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DIREITO À (FRUIÇÃO) CULTURA(L)

Luísa Neto
lneto@direito.up.pt
DIREITO À (FRUIÇÃO) CULTURA(L)

A liberdade que tem que ser dada ao povo é a cultura


(Unamuno)

a) A cultura como expressão da identidade de uma comunidade/ de um


povo;
b) A cultura como educação, ciência e cultura stricto ou strictissimo sensu;
c) A cultura como tudo quanto não recai na educação e na ciência ou,
em termos positivos, como criação e fruição de bens de cultura.

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DIREITO À (FRUIÇÃO) CULTURA(L)

– A cultura não se confunde com a política mas, devido à sua relevância colectiva, os
poderes públicos não lhe são nem nunca lhe foram indiferentes.

- Mas é apenas o Estado social que introduz de pleno os direitos culturais no


contexto constitucional. A par dos direitos económicos como pretensões de
realização pessoal e de bem-estar através do trabalho e de direitos sociais como
pretensões de segurança na necessidade, os direitos culturais surgem como
exigências de acesso à educação e à cultura e, em último turno, de transformação da
condição operária.

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DIREITO À (FRUIÇÃO) CULTURA(L)

Um Direito da Cultura – justamente unificado a partir das normas


constitucionais?

- Não é um ramo autónomo mas transversal a diversos ramos, como o Direito


Administrativo, o Direito Civil e o Direito Penal e Contra-Ordenacional. Há um
Direito administrativo da cultura que se decompõe em Direito da Língua, Direito do
Património Cultural e Direito dos Espectáculo e que tem laços fortes com o Direito
do Ambiente e com o Direito do Ordenamento do Território. Assim como há um
Direito Privado da Cultura, que se confunde com o Direito de Autor, um Direito
Fiscal da Cultura, relacionado com o mecenato, e um Direito Penal e Contra-
Ordenacional da Cultura.
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DIREITO À (FRUIÇÃO) CULTURA(L)

– Corolário do princípio geral do pluralismo inerente ao Estado de Direito


democrático, o artigo 43º, nº 2, significa a não identificação com qualquer
filosofia, estética, política, ideologia ou religião, sendo vedado elevar qualquer
delas a conteúdo da acção do Estado no âmbito educativo e cultural.
- Como foi afirmado com clareza na Assembleia Constituinte, está aí “a recusa de
filosofia, de estética oficial, de ideologia oficial e de religião oficial” e “a recusa
de controlo político do conteúdo da cultura e da educação” e “da unicidade em
matéria cultural”.
- Se “a liberdade cultural é um direito individual, a isenção doutrinária do
Estado um dever do Estado para com a colectividade”.
- Mas esta regra não impede o Estado de desenvolver políticas públicas,
independentemente daquelas directrizes, ligadas umas à identidade nacional,
outras à realização do Estado de Direito democrático e outras ainda à
democratização da educação e da cultura (artigos 73º e segs.).
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DIREITO À (FRUIÇÃO) CULTURA(L)

- A cultura abrange a língua e as diferentes formas de linguagem e de


comunicação, os usos e costumes quotidianos, a religião, os símbolos
comunitários, as formas de apreensão e de transmissão de conhecimentos, as
formas de cultivo da terra e do mar e as formas de transformação dos produtos
daí extraídos, as formas de organização política, o meio ambiente enquanto alvo
de acção humanizadora.
- Para além do que é universal, cada comunidade, por força de circunstâncias
geográficas e históricas, possui a sua própria cultura, distinta, embora sempre em
contacto com as demais e sofrendo as suas influências.
- Nos dias de hoje, a circulação sem precedentes de bens culturais e de pessoas
conduz, algo contraditoriamente, a tendências uniformizadoras e de
multiculturalismo.

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DIREITO À (FRUIÇÃO) CULTURA(L)

A cultura enquanto expressão de identidade do povo português transparece no


texto constitucional actual:

– no artigo 9º, [alíneas e) e f)];

– no artigo 11º, nºs 2 e 3;

– nos artigos 7º, nº 4, 15º, nº 3 e 78º, nº 2, alínea d);

– no artigo 66º, nº 2, [alíneas c) e e)];

– no artigo 74º, alínea h) e i);

– no artigo 78º, nº 1:

– no artigo 78º, nº 2 [alínea c)];


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DIREITO À (FRUIÇÃO) CULTURA(L)

- (Jorge Miranda) cultura é aquilo que possui destaque coletivo por ter um
significado espiritual; são bens não económicos e também envolvem a criação
humana, contraposta a simples expressão da natureza.

