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FICHA DE IDENTIFICAÇÃO

CURSO PEDAGOGIA
MODALIDADE PRESENCIAL
COORDENADOR DRA. MARIA LEMOS DA COSTA

DISCIPLINA

ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO

CARGA HORÁRIA: 60H


CRÉDITOS: 3.1.0.0

EQUIPE DE ELABORAÇÃO DO CADERNO DE


TEXTOS
Profa. Ma MÔNICA NÚBIA ALBUQUERQUE DIAS
Profa. Ma. JULIANA DE SOUSA SILVA
Dr. ALLAN DE ANDRADE LINHARES
Professora Ma. MARLI MARIA VELOSO

PROFESSOR FORMADOR
Profa. Ma MÔNICA NÚBIA ALBUQUERQUE DIAS
Profa. Ma. JULIANA DE SOUSA SILVA
Professora Ma. MARLI MARIA VELOSO
Dr. ALLAN DE ANDRADE LINHARES
PLANO DE ENSINO - 2023.2

1. IDENTIFICAÇÃO
MUNICÍPIO DE REALIZAÇÃO:

CURSO: PEDAGOGIA TIPO DE FORMAÇÃO: BATALHA - PEDRO II - CASTELO -


1ª LICENCIATURA MIGUEL ALVES

DISCIPLINA: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO BLOCO: III

CRÉDITOS:
3.1.0.0 PERÍODO LETIVO:
CARGA HORÁRIA: MODALIDADE: Presencial
60H 2023.2

PROFESSOR(A) FORMADOR(A): Ma. MÔNICA NÚBIA ALBUQUERQUE DIAS; Dr. ALLAN


DE ANDRADE LINHARES; Ma. MARLI MARIA VELOSO; Ma. JULIANA DE SOUSA SILVA

2. EMENTA

Evolução da escrita. Psicogênese da Língua escrita. Concepções teórico-metodológicas do processo de


alfabetização e letramento. Sistema de escrita alfabético/ortográfico. linguagem verbal/oral na
aprendizagem da linguagem verbal escrita. Realidade linguística e os processos de sistematização do uso
da leitura e da escrita.

3. OBJETIVOS
Objetivo Geral
● Analisar as diferentes dimensões teórico-metodológica da alfabetização, bem como suas
implicações sociais na aquisição da linguagem escrita, sobretudo analisar as consequências
metodológicas nas concepções de alfabetização e letramento no atual contexto.
Objetivos Específicos

● Discutir a evolução da escrita, a história da alfabetização e seu percurso metodológico;


● Compreender os diferentes métodos de alfabetização e suas implicações no processo de
apropriação do sistema de escrita alfabética;

● Compreender a importância da Literatura Infantil para o processo de alfabetização e de


letramento; ·
● Refletir sobre a psicogênese da língua escrita e suas implicações pedagógicas, reconhecendo as
fases do desenvolvimento da escrita e possíveis estratégias de atividades a serem desenvolvidas
com os alunos em cada uma dessas fases.
● Discutir o conceito e as dimensões da consciência fonológica necessárias para a apropriação da
escrita alfabética;

● Promover a interdisciplinaridade na formação de professores, por meio do


desenvolvimento de ação, a ser apresentada em forma de relato de experiência no
SIMPARFOR.

4. CONTEÚDO PROGRAMÁTICO
A EVOLUÇÃO DA ESCRITA E O PERCURSO HISTÓRICO DA
ALFABETIZAÇÃO

1.1 A evolução da escrita;


UNIDADE I 1.2 Conceitos de Alfabetização e letramento;
1.3 Escrita, Alfabetização e Letramento;
1.4 Revisitando os métodos de Alfabetização (Sintéticos: soletração, fônico e
silábico; Analítico: palavração, sentenciação e globais/contos-textos;

A REPRESENTAÇÃO
DA LINGUAGEM E O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO

UNIDADE II
2.1 O sistema de escrita alfabética: objeto da alfabetização;
2.2 A psicogênese da língua escrita e as fases do desenvolvimento da escrita;
2.3 As concepções das crianças a respeito do sistema de escrita;
2.3 Consciência fonológica: conceito e suas dimensões

LEITURA E ESCRITA NO PROCESSO DE ALFALETRAMENTO

3.1 Leitura e escrita na apropriação do sistema de escrita alfabética;


UNIDADE III 3.2 Gêneros textuais e ensino de leitura no ciclo de alfabetização e letramento;
(...) 3.3 Letramento multimodal e o ensino de leitura;
3.4 Produção de textos e letramento no ciclo de alfabetização;
3.5 Alfabetização e multiletramentos.

5. METODOLOGIA E RECURSOS DIDÁTICOS

O processo metodológico adotado no desenvolvimento da disciplina privilegiará a


interação professor formador-conhecimento-aluno/cursista, pressupõe a ativa participação do cursista em
todas as atividades possibilitando a articulação entre teoria e prática de forma que o
aprendizado possa contribuir para o desenvolvimento de uma postura crítica e
reflexiva diante da realidade local, podendo assim, modificá-la. Para tanto, serão utilizados
procedimentos como:
● Aulas expositivas e dialogadas, oportunizando debates das temáticas estudas;
● Leituras com discussões sobre as temáticas trabalhadas nos textos em rodas de conversas;
● Oficinas;
● Análise de situações-problemas;
A partir da metodologia adotada, serão utilizados recursos didáticos como: livros, jornais, revistas folders,
cartazes, textos, histórias em quadrinhos; computadores, Datashow etc...

6. PROCEDIMENTOS DE AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM

A sistemática de avaliação adotada na disciplina pauta-se no Título VIII da Resolução CEPEX nº 177/2018
do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade Federal do Piauí. Conforme esta Resolução,
os resultados das avaliações serão expressos por nota, obedecendo a uma escala de 0 (zero) a 10 (dez). O
aluno que obtiver média igual ou superior a 7 (sete) e frequência igual ou superior a 75% (setenta e cinco
por cento) das aulas, estará aprovado; por outro lado o aluno que obtiver média inferior a 7 (sete) e igual
ou superior a 4 (quatro), será submetido a exame final, sendo considerado aprovado, nesta fase, o aluno
que obtiver média aritmética igual ou superior a 6 (seis). Excetuando-se os casos previstos nas normas
pertinentes, não haverá abono de faltas, assim como nenhum graduando será dispensado das atividades
previstas para a disciplina. A avaliação no decorrer da disciplita terá um caráter disgnóstico e processual,
tendo como principais referenciais: o desempenho nas atividades individuais e coletivas; a realização dos
trabalhos desenvolvidos em sala de aula e extraclasse; pontualidade na entrega, organização e
apresentação dos trabalhos solicitados, enfim, terá o foco na evolução do estudante ao longo do
semestre. Tendo em vista a carga horária desta disciplina, para efeito de atribuição e registro de notas
serão realizadas três atividades avaliativas somativas da aprendizagem e mais o exame final, caso
necessário. Os tipos específicos de avaliação:

✔ 1ª Avaliação – Prova escrita individual;

✔ 2ª Avaliação - Seminários temáticos e/ou painéis integrados;

✔ 3ª Avaliação - pesquisa de campo com produção de relatório que terá sua culminância no
Seminário Interdisciplinar do Parfor/UFPI – SIMPARFOR, seguindo as orientações do referido
evento.

7. REFERÊNCIAS:
BÁSICA

KLEIN, Ligia Regina. Alfabetização: quem tem medo de ensinar. 2. ed. São Paulo, SP: Cortez, 1997.
OLIVEIRA, João Batista Araújo e. ABC do alfabetizador. Belo Horizonte, MG: Alfa Educativa, 2003.
TARGINO, Maria das Graças; SILVA, Evana Mairy Pereira de Araújo; SANTOS, Maria Fátima Paula dos
(Org.). Alfabetização e letramento: múltiplas perspectivas. Teresina, PI: EDUFPI, 2017.
COMPLEMENTAR

ARAUJO, Mairce da Silva; CARVALHO, Ricardo; REGO, Marta da Costa Lima. Alfabetização 1. Rio de
Janeiro, RJ: CECIERJ, 2004. 2v.

BARBOSA, José Juvêncio. Alfabetização e leitura. 2. ed. São Paulo, SP: Cortez, 1998.

KLEIMAN, Ângela B. Os Significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da
escrita. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2008.

FREIRE, Paulo; MACEDO, Donaldo. Alfabetização: leitura do mundo, leitura da palavra. 4.ed. Rio de
Janeiro, RJ: Paz e Terra, 2006.

SOARES, Magda Becker. Alfabetização e letramento. 6. ed. São Paulo, SP: Contexto, 2010.
CRONOGRAMA DE ATIVIDADES DE DISCIPLINA - 2023.2

IDENTIFICAÇÃO
MUNICÍPIO DE REALIZAÇÃO: BATALHA - PEDRO II -
CASTELO - MIGUEL ALVES

CURSO: PEDAGOGIA TIPO DE FORMAÇÃO:

DISCIPLINA: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO BLOCO: III

CARGA HORÁRIA: 60H CRÉDITOS: 3.1.0.0 MODALIDADE: Presencial PERÍODO LETIVO: 2023.2

PROFESSOR(A) FORMADOR(A): MÔNICA NÚBIA ALBUQUERQUE DIAS

ATIVIDADES
UNID
RECURSO C/H
ADE PERÍODO
CONTEÚDO PERÍODO S RECURSOS TOTA
DIDÁ DATA C/H REFERÊNCIAS COMPLEM DATA C/H REFERÊNCIAS
INTENSIVO DIDÁTICO DIDÁTICOS L1
TICA ENTAR
S

15 a 18/01 15/01 4h 02/03 8h COUTINH 8h


Apresentação e apreciação do Slides,
O, Maria
programa de disciplina; notebook
de
Slides Lucena.
Apresentação do plano de Trabalho Textos 02/03,
Notebook
para o SIMPAFOR 16/03, Psicogêne
Textos
SOARES, Magda. 23/03 e se da
Alfabetização e 11/04 língua
I A evolução da escrita; escrita: O
Manhã letramento. In:
Conceito de Alfabetização e SOARES, Magda. que é?
Letramento; Alfaletrar: toda Como
criança pode intervir

1
Carga horária total= carga horária do período intensivo + carga horária do período complementar.
Escrita Alfabetização; Slides aprender a ler e a em cada
Notebook escrever. São Paulo: uma das
Textos Contexto, 2021. hipóteses
? Uma
SOARES, Magda. A conversa
entrada da criança 16/03 8h entre 8h
na cultura da professor
escrita. In: SOARES, es. In:
Magda. Alfaletrar: MORAIS,
toda criança pode A. G. de;
aprender a ler e a ALBUQUE
escrever. São Paulo: RQUE, E.
Contexto, 2021. B. C. de;
LEAL, T. F.
(org.).
Revisitando os métodos de MENDONÇA, O. S. Alfabetiza
Tarde 4h
Alfabetização; Percurso Histórico ção:
dos Métodos de apropriaç
Alfabetização. ão do
Faculdade de sistema
Ciências e de escrita
Tecnologia, 2010. alfabética.
Disponível em: Belo
https://acervodigital Horizonte
.unesp.br/bitstream :
/123456789/40137/ Autêntica,
1/01d16t02.pdf 2005.
Acesso em: 02 dez.
2023
ISANTOS, Carmi
Ferraz;
ALBURQUERQUE,
Eliana Borges
Correia de.
Alfabetizar letrando.
In: SANTOS, Carmi
Ferraz; MENDONÇA,
Márcia (org.).
Alfabetização e
letramento:
conceitos e
relações. Belo
Horizonte:
Autêntica, 2007. p.
95-109.

