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Copyright © 2021 by Day Dutra

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução em parte ou em todo dessa obra. Os direitos
morais da autora foram preservados. Plágio é crime e punível com prisão de acordo com o artigo 184
do Código Penal Brasileiro.

Livro de acordo com as Novas Normas da Língua Portuguesa.

Título: Depois das 23

Autora: Day Dutra

Ilustração de capa: Evelyn Rojas Lins

Ilustração interna: Evelyn Rojas Lins

Diagramação: Bruna C. Castro

Revisão: Daniela Cristine Silva de Souza, Lua Fortes e Day Dutra


Depois das 23
Agradecimentos

Para mim gratidão e humildade são uma das principais chaves para o sucesso. Só sei ser grata a cada
um que leu ou irá ler Depois das 23, jamais imaginei que essa história tocaria vários corações.
Agradeço ao meu marido que tem grande participação na inspiração dessa história, em vários níveis
pessoais vocês nos encontrarão durante a leitura. Queria agradecer ao BTS, sem eles provavelmente
mais esse sonho não seria possível, uma vez que é inspiração diária para mim e em especial a Kim
Taehyung, para quem reservei lindas palavras.
Por que você tem que ser tão fofo?

É impossível ignorar você, ah Por que você deve me


fazer rir tanto?

É ruim o suficiente nos darmos tão bem

Goodnight n go - Ariana Grande


Playlist

Fallin' - Jessica Mauboy

Mad Love - JoJo

Goodnight n go - Ariana Grande Call of me nome - The Wkeend Bound to You - Cristina Aguilera
Dark Cloud - Younha Move You - Kelly Clarkson

The hardest part - Roy Kim

Forever - Lewis Capaldi

It's been a long long time - Harry James

17 - Pink Sweet
Classudo e Vintage

— Com força! — A voz feminina angustiada e aguda rompeu,


invadindo meu quarto.

Fechei meu livro abruptamente, a leitura estava agradável até


segundos atrás, eu deveria ter previsto por causa do horário. Por alguns
minutos, mantive-me em silêncio, apenas ouvindo o ranger de molas que
certamente não eram as do meu colchão, mas que pareciam estar aqui
dentro do cômodo onde eu estava.

— Mete tudo! — A voz feminina, que devia ser apenas mais uma
aventura de muitas, exigiu com urgência. E eu ri, balançando minha cabeça
negativamente.

Eu ri não porque era engraçado, mas porque eu reconhecia que


aquela voz, eu nunca tinha ouvido antes. Sabia que pessoas jovens
mantinham uma vida sexual ativa, mas a do meu vizinho estava longe de
ser uma vida normal.

E, de certa forma, sentia-me fazendo parte da vida sexual

dele.
Levantei de minha cama e caminhei preguiçosamente até a cozinha,
essa era a hora em que eu fugia da constrangedora rotina de ouvir tudo o
que meu vizinho fazia entre as quatro paredes do quarto ao lado. Maldito
apartamento que era dividido apenas por uma parede e não tinha nenhum
isolamento acústico.

Coloquei água em um copo vagarosamente, não tinha pressa, peguei


uma banana e me dirigi para a sala, onde liguei a TV em um canal qualquer
e aumentei o volume. Essa era minha rotina noturna de pelo menos cinco
dias da semana, porque essa era a rotina noturna do meu vizinho.

Sempre, depois das onze horas da noite, ele chegava em casa


acompanhado de alguma moça, que provavelmente tinha seduzido em seu
trabalho de garçom, sempre às onze porque essa era a hora que ele chegava
do trabalho, quando o turno era trocado entre os funcionários de lá. Do
restaurante, a duas quadras daqui e que tinha um ótimo ravióli, porque,
claro, era um restaurante italiano no coração de Hongdae.

Ele sempre era muito rápido, chegava e logo estava na cama com a
pessoa e, bom, se eu estivesse em meu quarto ouviria absolutamente tudo, e
eu sempre estava, não que não tivesse para onde ir... Quem eu estava
tentando enganar? Eu estava sempre no meu quarto porque não tinha para
onde ir e nem queria, ou tinha disposição. Estava na casa dos vinte e quatro
anos com disposição de cinquenta anos e coluna de oitenta, acreditando que
haviam oitentões por aí mais dispostos que eu.
No começo, quando mudei para cá, achava ultrajante os sons que
eram emitidos no quarto do meu vizinho, era simplesmente a minha
primeira vez morando sozinha, a tão sonhada liberdade, sem precisar
depender da mesada dos meus pais, pagando aluguel do meu próprio
salário, mas com o passar do tempo passei a achar excitante ouvir os
gemidos do meu vizinho e de suas companheiras de cama, o som do ranger
de molas da cama, o gemido rouco e contido que dava quando chegava em
seu orgasmo, cheguei a me tocar ouvindo os sons, confesso, e não tinha
vergonha nenhuma de confessar isso, para mim mesma, claro. Não era
como se fosse crime, afinal, eu estava dentro da minha casa.

Só que, com o passar do tempo, tudo isso começou a me parecer


incômodo demais.

Todos os dias.

Todos os dias malditos eram as mesmas coisas, os mesmo sons, os


mesmos gemidos, os meus estalos de tapas, as mesmas exigências para
foder mais e melhor. Comecei a distinguir as vozes e perceber que não era a
mesma pessoa toda noite, percebi que meu vizinho geralmente levava
pessoas diferentes.

E de excitante, comecei a achar chato. A porra do meu vizinho tinha


uma vida sexual superativa, enquanto eu não tinha beijado sequer uma boca
nos último vinte e dois meses.
O mais engraçado de tudo é que levei seis meses para conhecê-lo.
Quando eu saía para trabalhar, ele estava dormindo e, quando ele chegava
do trabalho, eu já estava na cama, então, por mais que me sentisse curiosa
sobre quem ele era, só vim descobrir seis meses depois de me mudar,
quando a correspondência dos nossos apartamentos veio trocada e o vi
comentando com o porteiro sobre.

Meu queixo encontrou o chão frio nesse dia. E eu acho que nunca
vou esquecer da imagem.

Ele era jovem. Meu vizinho era muito jovem, não devia ter mais que
vinte e cinco anos, era alto, bonito, tinha um cabelo escuro com um corte de
mullet, que eu achava feio nos outros, porém nele ficou impecável. Usava
umas estampas estranhas e roupas folgadas que lembravam pijamas de grife
e andava com um cachorrinho pequeno e peludo.

Era um cara classudo e vintage, que não se parecia em nada com o


que tinha idealizado em minha mente, claro, não devemos estereotipar as
pessoas, o modo como se vestem pode não refletir necessariamente quem
são, mas porra! Ele não parecia o cara mais pegador e com a vida sexual
superativa que eu já vi, o rapaz falava manso, tinha um olhar profundo,
mãos bonitas e era bem educado.

Por Deus!

Era o tipo de homem que levou apenas dois segundos olhando para
ele, para que me ocorresse que ele era perfeito para
casar. Sua figura exalava seguridade, ele por si só era o próprio convite para
se iludir pensando que você seria feliz ao lado dele para sempre.

Só que...

Ele não era perfeito para casar. Não, um cara que não quer
compromisso com ninguém, um cara que toda noite fode uma mulher
diferente, não pode ser o tipo que gosta de casar. Foi um baque quando eu o
vi pela primeira vez.

Desde aquele dia do porteiro onde ele passou a acordar cedo e sair
com o cachorro, comecei a pensar que tinha sido porque ele adotou o
peludo, que o ouvia chamar de Morris. Muitas vezes, nós cruzamos no hall
do prédio, porém tinha convicção de que ele não sabia quem eu era, afinal
nós nunca tínhamos trocado nenhuma palavra.

Mesmo quando fui ao restaurante em que ele trabalha e acabei


descobrindo esse fato, ele não pareceu me notar.

Veja bem, eu queria acabar com o infortúnio de ouvir suas


intimidades, porém como você chega em um vizinho e conta que você ouve
ele transando todas as noites nos últimos trezentos e sessenta e cinco dias e
está incomodada com isso?

Carta? E-mail? Pessoalmente? Por telefone?

Eu não tinha coragem.


Era constrangedor, mesmo sabendo que o sexo faz parte da vida de
todos os seres humanos, eu não precisava fazer parte da vida sexual dele,
mesmo meu vizinho sendo o cara mais bonito que eu já tinha visto em toda
a minha vida, e convenhamos, esse não era nem de longe um jeito divertido
de participar da vida sexual de alguém. Já tinha visto reclamações porque o
vizinho era barulhento, com música, com animais, até com obras, mas
nunca com sexo.

Aproveitei que ele estava se divertindo com sua nova companhia e


juntei as sacolas de lixo da minha casa para jogá-las no lixo do prédio. No
final do corredor tinha uma rampa, era só jogar o lixo separado lá e pronto.

Abri a porta do meu apartamento depois de juntar o lixo e caminhei


de pijama mesmo até o final do longo corredor de apartamentos familiares.
O silêncio era ensurdecedor e achei até mesmo irônico. Só eu tinha tido
esse azar todo mesmo?

Suspirei jogando as sacolas uma por uma na portinha e virei as


costas depois de ter terminado, dando de cara com meu vizinho,
caminhando na minha direção e até achei engraçado que, por um momento,
ele parecia caminhar em câmera lenta, segurando uma caixa de pizza, usava
um pijama de seda azul marinho e estava de óculos, seu cabelo castanho
estava molhado e recaía sobre os olhos com certa graça. Ele caminhava
preguiçosamente em minha direção olhando para baixo, passou por mim
enquanto eu voltava para o meu apartamento e pareceu nem me notar.
Praticamente corri para meu apartamento, não queria que ele
soubesse que eu era sua vizinha, era a primeira vez que cruzávamos no
corredor, espiei pelo olho mágico da porta do meu apartamento ele
passando com a mão no bolso da calça do pijama e a outra livre em seu
mullet.

Soltei o ar, que nem sabia que tinha prendido. Cruzes, que homem
bonito, como era alto e esguio, mas com ombros largos e bonitos!

Corri para o meu quarto para ver se ainda ouvia algo. Ele não era de
falar alto, quase nunca o ouvia conversando, mas curiosamente esperei
ouvir hoje. Recostei-me na parede com o ouvido atento.

Será que aquela história do copo era verdade? Corri na ponta dos pés
para a cozinha, catei um copo de vidro e coloquei na parede quando voltei
para o meu quarto. No início, apenas ouvi um ruído parecido com água do
chuveiro caindo.

— Posso dormir aqui essa noite? — ouvi claramente uma garota


falar. Ai que vergonha, ela estava pedindo para ficar? Não compreendi a
resposta dele, ele murmurou algo muito baixo e tive que me esforçar para
reconhecer que ao menos ele falava. — TaeHo... — ouvi ela falar. — Vai
mesmo continuar me afastando?

Ok, eles estavam tendo uma espécie de D.R, mas um caso de um dia
podia falar esse tipo de coisa? Ou estava errada esse
tempo todo e não eram casos? Mas seria possível uma mesma mulher
gemer de diferentes maneiras todos os dias?

Balancei minha cabeça. Eu estava pensando merda! Não era possível


que estivesse me questionando sobre os gemidos de outra pessoa, eu tinha
perdido claramente o bom senso. E a julgar pela minha atitude, invadindo
(ainda mais) a privacidade do meu vizinho, eu não estava mesmo em
perfeito estado.

Afastei-me da parede. O que eu estava fazendo afinal? Desde


quando me interessava pelas conversas do meu vizinho? E desde quando
me importava se eram uma, duas ou dezenas de mulheres?

Deitei na minha cama, olhando para o teto. O silêncio chegou a ser


incômodo, mas no fundo era o que eu mais ansiava. Até que ouvi a porta do
apartamento do meu vizinho fechar com força. Acho que a moça ficou com
raiva por não poder dormir lá. Balancei a cabeça de novo, não era da minha
conta e eu não deveria ficar pensando nisso.

Uma pessoa que busca a paz estará satisfeita quando alcançar seu
objetivo? Quero dizer, a paz é o alvo, mas quando não se tem mais alvo,
talvez torne-se normal sentir saudade da guerra, certo? Porque ao menos, na
guerra, você tinha um sonho/objetivo,
mas agora que a paz está alcançada, não há mais nada para se apegar.

Suspirei.

Podia parecer a coisa mais absurda do planeta terra, mas, depois de


alcançar a paz, eu sentia falta da guerra.

Kim TaeHo, vulgo meu vizinho, não estava mais se divertindo


depois das vinte e três.

Sem gemidos.

Sem ruídos de molas rangendo.

Sem barulhos de tapas.

Sem pedidos de mais e melhor.

Depois das vinte e três, o silêncio reinava e, vez ou outra, apenas


ouvia-se o som do jazz suave que emanava da casa ao lado. Ele trocou sexo
por jazz? Quem faz isso?

Comecei a pensar que a pessoa com quem meu vizinho dividia a


intimidade, na verdade era uma espécie de namorada e que eles terminaram.
Talvez a noite em que ouvi ela reclamar tenha sido a última noite. Já
completava-se um mês desde aquele dia.
Perguntei-me se eu deveria conversar com ele. Perguntar se estava
tudo bem, mas eu não podia chegar e dizer: "Oi, você terminou seu
relacionamento? É porque, tipo, eu sinto falta de fazer parte da sua
intimidade!".

O Kim me mandaria para a cadeia se eu fizesse isso. Eu mesma


estava pensando em me internar para tratamento... Isso era um absurdo!
Sentia-me no precipício da insensatez.

Kim TaeHo tinha mudado seus hábitos ao ponto de me afetar, tanto


que obriguei a mim mesma a fazer algo por mim, ou eu enlouqueceria
trancafiada nesse apartamento divagando sobre porque a vida sexual do
meu vizinho tinha estagnado.

Reunindo toda a minha coragem, resolvi sair para beber, sentia-me à


beira da insanidade com toda essa história e o álcool talvez me ajudasse a
pensar com clareza ou ao menos embaralhasse tudo de uma vez.

E foi o que eu fiz. Procurei um bom lugar para beber e desfrutei de


soju com cerveja até que meu corpo não aguentasse mais.
Minha cabeça doía e latejava, forcei meus olhos a abrirem e a
claridade fez com que me arrependesse dessa decisão. Eu estava em uma
cama macia, de lençóis brancos que eu não conhecia.

Levantei o lençol rapidamente percebendo que estava só de calcinha


e sutiã. Cobri-me depressa sem entender o que porra estava fazendo ali, não
lembrava de nada e forçar, nesse momento, só me dava mais dor de cabeça.

De repente, notei a presença de outra pessoa no cômodo. Meu


coração veio parar na jugular, bombeava o sangue tão rápido que podia
sentir minhas bochechas arderem.

Ele estava de costas, usava uma calça de pijama de seda azul


marinho, estava sem camisa, seu braço recostado na soleira da janela,
enquanto segurava uma xícara de algum líquido quente, porque eu via a
fumaça emanar da xícara. O vento que entrava pela janela fazia o cabelo
castanho escuro dele balançar e, com apenas o movimento de sua
respiração, era possível ver os músculos de suas costas se movimentarem
criando quase uma dança hipnótica para as pintinhas em sua pele morena,
tão pretas que pareciam de mentira. Ele não precisou se virar para que eu
soubesse quem era, pois o mullet que só combinava com ele estava ali para
deixar claro a minha desgraça.

Busquei rapidamente em minha mente o que tinha acontecido, como


eu tinha vindo parar aqui? Em que circunstâncias no universo seria possível
tal situação? Qual a
probabilidade de sua perfeita imagem ser uma alucinação minha?

Teria eu ingerido drogas ilícitas e estaria chapada agora?

E a pergunta mais importante de todas: como raios tinha vindo parar


sem roupa no quarto do meu vizinho, Kim TaeHo?
Meu Kim vizinho TaeHo

Existem momentos na vida em que é melhor estar dormindo, do que


estar acordado. Em outros momentos é melhor estar bem acordado, do que
estar tendo um sonho muito bom.

Como ainda não tinha decidido se era sonho ou realidade, ficava com
a opção: existem momentos na vida em que você quer estar nesse momento
e existem momentos em que você deseja mais do que tudo não estar.
Pois bem.

Eu desejava intensamente não estar aqui, agora, confusa e nua, em


cima da cama do meu vizinho. Puxei o lençol para me cobrir, as molas da
cama rangeram de forma perturbadoramente familiar e o som fez ele se virar
para me encarar.

Meu Kim vizinho TaeHo me encarava sem nenhuma reserva, olhava


para minha cara como se me analisasse e depois sorriu. Engoli em seco, eu
nunca tinha visto ele sorrir e, mesmo sendo um sorriso ladino e contido,
deixava-o ainda mais absurdamente bonito. Porém eu não podia ignorar.

Que droga estava fazendo aqui?


— Bom dia — disse de forma educada, sua voz matinal era grossa e
aveludada e invadiu meus ouvidos, fazendo-me tremer. Fiquei em silêncio,
não porque não tivesse o que dizer, mas porque não conseguia falar. Meu
corpo estava petrificado. Era ele, bem ali a metros de distância de mim,
encarando-me e sabendo da minha existência, sem camisa e com uma
xícara na mão, uma perfeita obra de arte ambulante. — Para quem falou
muito na noite passada, você até que é bem calada. — Seu tom bem
humorado me fez soltar o ar em uma lufada única que até mesmo entortou
minha postura. Falei muito? O que eu falei? Por que eu falei? Não me
lembrava.

— Co... mo? — Foi o que saiu. Na verdade, foi só um balbucio


ridículo mesmo. Meu vizinho caminhou em minha direção. Seu peitoral
desnudo era magro e alvo, mais branco do que seu rosto que tinha um tom
dourado bonito. Ele era magro, tinha uma cintura fina e definida que lhe
deixava com um porte elegante, sua postura era ridiculamente ereta.
Facilmente seria um modelo se quisesse. Até mesmo o desenho do seu
umbigo era bonito. Tão perfeitamente redondo!

— Não se lembra? — perguntou-me sorrindo de novo, algo parecia


divertido para ele. Pisquei atônita. Não, eu não lembrava, não estava claro
minha cara de quem caiu do caminhão da mudança e não sabe onde está?
Sacudi minimamente a cabeça em negação. Eu poderia mentir e dizer que
me lembrava, mas sinceramente preferia ao menos saber como raios eu
tinha vindo parar aqui e a melhor forma era esperar que ele me explicasse.
Eu me lembrava do soju com cerveja, de lula seca, de a ahjumma
chamar um táxi para mim e de subir o elevador, porém o restante era um
borrão emaranhado e confuso, não podia dizer ao certo se lembrava ou não,
ou se era verdade ou não.

— Quando cheguei do trabalho ontem, você estava em frente à porta


da minha casa, chorando — disse, cruzando os braços depois de repousar
sua xícara em uma cômoda ao lado dele.

— Você achava que minha casa era a sua e digitou a senha até que a porta
bloqueasse e estava chorando irritada com isso. — Apontei para mim
mesma perplexa, mas veja bem, apesar disso ser ridículo e eu estar com
vergonha, ele ainda não tinha explicado como eu tinha vindo parar na cama
dele.

— Não lembro disso. — Na verdade, lembrava-me sobre estar


irritadiça com algo.

— Precisei usar a chave para entrar — completou. — Você não


lembrava a senha do seu apartamento e nem estava com as chaves. Nunca
ande sem suas chaves, se faltar energia você fica trancada do lado de fora
— suspirou, parecendo frustrado. — Vendo que não tinha opção, então
deixei que você entrasse.

— E então tirou minha roupa e me trouxe para a sua cama? Uma


garota bêbada? — perguntei irritada em um tom acusativo.

— Uou, vamos com calma — disse calmamente, umedecendo os


lábios com a língua antes de falar. — Eu não tenho
culpa se você fez streaptease no meio da minha sala enquanto gritava sobre
como eu fodia minha namorada gostoso todas as noites e você ouvia tudo!
— Eu até estava olhando para meu vizinho, mas quando ele terminou sua
sentença, eu queria mesmo era enfiar minha cabeça em algum lugar.
Qualquer lugar.

Isso era tão típico meu!

Surtar bêbada e descontrolada e jogar na cara dele que ouvia


despropositalmente suas noites de sexo. Era por esse motivo que eu não
bebia! E tinha me esquecido como ficava surtada e sem controle da minha
boca. Então, sim, acreditei no que ele estava dizendo, porque isso já tinha
acontecido antes e eu queria morrer agora.

— É verdade? — ele me perguntou. — Que você ouvia

tudo?

Aquele era o momento, a oportunidade ideal para contar-lhe o drama


de uma garota que estava há tanto tempo sem transar que se conformava em
ouvir seu vizinho foder meio bairro de garotas, mas que depois se irritou
profundamente com a vida sexual hiper ativa do jovem a minha frente,
porém eu estava na fase "queria mais do que tudo não estar aqui."

— Não sei do que está falando. — Minha resposta era obviamente a


mais imbecil de todas, porém era a mais funcional para mim. Fingir que não
sabia das coisas que falei enquanto
estava bêbada era o plano de escape ideal, só fingir um desmaio me seria
mais útil que isso nesse momento.

Ele pôs as mãos nos bolsos da calça que usava e me encarou com os
olhos semicerrados, umedeceu os lábios com a língua novamente e apontou
para mim.

— Você... Eu me lembro de já ter visto você em algum lugar —


disse. Arregalei os olhos surpresa.

— Claro que viu, eu sou a sua vizinha! — falei ironicamente, mesmo


estando surpresa que, em algum momento, ele tivesse notado a minha
existência. Meu vizinho ponderou minha resposta por um momento.

— E mente muito mal... — concluiu. — Você deixou claro ontem o


quanto estava irritada com minha vida sexual e duvido que não seja
verdade. Mas eu realmente não esperava por isso — falou.

Ótimo, ele além de bonito e educado, era esperto o suficiente para


entender que eu estava mentindo.

— Preciso ir embora — falei em uma tentativa de fugir dali. O Kim


me encarou mais uma vez com seus grandes olhos e suspirou. Consentiu
com a cabeça como se estivesse desistindo de algo.
O silêncio se instalou entre nós dois por um momento e eu olhava
para todas as direções do quarto, esperando que ele entendesse que eu não
podia sair pelada de dentro da casa dele. Vendo que TaeHo permanecia
parado ali, sem dizer nada resolvi tomar uma atitude.

— Se importa? — perguntei. Ele me olhou curioso.

— Quê? — perguntou.

— Não posso sair daqui pelada! — Observei. Ele soltou um riso em


formato de lufada de ar, era rouco e agradável. Pegou sua xícara que estava
em cima da cômoda e rapidamente saiu do quarto.

Suspirei.

Era surreal que eu estivesse dentro do quarto do meu vizinho nesse


momento, era mais surreal ainda que ele tenha estado sem camisa bem na
minha frente, só não era surreal eu ter aberto a minha boca estúpida e ter
falado todo tipo de besteira para ele na noite passada. Dei um tapa na minha
boca, irritada pelo que tinha feito.

Esgueirei-me para fora da cama ainda enrolada no lençol, varri o


quarto com os olhos atrás das roupas que usava na noite passada, mas não
estava encontrando, então me abaixei e olhei debaixo da cama e nada.
Dei dois passos para frente, pisei no lençol e quase caí, larguei o
tecido no chão achando que ia me estabacar toda, talvez eu ainda estivesse
bêbada afinal. Quando ia me abaixar para juntar o lençol branco do meu
vizinho que estava no chão, ele apareceu no quarto.

— Suas roupas... — Fiquei parada olhando para ele, que olhava de


volta para mim. Eu estava só de calcinha e sutiã na frente dele. Coloquei as
mãos na frente dos seios tentando tapá-los.

— Sua roupas estavam jogadas lá na sala — concluiu, passando o olhar por


todo o meu corpo sem nenhuma vergonha. Que cara de pau!

TaeHo repousou as peças de roupa na cama e saiu do quarto, nem


olhou para trás, poxa, ele bem que podia ter dado mais uma olhada, talvez
não tenha gostado do que viu... Sacudi a cabeça, sabendo que estava
pensando bobagens já.

Fiquei encarando a porta por um momento. Pelo menos poderia estar


vestida em uma lingerie melhor que esse conjuntinho bege surrado e
encardido e de elástico morto que usava nesse momento. Vesti o short jeans
e a camisa branca que usava na noite passada, vendo que tinha uma mancha
enorme de kimchi nela. Ai que mico!

Cheguei na casa do TaeHo, fiz um escândalo com essa blusa com


uma mancha enorme e laranja de kimchi, tirei minha roupa e fiquei só de
lingerie com o elástico morto e ainda falei um monte de bobagens para ele.
Levei minha mão à boca.
Será que falei para ele o que eu fazia quando comecei a ouvir os sons
do sexo que ele fazia? Não, por tudo o que é mais sagrado, eu não podia ter
acabado com a minha reputação desse tanto!

O pensamento fez meu estômago embrulhar, senti um suor gélido


impregnado na minha testa e tudo girar. Ainda estava de ressaca apesar do
baque inicial. Apoiei-me na cama por um minuto e senti meu estômago
revirar mais uma vez, tudo o que menos precisava era vomitar na casa do
meu vizinho.

Corri para dentro do banheiro e me ajoelhei em frente ao vaso


sanitário, quase não dando tempo de fazer isso, vomitei todo o álcool que
eu tinha bebido na noite passada, até que meu estômago se contraísse de
dor, sem mais nada para pôr para fora.

No meio do processo natural de desintoxicação do meu corpo, o


Kim apareceu no banheiro.

— Você está bem? — perguntou. Mas eu não respondi porque estava


ocupada demais morrendo pela boca. Que vergonha!

— Ah! — Ele soltou parecendo meio enojado e na sequência segurou o


meu cabelo.

Meu vizinho, Kim TaeHo, depois de me ver pelada, bêbada, com a


roupa suja, falando as merdas mais idiotas do mundo, ainda teve que
segurar meus cabelos enquanto eu vomitava. Podia ficar pior?
Podia! Porque tudo que está péssimo pode ficar horrível. Depois de
vomitar, tropecei no tapetinho do banheiro e meu corpo foi projetado sobre
o dele, fazendo nós dois cairmos no chão, meu corpo por cima do dele.

Parecia aquelas cenas de dramas bem clichês, sabe? Porém não era,
eu tinha mesmo caído por cima dele de uma forma ridiculamente
desastrosa. Olhei para meu vizinho assustada por um momento, não
conseguia descrever o meu nível de constrangimento, ele me olhou de volta
sério, quase como se não acreditasse nas coisas que estavam acontecendo.

Tamo junto! Foi o que pensei. Também não acreditava no que estava
acontecendo. Em nada.

Tomei impulso para rapidamente sair de cima dele, arrumando a


minha roupa, e TaeHo sentou no chão, apoiando seu peso com uma das
mãos e então soltou uma risada, ele estava achando tudo isso divertido?
Porque eu não estava!

Como não sabia o que fazer, muito menos o que falar, apenas fugi
dali. Corri para fora do quarto dele, o layout do apartamento era idêntico ao
do meu, então achar a saída não foi problema e eu acho que, no processo de
fugir, bati o recorde mundial de digitar a senha na porta. Em questão de
segundos, eu já estava dentro da minha casa, escorregando pela porta,
deixando que meu corpo encontrasse o chão.
Meu coração batia tão rápido que mal cabia dentro do peito, minha
respiração era irregular e queria chorar. Não queria, eu estava chorando já!
De vergonha principalmente, enterrei meu rosto entre minhas mãos, minha
vida estava acabada, tinha sido humilhação demais para um vizinho só, eu
teria que me mudar do país, talvez de planeta depois da vergonha que tinha
passado, seria uma boa hora para me voluntariar para ir viver em Marte?

Era nisso que dava se preocupar mais com a vida dos outros do que
com a sua própria vida.

Bebi demais, falei besteira, fiquei sem roupa, vomitei na casa dele e
ainda caí por cima do meu vizinho. Não podendo tudo isso ser muito ruim,
tinha mais uma coisa que eu tinha percebido no decorrer de tudo isso, mas
tinha ignorado apenas porque tudo era absurdo demais para ainda pensar
nisso: eu muito provavelmente estava apaixonada pelo meu vizinho Kim
TaeHo.
TaeHo era exatamente o que
transparecia

Acho que a pior parte de todo o processo de digerir e aceitar que eu


tinha destruído minha reputação diante do meu vizinho era que também
destruí toda e qualquer chance de algum dia rolar algo de bom com TaeHo,
dois meses fugindo dele eram o suficiente para eu entender de vez que
nunca mais conseguiria olhar na cara dele.
Fugindo entre aspas, né? Porque não era como se ele estivesse me
procurando, porém evitava sair se soubesse que ele ia sair também, ou
quando o via no elevador, eu subia pelas escadas, ou quando ele ia passear
com seu cachorro e eu saía pela porta dos fundos do prédio. Não podia
encará-lo. Eu não podia.

Coloquei minha farda para ir a mais um dia de trabalho na minha


pitoresca profissão de atendente de telemarketing. Era um trabalho maçante
e entediante, porém me ajudava a ter a minha independência financeira,
então não reclamava.

Eu tinha aceitado fazer a hora extra no sábado, até às oito horas,


algumas pessoas podiam falar: "Meu Deus, trabalhar
sábado à noite?", porém não fazia diferença para mim, afinal não tinha
planos de sair.

Depois que meu expediente extra acabou, passei em um restaurante e


comprei frango e cerveja, eu não tinha mais coragem de sair pra beber,
estava com medo de fazer besteira de novo, então algumas cervejas, um
pouco de frango e a Netflix, dentro do meu lar seguro e de portas bem
trancadas, me eram suficiente.

O elevador estava demorando e, como eu morava no quarto andar,


não hesitei em ir pelas escadas. Quando eu cheguei no terceiro andar, as
luzes apagaram de repente. Tudo ficou escuro por um segundo e depois as
luzes dos sinalizadores de emergência acenderam. Com essas luzes era o
suficiente para que eu continuasse a minha peregrinação rumo a minha
casa.

O corredor estava silencioso e escuro era até um pouco assustador.


Fiquei de frente para a porta da minha casa e percebi que as luzes da
maçaneta não estavam piscando como de costume.

"Nunca ande sem suas chaves, se faltar energia você fica trancada
do lado de fora."

A voz do meu vizinho soou em minha cabeça me lembrando que,


sim, ele estava certo. Larguei minhas sacolas no chão e vasculhei minha
bolsa procurando pela minha chave, a tecnologia era boa, mas, de certa
forma, era imprevisível, ninguém nunca saberia quando faltaria energia.
Vasculhei bem, em cada cantinho da minha bolsa, mas nem sinal das
minhas chaves.
Respirei fundo.

Tinha 100% de certeza que ela estava em algum lugar perto da TV


dentro de casa, acumulando poeira de meses sem nem movê-la do lugar.

Ok, talvez a energia fosse voltar logo, eu apenas deveria me

sentar aqui e esperar. Não tinha ninguém por perto mesmo, então...

Uma...

Duas...

Três horas e nada da energia voltar, minhas costas já doíam de tanto


tempo sentada recostada na parede, o tédio me consumia, pois na internet
não achava nada de muito interessante. Definitivamente era uma lição para
nunca mais esquecer!

— Que sensação de déjà vu — uma voz masculina rompeu o silêncio


do corredor, minha garganta travou. Permaneci imóvel, fingindo não ser
comigo. Talvez ele fosse embora se visse que eu simplesmente nem tinha
me mexido. — Encontrar você no chão do corredor depois que chego do
trabalho é como se eu estivesse voltando no tempo. — TaeHo soltou uma
risada divertida.

Ergui meu olhar para ele, que tinha parado bem na minha frente.
Meu vizinho, Kim TaeHo, vestido em uma calça social e
com uma camisa cheia de corações, usava um óculos de grau retangular e
me encarava de volta.

