excessivamente imprópria.
• Salvaguarda do núcleo essencial dos direitos, liberdades e garantias
A ideia fundamental deste requisito é aparentemente simples: existirá um
núcleo essencial dos direitos, liberdades e garantias que não pode ser violado.
Contudo, este preceito suscita vários problemas.
o O objeto de proteção
O primeiro problema consiste em saber qual o objeto de proteção da
norma, ou seja, se esta protege o conteúdo essencial da garantia geral e
abstrata (teoria objetiva) ou, antes, o conteúdo essencial da proteção
jurídica e essencial da posição jurídica e individual de cada cidadão (teoria
subjetiva). A expressão “preceitos constitucionais” parece apontar para
uma teoria objetiva – todavia, a proteção do núcleo essencial não pode
dispensar uma dimensão subjetiva dos direitos fundamentais.
o O valor da proteção

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Outro problema é o de saber se o conteúdo essencial é uma realidade de


natureza absoluta ou relativa, isto é, se só se pode conhecer em cada caso
concreto, mediante uma ponderação de bens ou interesses concorrentes
(teoria relativa), ou se ela possui uma substancialidade própria,
independentemente da colisão de interesses verificada no caso concreto
(teoria objetiva). Também aqui não há alternativas radicais – se, por um
lado, a teoria subjetiva acabaria por reduzir o núcleo essencial ao princípio
da proporcionalidade, por outro, a teoria absoluta esquece que a
determinação do âmbito de proteção de um direito pressupõe
necessariamente a equação com outros bens, havendo a possibilidade de
o núcleo de certos direitos ser relativizado. A indicação do direito
constitucional positivo parece apontar para a aceitação tendencial de
uma teoria mista.
Proteção dos direitos fundamentais
a) Meios de defesa jurisdicionais
A garantia do acesso aos tribunais
Foi atrás concebida como uma concretização do princípio estruturante do Estado
de direito. Em termos sintéticos, a garantia do acesso aos tribunais (art.20º/1 e
decreto-lei nº387-B/87).
Proteção através de um processo justo (due process)
Origens do direito ao processo equitativo
O direito ao processo equitativo está hoje positivamente consagrado no art.20
da CRP. As doutrinas concretizadoras do direito a um processo equitativo têm
quase sempre como ponto de partida a experiência constitucional americana de
due process of law.
As origens do due processo of law costumam reduzir-se aos esquemas
garantísticos da Magna Carta, designadamente ao art.39º do documento:
“Nenhum homem livre será preso, aprisionado ou privado de uma propriedade,
ou tornado fora-da-lei, ou exilado, ou de maneira alguma destruído, nem
agiremos contra ele ou mandaremos alguém contra ele, a não ser por julgamento
legal dos seus pares, ou pela lei da terra”.
Coke e Blackstone dizem:
• Coke definiu o processo devido como sendo aquele que consagra “processo e
acusação por homens de bem e justos e, consequentemente, requer um juízo
e prova de culpabilidade do acusado”.
• Blackstone definiu como o “mandamento apropriado para levar a tribunal uma
pessoa acusada, mas não presente”.
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• Due process of law pressupõe que o equivale ao processo justo definido por lei
para se dizer o direito no momento jurisdicional de aplicação de sanções
criminais particularmente graves. Pressupõe que o processo legalmente
previsto para aplicação de penas seja ele próprio um “processo devido”
obedecendo aos trâmites procedimentais formalmente estabelecidos na
constituição ou plasmados em regras regimentais das assembleias legislativas.
O que é um processo justo?
Sobretudo na doutrina americana reconduzem-se fundamentalmente a duas
conceções material e substantiva. A teoria processual, que poderíamos designar
também por teoria do processo devido por qualificação legal, limita-se a dizer
que uma pessoa “privada” dos seus direitos fundamentais da vida, liberdade e
propriedade tem direito a exigir que essa privação seja feita segundo um
processo especificado na lei. Consequentemente, o acento tónico deve colocar-
se na observância ou não do processo criado por lei para aplicação de medidas
privativas da vida, liberdade ou propriedade.
A teoria substantiva pretende justificar a ideia material de um processo justo,
pois uma pessoa tem direito não apenas a um processo legal, mas sobretudo a
um processo legal, justo e adequado, quando se trate de legitimar o sacrifício da
vida, liberdade e propriedade dos particulares.
O processo devido começa por ser um processo justo logo no momento da
criação normativo-legislativa. Os objetivos da exigência do processo devido não
poderiam ser conseguidos se o legislador pudesse livre e voluntariamente
converter qualquer processo um processo equitativo.
O problema nuclear da exigência de um due process não estaria tanto – ou pelo
menos não estaria exclusivamente- no procedimento legal mediante o qual
alguém é declarado culpado e castigado por haver violado a lei, mas sim no facto
de a lei poder ela própria transportar a “injustiça” privando uma pessoa de
direitos fundamentais. Os juízes, baseados em princípios constitucionais de
justiça, poderiam e deveriam analisar os requisitos intrínsecos da lei. Mais um
passo era dado para a evolução do processo devido. Este passará a ser
considerado como proteção alargada de direitos fundamentais quer nas
dimensões processuais quer nas dimensões substantivas.
O parâmetro de controlo será, com o ponto de vista intrínseco, o catálogo dos
direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados e os direitos de
natureza análoga constantes de leis ou de convenções internacionais (art.16º).
O direito à tutela jurisdicional
Natureza do direito à proteção judicial
Pela própria arqueologia do due process verifica-se que este se concebia