23/03 4h Textos xxxx SOARES, 4h


Magda.
Atividade avaliativa 15 a 18/01 16/01
Leitura e
Manhã 4h escrita no
COUTINHO, Maria processo
II
de Lucena. de
O sistema de escrita alfabética: Psicogênese da alfabetiza
objeto da alfabetização; língua escrita: O que ção e
é? Como intervir em
letrament
cada uma das
o. In:
hipóteses? Uma
Slides SOARES,
A psicogênese da língua escrita e as Notebook conversa entre
fases do desenvolvimento da Textos professores. In: Magda.
escrita; MORAIS, A. G. de; Alfaletrar:
ALBUQUERQUE, E. toda
B. C. de; LEAL, T. F. criança
(org.).
pode
Alfabetização: aprender
apropriação do a ler e a
sistema de escrita escrever.
alfabética. Belo 11/04 8h 8h
São Paulo,
Horizonte:
Autêntica, 2005. Contexto,
2021.
16/01 Cap. 5, p.
191-281.
15 a 18/01 Tarde 4h
MORAIS, Artur
Consciência Fonológica: conceito e Gomes de; LEITE,
suas implicações Tânia Maria Rios.
Como promover o
desenvolvimento
das habilidades de
reflexão fonológica
dos alfabetizandos?
Orientações para o seminário.
In: MORAIS, A. G.
Organização para o Seminário
de; ALBUQUERQUE,
E. B. C. de; LEAL, T. F.
(org.).
Alfabetização:
apropriação do
sistema de escrita
alfabética. Belo
Horizonte:
Autêntica, 2005.

Apresentações do seminário 15 a 18/01 17/01 4h Slides SOARES, Magda.


Notebook Leitura e escrita no
Manhã Textos
processo de
alfabetização e
letramento. In:
UNIDADE I

A EVOLUÇÃO DA ESCRITA E O PERCURSO HISTÓRICO DA ALFABETIZAÇÃO

Resumo
O objetivo desta unidade é discutir a evolução da escrita, os
conceitos de alfabetização e letramento, os diferentes
métodos de alfabetização inseridos em contextos sociais
diversos, acompanhadas das mudanças do livro didático e as
perspectivas dessas mudanças no processo ensino
aprendizagem.
UNIDADE I
A EVOLUÇÃO DA ESCRITA E O PERCURSO HISTÓRICO DA ALFABETIZAÇÃO

Relação de textos
SOARES, Magda. Alfabetização e letramento. In: SOARES, Magda.
Texto 1 Alfaletrar: toda criança pode aprender a ler e a escrever. São Paulo:
Contexto, 2021.

SOARES, Magda. A entrada da criança na cultura da escrita. In: SOARES,


Texto 2 Magda. Alfaletrar: toda criança pode aprender a ler e a escrever. São Paulo:
Contexto, 2021.

MENDONÇA, O. S. Percurso Histórico dos Métodos de Alfabetização.


Texto 3 Faculdade de Ciências e Tecnologia, 2010. Disponível em:
https://acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/40137/1/01d16t02.pdf
Acesso em: 02 dez. 2023

Texto 4 ISANTOS, Carmi Ferraz; ALBURQUERQUE, Eliana Borges Correia de.


Alfabetizar letrando. In: SANTOS, Carmi Ferraz; MENDONÇA, Márcia (org.).
Alfabetização e letramento: conceitos e relações. Belo Horizonte: Autêntica,
2007. p. 95-109.
OBSERVAÇÃO:

● AS MATRIZES NÃO PODERÃO SER RISCADAS/RASURADAS, DEVENDO ESTAR DISPOSTAS


EM FRENTE E VERSO E TRAZER NA PRIMEIRA FOLHA A IDENTIFICAÇÃO DA
NUMERAÇÃO (TEXTO 01, TEXTO 02, TEXTO N...) E A FICHA CATALOGRÁFICA DA OBRA,
QUANDO SE TRATAR DE CAPÍTULO DE LIVRO.
Percurso Histórico dos
Métodos de Alfabetização

CONTEÚDO E DIDÁTICA DE ALFABETIZAÇÃOL


Onaide Schwartz Mendonça
Faculdade de Ciências e Tecnologia – Departamento de Educação
UNESP/ Presidente Prudente

Resumo: A história da alfabetização está dividida em quatro períodos. O primeiro teve início na Antiguidade
e se estendeu até a Idade Média. Durante esse tempo, o único método existente foi o da soletração. O segundo
ocorreu durante os séculos XVI e XVIII e se estendeu até a década de 1960, sendo marcado pela rejeição ao
método da soletração e pela criação de novos métodos sintéticos e analíticos. Nessa época, foram criadas as car-
tilhas, amplamente utilizadas, cujos métodos serão analisados à luz da Linguística. O terceiro período iniciou-se
em meados da década de 1980 com a divulgação da teoria da Psicogênese da língua escrita, ficou marcado pelo
questionamento da necessidade de se associar os sinais gráficos da escrita aos sons da fala para se aprender a
escrever. Este período será abordado no artigo Psicogênese da língua escrita: contribuições, equívocos e conse-
quências para a alfabetização. Existe ainda o período atual (quarto período) aqui denominado de “reinvenção
da alfabetização” que surgiu em decorrência dos reiterados índices indicadores do fracasso da alfabetização no
Brasil. Este último período discute a necessidade da organização do trabalho docente e a sistematização do en-
sino para alfabetizar letrando, e será desenvolvido no artigo A eficiência do Método Sociolinguístico: uma nova
proposta de Alfabetização.

Palavras-chave: Método sociolingüístico, História da alfabetização, Métodos da alfabetização.

1 OS PRIMEIROS MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO


Pelo conhecimento da história dos métodos de alfabetização, podemos compreender os es-
tágios pelos quais passou esse processo paralelamente às transformações econômicas, sociais,
políticas e educacionais.
Araújo (1996) divide a história da alfabetização em três grandes períodos, porém, em razão
de novos questionamentos, podemos acrescentar mais um, o atual, e subdividi-la, portanto, em
quatro períodos, como veremos a seguir.
Segundo Araújo (1996), o primeiro inclui a Antiguidade e a Idade Média, quando predomi-
nou o método da soletração; o segundo teve início pela reação contra o método da soletração,
entre os séculos XVI e XVIII, e se estendeu até a década de 1960, caracterizando-se pela
criação de novos métodos sintéticos e analíticos; e o terceiro período, marcado pelo questiona-
mento e refutação da necessidade de se associar os sinais gráficos da escrita aos sons da fala
para aprender a ler, iniciou em meados da década de 1980 com a divulgação da teoria da Psico-

23
gênese da língua escrita. Este período vem sendo questionado por desenvolver apenas a função
social da escrita em detrimento dos conhecimentos específicos, indispensáveis ao domínio da
leitura e da escrita, que ficam diluídos no processo. Este tema será explicitado no texto Psico-
gênese da língua escrita: contribuições, equívocos e consequências para a alfabetização.
Assim, acrescentamos o quarto período, o da “reinvenção da alfabetização”, que surgiu em

CONTEÚDO E DIDÁTICA DE ALFABETIZAÇÃOL


decorrência do fracasso da utilização de práticas “equivocadas e inadequadas”, derivadas de
tentativas de aplicação da teoria construtivista à alfabetização. Sabe-se, por meio de pesquisas
institucionais que, hoje, no Brasil, apenas 15% dos alunos concluem a Educação Básica saben-
do ler e escrever (INSTITUTO PAULO MONTENEGRO, 2009). Deste modo, se o fracasso
até meados da década de 1980, quando se usava cartilha era da ordem de 50% na 1ª série, hoje,
é de 85% na 8ª série. Nesse contexto, uma nova metodologia, fundamentada na sociolinguística
e na psicolinguística, propõe a organização do trabalho docente e a sistematização da alfabeti-
zação cujo objetivo é o de alfabetizar letrando. Sugere um trabalho que partindo da realidade
do aluno desenvolva e valorize sua oralidade por meio do diálogo, que trabalhe conteúdos
específicos da alfabetização e utilize estratégias adequadas às hipóteses dos níveis descritos
na psicogênese da língua escrita. Recomenda, também, a leitura de textos de qualidade, de
diferentes gêneros, interpretação e produção textual, estratégias indispensáveis ao desenvol-
vimento de aspectos específicos da alfabetização aliados a sua função social. Este período, o
atual, será abordado no texto A eficiência do Método Sociolinguístico: uma nova proposta de
Alfabetização.
Na Antiguidade (primeiro período), foi criado o alfabeto e o primeiro método de ensino:
a soletração, também denominado alfabético ou ABC. Conforme Marrou (1969), a alfabeti-
zação ocorria por um processo lento e complexo. Iniciava-se pela aprendizagem das 24 letras
do alfabeto grego e as crianças tinham que decorar os nomes das letras (alfa, beta, gama etc.),
primeiro na ordem alfabética, depois em sentido inverso. Somente depois de decorar os nomes
é que era apresentada a forma gráfica. A tarefa seguinte era associar o valor sonoro (antes me-
morizado) à respectiva representação gráfica (escrita). As primeiras letras apresentadas eram
as maiúsculas, distribuídas em colunas, depois vinham as minúsculas. Quando os aprendizes
haviam memorizado a associação das letras às formas, processo semelhante era feito com as
famílias silábicas, iniciando-se pelas sílabas simples (beta-alfa = ba; beta – é = bé; beta – eta =
bê), decoradas em ordem, até se esgotarem todas as possibilidades combinatórias. Mais tarde,
vinha o estudo das sílabas trilíteras e assim por diante. Concluído o estudo da sílaba, vinham
os monossílabos, depois os dissílabos, trissílabos e assim sucessivamente, como fazem as carti-
lhas. Os primeiros textos apresentados vinham segmentados em sílabas, depois eram apresen-
tados em escrita normal, mas sem espaço entre as palavras e sem pontuação, fato que tornava
a escrita mais complexa que a atual. Segundo Platão (MARROU, 1969, p. 248) através desse
método, quatro anos não era demais para se aprender a ler.

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A mesma sistemática de progressão (letra, sílaba, palavra, texto) era utilizada na Idade Mé-
dia. Para Alexandre-Bidon (apud ARAÚJO, 1996, p. 7), para se estudar a alfabetização, na
Idade Média, há a necessidade de se buscar informações em fontes escritas, arqueológicas e
iconográficas. Analisando imagens da época, é possível observar textos miniaturizados que
possibilitam o descobrimento do modo como se dava a alfabetização e o tipo de materiais que
eram utilizados. Através dessas análises, descobriu-se que o processo de ensino ocorria em