— Nunca ande sem suas chaves, se faltar energia você fica trancada
do lado de fora — repetiu sistematicamente e rolei os olhos. — Minha avó
sempre dizia isso para mim. — Sorriu simpaticamente. — Agradeço a ela
sempre por isso. — Permanecia calada, não sabia o que dizer, meu
constrangimento como sempre era maior do que qualquer coisa que já tenha
vivido na vida.

Tendo visto que eu não falava nada, o Kim apenas pôs a mão no
bolso da calça e seguiu para a porta do seu apartamento, segui-o com os
olhos, TaeHo tirou a chave do bolso, colocou na fechadura da porta e a
destravou, abrindo-a na sequência.

— Sabe, você não recebeu a notificação de que hoje eles iam cortar
a energia para manutenção? — perguntou, se voltando para mim de novo.
Arregalei os olhos, semana passada eu tinha recebido uma carta amarela,
mas esqueci de abrir, teria sido isso?

— Que horas que volta? — perguntei alarmada.

— Previsto para às quatro da manhã — respondeu e o silêncio se


instalou, no meu subconsciente uma voz gritava BURRA! — Se quiser ficar
na minha casa, não é como se fosse a primeira vez mesmo. — Deu de
ombros.
Quatro da manhã... Eu conseguiria ficar no corredor por mais cinco
horas? Não era tanto tempo assim, mas estava escuro e frio, já era tarde da
noite e não importava o quanto eu estivesse envergonhada, não podia
recusar a oferta, até porque tinha a sensação de que, se eu demorasse muito
para responder, ele iria simplesmente entrar, fechar a porta e não perguntar
mais.

Fiquei de pé em silêncio e TaeHo abriu a porta mais um pouco para


que eu fosse a primeira a entrar. O apartamento dele estava igualmente
escuro. Meu vizinho fechou a porta atrás de mim e saiu pela casa voltando
alguns segundos depois com algo na mão, que na sequência identifiquei
como velas porque ele as ascendeu usando um isqueiro.

— Pode sentar — falou, apontando para o sofá. Dei um pigarro


baixo e caminhei vagarosamente para o móvel e sentei. — Você já jantou?
— perguntou-me. Neguei com cabeça, sabendo que tinha agora um frango
frio e algumas cervejas quentes. — Eu posso fazer rammyeon pra gente, se
você quiser — sugeriu.

— Eu tenho frango aqui — obriguei-me a falar.

— Ótimo, acho que eu tenho umas duas cervejas na geladeira que


não estão tão quentes ainda — falou, saindo da sala e voltando alguns
segundos depois com duas cervejas na mão.

TaeHo sentou no chão sem cerimônia nenhuma, colocou as duas


cervejas na mesa de centro, uma vela no meio para iluminar e
me encarou, fiquei olhando para ele de volta, esperando que o mesmo
dissesse algo.

— Que foi? — perguntei-lhe quando ele não falou nada, mas


permaneceu me encarando.

— O frango... — Movi-me rapidamente quando percebi que ele


esperava que eu colocasse o frango em cima da mesa. Tirei a caixa da
sacola e coloquei entre nós dois, esgueirando-me do sofá para o chão.

Não posso dizer que foi um jantar confortável, o único som que
ecoava pelo apartamento escuro era o de nós dois comendo e bebendo
nossas cervejas, que só depois percebi não ser uma boa ideia. Eu estava
diante do meu vizinho, bebendo uma bebida com álcool, o que significava
que eu poderia fazer ou falar besteiras, por isso larguei a bebida na metade
por medo de ficar influenciável. Não queria ter que passar por mais
constrangimento.

Deixei que, em meio ao silêncio, meus olhos percorressem pelo


apartamento mal iluminado, até que um quadro na parede chamou minha
atenção. Fiquei olhando fixamente para a pintura que era uma réplica de um
dos meus artistas favoritos no mundo todo.

— Você tem uma cópia de A Noite Estrelada! — constatei em voz


alta e ele se virou para olhar na mesma direção em que eu olhava, voltando-
se para mim na sequência.
— Conhece Van Gogh? — perguntou enquanto segurava uma
coxinha de frango na mão.

— Claro, é meu artista favorito — falei sorrindo, ainda olhando para


o quadro. — Vi essa pintura original pessoalmente quando criança —
conclui.

— Mentira! Você foi na exposição do museu de Nova York? —


perguntou-me incrédulo e sorri por ter uma oportunidade de desenvolver
uma conversa civilizada com ele.

— Minha família tinha boa condição quando eu era criança e fomos


de férias para os Estados Unidos, lá fui no museu e vi as pinturas originais,
tão bonitas, as do Van Gogh ficaram em minha cabeça e não fui capaz de
não me emocionar com tal profundidade de sua história e criação. Ele
pintou esse quadro quando...

— ...Estava em um hospício — completou minha frase. — Eu sei, eu


sou muito fã das obras dele. Meu sonho é um dia ir ver pessoalmente.

— Você vai gostar então, é ainda mais bonito pessoalmente

— encorajei e o silêncio se estabeleceu de novo entre nós.

— Minha ex-namorada odiava esse quadro — falou, quebrando o


breve silêncio.

— Por quê? — perguntei, meio que sem pensar muito.


— Ela falava que era feio. — Deu de ombros.

— Não tem nada de feio — protestei. — É um quadro cheio de


sensibilidade sobre as coisas que ele via e que queria ver de sua janela.

— Exatamente o que dizia para ela — falou, como certa indignação.

— Eu não sabia que você tinha namorada — falei na sequência, mas


me arrependi assim que as palavras saíram de minha boca. Eu não tinha que
saber de nada, quer dizer não era da minha conta, ou seja, falei merda!

— Achei que você tinha dito que ouvia o que eu e ela fazíamos no
meu quarto. — Ótimo, graças a mim, o assunto que não deveria ser falado
veio à tona. Baixei minha cabeça extremamente envergonhada.

— Eu sinto muito por aquele dia — falei ainda de cabeça baixa. A


verdade é que, de alguma forma, eu precisava pedir desculpas por todo o
constrangimento, sem contar que tinha o julgado sem conhecê-lo, pelo visto
estava muito errada sobre muitas coisas. — Não era pra você ficar sabendo
disso dessa forma.

— Eu sinto muito também, deveríamos ter percebido que não


estávamos sozinhos no prédio — ele riu. Perguntei-me se ele não sentia
vergonha de saber que eu ouvia tudo. Tudo mesmo.
— Por que vocês terminaram? — novamente ouvi minha boca falar
coisas que não eram para serem ditas e que não eram da minha conta.
TaeHo me olhou por um momento, como se ponderasse se contava ou não
e, na sequência, comeu o restante de coxa de galinha que ainda tinha na
mão, ele fazia um bico fofo com os lábios enquanto comia e me perdi na
imagem de Kim TaeHo, tão bonito, educado, sexy e fofo ao mesmo tempo.

Imaginei que o seu silêncio significasse que ele não queria falar
sobre o assunto, então não insisti.

— A gente era muito diferente — falou, por fim. — Tirando o sexo,


nada mais batia. Eu gosto de ficar em casa, beber pouco, assistir a filmes
antigos, jogar online até tarde... Ela queria sair, ir para festas, beber, não
gostava de filmes antigos e muito menos de Overwatch. Depois de um ano
de namoro, eu percebi que a gente não combinava e fui me afastando, até
que acabou. — Deu de ombros.

E percebi que Kim TaeHo era uma versão masculina e mais bonita
de mim mesma. Eu gosto de ficar em casa, quase não bebo, adoro os
clássicos e até me arrisco nos jogos online. Suspirei ao perceber o quanto
ele era o homem dos meus sonhos, em todos os sentidos, apesar do defeito
de ser mulherengo.

— Você traía ela? — perguntei, ele me olhou surpreso com a


pergunta, mas eu ouvia diferentes gemidos durante a semana, não podia ser
a mesma garota! Não tinha como.
— Não?! — respondeu sem hesitar, parecendo mesmo surpreso. —
Por que perguntou isso? — indagou-me. Como eu ia dizer isso a ele?

— Pensei ter ouvido garotas diferentes — era um pouco


constrangedor falar esse tipo de coisa, mas resolvi seguir o fluxo da
conversa.

— Ah, isso... — Tae olhou para o teto por um instante, um sorriso


brincando em seus lábios de forma descontraída. — Ela gostava de fingir
ser outras pessoas, era uma espécie de fetiche dela — disse quando voltou a
me olhar. Ok! Talvez isso já fosse íntimo demais para eu saber.

— Ah... — Deixei qualquer coisa que tivesse para sair de meus


lábios morrer no meio do caminho.

— Você pensou que eram várias garotas? — Meu vizinho pareceu se


divertir com a hipótese. Assenti envergonhada. — Quem você pensa que eu
sou? — perguntou, por fim.

— Não sei, me diga você — respondi.

— Ok, eu não sou esse tipo de cara, gosto de relacionamentos longos


e duradouros, não dá pra se relacionar dormindo com uma mulher diferente
a cada noite, dá? — sua pergunta fez uma luz acender, não a do prédio, mas
a da minha cabeça.
Kim TaeHo era exatamente o que transparecia, eu que era a tonta que
tinha entendido tudo errado, ele era, sim, o tipo de cara que se sonhava em
casar apenas olhando para ele e senti isso quando o vi pela primeira vez.
Meu vizinho transparecia seguridade e exalava conforto, estar perto dele (e
provavelmente conviver), era como encontrar um lar e, óbvio, depois de
cinco minutos de conversa eu já começava a pensar no nome dos nossos
filhos, porque ele era exatamente esse tipo de homem.

Aposto que TaeHo queria ter uns cinco filhos da mesma mulher e
envelhecer ao lado dela, em uma fazenda nas montanhas do sul. Kim
TaeHo era muito diferente do que eu tinha idealizado e estava um pouco
mais apaixonada por essa versão dele, que era a versão dos meus sonhos.

Sua pergunta final pairou no ar e, mesmo estando quente dentro do


apartamento, não movi um músculo sequer, tentei respirar devagar para
acalmar meu coração, quanto mais Kim TaeHo era fofo, mais meu
descontrole cardíaco estava me deixando desestabilizada.

Totalmente.

Mas minha curiosidade sobre algo que sentia que estava faltando
acabava sendo maior que todo o resto e então tive que perguntar:
— Onde está o seu cachorro? — Sim, eu senti falta do pequeno de
pelos negros.

— Tan-ah? — Ele pensou por um momento. — Ele está na casa dos


meus pais. Minha mãe tem se sentido sozinha desde que meu avô faleceu
— explicou.

— Sinto muito por sua perda — falei.

— Obrigado — disse meio melancólico.

— Eu preciso ir ao banheiro — anunciei, sentindo que não dava


mais para segurar a vontade de fazer xixi que estava sentindo. O
nervosismo de estar diante dele também me causava dor de barriga, mas eu
não ia fazer isso na casa dele!

— Você já sabe onde é — disse, sorrindo e fiquei de pé.

O apartamento era igualmente pequeno como o meu e estava escuro,


tirando a vela que ele tinha acendido na sala, nada mais iluminava o lugar,
liguei a lanterna do meu celular para achar o caminho até o banheiro mais
rapidamente, mesmo que o layout fosse o mesmo, ainda era invertido de
forma que podia soar confuso no escuro.

O quarto do TaeHo exalava um cheiro muito masculino e me permiti


inalar esse cheiro por alguns instantes antes de entrar no banheiro.
Depois de usar o banheiro, lavei minhas mãos e rumei para fora do
quarto. Ao chegar no corredor meu celular desligou totalmente
descarregado e, no segundo seguinte, no escuro, eu esbarrei em algo.

Duas mãos grandes e fortes me seguraram pelos braços, impedindo-


me de cair para trás e me puxando para junto dele.

— Desculpe minha desatenção — a voz dele era grossa e baixa, tão


próximo a mim que não consegui ter reação nenhuma, os pelos do meu
corpo se eriçaram e eu tenho certeza que ele sentiu isso sob suas mãos,
permaneci imóvel incapaz de fazer algo, estava mais próxima dele do que,
quiçá, tivesse imaginado ser possível.

Mesmo no escuro, alguma luz entrava vindo do lado de fora do


prédio, criando sombras e a dele eu podia ver com perfeição, olhei para seu
rosto, mesmo que não pudesse ver nada com exatidão fora sua sombra. Suas
mãos permaneciam me tocando.

Nesse momento, nesse exato momento em que o silêncio se instalava


entre nós pela milésima vez hoje e nossos corpos estavam próximos o
suficiente para que pudesse sentir o seu calor e ouvir a sua respiração, a luz
do apartamento voltou.

Mas foi estranho.

Primeiro porque doeu em meus olhos e pisquei rapidamente para me


acostumar, segundo porque ele estava muito mais
próximo do que eu imaginava, a centímetros de mim e nem tinha percebido
que minhas mãos repousavam em seu peitoral. Engoli em seco, sendo
hipnotizada pelos olhos dele.

Kim TaeHo estava me encarando, com a boca entreaberta, me olhava


de uma forma tão intensa que sentia minhas pernas amolecerem, o que
estava acontecendo aqui? De onde tinha saído tanta intensidade?

E então, antes que eu pudesse raciocinar sobre qualquer coisa, tomei


ciência de que ele estava aproximando seu rosto do meu.

Kim. TaeHo. Estava. Aproximando. Seu. Rosto. Do. Meu.

O pânico tomou conta de mim, enquanto aquele rosto


perturbadoramente bonito se aproximava lentamente, o que ele pretendia?
O que ele estava fazendo? Por que ele estava fazendo? Inúmeras perguntas
me cortaram em uma fração de segundos.

Quando os olhos do meu vizinho desviaram dos meus e olharam


para a minha boca, pude me libertar da hipnose que ele era e tomar uma
atitude.

Não sei se era a insegurança do momento, ou de achar que isso


nunca seria possível (Kim TaeHo querer me beijar era algo ilógico, ainda
mais depois do meu currículo de micos diante dele), ou só porque eu era
mesmo uma idiota, mas eu dei um passo para trás. E os olhos dele que
estavam mirando meus lábios se voltaram
para mim. Vi confusão em seu rosto por um breve momento e logo depois
ele sorriu de forma envergonhada para mim.

— Acho... Que... Eu devo ir — sussurrei, mas a minha vontade era


de tacar minha cabeça na parede até não lembrar mais nem o meu nome,
não estava conseguindo raciocinar. — A luz voltou — falei debilmente,
como se ele não tivesse percebido.

— Tudo bem — disse num sussurro quase inaudível.

Passei por ele catando minha bolsa em cima do sofá e caminhei para
a porta, TaeHo estava em meu encalço e se adiantou, abrindo a porta para
mim.

— Obrigada... — falei, mas não consegui olhar para ele. — Por hoje.

Saí do apartamento dele, caminhando vagarosamente até o meu.


Algo estava estranho nessa situação toda, obviamente a sensação de que
algo deveria ter acontecido e não aconteceu me tomou. Atrevi-me a olhar
para trás antes de abrir a porta da minha casa.

Kim TaeHo estava na soleira da porta de seu apartamento me


encarando de braços cruzados, sua expressão era indecifrável, não dava
para saber se ele estava com raiva, frustrado, feliz, aliviado... Era
impossível. Dei um sorriso tímido para ele.
— Boa noite — disse então, de forma calma e gentil. Ok, com raiva
ele não deveria estar, porque senão nem me desejaria boa noite.

— Boa noite — murmurei, abrindo a porta do meu apartamento e


entrando no recinto escuro.

Joguei-me em meu sofá, tentando entender o que tinha acabado de


acontecer. Meu coração batia tão rápido que tornava impossível até mesmo
respirar de forma correta, como se eu tivesse corrido uma maratona.

Kim TaeHo tinha me dado abrigo, boa conversa e, no fim de tudo,


tentado me beijar. Eu estava delirando? O rosto dele tão próximo ao meu
parecia um sonho. Suspirei frustrada enquanto bagunçava meus cabelos e
soltava um grunhido.

Real de fato ou não, uma coisa era certa, eu tinha acabado de perder
a oportunidade da minha vida com meu vizinho.
TaeHo era perigoso

Feriados eram vantajosos por que exatamente?

Acordei tarde, passei o dia mudando da cama para o sofá, sentindo-me


estupidamente inquieta, comi porcaria e me sentia mais cansada do que quando tinha
ido dormir na noite anterior. Não imaginava que cansaço psicológico fosse tão mais
desgastante que cansaço físico.

Então passei o dia totalmente sonolenta e enfiada no meu pijama de flanela,


agarrada a um pote de sorvete, terminando de maratonar pela quarta vez a minha
temporada favorita de Grey’s Anathomy e me sentindo o ser humano mais perdedor do
mundo. Eu evitava pensar nisso, mas não conseguia não me sentir um lixo ambulante
depois de, há exatos três dias, ter estragado a chance da minha vida com meu vizinho.
A vida não me daria outra chance com Kim TaeHo e soube disso assim que acordei de
manhã no dia seguinte e não tive nenhum sinal dele. Três dias sem ouvir nenhum
barulho sequer vindo da casa dele, nem do cachorro, nem do jazz, nem dos espirros
altos e exagerados. Nada. Cheguei a pensar que meu vizinho tinha ido embora para
sempre.

Suspirei, sentindo-me a maior perdedora. Tinha conseguido estragar tudo com


Kim TaeHo, sendo que nem havia nada ainda.
Enquanto voltava do banheiro, ouvi meu telefone tocar
inesperadamente, mas imaginei que fosse a minha mãe choramingando pela
milésima vez o fato de eu não ter ido para Ilsan vê-la no feriado. Franzi o
cenho assustada ao ver que era a uma chamada de vídeo e de um número
desconhecido por mim.

Ponderei por um momento se devia atender ou não, mas, no fim,


minha curiosidade venceu todo o resto. Quem seria? Deslizei o dedo para
cima, atendendo a chamada.

Inicialmente a tela ficou toda escura e pensei que tinha dado erro,
mas, na sequência, a mão que tapava a câmera foi retirada e o belo rosto
dourado do meu vizinho preencheu a tela. Saltei, sentando no sofá com o
susto.

Esperava tudo, menos Kim TaeHo me ligando, encarei a tela por um


momento realmente embasbacada.

— Oi! — disse de forma calorosa, abrindo um sorriso enorme para


mim, mostrando todos os seus dentes perfeitamente alinhados e era tão
bonito que me dava vontade de printar e colocar como proteção de tela do
meu celular, seu sorriso enorme e caloroso fazia com que a tela do meu
celular parecesse iluminar dez vezes mais com a beleza da imagem e fez
com que me sentisse bem quase que imediatamente. Estava muito ferrada
por estar apaixonada por ele.
— Kim... TaeHo? — foi o que consegui balbuciar. — Como
conseguiu meu número? — Óbvio que essa pergunta não poderia faltar e a
cuspi com pressa.

— Estava pensando... Hoje é feriado, quer sair? — A forma


despreocupada com a qual falava me espantava, era como se os últimos três
dias nunca tivessem existido e nós estivéssemos apenas continuando de
onde paramos quando eu... Bom... Rejeitei-o.

Eu juro, juro que pensei que nunca mais ele ia querer me ver e já até
tinha me conformado com isso, afinal tinha rejeitado um beijo dele, tinha
feito a merda de rejeitar um beijo dele, se o Kim nunca mais quisesse me
ver, eu super entenderia e nos últimos dias divaguei na paranoia de que meu
vizinho realmente não queria mais ver minha cara, mas, contrariando a
todas as minhas mais pessimistas expectativas, lá estava TaeHo me
chamando para sair com um lindo sorriso no rosto.

Poderia desviar da pergunta e insistir em saber como ele tinha


conseguido meu número de telefone, mas resolvi não cometer as mesmas
burradas diante de meu vizinho, temendo que minha sanidade não
aguentasse tanta culpa posteriormente e que, no fim, o destino não fosse
mais tão generoso comigo. Eu estava sempre tendo chances de me redimir e
não estava aproveitando corretamente.

— Sair? — perguntei.
— Sim, jantar em algum lugar legal, conversar, aproveitar a noite —
disse, deu para perceber que ele não estava em casa, parecia caminhar
enquanto falávamos.

— Noite? Já está de noite? — Olhei em volta, percebendo que


realmente tinha gastado o dia inteiro deitada, sem fazer absolutamente
nada. TaeHo soltou uma risada gostosa e grave, parecendo se divertir do
meu espanto.

— Tem quanto tempo que você não sai de casa? — questionou-me,


mas não esperou minha resposta. — Vamos, ande, arrume-se que em meia
hora eu passo aí para pegá-la — tendo dito isso, ele encerrou a chamada de
vídeo. Encarei a tela do meu celular até que ela escureceu por completo.
Tudo isso era novidade demais para mim, sair com Kim TaeHo, mesmo que
fosse para ir até o hall do prédio e voltar, parecia surreal demais, quem dirá
para jantar!

Corri para o banheiro, depois do choque inicial, tomando um banho


caprichado. Enrolei-me em minha toalha e encarei meu guarda-roupa de
peças simplórias. Eu não tinha nada para vestir que combinasse com Kim
TaeHo, ele era tão único, bonito e exótico, impossível de se equiparar.

Optei pelas melhores peças ao meu alcance, um vestido floral e uma


jaqueta jeans por cima. Arrumei meu cabelo passando um pouco de óleo
com cheiro para hidratar e não parecer que tinha mais de uma semana que
eu não lavava e, quando estava indo escolher uma sandália, ouvi a porta da
casa dele bater, som esse
que me trouxe familiaridade e fez meu coração disparar como se estivesse
prestes a fazer a maior loucura da minha vida. No minuto seguinte, uma
batida na minha porta me fez prender o ar.

Podia sentir o cheiro de seu perfume por através da porta, meu


coração de repente subiu para a jugular, girei a maçaneta e a abri
lentamente. Meu vizinho estava recostado na soleira da porta, mordia o
lábio inferior e passava a mão em seu mullet, uma imagem relaxada,
despreocupada e sensual demais para lidar. Ele usava uma blusa social de
listras azul marinho e uma calça preta social bem folgada, vintage e
classudo como sempre, TaeHo me olhou. Seus olhos eram indecifráveis e
por um momento realmente senti que estava indo fazer a coisa mais louca
da minha vida, mesmo que isso fosse apenas um jantar com ele.

Ficar perto dele e não perder a sanidade era impossível.

— Você está bonita — disse sem reservas, endireitando sua postura e


tomando boa parte da entrada com a imponente largura de seus ombros.
Corei com seu elogio e baixei o rosto, encarando o chão. Não acredito que
ele ainda ia ser gentil comigo depois de tudo.

— Obrigada — murmurei, mas não tive tempo de devolver o elogio,


pois ele me interrompeu:

— Vamos? O caminho é um pouco longo. — Encarei-o novamente,


tomei as chaves da minha casa e coloquei dentro da minha pequena bolsa,
sabendo que de muitas coisas que Kim
TaeHo tinha me ensinado, essa era uma das mais preciosas: nunca deixar de
levar as chaves. Segui-o em silêncio pelo corredor do prédio, entramos no
elevador e logo estávamos no hall.

— Para onde vamos? — perguntei meio hesitante quando já


caminhávamos pela calçada. Ele olhou para trás, por cima do ombro, e na
sequência ergueu o braço para impedir que eu atravessasse a rua. Um carro
passou por nós dois e começou a caminhar de novo.

— Vamos a um restaurante que eu gosto — disse simplesmente.


Deixei escapar um simplório "ah", logo após perceber que estávamos indo
para a parada do ônibus.

Não demoramos nem meio minuto e o ônibus que iríamos tomar


parou diante de nós. Ele anunciou ao motorista que eram duas passagens,
antecipando-se antes que eu pagasse. Só tinha uma cadeira disponível no
ônibus e Tae gesticulou para que eu sentasse, ficando em pé bem ao meu
lado, segurando-se na barra alta do ônibus.

A áurea misteriosa que envolvia Kim TaeHo não mudava e, por mais
de uma vez, vi mulheres dentro do ônibus olhando para ele de forma quase
indiscreta. Ele era bonito e chamava a atenção, não era de se espantar que
ficassem babando na beleza dele, eu mesma babava na beleza dele, ainda
mais porque ele parecia um modelo saído de revistas e que não combinava
nada com o ambiente pateticamente normal de uma condução pública.
Tomei coragem e ergui minha cabeça para olhá-lo. Ele encarava a
janela do ônibus, observando o lado de fora de forma muito aérea a tudo,
mas duvido que ele estivesse mesmo aéreo e minha dúvida se concretizou
realmente quando seus olhos se voltaram para mim. Ruborizei
envergonhada por ser pega fitando ele, que abriu um sorriso caloroso para
mim, mostrando todos os seus dentes e ergueu as sobrancelhas, fazendo
uma espécie de careta fofa.

Meu coração bateu descompassado e novamente me vi com


dificuldades para respirar, desse jeito eu ia acabar morrendo sufocada pela
perfeição que ele era.

Voltei meu olhar para a janela, vendo Seoul passar rapidamente, tudo
parecia tão surreal que nem queria raciocinar muito sobre.

— Vamos? — ouvi a voz do meu vizinho romper o silêncio da nossa


viagem e logo depois a mão dele estava na minha, ajudando-me a ficar de
pé e a descer do ônibus. Sua mão, muito maior que a minha, era quente e
convidativa e o choque de nossas peles fazia toda minha atenção ficar
naquele ponto. Esperei que TaeHo soltasse, mas ele não soltou. Logo depois
que o ônibus saiu atravessamos a rua de mãos dadas e estávamos diante de
um restaurante de fachada bonita e com luzes neons rosa e azul. — Você
gosta de lámen? — perguntou, voltando sua atenção para mim.
— Gosto — consegui responder de alguma forma, porque a minha
mão formigava ainda envolta na dele, tirando-me toda a chance de
raciocinar com coerência. Eu era muito afetada por ele e de forma muito
fácil.

Era um restaurante bonito, com pouca iluminação, poucas mesas,


discreto e misterioso, o tipo de lugar em que eu imaginaria encontrar Kim
TaeHo casualmente. Logo depois que sentamos, algumas entradas foram
deixadas em cima da mesa e mordisquei o pão de alho, sentindo-me
nervosa de estar sentada diante dele em um restaurante à meia luz, sem
saber o que dizer e sentindo o joelho dele de vez em quando roçar no meu.
Tenho certeza que era de propósito e isso me deixava meio nervosa.

— Eu pedi ao síndico — falou de repente e tive que voltar minha


atenção para ele, seus olhos me mediam sem reservas com uma intensidade
que me fazia sentir nua diante dele. Por que tão gostoso? Era o que se
passava em minha cabeça enquanto me olhava daquele jeito.

— Quê? — perguntei, tentando ordenar meus pensamentos sedentos,


não entendendo o que estava falando.

— Seu número, eu pedi ao síndico. — Sorriu minimamente, como se


parecesse orgulhoso do que estava me falando. — Disse que o Tan-ah tinha
feito xixi na sua porta e queria me desculpar.

— Deu de ombros.
— Você fez isso? — perguntei, Tae meneou a cabeça confirmando.
— Quando? Achei que você nem estivesse no prédio esses dias.

— Tem umas semanas já — falou, deixando-me surpresa.

— Quê? — Eu não podia deixar passar despercebido o fato de que


ele tinha o meu número há semanas já.

— Pelo visto, sentiu a minha falta — soltou despreocupado,


apoiando o cotovelo na mesa e descansando o queixo na mão. Tirei um gole
grande de água sentindo o pão que eu estava comendo entalar no meio da
minha garganta, depois soltei uma risada quase de desespero.

— Por que diz isso? — Tentei não deixar claro o meu nervosismo,
mas eu falhei, claro.

— Você notou que estive fora — constatou.

— Ah, isso... — Tomei outro gole. A burra aqui entregava o jogo


rápido demais e ele era esperto demais para perceber isso. Kim TaeHo não
tinha nada de bobo.

— Sabe... Eu percebi que posso ter pulado algumas etapas

— disse pensativo, sua voz sussurrada quase me fazia revirar os olhos, de


tão grave e ridiculamente sexual que ficava.
— Por quê? — Não entendi o que ele estava falando, mas porque
não conseguia me concentrar em nada com tanta informação diante de mim.

— Tentei beijar você — disse com uma naturalidade que me


perturbava. Engoli em seco. — Eu percebi que sequer sabia se era isso o
que você queria, e se você tivesse namorado? Passei dos limites e precisava
me desculpar — explicou.

— Eu não tenho namorado. — As palavras saíram da minha boca de


forma tão desesperada que fiquei com vergonha. Ele sorriu ladino,
provavelmente tinha percebido o quanto eu estava desesperada para deixar
ele saber que eu estava solteiríssima. — Se formos falar de limites aqui, eu
fui a única que passou de todos os limites. Não precisa se desculpar. Fui
muito indiscreta, e mais de uma vez com você. — Era verdade e eu não me
orgulhava disso, mas pelo menos minha indescritibilidade tinha nos trazido
até aqui. Quem imaginaria eu e meu vizinho jantando?

— Aquele dia foi engraçado, não se martirize para sempre sobre —


acalentou-me. — Tirando a parte do strip, o resto foi bem engraçado. —
Seus olhos carregavam um perigo e intensidade que eram impossíveis de
aguentar. Ardia na alma encará-lo de tão perto enquanto falávamos dessas
coisas.

— Deve ter sido tosco — constatei, soltando um riso muxoxo.


— Foi sexy — falou imediatamente em resposta a minha
constatação. As palavras pairam no ar, porque nesse momento o garçom
chegou com a comida que tínhamos pedido.

Não consegui comer. Fingi estar gostando, mas na verdade eu estava


pirando com tudo isso, sempre soube que ele era demais para lidar, mas
estava sendo insuportavelmente difícil, para mim, me conter diante dele.

"Foi sexy".

Kim TaeHo tinha falado que tinha sido sexy me ver fazer strip-tease
na casa dele completamente bêbada e com aquela lingerie bege da vovó, o
que ele tinha na cabeça? Meu vizinho era realmente diferente. Eu estava tão
envergonhada que não sabia onde enfiar minha cabeça, talvez fosse uma
boa ideia enfiar na tigela de lamen quente.

— TaeHo...? — Uma voz feminina me tirou do meu limbo de tortura


pessoal e percebi que tinha uma garota em pé diante da nossa mesa de
costas para mim. Olhei para ele, que olhava para ela, parecendo irritado
com algo. — Não esperava te ver aqui. Tá fazendo o quê? — Os olhos dele
saíram dela e repousaram em mim, como se mostrasse apenas com o olhar o
que ele fazia aqui. A atenção dela se voltou para mim, que me encarou
momentaneamente, voltando-se para ele na sequência me ignorando por
completo. — Por que não atende as minhas ligações?
— Porque eu não quero — respondeu de forma calma enquanto
olhava para ela. — Eu acho que já chega.

— Você não atende minhas ligações, sai com outra, você estava me
traindo com essa daí? — Foi então que eu reconheci a voz, a garota por trás
do fetiche estranho de se passar por várias pessoas diferentes, a garota que
não continha os gemidos e que sempre pedia por mais, era a namorada dele.
Ex, para ser mais exata. Eu nunca tinha visto o rosto dela, e ela era mesmo
muito bonita, parecia uma modelo de revista, super magra e de cabelos bem
cuidados. Senti-me ínfima, não tinha como o TaeHo me achar sexy quando
tinha deitado com alguém como ela.

— Aqui não, por favor — ele pediu, de forma muito educada.

— Aqui, sim, Kim TaeHo — ela retrucou. — Você me deve uma


explicação.

Era um pouco constrangedor ter que presenciar tal discussão e me


senti incomodada com a forma como ela se dirigiu a mim, de forma que fiz
menção de me levantar e sair para deixar que os dois se resolvessem.

— Não — Tae falou imediatamente assim que percebeu o que eu


estava fazendo. Sua mão erguida em minha direção, indicava que eu devia
permanecer. — Você fica e você... — Ele olhou para a garota. — Sai. Eu
não te devo explicações, não temos mais nada há meses. Por favor, pode
nos deixar a sós? — A
intensidade e seriedade em sua voz fez com que eu paralisasse. A garota
suspirou pesado, na sequência pegou o copo de água em cima da mesa e
jogou em cima dele. Levei minhas mãos à boca chocada com a coragem
dela de fazer tamanha cena em um restaurante por nada, na sequência ela
saiu marchando para fora do restaurante, sendo seguida por uma amiga que
tinha assistido a tudo.