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fundamentalmente como um direito de defesa do particular perante os poderes


públicos. Quando os textos constitucionais, internacionais e legislativos,
reconhecem, hoje, um direito de acesso aos tribunais este direito concebe-se
como uma dupla dimensão: (1) um direito de defesa ante os tribunais e contra
atos dos poderes públicos; (2) um direito de proteção do particular através de
tribunais do Estado no sentido de este o proteger perante a violação dos seus
direitos por terceiros.
Esta “dependência” do direito à proteção judicial de prestações do Estado
justifica a afirmação corrente de que o conteúdo essencial do direito de acesso
aos tribunais é a garantia da via judiciária.
• O direito de acesso aos tribunais como direito de acesso a uma proteção
jurídica individual
Uma primeira e ineliminável dimensão do direito à proteção judiciária é a
proteção jurídica individual. O particular tem o direito fundamental de
recorrer aos tribunais para assegurar a defesa dos seus direitos e interesses
legalmente protegidos (art.20º/1).
• O direito de aceso aos tribunais como garantia institucional
O direito de acesso aos tribunais é um direito fundamental formal que carece
de densificação através de outros direitos fundamentais materiais. A
interconexão entre direito de acesso aos tribunais e direitos materiais aponta
para duas dimensões básicas: (1) os direitos e interesses do particular
determinam o próprio fim do direito de acesso aos tribunais, mas este, por
sua vez, garante a realização daqueles direitos e interesses; (2) os direitos e
interesses são efetivados através dos tribunais, mas são eles que fornecem as
medidas materiais de proteção por esses mesmos tribunais.
Desta imbricação entre direito de acesso aos tribunais e direitos
fundamentais resultam dimensões inelimináveis do núcleo essencial da
garantia institucional da via judiciária. O estado impõe um dever de proteção
através dos tribunais como um corolário lógico: (1) do monopólio de coação
física legítima por parte do Estado; (2) do dever de manutenção da paz
jurídica num determinado território; (3) da proibição de autodefesa a ser em
circunstâncias excecionais definidas na constituição e na lei (art.21º).
O direito de acesso aos tribunais como direito a uma proteção jurisdicional
adequada
As normas – constitucionais, internacionais e legais – garantidoras da abertura
da via judiciária devem assegurar a eficácia da proteção jurisdicional. Como
conteúdo constitucionais e internacional mínimo, exige-se que a proteção
jurisdicional não fique aniquilada em virtude da inexistência de uma
determinação legal da via judicial adequada. Além deste conteúdo mínimo, é de
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questionar se bastará o facto de a lei assegurar, de qualquer forma, mesmo vaga


e imprecisa, a abertura da via judiciária.
A imposição de clareza na concretização legal do direito de acesso aos tribunais
não significa a necessidade da adoção da forma processual mais simples nem
desvincula o particular do ser dever de informação quanto às possibilidades de
acesso à via judiciária. Pressupõe, porém, que a determinação legal da via
judiciária adequada não se traduza, na prática, num jogo formal
sistematicamente reconduzível à existência de formalidades e pressupostos
processuais cuja desatenção pelos particulares implica a perda automática das
causas.
Dimensões jurídico-constitucionais ao processo equitativo
Direito a uma decisão fundada no direito
No direito de acesso aos tribunais inclui-se o direito de obter uma decisão
fundada no direito, embora dependente da observância de certos requisitos ou
pressupostos processuais legalmente consagrados. Constantes na atual lei de
processo nos tribunais administrativo (art.7º): a promoção do acesso à justiça
inclui o direito à “emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões
formuladas”.
Direito a pressupostos constitucionais materialmente adequados
A sequência direito de acesso aos tribunais – garantia da via judiciária – direito
ao processo – direito a uma decisão fundada no direito, deixa intuir que todas
estas dimensões do direito de acesso não são incompatíveis com a exigência de
pressupostos processuais, ou seja, de um conjunto de requisitos cuja verificação
e observância é necessário para um órgão judicial poder examinar as pretensões
formuladas no pedido.
Aqui, porém, surge uma nova e importante afloração do due process: o direito à
tutela jurisdicional não pode ficar comprometido em virtude da exigência legal
de pressupostos processuais desnecessários, não adequados e
desproporcionados. Compreende-se, pois, que o direito ao processo implique: a
proibição de requisitos processuais desnecessários ou desviados de um sentido
conforme ao direito fundamental de acesso aos tribunais; a exigência de fixação
legal prévia dos requisitos e pressupostos processuais dos recursos e ações; a
sanação de irregularidades processuais como exigência do direito à tutela judicial.
Proteção jurídica eficaz e temporalmente adequada
O controlo judicial deve, pelo menos em sede de primeira instância, fixar as
chamadas matérias ou questões de facto não se devendo configurar como um
tribunal de revista limitado à apreciação das questões e vícios de direito. Além
disso, ao demandante de uma proteção jurídica deve ser reconhecida a

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possibilidade de, em tempo útil, obter uma sentença executória com força de aso
julgado.
Direito à execução das decisões dos tribunais
Proteção jurídica eficaz pressupõe o direito à execução das sentenças dos
tribunais através dos tribunais, devendo o Estado fornecer todos os meios
jurídicos e materiais necessários e adequados para dar cumprimento às
sentenças do juiz.
No caso de existir uma sentença vinculativa reconhecedora de um direito, a
execução da decisão do tribunal não é apenas uma dimensão da legalidade
democrática, mas também um direito subjetivo público do particular, ao qual
devem ser reconhecidos meios compensatórios, medidas compulsórias ou ações
de queixa.
Dimensões garantísticas e dimensões prestacionais
A garantia do acesso aos tribunais perspetivou-se, até agora, em termos
essencialmente defensivo ou garantístico: defesa dos direitos através dos
tribunais. Todavia, a garantia do acesso aos tribunais pressupõe também
dimensões de natureza prestacional na medida em que o Estado deve criar
órgãos judiciários e processos adequados e assegurar prestações, tendes a evitar
a denegação da justiça por insuficiência de meios económicos (art.20º). o acesso
à justiça é um acesso materialmente informado pelo princípio da igualdade de
oportunidades.
Ler caso 6. Pág. 501
Direito de acesso à justiça administrativa
Garantia do recurso contencioso
• Proteção jurídica individual
O artigo 268º/4 garante aos particulares tutela jurisdicional efetiva dos seus
direitos ou interesses legalmente protegidos (art.268º/4).
O facto de se tratar de uma imposição legiferante não significa que o juiz não
possa aplicar diretamente este preceito interpretando o direito ordinário em
conformidade com a constituição. Isso terá desde logo relevância prática: (1)
na desaplicação por institucionalidade de normas erguidas como
impedimento legal a uma proteção adequada de direitos e interesses
legalmente protegidos dos particulares; (2) na formatação judicial
constitucionalmente adequada de instrumentos processuais já existentes.
• Garantia institucional
Além da sua natureza de direito análogo dos direitos, liberdades e garantias
de tutela jurisdicional configura-se também como garantia institucional. Isto
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aponta para exigência e garantia de uma organização judiciária