CONTEÚDO E DIDÁTICA DE ALFABETIZAÇÃOL


dois níveis: o do alfabeto e o dos primeiros textos. Os textos usados tinham cunho religioso,
todos escritos em latim. Ainda na Idade Média, segundo a cartilha Civile Honesteté des enfants
(Paris, 1560), para ensinar a ler e a escrever devia-se apresentar quatro letras por dia, ou seja, a
criança aprenderia no primeiro dia as letras A, B, C, D, das quais surgiu a palavra abecedário.
Mas, para Cossard, no séc. XVII, o recomendado seria que as letras fossem ensinadas de três
em três, na forma tríplice. Em sua primeira aula, a criança aprenderia somente o a (a. a. a.) e, a
partir da segunda lição, aprenderia o a.b.c. Daí adveio o termo abecê.
Conforme Araújo, muitos eram os artifícios usados na Idade Média para facilitar a aqui-
sição da leitura às crianças. Verificando peças de museu, foi possível encontrar suportes de
textos utilizados, na época, como alfabetos de couro, tecido e até mesmo em ouro. Havia tam-
bém tabuletas de gesso ou madeira que continham o alfabeto entalhado. Esses objetos eram
postos em contato com as crianças desde a mais tenra idade, pois os pais acreditavam que,
quanto mais cedo entrassem em contato com o material escrito, mais fácil seria a aprendiza-
gem e, aos poucos, iriam incorporando aqueles conhecimentos. As imagens da época revelam
crianças sendo amamentadas com a tabuleta do alfabeto pendurada ao braço. Acredita-se que
as crianças das famílias de baixo poder aquisitivo também tinham acesso à aprendizagem da
leitura e da escrita. Havia ainda outras estratégias usadas na alfabetização, como os alimentos.
Na Itália, era comum servir bolos e doces com formatos de letras. Assim, após apresentarem o
alimento com tal formato, ensinavam o seu nome e as crianças comiam. Desse modo, podemos
conhecer a origem das atuais sopas de letrinhas.
A partir do século XVI, pensadores começam a manifestar-se contra o método da soletra-
ção, em função da sua dificuldade. Na Alemanha, Valentin Ickelsamer apresenta um método
com base no som das letras de palavras conhecidas pelos alunos. Na França, Pascal reinventa
o método da soletração: em lugar de ensinar o nome das letras (efe, eme, ele etc.) ensinava o
som (fê, lê, mê), na tentativa de facilitar a soletração. Em 1719, Vallange cria o denominado mé-
todo fônico com o material chamado “figuras simbólicas”, cujo objetivo era mostrar palavras
acentuando o som que se queria representar. Entretanto, o exagero na pronúncia do som das
consoantes isoladas levou tal método ao fracasso.
Apesar de o método fônico ter sido rejeitado já no século XVIII, hoje, alguns defensores
tentam ressuscitá-lo, alegando que só tal metodologia poderá resolver o problema do fracasso
escolar, no Brasil. Analisando linguisticamente o método fônico, podemos afirmar que, na lín-

25
gua portuguesa, a menor unidade pronunciável perceptível para o aprendiz é a sílaba, e não
o fonema, pois, embora tenha escrita alfabética, na oralidade, o português é silábico (MEN-
DONÇA; MENDONÇA, 2007, p. 22).
Para Dubois et al. (1973), fonema “[...] é a menor unidade destituída de sentido passível de
delimitação na cadeia da fala”. É definido ainda como unidade distintiva mínima e seu caráter

CONTEÚDO E DIDÁTICA DE ALFABETIZAÇÃOL


fônico é acidental, ou seja, é uma unidade vazia, desprovida de sentido, e o que diferenciará
um fonema de outro são apenas traços mínimos distintivos de palavras. Por exemplo, em faca
e vaca, tanto o /v/ como o /f/, quanto ao ponto de articulação, são fonemas labiodentais, quanto
ao modo de articulação, fricativos, porém, do ponto de vista da fonação, /f/ é surdo e /v/ sonoro;
assim, o único traço que distingue /f/ de /v/ é a sonoridade de /v/ provocada pela vibração das
cordas vocais com a passagem do ar.
Isolados, os fonemas consonantais são impronunciáveis, pois sempre que se tentar pronun-
ciar /b/, por exemplo, o som /e/ estará presente e se dirá /be/. O método fônico, para tentar dis-
simular essa dificuldade, ignora a vogal nasal /ã/ e, na tentativa de desenvolver o que denomina
“consciência fonológica”, faz o aluno pronunciar a sílaba /bã/ para o fonema /b/. Como de-
monstrado, no método fônico parece que se trabalha o fonema, mas na verdade parte da sílaba
nasalizada e não do fonema para desenvolver a correspondência grafema/fonema consonantais.
Então, se podemos optar por desenvolver uma alfabetização de qualidade, que considere a
realidade do aluno, que respeite o modo natural como já fala, por que começar por uma unidade
vazia de sentido, que em nada corresponde à sua oralidade e só irá dificultar a compreensão do
sistema de escrita? Por que não iniciar o processo através de uma palavra real, cujo significado
o aprendiz conheça, retirando dela a sílaba, para, ao final, a própria criança ver a combinação
dos fonemas na constituição de sílabas e, a seguir, de palavras?
No caso da sílaba escrita, para as crianças que não a compreendem de imediato, pode ser
usado o processo de comutação, a partir do qual basta que se apresente a consoante (/b/, por
exemplo), falando seu nome /be/ e na frente ir alternando as letras que representam grafica-
mente as vogais (a, i, o, e, u) e indagando sobre qual sílaba formamos, para que ela perceba e
compreenda essa sistemática. Não há a necessidade de obrigá-la a tentar pronunciar fonemas,
artificialmente, pois a pronúncia de /b/, segundo os alfabetizadores do método fônico, torna-se
a sílaba /bã/, /k/ torna-se a sílaba /kã/, /d/, /dã/ e assim sucessivamente, com todas as consoan-
tes do alfabeto. Sem contar que a criança é obrigada a repetir a pronúncia do que se pretende
“fonema”, por exemplo, /bã/ /bã/ /bã/, /kã/ /kã/ /kã/, /mã/mã/mã/, seguidas vezes, para fixar a
forma. Assim, o exagero e o artificialismo da pronúncia fazem não raro, tanto a criança como
o professor, que demonstra o “como fazer”, passarem por situações constrangedoras.
Voltando à história, visando à superação das dificuldades do método fônico, na França, foi
criado o método silábico: estratégia de unir consoante e vogal formando a sílaba, e unir as síla-

26
bas para compor as palavras. No método silábico, ensina-se o nome das vogais, depois o nome
de uma consoante e, em seguida, são apresentadas as famílias silábicas por ela compostas. Ao
contrário do fônico, no método da silabação, a sílaba é apresentada pronta, sem se explicitar a
articulação das consoantes com as vogais. Na sequência, ensinam-se as palavras compostas por
essas sílabas e outras já estudadas.

CONTEÚDO E DIDÁTICA DE ALFABETIZAÇÃOL


O método global surgiu com a finalidade de partir de um contexto e de algo mais próximo
da realidade da criança, pois se sabe que a letra ou a sílaba, isoladas de um contexto, dificultam
a percepção, pois são elementos abstratos para o aprendiz. Os fundamentos teóricos do mé-
todo global encontram-se em Claparède (BELLENGER, 1979), Renan (BELLENGER, 1979)
e outros. Segundo eles, o conhecimento aplicado a um objeto se desenvolve em três atos: o
sincretismo (visão geral e confusa do todo), a análise (visão distinta e analítica das partes) e a
síntese (recomposição do todo com o conhecimento que se tem das partes).
Conforme Braslavsky (1971), em 1655, Comenius, em sua Orbis Pictus, caracterizou o mé-
todo da soletração como a “maior tortura do espírito” e lançou o método iconográfico, que as-
sociava uma imagem a uma palavra-chave, para que a criança pudesse estabelecer uma relação
entre a grafia e sua representação icônica. Já em 1787, o gramático Nicolas Adams, em sua obra
Vrai manière d’apprendre une Langue quelconque, exemplifica com muita propriedade a sua
concepção de método global, quando afirma:
Quando quereis dar a conhecer um objeto à criança, por exemplo, um vestido,
tivestes já a idéia de lhe mostrar os enfeites separadamente, depois as mangas, os
bolsos e os botões? Não, sem dúvida. Fazeis ver o conjunto e lhes dizeis: - Eis um
vestido. É assim que as crianças aprendem a falar com suas amas. Por que não
fazer a mesma coisa, quando quiserdes ensinar a ler? Afastai delas os alfabetos e
todos os livros franceses e latinos, procurai palavras inteiras a seu alcance as quais
reterão muito mais facilmente e com muito mais prazer do que todas as letras e
sílabas impressas (apud CASASANTA, [1972?], p. 50)
Adams acreditava que, considerando a realidade da criança, o processo de alfabetização
ganharia significado, deixando de ser, portanto, tão complexo e abstrato. Ele parte da lógica de
que, se as crianças aprendem a falar emitindo palavras inteiras e não pedaços delas, também
aprenderão a ler e escrever com mais facilidade palavras com significado. Insistia-se que o
professor deveria ficar o maior tempo possível na fase de exploração global de palavras, para só
depois fazer a análise da palavra em sílabas. Esse autor reconhece ser de fundamental impor-
tância a decomposição da palavra em sílabas, bem como o seu estudo.
Para sistematizar essa breve abordagem histórica dos métodos, eis o quadro ilustrativo de
Casasanta (apud ARAÚJO, 1996, p. 16):

27
Sinopse das fases dos métodos

FASES MÉTODOS
Contos e da

CONTEÚDO E DIDÁTICA DE ALFABETIZAÇÃOL


Métodos Soletração Fônico Silábico Palavração Sentenciação experiência
infantil

Alfabeto: Letras:
Letras: Conto
1ª. fase Letra, nome consoantes Palavras Sentenças
som e forma ou texto
e forma e vogais

2ª. fase Sílaba Sílabas Sílabas Sílabas Palavras Sentenças

3ª. fase Palavras Palavras Palavras Letras Sílabas Palavras

4ª. fase Sentenças Sentenças Sentenças Sentenças Letras Sílabas


Contos Contos Contos Contos Contos
5ª. fase Letras
ou textos ou textos ou textos ou textos ou textos

Após a criação do método da palavração, que partia da unidade - palavra, foram criados os
métodos da sentenciação e aqueles que partiam de contos e da experiência infantil.
Assim, os métodos da soletração, o fônico e o silábico são de origem sintética, pois partem
da unidade menor rumo à maior, isto é, apresentam a letra, depois unindo letras se obtém a
sílaba, unindo sílabas compõem-se palavras, unindo palavras formam-se sentenças e juntando
sentenças formam-se textos. Há um percurso que caminha da menor unidade (letra) para a
maior (texto).
Os métodos da palavração, sentenciação ou os textuais são de origem analítica, pois partem
de uma unidade que possui significado, para então fazer sua análise (segmentação) em unida-
des menores. Por exemplo: toma-se a palavra (BOLA), que é analisada em sílabas (BO-LA),
desenvolve-se a família silábica da primeira sílaba que a compõe (BA-BE-BI-BO-BU) e, omi-
tindo a segunda família (LA-LE-LI-LO-LU), chega-se às letras (B-O-L-A).