Kim TaeHo tinha o olhar mais distante que eu já tinha visto. Ele
sorriu de forma sádica na sequência parecendo incrédulo. A blusa social
que usava estava molhada e grudava na pele de seu peitoral.

— Me desculpe — disse, suspirando, após pegar um guardanapo e


começar a se secar.

— Tudo bem. Você não poderia prever isso — tentei acalentá-lo. Ele
jogou o guardanapo na mesa, parecia realmente chateado com o ocorrido.

A volta para casa foi muito silenciosa, TaeHo parecia muito


chateado. Eu, por outro lado, sentia meu corpo todo em combustão,
sentamos lado a lado no ônibus, o ombro dele tocava no meu e a perna dele
tocava na minha, a forma como sentava com as pernas abertas soava tão
sexy que eu sentia meu corpo formigar com vontade de sentar no colo dele.
Por Deus! Sim, eu estava pensando em sentar no colo dele no meio de uma
viagem de ônibus.
Era insano como meu vizinho era grande e tomava espaço, mas era
gostoso demais ter meus espaços invadidos por ele. Então, sim, o contato
físico estava me fazendo delirar sobre como Kim TaeHo devia ser
sexualmente tão incrível quanto parecia. Sim! Eu estava pensando em sexo
apenas com o contato da perna dele na minha e eu não sentia vergonha
disso.

Ouvi um suspiro vindo dele e não me contive, tive que olhá-lo, tão
próximo de mim que emanava calor, ele me olhou de volta, mas não disse
nada.

Caminhamos lado a lado de volta para os nossos apartamentos. O


silêncio dele começou a me incomodar um bocado.

Paramos diante da porta do meu apartamento e me senti em um


daqueles filmes que o rapaz vai te deixar em casa depois do encontro e os
dois se beijam apaixonadamente, mas, pelo humor dele, eu achava que as
chances de rolar um beijo à essa altura eram zero.

— Obri...

— Me desculpa — interrompeu-me, antes que eu pudesse agradecer


a ele. — Desculpa por hoje, não era isso o que eu tinha planejado.

— Não? — Kim TaeHo tinha planejado algo para hoje à

noite?
— Definitivamente não, isso estragou meu humor. — Sorriu
tristonho.

— Apesar dos pesares, eu gostei. — Amor, só de estar ao lado dele,


eu já estava feliz demais, tinha sido constrangedor? Tinha. Mas eu não
podia reclamar muito, passei um tempo de qualidade com ele sem pagar
mico diante dele, eu já estava satisfeita demais. Tae sorriu ladino e o
silêncio se instalou, por que o silêncio fazia isso com a gente? Aparecia
bem na hora em que a coisa ficava difícil de lidar.

— Eu já vou entrar... — anunciei, mas no fundo sabia que, na


verdade, eu queria que ele me impedisse de entrar.

— Posso te perguntar uma coisa antes? — A voz dele não passava


de um sussurro. Engoli em seco, era bomba, pode ter certeza!

— P-Pode — gaguejei para completar a minha desgraça.

— Por quê? Por que me rejeitou? — Eu disse que era bomba!


Suspirei, como eu explicaria para ele que eu era uma idiota sem me
rebaixar muito?

— Não sei, na verdade. — Ser sonsa era a minha profissão nas horas
vagas e eu utilizei disso para fugir da pergunta. — Eu só...
— Só...? — incitou-me, mostrando que não desistiria da verdade
facilmente.

— Não acreditei que estava mesmo acontecendo. — Dei-me por


vencida, confessar isso fazia-me sentir meio ridícula. Ele sorriu, o safado
achava divertido minha derrota?

— Não entendo... — Foi aí que eu percebi que ele queria ouvir,


queria ouvir que eu tinha uma queda de quilômetros por ele, mas eu não
diria isso, nem ferrando eu confessaria como eu era uma idiota
ridiculamente apaixonada por meu vizinho.

— Boa noite, Kim TaeHo — falei, tentando desesperadamente fugir


do assunto e virei de costas para abrir a porta da minha casa. Ele recostou
na soleira da porta, exatamente como estava quando eu a abri hoje mais
cedo, encarando-me e, mesmo que eu não estivesse olhando para o rapaz de
mullet, sob seu olhar felino e intenso, quase sexual, eu não consegui me
concentrar o suficiente para digitar a senha da porta sem errar no mínimo
três vezes. Consecutivas!

— Esqueceu a senha de novo? — debochou, soltando uma lufada de


ar quente em forma de riso que me acertou em cheio. O debochado estava
rindo do meu nervosismo na minha cara.

— Não — respondi quando, enfim, consegui pôr a senha

certa.
— Mas esqueceu de uma coisa — disse, encarei-o por um momento,
não entendendo nada.

No segundo seguinte, um monte de coisa aconteceu e eu não fui


capaz de raciocinar sobre nenhuma delas com clareza. Kim TaeHo me
puxou pela cintura, colocando meu corpo colado ao dele, seus lábios
entreabertos me davam a visão de sua língua passeando por entre os dentes
de uma forma afrontosas e desnecessária, a mão livre dele se colocou bem
na minha nuca, prendendo-me ali, rente ao seu corpo e olhando para ele.

— Posso te dar um motivo para acreditar que está mesmo


acontecendo? — perguntou e inicialmente não entendi, mas eu já nem
estava mais ligando se eu entendia ou não algo, meu corpo estava colado ao
dele e isso já era o suficiente para mim.

Mas então eu percebi que ele não deixaria a oportunidade da outra


noite passar, ele não deixaria que eu me afastasse por incredulidade. A mão
na minha nuca puxou meus cabelos para baixo sem usar da força, apenas de
uma forma que fizesse minha cabeça tombar e meu pescoço ficar à mostra.

Então sua língua passeou pela pele do meu pescoço, fazendo-me


tremer inteira, da planta do pé até o último fio de cabelo existente no meu
corpo. O toque úmido queimava como lava descendo vulcão abaixo e um
suspiro sôfrego saiu da minha boca.
Oh, sim! Estava mesmo acontecendo, não tinha como negar, não
depois de uma carícia tão intensa assim que quase fez meu coração
explodir.

— Agora você acredita? — perguntou, sussurrando em meu ouvido,


com a voz grossa, arrastada e sensual, depois se afastou para olhar em meus
olhos e afrouxou o aperto em minha nuca. Assenti, completamente tomada
pelo torpor que a carícia dele me causou. O braço ainda envolto em minha
cintura me apertou mais para junto dele e minha boca roçou na sua. Um
sorriso travesso brincou em seus lábios enquanto ele passava a língua entre
os meus lábios de uma forma tão erótica que simulava quase um sexo oral,
a gente ainda nem tinha se beijado de verdade e eu já entendia a sensação
de loucura que eu sentia antes de sair com ele.

Kim TaeHo era perigoso.

Insana e deliciosamente perigoso.

Um perigo que eu não tinha medo de me jogar, um perigo que me


fazia perder o fio do raciocínio, que me fazia cair de joelhos entregue, um
perigo que me fazia ansiar na boca do estômago e em partes específicas, por
mais. Muito mais.

A mão que estava na minha nuca escorregou pelo meu rosto até
chegar em minha clavícula, apertando meu ombro com uma intensidade que
fazia meus ossos derreterem e então seu lábio roçou no meu de novo.
Kim TaeHo esperava que eu não fugisse, que ficasse, que atendesse a
sua expectativa e, sinceramente, a vida já tinha me dado oportunidades
demais para que eu desperdiçasse todas elas sem aproveitar. Passei meu
braço em volta do pescoço dele e acabei com a droga da distância que ainda
existia entre nós, com fome de Kim TaeHo, o beijei, deixei tudo de mim
para ele, sugando sua língua com vontade enquanto sentia seus dedos
apertarem as carnes da minha cintura.

Eu não podia acreditar que estava de amasso com meu vizinho na


porta do meu apartamento, não podia acreditar como Kim TaeHo era ainda
mais gostoso quando se podia tocar livremente nele, não podia acreditar em
como os lábios dele eram macios e úmidos enquanto devoravam os meus
com uma fome recíproca. Não podia acreditar que era recíproco. A
reciprocidade nunca tinha sido tão boa antes!

Um gemido rouco saiu da garganta dele quando o beijo foi


interrompido.

Eu ofegava como se tivesse corrido a maratona mais longa da minha


vida, mas ele também ofegava e era prazeroso de ver como seus olhos
estavam anuviados pela mesma luxúria que me tomava. Meu vizinho
mordeu o lábio inferior, sorrindo para mim, um sorriso que fez meu mundo
todo girar bêbada, mas não de álcool e sim dele.

— Acho que agora é a hora do boa noite — disse. Sorri para ele de
volta. Kim TaeHo não tinha pressa e ia jogar comigo
um jogo baixo e cruel, estava na cara, ele não ia me dar tudo o que eu
queria de uma vez só.

Seus lábios se uniram uma vez mais aos meus, antes que ele pudesse
me soltar de vez e suspirar.

— Durma bem — desejou-me. E eu não podia acreditar que, depois


desse show de sexualidade, sensualidade e tensão sexual ao extremo, ele ia
simplesmente me deixar entrar. Ele achava mesmo que eu ia dormir bem
depois do que tinha acabado de acontecer aqui?

— Boa noite — falei incrédula.

— Eu te ligo — anunciou enquanto dava três passos para alcançar a


porta de seu apartamento. — Entra primeiro — disse e eu sorri como uma
idiota, digitando de novo a senha da porta, que dessa vez acertei de
primeira, abrindo-a. Olhei para ele mais uma vez, que gesticulou para que
eu entrasse e foi o que eu fiz, porém dei mais uma olhada nele antes. Entrei
e escorreguei as costas pela porta até sentar no chão tomada pelo torpor da
incredulidade. Levei minha mão à boca sem acreditar no que tinha
acontecido.

Eu e Kim TaeHo...? Quem em sã consciência imaginaria algo assim?

Uma mensagem chegou no meu celular, fazendo-o vibrar e eu o


peguei de imediato. Eu não conhecia o número, mas, pela mensagem,
consegui imaginar de quem seria.
"Não se atreva a não sonhar comigo essa noite".

Mordi o lábio, tentando conter o enorme sorriso que se formava em


meu rosto, o que eu poderia responder a ele que seria à altura de suas
expectativas? Tentei pensar em algo rápido.

"E quem foi que disse que eu vou conseguir dormir essa noite?"

Mandei de volta para ele, sentindo-me uma adolescente apaixonada.

"Eu só não quero mais pular etapas, devagar é mais gostoso".

Enviou-me como justificativa para a sua atitude, na verdade, eu


achei fofo e bom, eu não podia discordar.

"Definitivamente devagar é mais gostoso".

Respondi de volta, totalmente ruborizada pela minha atual falta de


vergonha. Esperei um pouco e, vendo que ele não respondeu mais nada,
joguei-me na minha cama. De repente, o som de jazz suave e baixo tomou
conta do meu quarto, ele estava ouvindo música, olhei para a hora no meu
celular, passava das onze e Kim TaeHo me agraciava com seu bom gosto
musical no dia em que eu mais quis que ele me agraciasse com seus
gemidos.
Eu ri da ironia, mas estava feliz depois de ele ter me agraciado com seus
beijos.

Embalada pelo torpor que sentia por todas as emoções intensas e


misturadas de uma vez só e pelo jazz suave e quase melancólico, acabei
adormecendo, e não foi ruim, afinal naquela noite eu acabei por sonhar com
Kim TaeHo.
Apaixonada por ele

Ser adulto e independente tinha suas vantagens, a privacidade, o silêncio, os


horários próprios, a bagunça organizada

à sua forma, ninguém te mandando lavar a louça, tudo isso era bom, era vantajoso,
porém morar sozinha significa estar sempre sozinha.

Pagar as contas por exemplo, ter que lavar a louça ou elas apodreceriam na
pia, eram momentos de desvantagem e, claro, o momento onde mais precisava ter
alguém comigo era quando adoecia (coisa rara). Nesses momentos, era quando mais
lembrava de como era bom ter o conforto do lar e dos pais, fazendo sopa quente para
aquecer a garganta inflamada, trazendo remédio na cama e dando amor para que
fiquemos melhor mais rápido.

Nesse momento, senti muita falta de casa.


Não sei se era a febre ou a dor na garganta, mas eu me sentia mais sozinha do
que nunca e isso não era legal. Queria minha mãe, queria seus cuidados, queria
remédio na cama e uma sopa quente.

Revirei-me na cama, buscando uma posição confortável, talvez se apenas


dormisse o fim de semana todo, acordaria melhor na segunda para ir trabalhar.
Talvez fosse uma boa ideia, se insistentes batidas na porta do meu
apartamento não tivessem me despertado e me feito vagar pela casa como
um zumbi até abri-la. Por um momento, após abrir a porta, pensei que a
febre estivesse me fazendo ter alucinações, mas o latido fino do pequeno
Morris me fez perceber que não, eu não estava alucinando.

Kim TaeHo estava recostado na soleira da minha porta, usando uma


blusa branca de algodão que o fazia parecer um anjo, com seu cachorro de
pelos negros no braço e um punhado de DVDs na mão. Meu vizinho sorriu
ladino para mim e depois percorreu seus olhos pelo meu corpo, soltando
uma risada leve e gostosa na sequência.

— Eu sabia que você gostava de se sentir confortável, mas juro que


não esperava ser recebido por você usando pijamas — disse, adentrando o
meu apartamento e soltando o pequeno peludo no chão.

— A gente marcou alguma coisa? — perguntei, ouvindo a minha


voz rouca saindo de forma arrastada. Ele se virou para mim, encarando-me.

— Você está bem? — perguntou e, no segundo seguinte, sua mão já


estava na minha testa. — Caramba, você está com febre! — constatou. —
Você está doente. Por isso não respondeu às minhas mensagens? —
aquiesci, balançando a cabeça
minimamente. — Já tomou remédio? — neguei. — Como você está com
febre e não toma remédio?

— Eu não tenho aqui comigo — respondi, dando um pigarro.

— Vá para a cama, eu vou comprar remédio para você e volto já. —


Nem pestanejei para obedecê-lo, joguei-me em minha cama, sentindo o
cachorro deitar do meu lado como se pertencesse

à casa esse tempo todo. Eu ri, o cachorro era tão folgado quanto o dono.

Sentia-me leve, como se tivesse tido um sonho bom. Um sonho onde


Kim TaeHo cuidava de mim enquanto me sentia doente, um sonho onde ele
era carinhoso e atencioso o suficiente para me acordar e me dar remédio,
colocar um pano úmido na minha testa e ficar do meu lado, segurando a
minha mão até que eu me sentisse melhor. Um sonho onde o Morris dormia
a noite toda comigo e era confortável o calor que emanava dele.

Rolei em minha cama, esfregando os olhos antes de abri-los, não


sentia mais tanta dor de garganta e nem dor de cabeça, mas uma leve tosse
que escapou depois de uma coceira na minha garganta me fez lembrar que
eu ainda estava doente.
— Ah, você finalmente acordou. — A voz angelical do meu vizinho
me trouxe para a realidade. Ele estava de pé diante de mim e enxugava as
mãos em um pano de prato, que reconheci ser meu, e ainda usava a blusa de
algodão branca, parecendo um anjo tão bonito quanto nos meus melhores
sonhos. — Comprei sopa para você e acabei de esquentar, não sou bom com
comida, mas não deixei queimar — falou de um jeito fofo e depois sorriu,
não só com os lábios, mas também com os olhos.

— Você passou a noite aqui? — perguntei incrédula.

— Sim — respondeu. — Fiquei preocupado que a sua febre não


passasse e você precisasse ir ao médico, mas dormi no sofá. Quem dormiu
na cama foi o Morris-ah — defendeu-se. — De novo você me fez dormir
no sofá — brincou com uma voz chorosa, por fim. Eu ainda estava meio
grogue e foi difícil raciocinar sobre Kim TaeHo cuidando de mim e
dormindo no meu sofá, mesmo que sua casa fosse ao lado da minha e
mesmo que eu não me importasse se ele tivesse dormido mesmo em minha
cama.

Sentei na beirada da cama, assistindo ao pequeno Morris brincar


com a barra da calça de TaeHo. Ele estava mesmo aqui? Dentro do meu
quarto, depois de ter mesmo cuidado de mim a noite toda? Eu não tinha
sonhado? Estava me sentindo bem porque ele realmente tinha cuidado de
mim?

— Eu vou te esperar na cozinha — anunciou, saindo do quarto. O


engraçado era que o ambiente parecia um pouco menos iluminado e um
pouco mais vazio sem ele ali, como se a minha
casa fosse marcada com a sua presença, do mesmo tanto que a minha vida
estava sendo. Como se, sem ele, não fizesse mais sentido.

Depois de um banho e de escovar os dentes, me sentia um ser


humano de novo. Caminhei preguiçosamente para a cozinha, esperando que
tudo ainda fosse fruto da minha imaginação febril, mas não era, ele estava
lá, exatamente como tinha dito que faria: na cozinha, com um pano de prato
no ombro, colocando duas torradas em cima de um prato na bancada da pia.

— Bom dia — disse de forma calorosa e custei a acreditar que esse


era mesmo o meu vizinho de áurea sexual. Ele era outra pessoa hoje, e vou
começar pelo tom de voz. Algumas oitavas menos graves, doce e acolhedor,
com uma pitada quase infantil!? O que estava acontecendo? Estaria eu
ainda com febre?

— Bom dia — respondi, sentando na cadeira junto à mesa, ele fez o


mesmo, sentando na outra que formava o par de cadeira da minha cozinha.
— Eu ainda não acredito que você passou a noite aqui — falei incrédula e
em um tom divertido.

— Tínhamos combinado de ver filme ontem quando eu chegasse do


trabalho, não lembra? — perguntou.

Uma semana tinha se passado desde que nos beijamos na porta do


meu apartamento e não tínhamos tido tempo de nos ver desde então. A vida
continuava corrida como sempre e a única forma de nos comunicarmos era
por mensagem ou ligação, eu
passava o dia todo trabalhando e ele quase que a noite toda. Quando Tae
chegava, eu já estava me aprontando para ir dormir e, quando eu saia, ele
ainda estava dormindo. Para piorar, ele estava fazendo horas extras no
trabalho e chegando bem depois da meia-noite. Totalmente na contramão
para nos vermos.

Devido ao mal estar de ontem, não tinha me lembrado que iríamos


assistir a filmes juntos e, depois de uma breve discussão no Kakao sobre
qual filme assistir e em que casa iríamos assistir, ficou decidido que seria
na minha e que ele traria seus filmes favoritos para que escolhêssemos um.

— Eu esqueci completamente — falei, franzindo o cenho.

— Me desculpe...

— Ah, não, tudo bem. Não peça desculpas, eu sei que você não
estava bem — disse. — Não era o que eu tinha planejado para ontem à
noite, mas tudo bem. — Lançou uma piscadela na sequência, dando uma
mordida de sua torrada. — Coma, sua sopa vai esfriar.

Eu não conseguia acreditar que mal o sol tinha nascido e eu já me


sentia mais apaixonada por ele, meu coração batia rápido e estava, de certa
forma, comovida. Kim TaeHo tinha comprado remédio e sopa para mim no
dia em que me sentia mais sozinha, ele tinha ficado do meu lado e cuidado
de mim, até mesmo segurou a minha mão, e não importa se isso eu imaginei
ou não, a presença dele me fez bem demais e estava grata.
— Obrigada — falei, sentindo minha voz embargada. Não acredito
que queria chorar. Ele sorriu para mim enquanto mastigava fazendo um
bico fofo, então sua mão veio até o alto da minha cabeça e assanhou meu
cabelo ali.

— Hoje é o meu dia de folga, o que devemos fazer? — perguntou


despreocupadamente.

— Sério que você recebeu folga em um domingo? — perguntei


impressionada.

— Fiz muitas horas extras essa semana, então pedi compensação —


explicou. Senti-me orgulhosa em saber que ele era um jovem trabalhador.

— Não pensei que fosse me incluir em um dia inteiro de folga seu


— soltei, tirando uma colherada da sopa.

— Eu quis incluir você em todos os meus dias nas últimas semanas,


então... — soltou de volta. Segurei o riso, mordendo os lábios de forma
envergonhada e suspirando na sequência. Ele falava de forma tão natural e
calma, era ridículo. Não havia nenhum sinal de que fosse brincadeira ou
piada e nem de que estivesse arrependido de ter falado tal coisa. Sentia-me
no céu com a forma que flertava comigo.

— Por que você disse que fiz você dormir no sofá pela segunda vez?
— Precisava perguntar algo, qualquer coisa para não deixar o silêncio se
instalar entre nós dois.
— No dia em que você dormiu na minha casa, não achei que fosse
apropriado dormir na cama com você só de calcinha e sutiã, bêbada, depois
de ter feito um streaptease...

— Entendi — interrompi-o rapidamente, arrependida de ter feito


uma pergunta idiota. Ele riu.

— E hoje fiquei preocupado em não invadir o seu espaço

— explicou.

— Que cavalheiro, Kim TaeHo — cantarolei de forma fofa para ele,


subitamente me sentindo melhor, a sopa quente e sua companhia estavam
me ajudando muito no processo de cura quase que instantâneo.

— Não queria sufocar você — tendo dito isso, seu dedo indicador
encontrou minha costela, fazendo cócegas em mim e, com o susto, afastei a
mão dele. — Você tem cócegas? — perguntou rindo. — Desculpa, mas... —
Meu vizinho ficou de pé, colocando as duas mãos na minha cintura,
causando-me mais cócegas. Tentei me esquivar dele inutilmente,
começando a rir no processo. — Eu adoro fazer cócegas — falou ao me
liberar de sua tortura, dando um beijo no alto da minha cabeça de uma
forma fofa. Que saco! Por que ele fazia essas coisas fofas que me faziam
querê-lo mais ainda?

— Nem tudo é bom sobre você, afinal? — alfinetei, tentando me


recompor após o ataque de cócegas.
— Como assim? — perguntou, pegando o copo de chá que tomava e
levanto até a pia. — Você está me dizendo que tudo sobre mim é bom? —
O maldito era esperto demais.

— Não — respondi e Tae ergueu uma sobrancelha sugestivamente


para mim, mostrando não estar convencido da minha resposta. — Sim. Até
segundos atrás, sim. — Dei-me por vencida, levando mais uma colherada
de sopa à boca.

— Oh céus, acabei de manchar minha reputação. — Fez uma careta


engraçada como quem chora. Ri dele. O idiota é bonito até fazendo careta.

— Talvez — falei.

— O que eu posso fazer para melhorar minha reputação? —


perguntou-me e me vi perdida nesse Kim TaeHo diante de mim, realmente
não conhecia esse lado brincalhão dele.

Realmente cheguei a pensar que tudo sobre ele fosse apenas sexo,
tensão, nervosismo e transpiração excessiva, mas novamente estava muito
enganada. Como julgava mal um homem que amava A Noite Estrelada e
jazz? Estava bem na cara que ele era mais que apenas um cara para fazer
sexo.

Novamente tive aquela sensação de que o Kim era perfeito para


casar e ter todos os filhos que ele quisesse ter, em uma enorme fazenda
cheia de cachorros, onde pudéssemos ir para uma
colina ver o pôr do sol todos os dias e divagar sobre como a vida era
simples e perfeita do jeito que era enquanto pensávamos como seriam os
nomes dos nossos netos.

É, tudo sobre ele era absurdamente bom.

Tudo sobre ele exalava felicidade e seguridade, era como um abraço


quente em um dia frio, como chocolate quente com muito marshmallow em
cima, era surrealmente bom. Fazia-me pensar que devíamos marcar nosso
casamento para hoje mesmo, que era uma excelente ideia ir a Las Vegas e
ser abençoada por um Elvis Presley da vida. Kim TaeHo me fazia sentir
como se vivesse em um conto de fadas daqueles bem clichês e com finais
absurdamente doces e felizes.

— Só continue — falei, por fim, ficando de pé e levando meu prato


para a pia.

— Continuar o quê? — incitou-me.

— A ser você, apenas seja você — respondi de costas para ele e,


antes que pudesse me virar, TaeHo já estava abraçado comigo, passando
seus braços em volta de mim e me apertando com força junto ao seu peito.
O queixo dele repousou em cima do meu ombro.

— Acredita se eu disser que senti a sua falta? — Sua voz já não era
mais tão doce e acolhedora ao pé do meu ouvido e, mesmo tendo acabado
de comer, senti-me fraca, ainda bem que me
segurava forte junto a ele. Dessa vez não contive o riso frouxo que sempre
se formava em meu rosto quando estava com meu vizinho.

— Não sei quanto a você, mas eu estava com muita saudade. Como posso
estar tão apegado a você em tão pouco tempo? Não entendo! — suspirei,
deixando que cada palavra penetrasse em mim e fizesse meu coração inflar
ainda mais, era revigorante imaginar Kim TaeHo sofrendo de saudades por
mim. Eu que não entendia como conseguia gostar ainda mais dele. Sem
muito esforço, afrouxei seu aperto em volta da minha cintura e girei meu
corpo para ficar de frente para ele.

Seus olhos eram intensos, mas serenos e brilhavam de forma


genuína.

— Acredito. — Encarei-o. — Eu... Eu realmente não consegui


acreditar durante toda a semana que a gente tinha se beijado e cada
mensagem sua me fazia rir como boba. Senti a sua falta em cada segundo
do meu dia, mesmo que você nunca estivesse em nenhum desses segundos
anteriormente. — Não era muito boa com as palavras e esperava que ele
entendesse a forma como me sentia diante dele.

— Acho que eu estou apaixonado — disse de forma séria e


repentina, olhando em meus olhos e juro que pude ouvir anjos cantando ao
longe.

Agora eu podia morrer em paz, Kim TaeHo estava confessando que


sentia algo por mim. Meu vizinho, homem que jamais imaginei chegar nem
perto nessa vida, o homem que me
intrigava e me fazia odiá-lo pela sua vida sexual perturbadoramente ativa,
estava agora, diante de mim, confessando seus sentimentos. Existia plot
twist mais inesperado que esse? Duvido muito!

— Eu tenho certeza — sussurrei.

— Que eu estou apaixonado por você? Que convencida! — brincou,


umedecendo os lábios com a língua de forma lenta e pecaminosa, tão
próximo de mim que eu podia sentir o cheiro da pasta de dente de hortelã
misturada ao seu hálito, mesmo que ele já tenha tomado café da manhã. Ou
seria o chá que tomou?

— Não, que eu estou apaixonada por você — soltei sem pensar e,


mesmo que na sequência meu rosto estivesse vermelho como pimentão pela
vergonha de ter me declarado para si, pelo menos não tinha sido a primeira
a dar esse passo. TaeHo tinha se pseudo-declarado antes. Meu vizinho se
limitou a sorrir de forma tímida, onde estava o Kim TaeHo que exalava
confiança agora?

Seus braços em minha volta se apertaram, trazendo-me para junto


dele e percebi que o Kim ia me beijar. Tentei me afastar dele, impedindo
que me beijasse.

Tae me olhou confuso, vincando as sobrancelhas.

— Eu não quero que você fique doente — expliquei-me, sua


expressão suavizou imediatamente e um sorriso tímido brotou em seus
lábios de novo.
— Não me importa, eu não quero mais esperar — falou, colando a
sua testa na minha. Engoli em seco, passando minha mão pelo seu mullet de
fios macios e puxando levemente ali, então seus lábios encostaram nos
meus hesitantes por um momento, mas foi muito breve porque logo depois
ele sugou meu lábio inferior, me beijando ferozmente.

Não importava quantas vezes eu o beijasse, ou ele me beijasse,


nunca ia conseguir crer em como eram macios e úmidos os seus lábios, em
como era quente e invasivo e em como eu queria mais e mais que nossas
línguas se tocassem e me causasse arrepios.

Em um solavanco, Tae me colocou em cima da bancada da pia nos


deixando da mesma altura e se pôs entre minhas pernas, sem, em momento
nenhum, desconectar nossas bocas, ofeguei satisfeita com a sua ousadia.
Suas mãos grandes seguraram dos dois lados do meu rosto, comandando o
beijo e me deixando toda molhada, não só na boca.

As mesmas mãos que antes seguravam meu rosto, desceram


descaradamente e acariciaram os meus seios. Sem reservas e sem pudor, ele
os apertou e eu gemi.

Doença? Se algum dia eu estive doente, neste momento não


lembrava mesmo e, se algum dia pensei que ele tinha dado cabo do lado
sensual e intenso dele, nesse momento estava certa de que ele estava "mode
on" e me deixando em chamas.
Kim TaeHo era um filho da puta carinhoso, atencioso, fofo,
brincalhão e depois sexy, despudorado, atrevido e intenso. Estava mesmo
muito fodida e ainda não era literalmente como eu gostaria, mas estava
satisfeita em saber que essa situação ia mudar logo mais.

Com pequenos selares, ele foi quebrando o beijo e descendo suas


mãos para as minhas coxas, apertando ali com força, mas o ardor só me
fazia querer mais.

— Eu adoro as etapas — sussurrou com os lábios, roçando os meus.


— Definitivamente devagar é mais gostoso — repetiu a frase que eu havia
usado dias atrás.

Suspirei, olha lá ele brincando descaradamente com meus nervos. A


culpa era minha, não deveria ter concordado com a frase dele, agora ele ia
usar contra mim e me deixar subindo pelas paredes.

Abri meus olhos e vi como seus lábios estavam vermelhos e


salientes, a satisfação tomou conta de mim ao perceber que ele também
estava tão mexido quanto eu e que eu não era a única que desejava muito
isso. Mesmo que de sua boca saíssem palavras contrárias, tinha certeza que,
nesse jogo, ele ia acabar cedendo.

Sorri para si só de pensar que o dia de folga dele estava apenas


começando.
Éramos para ser

O subconsciente de um ser humano podia ser bem irônico, quero dizer, com ele
somos capazes de enxergar o que os nossos olhos não alcançam e de criar imagens, sons e
cheiros que talvez nunca sequer tenhamos sentido, visto ou ouvido, através de sonhos ou
até mesmo estando acordado. Nosso subconsciente é traiçoeiro e, ao mesmo tempo,
benévolo conosco. Ele nos dá exatamente o que queremos, o que depois se torna
justamente a causa da nossa angústia. Nosso subconsciente é capaz de criar o paraíso que
sempre sonhamos, mesmo que seja apenas na nossa cabeça.

A minha sorte é que eu não era tão crente assim na capacidade do meu
subconsciente. Não acho que poderia ser capaz de imaginar determinados toques, cheiros
ou sabores, meu QI não era tão alto (na verdade, bem mediano), mesmo nem sabendo se
QI tem a ver com capacidade de criatividade do subconsciente.
O fato era Kim TaeHo. Não podia ter imaginado a voz dele ao meu ouvido
sussurrando de forma grave as palavras quando queria falar algo comigo, não podia ter
imaginado que o cheiro dele que era tão marcante em um perfume bem masculino, não
podia ter imaginado as mãos espertas dele passeando pelo meu corpo enquanto nos
beijávamos em cima do meu sofá com uma intensidade que me tirava o fôlego em poucos
segundos e me aquecia inteira apenas com a lembrança. E, o melhor de tudo, eu
não era capaz de acreditar que eu estava sentada, assistindo a um filme com
ele enquanto seu braço estava envolto sobre meus ombros e sua mão livre
brincando com meus dedos em cima da minha perna; era impossível que
isso fosse mero fruto da minha imaginação. Não tinha chance de ser tudo
fruto do meu subconsciente. Kim TaeHo era real demais e intenso demais,
de uma forma que nunca nem imaginei ser possível, sua presença era forte e
marcante em tudo o que ele tocava, inclusive na minha pele.