possibilitadora de uma proteção jurídica eficaz e temporalmente adequada
dos particulares.
• Proteção de direitos e interesses
A garantia de proteção jurídica individual pressupõe a lesão de direitos
subjetivos ou interesses legalmente protegidos (art. 268º/4).
Saber se existe ou não um direito ou um interesse legalmente protegido
depende, em termos tendenciais, da existência de uma norma material cujo
escopo seja, ou, pelo menos, seja também, proteger os interesses dos
particulares, de forma a que estes, com base nessa norma, possam recortar
um poder jurídico individualizado legitimador da defesa dos seus interesses
contra a administração.
• Atos de administração
Significa proteção contra qualquer atuação da administração lesiva de
direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos do particular. Além
disso, cabe no âmbito de proteção de tutela jurisdicional efetiva o direito à
impugnação de normas administrativas, como hoje estatui claramente o art.
268º/5, ou seja, atos normativos da administração.
O princípio da plenitude da garantia jurisdicional administrativa
Todavia, os preceitos constitucionais garantidores do acesso à justiça pretendem
tornar claro que é sempre admitida a proteção jurisdicional administrativa de
posições subjetivas, sem se limitar esta proteção à adoção de meios específicos
de impugnação ou à existência de determinadas formas de atuação da
administração. Neste sentido se fala hoje do princípio da plenitude da garantia
jurisdicional administrativa: a qualquer ofensa de direitos ou interesses
legalmente protegidos e a qualquer ilegalidade da administração deve
corresponder uma forma de garantia jurisdicional adequada. (art. 268º/4 e ss.).
A autonomização do direito de acesso á justiça administrativa impõe
constitucionalmente a institucionalização de ações a título principal e não
meramente subsidiário.
Direito a processos céleres e prioritários
Uma das mais importantes inovações introduzidas pela 4º revisão consistiu na
criação de procedimento judiciais céleres e prioritários (art.20º/4) de modo a
obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações de direitos,
liberdades e garantias. Não é fácil delimitar o sentido do direito a um processo
célere e prioritário. Devem reter-se, numa primeira aproximação, alguns tópicos:
a)o preceito constitucional (art.20º/4) constitui, desde logo, uma imposição
constitucional no sentido de o legislador ordinário conformar os vários processos
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no sentido de assegurar por via preferente e sumária a proteção de direitos,


liberdades e garantias; b) a consagração de procedimentos judiciais céleres e
prioritários não significa a introdução de uma ação ou recurso de amparo
especificamente dirigida à tutela de direitos, liberdades e garantias, mas de um
direito constitucional de amparo de direitos a efetivar através das vias judicias
normais; c) a efetivação deste direito pressupõe uma nova formatação
processual tendente a responder às exigências de celeridade e prioridade.
Um problema não inteiramente resolvido é o da extensão destes processos
céleres e prioritários. O texto constitucional parece apontar apenas para um
reduzido âmbito: os direitos, liberdades e garantias pessoais.
A lei poderá e deverá, no entanto, institucionalizar processos céleres e
prioritários para a defesa de direitos, liberdades e garantias da participação
política.
Direito de suscitar a «questão» de inconstitucionalidade ou de
ilegalidade
Conexionado com este direito de suscitar a questão da inconstitucionalidade nos
feitos submetidos a decisão do juiz, está o direito de recurso para o Tribunal
constitucional (art. 280) a estudar em capítulos subsequentes.
Ação de responsabilidade
Responsabilidade da administração
No âmbito de proteção 22º incluem-se seguramente ações de responsabilidade
contra a administração por atos ilícitos dos titulares de órgãos, funcionários ou
agentes, sejam eles atos jurídicos sejam atos materiais. Não é líquido, mas
pretende-se para a solução positiva, se o preceito referido compreende a
responsabilidade da administração por atos lícitos.
Responsabilidade por facto da função jurisdicional
A responsabilidade por facto da função jurisdicional consagra expressamente o
dever de indeminização nos casos de privação inconstitucional ou ilegal da
liberdade (art.27º/5) e nos casos de erro judiciário (art.29º/6), mas a
responsabilidade de estado-juiz pode e deve entender-se a outros casos de culpa
grave de que resultem danos de especial gravidade para o particular.
Responsabilidade do estado legislador
Embora se costume argumentar a favor da irresponsabilidade do estado por
facto das leis com a ideia de a disciplina da lei ser geral abstrata, deve ponderar-
se que: (1) algumas leis declaradas ou julgadas inconstitucionais podem ter
ocasionado violação de direitos, liberdades e garantias e prejuízos para cidadãos;
(2) algumas leis com as características da lei-medida são leis self executing,