Estrutura dos Métodos analíticos EstruEstrutura dos métodos sintéticos


ANÁLISE SÍNTESE
TODO TODO
texto
letra fonema sílaba
sentença letra fonema
texto palavra palavra
PARTE sílaba PARTE sentença

28
1.1 O Método das Cartilhas
A cartilha surgiu da necessidade de material para se ensinar crianças a ler e a escrever. Até
então, elas aprendiam em livros que eram levados de casa, quando tinham algum livro em casa.
No século XVI, surge o silabário, a primeira versão do que seria a cartilha. As cartilhas brasilei-
ras tiveram origem em Portugal (que chegou a enviar exemplares para a alfabetização, em suas
colônias). De autoria de João de Barros, a Cartinha para Aprender a Ler é uma das cartilhas mais

CONTEÚDO E DIDÁTICA DE ALFABETIZAÇÃOL


antigas para ensinar português. Sua primeira versão foi impressa em Lisboa, em 1539.
Outras cartilhas foram utilizadas no Brasil, além daquela. Em Lisboa, Antonio Feliciano de
Castilho elaborou o Método Castilho para o Ensino Rápido e Aprazível do Ler Impresso, Ma-
nuscrito e Numeração do Escrever (1850), que continha abecedário, silabário e textos de leitura.
Em 1876, foi editada a Cartilha Maternal, do poeta João de Deus, cujo destaque a seguir,
ainda aparece na edição de 2005:
Este sistema funda-se na língua viva: não apresenta os seis ou oito abecedários do
costume, senão um, do tipo mais frequente, e não todo, mas por partes, indo logo
combinando esses elementos conhecidos em palavras que se digam, que se ouçam,
que se entendam, que se expliquem; de modo que, em vez de o principiante apurar
a paciência numa repetição néscia, se familiarize com as letras e os seus valores na
leitura animada das palavras inteligíveis. (...) Esses longos exercícios de pura intui-
ção visual constituem uma violência, uma amputação moral, contrária à natureza:
seis meses, um ano, e mais, de vozes sem sentido, basta para imprimir num espírito
nascente o selo do idiotismo (DEUS, 2005, p. 5).
Esse autor era contra os métodos da soletração e silabação para o ensino da leitura e
sua obra foi o marco entre o abecedário (bê-á-bá) e os métodos analíticos, que foram difundidos
no Brasil, durante a República, utilizando o método da palavração. Sua cartilha é editada ainda
hoje em Portugal pela Editora Bertrand.
A alfabetização, até o final do século XIX, era iniciada pela letra manuscrita, depois era
ensinada, alternadamente, a letra de forma. O professor preparava o alfabeto em folhas de
papel que eram manuseadas por um pega-mão, para não sujarem. O material utilizado para
exercitar os alunos nas dificuldades da letra manuscrita e leitura era um conjunto de cartas de
sílabas, cartas de nomes e cartas de fora, estas compostas de ofícios e documentos que eram
emprestados. Conforme Barbosa (1990), outras cartilhas foram representativas no país, como
a Cartilha da Infância, de Thomas Galhardo, publicada pela primeira vez por volta de 1880 e
comercializada até a década de 1970.
A partir de 1930, cresceu consideravelmente o número de cartilhas publicadas, pois isso
passou a ser um grande negócio. Por volta de 1944, surge o Manual do Professor, cuja função
é orientar o professor quanto ao correto uso do material. E o mercado das cartilhas continuou
a crescer. Em pesquisas realizadas nos anos 1960 e 1980, as principais cartilhas adotadas no
Estado de São Paulo eram Caminho Suave, Quem sou Eu? e Cartilha Sodré (anos 1960); No
Reino da Alegria, Mundo Mágico e Cartilha Pipoca (anos 1980).
29
O estudo das falhas das cartilhas é sempre pertinente, pois a cartilha esteve durante muito
tempo na escola e tanto o produtor como o leitor desse texto provavelmente foram alfabeti-
zados através de cartilhas. Muitos acreditam que ela é um método eficiente de alfabetização,
partindo do pressuposto de que, se foi eficiente para alfabetizá-los, servirá também para outras
pessoas. Entretanto, as cartilhas apresentam falhas, que ainda continuam sendo reproduzidas
por professores na sala de aula, conscientemente ou não. Mesmo a avaliação mais rigorosa por

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parte do Ministério da Educação, para a publicação de livros didáticos, não impede a utilização
precária ou mesmo o uso de expedientes duvidosos das velhas cartilhas. Se se considerar que
o professor conta com 35, 40 alunos para alfabetizar, anualmente, sem uma formação sólida
de conhecimentos, aumenta o risco de se recorrer àquele instrumental já pronto e acabado,
que basta seguir de capa a capa. Ainda existem professores que têm vergonha de mostrar que
usam o instrumental da cartilha e tentam dissimular sua prática, preparando o próprio material
de trabalho: a cartilha não está na sala, mas a metodologia sim, basta verificar as atividades
mimeografadas e coladas nos cadernos dos alunos. Observemos alguns problemas do trabalho
das cartilhas:

’’Modo de trabalho com as sílabas: as cartilhas tendem à mesma estruturação (são com-
postas de lições). Cada lição parte de uma palavra-chave, ilustrada por desenho. Desta
palavra, destaca-se a primeira sílaba e, a partir dela, desenvolve-se a sua respectiva famí-
lia silábica (cujas sílabas serão utilizadas posteriormente, na silabação - leitura coletiva
das sílabas). Nessa atividade, segundo Cagliari (1999), abaixo das famílias silábicas vêm
palavras quase sempre formadas de elementos já dominados, que se somam aos da nova
lição. Depois, a cartilha apresenta exercícios de montar e desmontar palavras, comumen-
te de completar lacunas com sílabas, de forma mecânica e descontextualizada, que visam
somente à memorização. Cada unidade trata apenas de uma unidade silábica, o que, além
de empobrecer o trabalho com as sílabas, limita o horizonte de conhecimento da criança.
Ainda segundo Cagliari (1999), geralmente a lição da cartilha termina em um texto, teste
final de leitura e modelo de escrita para introduzir o aluno na etapa seguinte. Nesse texto,
compreende-se estar o maior problema do método. O aluno vem para a escola com plena
habilidade para descrever, narrar e até defender um ponto de vista. Entretanto, a partir do
momento em que se inicia na alfabetização, vai perdendo tais competências. No intuito
de facilitar a leitura para o aluno, a cartilha propõe textos que são pretextos, elaborados
com palavras compostas e com sílabas já dominadas. Porém, o conteúdo, a coesão e a
coerência, na maioria dos casos, ficam prejudicados.

’’Concepção de linguagem das cartilhas: Por fim, para Cagliari (1999), nas cartilhas, “uma
palavra é feita de sílabas, uma sílaba de letras, uma frase é um conjunto de palavras e
um texto é um conjunto de frases”. A ideia é de que a linguagem se assemelha à soma de
tijolinhos, representados pelas sílabas e unidades de composição. Tal concepção abran-

30
ge apenas o nível superficial da linguagem. Representar a linguagem através da escrita
vai muito além de codificar e decodificar sinais gráficos, pois requer a incorporação de
aspectos discursivos da linguagem escrita. De acordo com Camacho (1988, p. 29), “[...]
uma língua é um objeto histórico, enquanto saber transmitido, estando, portanto, sujeita
às eventualidades próprias de tal tipo de objeto. Isto significa que se transforma no tempo

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e se diversifica no espaço”. Em um mesmo instrumento de comunicação, temos quatro
modalidades específicas de variação linguística: a histórica, a geográfica, a social e a
estilística. Contudo, tais conhecimentos são ignorados pela cartilha, uma vez que um
mesmo material é elaborado para ser usado em um país de proporções continentais como
o Brasil. Sabe-se que existem variações geográficas no léxico, na fonética e, ainda, na
sintaxe dos falantes. Quando um falante nordestino diz que não vai a algum lugar, tende
a falar da seguinte forma: Vou não! Já um paulista diria algo do tipo: Não vou! A variação
mais evidente e, de certo modo, que mais interfere na comunicação, é a variação lexical,
pois modifica o vocabulário e expressões utilizadas pelos falantes, tendo em vista seus
contextos. No nordeste do país, encontra-se macaxeira e, no sul, aipim, para designar o
que para o paulista é mandioca. A cartilha ignora a realidade linguística do aluno quan-
do trabalha com textos que não contemplam a sua experiência de vida, desenvolvendo,
assim, um trabalho descontextualizado.
A escrita reduzida à representação da fala: embora um dos compromissos da escrita seja
representar a fala, esta representação não é idêntica. A linguagem falada tem marcas e carac-
terísticas típicas da oralidade e existem expressões próprias da fala e outras mais adequadas à
escrita. A expressão “tipo”, usual entre os jovens, é um modismo frequente no discurso oral e
pouco apropriado para a escrita. Alguns alfabetizadores, buscando ajudar o aluno, desenvol-
vem artificialismos na fala para explicar a ortografia convencional. No caso de palavras como
voltou, mal, calma, há professores que acreditam que para o aprendiz fixar essas formas é de
grande valia tentar mostrar a diferença entre o uso do l ou do u através da pronúncia dos sons,
e enfatizam o l de ‘malll, melll, vollltou’, como se isto correspondesse à pronúncia adequada.
Ora, os falantes do Estado de São Paulo não fazem distinção entre tais variantes de fonemas,
como os gaúchos ou alguns descendentes de europeus. A ideia de priorizar a escrita como
representação tende ainda a provocar desvios: são comuns exemplos de crianças que passam
grande parte do tempo em atividades de cópia. Chega-se a ver alunos com cadernos estetica-
mente perfeitos, mas que não conseguem identificar as letras (são os chamados copistas). Em
lugar de priorizar a leitura, o trabalho da escola se reduz a atividades de “coordenação motora
fina”, que nada tem a ver com a especificidade da escrita.
Equívocos quanto às famílias silábicas: é comum a família silábica composta pela letra
C ser apresentada parcialmente, mostrando-se CA-CO-CU. Onde ficam o QUE e o QUI? A
orientação habitual diz que são formas difíceis e que a criança só irá aprendê-las mais tarde,
omitindo-se a informação. Como o professor não as apresenta, o aluno tende a escrever algo

31
como cero, ceijo, acilo, em lugar de quero, queijo e aquilo. Mas os problemas não param aí. O
professor não apresenta o que e o qui, mas apresenta o CE e o CI associados ao grupo fonético
que representa o som /k/. Ora, estas sílabas pertencem ao grupo fonético do som /s/, repre-
sentado ortograficamente pelo ÇA – ÇO – ÇU, e não ao do som /k/. Assim, a família silábica
que representa o som /k/ é: ca-que-qui-co-cu; e a outra: ça-ce-ci-ço-çu. Semelhante problema
ocorre com a família do ga-gue-gui-go-gu, e o ge-gi.

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Problemas fonéticos: também se verifica a ignorância quanto a questões fonéticas, como
em relação à quantidade das vogais que temos em nossa língua e sua representação gráfica.
O senso comum não dá conta da natureza dos sons da fala (fonética) e a sua delimitação em
fonemas. Embora a representação comum das vogais seja A-E-I-O-U, elas se diversificam em
12 fonemas (sete orais e cinco nasais): i, ĩ; e, ẽ, é; a, ã; õ, o, ó; u, ũ. Tende-se a não perceber, por
exemplo, a diferença entre o BA de barato, e o BA de banco. Embora não receba o til (~), o a
de banco será nasalizado pela presença do n na sílaba invertida. Quando alunos trocam letras
como P por B, F por V, Z por S, segundo Cagliari (1999), alguns professores compreendem tais
processos como falhas auditivas ou de observação, deficiências, distração, sem se darem conta
de que o problema é que os alunos não sabem diferenças fonêmicas elementares, como aquelas
que definem vaca e faca, pato e bato etc. Estas trocas não são muito frequentes, mas ocorrem
entre fonemas que são muito semelhantes. P e B, por exemplo, são bilabiais (para pronunciar,
os lábios superiores e inferiores unem-se), são oclusivos (emitidos como uma explosão de ar) e
possuem o mesmo ponto e modo de articulação. A diferença reside no fato de que /p/ é surdo e
/b/ é sonoro (as cordas vocais vibram quando /b/ é emitido).
Prevalência da atividade escrita sobre a fala: outro problema frequente em ambientes que
usam cartilhas é o fato de a atividade escrita prevalecer sobre a fala. As primeiras cartilhas fo-
ram elaboradas com o intuito de ensinar o aluno a ler, decodificar sinais, porém, com o tempo,
tais livros mudaram o enfoque da leitura para a escrita, e a cartilha deixou de ser um livro de
ensinar a ler para ser um livro de ensinar a escrever (treinar a escrita). Assim, a escrita passou a
prevalecer sobre a fala. Por vezes, o resultado dessa postura inibidora da fala pode ser a indisci-
plina. Basta notar que a conversa tende a ser um exercício visto na escola como algo prejudicial
e não estimulador ao trabalho pedagógico.
A precariedade da produção de textos: talvez a decorrência mais grave da utilização das
cartilhas seja a questão da produção de textos. Os tipos de textos ali apresentados muitas vezes
não constituem textos. Não têm unidade semântica, não apresentam textualidade e, não rara-
mente, perdem até mesmo a coerência. O aluno vem para a escola com a habilidade de produzir
textos orais. Se ele depara com textos artificiais, montados para finalidades específicas, que não
correspondem à sua linguagem, poderá concluir que sua oralidade está errada e acreditar que o
modelo apresentado pela escola é o correto, o padrão ideal de texto a ser seguido. Poderá ainda
sequer acreditar no modelo da escola e, tendo o seu discurso desacreditado, tornar-se resistente
ao trabalho pedagógico.