Essa manhã acordei adoentada, mas parecia que tinham se passado


anos desde a última vez que estive doente. Eu estava em chamas, mas era
pela forma íntima como meu vizinho me acolhia em seu abraço e como sua
mão grande de dedos compridos brincava com a minha, ora entrelaçando
nossos dedos, ora fazendo pequenos círculos na palma de minha mão. E
ainda tinha o pequeno Morris deitado sobre nossos pés no chão de madeira
do meu apartamento para tornar tudo o mais realista possível. De repente,
tudo passou a fazer sentido e era como se TaeHo sempre estivesse ali e
sempre fizéssemos isso.

Não sei sobre o que o filme falava, sequer me lembrava do título,


tudo o que queria mesmo era desesperadamente aproveitar do calor do
corpo dele, queria inalar o cheiro de sua pele, observar cada detalhe, tocá-
lo, sentir a textura macia da blusa branca que usava e que caía com graça
sobre si. Ouvir a sua respiração pesada e constante. Nesse momento tudo
era ele e era bom assim, não queria parar, nem deixar de aproveitar tudo.
De repente, o braço dele saiu de cima de mim enquanto se
espreguiçava e eu me endireitei no sofá para dar-lhe algum espaço.

— Ah, eu tô com fome — disse. — Tem o que para comer?

— perguntou, olhando-me e eu fiquei encarando o rapaz a minha frente de


volta completamente perdida em como era fofo quando não estava tentando
me matar de tesão. Quando TaeHo falava, os lábios dele formavam um bico
fofo e as bochechas ficavam redondas a um ponto de me fazer querer
apertar, isso era fofo demais e não dava para ignorar. Como meu vizinho
podia ser um cara sexy e fofo ao mesmo tempo? Era possível mais alguém
no mundo ser assim? — Que foi? — Ele percebeu que eu o encarava sem
dizer nada.

— Nada — respondi em meio a um suspiro.

— Nada o quê? Não aconteceu nada ou não tem nada para comer?
— questionou-me e eu ri.

— As duas coisas, não acho que tenha nada verdadeiramente


gostoso para comer aqui — falei.

— Na verdade, tem — disse de forma maliciosa, engrossando a voz


e eu já entendia depois de algumas vezes ao lado dele, que voz grossa
significava malícia na mente. — Mas eu considero isso... — seus olhos
percorreram pelo meu corpo sem pudor nenhum enquanto ele umedecia
lentamente seu lábio inferior para, então, concluir sua frase: — uma espécie
de sobremesa. — Kim TaeHo era tão descarado quando queria. Rolei
os olhos, tentando disfarçar o quanto isso fazia o meu coração acelerar e me
causava satisfação, inflando o meu ego ao nível máximo.

— Acho que teremos que ir ao mercado. Que tal? — desviei o


assunto porque sabia que mais um segundo sob o olhar dele e minhas
bochechas começariam a queimar de vergonha. Ele ficou pensativo por um
momento, depois suspirou.

— Tudo bem — falou, ficando de pé e esticando o corpo mais uma


vez depois de bocejar. — Vamos ao mercado.

A parte engraçada de ir ao mercado com o TaeHo era que ele parecia


uma espécie de modelo do mercado, andando enquanto empurrava o
carrinho despreocupadamente, olhando as prateleiras e pensando sobre o
que comeríamos, me fazia sentir como se estivéssemos em um drama
daqueles bem fofos em que o casal é shippado por todo mundo.

— A gente pode comer Galchi Jorim? — perguntou, olhando para a


prateleira de peixes congelados diante de nós.

— Galchi Jorim? — questionei.


— Sim, você sabe fazer? — Olhou-me de forma inocente, quase
como aquelas crianças que pedem para os pais comprarem o que eles
querem, era impossível resistir àqueles olhos grandes e inocentes. Sim, eu
pensei inocentes, porque ele tinha um lado inocente que me matava de
fofura e fazia meu coração derreter inteiro por si.

— Sim, eu sei fazer — respondi à sua pergunta. — Mas não

é um prato simples — conclui.

— Hey, prometo que eu compenso você mais tarde — disse se


aproximando de mim, depois de largar o carrinho do mercado, roçando
minimamente seus lábios nos meus e me pondo em combustão rapidamente.
Esquece a parte do inocente, pensei comigo mesma. Botei minhas mãos em
seu peitoral e o empurrei para que se afastasse de mim, não estávamos em
um local apropriado para esse tipo de clima, mas também porque eu não iria
conseguir me controlar assim.

— Tudo bem. Eu vou fazer Galchi Jorim para a gente comer. —


Dei-me por vencida, primeiro porque eu gostava de comer Jorim e segundo
porque eu realmente queria ser recompensada mais tarde e este último
pensamento me fez sorrir involuntariamente.

— Podemos levar um pouco de sorvete também? — Ri dele,


novamente me perguntando como podia ser tão fofo depois de quase me
devorar com os olhos dentro do mercado e me prometer compensações que
não eram nenhum pouco inocentes?
Cozinhar e comer ao lado do TaeHo eram novidades suculentas para
mim, digo, quem diria que acabaríamos assim? Cozinhando — ele apenas
me observando, porque não tem talento nenhum para a cozinha — e depois
comendo enquanto conversávamos sobre coisas do dia a dia, sobre a sua cor
favorita e sobre seu sonho de se tornar fotógrafo e viver disso, com o
pequeno peludo no nosso encalço atrás de ganhar um pouco de sobras como
petisco.

— Estou bem satisfeito de ter conseguido essa folga, sabe?

— disse enquanto esfregava um prato e eu esperava para poder secá-lo


porque, sim, estávamos sendo clichês ao ponto de lavarmos a louça juntos
como se isso fosse uma das coisas mais divertidas do mundo e, bem, ao
lado dele era mesmo. Depois do Kim, lavar a louça nunca mais seria do
mesmo jeito. — Eu estava mesmo precisando de um dia assim.

— Desculpa desviar o assunto, mas estou até agora me perguntando


como sobrevive sozinho se é tão ruim na cozinha. Francamente... — Isso
não saía da minha cabeça logo após perceber que a única coisa que ele fazia
bem era colocar o arroz no micro-ondas. TaeHo soltou uma risada grave e
curta, que ecoou pelo meu pequeno apartamento trazendo paz e calmaria ao
ambiente conturbado por sentimentos ambíguos e intensos.
— Eu trago comida do restaurante e a torrada eu não deixo queimar,
sei fazer e tirar da torradeira no tempo certo — disse orgulhoso. — E antes,
minha ex-namorada sempre cozinhava para mim. Agora é você quem vai
cozinhar para mim? — Ele girou o rosto para me encarar, fazendo com que
seu mullet balançasse minimamente.

— Então é isso o que você está fazendo aqui? Está atrás de uma
cozinheira? — brinquei, colocando um tom de desconfiança exagerada em
minha voz.

— Yah... — O dedo cheio de espuma dele encontrou o meu nariz,


sujando-me ali. Ele parecia não ter gostado muito da minha brincadeira. —
Eu praticamente te peço em namoro e você fica de piadinha?

— Eu tava brincando — falei, tentando consertar o clima entre nós,


então levei minha mão até a espuma e também espalhei um pouco no rosto
dele. — Se vai me pedir em namoro, faz isso direito — concluí, soltando
uma risada em seguida ao ver como ele ficou todo sujo de espuma de
detergente.

— Tá bom, vou pensar em algo bacana — falou, por fim, e no


segundo seguinte passou as duas mãos cheias de espuma de detergente no
meu cabelo. Abri a boca perplexa que ele tenha tido coragem de fazer algo
assim comigo mesmo.
— Você não fez isso, Kim TaeHo — falei perplexa. Ele abriu um
sorriso enorme e travesso, fazendo com que suas bochechas ficarem
gordinhas e seus olhos minúsculos. — Filho da mãe. — Coloquei minha
mão dentro da pia e depois joguei a água ensaboada nele, começando assim
aquela deliciosa guerra de sabão e mais uma vez me vi envolvida em
momentos clichês com ele.

Coloquei um banquinho no meu quarto e obriguei meu querido


vizinho a me ajudar a secar os meus cabelos porque, depois da espuma e da
bagunça que fizemos na cozinha, eu tive que lavar meu cabelo enquanto ele
aproveitou para ir em seu apartamento trocar de roupa, depois que o
expulsei do meu banheiro quando ele já estava pronto para tirar a roupa e
invadir o meu banho. Aleguei que devagar era mais gostoso, só que, na
verdade, aproveitei toda a situação para pôr minha depilação em dia.

Se ia rolar algo, então eu tinha que estar preparada.

Era estranhamente reconfortante enquanto ele secava o meu cabelo.


Novamente senti que essas coisas eram corriqueiras entre nós, não era
como se fosse a primeira vez que o Kim estivesse fazendo isso. Kim TaeHo
combinava tão bem com todo o ambiente do meu apartamento e se
encaixava tão bem em todos os momentos do meu dia que chegava a ser
assustador.
Era algo que eu nunca tinha sentido antes, esse envolvimento, essa
sensação de que eu era incapaz de lembrar como a vida era antes dos
momentos consigo, como se Kim TaeHo completasse, com perfeição, cada
espaço antes vazio, como se fosse para ser.

E enquanto ele secava os meus cabelos, percebi que talvez a gente


sentisse mesmo quando algo era para ser, não era estranho, nem invasivo,
era reconfortante e eu apenas queria mais. Talvez fosse apenas cedo demais
para pensar em ser algo com ele, mas talvez simplesmente não houvesse
tempo para ter certeza sobre algo que já é!

— Acho que consegui fazer um bom trabalho — disse, após desligar


o secador. Encarei-me no pequeno espelho de mão, vendo que, sim, ele
tinha feito um bom trabalho.

— Muito bem, Kim TaeHo, gostei. — Sorri para si.

— Ah, não... — Ele rapidamente sentou na beirada da minha cama,


encarando-me. — Não me chama pelo meu nome completo, é estranho e
formal demais para nós dois. — Olhei-o confusa.

— Então como quer que eu te chame? — perguntei curiosa,


inclinando minha cabeça levemente para o lado, o que fez ele rir de mim.
— Que fofa! — soltou. — Tae-ah. Só as pessoas mais próximas a
mim me chamam assim e... — ele hesitou um pouco antes de falar: — Você
se aproximou tanto que tocou meu coração, então tem todo o direito de me
chamar assim. — Mordi o lábio inferior, tomada novamente pela satisfação
e pelas borboletas no estômago com as coisas que falava. Toquei seu
coração? Toquei mesmo?

— Tae-ah? — repeti, tentando deixar o apelido fluir com


naturalidade e maciez entre meus lábios. O rapaz de mullet deu um sorriso
ladino, parecendo satisfeito com a forma como seu apelido soou.

— Posso te fazer uma pergunta? — soltou de repente, endireitando


a postura.

— Manda. — Aproveitei a quebra do momento para ficar de pé e


guardar meu secador.

— Você gostava de ouvir os gemidos que vinham da minha casa? —


Estava de costas para ele e não pude deixar de me sentir impressionada com
a cara de pau do indivíduo de me perguntar tal coisa. Semicerrei meus
olhos, consternada.

— Não vou responder a essa pergunta — falei ainda de costas para


si e, depois de guardar meu secador na primeira gaveta da cômoda, virei-me
para encará-lo. TaeHo me olhava de forma desafiadora, quase como se
minha resposta tivesse aguçado ainda mais a sua curiosidade.
— Ok, então me responde outra? — perguntou, ainda com o sorriso
ladino no rosto.

— Depende. — Hesitei. Ele abriu um sorriso mais farto, mostrando


um lado malicioso, já conhecido por mim. Tae percebeu que sua pergunta
me desconcertou e pareceu gostar disso. Respirei fundo, esperando que ele
não fosse mais tão cara de pau assim, só que, no segundo seguinte, duvidei
da minha fé.

— O que você fazia quando ouvia os meus gemidos? — Não


consegui segurar a risada que veio na sequência à sua pergunta. Talvez um
pouco de óleo para polir madeira fosse necessário para deixá-lo ainda mais
brilhante bem no meio desse rostinho lindo. Kim TaeHo era inacreditável.

— Eu não vou dizer aquilo que você quer ouvir — rebati, desviando
o olhar.

— Nem precisa, você já respondeu. — Deu de ombros, ficando de


pé. Mordi a parte de dentro da minha bochecha completamente encurralada,
sim, de certa forma não era mais necessário dizer nada porque sendo um
pouco inteligente já daria para perceber que eu não queria responder porque
tinha culpa no cartório. O dia estava bom demais para ser verdade, eu ainda
não tinha gastado minha cota de frustrações e pagação de mico diante dele.
— Por que me fez essas perguntas? — Meu vizinho se aproximou de
mim, parando bem na minha frente, olhou para além de mim, mirando a
parede enquanto pensava, seus lábios curvados para baixo, bem pensativo.

— Eu estava apenas curioso — disse, por fim, dando de ombros.

— No começo, eu gostava — ouvi-me dizer e arregalei os olhos ao


perceber que as coisas simplesmente estavam saindo da minha boca sem a
minha permissão. O rapaz me olhou verdadeiramente curioso, um brilho de
satisfação faiscando em seus olhos. — Mas depois eu passei a odiar —
completei. Ele sorriu.

— É bem a sua cara — conclui pensativo.

— Por que bem a minha cara? — debochei da forma como ele falou
as últimas palavras.

— Você é difícil de entender, gosta e não gosta, está bêbada na sala


da minha casa falando que está apaixonada por mim e depois foge, essas
coisas... — Deu de ombros e eu abri minha boca surpresa com o que ele
tinha acabado de falar. Como assim falando que está apaixonada?

— E-eu o quê? — gaguejei. Tae soltou uma risada rouca e terminou


de encurtar a distância entre nós, me abraçando e me puxando para junto de
si, fiquei estática dentro do seu abraço ainda
chocada com o que tinha acabado de revelar. Então no final das contas tinha
mesmo aberto a minha boca gigante e contado tudo para ele naquela noite
em sua casa?

— Está tudo bem, não é como se eu não tivesse gostado de saber —


sussurrou perto do meu ouvido, sua voz rouca me arrepiou por inteira, mas
seu tom não era sensual e tentador, era quase doce, romântico e acolhedor.
Afastei-me dele para poder olhá-lo. Essa era uma sensação nova, me sentir
acolhida com aquela voz grave que, na verdade, me umedecia inteira. A
ambiguidade dos meus sentimentos era assustadora. — Depois daquele dia,
eu realmente passei a gostar de saber que você gostava de mim.

— Tae... — Foi a única coisa que conseguiu sair da minha boca.


Estava verdadeiramente surpresa que ele soubesse dos meus sentimentos há
tanto tempo e não tivesse dito nada sobre. Sorri para o rapaz de volta, feliz
de poder ter alguém como ele próximo a mim assim, não só fisicamente,
mas emocionalmente também.

— Eu gostei tanto, tanto, tanto... — TaeHo suspirou. — Que não


paro de pensar que eu quero essa garota louquinha, apaixonada e indecisa
como minha namorada. Quer namorar comigo? — perguntou-me, olhando
em meus olhos.

A verdade é que, antes mesmo de pensar em respondê-lo, pensei em


dizer que não entendia como ele podia ser tão aleatório. Em um momento
estava me fazendo perguntas indecentes e, em outro, estava me perguntando
se queria namorar com ele, mas
pensei que seria estranho estragar o clima com tal observação. Até porque
eu queria muito ser a sua namorada. Não que já não me sentisse como tal,
até porque estávamos nesse rolo há um tempinho já, uma semana para ser
mais exata, porém parecia tempo demais para me sentir como sua namorada
já.

Kim TaeHo estava ali, diante de mim, preenchendo todos os espaços


vazios com a sua presença inebriante, seu calor, seu corpo, sua voz rouca,
seu bom humor e seu cachorrinho de pelos negros. E ele fazia tudo isso sem
nem ao menos pedir permissão, mas não era como se precisasse pedir,
mesmo se nunca pedisse, Kim TaeHo sempre a teria. Teria-me.

Talvez quando algo fosse para ser, fosse bem assim. Não precisava
de protocolos ou anúncios, não precisava ser previamente avisado ou de
permissão. Precisava apenas acontecer naturalmente. Éramos para ser, isso
estava muito na cara.

— Não é como se já não estivéssemos, não é mesmo? — respondi


sua pergunta com outra no lugar. Um sorriso pincelou seus lábios
brevemente antes que ele se inclinasse no alto de sua estatura imponente
diante de mim e unisse os nossos lábios em um beijo sereno e cheio de
significados.

Definitivamente não havia pressa e tudo no que eu conseguia pensar


era: aproveitar essa calmaria, porque a paz jamais duraria para sempre,
porém, enquanto ele estivesse aqui, eu me sentiria segura para me permitir.
Meu vizinho tarado

Será que era mesmo verdade que, quanto mais você convive com alguém,
mais você adquire hábitos e manias dessa pessoa? Porque não havia tanto tempo
assim que eu e TaeHo estávamos juntos, tínhamos menos de um hora de namoro e
eu já sentia os efeitos de conviver com ele. A sua dualidade comportamental estava
afetando meu psicológico e emocional de uma forma que estava começando a achar
que era irreversível.

TaeHo fazia com que me sentisse em uma zona de guerra infinita, cruzando a
linha entre o imaginário e o real, experimentando a sensação de morrer e de estar
mais viva do que nunca, era como cair em queda livre, mas flutuar no céu. Era
chama queimando por dentro das veias e gelo suando minhas mãos com suor gelado
e pegajoso. Era calmaria e tormenta. Leveza e peso. Nítido e embaçado.

Definitivamente não seria mais a mesma. Não precisava conviver com ele
por anos para saber disso, só precisava experimentar dele.

Sinceramente, estar em seus braços fazia com que meus pensamentos mais
sujos, avassaladores e animalescos tomassem conta de mim e, ao mesmo tempo,
com que os sentimentos mais puros e verdadeiros aflorassem. Como isso era
possível? Como
alguém podia estar tão irreversivelmente apaixonado por alguém como eu
estava por ele? Existia mesmo esse tipo de devoção suicida ou eu que
estava sendo exagerada demais?

Enquanto os braços dele me aninham junto a lateral de seu corpo na


cama, comecei a me questionar se meu vizinho, e agora namorado, sentia ao
menos metade dessa confusão que eu estava sentido. Sua mão esquerda
repousava no alto do meu quadril na lateral do meu corpo e a mão direita
segurava a minha bem em cima do seu peito enquanto conversávamos
coisas bobas e triviais sobre a vida, como foi a nossa infância, sobre nossos
pais, sobre os avós dele, sobre nossos sonhos e ele me confidenciou que
queria me levar para conhecer a fazenda de morangos que era dos seus
avós. As costas dele estava encostada sobre a cabeceira da minha cama,
tendo seu peso amortecido pelos meus travesseiros; sua voz era ainda mais
grave e soprosa quando falava baixo e sussurrando, ecoava mansa por todos
os espaços do meu quarto, mente, ouvidos e corpo, tomando posse de cada
pedaço de mim, me empurrando para longe de mim mesma, fazendo com
que eu perdesse meu próprio controle.

Suspirei em meio a minha tormenta, sentindo-me anestesiada pelo


cheiro de seu perfume que se misturava ao amaciante da blusa que usava,
ao desodorante corporal, ao perfume e ao odor natural de sua própria pele.
O cheiro que emanava dele me entorpecia, causava-me um delírio delicioso
e convidativo, novamente me pondo à beira de pensamentos insanos e
mundanos, e de sentimentos puros e honestos.
Deus, em que tipo de cilada eu havia me metido? Nunca tinha me
sentido assim antes.

— Quando pudermos, vamos à Daegu, certo? — perguntou-me,


aumentando em algumas oitavas a sua voz, libertei-me do meu frenesi
pessoal de pensamentos e devaneios e aquiesci com a cabeça. — Tem
alguma chance de você me levar para conhecer os seus pais? — emendou.
Suspirei surpresa com a sua pergunta, remexendo um pouco inquieta, levar
ele para conhecer os meus pais? Tentei imaginar a cena, ninguém ia
acreditar que estávamos namorando, iam dizer que era mentira minha para
fugir das cobranças sobre quando eu me casaria. Ele estava totalmente fora
do padrão com quem costumava me relacionar.

Totalmente.

Demorei para responder.

— Não quer me apresentar para os seus pais? — Não levantei a


cabeça para olhar para ele, mas de soslaio vi que ele me encarava. Seu tom
era quase ofendido.

— Claro que quero — respondi simplesmente.

— Mas...? — Percebeu que havia algo a mais na sentença.

— Mas não tenho confiança de aparecer com alguém tão bonito


diante deles, minha família inteira vai me caçoar a vida inteira, dizendo que
paguei alguém para fingir ser meu namorado
apenas para fugir do "e os namoradinhos?" — falei, formando um beicinho
manhoso entre os lábios.

O Kim se endireitou na cama, sentando, o que me obrigou a sentar


também. Seu semblante era sério e intenso, como se ele quisesse dizer um
monte de coisas que estavam presas, levando-me a pensar que TaeHo ainda
era um mistério para mim sobre muitos quesitos. Engoli em seco diante de
sua presença imponente.

— Sério isso? — questionou-me, parecendo ultrajado. Baixei o olhar


envergonhada. — Se duvidarem, bom, eu convenço eles — disse com
convicção. Voltei a olhá-lo e seu sorriso em minha direção era largo,
retangular e cheio de dentes perfeitamente alinhados, fazia meu coração
bater frenético na caixa torácica e o ar me faltar. Ele realmente queria isso?
Ele realmente queria conhecer os meus pais e estar ao meu lado até
convencê-los de que estávamos juntos? — Qualquer coisa, eu te peço em
casamento na frente deles. — Piscou o olho, desmanchando o sorriso e
olhando-me de forma intensa, brincando com a sua famigerada dualidade.

Maldito, lindo de morrer.

A casualidade em suas palavras pegou-me de surpresa e o rumo que


a conversa tomava era algo que nunca imaginei.

— Não brinca comigo assim! — choraminguei, fragilizada por suas


palavras.
— Eu pareço estar brincando? — Segurou minha mão sem falar
mais nada e levou diretamente até o peito esquerdo, seu coração batia de
forma irregular tanto quanto o meu, sobre a pele macia de seu dorso
esculpido. Não, ele não parecia estar brincando, estava mesmo falando em
conhecer minha família, em casamento, em ficar junto, estava mesmo
tomando a dianteira da situação e deixando claro como se sentia.

Era o mesmo para mim. Não era brincadeira, éramos para ser de uma
forma irrevogável, uma paixão fatal e inevitável nos enlaçou de uma forma
que parecia irreversível.

Era isso.

Era irreversível.

Senti-me marcada por ele, Kim TaeHo escancarou as portas travadas


do meu coração e fez-me perceber que eu não conhecia o sentimento de
amar até me envolver com ele. Jamais imaginei que seguir a trilha de
gemidos incômodos que partiam da casa do meu vizinho me levariam até si.
Jamais imaginei que o crush que tive por ele se tornaria algo tão intenso
assim, em tão pouco tempo me pegaria de guarda baixa, desprevenida e
despida de muros que impedissem isso.

Só que eu mesma não queria impedir. Meus sentimentos por ele


seriam a minha ruína, não tinha como algo tão intenso não ser destruidor,
mas era tão tentador que me vi envolta. Não queria saber o tamanho da
queda, só queria me jogar.
Não o respondi, apenas encurtei a distância entre nós inclinando o
meu corpo e selei meus lábios nos dele, queria mostrá-lo que o levaria a
sério, muito a sério, que estaria com tudo nisso se Kim TaeHo estivesse
também. Solvi seu lábio inferior entre meus dentes e ele soltou um rosnado
baixo em protesto, inicialmente pensei tê-lo machucado, mas, quando senti
as suas duas mãos em minhas costas me puxando mais para mais perto,
entendi que não era um protesto, era um aviso, eu não era a única sensível
ali, não era a única com pensamentos turvos entre o sentimental e o carnal.

Passei meus braços com urgência em volta de seu pescoço, ficando


de joelho na cama e seus dedos deslizaram para debaixo da blusa de flanela
que eu usava, o ato o ajudou a ficar de joelho na cama também, ficamos em
alturas mais proporcionais e minha cabeça girou. Nossos lábios não se
abandonaram um segundo sequer enquanto suas mãos passeavam pelas
minhas costas e meus dedos entrelaçaram-se no mullet de seus cabelos.

A língua que sempre brincava entre seus lábios me provocando


adentrou por entre os meus lábios e brincou com a minha, formando uma
linha de calafrios por minha espinha dorsal e encrespando todos os pelos do
meu corpo quando somado ao toque brutal dele em minha pele. Uma
combustão se formava bem na área do meu ventre e causava-me latência e
ansiedade entre as virilhas.
Eu sabia que estávamos apenas a um passo de levarmos isso para
outro nível, aquele carnal, mundano e sujo que poluíam a minha mente e me
fazia sentir a maior pecadora de todas só porque imaginei tantas vezes em
minha mente e em minhas noites de solidão, estávamos a um passo de
tornar minhas fantasias mais promíscuas e já confessadas reais.

Meus olhos rolaram sobre as órbitas quando os lábios macios e


úmidos dele tocaram a pele do meu pescoço e sua língua fez pressão em
minha carne sensível. Abri a boca completamente entorpecida, era uma
sensação de tesão doloroso que me alucinava. Como apenas com a língua
ele conseguia me enfraquecer daquela forma?

Desfaleci em seu abraço, sentindo o torpor tomar conta de mim e, ao


mesmo tempo, todas as células do meu corpo estarem super sensíveis ao seu
toque grosseiro, íntimo e embrasador.

Nosso beijo tornou-se uma luta entre quem podia aguentar mais sem
fôlego, quem aguentava mais a pressão do coração na caixa torácica.

Rapidamente, praticamente sem largar meus lábios, TaeHo tirou a


camisa e pude enfim desfrutar da brandura de sua pele. Em tons dourados
que ficavam mais fortes nas partes que pegam mais sol, a pele dele tinha
pintinhas negras distribuídas em vários tamanhos, eu já o tinha visto sem
camisa antes, mas por Deus! Seus ombros eram largos e definidos, todos os
desenhos da musculatura da clavícula e do trapézio sob a pele se
sobrepunham
quando ele movimentava os braços me apertando mais forte. Era uma
imagem hipnotizante e curiosamente me excitava. Os traços mais discretos
de sua personalidade me faziam gotejar como gelo perto do fogo.

Eu estava em chamas.

Deixei que minhas mãos passeassem livremente pela sua pele como
se descobrissem ouro, meus dedos formigavam atrás de mais contato. Desci
minha mão e apertei sua nádega, o fazendo rir entre nosso beijo.

— Se você pode... — falou, separando nossos lábios. Abri meus


olhos novamente e sua imagem com os lábios avermelhados, depois de
tantos beijos avassaladores, era mesmo linda. Ele era lindo! Kim fodido
TaeHo era extremamente lindo! Um desgraçado que fazia meu coração
vacilar as batidas apenas com um sorriso ladino cruel e cafajeste. — Eu
também posso! — As duas mãos grandes dele seguraram minhas nádegas
de forma possessiva e até mesmo abrupta as separando um pouco por cima
do shorts que eu usava. — Você é muito gostosa! — vociferou de forma
quase animalesca e me assustei um pouco como esse lado dele, era
literalmente como se quisesse me devorar, mas depois eu ri, entre seus
lábios, do meu pensamento.

Meu vizinho tarado subiu uma das mãos pela lateral do meu corpo
por baixo da blusa de algodão que eu usava e, chegando ao seu destino,
apertou a base do meu seio, gemi em protesto com o contato. Estava muito
sensível, mas ele pareceu apenas gostar
disso, pois usou dois dedos para brincar com meu mamilo rígido. Arfei,
tentando me desvencilhar do contato devido a sensibilidade, o que pareceu
despertar nele seu lado dominador, me prendendo junto ao seu corpo com a
outra mão. O Kim acariciou meu seio com mais intensidade e soltei mais
gemidos e arfares com o prazer agonizante, ele me torturava sem dó e,
quando abri os olhos, pude ver a forma como gostava disso. Seu olhar era
carregado de lascívia e um sorriso cruel e demoníaco era formado em seus
lábios.

O filho da mãe se divertia com a tortura.

Meu namorado levantou minha blusa, expondo o meu seio com o


qual antes brincava e o admirou por um momento, parecendo gostar do seu
novo brinquedo. Não pude esconder a satisfação que me causava ao ver a
forma como me olhava, era realmente excitante.

— Não vai ter real problema se pularmos algumas etapas, não é? —


questionou-me enquanto seus olhos estavam fixos no meu seio desnudo.
Demorei alguns segundos para entender que ele se referia à fraseologia de
mais cedo, "devagar é mais gostoso". Quem se importava com isso, afinal?

— Devagar ou rápido, é mais gostoso quando é feito quando a gente


quer — encorajei-o. Ele entreabriu os lábios brincando com a língua dentro
da boca de uma forma extremamente sensual e irritante, fazia-me imaginar
quais tipos de
fantasias passavam por sua cabeça nesse momento, que tipos de desejos o
tomavam agora.

Logo após um sorriso brotou em seus lábios e TaeHo me encarou.

— Você realmente sabe dizer aquilo que eu gosto de ouvir

— concluiu a sentença, correndo o olhar por meu corpo. A adrenalina fazia


minhas veias dilatarem e pulsarem de forma frenética. A forma como me
analisou quase fez meus olhos rolarem nas órbitas. A atmosfera de tensão
era ridiculamente palpável.

Em um ato de coragem impulsionada pelo tesão e adrenalina, puxei a


minha blusa para cima, tirando-a e expondo meus seios para ele. Não sabia
só falar, sabia fazer também. Minha atitude pareceu agradá-lo, pois ele não
hesitou para apalpá-lo. Suspirei extasiada com a carícia.

Kim TaeHo impulsionou seu corpo sobre o meu usando o seu peso
para que eu me deitasse na cama, meu vizinho voltou a beijar-me e a
acariciar o meu corpo em preliminares agonizantes e viciantes, tudo ardia e
pulsava. Vi-me envolta em uma espiral de umidade e desejo, anuviada pelo
tesão e ensandecida pelo moreno de mullet.

Senti sua ereção roçar em minha perna e não contive meus gemidos
em protesto, era um desperdício ainda não estar tocando nele. Tateei seu
corpo despudoradamente enfiando minha mão por
dentro da calça que ele ainda usava para tocar seu falo enrijecido. Minha
boca salivou, era impossível não salivar diante da espessura e dilatação
dele. Meus pensamentos mais lascivos voltando com força. Eu só queria
logo ele dentro de mim, não queria mais saber dessa história de devagar, só
queria logo Kim TaeHo.

Minha ação teve a reação esperada, com certo desespero ele tratou
de se livrar das próprias calças e, sinceramente? Eu estava tão tomada pela
excitação que nem tomei nota de sua atitude, pois eu mesma estava ocupada
em me livrar das minhas roupas.

— Você gosta do que vê? — perguntou-me diretamente. Aquiesci


completamente hipnotizada. Ele não se deu ao trabalho de esconder a
satisfação que sentia em me ver salivando por sua ereção.

Completamente nua, voltei a ficar de joelhos na cama. Encarei meu


vizinho de pé fora da cama completamente nu também, seu dorso era
perfeitamente esculpido e proporcional. Não havia imperfeição, desde a
barriga magra e lisa, até as pernas com coxas levemente torneadas, os
ombros largos e definidos. Sua mão direita fazia um movimento lento e
perturbador de masturbação no próprio pênis, um ato devasso de
provocação e exibição. O desgraçado tinha muita confiança no que exibia.
Engoli a saliva que se formava em minha boca de forma abundante e mordi
o lábio inferior, completamente entorpecida e hipnotizada pela imagem
explicitamente pornográfica.
— Se deita — ordenei, sem hesitar. Tae me olhou confuso por um
momento, não parecia querer obedecer a minha ordem. — Se deita! —
repeti. Assim ele o fez, deitou na cama diante de mim, que permanecia de
joelhos.