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podendo ter gerado prejuízos sérios aos cidadãos; (3) algumas leis, gerais e
abstratas, podem vir a impor encargos apenas a alguns particulares, violando
quer o direito de propriedade quer o principio da igualdade.
Tendo em conta o que se caba de dizer, impõe-se, no plano jurídico-
constitucional: (1) reconhecimento de responsabilidade do estado por atos
legislativos ilícitos enquadrável no âmbito normativo do art.22º; (2) dever de
indemnizar por atos legislativos lícitos impositivos de sacrifícios especiais nos
cidadãos, de que se pode ver refração no art.62º/2. A possível exigência de um
regime legal da responsabilidade por facto das leis significa não que o legislador
possa afastar os deveres de ressarcibilidade e indemnizabilidade que incumbem
ao estado mas que deve concretizar e conformar esse regime através da lei.
Direito de ação popular (art. 52º/3)
Através do direito de ação popular consagrado no artigo 52º/3, a constituição
deu guarida a um reforço das ações populares tradicionais e à introdução de
ações populares ou coletivas destinadas à defesa de interesses difusos. Estas
ações podem e devem hoje estender-se à defesa dos bens protegidos e
individualizados no art.52º/3. Há apenas que atender algumas dimensões do
princípio da especialidade a fim de se recortar com rigor quais os fins
prosseguidos por essas mesmas pessoas coletivas.
Nas ações coletivas, qualquer cidadão, individualmente ou associado, mesmo
não invocando o interesse público, pode intentar uma ação em defesa de um
interesse do público em geral ou de categorias ou classes com grande número de
pessoas – interesses difusos – e dos seus próprios direitos subjetivos.
A lei reguladora do direito de ação popular distingue entre direito procedimental
de participação popular e direito de ação popular (art.1º). o primeiro visa garantir
aos cidadãos, associações ou fundações defensoras da saúde publica … (art.4º).
O direito de ação popular abrange dois tipos de ações: a ação procedimental
administrativa e a ação popular civil (art.12º). A ação procedimental pode
consistir numa ação judicial administrativa destinada à defesa dos interesses já
referidos ou num recurso contencioso contra atos administrativos ilegais lesivos
dos mesmos interesses (art. 12º/1). A ação popular civil (art.12º/2) segue as
formas de ação do CC, isto é, pode revestir as formas de ação preventiva,
condenatória ou inibitória.
b) Meios de defesa não jurisdicionais
Direito de resistência
O direito de resistência é a ultima ratio do cidadão ofendido seus direitos,
liberdades e garantias, por atos do poder público ou por ações de entidades
privadas.
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Pela redação do artigo 21º deduz-se que não está aqui em causa o direito de
resistência coletivo. Discutível será o problema de saber se, quer nas vestes de
um direita resistência individual quer nas vestes de um direito coletivo, cabe no
âmbito normativo dos artigos 21º e 7º/3 da CRP o direito à desobediência civil.
Abrange seguramente o direito de desobediência a ordens conducentes à prática
de um crime (art. 271º/3).
Direito de petição
É reconhecido a individuo ou grupo de indivíduos de se distinguir a quaisquer
autoridades públicas apresentando petições, representações, reclamações ou
queixas destinadas à defesa dos seus direitos, da constituição, das leis ou do
interesse geral (art. 52º)
• Em relação aos órgãos de soberania (artigo 52º)
É um direito que tanto se pode dirigir à defesa dos direitos pessoais como à
defesa da constituição, das leis do interesse geral. Pode exercer-se individual
ou coletivamente perante quaisquer órgãos de soberania ou autoridade.
• Em relação ao Provedor de Justiça (artigo 23º)
Os poderes de apreciação do provedor relativo às queixas apresentadas pelos
cidadãos exercem-se de acordo com o procedimento regulado na lei. A atividade
administrativa sujeita ao poder de apreciação e recomendação do provedor
abrange inequivocamente e administração militar e todos os estatutos especiais
de poder.
De relevante significado jurídico-constitucional é a possibilidade de os cidadãos
poderem solicitar ao provedor a dinamização do pedido de declaração de
inconstitucionalidade por ação (art. 281º/2/d) e por omissão (artigo 283º).
O direito de petição ao provedor não se limita aos direitos, liberdades e garantias;
a sua intervenção pode ser solicitada pelos cidadãos quando está em causa a
concretização de direitos económicos, sociais e culturais. Em aberto fica a
possibilidade de o provedor poder intervir em casos de violação de direitos,
liberdades e garantias no âmbito de relações jurídicas privadas, designadamente
nos casos de efeitos diretamente previstos na CRP e traduzidos em relação
especiais de poderes privados quanto ao exercício da liberdade interna de
imprensa nos termos do art. 38º/2, recomendações quanto ao exercício do
direito de retificação nos termos (art. 37º/4).
Direito a um procedimento justo
A interconexão dinâmica entre direitos fundamentais e procedimento foi
salientada quando se analisou o problema da conformação destes direitos.
Mais modernamente, o procedimento justo tende a densificar-se como

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procedimento comunicativamente justo.


O direito a um procedimento justo implicará, hoje, a existência de procedimentos
coletivos, possibilitadores da intervenção coletiva dos cidadãos na defesa de
direitos económicos, sociais e culturais de grande relevância par a existência
coletiva. Trata-se, aqui, de um tipo de procedimento, que visa satisfazer os
mesmos objetivos da ação popular de natureza jurisdicional, e, por isso, deve
considerar-se abrangido pelo âmbito de proteção do artigo 52º/3.
Direito à autodeterminação informativa
Traduz-se na faculdade de o particular determinar e controlar a utilização dos
seus dados pessoais (art. 35º). Este direito de autodeterminação pode exigir a
criação de meios de defesa jurisdicional.
Direito ao arquivo aberto
O artigo 268º/1 e 2 veio consagrar expressamente o direito ao arquivo aberto,
ou seja, o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos. A ideia de
democracia administrativa aponta não só para um direito de acesso aos arquivos
e registos públicos para defesa de direitos individuais, mas também para um
direito de saber o que se passa no âmbito dos esquemas político-burocráticos,
possibilitando ao cidadão o acesso a dossiers, relatórios, atas, estudos,
estatísticas, diretivas, instruções, circulares e notas.
O direito ao arquivo aberto deve hoje conceber-se não apenas como o direito a
obter informações por parte dos cidadãos, mas também como direito a uma
comunicação aberta entre as autoridades e os cidadãos. A comunicação aberta
implicará, entre outras coisas, o dever de a administração fornecer ativamente
informações.
Garantias impugnatórias no procedimento administrativo
No âmbito do procedimento administrativo os particulares podem defender os
seus direitos junto da própria administração através de alguns instrumentos
impugnatórios (reclamações e recursos administrativos).
Desde logo, é-lhes facultado o recurso hierárquico para o órgão superior,
podendo este revogar o ato lesivo dos direitos de recorrente (art. 158º).
c) Defesa de direitos perante autoridades administrativas
independentes
A proteção dos direitos fundamentais exige uma referência expressa às entidades
administrativas independentes (art. 267º/3). Ligado a dois núcleos essenciais
problemáticos: (1) regulação da economia e dos seus agentes e (2) defesa dos
direitos fundamentais.