32
Durante décadas, a escola alfabetizou por meio da cartilha e, com a evolução dos conhecimen-
tos sobre a alfabetização, observamos que tal metodologia se tornou insuficiente para atender às
exigências da sociedade atual. Hoje, não basta o aluno saber apenas codificar e decodificar sinais.
Não é suficiente conseguir produzir um pequeno texto, há a necessidade de que saiba se comuni-
car plenamente,por meio da escrita, utilizando os diversos tipos de discurso.
Assim, inicialmente, é produtivo trabalhar no sentido de transpor a habilidade verbal da crian-

CONTEÚDO E DIDÁTICA DE ALFABETIZAÇÃOL


ça para a escrita. Aproveitar a desenvoltura que ela tem de falar e contar histórias como ponto de
partida para o desenvolvimento da produção de textos, em um primeiro momento, simples, da
forma como souber, posteriormente, obedecendo às regras gramaticais e reproduzindo/produzin-
do diferentes gêneros textuais (carta, poesia, bilhete, receitas culinárias, anúncios de propaganda
etc.).
O respeito pelo aluno é o princípio norteador da alfabetização. Um aluno que tem seus limites
respeitados agirá também com uma postura respeitosa, amigável e de admiração pelo professor.
A produção de texto deve ser estimulada durante a alfabetização: tudo o que a criança produzir
merece ser elogiado, para que sinta vontade de escrever. Posturas que reprimam a escrita do alu-
no, caracterizando-a como incorreta, feia, cheia de erros, devem estar fora da escola. O erro tem
que ser corrigido e a ortografia respeitada, porém o problema está na maneira como isso é feito.
Denúncias recorrentes mostram que as mais variadas formas de agressões verbais estão na
sala de aula. Em determinada ocasião, uma criança de sete anos, que já havia escrito quase uma
página de um caderno de brochura, teve seu trabalho totalmente desqualificado pelo professor.
Este pegou o caderno e, diante dos demais colegas, começou a mostrar a um visitante os erros
ortográficos que a criança havia cometido. Sem considerar os acertos, que constituíam a maior
parte do trabalho, limitou-se a criticar as falhas. Depois, dirigiu-se a outra vítima, procedendo de
semelhante modo. Ao final da aula, o visitante, lembrando-se do ocorrido, voltou àquela primeira
criança, para ver como havia concluído seu texto que, no início da aula, já contava com quase uma
página. O que se constatou foi assustador: a criança havia escrito mais duas linhas e terminado
sua história. Quando indagada sobre o porquê de ter escrito só mais um pouco e terminado, ela
respondeu: “-Se eu escrever pouco, errarei pouco!”
Todos sabem que é indispensável que o professor corrija a produção da criança, porém, com
uma postura respeitosa, de quem quer ajudar e não com a fúria destruidora de toda capacidade
criativa da qual a criança é portadora ao chegar à escola.
Nenhum material didático é completo, pronto e acabado. Todos são passíveis de serem me-
lhorados e adaptados pelo professor, em função de suas necessidades em sala de aula. Assim,
acredita-se que o professor que possuir boa fundamentação teórica e científica, aliadas à prática,
terá condições de superar as imperfeições de métodos, poderá optar por um caminho e oferecer
condições para que seu aluno tenha uma alfabetização consciente, que aprenda pensando e não
apenas memorizando sinais gráficos.
Dessa forma, estudando a alfabetização (uso de cartilhas), verificamos que tal processo se
dá de forma inadequada, pois aborda apenas a codificação (escrita) e a decodificação (leitura/
decifração) de sinais, sem o embasamento subjacente da contribuição da linguística à formação
do alfabetizador. Seu objetivo é o de fazer crianças memorizarem letras e sílabas, saberem deco-
33
dificar, decifrar sinais (ler), e codificar esses sinais, transformando a fala em escrita, porém com
prejuízo do significado e da produção textual espontânea.
Enfim, segundo Cagliari:
A alfabetização gira em torno de três aspectos importantes da linguagem: a fala, a
escrita e a leitura. Analisando estes três aspectos, tem-se uma compreensão melhor
de como são as cartilhas ou qualquer outro método de alfabetização (CAGLIARI,

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1999, p. 82).
Em decorrência, pode-se concluir que, no método da cartilha, sob o aspecto da fala, esta não é
contemplada, pois ao aluno não é dado o direito de falar, não há espaço para a fala. Se a analisar-
mos sob o ponto de vista da escrita, veremos que tal atividade se reduz a cópias e não há espaço
para produções espontâneas, o aluno não tem liberdade para expressar o que pensa. E, finalmen-
te, examinando o método das cartilhas sob o aspecto da leitura, veremos que os piores modelos de
texto são os apresentados por ela, e a atividade que poderia e deveria ocupar espaço privilegiado,
na educação, promovendo a inclusão social da criança, antes se reduz a inibir o gosto pela leitura.
Assim, entendemos que o professor precisa ter formação linguística adequada para saber re-
conhecer falhas e limitações de qualquer método que lhe seja apresentado, de maneira a saber
adaptá-lo, transformando os conhecimentos que já possui em metodologia e estratégias que auxi-
liem o aluno a superar suas dificuldades, durante o processo de aquisição da leitura e da escrita
significativas.

1. 2 O Método Paulo Freire de Alfabetização


Paulo Freire ficou conhecido mundialmente por ter criado um “método” de alfabetização de
adultos que partia do diálogo e da conscientização. Diferencia-se dos demais quando, em seus
dois primeiros passos, “codificação” e “descodificação”, busca transformar a consciência ingênua
do alfabetizando em consciência crítica, por meio da “leitura do mundo” enquanto, no 3º e 4º
passos (Análise e síntese, e Fixação da leitura e da escrita), desenvolve a consciência silábica e
alfabética, levando os alunos ao domínio das correspondências entre grafemas e fonemas. Nestes
passos, está caracterizado o avanço desse método em relação ao método fônico e o das cartilhas,
visto que a análise e a síntese vêm de uma palavra real, cujo significado o aprendiz conheça,
retirando-se dela a sílaba, para que o aluno veja e perceba a combinação fonêmica na constituição
de sílabas e, a seguir, na composição de novas palavras.
A proposta fônica desconhece que as letras são realidade da escrita e só podem ser lidas em
sílabas na realidade da fala, quando faz o aluno repetir os sons das letras, ignorando que os fone-
mas consonantais não são pronunciáveis isoladamente. Hoyos-Andrade esclarece, conceituando
as sílabas como
[...] fenômenos fonéticos obrigatórios, dada a linearidade do discurso e as caracterís-
ticas dos sons da linguagem humana. De fato pronunciamos sílabas e não sons iso-
lados. Estas sílabas são pacotes de 1, 2, 3, 4 e até cinco sons (dependendo da língua)
emitidos em um único golpe de voz [...] e como pacotes de fonemas, as sílabas com-
partilham com estes as funções que os caracterizam. (HOYOS-ANDRADE, 1984,
p. 225, grifo nosso).

34
Para que o aprendiz tome consciência da correspondência fala/escrita, basta questionarmos
sobre a quantidade de vezes que abrimos a boca para pronunciar determinada palavra (Ex: es-
-co-la), e prontamente saberão responder que são três vezes. A sílaba é a menor unidade pro-
nunciável e perceptível pela criança na fala. Se perguntarmos a alunos entre cinco e seis anos
sobre a quantidade de vezes que abrimos a boca para pronunciar qualquer palavra da língua
portuguesa, sempre se obterá a resposta correta, porque a consciência silábica é natural.

CONTEÚDO E DIDÁTICA DE ALFABETIZAÇÃOL


Porém, se o alfabetizando não compreender a sílaba escrita de imediato, basta que se apre-
sente a consoante (B, por exemplo), falando seu nome /be/ e, na frente, ir alternando as letras
que representam graficamente as vogais (a, i, o, e, u) e indagando sobre qual sílaba formamos
que, de pronto, passará a compreender a sistemática de associação de consoantes e vogais na
composição silábica, de maneira clara e sem artifícios.
Saiba Mais

O Método Paulo Freire foi pouco divulgado e estudado, no Brasil; quando usado pelo Mobral,
foi descaracterizado, porque teve seus passos da “codificação” e “descodificação” excluídos do Saiba Mais

processo de alfabetização, sendo transformado em mero método das cartilhas, impedindo os


alfabetizadores e alfabetizandos de fazer a “leitura de mundo”, que transforma a consciência in-
gênua em consciência crítica. Como este tema merece aprofundamento será estudado no texto:
A eficiência do Método Sociolinguístico: uma nova proposta de Alfabetização.

Referências
ARAÚJO, M. C. de C. S. Perspectiva histórica da alfabetização. Viçosa: Universidade Federal de Viçosa, 1996.

BARBOSA, J. J. Leitura e alfabetização. São Paulo: Cortez, 1990.

BELLENGER, L. Os métodos de leitura. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979.

BRASLAVSKY, B. P. Problemas e métodos no ensino da leitura. São Paulo: Melhoramentos/EDUSP, 1971.

CAGLIARI, L. C. Alfabetizando sem o bá-bé-bi-bó-bu. São Paulo: Scipione, 1999.

CAMACHO, R. G. A variação lingüística. In: São Paulo (Estado) Secretaria da Educação. Coordenadoria de
Estudos e Normas Pedagógicas. Subsídios à proposta curricular de língua portuguesa para o 1o e 2o graus:
Coletânea de textos. São Paulo: SE/CENP, 1988, v. 1.

CASASANTA, L. M. Métodos de ensino de leitura. São Paulo: Editora do Brasil, [1972?].

DEUS, J. de. Cartilha maternal ou arte de leitura. Chiado: Bertrand, 2005.

DUBOIS. J. et al. Dicionário de linguística. São Paulo: Cultrix, 1973.

HOYOS-ANDRADE, R. E. Sílaba e função linguística. Estudos Linguísticos: Anais de Seminários do GEL.


Batatais, v. 9, p. 225-229, 1984.

INSTITUTO PAULO MONTENEGRO. Inaf Brasil 2009 indicador de alfabetismo funcional: principais resultados. São
Paulo. Disponível em: <http://www.ibope.com.br/ipm/relatorios/relatorio_inaf_2009.pdf>. Acesso em: 20 de. 2010.

MARROU, H. História da educação na antiguidade. São Paulo: Herder, 1969.

MENDONÇA, O. S.; MENDONÇA, O. C. Alfabetização - Método Sociolinguístico: consciência social, silábica


e alfabética em Paulo Freire. São Paulo: Cortez, 2007.