Não me demorei muito no suspense, apenas peguei o falo de seu


pênis e continuei os movimentos que fazia outrora, vendo-o entreabrir os
lábios e fechar os olhos. O pré-gozo umedecia toda a glande e eu gostei da
forma como ele pareceu estar extremamente excitado e sensível. Vendo que
TaeHo estava de olhos fechados aproveitando a carícia que recebia, apenas
me inclinei e abocanhei sua glande. Um rosnado selvagem e agoniado
ecoou pelo quarto, mas não me atrevi a olhá-lo enquanto sorvia sua glande
entre meus lábios, a rigidez de seu membro me estimulava a tentar colocar
tudo o que eu podia dentro da boca, as tentativas frustradas traziam ânsia e
prazer ao mesmo tempo.

— Ah... — ele sussurrou com a voz grave, parecia querer dizer algo
que não saía. Sua respiração era pesada e audível. — Que boca gostosa!
Caralho... — Um tapa estalou em minha nádega e aumentei a velocidade
dos movimentos, fazendo-o gemer mais alto; sua hipersensibilidade estava
me levando ao extremo. Eu não conseguia mais aguentar minha própria
urgência.

Obedecendo aos comandos primitivos do meu corpo, parei o que


fazia e o encarei. Meu vizinho estava apoiado nos próprios cotovelos e
assistia ao que eu fazia antes. Seus olhos me analisavam curiosos e a
intensidade do seu desejo o deixava ainda
mais bonito que o normal enquanto travava seu maxilar de linhas definidas
e másculas.

Sendo assistida por meu namorado, ajeitei-me diante dele e passei as


pernas pela lateral de seu tronco, colocando uma de cada lado; ele
continuava me assistindo com luxúria e prazer. Segurei novamente seu falo
para ajeitá-lo de uma forma que o encaixe fosse mais favorável. Não me
preocupei com o fator, tempo sem atividades nessa região, apenas forcei a
entrada de seu pênis em minha vagina pulsante e úmida.

Ele soltou um suspiro longo e pesado quando nossos sexos se


tocaram e forcei mais um pouco para conseguir o encaixe. Foi dolorido e,
no primeiro momento, não consegui me movimentar, passei alguns
segundos apenas ouvindo as nossas respirações pesadas se mesclarem e
sentindo a pulsação da ereção dentro de mim, mas minha excitação era
maior que qualquer dor. Cravei minhas unhas em seu peito e o encarei. Os
cabelos negros grudavam na testa onde um suor se formava, seus olhos
enormes e de orbes acastanhadas me olhavam com a mesma fome que eu o
olhava.

Comecei a me movimentar lentamente, pois ainda doía, mas eu me


sentia completa. Era meu nirvana pessoal! Não podia acreditar na sensação
que era estar finalmente unida a ele dessa forma, não podia sequer acreditar
que a possibilidade, antes incólume apenas em minhas fantasias, agora
tornava-se real demais. Era como sonhar acordada.
Apoiei minhas mãos em seu peitoral e cravei minhas unhas com
mais força ali, tanto que ficou vermelho, mas ele pareceu não se importar.
Sua expressão era anuviada de prazer, parecia ser tão bom para ele quanto
era para mim e, à medida em que eu ia movimentando meu quadril, ia me
acostumando e impondo um ritmo. Eu tinha o controle sobre o prazer dele e
foi satisfatório perceber os efeitos.

Os gemidos com os quais eu estava familiarizada ecoaram,


juntando-se aos meus próprios, trazendo uma melodia diferente, mas com
certa familiaridade. Não era mais meu vizinho fodendo, era meu vizinho
me fodendo. A sensação era enervante, extrema, intensa, fazia meu peito
queimar, inflar e minha respiração era pesada devido esforço e prazer. As
grandes mãos dele seguraram em meu quadril manipulando os movimentos,
ele não queria ficar totalmente fora do controle e pareceu querer
velocidade.

Gemi e gemi descontroladamente diante dos movimentos que


ficavam cada vez mais rápidos e mais necessitados, o objetivo era chegar
ao ápice e acabar com a ânsia que me consumiu por muito tempo.

— Fica de quatro! — ordenou-me, eu não estava disposta a ceder,


mas ele se ajeitou na cama, obrigando-me a parar os movimentos e dava
para ver que meu namorado não fazia o estilo submisso, Kim TaeHo
gostava de comandar. Sorri ladino, obedecendo-o.
Pus-me na posição que ele pediu e senti quando ele nos encaixou
novamente, os movimentos foram lentos e certeiros, ele não tinha pressa e
estocava com força, fazendo a cama se mover sobre o chão de madeira
polida. Abafei os meus gemidos no travesseiro com meu rosto enterrado
enquanto sentia as suas investidas irem fundo e causarem em mim dor e
prazer na mesma proporção.

Minhas pernas iam amolecendo na medida em que Tae ia estocando


com mais força e meus olhos rolaram sobre as órbitas quando cheguei em
meu próprio orgasmo em uma posição que antes não me causava tanto
prazer. Era algo que nunca senti antes, foi forte, avassalador, literalmente a
pequena morte e, na sequência, o alívio de ter todas as tensões e ansiedades
rompidas. Permaneci na posição por mais alguns segundos, ouvindo seu
gemido grave tão familiar, mas, ao mesmo tempo, tão diferente, enquanto
ele jorrava seu próprio prazer entre minhas nádegas em um coito
interrompido pelo mesmo.

Deitei-me na cama de bruços, entorpecida, um riso bobo brotou em


meu lábios. A sensação era surreal, não parecia haver palavras reais para
descrever a forma como me sentia. Era plenitude? Era algo como ter achado
uma parte de mim mesma que estava perdida por aí. Será que esse
sentimento era como ter achado a minha alma gêmea?

Encarei Kim TaeHo que estava deitado na cama de olhos fechados,


parecendo se recuperar do que tinha acabado de acontecer. Seu perfil era
perfeitamente esculpido, o cabelo negro
desgrenhado caindo em sua testa com fios suados e outros secos, a pequena
argola prata que usava na orelha, os lábios carnudos e avermelhados, o
nariz de ponta arredondada, o maxilar com traços definidos, os cílios
longos e volumosos. Tudo nele fazia meu coração bater com força, era
impossível não gostar dele.

— Acho que eu deveria me mudar para cá — disse, ainda de olhos


fechados. Franzi o cenho com sua sentença surpresa com o que dizia. — Ou
você deveria mudar para a minha casa? — questionou e abriu os olhos,
virando o rosto um pouco para me olhar, seus lábios estavam entreabertos
em um sorriso travesso e suas sobrancelhas estavam arqueadas, Kim TaeHo
era a despreocupação em pessoa, mas ele não parecia realmente brincar.
Pisquei atônita.

— A gente namora há duas horas e você está me falando sobre


morarmos juntos? — debochei. Ele deu de ombros sentando na cama.

— Não vejo motivos para não ser assim — disse e saiu da cama,
caminhando completamente nu em direção ao banheiro, sem nenhum
pudor. Acompanhei sua imagem de costas, até mesmo as nádegas do
desgraçado eram bonitas e redondas. Bufei para ele, rolando os olhos.

Peguei meu celular na cabeceira da cama e constatei algo engraçado,


passava das vinte e três horas. Ri para mim mesma ao ver a hora, não podia
acreditar que tinha virado a vítima dele depois das vinte e três, como uma
mosca presa na teia de uma
aranha, presa fácil e desarmada. Eu apenas estava perdida nele. Mas não
queria sair de forma alguma, aliás nunca gostei tanto de estar perdida.

Corri para o banheiro onde meu namorado tomava banho, abri a


porta transparente do box e me juntei a ele no chuveiro.

— Que foi? — perguntou, vendo o meu sorriso. Eu até podia ser a


sua vítima, mas ele deixava claro que ele mesmo era minha vítima também,
Kim TaeHo não estaria propondo estas coisas se fosse diferente, estaria?

— Você vai morar comigo! — anunciei, abrindo um pouco mais o


meu sorriso para ele. A resposta que ganhei de volta foi um sorriso largo e
caloroso que mais lembrava o formato de um coração, seus olhos se
apertaram em linhas pequenas que pareciam formar risos também. O cabelo
dele caía sobre o rosto molhado e meu, agora, ex-vizinho não podia ser
mais lindo. Tive certeza que essa era a decisão correta, a única decisão que
importava, não levaria em consideração o tempo que estávamos juntos,
apenas o quanto tudo aquilo parecia certo nesse momento. — Você tem
razão, não tem motivos para não ser assim. — No fundo, eu só queria
mesmo mais e mais motivos para ele ficar.

Tae pôs a mão no alto da minha cabeça, assanhando os meus cabelos


em um afago fraternal demais para dois adultos pelados dentro de um
banheiro, decidindo sobre o futuro.
— Não tenho dúvidas disso — assegurou e escorregou a mão por
meus cabelos, puxando-me para um ósculo apaixonado.

E assim era decidida a nossa vida, depois das vinte e três horas,
dentro de um banheiro, depois do sexo, decidimos sermos a vitima um do
outro e nos unir de uma vez por todas, porque acho que é assim mesmo que
acontece, quando duas pessoas que nasceram para ficar juntas se
encontram, flui facilmente.

Principalmente os sentimentos.
Enraizado em mim

Quando uma pessoa decide viver e dividir a vida com outra pessoa,
provavelmente não tem ideia das coisas que vai enfrentar, das escolhas que vai
precisar fazer, do tanto que esse relacionamento vai exigir. Ao longo dos anos
dividindo a vida ao lado de alguém, você aprende e descobre limites seus
inimagináveis, coisas que você entendia como imperdoáveis por amor tornam-se
intoleráveis, coisas que antes eram pequenas e ínfimas tornam-se significativas e
movedoras de montanhas.

Relacionar-se com alguém é literalmente aceitar que você vai mudar, não
porque é obrigada ou porque te exigem, mas porque verdadeiramente você precisa
fazer ajustes para estar ao lado desse alguém.
É inevitável.

Descobri isso experimentando na própria pele. Não poderia imaginar em


hipótese alguma que a vida seria tão absurdamente diferente do que já foi um dia.
Será que se eu escrevesse um livro sobre como conheci Kim TaeHo e como acabamos
juntos alguém acreditaria que é uma história real? Porque sinceramente era
inacreditável que, nas circunstâncias em que nos envolvemos, nosso relacionamento
acabasse se tornando tão duradouro e estável.
Era ridiculamente fácil viver com ele. Um cara simples, de
personalidade forte e gostos peculiares. Muito inteligente, na dele e calmo.
Tinha seus momentos de mau humor como qualquer ser humano normal,
ainda mais quando envolvia seu trabalho, mas, na maior parte do tempo, era
alguém com quem se podia manter uma conversa calorosa e gostosa por
horas. Gostava de gastar algum tempo ouvindo música e, há alguns meses,
adquiriu o hábito, que me agradava muito por sinal, de pintar quadros. Eu
amava vê-lo trabalhando em suas pinturas, ouvindo música clássica ou seu
famigerado jazz, estilo musical esse que passei a gostar bastante.

Kim TaeHo se enraizou em mim. Como uma planta que antes


fincava raízes para depois crescer e florescer, ele tinha construído uma base
sólida e inabalável em meu coração. Eu o amava quase com devoção, já não
lembrava mais como minha vida era antes de tê-lo comigo, não lembrava
mais como eram os dias sem o Morris aqui, sem a bagunça dos dois, sem
nossos filmes dos anos setenta, oitenta ou noventa, sem o jazz soando pela
casa nos dias de folga dele. Não me imaginava mais dormindo sozinha na
cama que um dia fora apenas minha.

A vida era engraçada.

Dois anos desde a noite em que dormimos juntos pela primeira vez
haviam se passado. Dois bons anos ao lado dele. A vida não era fácil, havia
dias ruins, mas poder contar com ele quando eu precisava chorar, poder
contar com seu ombro quando eu estava triste e estar ali por ele quando o
próprio chegava
cansado, era o que nos tornava fortes. Nós éramos um time. O alicerce um
do outro. Sentia que ele me amava da mesma forma como eu o amava e era
lindo viver isso.

Algo como encontrar a paz mundial. Pelo menos, a minha paz


mundial.

Sorri para mim mesma ao lembrar do dia em que eu mesma tive que
descolorir o cabelo dele. O mullet negro que tanto amei deu lugar a um
corte mais curto e com mechas coloridas, ele já teve rosa, laranja e azul, até
que, por fim (graças a Deus), decidiu voltar para o meu tão amado tom
natural. Era a vida que vivíamos e era uma boa vida.

Não boa o suficiente para nunca se reclamar dela, obviamente que eu


odiava vê-lo sendo desvalorizado no emprego de garçom do qual ele não
conseguia sair por não conseguir nada melhor, mas boa o suficiente para eu
querer continuar nela.

O barulho da porta abrindo e do Morris latindo despertou-me de


meus devaneios, era o TaeHo chegando de mais um dia de trabalho, já
passavam das vinte e três horas e eu ri com esse último pensamento,
amanhã eu não iria trabalhar e por isso podia esperar por meu namorado
essa noite.

— Oi, querido — falei para ele, vendo-o ainda apenas com meio
corpo para dentro de casa, logo na sequência adentrou à sala carregando
consigo um buquê de flores brancas muito bonitas. Sua expressão era séria
e cansada ao mesmo tempo em que olhava com
certa ternura. — Como foi o seu dia hoje? Foi tudo bem no trabalho? — ele
suspirou com a minha pergunta, dando a entender que não e estendeu as
flores para mim. — Hoje é algum dia especial e eu esqueci?

— Odeio aquele lugar. Sério, não aguento mais — disse carrancudo,


jogando-se no sofá ao meu lado e pousando as flores em meu colo, não
demorou nem meio segundo e o peludo já estava no colo do pai,
balançando o rabinho feliz da vida.

— O que aconteceu hoje? — perguntei, inclinando-me para selar


nossos lábios rapidamente.

— Um cliente reclamou com algo que eu não tinha culpa e por causa
dele vai ser descontado no meu salário. De novo! Isso é muito injusto —
disse indignado. Seus olhos grandes e cansados me encararam. — A
propósito eu vi essas flores e pensei em você. Então comprei.

— Sinto muito. — Não era novidade o descontentamento dele com o


trabalho que pagava mal e ainda era tão arbitrário, sem contar na total falta
de consideração do patrão dele que não o valorizava como funcionário,
mesmo Tae não possuindo atrasos, faltas, atestados em seu histórico de
anos limpo, trabalhando duro e fazendo muitas horas extras. Doía-me ver
como ele se esforçava em vão em um lugar sem futuro algum para si.
Queria poder mandá-lo jogar tudo para o alto, mas tínhamos acabado de
comprar uma geladeira nova e as prestações eram caras. Não dava para
pagar sozinha e ainda pagar o aluguel.
Infelizmente, não havia meio termo quando se tratava de nossa
condição financeira, ele precisava permanecer lá.

— Não precisava ter se incomodado — referi-me ao buquê.

— O melhor pra você sempre — disse, sorrindo minimamente,


fazendo meu coração errar algumas batidas. Kim TaeHo me tornava ainda
mais apaixonada por ele a cada dia, mesmo que paixão não descrevesse em
nada o que eu realmente sentia. Percebi então que, às vezes, você não
consegue explicar o que viu em uma pessoa, é simplesmente a maneira
como essa pessoa faz você se sentir que ninguém mais consegue. Ninguém
nunca conseguiria fazer eu me sentir assim, feliz mesmo em meio às
dificuldades.

Somente ele.

Sorri de forma contida, não conseguindo disfarçar como ele fazia eu


me sentir. Parecia que algo queria explodir dentro de mim, a sensação era
simplesmente incrível.

— Vou tomar banho. — Ele se levantou rapidamente do sofá,


caminhando de forma preguiçosa rumo ao quarto e eu fiquei na sala,
encarando o buquê que havia acabado de ganhar. Não era nada, mas era
absolutamente tudo. Mesmo nos piores dias, ele apenas se esforçava para
me fazer o melhor e perceber isso me causava uma sensação de impotência,
como se eu não pudesse
fazer o mesmo por ele, como se não estivesse dando o meu melhor sempre.

Arrumei o buquê de flores brancas em um jarro improvisado e pus


em cima da mesa de jantar, fiquei encarando aquele pequeno gesto com
devoção. Meu coração transbordava de alegria.

— Acabei de ver que recebi um e-mail. — Ouvi a voz do meu


namorado vindo do quarto e me dirigi até o cômodo para ver do que se
tratava. Ele me encontrou no meio do caminho até o quarto, seus cabelos
negros e molhados recaíam sobre sua testa com certa graça e charme, o
mullet que eu tanto gostava não estava mais lá, fruto das últimas peripécias
dele com os cabelos, entretanto, os fios negros haviam voltado. — Lembra
que eu me candidatei pra universidade ano passado? — Aquiesci,
lembrando que eu insisti muito para ele mandar o portfólio lindo que ele
juntou durante muitos anos de fotos incrivelmente artísticas e poéticas e que
ele insistia em chamar de “extremamente amador”.
— Eles me responderam!

— Sério? E o que diz aí? — perguntei ansiosa.

— Eu fui pré-aprovado para universidade de Brisbane — disse,


parecendo chocado.
— É sério? Meu Deus, TaeHo, isso sim é uma notícia boa!

— Pulei em seu pescoço, abraçando-o, realmente feliz com a notícia.

— Não tô acreditando que eles gostaram do meu portfólio, é tão


amador! — disse, ainda abraçado a mim.

— Tudo bem. Você vai lá, se inscreve e vê no que dá. Vai ser demais
se você puder fazer o que realmente ama! — Não era novidade para
ninguém na Coreia do Sul inteira que Kim TaeHo era amante das artes.
Pinturas, esculturas, música, dança, tudo ele apreciava, já tínhamos ido em
todos os museus e exposições gratuitas de Seoul nesses últimos meses, mas
o que ele amava fazer, o que lhe causava sorrisos bobos, era fotografar.
Quando ele estava com a sua câmera vintage fotografando, o mundo
parecia pequeno demais para ele. Tudo virava frame artístico, era lindo de
ver, eu sempre babava no portfólio apaixonante dele. Definitivamente era a
sua fã número um e obviamente a maior incentivadora de todas. Eu sentia o
amor e o cuidado intimido e minucioso em cada foto dele. Emocionava-me
acima de tudo.

— Mas e se for caro? — perguntou. — Acho que eu não vou, não


temos dinheiro pra isso.

— Para. Tae-ah, só vai. — Pus minhas mãos em suas bochechas,


fazendo-o me encarar. — Você se inscreveu para bolsa, lembra? Deve ser
isso! Você precisa ir lá amanhã antes de decidir qualquer coisa. Só vai —
ele suspirou, encarando-me.
— Tá bom, mas se não for bolsa ou for muito caro, eu não me
candidato para vaga oficial. — concordei consigo, tentando lhe passar
apoio e segurança.

De repente me senti feliz, uma luz no final do túnel para tirar ele
desse ciclo tóxico de não ter futuro algum naquele trabalho miserável como
garçom. Kim TaeHo estava recebendo uma chance de mostrar o seu valor e
eu o apoiaria fidedignamente, porque não havia ninguém nesse mundo
inteiro que desejaria a felicidade dele mais do que eu.

A nossa semana foi estranhamente longa, senti-me ansiosa sobre o


resultado da candidatura dele no curso, logo após ele ir fazer a inscrição
oficial, tudo pareceu passar mais devagar. O programa da universidade era
incrível e estavam oferecendo bolsa mais salário auxílio para estudar o
curso desejado e mais inglês. O TaeHo não parecia tão animado como eu
pelo programa porque poucas bolsas eram para Seoul, a grande maioria era
para Austrália, mas ele não tinha se inscrito para lá, então me senti muito
confiante sobre a permanência dele em Seoul para estudar e realizar os seus
sonhos. Muitos jovens optavam por fazer o curso fora do país e, por esse
motivo, acabei achando que para Seoul seria mais fácil de conseguir.
Comprei frango e cerveja para a gente comer quando ele chegasse do
trabalho. Hoje, meu namorado tinha passado o dia fora, pois tinha ido
buscar o resultado da inscrição na universidade e logo após ia para seu
trabalho. Estranhei um pouco a ausência de notícias dele durante todo o dia,
mas, ao cair da noite, cheguei à conclusão de que provavelmente ele queria
me fazer uma surpresa. Se fosse notícia ruim, ele já teria contado, certo?
Pelo menos era o que a minha mãe sempre me dizia, notícia ruim chegava
rápido demais.

Meu coração pulsava na expectativa de uma admissão com sucesso,


seria um passo novo e extremamente importante em sua história e
consequentemente na nossa. Eu não via a hora de vê-lo feliz fazendo o que
realmente amava.

A movimentação do Morris pela casa entregava, ele havia chegado!


Corri para a sala para encontrar com ele, que carregava consigo um
envelope alaranjado, tamanho superior ao A4 e eu já sabia: eram boas
notícias! Sorri para ele animada, mas, ao ver a sua expressão cansada e
séria, desfiz meu sorriso, ele não parecia alguém que trazia boas notícias.

— Tae... E aí, como foi? — perguntei, aproximando-me um pouco


mais, receosa com a sua resposta.

— Eu fui aprovado... — respondeu simplesmente. Imediatamente fui


tomada por alegria e satisfação. Terminei a distância entre nós dois e passei
meus braços em volta dele.
— Ai, Tae-ah, eu sabia que você ia conseguir, sabia que você ia ser
aprovado! — falei contra o seu peito. — Eu estou tão orgulhosa de você. —
Ergui meus olhos para olhá-lo e ele permanecia sério. — Que foi, você não
está feliz?

— Eu não vou aceitar — disse simplesmente.

— Mas por quê? Esse é o sonho da sua vida, Tae! — Eu não


compreendia por que ele insistia em continuar relutante, era até estranho
esse comportamento dele.

— Minha bolsa é completa, com moradia, salário, auxílio, curso


completo por quatro anos mais concurso de inglês, em troca de apenas eu
dar aulas em particular de coreano por dois anos... — começou a falar.

— Meu Deus, Kim TaeHo, essa bolsa é uma oportunidade dos céus!
— enfatizei.

— … Na Austrália — concluiu, ignorando-me. Meus braços que


estavam em volta da cintura dele amoleceram até caírem ao lado do meu
próprio corpo.

— A-Austrália? — gaguejei, tentando entender a informação. Ele


aquiesceu sério.

— Eu não vou aceitar. Tá decidido — disse, por fim, afastando-se de


mim e indo em direção ao quarto. Fiquei parada onde estava, tomada pelo
torpor da notícia que era
avassaladoramente subversiva. Tenho certeza que meu coração parou de
bater e um pequeno raciocínio rápido me levou para a realidade dos fatos.

Kim TaeHo era talentoso demais e não podia desperdiçar essa


oportunidade, mas a oportunidade estava a milhares de quilômetros daqui,
bem longe de mim, em um lugar para onde eu não poderia ir e eu era o
obstáculo entre ele e o sonho dele.

Aquela frase que ele sempre falava para mim agora gritava em letras
garrafais bem diante de meus olhos, trazendo-me uma percepção
completamente diferente de tudo.

"O melhor pra você sempre".

Não era justo que, por causa de mim, ele não pudesse realizar os
sonhos dele, não era justo que ele continuasse naquele emprego horrível,
sofrendo abusos e sem perspectiva nenhuma apenas porque eu não poderia
ir com ele. Kim TaeHo merecia muito mais do que o que ele tinha aqui,
merecia o mundo, merecia ser feliz e claramente não seria ficando aqui que
isso aconteceria.

— Você tem que aceitar! — falei sem pensar, já caminhando em


direção ao quarto, onde agora ele estava apenas de cueca, preparando-se
para ir tomar banho. Mesmo em momentos completamente alheios, seu
dorso me encantava.

— Quê? Você me ouviu? — perguntou-me.


— Ouvi e, por isso mesmo, repito: você tem que aceitar —

repeti.

— Você sabe o que significa eu ir fazer faculdade em um país do


outro lado do oceano? São quatro anos! Não dá! — disse.

— Por quê? — perguntei, quase indignada. Ele me olhou incrédulo.

— Não é possível! Eu tenho uma vida aqui, eu tenho você aqui, não
posso simplesmente ir pra lá e deixar você aqui. — Acho que em dois anos
de namoro, nós dois nunca havíamos discutido antes assim, eu nunca tinha
visto essa expressão seca e sem vida no olhar dele. Algo o incomodava
profundamente e eu sabia exatamente o que era.

— O melhor pra você sempre — repeti suas próprias palavras e,


mesmo querendo chorar, segurei-me. Ele me encarou e percebi que ele não
esperava essa atitude vinda de mim.

— Eu não vou deixar você aqui — disse enfático.

— Eu não vou permitir que você perca essa oportunidade

— concluí, decidida.

— Então temos um impasse — falou, percebendo o óbvio.


Mas não tínhamos um impasse aqui, eu já tinha tomado a minha
decisão. Não seria um empecilho na vida de Kim TaeHo.
A parte mais difícil

Achei que poderia escolher o pior momento da minha vida, mas, depois de
algum tempo, percebi que o pior momento não pode ser escolhido, ele acontece, te
persegue e te torna uma escrava da dor antes de acontecer, durante o acontecimento e
após. O pior momento da sua vida é justamente aquele que você jamais imaginou que
fosse acontecer, aquele que você não está pronto para lidar, aquele que te pega de
guarda baixa e, mesmo que você veja o pior momento da sua vida na espreita para
acontecer, ainda assim você nunca vai estar preparado o suficiente para viver ele.

Nunca pensei que viveria os piores últimos dois meses junto ao TaeHo, a gente
brigou nesse tempo tudo o que não brigamos nos últimos dois anos. Não era uma
decisão fácil e eu sabia que ele oscilava entre querer e não querer ir, sabia que ele
estava confuso e me dei o direito de escolher por ele.

Tornei-me irredutível.

Eu estava decidida, ele tinha que partir. Não conseguiria viver uma vida
sabendo que ele abriu mão do grande sonho por medo de viver longe do nosso
relacionamento, sua felicidade e a minha própria, transcendia a nossa vida juntos, não
estávamos completos na vida porque haviam partes que faltavam, só nós dois
não éramos suficientes para suportar a vida dura como ela era. TaeHo não
parecia conseguir enxergar que ele não era feliz sendo escravizado em seu
trabalho que o desvalorizava e, se ele não tomasse um passo à diante,
ficaria assim para sempre. Não podia suportar a ideia de vivermos uma vida
mais ou menos só porque não queríamos nos separar. Não era saudável
pensar assim.

Se algo estava errado e não agradava, precisava ser mudado. Podia


ser um pensamento radical, mas para mim fazia sentido.

Para ele, não pareceu fazer tanto sentido como para mim. TaeHo era
do tipo que questionava e não se conformava com as coisas, perguntou-me
diversas vezes o porquê de eu estar decidindo por ele, mas no final ele
entendeu. Talvez o cansaço e o inconformismo fossem mesmo reais, chegou
o momento que eu queria e temia, quando ele chegou dizendo que iria
embora, que se tornaria alguém maior, realizaria os seus sonhos,
experimentaria viver o que sempre sonhou para saber se realmente valeria a
pena.

E agora estávamos aqui, sentados um de frente para o outro, no


restaurante em que ele me trouxe para o nosso primeiro encontro há anos
atrás. Uma forma muito melancólica de se despedir. TaeHo partiria amanhã
de noite, suas coisas já haviam sido despachadas e cada caixa da mudança
foi lacrada em um silêncio lacerante. Vivíamos uma espécie de pré luto,
mesmo estando juntos. Era um sentimento muito ruim e uma situação
insuportável em determinados momentos. Não fazia a menor ideia de como
estava suportando tudo, talvez fosse o fato de todas as
noite me trancar no banheiro para chorar em silêncio, eu estava
despedaçada.

A música ambiente era baixa e convidativa. O tipo de música que ele


gostava de ouvir em nossa casa e quase pareceu proposital estar tocando
agora.

— Eu quis te trazer aqui porque eu gosto muito desse lugar

— ele começou a falar, olhando o cardápio sem pressa. — Me lembra da


sensação de estarmos juntos pela primeira vez. Você parecia tão nervosa e
acuada, foi engraçado. — Assegurou-me, dando de ombros, parecia se
divertir com as lembranças enquanto falava, nem sequer parecia que
estávamos prestes a nos separar.

— Estava mesmo — confessei, soltando um sorriso melancólico.

— Sempre soube que mexia intensamente com você. — Sua falta de


modéstia me impressionava, encarei-o desconfiada. Ele me encarou de volta
com o olhar intenso e misterioso, mordeu o lábio inferior como se pensasse
várias coisas, coisas essas que talvez eu conseguisse adivinhar se tentasse,
mas eu não queria tentar.

— Não fui eu quem ficou toda apaixonada depois de um streeptease


na sala de casa — soltei debochada, cortando seu olhar e o sentimento que
nos envolvia no silêncio. Por um momento, deixei-me envolver pelas
lembranças daqueles dias distantes, era bem engraçado lembrar do nosso
começo hilário. Ele riu, mas não
sorriu. Seus cabelos negros estavam de um tamanho mediano, lisos e caíam
sobre os olhos com graça, algo que eu achava quase poético nele porque
combinava muito bem com a sua figura. TaeHo evitava me olhar
diretamente por vezes, principalmente quando estávamos em silêncio, mas
eu também só o encarava quando ele não estava olhando para mim. Tive
medo de fraquejar e, a essa altura do campeonato, não dava para mudar de
ideia e implorar para ele ficar.

Essa estava sendo a parte mais difícil: manter-me forte perto dele.

— Devo confessar que me apaixonei mesmo. — Ele tirou os olhos


do cardápio e olhou para mim, desviei do olhar dele, olhando para o meu
cardápio, mas realmente não via o que estava escrito. Eu o amava mais que
tudo, estava doendo fazer isso. — Se você pedir pra ficar, eu fico — disse,
de repente. Voltei vagarosamente meus olhos em sua direção para encará-lo,
eu sabia disso. Profundamente, eu sabia que, se pedisse, ele não iria, mas
não tinha coragem de pôr meus próprios desejos egoístas na frente da
felicidade dele. Logo ele que me deu tanto, logo ele que me mostrou um
amor profundo, sincero e puro como seus sorrisos largos e quadrados. Logo
TaeHo que se jogou de cabeça na nossa relação e me levou junto para uma
vida que jamais imaginei viver. Não me sentia no direito de pedir a ele que
abdicasse de um sonho seu por mim. Não acreditava nesse tipo de amor.
Desejei profundamente que ele entendesse os meus motivos, que ele
entendesse que eu o amava demais para pedir que ele abrisse mão de si por
mim.

— Eu sei — consegui falar, um nó enorme se formava em minha


garganta e me impedia de falar mais que apenas duas palavras. Havia tanto
para ser dito ainda e nenhuma força para tal. Eu estava entalada com as
palavras e com o choro, aquele que eu despejaria no banheiro mais tarde.

— Mas você não vai fazer. — Não era uma pergunta, ele também
sabia, sabia que eu não faria isso. Porque se ele quisesse realmente ficar,
simplesmente ficaria. No fundo, nós dois sabíamos que a partida dele era
inevitável porque, lá no âmago, era o que Kim TaeHo queria.

Kim TaeHo era livre, apaixonado, sonhador, dedicado, merecedor e


todas essas coisas ele só seria se partisse. Não seria ele mesmo se ficasse e
eu não queria viver ao lado de alguém que não está verdadeiramente aqui,
pois não é o seu lugar.

— O que vou fazer mesmo é escolher algo pra comer, que estou com
fome — suspirei logo depois de falar isso. Não queria mais ficar nesse
clima estranho. Seria a nossa última noite juntos e não era hora de estragar
o momento com discussões sobre o que já havia sido silenciosamente
decidido. Ele sorriu ladino, rendendo-se. Essa noite seria tudo o que restaria
de nós.
Não sei se foi a comida ou o momento. Só sei que não foi o melhor
jantar da minha vida. O bolo formado em minha garganta estava entalado,
não descia nem saía de mim, causando-me um desconforto e uma vontade
enorme de chorar. A cada novo minuto que se passava, eu entendia mais o
peso das últimas decisões e sentia, encrespado em minha pele, a dor que me
tomaria quando o fim fosse consumado.