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Referimo-nos ao provedor de justiça formalmente incorporado na constituição,


e a que já se dedicou atenção nas e à alta autoridade para a comunicação social
(art.35º). Cabe à alta autoridade para comunicação social assegurar “o direito á
informação, a liberdade de imprensa e a independência dos meios de
comunicação social perante o poder político e o poder económico, bem como a
possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião e o
exercício dos direitos de antena, de resposta e de réplica política.
A garantia de direitos fundamentais assegurada pelas entidades administrativas
quer sob a forma de regras quer sob a forma de resolução de legítimos é exercida
não apenas perante entidades públicas mas também perante entidades privadas,
o que vem acrescentar novas dimensões garantísticas à norma do artigo 18º/1
que, como vimos, consagra a vinculação de entidades privadas pelos direitos,
liberdades e garantias.
PROBLEMAS ESPECÍFICOS NA PROTEÇÃO DOS DIREITOS
ECONÓMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS
Garantia do núcleo essencial
Relativamente aos direitos, liberdades e garantias, a CRP garante e protege um
núcleo essencial destes direitos contra leis restritivas.
Todos têm um direito fundamental a um núcleo básico de direitos sociais, na
ausência do qual o estado português se deve considerar infrator das obrigações
jurídico-sociais constitucional e internacionalmente impostas como o
rendimento mínimo garantido, subsídio de desemprego…
Política de solidariedade social
O artigo 63º referente à segurança social. A política de solidariedade social o
conjunto de dinâmicas político-sociais através das quais a comunidade política
gera, cria e implementa proteções institucionalizadas no âmbito económico,
social e cultural.
Concretização legislativa das imposições constitucionais
Viu-se atrás que os direitos fundamentais de natureza económica, social e
cultural dispunham de vinculatividade normativo-constitucional, impondo-se aos
poderes públicos a realização destes direitos através de medidas políticas,
legislativas e administrativas concretas e determinadas.
A natureza de norma-tarefa aponta para um verdadeiro dever do legislador de
dar operacionalidade prática a estas imposições sob pena de
inconstitucionalidade por omissão (art. 283º). Se o legislador não é inteiramente
livre no cumprimento destas imposições, dispõe, contudo, de liberdade de
conformação quer quanto às soluções normativas concretas quer quanto ao
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modo organizatório e gradualidade de concretizações.


Controlo judicial da realização dos direitos sociais
Os tribunais não são órgãos de conformação social ativa. Também não é o
tribunal constitucional. Considerou-se que: as normas consagradoras de direitos
sociais podem e devem servir de parâmetro de controlo judicial, mas que eles
ficam dependentes, na sua exata configuração e dimensão, de uma intervenção
legislativa conformadora e concretizadora, só então adquirindo plena eficácia e
exequibilidade. Esta posição é sufragada pela generalidade das jurisprudências
constitucionais.
Impõe-se, no entanto, algumas metódicas. Em primeiro, o tribunal deve controlar
se a atuação legislativa socialmente densificadora de direitos sociais se pauta por
critérios se pauta por critérios reais de realização gradual e não meros
indicadores de iniciativas legislativas. Em segundo, o tribunal não pode abster-se
de um controlo jurídico de razoabilidade fundado no princípio da igualdade.
Algumas vezes, os direitos a prestações de defesa por violação do próprio
princípio da igualdade. Outra vezes, impõe-se o controlo da razoabilidade de
soluções legislativas incidentes sobre direitos sociais porque estas soluções
violam diretamente os próprios direitos sociais.
d) Proteção internacional
Para lá da proteção diplomática e da proteção humanitária, desenvolve-se uma
teoria jurídico-contratual internacional da justiça, tendo por objetivo alicerçar
uma nova dimensão de vinculatividade na proteção dos direitos do homem.
O direito de recurso para a comissão europeia de direitos do homem
Com a ratificação, por Portugal, da convenção europeia dos direitos do homem,
os cidadãos portugueses podem, nos termos dos artigos 34º e seguintes,
recorreu individualmente através da petição – direito de recurso para o tribunal
europeu de direitos do homem -, para o tribunal europeu dos direitos do homem
(art.34º). Esta petição ou queixa pode conduzir à atribuição, pelo tribunal, de
uma reparação razoável, no caso de se concluir que houve violação da convenção
ou dos seus protocolos e se o dinheiro interno da alta parte contratante não
permitir, senão imperfeitamente, obviar às consequências de tal violação (art.
41º).
Exposição ao comité dos direitos do homem
Comité: é um grupo de pessoas destacadas de um grupo maior (como
um partido ou uma associação), geralmente com poderes deliberativos ou
executivos, ou seja, com força para tomar decisões em nome dos demais.
De acordo com o protocolo adicional ao pacto internacional de direitos civis e
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políticos, os cidadãos dos estados que hajam ratificado têm o direito de