35
Alfabetizar letrando

Carmi Ferraz Santos


Eliana Borges Correia de Albuquerque

Vimos refletindo ao longo deste livro sobre o ensino da língua


escrita com base na perspectiva do letramento. No 1o capítulo, Eliana
Albuquerque trata dos conceitos de alfabetização e letramento, e de
que modo esses conceitos, embora se refiram a aspectos diferentes
do aprendizado da língua escrita, são complementares e indissociá-
veis. No capítulo 2, Carmi Santos analisa como a instituição da esco-
larização obrigatória levou à construção de determinado conceito de
alfabetização. No terceiro capítulo, Márcia Mendonça discute ques-
tões relativas aos gêneros textuais e seu tratamento na alfabetização
e no ensino de língua materna. Já o artigo de Telma Leal discute
diferentes formas de organização da prática pedagógica em função
do ensino da escrita.
Na verdade, embora tratando de aspectos diferentes com res-
peito à relação entre alfabetização e letramento, todos os autores
chamam a atenção para a importância de se alfabetizar letrando. Ou
seja, levar os alunos a apropriarem-se do sistema alfabético ao mes-
mo tempo em que desenvolvem a capacidade de fazer uso da leitura e

95

LivroAlfabetização e letramento0507finalgrafica.pmd
95 05/07/2007, 15:35
da escrita de forma competente e autônoma, tendo como referência
práticas autênticas de uso dos diversos tipos de material escrito pre-
sentes na sociedade.
Mas, afinal, em que consiste realmente um processo de alfabeti-
zação na perspectiva do letramento? Como conciliar o trabalho com o
ensino do sistema alfabético de escrita com as situações de leitura e
produção de textos? Como possibilitar situações de leitura e produ-
ção de textos a sujeitos que ainda não sabem ler e escrever de forma
autônoma?
Na tentativa de responder a essas questões, discutiremos inici-
almente alguns equívocos cometidos ao falar-se do que vem a ser
alfabetizar letrando. Discutiremos, posteriormente, o que, para nós,
deve ser entendido como um processo de alfabetização pautado na
perspectiva do letramento. E, por fim, objetivando esclarecer melhor
em que consiste o alfabetizar letrando, analisaremos duas situações
didáticas em que professoras das séries iniciais objetivaram propor-
cionar a seus alunos a aprendizagem da escrita, inserindo-os em situ-
ações de leitura e produção textual.

Alguns equívocos na compreensão do


que vem a ser alfabetizar letrando

Preocupados com a crítica de que os textos utilizados na escola


eram artificiais e não representavam as práticas reais de leitura e de
escrita presentes na sociedade, muitos professores começaram a
introduzir em suas aulas diferentes gêneros textuais. Entretanto, ao
fazerem isso, acreditavam que os textos que funcionam na realidade
extra-escolar pudessem entrar na escola da mesma forma como funci-
onam fora dela. Dessa maneira, nega-se a escola como um lugar espe-
cífico de ensino-aprendizagem, o que, pelas suas peculiaridades, aca-
ba por transformar as práticas de referência nas quais os textos vão
ser utilizados e produzidos. Sendo a escola lugar específico de ensi-
no-aprendizagem, não é possível reproduzir dentro dela as práticas
de linguagem de referência tais quais aparecem na sociedade. Ao
entrar no processo de ensino, as situações de produção textual,
embora remetendo às situações nas quais tais textos são utilizados

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nas práticas de linguagem na sociedade, apresentam características
peculiares à situação de ensino em que estão inseridas. Como des-
tacou Marinho (1998, p. 77),

A necessidade de que a criança faça uso da língua escrita inte-


ragindo com uma multiplicidade de textos é, de fato, importan-
te, mas seria importante, também, uma explicitação das
condições de “transferência” de alguns textos para o cotidiano
da sala de aula, já que o texto, por si só, não garante o seu
funcionamento ou as suas possibilidades de significação.

Outro equívoco no entendimento do que seja alfabetizar letran-


do, é utilizar a leitura de diferentes textos apenas como pretexto para
o trabalho com palavras que, após escolhidas do texto lido, são divi-
didas em sílabas para depois ser trabalhadas valendo-se do estudo
das famílias (ou padrões) silábicas. Ou ainda, cair-se em outro extre-
mo. Acreditar que, apenas com a oportunização da leitura e produção
coletiva de textos, os alunos que ainda não dominam o sistema de
escrita podem vir a, sozinhos, apropriar-se desse conhecimento. Sen-
do assim, não oportunizam atividades de reflexão sobre a palavra nem
sistematizam o ensino do sistema de escrita alfabético.

Afinal, em que consiste alfabetizar letrando?

Propiciar aos aprendizes a vivência de práticas reais de leitura


e produção de textos não é meramente trazer para a sala de aula exem-
plares de textos que circulam na sociedade. Ao se ler ou escrever um
texto, tem-se a intenção de atender a determinada finalidade. É isso
que faz com que a situação de leitura e escrita seja real e significativa.
Portanto, ao se ler ou escrever um texto em sala de aula, deve-se
objetivar uma finalidade clara e explícita para os envolvidos na situa-
ção de leitura ou produção.
Discutindo a natureza do ato da leitura, Foucambert (1994) nos
faz a seguinte afirmação:

Para aprender a ler, enfim, é preciso estar envolvido pelos


escritos os mais variados, encontrá-los, ser testemunha de e

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associar-se à utilização que os outros fazem deles...Ou seja,
é impossível tornar-se leitor sem essa contínua interação com
um lugar onde as razões para ler são intensamente vividas –
mas é possível ser alfabetizado sem isso.... (p. 31)

Que finalidades ou razões poderiam ser essas? A leitura para


conseguir alguma informação, para estudo de determinado tema ou,
simplesmente, por prazer. Com relação à produção escrita, poder-se-
ia escrever para sistematizar e/ou guardar uma informação, para se
comunicar com alguém, para relatar um fato, etc.
Entretanto, a garantia do acesso à leitura e à produção de dife-
rentes gêneros textuais por si só não assegura a construção de sujei-
tos leitores e escritores autônomos. Se Foucambert destaca que se
pode até ser alfabetizado, mas não ser leitor, Albuquerque, no 1o capí-
tulo deste livro, chama-nos a atenção para o fato de que se pode ser
letrado sem ser alfabetizado. Em ambos os casos, não há a constru-
ção de sujeitos leitores e escritores autônomos. É preciso, portanto,
que, nesses momentos de leitura e escrita, seja oportunizado aos
alunos compreender a linguagem que se usa ao escrever os diferen-
tes textos, ou seja, compreender as características textuais de cada
gênero em razão das funções que cumpre na sociedade. Mas é preci-
so também que eles se apropriem da escrita que usamos ao escrever
textos, que, no nosso caso, é a escrita alfabética. Não adianta muito o
indivíduo saber identificar a que gênero o texto se refere e para que
ele serve, se ele não é capaz de recuperar sozinho as marcas registra-
das no papel.
Alfabetizar letrando é, portanto, oportunizar situações de apren-
dizagem da língua escrita nas quais o aprendiz tenha acesso aos
textos e a situações sociais de uso deles, mas que seja levado a
construir a compreensão acerca do funcionamento do sistema de
escrita alfabético.
Em uma situação de aprendizagem na qual os alunos ainda não
dominam o sistema de escrita alfabético, faz-se necessário que o pro-
fessor atue como mediador, seja lendo, seja registrando por escrito os
textos produzidos oralmente pelos alunos. No entanto, não se pode
deixar para que o aluno produza escritos ou leia apenas quando já
dominar o nosso sistema de escrita. É importante que eles possam,

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desde o início do processo de alfabetização, testar suas hipóteses a
respeito da escrita. Se o conhecimento que esses têm da escrita ainda
não é suficiente para que leiam ou produzam textos extensos, pode-se
levá-los a ler textos memorizados, tais como cantigas, quadrinhas,
assim como tentar escrevê-los na íntegra ou parte deles.
Analisaremos a seguir como duas professoras organizaram situ-
ações de aprendizagem da escrita nas quais os princípios acima co-
locados foram abordados.

Chapeuzinho amarelo:
ler e brincar com as palavras

A professora Rosivânia Barbosa de Aguiar Carneiro1, juntamen-


te com outras professoras que participaram do curso de extensão
“Alfabetização e letramento: leitura e produção de textos”, promovi-
do pelo CEEL, planejaram uma seqüência de atividades que envolvia
a leitura do livro de literatura infantil “Chapeuzinho Amarelo”, de
Chico Buarque com ilustração de Ziraldo. A seguir, apresentaremos
como as atividades foram desenvolvidas na turma da referida profes-
sora, cuja aula foi observada pela bolsista Irlânia do Nascimento Sil-
va. Destacaremos, do relato de observação da aula, como a professo-
ra Rosivânia conseguiu desenvolver uma atividade de leitura deleite,
ao mesmo tempo em que envolveu os alunos em um trabalho de
brincar com as palavras, seguindo a proposta do autor do livro. As
atividades desenvolvidas foram as seguintes:

 Antes de ler o livro, a professora conversou com os alunos

sobre a temática da história que seria lida, que falava do ”medo”.

P.: “Vejam só trouxe uma surpresa pra vocês. Quem gosta de


surpresa?”
A.: “ Eu”( responderam todas os alunos)

1
A professora Rosivânia Barbosa de Aguiar Carneiro lecionava, em 2004, em
uma turma do 1º ano do 1º ciclo, na Escola Municipal Zumbi dos Palmares,
pertencente à Secretaria de Educação da cidade do Recife.

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P.: “ Mas antes de mostrar a surpresa nós vamos conver-
sar”... “ Ou todo mundo é corajoso?”
A.: “ Eu” ( alguns alunos afirmaram que tinham medo)
A.: “ Eu não”(um aluno negou ter algum medo)
A.: “ Não tem medo de nada, é Lúcio?” (a professora pergun-
tou ao aluno que havia negado ter medo de alguma coisa)
P.: “ Pois eu tenho medo e vocês já sabem do quê”
A.: “De gato” (responderam alguns alunos)
P.: “É, vocês já sabem que eu não posso ver um gato que
eu tenho pavor”... “Glebison, Douglas e vocês têm medo
de quê?”
A.: “De jibóia” (Glebison responde para a professora)
P.: “Só de jibóia, Glebison?”
A.: “ Tubarão” (Glebison acrescentou a resposta anterior)
A.: “Mas tubarão não faz medo não” (outro aluno afirmou
para a professora e para os seus colegas)
(E a conversa prosseguiu com cada aluno falando sobre seus
medos).

 Em seguida, antes de apresentar o livro que seria lido – Cha-

peuzinho Amarelo - ela quis avaliar o conhecimento dos alunos sobre


a história de Chapeuzinho Vermelho:

P.: “Olha, tem uma história que todo mundo conhece. É uma
história de uma menina que usa um chapeuzinho vermelho”.
A.: “Chapeuzinho Vermelho” (um aluno afirmou ser esse o
nome da história a qual a professora estava se referindo)
P.: “ Eita, eu ia dar mais pistas” ( a professora fez um comen-
tário para a turma)
P.: “Olha, o que tinha nesta história?”
A.: “ Lobo” ( respondeu um aluno)
P.: “Quem tem medo do lobo?”
A.: “Chapeuzinho Vermelho e todo mundo” (um outro aluno
respondeu para a professora)
P.: “ Quem mais tinha na história?”
Os alunos falaram dos personagens: Chapeuzinho Vermelho,
a vovó, e a professora lembrou do caçador.