Deixar alguém que a gente ama sem querer deixar, talvez fosse a
coisa mais difícil de se fazer na vida. A parte mais difícil de tudo, no final,
não foi decidir e, sim, sobreviver à decisão. Sobreviver a essa dor que já me
tomava mesmo que ele ainda estivesse aqui, bem diante dos meus olhos,
porque eu já conhecia o fim. Saber que não acordaríamos mais juntos, não
começaríamos mais nenhuma refeição, não dividiríamos mais sonhos, não
faríamos mais amor...

Eu não medi o peso das consequência até estar aqui e não poder
mais voltar atrás.

Vê-lo andando letárgico pelo quarto enquanto terminava de arrumar


sua última mala me destruía, eu não teria mais ele aqui, a casa que estava
preenchida por Kim TaeHo ficaria vazia. Era o fim e o fim doía muito. Mas
como eu confessaria que estava com medo
do fim? Como diria para ele que tava doendo sem que isso o impedisse de
ir?

Eu queria que ele fosse, mas não queria.

— Eu te amo — falei, sem pensar muito. Talvez fosse tudo o que


importava no final, pôr para fora o quanto eu o amava desesperadamente.
Ele parou no meio do quarto com uma toalha na mão, que estava dobrando
para colocar na bolsa, e me encarou. Encarei-o de volta.

— Eu também amo você. — Sua voz grave invadiu meus tímpanos,


trazendo-me uma certeza: a gente merecia uma despedida digna. Fiquei de
pé e fui até ele, tomando a toalha de sua mão e jogando em um quanto
qualquer. Passei minha mão por sua nuca e o puxei para um beijo.

Só então minhas lágrimas começaram a rolar pelo meu rosto,


umedecendo e salgando o nosso amargurado beijo.

Logo eu estava em seus braços, envolta em um abraço apaixonado e


apertado, Tae estava correspondendo ao meu beijo de forma feroz e intensa,
cheio de sentimentos não expressados. Nossos desejos e luxúrias se
mesclando como sempre acontecia quando nos beijávamos. Eram como
faíscas de eletricidade que trocamos a cada contato próximo.

Cada toque.
Eu o amava.

Nada mais importava. Eu o amava mais que tudo. Ele me roubava o


ar de uma forma única e eu era tão apaixonada por Kim TaeHo. Ao longo
dos anos, aprendi a conviver com a dualidade dele, mas não a sobreviver a
ela. Seu jeito doce me fazia apaixonada e seu jeito sádico me fazia escrava
dos seus desejos.

Não demorou muito para que nosso beijo banhado por minhas
lágrimas se transformasse em fogo puro em combustão, chamas de desejos
nos levavam a nos despirmos com pressa sem separar nossas bocas. As
mãos sempre tão atrevidas dele logo apalparam minhas nádegas, puxando-
me para si com mais intensidade e fome. Talvez fosse a última vez, mas
pelo menos faríamos valer a pena. Arranhei as costas dele, solvando sua
língua, descontando minha dor em nosso desejo. Ele gemeu rouco em
protesto e estapeou minha nádega com certa força. Estaria ele também
descontando sua dor?

Rapidamente estávamos na cama, conectados um ao outro


carnalmente, fechei os olhos e tentei aproveitar aquele último momento
antes do fim, cada movimento que ele fazia trazia dor, prazer, tristeza, amor
e lágrimas. Eu era uma bagunça de sentimentos conflitantes, como sempre.
Kim TaeHo era dono e proprietário majoritário do meu caos.

Ele deitou todo seu corpo sobre o meu e, com uma mão, secou
algumas lágrimas que me escapavam com delicadeza, mas logo novas
tomavam o lugar das que já haviam rolado. Eu não
conseguia parar de chorar, não conseguia parar de sentir, meu coração não
parava de doer.

Foi o orgasmo mais emocionalmente doloroso que eu já havia tido,


mesmo eu nem entendendo como teria sido possível ter um. Minha mente
estava nublada pela dor e saudade, o que me desconcentrou bastante, não
conseguia parar de pensar que seria a última vez. Kim TaeHo parecia
distante também ao chegar em seu próprio ápice. Foi um breve momento
que eu queria que durasse muito tempo, mas, nem mesmo nos nossos
melhores dias, demoraria o tempo que eu desejava nesse momento ter
levado porque, na verdade, eu não queria que acabasse nunca.

Kim TaeHo deitou ao meu lado e logo adormeceu entorpecido pelo


prazer. Virei-me de lado e repousei a cabeça em minha mão para admirá-lo,
queria eternizar em minha memória essa imagem, ele relaxado em minha
cama após o sexo, com os cabelos emaranhados, a pele dourada levemente
ruborizada e a respiração tranquila.

De repente, percebi que eu gostaria que ele tivesse sido tocado por
mim tão profundamente como eu fui por ele. Como aqueles amores
avassaladores de filmes, como a chama que me queimava todos os dias por
ele, como a sensação dos pelos encrespados na pele após seu toque, como
quando meus olhos o viram pela primeira vez, como a primeira vez que a
gente sente a chuva na pele, como a beleza da primeira neve, queria ter o
tocado profundamente como os pequenos momentos ao lado dele me
tocaram, queria estar enraizada nele como ele estava em mim.
Queria que cada canto ermo da vida dele estivesse preenchido com a minha
presença assim como a presença dele havia tomado posse de tudo o que era
meu, queria ser tudo para ele como ele era tudo para mim.

Provavelmente para ele não era tão intenso, nem tão complexo, nem
tão confuso como era para mim.

Era bem penoso pensar nos filhos que nunca teríamos, nas juras de
amor que nunca concretizaríamos, nos filmes que não assistiríamos, nas
músicas que não ouviríamos juntos e me perguntei se ainda dava tempo de
me arrepender, de implorar para que ele ficasse, de pedir para que essa dor
acabasse. Peguei-me chorando de novo. Mas era tarde demais, a decisão já
havia sido tomada e tudo já havia sido preparado para a sua partida, prometi
a mim mesma que não seria egoísta, não iria fraquejar, mas era quase
impossível sobreviver a essa dor.

Esgueirei-me sorrateiramente até estar deitada em seu peitoral


desnudo, por reflexo ele me abraçou, ajeitando-se um pouco mais
confortavelmente na cama, ato que me confortou e me deixou triste na
mesma proporção.

Chorei silenciosamente a noite toda em seu peitoral, inalando o seu


cheiro e revivendo todos os melhores dias das nossas vidas e a forma
inusitada como nosso amor havia sido construído. Uma daquelas histórias
que valia a pena viver e ser grata por ter vivido. O tipo de experiência que
era única e que eu tinha tido o privilégio de viver ao lado dele.
Quase como uma ironia do destino, o relógio analógico em cima da
cabeceira marcava exatamente 23h01. Sorri para mim mesma de forma
melancólica. Tudo na nossa vida sempre girava em torno desse horário,
desde o momento em que descobri a sua existência, até hoje, até esse
momento. Só que dessa vez, eu me despedia dele, essa seria,
provavelmente, a última vez em que viveríamos às vinte e três horas, em
um momento inusitado, um momento que jamais imaginei que fosse
acontecer.

Adormeci em seu peito, até ouvir o som agourento do celular


despertar e, após isso, tudo passa muito rapidamente, mesmo que eu
quisesse aproveitar cada último segundo com ele. Um café da manhã
silencioso, ele andando de um lado para o outro juntando seus pertences.
Kim TaeHo estava calado demais, conformado demais, seus movimentos
eram letárgicos e silenciosos, quase como se fingissem que eu não estava
ali.

Saí para trabalhar, mas, no meio do caminho, parei em um praça e


fiquei lá, eu não conseguiria trabalhar, mas também não conseguia mais
voltar para casa, então gastei seis horas sentada em um banco de praça
encarando meus próprios pés, minha mente oca não conseguia processar a
dor de sua partida. Observei as pessoas andando de um lado para o outro na
rua, totalmente alheias umas às outras, tentando me distrair, imaginando que
tipo de vida elas viviam e se pareciam, em algum momento, ter sentido dor
como a minha.
Procurei conforto em todo tipo de distração, até ser hora de voltar
para casa, até ser hora de acabar com tudo, porque eu já havia tomado
minha decisão final, só faltava Kim TaeHo saber.

Encontrei meu namorado na sala da nossa casa junto às suas malas,


esperando-me para que fôssemos ao aeroporto juntos, porque esse era o
nosso combinado, sorri para ele da forma como pude, feliz em poder ver
seu lindo rosto dourado e cheio de detalhes que eu amava tanto uma vez
mais.

— Você demorou — ele observou.

— Desculpa, fiquei presa em uma ligação, sabe como é — menti,


dando de ombros.

— Vamos então? Não posso perder o voo! — Apressou-se em me


lembrar. Suspirei.

— Eu não vou — falei, após encará-lo por alguns segundos, jurei


para mim mesma que não choraria mais na frente dele. Minha decisão já
estava tomada, não haviam motivos para alimentarmos um relacionamento
à distância, não funcionaria para mim. Eu não me sentia confortável em
pensar em nós dois presos em um relacionamento sem saber quando
poderíamos nos ver de novo. Manter esse tipo de compromisso parecia
doloroso demais e, em meio a tanta dor, eu só queria que, de alguma forma,
fosse mais fácil para nós dois sobrevivermos a isso.
— Quê? — Ele pareceu surpreso. Suspirei novamente. — Por quê?

— Tae... — Respirei fundo, tomando coragem. — Kim TaeHo, essa


é a nossa linha final.

— Mas... — começou a me interromper, ergui minha mão, pedindo


um momento.

— Eu pensei muito sobre tudo isso e não acho justo ficarmos presos
nisso. Você vai para muito longe e nem sabemos quando poderemos nos ver
de novo ou se iremos nos ver de novo. Os melhores dias da minha vida
foram ao seu lado. Graças a você, eu fui capaz de crescer, me descobrir,
nunca senti um amor tão forte como o que vivemos, nossa história foi
perfeita, e como foi, e por isso devemos deixar assim. Eu gostaria que
respeitássemos a nossa história. — Não consegui manter a calma que eu
desejava, minha voz tremia embargada pelas lágrimas e eu não sentia as
minhas pernas.

— Isso é justo? — perguntou-me e eu encarei seus olhos negros.

— É digno. É um fim digno. — Eu já tinha as palavras prontas. — É


melhor do que, no futuro, desistirmos ou tornarmos tudo cansativo demais.
Só me prometa uma coisa, uma única coisa: você vai aproveitar, que vai ser
feliz, que não vai abrir mão de nada e de nenhuma experiência por mim,
pelo que nós fomos, pela nossa história.
— São muitos pedidos, na verdade — brincou. Eu ri, sem humor
algum. — Eu entendo você, apesar de não compreender de verdade. Estou
com medo, confesso, foi a melhor escolha? — Sua figura alta era tão
imponente e bonita. Ele usava um casaco grosso xadrez marrom que
combinava muito com seu estilo classudo e vintage.

— Eu te amo, Kim TaeHo, independente das suas escolhas serem as


melhores ou não — eu precisava dizer.

— Também amo você, como se não tivesse passado um só dia desde


que meus olhos bateram em você — falou e suas palavras eram como
navalhas me cortando. Ele se aproximou lentamente de mim com seus
olhos negros nos meus, o calor do seu corpo era palpável e meu coração
batia com força por ele, apesar de tudo. Um selar demorado foi deixado em
meus lábios e, após isso, ele me abraçou com força, um abraço demorado e
cheio de saudade, um abraço que me juntava os pedaços mesmo que eu
continuasse me quebrando. Enterrei meu nariz por entre suas peças de
roupa, inalando seu cheiro uma última vez.

Após nos afastarmos, ele me olhou silenciosamente por alguns


segundos e então abriu a porta. Permaneci de costas, não tive coragem de
vê-lo partir, as lágrimas que tanto prendi começaram a rolar por meus olhos
sem controle e logo umedeceram todo o meu rosto.

Era o fim.
A porta então fechou e já não havia mais Kim TaeHo nem sua
presença marcante.

E foi assim que a nossa história de amor terminou, repentina como


começou, mas justa conosco. Ele estava livre para viver e ser feliz e, de
uma forma estranha, isso me confortava, mesmo que doesse como a própria
morte.

Mesmo no fim, eu tinha certeza absoluta de uma coisa:

nunca deixaria de amá-lo.


Fantasma

Respirei o ar outubril da manhã gélida de mais uma quarta-feira. Segurei mais firme
meu copo de café quente, afim de esquentar os nós dos meus dedos. Não dava para negar que o
inverno já se aproximava, as folhas das árvores de Seoul já estavam todas queimadas pelo frio
e muitas já encontraram o chão. Guardei uma nota mental para me informar no setor de
meteorologia para quando estava previsto a primeira neve, queria escolher um bom lugar para
passar a primeira neve do ano.

Após minha breve caminhada pelas ruas, sentei em minha, não muito aconchegante,
cadeira, para mais um dia de trabalho. Liguei o computador e suspirei, precisava terminar o
artigo sobre a galeria de artes de Seoul e seus atuais investimentos em arte moderna, como
exposições apenas de fotógrafos coreanos, elevando o renome de seus artistas.

Era um artigo para a coluna da semana que vem e ainda estava faltando um grande
artista para completar a ilustração com uma boa entrevista que valorizasse meu artigo.
Meu telefone tocou no exato momento em que pensei em pedir dicas para meu redator
chefe, e era justamente ele no ramal.
— Já tenho uma pessoa para você entrevistar. — Ele nem sequer me
desejou bom dia.

— Bom dia, querido chefinho, estava pensando em você nesse


momento — brinquei.

— Ótimo, venha aqui na minha sala e trás um café, por favor. — Ele
desligou e eu suspirei. Chefes e suas manias de tratar estagiários como se
fossem faz tudo.

Tudo bem, eu só estava na equipe há nove meses e ainda era apenas


uma pobre estagiária e estudante do último semestre de jornalismo, mas
podiam me valorizar um pouco mais. Eu dava o sangue por esse jornal,
escrevia artigos variados que tinham boas visualizações na internet,
portanto, merecia um tratamento melhor.

Há quase cinco anos, quando TaeHo partiu e realmente não voltou,


se foi de vez, perdi totalmente o contato com ele, decidi que não me
perderia, não deixaria a tristeza e a falta que ele fazia me consumirem. Não
foi uma decisão fácil, não foi do dia para noite, gastei muitos dias de luto
pela partida dele, chorei, me lamentei, me culpei, pensei em vender tudo o
que eu tinha e partir para a Austrália atrás dele. Entrei em um estado
depressivo complicado, mas, após o dia em que fui demitida de meu antigo
trabalho no Call Center, resolvi investir o dinheiro que recebi em mim, no
meu crescimento, não podia chorar pelo TaeHo para sempre e então, seis
meses depois que nos separamos, entrei na faculdade, trabalhei como
atendente em um café para poder pagar as contas e consegui concluir meu
curso.
E agora cá está eu, preparando um copo de café para meu redator
chefe a fim de conseguir uma indicação de boa entrevista para minha
matéria que iria subir para as plataformas semana que vem.

— Bom dia — cantarolei assim que entrei na sala do redator chefe.


Coloquei o copo com o café em cima de sua mesa e, sem eventuais
formalidades, sentei-me em uma das cadeiras de frente para ele.

— Bom dia — respondeu, tirando um gole do café.

— Então… Quem será meu entrevistado? — perguntei,


demonstrando ansiedade. Eu adorava entrevistar, foi uma das coisas para as
quais fiquei mais ansiosa no início do curso.

— Existe um burburinho na cidade de que um grande fotógrafo


coreano está no país e, por coincidência, a galeria principal de artes de
Seoul está expondo, nesse exato momento, as suas obras. Quero que
consiga uma exclusiva com ele — explicou.

Mas pensei ter ouvido exclusiva e precisei perguntar: — Oi?


Exclusiva? Como assim exclusiva? — Sabia que resposta ele iria dar, mas
mesmo assim precisava ouvir.

— Exclusiva é quando…
— Eu sei o que é uma exclusiva — interrompi-o. — Só não entendi
o porquê de ser uma exclusiva — expliquei.

— Esse cara, ele não dá entrevistas, se sabe muito pouco sobre ele,
seu nome, origens. Coisas assim todos temos, mas uma entrevista com ele
não. E quero essa entrevista no nosso jornal — explicou.

— Tá, mas eu sou só uma estagiária, como vou conseguir uma


exclusiva se não tenho ainda renome nenhum no mercado? Vou chegar lá e
dizer "oi, sou uma estagiária qualquer querendo te entrevistar"? — Apesar
de ser injusto, em qualquer profissão ser valorizado é de suma importância
e infelizmente ninguém valorizava os estagiários. Só estávamos acima do
pessoal da limpeza e, injustamente — tanto limpeza como estagiários —
eram vistos como ninguém pelas pessoas.

— Você quer o cargo, não quer? Quer permanecer trabalhando


conosco e quer um cargo de jornalista, não quer? — perguntou-me. Meu
chefe era aquele cara na casa dos cinquenta, experiente e vivido. Um
verdadeiro oportunista, sabia jogar e eu, bom, ia jogar o jogo dele.

— Quero — respondi.

— Me traga a exclusiva e o cargo é seu. Nem espero o fim do seu


contrato, traga a entrevista e te efetivo no mesmo dia. — Não sei se me
sentia honrada pela oportunidade porque, talvez, ele estivesse acreditando
no meu potencial, ou se pensava que ele
sabia que eu não ia conseguir e já estava assinando a minha carta de
demissão ao me pedir isso.

— Qual o nome do artista? — Era tudo ou nada, então acho que eu


não teria muitas escolhas.

— VanTae. — O nome de imediato me soou estranhamente familiar


e um calafrio percorreu a minha espinha.

— Tudo bem. Eu vou trazer a entrevista — tendo dito isso e sabendo


que eu já estava assinando a minha demissão, saí da sala com um enorme
peso sobre os ombros.

Como eu faria para entrevistar alguém que não dá entrevistas?

Eu teria que começar por algum lugar, então, após queimar meus
neurônios pensando em uma solução que me colocasse diante do tal artista
super difícil, simplesmente decidi pesquisar sobre ele no Google, qualquer
coisa que me ajudasse a saber como chegar nele. Digitei VanTae na barra de
pesquisas e me deparei com um pequeno artigo falando apenas sobre a
exposição do grande fotógrafo, algumas matérias sobre a fama internacional
dele e os famosos mundo afora que compraram seus quadros de fotografias,
a lista incluía nomes de peso o que imediatamente o tornou famoso. Por que
gostavam tanto dos quadros de fotografia
dele? A matéria perguntava, mas não li a resposta para essa pergunta
descrita no site, resolvi que tinha que ver por mim mesma as obras e tentar
entender a fama deste artista.

Catei minhas coisas e segui para o metrô, a estação ficava a poucas


quadras da galeria. Paguei minha entrada e me direcionei para a parte da
galeria onde as obras do tal VanTae estavam expostas.

Não era um espaço muito grande para um artista famoso, era até
mesmo uma exposição bem tímida, porém mesmo não sendo um horário de
grande movimentação, tinha bastante gente vendo as obras e tirando fotos.
Comecei a olhar as fotografias expostas e parei diante da segunda da
primeira fileira, era uma tartaruga sobre pedras com o mar atrás. Uma foto
muito bonita, mas bem simples, bem intimista, como se fosse uma
fotografia tirada por um amigo. Analisei o ambiente em volta com todas
aquelas pessoas vendo fotografias intimistas, marketing era mesmo
impressionante.

— Com licença — ouvi uma mulher falando perto de mim com


alguém da galeria e me ative na conversa. — Quero comprar uma obra,
como faço? Posso negociar diretamente com o artista?

— Era uma senhora de boa aparência, andava com uma bolsa da Prada e
logo dava para saber que tinha dinheiro.

— A senhora deve ir até o escritório do artista que fica em


Gangnam, lá ele atende as pessoas que desejam comprar suas
obras todas as quintas e sextas — a moça da galeria respondeu e entregou
um cartão à senhora rica.

— Com licença — falei de imediato. — Pode me dar um cartão


desses? Também tenho interesse em comprar uma das obras. — A moça me
olhou como se me analisasse e eu sabia que ela estava fazendo isso, mas
não liguei. Só queria o cartão. — Essa aqui vai ficar perfeita na minha casa
de praia — menti, apontando para a fotografia da tartaruga para parecer
mais convincente. A moça sorriu, parecendo convencida e me entregou um
cartão dourado com o nome VanTae se destacando.

Enquanto voltava para casa, encarei o cartão bonito. Meu coração


palpitava ansioso pelo meu encontro com o tal VanTae — que aconteceria
amanhã — após eu ter ligado para o escritório e agendado previamente
minha pequena reunião de intenção de compra de uma das fotografias.

Joguei-me em meu sofá, deixando que o jazz preenchesse todos os


espaços do apartamento vazio enquanto comia mais um pedaço da pizza
que comprei há três dias atrás e tomava mais um gole de vinho.
Mentalmente repassei diversas vezes as coisas que pensei em dizer para o
tal fotógrafo VanTae, na esperança de que ele entendesse a minha posição e
me ajudasse, eu precisava dessa entrevista para manter meu emprego, ou
então já era.
Escolhi a roupa mais apresentável que eu tinha no guarda-roupa e
passei maquiagem. Comi meu desjejum com certa pressa, o escritório
ficava em Gangnam, claro, e seria uma viagem excepcionalmente longa até
lá. Deixei recado para o meu chefe sobre a possibilidade de não pisar na
redação hoje porque estaria fazendo trabalho de campo e me preparei
mentalmente para o não. Conseguir essa exclusiva não seria fácil e a
possibilidade de um sim era minúscula.

Em uma recepção pequena, algumas pessoas já esperavam para


serem atendidas, olhei em volta curiosa, confirmei com a recepcionista meu
motivo de estar lá e ela me pediu para aguardar.

Sentei em uma das poltronas disponíveis e esperei, observando o


público do fotógrafo enquanto não chegava a minha vez de ser atendida.
Pessoas de mais de quarenta anos, ricos, na sua grande maioria mulheres,
um público curioso. Na recepção, uma música conhecida por mim tocava
baixinho e me levou imediatamente para tempos remotos onde o TaeHo
colocava essa música para tocar enquanto me ajudava a limpar a casa.
Definitivamente era a música que ele mais gostava de ouvir naquela época.
Baixei minha cabeça, encarando as minhas mãos, eram lembranças lindas e
felizes, mas que me traziam certa tristeza. Eu tinha superado? Claro que
tinha! Passaram-se cinco anos, eu não tinha outra escolha, mas lamentava e
provavelmente
lamentaria para o resto da vida as coisas que não vivemos porque tenho
certeza que nunca mais amaria ninguém como amei ele. Vivi
relacionamentos que, no fundo, sabotei porque esperava sentir aquele amor
de novo e não conseguia sentir.

Devido às minhas inúmeras escolhas erradas ao longo de todo esse


tempo, acabei decidindo que focaria em terminar meu curso e me fixar na
carreira, não iria mais tentar tapar o buraco da ausência dele e, desde então,
tenho estado solteira, mas feliz por não viver uma mentira. Encontrei no
meu trabalho todo o acalento que precisava para viver uma vida sadia.

A música mudou e a moça da recepção aumentou um pouco o tom


de voz para falar com uma cliente que não entendia o que ela falava. A
porta da sala atrás dela abriu e um casal de clientes saiu seguidos por um
homem, que inicialmente não vi o rosto porque estava atrás do casal, a
recepcionista ficou em pé, pegando os papéis que o homem trazia.

— Mais um fechado — ele falou. A voz tão familiar e ao mesmo


tempo estranha fez minha garganta secar e fiquei em pé de imediato com o
susto que tomei. O casal se afastou saindo de vez do recinto e pude ver com
clareza o homem de sobretudo caramelo, cabelos negros e moldados em
pequenas ondinhas compridas que se dispunham por todo o comprimento
do cabelo dele. Ter ficado de pé chamou a sua atenção e ele se virou para
me olhar com um sorriso receptivo, mas, ao me notar, seu sorriso se desfez
tão de imediato quando meu queixo encontrou o chão.
VanTae estava diante de mim e não pude crer no que eu via, ele, na
verdade, era Kim TaeHo e jamais suspeitei de tal coisa, mesmo que, por um
momento em meio aos pensamentos confusos, fizesse total sentido que ele
fosse o VanTae. O mundo sumiu no instante em que nossos olhos se
cruzaram, um filme dos últimos cinco anos passou em minha mente
rapidamente e havia tanta coisa para ser dita, tantos sentimentos para serem
resolvidos, tanto para ser ouvido porque, pela expressão dele, Kim TaeHo
também queria me dizer algo. Meus sentidos sumiram de mim e não senti
mais o chão, meus batimentos ficaram erráticos e perdi o controle sobre
minhas próprias ações.

Pisquei atônita e tudo ocorreu em um breve segundo. Catei a minha


bolsa e a segurei com força, algumas pessoas na sala pareceram perceber
que nós dois nos encaravámos, mas não liguei para nenhuma delas, em um
suspiro rápido voltei a sentir os pés, tempo suficiente para girar nos
calcanhares e sair dali como se fosse o The Flash com pressa. Só soltei o ar
que prendia nos pulmões quando já estava a uma quadra de distância do
escritório do fotógrafo, parei por um segundo na esquina do cruzamento
movimentado, mas não via nada, pisquei descontroladamente, mas não tive
coragem de olhar para trás, um fantasma conhecido me assombrava e tive
medo de estar sendo perseguida por ele.
Pisquei pela milésima vez encarando o teto do meu quarto. Minha
mente oca divagando em pensamentos aleatórios não conseguia processar
informação nenhuma, nem conseguia me ajudar a sair dali, estava presa em
cima da minha própria cama paralisada pelo torpor da sensação de ter visto
um fantasma. Acho que, em algum momento, a minha matriz falhou porque
tenho certeza absoluta que vi Kim TaeHo vestido em um casaco caramelo e
vendendo arte como se fosse um fotógrafo famoso. Eu só podia estar
ficando louca. Não era possível que ele e VanTae fossem a mesma pessoa,
mesmo que em algum lugar do meu subconsciente eu tivesse certeza que no
fundo sempre soube disso.

Sentei em minha cama, finalmente saindo da paralisia que me


prendia ali, parei de encarar o teto para começar a encarar a parede, mas em
um salto decidi me levantar e sair desse sentimento estranho que me
apossava.

Não fazia sentido ser ele.

Pesquisei o que pude sobre o VanTae antes de tentar entrevistá-lo e,


mesmo que não houvessem muitas matérias sobre ele em si, pelo perfil de
atitude não parecia ser meu ex-namorado, não o Kim TaeHo que eu
conheci.

De repente fui inundada por diversas memórias de nós dois,


memórias que custei anos a fio para enterrar profundamente e me peguei
sorrindo minimamente ao pensar nele, lembrei das nossas brigas de espuma
na cozinha. Eu me sentia em um daqueles dramas juvenis e fofos que todo
mundo deseja viver, era bom. Em
dois anos ao lado dele foi como ter vivido um sonho longo, bonito, intenso
e feliz.

Eu não falava sobre Kim TaeHo com ninguém, tentava evitar pensar
o máximo que dava e assim acabei conseguindo sobreviver a nossa dolorosa
separação, porém, somente o fato de vê-lo bem diante de mim, causou-me
estranheza e me senti confusa sobre o que vi, sobre como estava me
sentindo e principalmente como lidaria com isso. Depois de cinco anos, eu
realmente achei que nunca mais o veria, o mundo é enorme e, mesmo
morando em um país minúsculo, ainda somos cinquenta milhões de
habitantes, não era como se fosse fácil nos esbarrarmos por aí, então eu
realmente achei que nunca mais o veria pessoalmente, mas, não, como tudo
sobre mim e TaeHo, o destino resolveu nos pôr frente a frente totalmente ao
acaso. Meu Deus, por que meu chefe me mandou entrevistar o VanTae?

Pensando bem agora, eu não teria coragem de voltar lá e constatar


que meu fantasma estava vivíssimo, portanto não teria como entrevistá-lo,
portanto já podia começar a distribuir currículos porque perderia o meu
emprego dos sonhos.

Suspirei de novo. Ótimo!


Liguei a TV despretensiosamente, decidida a esquecer de vez a
manhã de hoje. Gastei toda a minha energia tentando me convencer de que
não tinha acontecido nada, havia sido só uma ilusão, um delírio da minha
cabeça, uma super capacidade de projetar um fantasma bem diante de mim
com perfeita exatidão e em HD. Porque qualquer outra hipótese era muito
perturbadora para lidar e eu definitivamente não estava pronta.

Joguei-me no sofá, olhando a hora no celular, minha pizza

— de novo — estava demorando para chegar. Três batidas seguidas na


minha porta indicaram que minha comida havia chegado.

Corri para abrir a porta faminta depois de não ter comido nada o dia
inteiro. Minha pretensão era ter uma overdose de pizza hoje, comeria os
oito pedaços sozinha.

— Finalmente — falei, abrindo a porta, o moço da entrega estava de


costas para mim e inicialmente estranhei as roupas que usava, mas, quando
vi as calças largas dele, constatei que tinha sido uma péssima ideia pedir
pizza. Ele se virou para me encarar e meu ar fugiu dos pulmões. Não
consegui falar nada, o que eu diria? Pisquei atônita, sentindo meu pulso
totalmente desregulado.

— A pizza está paga — Kim TaeHo proferiu as palavras com calma


e graça e tive que piscar mais uma vez para ter certeza que tinha mesmo
ouvido a voz dele, ao vivo, bem diante de mim, e não pelos vídeos que
mantive no meu drive por todos esses anos. Por instinto, em uma reação
completamente confusa, fechei a porta
e fiquei encarando a madeira pintada de branco por alguns segundos, o que
eu havia feito? Fechei a porta na cara dele? Desesperada para saber se não
tinha sido uma alucinação, abri a porta novamente e ele permanecia
igualmente em pé com uma caixa de pizza em uma mão e a outra dentro do
bolso da calça preta. Ele sorriu confuso, ok! Minha reação foi mesmo
estranha.

— Está tudo bem? — Foi preciso apenas alguns segundos para ele entender
que eu era uma total confusão nesse momento. Kim TaeHo sempre soube
que causava uma avalanche de sentimentos em mim e, nesse momento, eu
estava sendo tragada pela bola de neve sem conseguir dar nome aos
sentimentos.

— Desculpa, eu… Desculpa, eu não esperava — tentei me explicar.

— Tudo bem, eu deveria ter dado um jeito de avisar, mas se não foi
uma boa ideia eu posso simplesmente ir…

— Não — interrompi-o com certo desespero. Pigarrei para me


recompor. — Pode entrar — falei pausadamente, tentando me acalmar, uma
mulher adulta não podia se desestabilizar dessa forma, pelo amor.

Eu era melhor que isso.

Saí do meio da porta para que ele passasse e, diante de tantas


surpresas, uma me chamou a atenção, o cheiro do perfume dele permanecia
o mesmo e me inundou de tantas memórias que foi difícil não querer chorar.
Maldito, o desgraçado estava diante de mim depois de cinco anos
como se nada tivesse acontecido. Oh céus, eu estava tão confusa sobre o
que sentia! Meu fantasma pessoal que tornou do passado para atormentar
minha vida pôs a pizza em cima da mesa e, em seguida, tirou seu casaco
preto, pondo em cima da cadeira. TaeHo não havia mudado nada, apenas
alguns pequenos detalhes e o cabelo preto que estava bem maior do que eu
jamais havia visto, a franja já quase passava dos olhos e estava arrumada de
um jeito contraditoriamente bagunçado. Ele usava uma blusa preta de
estampas em tons marrons e era tão brega, mas combinava absurdamente
com TaeHo.