- Três acepções diferentes de cultura juridicamente relevantes:


i) A primeira, uma acepção mais restrita, diz respeito ao universo das
“belas artes” e entende cultura como uma realidade intelectual e artística;
ii) A segunda, acrescenta à primeira aspectos relativos à ciência, ensino e
formação;
iii)Por fim, uma terceira acepção, que engloba as duas anteriores e a elas
agrega elementos de ordem histórica, filosófica, antropológica para, assim,
garantir a proteção dos direitos fundamentais à cultura.

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DIREITO À (FRUIÇÃO) CULTURA(L)

Afastando da análise a liberdade de aprender e ensinar e o direito à educação,


encontramos três categorias básicas:

a) Direitos relativos à identidade cultural;

b) Liberdades culturais;

c) Direitos de acesso aos bens culturais.

Não parece adequado falar, compactamente, em direito à cultura,


por causa da diversidade desses direitos e porque a expressão
melhor se ajustaria aos direitos do terceiro grupo.

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A cultura stricto sensu na Constituição


– no artigo 42º;

– no artigo 58º, alínea c);

– no artigo 70º;

– no artigo 72º, nº 2;

– nos artigos 73º, nº 1, e 78º, nº 1 e nº 2, alínea a);

– no artigo 74º, nº 2, alínea d);

– no artigo 78º, nº 2, alínea a), 2ª parte, alínea b) e alínea e), 2ª parte;

– no artigo 90º.

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DIREITO À (FRUIÇÃO) CULTURA(L)

Vasco Pereira da Silva enumera os cinco tipos de direitos subjetivos


fundamentais relativos ao direito à cultura, além de um dever por parte dos
particulares e deveres por parte dos poderes públicos:

i) o direito de criação cultural;

ii) o direito de fruição cultural;

iii) os direitos de participação ou de ‘quota-parte’ nas políticas públicas de cultura;

iv) o(s) direito(s) de autor;

v) e o direito de fruição do patrimônio cultural.

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DIREITO À (FRUIÇÃO) CULTURA(L)

O direito à fruição cultural

– direito à formação cultural em geral, que se reconduz ao direito à educação e ao


ensino (artigos 73º, nºs 1 e 2, 74º, e 76º, nº 1);

– direito à fruição cultural compreendendo o direito de acesso ao património cultural


[artigo 78º, nº 1 e nº 2, alínea a), 2ª parte, e alínea b), 2ª parte, e, em especial, artigo
72º, nº 1];

- no atinente à criação cultural domina o elemento objectivo das incumbências do


Estado [artigos 74º, nº 2, alíneas d) e h), 78º, nº 2, alínea b), 1ª parte, e, em especial,
artigos 58º, nº 2, alínea c), e 72º, nº 1, alínea a), e nº 2];
12 A igualdade de acesso como garantia da diversidade e do pluralismo
DIREITO À (FRUIÇÃO) CULTURA(L)

A negação do exclusivismo do Estado (artigo 73º, nº 3)


- Abrir a porta às iniciativas culturais das diversas formações sociais aí mencionadas
e, porque não é taxativo, de quaisquer outros grupos ou instituições presentes na
sociedade civil, como as famílias [artigos 36º, nº 5, e 67º, nº 2, alínea c)], as
confissões religiosas (artigo 41º, nº 5), as organizações de trabalhadores [artigo 58º,
nº 2, alínea c)], as organizações juvenis (artigo 70º, nº 3) ou as organizações de
cidadãos portadores de deficiência (artigo 71º, nº 3). É norma coerente com outras
que, similarmente, apelam à colaboração de grupos de interessados na efectivação de
direitos económicos, sociais e culturais: as associações de consumidores (artigo 60º,
nº 3), as associações representativas de beneficiários de segurança social (artigo 63º,
nº 2), as associações de defesa do ambiente (artigo 66º, nº 2), as associações de
famílias [artigo 67º, nº 2, alínea g)], as associações e colectividades desportivas (artigo
79º, nº 2).

13 Democracia cultural

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