 A professora mostra o livro que iria ser lido e explora o autor e

o ilustrador, fazendo questões sobre eles:

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P. “Mas, olhem. A surpresa que eu trouxe é uma história que
eu acho que ninguém conhece. Eu vou só mostrar a capa pra
vocês verem”
(a professora afirmou isso para os alunos enquanto mostra-
va a capa do livro de Chapeuzinho Amarelo para toda a
turma) ...
P. “Olha, Chico Buarque é o autor. Ele fez o que mesmo?”
(perguntou a turma)
A.: “Escreveu a história” ( responderam alguns alunos)
P.: “ E a ilustração fala de quê?”
A.: “Quem desenhou a história”( afirmou um aluna)
P.: “Isto sim. Olha, Chico Buarque escreveu a história e deu
para Ziraldo desenhar”
P.: “Alguém já ouviu falar de Chico Buarque e Ziraldo?
A.: “ Chico” ( afirmou um aluno)
P.: “ É mesmo? O que ele faz?” ( a professora perguntou a
este aluno)
A.: “ Escritor”( respondeu o aluno)
P.: “Sim, mas o que ele é mais? Alguém sabe?”
Como os alunos não se pronunciaram, então a professora
revelou-lhes os outros talentos de Chico Buarque:
P.: “Ele é autor. Escreve letras de músicas e dá pra os outros
cantarem”.... “E Ziraldo. Olhem ele também inventou uma
história de outro menino... É um menino que tinha um
panela na cabeça”
A.: “Ah! Eu conheço. É o menino maluquinho” ( afirmou um aluno)
P.: “Mas, olha. Quer dizer que Chico Buarque escreveu a
história e quem desenhou?”
A.: “Ziraldo”( respondeu um aluno)

 Logo depois de obter essa resposta do aluno, a professora

informou à classe que iria começar a leitura do livro “Chapeuzinho


Amarelo”. Enquanto ia lendo a história, ela apresentava as ilustra-
ções. Os alunos se mostraram interessados durante a leitura. Em al-
guns momentos, a professora solicitava que eles completassem a
frase, fazendo antecipações, como no trecho apresentado a seguir:

P.: “E de todos os medos que tinha o medo mais medonho era


o medo do tal do?”(a professora interrompeu a leitura e fez
uma pergunta a respeito desse trecho da história)

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A.: “Lobo” ( responderam alguns alunos)
A professora continuou com a leitura:
P.: “Um lobo que nunca se via, que morava lá pra longe, do
outro lado da montanha, num buraco da Alemanha, cheio de
teia de...?” (mais uma vez a professora interrompe a leitura
deste parágrafo e faz uma pergunta aos alunos)
A.: “Aranha” (responderam alguns alunos)
A professora continua a leitura:
P.: “ [...] numa terra tão estranha, que vai ver que o tal do
lobo nem existia”

Depois de terminar de ler o livro, a professora conversou com




os alunos sobre a história, retomando os medos que a personagem


Chapeuzinho Amarelo tinha e perguntando como ela conseguiu ven-
cer esses medos, principalmente o medo do lobo.
 Em seguida, a professora iniciou uma seqüência de atividades

relacionadas à apropriação do Sistema de Escrita Alfabética, que en-


volvia um trabalho de reflexão no nível da palavra e de escrita de
palavras e frases. As atividades foram as seguintes:
1. Comparação de palavras:

P.: “Olhe, como é que se escreve a palavra lobo?”


À medida que os alunos iam dizendo as letras, a professora ia
registrando na lousa. Depois voltou a perguntar:
P. E bolo?
Os alunos falaram as letras.
P.: “ Tem alguma coisa de parecido?”
A.: “ Lobo escreve com “lo” e bolo com “bo”.
A.: “ Tão ao contrário tia”

2. Leitura das palavras presentes na história e que estavam


com as sílabas invertidas:

P.: “ Vamos ver se a gente descobre isso aqui”


A professora escreveu uma lista de palavras no quadro e
solicitou que os alunos tentassem ler, dizendo que as pala-
vras correspondiam aos medos que Chapeuzinho Amarelo
tinha. A lista de palavras foi a seguinte;
Orrái

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Tabará
Xabru
Bodiá
Gãodra
Jacoru
Barão-Tu
Pão Bichôpa
Trosmons

P.: “ E aí, quem consegue dizer o que é?”


A.: “ Trocando as palavras” ( sugeriu um aluno)
A.: “ Orrái” ( um aluno lê em voz alta a primeira palavra
da lista)
P.: “ Quem inventou essa brincadeira aqui? Fui eu?”
A.: “ Foi Chapeuzinho Amarelo” (respondeu em aluno)
P.: “ Olha, como vocês viram, a Chapeuzinho Amarelo fez
uma brincadeira pra perder esses medos que ela tinha. Então,
vejam, Chapeuzinho tinha medo de raio e transformou o raio
em orráio não foi? Vejam aqui” ( a professora deu essa infor-
mação aos alunos enquanto indicando a palavra da lista)
P.: “ Agora vamos tentar descobrir esse aqui?” (diz para os
alunos indicando a palavra bodiá)
A.: “ Bodiá” ( lêem alguns alunos)
P.: “ Quem era o bodiá?”
A.: “ Diabo” ( respondem alguns alunos)
P.: “ Para não ter medo do diabo ela botou o nome de bodiá”
(Comentou com a turma)...”Quem é o Gãodra?”
A.: “ Dragão pra não ter mais medo dele”
E os alunos junto com a professora foram lendo e desco-
brindo as palavras.

3. Escrita dos medos que a personagem Chapeuzinho Amarelo tinha.


A professora dividiu a turma em dois grupos – um de meninos e
um de meninas – e solicitou que eles escrevessem os medos que a
personagem tinha. Depois, cada grupo leu os medos que tinham
escrito, e cabia ao outro grupo confirmar se eles estavam presen-
tes no livro.
4. Escrita de palavras correspondentes aos medos de cada aluno. A
professora solicitou que cada aluno escrevesse em um papel o nome
de um dos medos que possuíam. Ela lembrou que eles tinham que

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escrever a palavra corretamente e se dispôs a ajudá-los. Depois ela
informou que eles deveriam registrar o nome de seus medos de
forma invertida, como na história de Chapeuzinho Amarelo:
P.: “Agora sabe o que vai acontecer? Eu ajudei algumas pes-
soas porque tem que escrever a palavra correta. Mas olha, eu
vou dar um tempo... Olha só. É pra mudar a sílaba, o pedaci-
nho da palavra. Não as letras. Não muda o lugar das letras ...
Agora, é pra escrever como tá aí no caderno de vocês?
A.: “Não”( responderam alguns alunos)
P.: “Cada um escreve seu nome igual como se fala, mas com
pedacinhos trocados como a Chapeuzinho fazia”

5. Leitura das palavras escritas de forma invertida pelos alunos. A


professora chamava dois alunos para o quadro e solicitava que
cada um lesse a palavra que o outro havia escrito e adivinhasse o
medo correspondente:
P.: “Ele botou como? Diz aí como foi?” (a professora
pergunta ao aluno que palavra estava escrita no papelzi-
nho do outro aluno)
A.: “ Boiaji”( o aluno leu)
P.: “Então, qual é o medo dele?”
A.: “É jibóia”( respondeu o aluno)
P.: “Mas ele acertou? É jibóia não é?” (a professora pergunta
ao outro aluno)
A.: “ É” (o aluno confirmou à professora)

Considerando a temática deste artigo, o “alfabetizar letrando”,


gostaríamos de destacar alguns pontos da seqüência desenvolvida
pela professora Rosivânia que se relaciona com essa prática. Ela leu
uma história atrativa para os alunos e, no momento da leitura, preocu-
pou-se em mantê-los estimulados e interessados. Explorou algumas
estratégias de leitura, como o conhecimento prévio dos alunos sobre
o autor e o ilustrador, assim como sobre a temática da história. Após
a leitura, ela retomou o texto oralmente com as crianças, para ver se
elas o tinham compreendido. E, considerando o jogo de palavras que
o autor do texto usou ao produzi-lo, ela desenvolveu uma série de
atividades envolvendo a leitura e a escrita de palavras, no contexto
em que essas foram produzidas na história. Assim, ela não precisou
extrair do texto uma palavra-chave para, a partir dela, trabalhar as

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sílabas e os padrões silábicos. Ao contrário, ela explorou algumas
palavras-chaves do texto, como as palavras LOBO e BOLO, refletin-
do sobre suas semelhanças e diferenças, e outras palavras presentes
no texto. E, por fim, solicitou que todos os alunos escrevessem pala-
vras correspondentes aos medos que tinham, invertendo as sílabas,
o que possibilitou que os alunos refletissem sobre a composição das
palavras, a presença de sílabas e letras nelas, a relação entre a pauta
sonora e a escrita das sílabas, etc.
Enfim, os livros de literatura estão cada vez mais presentes na
escola e podem ser lidos em uma atividade de leitura deleite, na qual
se pode explorar não só a temática do livro, mas o jogo de linguagem
presente neles, levando o aluno a tentar lê-los sozinho, identificando
as palavras que já conseguem ler e refletindo sobre algumas delas.

Trabalhando o jornal na sala de aula: ler e produzir


textos, refletindo sobre algumas palavras

Objetivando trabalhar diferentes gêneros textuais com seus


alunos, a professora Abda Alves2, que lecionava em uma turma do
2º ano do 1º Ciclo na Rede Municipal de Ensino do Recife, organi-
zou o seu planejamento de modo a trabalhar a cada semana um
gênero específico. Como algumas alunas costumavam trazer para
ela o caderno do jornal intitulado “Revista da TV” desejando saber
o que iria acontecer na novela, a professora escolheu iniciar o traba-
lho tomando por base os gêneros presentes no jornal.
Em primeiro lugar, a professora procurou saber de seus alunos
se aquele caderno trazido pelas alunas era o único existente no jornal.
Os alunos responderam que não e relataram o que eles conheciam da
estrutura do jornal. A partir daí, a professora sugeriu que juntos eles
lessem um jornal. Foram então escolhidos, em primeiro lugar, que
cadernos iriam ler e durante uma semana foi lido, no começo de cada
aula, uma reportagem de um caderno. Ao fazer a leitura, a professora

2
Esse relato foi vivenciado numa turma do segundo ano do 1º ciclo (1ª série)
descrito pela professora Abda Alves, participante do Curso “Desafios da Alfa-
betização” promovido pela Prefeitura do Recife.

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destacava que tipo de informação aquele caderno trazia, chamava a
atenção para a estrutura da notícia, mas de modo informal, sem a
preocupação de sistematizar essas informações ou propor outra ati-
vidade além da leitura do jornal e discussão da notícia lida.
Na semana seguinte, a professora organizou seu planejamento
de modo a trabalhar de forma mais sistemática alguns gêneros pre-
sentes no jornal. O primeiro gênero escolhido foi o anúncio, já que os
alunos demonstraram interesse pela variedade de coisas que se anun-
cia na parte de Classificados.
Foi trabalhado, então, um anúncio de carro. O anúncio foi lido
pela professora e, após a leitura, ela apresentou o mesmo anúncio
escrito num cartaz e destacou com os alunos quais as informações
contidas nele e como esse se estruturava. A professora chamou a
atenção para a necessidade de se colocar o essencial em relação à
descrição do produto e a estratégia de abreviar as palavras, objeti-
vando tornar o texto mais barato. A professora também questionou
com os alunos se o anúncio no jornal era a única forma de se oferecer
um produto para vender, ao que os alunos disseram que não e citaram
o hábito de colocar placas na frente das casas quando se tinha algo
para vender.
Depois a professora entregou para os alunos, reunidos em du-
plas, o texto do anúncio recortado em partes e pediu que eles montas-
sem o anúncio e o colassem em seus cadernos. Terminada a tarefa, a
professora solicitou que as duplas trocassem as atividades e compa-
rassem com o texto escrito no cartaz.
Foi solicitado, então, aos alunos que destacassem do anúncio
lido algumas informações contidas nele, tais como, modelo, ano, cor,
acessórios, etc. À medida que os alunos destacavam as informações,
a professora as escrevia no quadro, perguntando-lhes como se es-
crevia a palavra, quantas sílabas tinha, etc. Depois de colocadas to-
das as informações, a professora destacou o nome do carro PARATI
e pediu que os alunos verificassem se era possível encontrar nele
outras palavras. As crianças foram capazes de perceber a palavra
PARA, mas o TI não conseguiram perceber. A professora então expli-
cou que o TI era um pronome e assim como nós falamos “para mim”
ao se referir à própria pessoa, ao falarmos com outra, podemos utili-
zar o “para ti” no lugar do “para tu”, como normalmente dizemos.