Somente ele combinava com aquele tipo de roupa, vintage e


classudo, pelo visto isso nunca mudaria. Achei acalento no fato dele ainda
ser aparentemente o mesmo e me fez sentir como eu era antes dele partir.

Senti falta desse meu eu que foi enterrado pela dor de sua partida.

— Bom… — resolvi falar algo porque já estava ficando estranho o


silêncio. — Eu pretendia jantar sozinha hoje, mas quer comer também? —
Tentei ser natural e simpática, mas estava totalmente desestabilizada, só não
queria mais dizer isso. TaeHo abriu um sorriso sutil e assentiu com a
cabeça, parecendo apenas um cara interessado na minha pizza.
Rapidamente coloquei dois copos na mesa, tirei o refrigerante que
tinha comprado e sentei na cadeira de frente para ele.

— Você nunca vai perder a mania de usar esses pijamas surrados que
são a sua cara, né? — Kim TaeHo comentou de repente enquanto eu
começava a me servir de pizza. Encarei-o, depois olhei para meu próprio
estado. Droga! Nem tinha me tocado que estava usando uma blusa surrada
de um candidato à prefeitura de Seoul das eleições passadas; peguei a blusa
não pelo candidato, mas porque era de um tamanho perfeito para um
vestido para ficar dentro de casa. Abri a boca para falar, mas o que eu iria
dizer? Estava descabelada e com aquela roupa, não tinha jeito mais
desarrumado de recebê-lo. — Senti a sua falta. — Soltou aleatoriamente e
eu não estava preparada mesmo. — Desculpa ter aparecido assim do nada, é
só que eu queria te ver, mas não tive coragem antes. Só queria saber se
estava tudo bem com você, jamais imaginei que te veria hoje lá no
escritório, fiquei meio sem reação, desculpe por isso também — falou tudo
rapidamente, mas eu ainda estava processando o "Senti a sua falta" que ele
soltou. — O que foi fazer lá no escritório hoje? Você pareceu surpresa em
me ver, então não entendi nada…

— O que todo mundo estava lá para fazer — menti, mais ou menos,


eu estava lá para isso, mas para outra coisa também.

— Mas você não sabia que eu era o VanTae? — questionou-me,


servindo-se de pizza também.
— Quem sabe? Sua identidade não foi revelada ainda, não existem
muitas informações ou entrevistas sobre você, como eu saberia? —
perguntei.

— Verdade, isso explica muita coisa — disse, sorrindo e eu precisei


desviar o olhar do dele. — Como tem vivido todo esse tempo?

— Minha vida mudou muito desde a sua partida, mas tenho vivido
bem, já você não preciso nem perguntar, em pouco tempo se transformou
em um artista conhecido. Como isso aconteceu? — Talvez se eu
perguntasse sorrateiramente as coisas que precisava saber, ele me contasse e
eu pudesse fazer uma boa matéria sobre, mesmo que, no momento, ele
ainda não soubesse do meu emprego e das minhas intenções.

— Com o que você trabalha atualmente? — Kim TaeHo ignorou


totalmente a minha pergunta. Suspirei, pelo visto ele estava mais
interessado em saber sobre a minha vida e no fundo eu tinha uma boa ideia
do porquê.

— Sou estagiária atualmente, estou no meu último ano de faculdade


— respondi. Ele pareceu curioso.

— Sério? Como isso aconteceu? — Nesse momento, ele pôs a mão


no queixo, demonstrando total interesse em minha história, seus olhos
miravam os meus em uma espécie de intenção de conexão, mas eu não
queria me conectar com ele, então fugi da sua investida. Tinha medo do que
aconteceria se eu simplesmente
me permitisse, conhecia aquele homem o suficiente para saber que ele era
perigoso, um descuido e Kim TaeHo acabaria na minha cama essa noite e
não era o que eu queria. Não mesmo. Suspirei, decidi que o melhor seria
contar para ele a verdade sobre meus motivos para estar lá e até mesmo a
razão de ter o aceitado em meu apartamento nesse momento.

— Eu fiz um despretensioso teste de aptidão na internet alguns


meses depois de ser demitida e estar deprimida dentro desse apartamento
sozinha. E, diante das respostas do teste, resolvi me arriscar, começar de
novo, então ingressei na faculdade e durante dois anos e meio trabalhei em
um café pra pagar os meus custeios, até conseguir um estágio no jornal de
Seoul — expliquei, tomando um gole de refrigerante ao terminar de falar.

— Você trabalha em um jornal? — questionou. Consenti.

— Então…

— É, eu menti, não estava atrás do VanTae para comprar um quadro,


queria uma entrevista. Eu sou colunista do site do jornal e estou fazendo um
artigo sobre artistas coreanos, meu chefe pediu pra conseguir uma exclusiva
com o VanTae e nunca imaginei que acabaria com você sentado diante de
mim por causa disso. Mas, já que está aqui, preciso ser franca: sem essa
entrevista, eu perco o meu emprego. Com essa entrevista, eu ganho um
cargo efetivo, então gostaria que você pudesse considerar me conceder essa
exclusiva, por favor? — Tomei fôlego logo após falar, quase que sem
pausa, tudo o que eu precisava dizer de uma
vez só em um sopro de coragem. TaeHo piscou um par de vezes, parecendo
surpreso.

— Ok, isso é bem repentino. — Soltou um riso nervoso. — VanTae


não dá entrevistas, então eu… — Meu ex-namorado me encarou antes de
terminar a frase, pareciam haver palavras não ditas entre nós dois, um eco
estranho de batidas desenfreadas, uma estática elétrica e selvagem como
uma tempestade criada por nuvens escuras de um passado carregado de
emoções. Dessa vez não fugi de seu olhar, pelo contrário, tentei entender e
me antecipar a sua resposta, um sorriso brincalhão brotou em seus lábios
avermelhados. — Que se dane, se eu posso te ajudar em algo então eu
concedo a entrevista. É agora? — perguntou-me, demorou alguns segundos
para que eu entendesse que ele disse sim, mas não sei exatamente o que fez
minha mente anuviar, se foi o choque da resposta ou a vontade repentina
que senti de beijá-lo.

— Agora? Sim, pode ser! — respondi, já ficando de pé para caçar


meu bloco de notas na bolsa e meu celular para gravar a nossa conversa. —
Se você achar que não pode responder alguma pergunta é só me avisar, ok?
Mas só preciso saber do básico e já está de bom tamanho. — Não estava
acreditando que conseguiria a entrevista que precisava para manter o meu
emprego, quando, na verdade, já tinha me conformado que seria demitida.

Tomei fôlego antes de começar a entrevista, não era da forma como


eu imaginei, nem com quem eu queria, estava na minha forma mais
informal possível e não gostava disso, não me sentia profissional, porém o
importante era conseguir o que eu
precisava. TaeHo respondeu a todas as minhas perguntas sobre a sua
carreira e como chegou no topo ao som de música ambiente que ele mesmo
colocou para tocar e um pouco de vinho que lhe ofereci. Tae me encarava
com a mão no queixo, parecendo meio fascinado enquanto respondia às
minhas perguntas com satisfação e gentileza.

Um ator famoso estava de férias na Austrália e viu uma de suas


obras, comprou e postou nas redes sociais, onde era seguido por milhões de
pessoas. De um dia para o outro, todas as fotos haviam sido vendidas e ele
precisou organizar outra exposição. Rapidamente vendeu tudo de novo e
virou notícia na internet, de repente seu pseudônimo era conhecido e ele
tinha vindo parar aqui. Uma combinação de talento, sorte e uma pequena
divulgação nas redes sociais. Explicou também que não queria que o Kim
TaeHo ficasse famoso para que pudesse viver uma vida normal no
pseudoanonimato já que ele mesmo atendia aos seus clientes. Foi uma
entrevista satisfatória e que me rendeu conteúdo para um bom artigo. Meu
emprego estaria garantido quando eu entregasse meu artigo na mesa do meu
chefe.

— Obrigada de verdade pela entrevista, salvou a minha chance de


virar uma jornalista profissional — agradeci gentilmente, mas por dentro
estava em êxtase.

— Você já é profissional. Me entrevistou de forma imparcial e


profissional, sem perguntas desnecessárias. Caramba, eu tô bem orgulhoso
de você. — Kim TaeHo cruzou os braços e me encarou com um meio
sorriso. Sorri de volta para ele, feliz.
— Eu também estou orgulhosa de você. Saber que você se tornou
alguém tão importante faz com que eu sinta que tudo pelo que eu passei, de
alguma forma, valeu a pena. — Eu não queria tocar nesse assunto, mas era
verdade, sentia-me como se a missão estivesse cumprida. Eu desejei que ele
realizasse seus sonhos e ele realizou.

— Será que valeu mesmo? — perguntou pensativo. Pisquei surpresa,


sim? Respondi para mim mesma. Acho que sim.

— Bom… — Catei meu material, ficando de pé para guardá-los. —


Eu acho que valeu — respondi, dando-lhe as costas. Levei minhas coisas
para o quarto e as coloquei em cima da cama. O relógio analógico apitou,
porque eu tinha marcado para apitar às vinte e três horas para que eu
pudesse ir dormir, meu plano inicial era comer pizza e assistir a um filme e
depois cama, porque precisaria acordar cedo amanhã. Encarei o relógio,
sendo inundada pelo passado.

23h01.

Sorri para mim mesma, lembrando como eu odiava aquele cara que
agora estava na minha sala, todas as noites, depois das vinte e três, ele
inundava meu quarto com seus gemidos em uma transa nada sigilosa e
esquisita até.

Por um breve momento, não pude crer que vivi uma linda história de
amor com ele que fora interrompida por sonhos que
precisavam ser realizados acima do nosso amor. Virei-me para voltar para a
sala inundada de sentimentos antigos e dolorosos, mas esbarrei em Kim
TaeHo, que estava atrás de mim.

— Que susto — soltei, deixando uma lágrima escapar.

— Você demorou… — começou a falar. Encarei-o próximo a mim,


sentindo uma nova onda de sentimentos antigos me tomar. Ele permanecia
tão bonito quanto a última vez que eu o havia visto. Seu cabelo estava um
pouco maior e senti vontade de sentir os fios macios dele entre meus dedos.
Percebendo que eu o encarava profundamente, muito além do agora, Kim
TaeHo, meu fantasma mais vivo do que nunca, fez aquilo que eu amava e
odiava profundamente, passou a língua por entre os dentes de um jeito
terrivelmente provocante e, nesse momento, percebi que a vinda dele aqui
tinha mais que apenas a intenção de me rever. O maldito sempre fora mal
intencionado e percebi também que eu não ligava.

Talvez até quisesse. Mesmo que outrora tivesse negado


veementemente a mim mesma.

— O que veio fazer aqui de verdade? — perguntei, cheia de emoção.


Ele sorriu.

— Na verdade, eu não sei. Só vim — respondeu, dando de ombros e


eu senti que era honesto enquanto falava isso. — Só senti que eu tinha que
vir. Na verdade, eu deveria ter vindo antes, mas acho que o destino quis
assim.
— Você sabe que foi um erro, não é? — Ele sorriu diante da minha
pergunta.

— Não, não foi um erro. — Seus olhos me encararam ardentes,


buscando consentimento, talvez? Não sei, só sei que eu silenciosamente
consenti, soltando um breve suspiro como quando nos preparamos para
algo realmente grande. Era maduro admitir as nossas fraquezas, certo?
Tudo bem ser fraca! Eu não precisava fingir que não queria estar nos braços
dele depois de cinco anos porque, no fundo do meu coração, sentia que
precisava cometer esse erro de alguma forma e estive esperando por uma
oportunidade de errar feio por todo esse tempo.

Joguei-me sem medir consequências de encontro a ele, passando


meus braços em volta do seu pescoço e o puxando para mim, atrás de tocar
sua boca com a minha. Quando nossos lábios colidiram com fome, sede,
necessidade e pressa, desabei em mim mesma, desarmei todas as minhas
amarras para fugir de meus sentimentos e me inundei no que, um dia, foi
um amor ardente e intenso. Ele ainda usava o mesmo perfume e viajei para
longe para uma época que me fazia muita falta. Fechei meus olhos e decidi
reviver as lembranças.

Era como se tivéssemos voltado no tempo, ele não tinha ido embora,
eu não tinha sofrido e me machucado profundamente com isso e eu o tinha
em meus braços nesse momento. Suas mãos seguravam meu rosto, tentando
dar alguma ordem ao nosso beijo afobado, mas eu estava com saudade dele,
uma saudade maior do
que eu mesma, que transcendia a razão e a emoção, era muito maior que
nós dois. Saudade de ser um dia quem fui, ser a mulher dele. Eu queria isso.

Precisava disso.

Então Kim TaeHo separou nossos lábios, interrompendo o beijo na


primeira oportunidade que teve, seus dedos desenhavam linhas invisíveis
nas maçãs do meu rosto e seus olhos procuravam respostas nos meus.

— Tem certeza? — perguntou em meio aos suspiros ofegantes. Não,


eu não tinha certeza, porque eu não precisava ter certeza, a única coisa que
eu precisava era viver aquele momento, o que aconteceria após não me
interessava nenhum pouco.

Gostaria de não pensar nas dores do amanhã, pelo menos por esse
momento. Assenti, afirmando meu desejo. Ele, por sua vez, sorriu ladino e
em seguida mordeu o lábio inferior, soltando um suspiro longo e profundo,
fez um movimento de negação lento com a cabeça e então me puxou para
que pudéssemos retomar nosso beijo.

Minhas mãos ágeis logo trataram de percorrer seu peitoral em meio


aos beijos e abrir os botões de sua camisa acetinada, um por um, com certa
dificuldade, mas o fiz e, assim que ele estava com o dorso nu, separamo-nos
novamente para que ele pudesse retirar a calça e eu tratei de rapidamente
me livrar da blusa horrenda que usava. Vacilo, lá estava eu novamente de
calcinha e
sutiã beges da vovó, totalmente despreparada para esse momento, lamentei
pelas lingeries belíssimas que estavam no fundo da gaveta.

Quando voltou para mim, um largo sorriso se formou nos lábios


dele, seus olhos percorreram todo o meu corpo seminu e eu corei de
vergonha. Tinha certeza que sabia o que ele estava pensando. Estávamos
voltando ainda mais no tempo, no dia em que finalmente nos conhecemos
formalmente e a lembrança era boa para nós dois.

— Você é perfeita — soltou baixinho, abraçando-me perto de seu


corpo seminu, o calor de nossas peles se tocando e a sensação de estar em
casa, de pertencer, de estar completa de novo me tomaram.

Por um breve momento, eu quis chorar, mas não consegui me deixar


levar porque, no segundo seguinte, ele me empurrou vagarosamente para a
cama até que estivesse deitada. Sem cerimônia alguma, abaixou-se ao pé da
cama de joelhos e retirou a minha calcinha, dando beijos e chupões em
minha barriga e foi descendo até chegar no lugar onde queria. Apenas
mordi o lábio ansiosa, sabia muito bem o que ele sabia fazer com a língua e
arfei em antecipação. Fui tomada pelo prazer do toque de sua língua bem
onde eu estava extremamente excitada e inchada. O toque aveludado e
quente que me fez gemer e implorar por mais agarrada aos lençóis da cama,
de costas arqueadas e pernas abertas, totalmente entregue às sensações até
chegar em meu ápice, algo que não sentia há muito tempo, um orgasmo
entregue, satisfatório,
que me fez queimar por dentro, roubou-me o ar e deixou os nós dos meus
dedos doendo de tanto apertar os lençóis da cama.

Kim TaeHo ficou de pé, assistindo-me enquanto ainda me contorcia


em prazer e continha gemidos. Quando finalmente me recompus, sorri um
pouco envergonhada por ter chegado tão rapidamente ao meu orgasmo, mas
não podia fazer nada, tinha sido incrível. Sentei na cama ainda ofegante e
peguei silenciosamente em sua mão, chamando-o para sentar na cama e
trocarmos de lugar. Fiquei em pé rapidamente para pegar uma camisinha
para ele, que colocou sem muitos rodeios, então sentei em seu colo,
acomodando-o dentro de mim sem muita dificuldade devido ao meu alto
nível de lubrificação. Comecei a fazer movimentos com o quadril enquanto
suas mãos puxavam minhas nádegas, separando-as com força. Os tão
desejosos gemidos dele chegaram aos meus ouvidos como música e
novamente fui tomada pela familiaridade, gostaria de poder gravar aquele
som que era tão excitante, mas que também me lembrava de velhos tempos
onde eram irritantes. Entreguei-me de corpo e alma para ele, dando o
melhor de mim para que ele sentisse prazer como nunca antes, minha
intenção era marcá-lo de alguma forma, para que jamais se esquecesse de
mim.

O som de um trovão ao longe me despertou, estava chovendo. O


quarto se iluminou e logo depois ouvi mais um trovão estrondoso e
assustador. Encolhi-me por reflexo, em minha
mente grogue ainda sonolenta, memórias de uma noite incomum vieram à
tona. Vinho, sexo, entrevista e Kim TaeHo. Olhei por cima do meu ombro,
pois estava deitada de lado e ele ainda estava lá, dormindo profundamente,
totalmente alheio a qualquer coisa. Não tinha possibilidade de ter sido um
sonho, eu e ele realmente transamos — algumas vezes — após ele aparecer
aqui do nada.

O destino pregava peças cruéis, porém bem arquitetadas. Fui parar lá


no escritório dele, diante dele, para que ele parasse aqui na minha cama.

Fechei os olhos, absorvendo os sentimentos e tentando entendê-los


ao máximo enquanto ouvia a chuva chicotear a janela do meu quarto lá
fora. Precisava pôr a minha cabeça em ordem antes de finalmente encará-lo.
O que eu estava sentindo?

Sentia-me como se tivesse feito uma viagem no tempo e revivido


momentos que eu nunca queria ter perdido. Mas por que eu estava sentindo
isso? Porque Kim TaeHo era um pedaço importante da minha vida. Para
que servem esses sentimentos? Pensei na última pergunta, qual seria a
melhor resposta para ela, para que serviam os sentimentos que estavam me
tomando agora, nostalgia, tristeza, plenitude, ansiedade, certeza, dúvida,
medo, coragem… Novamente me vi presa em sentimentos ambíguos
causados por ele.

Suspirei.
A quem eu estava querendo enganar? Eu sabia exatamente para onde
essa noite e esses sentimentos nos levariam. Sabia que não adiantava me
sentir dividida entre sentimentos, eu não era mais aquela garota que virava
um tormento diante dele, não era mais a garota que cedia a tudo o que
sentia sem medo, sem reservas. Eu fiz isso na noite passada porque queria
me sentir assim uma vez mais, mas a verdade era que encarar os fatos me
trazia de volta para quem eu sou hoje, para quem a dor me tornou.

Levantei vagarosamente, escovei os dentes e fui para a cozinha


preparar algo para comermos. Já passa das seis da manhã, logo eu teria que
sair para trabalhar. A vida, a minha vida, me esperava para ser vivida e eu
precisava completar meu artigo com a entrevista do VanTae para hoje
ainda, queria logo garantir de vez o meu emprego em uma das maiores
empresas de comunicação de Seoul.

Preparei arroz, esquentei o caldo de peixes e preparei rammyeon


para nós dois, não sabia se ele comeria aqui, mas preparei mesmo assim. O
cheiro da comida o acordou, provavelmente. Com os cabelos bagunçados e
sem camisa, Kim TaeHo surgiu na cozinha.

— Bom dia. Que horas são? — Ele não parecia perguntar para mim,
parecia mais para si mesmo.

— Seis e quarenta e cinco da manhã — respondi mesmo

assim.
— Tenho que ir, preciso estar no escritório às oito — disse o que eu
já imaginava que ia dizer.

— Se veste e vem comer, fiz para nós dois. — Ele olhou para a mesa
em sua frente e pareceu ponderar se deveria ou não ficar. Deu de ombros e
deu meia volta para o quarto, voltando em segundos com a camisa já sobre
o corpo, abotoando os botões.

Foi um desjejum silencioso. Acho que o mais silencioso de toda a


minha vida, mesmo morando sozinha, nunca tinha ficado em tanto silêncio
enquanto comia. A cozinha era preenchida apenas pelo som do mastigar
dele.

— Nossa, está chovendo — ele falou de repente, parecendo


realmente só ter reparado agora.

— Eu acordei com um trovão — expliquei. Silêncio novamente e


não nos encarávamos.

— Eu tenho que ir — TaeHo quebrou o silêncio. Suspirei, era


chegada a hora. De novo.

— Você não vai ficar em Seoul, não é? Lembro que eu li em algum


lugar que logo sua exposição estará indo para Nova Iorque — era uma
pergunta obviamente retórica já que eu mesma já tinha dado a resposta.

— Semana que vem — respondeu. — Finalmente vou poder ver A


Noite Estrelada pessoalmente.
— Então provavelmente essa é a última vez que nos veremos? —
perguntei.

— Eu assinei um contrato de bolsa de estudos mais trabalho lá. Vou


ficar por um tempo nos Estados Unidos — explicou. Eu ri.

— Você veio aqui só atrás de sexo? — Precisava tirar algumas


dúvidas antes de tirar as minhas conclusões.

— Eu nem imaginei que aconteceria algo do tipo — respondeu. —


Eu só queria te ver, saber se estava tudo bem com você, se…

— Veio se livrar da culpa por ter me deixado para trás anos atrás e
saber se ficou tudo bem? — O Kim pareceu surpreso com minha direta.

— Não, eu só…

—Tudo bem, não precisa se explicar. Eu não estava esperando nada.


Eu tô bem como pode ver, segui a minha vida, você a sua, tá todo mundo
feliz, que ótimo. As escolhas foram as certas — falei tudo em um jorro só.
Mas, na verdade, eu não estava brava com ele, essa também era uma dúvida
que carreguei por cinco longos anos, tinha sido a escolha certa? Tinha
valido a pena? A resposta estava diante de mim. Sim! Ambos estávamos
onde deveríamos estar agora. Foi o certo e todas as dúvidas de anos e todos
os e se se apagavam nesse momento. Ninguém aqui
precisava viver pensando no passado. Agora o passado realmente era
apenas passado.

— Me desculpa, eu…

— Não precisa pedir desculpas — interrompi-o. — Ninguém foi


obrigado a nada, eu quis, você quis, foi bom e necessário. — O telefone
dele tocou, Tae olhou para a tela e rejeitou rapidamente a chamada.

— Eu realmente tenho que ir. Mas eu posso te ligar se quiser me dar


o seu número — falou.

— Claro, podemos ser amigos e não perder o contato. Torço pela sua
felicidade e pelo seu sucesso. Eu tô com o seu e-mail, te mando depois —
falei. — Te mando também o link do artigo com a sua entrevista. Não se
preocupe, vou falar muito bem de você.

— Eu também e tô muito feliz que, graças à entrevista, você vai


conseguir o trabalho. — Meu ex-grande amor sorriu gentilmente para mim
e sorri de volta para ele. Encaramo-nos por alguns segundos antes do
telefone dele tocar de novo, assustando-nos. — Eu realmente tenho que ir.
— Ficou de pé e me levantei para me despedir dele. Seus braços passaram
em volta de mim em um abraço apertado e gentil. Retribuí com sinceridade.
Meu ex-vizinho catou as suas coisas enquanto eu abria a porta para que
saísse. Antes de passar por mim, Kim TaeHo parou no umbral da porta e se
voltou para mim. — Obrigado por essa noite, eu
precisava dela. Te amei de verdade e precisava mesmo de um adeus digno
com você. — Sorri para ele.

— Eu também precisava disso. Kim TaeHo, você foi uma das


melhores coisas que aconteceram na minha vida, eu nunca vou esquecer de
como fui feliz com você. — Eu estava sendo sincera. Ele se inclinou para
me dar um selinho demorado e eu aceitei de bom grado.

— Tchau — falou e saiu pela porta e eu demorei alguns segundos


com ela aberta ainda, até que finalmente a fechei e, com a partida dele,
todos os meus sentimentos confusos sobre tudo iam embora também. Fiquei
estática no meio da sala por alguns minutos enquanto olhava para o nada.
Kim TaeHo veio e se foi como uma ilusão, um momento de plenitude e
agora era tudo como sempre foi. A presença marcante voltando a ser apenas
uma lembrança em minha mente.

Eu precisava disso, a gente precisava disso. Precisávamos apagar a


sensação de que ficou faltando algo, de que poderíamos ter feito mais, a
gente tinha que se livrar dos e se que a vida deixou pelo meio do nosso
caminho.

E tudo bem.

Não é porque acabou que não foi amor. Não é porque não estamos
mais juntos que não foi verdadeiro. A gente se pertenceu e se deixou, e não
foi um final feliz para nós dois juntos como casal, mas também não foi um
final triste para nós dois como pessoas.
Escolhas são feitas e com elas vêm as consequências. Eu fiz uma escolha,
ele fez a dele e hoje provei do gosto mais amargo e mais real dessas
consequências, mas não doía, porque eu já sabia que seria assim.

Tirei meu pijama, tomei um banho quente, longo e demorado; vesti


minha melhor roupa, passei maquiagem, peguei as minhas coisas para ir
trabalhar e coloquei na bolsa. Hoje o dia prometia, meu emprego estava
garantido e eu entregaria o melhor artigo da vida, provando a minha
competência e, claro, a ajuda que o destino quis me dar. Passei pela porta,
trancando-a e logo estava caminhando pelas ruas movimentadas do meu
bairro localizado no centro. A chuva tinha passado, sempre chovia, mas o
sol também sempre aparecia e, como eu sempre gostava de dizer, os ciclos
chegam ao fim, mas a vida continua e Kim TaeHo era o fim de um lindo
ciclo.
EPÍLOGO

Minha garota favorita

Encarei os minúsculos flocos de neve caindo do céu, queria tirar


fotos daquilo, mas já tinha uma dúzia de fotos assim e também não me
sentia inspirado o suficiente para achar um ângulo que me agradasse.
Acordei essa manhã com um pesar no peito, não quis ir para o
escritório trabalhar, a fim de respirar um pouco do ar gélido, tristonho e
solitário do inverno de Nova Iorque. Algo como um vazio me tomava e eu
não conseguia dizer o que era, de onde provinha e qual a causa.

Sentia-me na bad.

Do mesmo jeito de quando somos adolescentes e por qualquer


motivo o mundo parece desmoronar e a vida se esvair. Um jeito dramático e
meio drástico de encarar os dias ruins. Eu não era assim, estava
particularmente feliz com minhas conquistas e amava morar aqui, mas de
uns tempos para cá algo parecia faltar, como se tudo o que conquistei
durante esse tempo não tenha sido suficiente para me tornar um homem
pleno e satisfeito.

Lá no fundo, tinha aquele sentimento de que algo faltava.


Caminhei a passos lentos e sem rumo pelas ruas abarrotadas da
cidade, o Natal se aproximava e as pessoas corriam como loucas para
garantir seus presentes para a festa. Tradição peculiar, muito diferente do
meu país natal, onde as festas de fim de ano eram somente mais dias
normais. No Natal era bom ter alguém para sair e tomar um chocolate
quente e no Ano novo era bom sentar de frente para o rio Han e soltar
faíscas de fogos, com os amigos ou a pessoa amada, e beber cerveja. Uma
tradição bem mais reservada que as festas pomposas dos americanos.

Esse era meu segundo Natal aqui. Talvez fosse isso que estivesse me
incomodando, o fato de estar fora do meu país, das minhas tradições, das
pessoas que amo. Esse vazio que me tomava, talvez fosse falta de
familiaridade.

Enquanto caminhava, minha mente divagou para dias distantes onde


eu levava minha garota favorita para jantar no Natal, ela era uma criança
alegre e que iluminava a minha vida. Dias tão distantes que agora eram
borrados por outras memórias que passavam uma por cima da outra e não
me deixavam ver ou sentir direito aqueles dias.

Acho que já tive tudo e não fui capaz de reconhecer isso. Meus
próprios desejos e sonhos não pareciam ter sido suficiente para aplacar o
sentimento que me tomava agora, aquela velha pergunta "poderia um
homem ter tudo e ainda assim não ser feliz?" nunca fizera tanto sentido
para mim. Não que eu tivesse tudo, mas tinha em minhas mãos todas as
coisas que sempre desejei.
Dinheiro, sucesso, conforto e comodidade. Todas as coisas que me
faltavam em tempos passados e que me causavam uma sensação de
incompleto, agora estavam em minhas mãos e ainda assim não me
completavam, uma perfeita ironia da vida. Se tais coisas quando me
faltavam me deixavam incompleto, como tê-las agora não me completava?
Será que sempre estive errado?

Talvez eu soubesse o motivo de me sentir assim, mas eu, Kim


TaeHo, não admitiria por ser muito orgulhoso.

A noite de Natal estava mais gélida que nunca em Nova Iorque, a


cidade iluminada e pintada de branco pela neve era um atrativo bonito de
ver, devido a data comemorativa e tão importante para o povo americano, as
ruas estavam desertas e as calçadas vazias. Todos se reunindo com suas
famílias para passarem o nascimento de Jesus juntos. Como eu não tinha
família aqui, e também não tinha nenhuma pessoa para sair em um
encontro, resolvi ir comer em algum lugar, ao menos assim não comeria
sozinho. O problema era que tive que cruzar a cidade toda para achar um
lugar decente aberto, o tipo de lugar onde as pessoas solitárias vinham para
não passar o Natal sozinhos. O lugar perfeito para mim, ironicamente
solitário.
E não era porque eu não tinha para onde ir, convites não me
faltaram, mas porque eu não queria ir para nenhum desses lugares. O
sentimento de dias atrás ainda me tomava e a bad daquela manhã se
perpetuou por mais alguns dias. Não estava no clima de festejar com
pessoas que, apesar de serem meus amigos, não eram as pessoas com quem
eu realmente queria estar.

Será que fui um cara bom o suficiente para que o papai Noel me
concedesse um presente essa noite? Mesmo que eu soubesse que era
praticamente impossível, intimamente desejei de modo egoísta que um
milagre acontecesse e a pessoa que tanto me fazia falta nesse momento se
materializasse em minha frente. Diziam que milagres de Natal existiam, né?
Então só me restava ter fé.

A fila para entrar no restaurante estava enorme, havia muitas pessoas


solitárias pelo visto. Pus-me a esperar no frio lacerante, não havia outra
opção mesmo, então vasculhei as minhas redes sociais para me distrair um
pouco.

— Kim TaeHo? — Ouvi meu nome ser proferido enquanto estava de


cabeça baixa, mexendo no celular. Procurei quem me chamava, VanTae
continuava sendo a minha capa protetora e poucas pessoas realmente me
conheciam, então não era possível que eu estivesse sendo reconhecido por
um fã. Virei-me para olhar atrás de mim e dei de cara com a única pessoa
que desejei, mas não esperava ver hoje. Ela. — Meu Deus, é você mesmo,
custei a acreditar.
Pisquei confuso, será que estava tão frio ao ponto de estar
alucinando? Ou era toda a culpa que me corria secretamente por dentro dos
últimos dias que a materializou diante de mim? Eu disse que não admitiria,
mas era impossível não pensar nos sentimentos que me tomaram nos
últimos dias, a saudade absurda que andei sentindo dela, a culpa por ter
decidido partir e deixar a única mulher que realmente amei para trás, era da
familiaridade que ela me trazia que eu sentia falta, era do lar que
construímos juntos que meu coração secretamente ansiava, coisas que não
admiti para mim mesmo, mas que, só de tê-la diante de mim, gritavam em
minha mente.

Quando parti a anos atrás, pensei que seria possível amar novamente,
que a forma como ela me fazia feliz, mais alguém conseguiria, mesmo que
nunca tivesse tido a intenção de terminar com ela, aceitei a sua decisão com
respeito, afinal ela aceitou a minha, então pensei que talvez o amor me
encontraria de novo. Infelizmente depois de muito tempo andando de lá
para cá, conhecendo tantas pessoas e saindo com boa parte das mulheres
que eu quis sair, percebi que amor puro, genuíno, selvagem e honesto como
o que ela me deu, eu não encontraria nunca mais. Nenhuma mulher nunca
me olhou como ela, porque nenhuma me conheceu tão fodido e tão sem
nada a oferecer como ela, só tinha amor e isso a bastou.