exposição e queixa ao comité de direitos do homem, invocando a lesão de
qualquer dos direitos reconhecidos e garantidos no pacto. Além disso, cumpre-
lhe analisar a exposição do particular, transmitir a este as conclusões, e inseri-las
no relatório a enviar à assembleia geral das nações unidas.
A proteção internacional dos direitos económicos, sociais e culturais
A proteção internacional de alguns direitos económicos, sociais e culturais advém
também do cumprimento, através da ratificação pelos órgãos políticos
componentes e posterior execução, das convenções da organização
internacional do Trabalho (O.I.T).
Além disso, é importante o pacto internacional sobre direitos económicos, sociais
e culturais, onde se garante o catálogo de direitos sociais, económicos e culturais,
impondo-se (art.16º) o dever de os estados-partes apresentarem relatórios sobre
as medidas adotadas com vista a assegurar os direitos reconhecidos no pacto.
Na carta social europeia, os estados-parte obrigam-se também a garantir certos
direitos sociais fundamentais tais como o direito do trabalho, direito ao salário
equitativo…
e) Proteção na União Europeia
Os momentos de consciencialização europeia dos direitos
fundamentais
Em termos deliberadamente sintéticos podemos distinguir 4 momentos de
consciencialização de direitos fundamentais no âmbito da UE.
• corresponde à fase de estruturação da integração económica (tratado de
paris, tratado de Roma (arts. 6º; 141º;148º) -1968).
• tem como referência normativa o ato único europeu (assinado em
Luxemburgo, em 17 de fevereiro de 1986, entrando em vigor a 1 de agosto
de 1987) e o tratado da união europeia (também conhecido como tratado de
Maastricht, assinado nesta cidadã, em 6 de fevereiro de 1922, entrando em
vigor a 1 de janeiro de 1993).
• é decisivamente marcada pelo tratado de Amesterdão ao recortar o estatuto
de cidadania da UE. (arts. 19º/1; 18º/1).
• é dominada pela ideia de uma carta de direitos fundamentais da UE onde esta
recebeu o crisma político na cimeira de Nice (7 e 8 de dezembro) mas a
definição do seu estatuto jurídico foi remetida para uma futura conferência
governamental em 2004.
As fases de consciencialização acabadas de assinalar têm como referência
normativa os tratados da CE e da UE e, pressupõe, como é natural, vontade de
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direitos fundamentais por parte dos órgãos políticos da comunidade. Mas o direito
comunitário é também um direito jurisdicional.
Positivação de direitos a nível comunitário
Direitos, liberdades e garantias
Independentemente da positivação comunitária de direitos fundamentais
resultante de reenvio para as constituições nacionais, documentos internacionais
e convenção europeia de direitos do homem, o direito comunitário tem
sedimentado alguns direitos de forma tendencialmente.
Direitos económicos, sociais e culturais
A carta comunitária dos direitos sociais fundamentais dos trabalhadores (feita em
Estrasburgo em 9 de dezembro de 1989) na qual se reafirmam importantes
direitos económicos, sociais e culturais dos trabalhadores.
A constitucionalização do princípio da melhor tutela europeia
O artigo 52º/3 da carta de direitos fundamentais da UE estabelece um importante
e inovador princípio em sede direitos fundamentais – o princípio da melhor tutela.
Este princípio básico da interpretação em sede direitos fundamentais: nenhuma
disposição da carta deve ser interpretada no sentido de reduzir o nível da proteção
dos direitos fundamentais assegurado pela convenção europeia dos direitos do
homem e pelas constituições de estados-membros (art.53º). No entanto, se a carta
de direitos fundamentais garantir uma proteção mais extensa ou mais ampla ela
terá preferência de aplicação relativamente às normas correspondentes da
convenção europeia e das constituições dos estados-membros.
O PROBLEMA METÓDICO DA APLICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS
RELAÇÕES JURÍDICAS PRIVADAS
Enunciado do problema
Quando, no art.18º/1 da CRP, se estabelece que os preceitos consagradores de
direitos, liberdades e garantias «vinculam…entidades privadas». O problema
pode enunciar-se da seguinte forma: as normas constitucionais consagradoras
de direitos. Liberdades e garantias (e direitos análogos) devem ou não ser
obrigatoriamente observadas e cumpridas pelas pessoas privadas (individuais ou
coletivas) quando estabelecem relações jurídicas com outros sujeitos jurídicos
privados? Esta questão é conhecida por “efeitos horizontais” ou a expressão
“eficácia dos direitos, liberdades e garantias na ordem jurídica privada”.

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Parte V – Justiça Constitucional


Caracterização global do sistema português vigente: sistema misto
e complexo
Sistema de controlo integralmente judicial – a fiscalização da constitucionalidade é
uma tarefa exclusivamente jurisdicional, não havendo controlo político da
inconstitucionalidade das normas.
O controlo difuso, concreto e incidental
Este controlo é difuso, pois todos os tribunais têm competência para fiscalizar a
constitucionalidade das normas (art. 204.º); e concreto e incidental, pois a questão
da constitucionalidade é suscitada como uma questão paralela ao litígio principal.
Contudo, o modelo português apresenta duas especificidades:
• Não se consagra o modelo puro de judicial review, pois existe, entre nós, também
um modelo concentrado.
• Não se consagra um sistema puro de mero incidente, porque os tribunais têm
competência plena para decidir.
O controlo abstrato de normas
Controlo abstrato – ao lado do controlo concreto, também vale entre nós um controlo
concentrado e abstrato de normas, no qual o TC declara ou pronuncia-‐se, com força
obrigatória geral e sem ter subjacente um qualquer caso concreto, sobre a
conformidade de certas normas com o parâmetro jurídico-‐constitucional. Este
controlo pode ser:
• Preventivo – realiza-‐se sobre normas imperfeitas, ou seja, antes das normas
entrarem em vigor e segue a tradição francesa da Constituição de 1958.
• Sucessivo – realiza-‐se sobre normas perfeitas e situa-‐se na linha do modelo
austríaco.
O controlo da constitucionalidade por ação e por omissão
Fiscalização da inconstitucionalidade por omissão – ao lado da fiscalização da
inconstitucionalidade por ação, consagra-‐se também a fiscalização da
inconstitucionalidade por omissão, não muito frequente no plano comparativo-‐
constitucional. Revela-‐se, neste domínio, uma influência dos antigos países
socialistas.
Parâmetro do controlo ou determinação do “bloco de
constitucionalidade”
A determinação do parâmetro constitucional/”bloco da constitucionalidade”
Uma norma diz-‐se inconstitucional quando viola o parâmetro normativo-‐
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constitucional, ou seja, o padrão ou medida de controlo da constitucionalidade. O