A dois anos atrás, despedimo-nos em seu apartamento, logo após tê-


la em meus braços novamente e me sentir mais vivo do que nunca. Eu não
deveria ter a deixado escapar daquela vez, arrependia-me de não tê-la
procurado de novo. De não ter dito as coisas que realmente queria dizer.
Fiquei com medo de bagunçar a
sua vida e fazê-la sofrer de novo, afinal não tinha a pretensão de
permanecer em Seoul, senti que não era justo com ela.

— Tá tudo bem? — perguntou, trazendo-me de volta para a


realidade, talvez eu a tenha encarando por tempo demais em choque.

— Tá, é só que estou surpreso em vê-la, o que faz aqui? — pergunto,


soltando o ar gélido que queimava em meus pulmões.

— Eu moro aqui agora — respondeu simplesmente.

— Como assim mora aqui? Em Nova Iorque? — soo como um


idiota que não entendeu o óbvio. Ela sorri e seu gesto lhe causa algumas
pequenas rugas nos olhos, percebo como o tempo passou desde o dia em
que a conheci no meu apartamento bêbada e fazendo streaptease e isso me
entristeceu. Deixei o tempo passar demais?

— Tem duas semanas que me mudei para cá, longa história. Não
esperava encontrar você aqui, ouvi dizer que era um local onde pessoas sem
ninguém vinham para não passarem o Natal sozinhas. — Sua entonação
realmente é de surpresa. Solto um riso muxoxo.

— Não quis passar o Natal com ninguém esse ano, mas queria comer
algo, então tive que vir até aqui — expliquei sem muitos detalhes. Ela fez o
"a" com a boca e o assunto morreu, ficamos em pé olhando em direção
opostas sem dizer nada. —
Você tá sozinha também? — A pergunta é retórica, eu sei, mas não tenho
mais nada para falar.

— Não conheço ninguém aqui ainda, então sim — responde.

— Podemos jantar juntos se você quiser — coço a orelha enquanto


falo, sinto-me meio envergonhado. Ela me encara por um momento por
entre os cílios volumosos que tornam seus olhos ainda menores e depois
concorda.

A espera é longa e silenciosa, trocamos poucas palavras até estarmos


dentro do restaurante, protegidos pelo calor do aquecedor.

— Então eu posso saber como veio morar aqui? — Puxo assunto


novamente após fazermos nossos pedidos.

— Fui promovida a correspondente internacional do jornal em que


trabalho. Tem seis meses que fui morar em Washington para cobrir as
eleições, mas, agora que já passaram, eles resolveram me mandar para
Nova Iorque para ficar no lugar da repórter que sairá de licença
maternidade em breve. Me deram férias para poder me ajustar nessa cidade
enorme, então ainda nem conheço meus colegas de trabalho. Na primeira
semana do ano começo na redação. — Enquanto conta tudo pausadamente
nossa ceia de Natal para dois chega. Encaro-a totalmente fascinado, minha
ex-namorada havia evoluído tanto, tornando-se uma mulher incrível que
nem ela mesma poderia cogitar que se tornaria. Fui
tomado por um sentimento de orgulho. Nenhum obstáculo a abateu.

— Uau, eu tô impressionado! — suspiro.

— Por quê?

— O tempo passou e nos tornamos outras pessoas, isso é muito


louco. Dá pra acreditar que a garota que trabalhava no telemarketing e o
cara que era garçom, se tornariam pessoas com profissões bem sucedidas?
A vida é muito louca — concluo.

— Mas essa é a graça, não? Não conhecemos o nosso futuro, não


sabemos quem seremos daqui a 5 anos, posso ser a mesma pessoa ainda ou
alguém completamente diferente. Quem vai saber? As minhas escolhas me
levarão lá — o jeito formal com que fala me dá uma total noção do quanto
amadureceu, aquela garota perdida e bobinha que ficava mole só de olhar
para mim, tinha dado lugar a uma mulher muito inteligente, determinada e
bonita. Ainda mais bonita do que antes.

— Verdade — concordo consigo e ficamos nos encarando por um


momento.

— Achei que quando te encontrasse novamente, você já teria filhos


e estaria casado, tô surpresa real de ver você aqui sozinho — diz, desviando
o olhar de volta para sua comida. Sorrio ladino, tentando entender o que
realmente pensa de mim.
— Casar, ter filhos, essas coisas são realmente complicadas e nunca
mais encontrei alguém com quem eu realmente quisesse dividir a vida e ter
filhos, então... — nem pestanejo para lhe falar a verdade. — Também não
estou vendo você casada e com filhos e nem vem me dizer que você não
queria, porque por mais de uma vez enquanto namorávamos, você me falou
que queria uma penca deles.

— Queria com você, não conheci outro cara que me fizesse pirar o
suficiente para pensar em ter cinco filhos — brinca e sou tomado por uma
imensa satisfação. Então ela também tinha a mesma percepção que eu, de
que uma família não dava pra ser constituída com outra pessoa que não
fosse ela? Solto uma risada em forma de lufada de ar, sinto-me feliz como
em muito tempo não sentia. E agora tinha certeza absoluta de quais as
razões para antes me sentir na bad.

Estive com saudade dela. Todo esse tempo se arrastou em minha


vida e tudo o que vivi não foi suficiente para apagar as profundas marcas
que ela deixou em mim. Não quis admitir para mim mesmo, pois sabia que
a escolha de me afastar também fora minha e não me sentia no direito de
procurá-la, não queria bagunçar a sua vida de novo, não queria machucá-la
e por isso não admitia, mas nenhuma mulher me fazia sentir o que ela fazia.
A palpitação em meu peito nesse momento, como se fosse a primeira vez
que a via fazendo streaptease em minha sala, completamente bêbada e
desengonçada, essa palpitação entregava o quanto o amor que senti por ela
nunca esteve em meu passado.
Eu nunca a superei.

Precisei cometer muitos erros, andar por vários lugares, deitar em


muitas camas, conhecer muitas pessoas, ter tudo o que sempre sonhei, para
perceber que, na verdade, ela sempre fora tudo o que precisei em minha
vida, por isso o vazio me tomava. Ter tudo e continuar a viver sem a única
mulher que amei não me completava. Precisei demorar todos esses anos
para finalmente admitir para mim mesmo isso. Somente porque estava
diante dela, vendo que no fundo era o mesmo para minha ex, não estávamos
completamente separados, nem nunca ficaríamos.

— Você vai fazer alguma coisa depois daqui? — pergunto


impulsionado pelas minhas próprias conclusões, sei que é cedo demais para
dar qualquer passo, que muitos anos se passaram e não somos os mesmos,
mas a vida estava me dando uma chance de fazer a coisa certa, o que
deveria ter sido feito antes, o que na verdade nunca deveria ter sido
desfeito.

— Eu ia para casa dormir — informa suas pretensões.

— Não quer ir comigo à minha casa? Queria que você pudesse ver o
Morris, tenho certeza que vocês sentem falta um do outro — sugiro sem
pensar. Ela sorri incrédula.

— Esse é um jeito estranho de convidar alguém para transar, sabia?


— ironiza e não posso deixar de rir, não estou pensando em sexo
exatamente, mas não posso negar que seria bom.
— Desculpa, a intenção não era exatamente essa, mas a desculpa é
válida para esses fins também — flerto honestamente.

— Kim TaeHo, quem você pensa que sou? — Encara-me séria, no


fundo não pareceu gostar muito do meu convite. Resolvo ser honesto
novamente.

— A mulher da minha vida. — Minha resposta a surpreende, pois a


sua postura muda de relaxada para tensa imediatamente e sua boca se abre
para falar algo que não sai instantaneamente. — Desculpa, eu sei que é
egoísmo meu dizer isso depois de tantos anos, mas é que... Só percebi isso
agora, estive errado todo esse tempo. Deveria ter lutado por nós dois no
passado, deveria ter ligado, te procurado. Aceitei o nosso fim muito
passivamente, sei que é tudo muito repentino e que... — me atropelo para
falar o que estou sentindo, dessa vez não é ela quem está confusa e
bagunçada diante de mim, muito pelo contrário, eu que estou totalmente
bagunçado e perdido diante dela e de seu olhar sério.

— Eu tenho que ir. — Espero uma resposta diferente, mas não posso
deixar de concordar que foi tudo muito repentino para ela.

— Fica, eu vou pagar a conta e te levo para casa, o Morris pode ficar
para outro dia — quase suplico e ela, que fazia menção de levantar, arruma
a sua postura, dando-me um tempo para pagar a conta e pensar um pouco.
O caminho de volta para sua casa é silencioso, as únicas palavras
que ela profere são referentes ao seu endereço. Aperto o volante com força,
sabendo que posso ter feito a maior besteira da minha vida e a assustado.

— Graças a você, não foi solitário jantar hoje — solta,


surpreendendo-me.

— Realmente…

— Desculpa, eu... — ouço-a falar as mesmas palavras que eu, ao


mesmo tempo.

— Pode falar — concedo a palavra.

— Não, pode falar — diz assim que estaciono o carro diante da casa
que ela apontou ser a que está morando, no subúrbio de Nova Iorque.
Suspiro pesado, o aquecedor do carro ligado cria um clima bom e
convidativo entre nós.

— Desculpa, fui precipitado. É só que... Honestamente, hoje estava


pedindo ao papai Noel um milagre de Natal e você apareceu diante de mim
do nada, inesperadamente. Entendi como
um sinal de que a vida estava me dando mais uma chance de fazer as coisas
corretamente, para parar de pensar apenas em "como seria se" e começar a
viver o que realmente tenho para viver com a única mulher que consegui
amar de verdade em minha vida, a única que roubou meu coração e me
marcou tão profundamente que, mesmo depois de tanto tempo, só consigo
pensar nela e em nenhuma outra para viver ao meu lado, eu... — depois de
tanto falar, suspiro pesado, dando um tempo para que ela possa absorver as
coisas que falei e para que eu mesmo consiga absorver tudo, pois não estou
sabendo lidar com esse momento.

— Acho que vim para morar muito tempo aqui, sabia? — pergunta e
resolvo lhe olhar nos olhos. Um sorriso brinca em seus lindos lábios e só
consigo suspirar, de repente tão apaixonado como se fosse ontem a última
vez que nos vimos e nos beijamos.

— Queria poder ir ver A Noite Estrelada, é possível ainda?

— Sim — respondo confuso.

— Quer ir comigo? — Encaro-a surpreso. Não esperava seu convite,


finalmente realizaríamos o sonho de ir ver uma obra do nosso artista
favorito juntos?

— Quero, totalmente — respondo.

— Ouvi falar que tem um bar temático que toca jazz às sextas, é
verdade? Queria muito ir lá — diz.

— Tem sim, posso te levar lá — dou a sugestão.


— Também quero conhecer o Central Park, comer cachorro-quente
na grama, ir a um jogo da NBA, assistir Cats na Broadway e, claro, ir na
Times Square, ainda não tive tempo de fazer nenhuma dessas coisas por
causa da mudança — explica. — Quer ir comigo? — Assinto, sem pensar.

— Claro, podemos ir em todos esses lugares, vai ser divertido. —


Eram encontros? Ela estava marcando encontros comigo? Estava
planejando algo e me incluindo?

— Sabe, Kim TaeHo, a vida é feita de ciclos e o nosso se encerrou a


muitos anos atrás. Você seguiu a vida, eu segui a vida. Nossos felizes para
sempre acabou no momento em que você entrou no avião. — Murcho os
ombros diante do que fala, porque não posso discordar de nenhuma de suas
palavras. — Mas ciclos acabam para que outros possam começar, e assim
como o inverno que vai, mas volta todos os anos, nenhum inverno é igual
ao outro, nunca, mesmo que todos os anos ele volte a acontecer. — Espero
para que conclua o seu pensamento, já que no momento estou um pouco
confuso com a sua analogia. Ela sorri ao me ver certamente confuso. — O
que eu quero dizer é que o que passou, passou, não tem como reviver a vida
que tínhamos, nem o relacionamento que vivemos. O que dá pra fazer agora
é começar um novo ciclo, como o inverno que volta, mas é tudo diferente.
O passado não pode ser apagado, mas o presente dá para ser escrito e vivido
da forma como somos agora. Eu não sou mais aquela garota que era a sua
vizinha, você não é mais o cara que transava alto e me incomodava.
— Entendi, eu acho — rimos juntos da minha frase, mas eu mesmo
estou rindo de tão nervoso que estou.

— Eu tenho que entrar, mas aqui meu número. — Ela me estende


um cartão de visitas do jornal para o qual trabalha. — Me liga pra gente
marcar a ida no museu, no parque, no bar, na Times, na Broadway e em
todos os outros lugares incríveis dessa cidade, hm? — Pego o cartão e o
encaro por um momento.

Precipitei-me em pensar que dava para trazer de volta tudo o que


fomos um dia, agora eu estava diante da realidade, mas isso não significava
que era ruim, pelo contrário. A vida estava me dando uma nova chance de
viver ao lado de uma mulher — que eu sabia que era incrível —, todas as
coisas que sempre sonhei em viver. E essa mulher incrível estava me
dizendo que deveríamos ir com calma, nos reencontrarmos, nos
conectarmos de novo, conhecendo nossos novos lados, nos apaixonando
como se fosse a primeira vez. Ela tinha razão, o inverno sempre vai e volta,
mas, quando volta, nada é mais como um dia foi, porque tudo muda.

— Boa noite, Kim TaeHo, a gente se vê — diz, sorrindo e a encaro


por um momento. Sei onde mora, tenho o seu número e uma nova chance,
ela estava me concedendo uma nova chance. Esse era o meu milagre de
Natal, afinal não fui um garoto tão ruim assim pelo visto e, mesmo que o
papai Noel não existisse de verdade, ele deu um jeito de se tornar real
apenas para atender meus desejos mais ambiciosos.
— Boa noite — respondo a assistindo sair do carro, passar a chave
na porta e entrar em casa.

Liguei o carro e dirigi pelas ruas vazias e gélidas da cidade, mas não
me senti mais triste, nem incompleto. Na verdade, estava sendo tomado por
um novo sentimento. Esperança, sabia que a nossa história estava longe do
fim, porque ganhamos a chance de escrever um novo começo.
Extra
Para mim a vida é como uma estrada que você dirige sem saber onde
vai dar. Cheia de curvas íngremes, altos, baixos, retas e até alguns retornos
para voltar e tentar pegar o caminho correto. Em determinados momentos, a
estrada se abre para vários lugares e, em outros momentos, existe apenas a
opção de seguir em frente.

A vida é uma linda roadtrip sem rumo.

Bem sem rumo mesmo!

E talvez seja isso o que eu mais gosto, não saber o dia de amanhã,
não saber se as suas decisões foram corretas e onde te levarão.
Particularmente tomei muitas decisões difíceis em minha vida, terminar um
relacionamento perfeito, largar o emprego, começar uma faculdade, largar o
emprego no jornal impresso e ir para a TV, deixar meu país e ser
correspondente em outro país, mudar de estado novamente e, por fim,
decidir abrir meu coração mais uma vez.

Não é como se eu estivesse planejando casar com alguém, não era


isso, mas depois de tanto andar, experimentar, me permitir, percebi que
nada nem ninguém me deixaria tão nervosa quanto ele. Conheci muitos
caras legais, caras para casar e constituir família, mas não consegui me
conectar com nenhum deles.
Essa constatação era bem chatinha para mim, na verdade. Não
queria voltar para o passado e desenterrar a cápsula do tempo com os
melhores momentos da minha vida amorosa, mas Kim TaeHo diante de
mim no Natal foi como uma passagem só de ida diretamente para lá.

Segurei minha cápsula do tempo nas mãos, abri, revi nosso passado,
senti e decidi que, de tudo o que havia acontecido em minha vida, isso foi
umas das poucas coisas que verdadeiramente valeu a pena.

Meu coração não pulsava só sangue, pulsava sentimentos por ele.


Não que fosse fácil recomeçar, porque na verdade não era, mas estava
sendo interessante redescobri-lo. Apesar de que o Kim TaeHo de hoje era
tão, ou mais, diferente do que eu mesma depois de longos anos.

— Obrigada por ter me ajudado com a mudança — falo, pegando o


cachorro quente que ele me oferecia. — Eu não iria conseguir sem essa
ajuda. Isso é um fato.

— Não foi nada demais — diz, curvando as pontas dos lábios para
baixo e dando de ombros. — Definitivamente fiquei feliz com a sua
ligação.

— Mesmo que tenha sido só para pedir um favor? — pergunto


brincando.

— Você queria me ver, eu sei — brinca também.


— Cinquenta anos vão se passar e você não vai deixar de ser assim?
— digo, tirando um pedaço do meu cachorro quente, o encarando. Tae-ah
me encara de volta, depois ri, mas continua encarando. — Que foi?

— Nada específico, eu só... Tô feliz — respondeu, desviando o


olhar. Sorrio minimamente, TaeHo mudou muito a sua fisionomia desde a
última vez que nos vimos de fato em meu apartamento em Seoul atantos
anos atrás. Seu maxilar estava muito mais marcado e uma sombra rala de
barba brincava em seu queixo, o rosto no geral estava muito mais másculo e
ele já não tinha mais cara de garoto jovial. Seu porte e cabelo combinavam
com a voz grossa e a altura imponente, os ombros estavam ainda mais
largos e todo seu dorso dava uma sensação de calor, como se abraçá-lo
fosse algo muito confortável e quente.

Agora ele usava roupas de marcas caras e seu estilo vintage e


classudo era adornado com muito mais elegância. TaeHo era um homem
elegante. Bonito, atraente e elegante. Irritantemente perfeito como sempre.

Caminhamos lado a lado para o nosso destino, sem pressa. Mesmo


que estivesse muito frio e a neve pintasse tudo de um branco lindíssimo,
não estávamos com pressa para nada.

TaeHo me fez aceitar vir ao Museu Metropolitano de Arte para,


enfim, vermos A Noite Estrelada juntos, depois de me ajudar com o restante
da minha mudança, assim que as festas de fim de
ano passaram. Coincidentemente quando nos encontramos na porta da
minha casa estávamos com as roupas combinando. Ambos de boina e
casaco marrom, ele com um lenço passando no pescoço, o que lhe dava um
charme a mais.

Meu coração se agitava. Por anos e anos pensei nas inúmeras coisas
que não conseguimos fazer juntos, nos “e se” que não aconteceram e cá
estávamos nós. De repente, entrei em uma estrada da vida com uma curva
sinuosa e que logo na sequência me apontava para um retorno. Longos anos
se passaram e nenhum retorno apareceu, apenas segui em frente. Seria essa
hora de pegar um?

— Aqui é muito lindo, não me canso da beleza desse lugar

— digo assim que adentramos no lugar, sendo inundada pelas minhas


memórias passadas.

— Eu gosto de vir aqui e ver as pessoas admirando a arte, me faz


pensar se algum dia terá alguma foto minha em uma dessas paredes para as
pessoas admirarem — TaeHo divaga.

— Kim TaeHo, as pessoas já admiram a sua arte. Pensa na sorte que


você tem de ser reconhecido pela sua arte hoje, vivo. Van Gogh não teve a
mesma sorte. Imagina como ele teria sido infinitamente feliz se
reconhecessem seu talento enquanto ele esteve em vida? A vida não é muito
justa para os artistas e você não precisa estar nessas paredes para ser
incrível — ao final das minhas palavras TaeHo parou e me encarou sereno,
indecifrável e misterioso como só ele era.
— Você sempre me colocando pra cima, independente do que eu
diga, sempre viu o melhor em mim e me disse coisas lindas de se ouvir. —
Ele morde o lábio enferior ainda me encarando. — Você é perfeita e me
sinto um idiota toda vez que percebo isso, apesar de que eu sempre soube.

— Ninguém é perfeito, TaeHo. — Sinto o pulsar das minhas veias


com tanta intensidade que me deixam um pouco tonta, ou talvez não sejam
minhas veias e sim o olhar intenso e arrebatador que ganho, cheio de brilho
e sentimentos em minha direção. Me confundindo como sempre, o
misterioso que não é tão misterioso assim.

— Você tem razão, já sou abençoado por ser tão reconhecido pela
minha arte — diz, mudando de assunto, provavelmente percebeu como
fiquei ruborizada com suas palavras.

Caminhamos mais um pouco até estarmos diante do quadro que


tanto sonhamos em ver juntos. Suspiro pesado, sentindo meus ductos
lacrimais arderem. O retorno 2cada vez mais próximo e ainda me pergunto
se devo, de fato, pegá-lo ou não.

— A Noite Estrelada — sussurro, sendo tomada pela emoção da


beleza do quadro e do momento que é tão especial e significativo para nós
dois.
— É muito mais bonito quando visto ao seu lado — diz e o encaro.
TaeHo me olha de volta e um sorriso ladino brinca em seu rosto. — Nós
realmente estamos aqui. Depois de tanto tempo, estamos aqui.

Uma lágrima involuntária escapa de meu olho e escorre por minha


bochecha, fazendo um caminho gélido e solitário pelo meu rosto. Tae-ah,
por impulso, passa o polegar pelo caminho molhado que a lágrima deixou,
secando. Repouso meu rosto em sua mão grande e quente fechando meus
olhos e deixando mais algumas lágrimas escaparem.

Não doía mais. Pensar no que poderíamos ser, fazia muito tempo que
não doía mais. Me acostumei a esquecer todos os nossos planos, porque
escolhemos isso. Eu escolhi e ele também. Mas estar diante de algo que
sempre sonhamos despertou gatilhos dolorosos, ao mesmo tempo em que
me sentia feliz por vivermos isso juntos.

Finalmente cheguei no momento em que o retorno era visível e


agora cabia a mim escolher pegá-lo ou não. Retornar significava encarar
todas as marcas e mudanças que o tempo deixou, que nossas escolhas
fizeram, ao mesmo tempo em que significava aprender de novo, conhecer e
redescobrir. Parecia tentador demais. TaeHo era tentador demais.

Ergui meus olhos lentamente, ainda com meu rosto em sua mão, até
que estivéssemos nos encarando. Sorri para ele como um sinal, eu estava
totalmente pronta para pegar o retorno e seguir a
estrada que me esperava depois dele. Em seus olhos, eu podia ver os
questionamentos se formando, ele queria ter certeza de que era isso mesmo
que eu queria. Concordei silenciosamente, fechando meus olhos e
esperando que ele desse o passo final, conhecendo TaeHo como eu
conhecia, sabia que ele gostaria de ter essa oportunidade.

Não demorou muito e a expectativa tensa não precisou ser sofrida.


TaeHo selou seus lábios nos meus, fazendo mínimos movimentos de
encaixe, o gosto de seus lábios ainda era o mesmo, a sensação de beijá-lo
ainda era enervante e me ensandecia um pouquinho a cada segundo que
passávamos conectados. Os anjos ainda cantavam ao longe e finalmente
percebi.

Li algum lugar que existia amor da sua vida e amor para a sua vida,
mas olhando para mim e TaeHo percebi que somos os dois. Um amor
vulnerável, com cicatrizes do passado que torna tudo carregado a fio como
só o amor da sua vida conseguia ser, algo inesquecível e arrebatador, que
queimava as veias por dentro e agitava o estômago com todas as
possibilidades, mas que doía, amor doloroso e abrasivo. Mas tínhamos
também uma conexão de resistência ímpar, que nos dava força para seguir a
vida, com encontros e desencontros, começos, finais e recomeços que eram
reconfortantes, éramos o lar um do outro como o amor para sua vida deve
ser, confortável, quente, saudoso.

Não sei como é possível, mas conosco era assim.


Abri os olhos assim que encerramos o beijo, sentindo minha
respiração pesada e os sentimentos borbulhando. Nos encaramos
silenciosamente diante de A Noite Estrelada, TaeHo passou o braço por
meu ombro e me puxou para junto de si, repousei minha cabeça em seu
ombro silenciosamente, encarando o quadro.

Quem diria que diante de A Noite Estrelada pegaríamos um retorno


na estrada da vida rumando a um novo começo?
Nosso Jazz Favorito
Se a vida era uma estrada que dava no desconhecido, o amor era o copiloto dessa
roadtrip, que ajudava a se achar no mapa, dava palpites sobre qual caminho
percorrer, fazia companhia nos momentos solitários e às vezes ainda rolava
discussão sobre o que nos esperava à frente.

Eu estava grata por ter finalmente encontrado o copiloto da minha viagem e


também por ser o copiloto da viagem de alguém, apesar de que encontrar não era
exatamente a palavra que definia, um achado em meio aos perdidos, talvez. O único
sentimento possível para descrever essa sensação era plenitude.

Tantos anos se passaram e tantas coisas aconteceram para que agora


pudéssemos viver a melhor versão de nós, do relacionamento que nos esperava
após o retorno e de todas as coisas boas que nos aconteceria. Não conseguia me
arrepender de ter escolhido Kim TaeHo, por tudo o que fomos e por tudo o que
sempre seremos um para o outro.

— Ainda está preocupada com o trabalho amor? — meu namorado pousa


sua mão na minha, enquanto esperamos o semáforo ficar verde. Tae-ah tinha
acabado de me pegar no trabalho e estávamos indo para nosso lugar favorito em
toda Nova York, hoje eu tinha saído mais tarde e já eram quase 23 da noite.
— Não — suspiro pesado. — Só estou pensando em coisas aleatórias
mesmo.
— Já te disse que você pode ser a minha assessora se quiser

— mais de uma vez TaeHo havia me oferecido o cargo de assessora do


VanTae, tendo em vista que meu trabalho era uma constante incógnita,
horas me queriam aqui, horas falavam que eu retornaria para a Coreia e eu
já está totalmente estabilizada e familiarizada com meu novo lar, não queria
mudar nada em minha vida, mas esse fantasma estava a espreita e a
qualquer momento apareceria. Um leve deja vu ruim.

— Eu sei Tae-ah, mas você sabe o quanto eu amo ser jornalista, amo
muito mesmo o que eu faço e faço bem — digo suspirando novamente. —
Não é tão simples largar algo que eu amo assim.

— Nós daremos um jeito — concluiu enquanto acelerava rumando


ao nosso destino que era o badalado Birdland na rua 44, um bar de Jazz
aconchegante e com shows ao vivo. Quase toda semana íamos para lá,
definitivamente era nosso lugar nessa cidade enorme.

— Não tenho dúvidas — concordo.

Era engraçado pensar que um ano inteiro já havia se passado desde


que cheguei aqui, já era quase Natal novamente e dessa vez não precisaria
ir a um restaurante para solitários, tínhamos um ao outro. TaeHo só crescia
seu prestígio e valor no mercado, começou a se aventurar com pinturas
também e sua marca estava muito forte e badalada. Ele ainda se escondia
atrás do pseudônimo VanTae, mas seu rosto já era conhecido, porém a vida
privada era mantida o mais reservada possível, então apesar de ser um
famoso artista, tínhamos a nossa privacidade.

Tudo corria muito bem, obrigada. Estávamos vivendo o melhor


momento de nossas vidas, sempre que eu olhava para a vida que tínhamos
agora só conseguia pensar que todo o doloroso caminho que percorremos
havia sido extremamente necessário. Será que se fosse diferente TaeHo
seria quem era hoje? Será que se eu o tivesse pedido para ficar teríamos
dado tantos passos para frente na vida ou ainda seríamos o garçom e a
atendente de telemarketing?

Com certeza já teríamos filhos. Todos os cinco que sempre imaginei


ou menos? Não fazia ideia de quem seríamos se tudo tivesse sido diferente,
mas sabia que no fim, todas as decisões tomadas haviam sido as certas.
Mesmo que ainda não tivéssemos filhos, eles em breve viriam, mesmo que
não morássemos juntos ainda, breve isso aconteceria, então quando eu
olhava para trás não sentia arrependimento algum. Essa era uma sensação
tão boa, gostaria de poder voltar no tempo só para dizer a mim mesma para
aproveitar um pouco mais o caminho que eu iria percorrer, porque lá na
frente seria muito gostoso de viver o resultado de tudo.

As estações iam e vinham e tudo era sempre diferente e essa era a


beleza.

O Birdland estava lotado, pegamos uma mesa mais afastada do palco


e pedimos nossas bebidas.
Encaro TaeHo que balança seu corpo aproveitando a música que
toca enquanto morde o lábio inferior. Como conseguia ser ainda mais
bonito que ontem? Como conseguia me fazer mais apaixonada? Sua
imagem aproveitando o Jazz do lugar me acertava em cheio e me fazia
sorrir. Quem diria? Nunca iria entender como começamos essa história, a
forma maluca e desengonçada com a qual lhe conquistei e como meu
coração sempre esteve disposto a pular em seu colo se preciso fosse.

Sempre fui dele.

Sempre serei dele e já aceitei isso.

— Que foi? — pergunta me olhando curioso.

— Você é irritantemente bonito — confesso e ele sorri.

— Adoro quando você me olha apaixonada assim — diz. Faço uma


careta para ele. — Qualquer coisa eu vou com você — diz de repente
mudando de assunto. — Você não quer deixar de fazer o que ama e eu não
vou mais me separar de você, então irei para onde você for — suas palavras
me pegam de surpresa.

— É sério? — questiono.

— O melhor para você sempre, lembra? Eu posso trabalhar na


Coreia, não precisam de mim aqui pras coisas fluírem, irei a qualquer lugar
do mundo com você se preciso for — sorrio
surpresa de verdade. Meu coração aperta no peito cheio de emoção.

— Kim TaeHo você vai mesmo me fazer chorar aqui no meio do


Birdland? — brinco emocionada.

— Na verdade eu pretendo mais que isso — confessa dando-me uma


piscadela e no momento seguinte TaeHo levanta e estende a mão para que
eu possa pegar e assim o faço, meu namorado me conduz até o meio do
salão onde alguns casais dançam e nos juntamos a eles. O Jazz suave
embala nossa dança, Tae-ah me abraça apertado respirando pesado em meu
ouvido. O sinto um pouco tenso e não imagino o porquê. De repente
começa a tocar aquela que veio a eventualmente se tornar a nossa música
após a nossa reconciliação, tinha tanto a ver conosco e toda a nossa história,
It' been a long, long time, encaro TaeHo que sorri minimamente para mim e
depois me abraça ainda mais forte junto a ele nos embalando no ritmo da
música.

Quando a música atinge seu ápice, Tae-ah se separa de mim, enfia a


mão no bolso, toma a minha mão mais uma vez e põe um anel com um
brilhante em minha palma, encaro a jóia por um segundo antes de olhá-lo.

— Casa comigo? — pede sem hesitar. — Sei que é um pouco de


repente, mas agora é o momento perfeito — completa. Sorriu para o homem
que tanto amo, surpresa, emocionada e totalmente certa do que preciso
responder.
— Caso — respondo imediatamente arrancando-lhe um lindo
sorriso. TaeHo rapidamente coloca o anel em meu dedo anelar e me rouba
um beijo intenso e apaixonado enquanto nossa música ainda toca.

— Eu te amo — sussurra em meu ouvido na sequência. Fecho meus


olhos e absorvo suas palavras. As três palavras que mais gosto de ouvi-lo
falar, aquilo que me toca mais intensamente, me remexe por dentro e me
faz sentir viva, o motivo de, no fim, tudo ter valido a pena.

— Eu te amo Kim TaeHo — as palavras saem de minha boca com


toda a minha verdade, porque era isso mesmo, eu o amava profundamente,
meu coração pulsava sangue e amor por Kim TaeHo e a melhor parte era
que seria para sempre, nunca mais iríamos nos separar, nunca mais eu o
deixaria partir. Nós nos pertencíamos e nada mudaria isso.

Porque no que dependesse de mim ficaríamos juntos e velhinhos


para todo o sempre.

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