que integra o bloco de constitucionalidade?
• Uma primeira questão passa por saber se as normas de referência do controlo são
apenas as normas e princípio constitucionais escritos ou a ordem constitucional
global, isto é, os princípios constitucionais escritos ou a ordem constitucional global,
isto é, os princípios e normas não escritos que, não tendo materialização expressa
no texto constitucional, são reclamados pelo constitucionalismo global. Gomes
Canotilho adota uma posição intermédia, integrando no padrão de controlo
princípios e valores não escritos, porém que ainda possam reconduzir-
se a densificações, desenvolvimentos ou especificações de princípios
constitucionais escritos.
• Fazem parte do parâmetro constitucional também as normas consagradoras de
direitos fundamentais, bem como outras normas consagradoras de direitos só
materialmente fundamentais.
O art. 277º nº 1 CRP: “São inconstitucionais as normas que infrinjam o disposto na
Constituição ou os princípios nela consignados”.

Princípios reconduzíveis a uma densificação ou revelação específica de princípios


constitucionais positivamente plasmados
Exs: princípio da proporcionalidade, princípio da proteção da confiança, princípio do
não retrocesso social…

A parametricidade das normas interpostas e pressupostas


Exemplos
Existem casos de normas que, carecendo de forma constitucional, são reclamadas ou
pressupostas pela constituição como específicas condições de validade de outros atos
normativos, inclusive de atos normativos com valor legislativo. Estas normas designam-
se normas interpostas. Como exemplos típicos, podem apontar-se os seguintes:
• As leis de autorização, consideradas como parâmetro normativo-material de
decretos-leis autorizados ou de decretos legislativos regionais autorizados;
• As leis de bases consideradas como normas de referência dos decretos-leis de
desenvolvimento ou decretos legislativos regionais de desenvolvimento;
• As leis estatuárias regionais que servem de parâmetro material às leis da República
e aos decretos legislativos regionais;
• Os princípios fundamentais das leis gerais da República, consideradas como
parâmetro material dos decretos legislativos regionais;

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Leis de Leis de bases* Leis


autorização* estatutárias
Decretos-leis de
Decretos-leis autorizados desenvolvimento Decreto-lei/Lei

Decretos legislativos Decretos legislativos regionais Decretos


regionais autorizados de desenvolvimento legislativos
regionais

*Leis de valor reforçado – art. 112º/3 Art. 281º/1, c, d


Inconstitucionalidade/Ilegalidade? Ilegalidade
Leis de bases/Decretos-leis de desenvolvimento
• Matéria reservada: a desconformidade do DLD com a
LB equivale a uma falta de competência – a
inconstitucionalidade consome a ilegalidade
• A haver autonomia da ilegalidade: apenas em matéria
concorrente
Leis de autorização/Decretos-leis autorizados
• Defeito de autorização – inconstitucionalidade
• Excesso de autorização (inobservância dos limites
materiais) – divergência:
o Gomes Canotilho: ilegalidade
o TC e doutrina maioritária: inconstitucionalidade

O PARÂMETRO EUROPEU DE CONTROLO OU DETERMINAÇÃO DO


“BLOCO EUROPEU DE JURIDICIDADE E DE LEGALIDADE”
O parâmetro do direito comunitário
• Bloco europeu de juridicidade e de legalidade – complexo de regras e princípios
positivado nos tratados e noutras normas comunitárias.
Estas regras e princípios comunitários constituem basicamente o direito
comunitário cujo respeito e garantia é assegurada pelo Tribunal de Justiça da
Comunidade.
• Direito Europeu – o dever de interpretação do direito nacional em conformidade
com o direito europeu. O dever oficioso de não aplicação do direito interno
desconforme com o direito europeu.

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• Convenção Europeia dos Direitos do Homem – tratado internacional.


As normas deste tratado levantam os problemas da inconstitucionalidade
interposta. A questão que se vem colocando é se a Convenção Europeia dos
Direitos do Homem não se está a transformar numa ordem jurídica específica e
autónoma que, à semelhança do que acontece com o direito comunitário europeu,
tem validade imediata e prevalência de aplicação nas ordens jurídicas internas dos
Estados membros. Esta evolução teria sido reforçada com a criação (1998) de um
Tribunal Europeu para os Direitos do Homem. A vinculação dos estados às decisões
deste Tribunal revelaria a tendência para a transformação do sistema europeu de
proteção dos direitos do homem, através de um tribunal permanente, em
jurisdição constitucional europeia.
A Convenção Europeia e a respetiva jurisprudência do Tribunal Europeu para
Direitos do Homem assumem as vestes de um “bloco de juridicidade” que alguns
consideram expressão de uma “cultura constitucional europeia comum”.
Será a Convenção Europeia um parâmetro de controlo ou é necessária uma
constitucionalização seletiva de algumas regras e princípios deste tratado
internacional? Por enquanto, não há cobertura constitucional para a
constitucionalização do direito internacional pactício. Isto explica a posição de
alguma doutrina que prefere considerar alguns princípios da Convenção como
revelação material mais perfeita e mais densa dos princípios constitutivos do
ordenamento jurídico português em vez de elevar toda a convenção a parâmetro
de controlo de grau constitucional.
Objeto de controlo: o conceito funcional de norma
Os atos normativos como objeto de controlo
No direito constitucional português, o objeto de controlo não são apenas os
chamados actos normativos primários, ou seja, as leis e os tratados internacionais,
mas também os actos normativos secundários e terciários. Portanto, o objeto de
controlo são todas as normas.
Conceito funcional de norma
O conceito de norma mobilizado é um conceito funcional de norma para efeitos de
controlo. Para recortar este conceito, são avançados, num primeiro plano, dois
requisitos:
• Requisito material – este requisito ou qualidade jurídico-‐material reconduz‐
se à ideia de norma como normação geral e abstrata, ou seja, como padrão de
comportamento e ato criador de regras jurídicas para a decisão de conflitos.
• Requisito orgânico – a norma tem de ser criada por um poder normativo legitimado
para tal, estando assim excluída, à partida, a normação privada.

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Norma – Qualquer ato normativo (padrão de comportamento ou regra de decisão de


conflitos) praticado no exercício de um poder normativo público (i. e., um poder ou
uma competência estadual lato sensu de conformação, ou condicionante da
conformação, do ordenamento jurídico objetivo) ou sob a correspondente forma.
Num segundo plano, a doutrina avança quatro critérios de densificação:
• Normatividade – são actos normativos para efeitos de controlo os actos de criação
normativa, por oposição aos actos de aplicação normativa.
• Imediação – são actos normativos para efeitos de controlo os actos que violam
diretamente a constituição, estando excluídos aqueles que só violam
indiretamente as normas constitucionais.
• Heteronomia normativa – são actos normativos para efeitos de controlo os actos
que estabelecem um padrão de comportamento não dependente da vontade dos
destinatários.
• Reconhecimento normativo jurídico-político – são actos normativos para
efeitos de controlo os actos normativos privados com efeitos ultra vires, ou seja,
aqueles que são reconhecidos pelos poderes públicos como heteronomamente
vinculantes.
Sujeitos do controlo
Catálogo dos atos normativos sujeitos a controlo
• Leis de revisão constitucional
• Instrumentos de direito internacional e normas emitidas por organização
internacionais de que Portugal faça parte
• Actos legislativos
• Resoluções normativas da AR e das Assembleias Legislativas Regionais
• Regimentos das Assembleias
• Actos normativos da Administração
• Actos normativos do PR
• Convenções coletivas de trabalho
• Assentos dos tribunais superiores
• Estatutos de associações públicas e de algumas associações privadas, como os
partidos políticos
• Cláusulas compromissórias ou compromissos arbitrais
Catálogo de actos jurídicos não sujeitos a controlo de constitucionalidade

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• Actos administrativos
• Decisões judiciais
• Actos de natureza política
• Normas e actos de natureza privada
Sanções do controlo
Se o controlo da constitucionalidade dos atos normativos é um dos meios de defesa e
garantia da força normativa da constituição, justifica-se que, para ele ser efetivo e
eficaz, as violações das normas e princípios constitucionais captadas em sede de
fiscalização judicial sejam acompanhadas de sanções adequadas.
A INCONSTITUCIONALIDADE NO DIREITO CONSTITUCIONAL
VIGENTE
Os vícios geradores de inconstitucionalidade
• Vícios formais – ocorre quando a forma constitucionalmente prescrita para a
emanação de determinado ato não foi cumprida.
• Vícios procedimentais – normalmente englobados na categoria dos vícios formais,
ocorrem quando a tramitação processual constitucionalmente prevista para a
emanação de um determinado ato não é cumprida.
• Vícios materiais – ocorre quando o conteúdo de certas disposições ou preceitos
viola os princípios e normas da Constituição. Enquanto que os vícios formais e
procedimentais são vícios que afetam o ato na sua totalidade, os vícios materiais
respeitam a determinados preceitos e não se estendem a todo o diploma.

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FISCALIZAÇÃO PREVENTIVA (278º e 279º): O CONTROLO PELO TC

FISCALIZAÇÃO CONCRETA (280º): TODOS OS TRIBUNAIS SÃO


ÓRGÃOS DE CONTROLO DA CONSTITUCIONALIDADE (JUDICIAL
REVIEW)

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O recurso para o TC: recurso de constitucionalidade


Decisão (+) (acolhimento)
Decisão desaplicadora (+) de norma constante de convenção internacional, ato
legislativo ou decreto regulamentar
Recurso obrigatório para o Ministério Público (e direto para o TC) quando a norma
desaplicadora constar de convenção internacional, ato legislativo ou decreto
regulamentar – o princípio da presunção da constitucionalidade das leis e atos
equiparados (280º/3 v., porém, 72º/4 LTC)
Recurso interposto por qualquer das partes no processo
As partes podem optar entre o recurso direto para o TC restrito à questão da
constitucionalidade e a exaustão dos recursos ordinários

Decisão (-) rejeição


Decisão aplicadora (-) de normas já anteriormente julgadas inconstitucionais pelo TC
O recurso é interposto pela parte que suscitou a questão de inconstitucionalidade
(280º/4)
É necessária a prévia exaustão dos recursos ordinários (70º/2 LTC)
Decisão aplicadora de normas já anteriormente julgadas inconstitucionais pelo TC
(280º/5)
o Objetivo: uniformização da jurisprudência
o Recurso obrigatório para o MP (e direto para o TC) – v., porém, artigo 72º/4
LTC

Decisões judiciais que apliquem normas constantes de ato legislativo com uma
convenção internacional ou em desconformidade com o anteriormente decidido
pelo TC (70º/1/i LTC)

Efeitos da decisão do TC em recurso de constitucionalidade


I – O TC julga a norma internacional
Efeitos diretos (80º LTC)
• Eficácia inter partes
• Efeito de caso julgado no processo

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• Efeitos restritos à questão da inconstitucionalidade


Efeitos reflexos ou indiretos
• Pressuposto para o recurso MP (280º/5)
• Declaração de inconstitucionalidade com base no controlo concreto 8281º/3)
• Recurso para o plenário do TC para uniformização da jurisprudência (79º-D LTC)

II – O TC não julga a norma inconstitucional


• O juiz a quo aplica a norma no processo

FISCALIZAÇÃO ABSTRATA SUCESSIVA (281º E 282º): O CONTROLO


PELO TC

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PROCESSO DE DECLARAÇÃO DA INCONSTITUCIONALIDADE COM


BASE EM CONTROLO CONCRETO (281º/3, 82º LTC)

FISCALIZAÇÃO DA INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO (283º)

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VERIFICAÇÃO DA CONTRARIEDADE DE NORMA LEGISLATIVA COM


UMA CONVENÇÃO INTERNACIONAL (70º/1/I e 71º/2 LTC)

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