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Após a explicação, ela pediu que os alunos citassem palavras
que começassem como a palavra PARATI e ia registrando no quadro
essas palavras e refletindo com eles o número de sílabas que a pala-
vra tinha, qual a primeira sílaba, qual a última, qual o número de letras,
se havia mais letras ou mais sílabas, etc.
Depois foi pedido que cada aluno em seu caderno desenhasse e
escrevesse o nome de objetos que começavam como PARATI. De-
pois de realizada a tarefa, a professora pediu que alguns alunos les-
sem uma das palavras que escreveram e que a colocassem no quadro.
Nesse momento, ela realiza a análise dessas palavras com os outros
alunos, para que eles verificassem se estava correta, se faltava algu-
ma letra, se alguma foi trocada e coisas desse tipo.
No final das atividades desse dia, a professora solicitou que
os alunos trouxessem de casa um objeto para que, no dia seguin-
te, eles pudessem elaborar um anúncio de venda para o objeto
trazido de casa.
Percebemos nesse relato o quanto é possível organizar o pro-
cesso de ensino-aprendizagem da escrita tendo como princípios ori-
entadores tanto a reflexão acerca dos usos sociais da leitura e da
escrita, refletindo sobre as especifidades dos gêneros, quanto a refle-
xão da linguagem escrita, ou seja, do sistema de escrita alfabético.
Observamos como essa professora, embora em uma turma em
que as crianças ainda não dominavam o sistema de escrita alfabético,
oportunizou situações de leitura e de reflexão sobre textos que circu-
lam na sociedade. A princípio, pareceria que o trabalho com jornal
seria algo difícil de ser realizado com crianças pequenas e ainda não
alfabetizadas. Mas o próprio fato de algumas trazerem partes de um
jornal para ser lido pela professora mostra a familiaridade que essas
têm, se não com o jornal como um todo, pelo menos com partes dele.
A professora, então, utiliza-se desse fato para ampliar o conhecimen-
to de seus alunos acerca desse veículo de comunicação tão comum
em nossa sociedade e dos gêneros textuais nele presentes.
Como eles ainda não liam, a professora fez o papel de leitora.
E, a partir dessas leituras, ela sistematizou reflexões acerca da
função social do texto lido, destacou e analisou a estrutura textual
própria do gênero lido, questionou se aquele era o único gênero

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que podia ser utilizado com a função de anunciar um produto. Em
tais questionamentos, a professora não tinha apenas a intenção
de dar informações aos alunos do gênero lido, mas de fazê-los
participar de uma situação real de leitura de um gênero (anúncio) e
de um suporte (jornal) que circulam na sociedade. Pois, como des-
taca Ferreiro (1987),

[...] é através de uma participação ampla e firme nesse tipo


de situações sociais que a criança chega a entender alguns dos
usos sociais da escrita. (p. 99)

E, se nossos alunos vêm de um meio social onde essas situa-


ções de interação com o material escrito são escassas, é papel da
escola oportunizar o contato com esse tipo de material. Entretanto,
sem esquecer de garantir aos alunos atividades de reflexão sobre a
palavra, de modo a permitir a construção de conhecimentos acerca do
sistema alfabético de escrita. E é isso que a professora Abda faz com
muita propriedade.
Em diferentes momentos da aula, os alunos foram desafiados a
pensar sobre a escrita das palavras. Não houve a preocupação em
trabalhar determinado padrão silábico para, fundando-se nele, escre-
ver outras palavras. A professora levou-os a pensar sobre as partes
constituintes das palavras escritas, tanto no que diz respeito às síla-
bas quanto às letras, fazendo a relação entre as marcas no papel e a
pauta sonora que essas representavam. Ao reconstruírem o texto do
anúncio, os alunos foram levados a pensar não apenas na estrutura
textual do gênero, mas, sobretudo, na própria lógica do sistema de
escrita, na medida em que puderam perceber como as palavras se
organizavam nas frases, onde começavam e terminavam as palavras,
como se dava a disposição delas no texto.
Embora, em muitos momentos, a professora tenha desempenha-
do o papel de leitora e escriba da turma, na medida em que foram
estimulados a escrever outras palavras a partir do nome do carro, foi
oportunizado também aos alunos o espaço para que lessem e escre-
vessem seguindo suas hipóteses. As palavras escritas pelos alunos,
por sua vez, tornaram-se elas próprias elementos de reflexão coletiva
sobre o sistema de escrita.

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No entanto, é importante que se coloque que não é a atividade em si
que conduz ao conhecimento. Leal (2004), discutindo a aprendizagem dos
princípios do sistema alfabético, chama-nos a atenção para a importância
da ação do aprendiz mediada pelas informações e intervenções do profes-
sor e associada às situações de interação com os colegas de classe.

Enfim...

As professoras, cujos relatos de atividades foram aqui descritos,


parecem compreender que não basta apenas trazer textos para ser lidos
na sala de aula ou fazer atividades de escrita de palavras com seus
alunos. É preciso que as atividades que contemplem os usos sociais da
leitura e da escrita e aquelas que se relacionam à apropriação do siste-
ma de escrita caminhem juntas. Ou seja, é preciso alfabetizar letrando.
Esse tem sido o desafio colocado para todos os que hoje são
responsáveis pela alfabetização de milhões de crianças deste país.
Proporcionar a essas crianças o efetivo domínio tanto da linguagem
escrita quanto da escrita da linguagem. Só assim poderemos formar
sujeitos que leiam e escrevam com autonomia e competência.
Os relatos das atividades vivenciadas pelas professoras Rosi-
vânia e Abda nos mostram que é possível vencer o desafio de alfabe-
tizar letrando.

Referências

FERREIRO, Emília. Reflexões sobre a alfabetização. São Paulo: Cortez, 1987.


FOUCAMBERT, Jean. A leitura em questão. Porto Alegre: Artes Médicas,
1994.
LEAL, Telma Ferraz. A aprendizagem dos princípios básicos do sistema de
escrita: por que é importante sistematizar o ensino? In: ALBUQUERQUE,
Eliana. A alfabetização de jovens e adultos em uma perspectiva do letra-
mento. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
MARINHO, Marildes. A língua portuguesa nos currículos de final do sécu-
lo. In: BARRETO, Elba Sá. Os currículos do ensino fundamental para as
escolas brasileiras. São Paulo: Autores Associados, 1998.

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O livro didático de alfabetização:
mudanças e perspectivas
de trabalho

Eliana Borges Correia de Albuquerque


Artur Gomes de Morais

S e perguntarmos hoje aos professores de alfabetização se eles


usam e seguem um livro didático nessa área, teremos diferentes tipos
de resposta. Alguns dirão imediatamente que usam o livro sim, mas
só como um apoio, e acrescentarão que utilizam vários tipos de mate-
rial. Já outros podem dizer que não usam um livro específico, mas
retiram atividades de diferentes livros. Outros dirão que não usam
livro, uma vez que os que têm chegado na escola apresentam nível
muito elevado para seus alunos e são difíceis de trabalhar. Essas
diferentes respostas se relacionam a duas questões principais: ao
surgimento de um forte discurso contrário ao uso desse material, e às
mudanças ocorridas nos livros didáticos a partir da implantação do
PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) pelo MEC.
O livro didático vem se constituindo em um material de regula-
ção de muitos aspectos da prática do professor: os conteúdos a se-
rem ensinados, a ordem em que eles deveriam ser trabalhados, as ativi-
dades a serem desenvolvidas, os textos a serem lidos, a forma de correção
dos exercícios. Na década de 1980, vimos surgir um forte discurso

147
contrário à utilização de livros didáticos. O uso desse material passou
a ser vinculado a uma prática tradicional de ensino, que precisaria ser
ultrapassada.
Por um lado, essa utilização foi apontada como vinculada à des-
qualificação profissional de professores:

os livros didáticos criariam uma dissociação entre aqueles


que executam o trabalho pedagógico – os docentes – e aque-
les que o concebem, planejam e estabelecem suas finalidades
– os autores de livros didáticos e as grandes editoras –, e a
principal conseqüência dessa dissociação consistiria numa
diminuição das exigências de formação e preparo docente.
(BATISTA, 2000, p. 538)

Por outro, os livros passaram a ser criticados por apresentarem


erros conceituais e por se constituírem em um campo da ideologia e
das lutas simbólicas, revelando um ponto de vista parcial e compro-
metido sobre a sociedade.1 No que diz respeito às cartilhas especifi-
camente, essas receberam fortes críticas por se basearem em métodos
tradicionais de alfabetização e apresentarem textos forjados.
Nesse período, novas concepções relacionadas ao ensino de
língua portuguesa passaram a ser divulgadas/produzidas no Brasil,
concepções estas desenvolvidas em diferentes áreas: Língüística,
Psicolingüística, Análise do Discurso, etc. Mudanças nas práticas
dos professores passaram a ser exigidas e, para que essas fossem
efetivadas, seria necessário que os mestres parassem de organizar
seus trabalhos valendo-se da utilização de um livro baseado em ori-
entações teórico-metodológicas consideradas ultrapassadas.
Compreendendo a importância do livro didático na organização
da prática pedagógica dos professores – uma vez que para a maioria
esse ainda é um dos únicos materiais de leitura a que os alunos têm
acesso – e reconhecendo que muitos deles se distanciavam das pro-
postas curriculares e dos projetos elaborados pelas Secretarias de
Educação, além de ser desatualizados e apresentar erros inaceitáveis, o

1
Sobre essa questão, ver, por exemplo, trabalho de NOSELLA (1979).

148
MEC passou a desenvolver, desde 1995, o Programa Nacional do
Livro Didático (PNLD). Os livros inscritos no programa vêm sendo
submetidos a um trabalho de análise e avaliação pedagógica2 que
resulta na publicação de um Guia de Livros Didáticos, que traz infor-
mações sobre esses livros, constituindo-se em um material que orien-
ta a escolha do livro didático pelo professor.
Assim, desde 1998, os professores da rede pública de ensino
só podem escolher livros didáticos recomendados no Guia do Livro
Didático. No entanto, para muitos, os livros que têm chegado na
escola não correspondem às suas expectativas, pois “apresentam
um nível elevado” e “são difíceis de serem trabalhados”. Pretende-
mos, neste artigo, discutir sobre as mudanças nos livros de alfabe-
tização e sobre como os professores podem utilizá-los em sala de
aula. Dividiremos o texto em três partes: na primeira faremos uma
crítica às antigas cartilhas que se baseavam nos métodos tradicio-
nais de alfabetização; em seguida, apresentaremos e discutiremos
as principais mudanças nos novos livros de alfabetização e, por
último, apresentaremos e discutiremos uma prática de uso de um
livro de alfabetização recomendado pelo PNLD/2004, desenvolvida
por uma professora de alfabetização da Rede Municipal de Ensino
da cidade do Recife.

As antigas cartilhas de alfabetização:


por que não usá-las?

Pelo título desta seção, é possível perceber que estamos de


acordo com o discurso que critica o uso das “tradicionais” cartilhas.
Mas quais as principais críticas feitas a esse material nas últimas
décadas?

2
O trabalho de análise e avaliação pedagógica dos livros didáticos é feito por uma
equipe de professores e especialistas que atuam nas quatro áreas de conheci-
mento básico, tanto na universidade como na escola de 1o grau, e é baseada não
só na experiência docente e no conhecimento especializado das equipes, mas,
principalmente, num conjunto de princípios e critérios cuidadosamente esta-
belecidos (Guia de Livros Didáticos: 1a a 4a séries / PNLD 98, p. 9).

149
Um dos pontos mais importantes diz respeito ao uso de textos
forjados, os chamados “pseudotextos”, para alfabetizar. Em que con-
sistem esses textos e por que eles estão presentes tanto em cartilhas
silábicas, como nas que se baseiam no método fônico?
Um dos pressupostos básicos dos métodos tradicionais é o de
que primeiro tem que se ensinar as unidades menores das palavras
(letras, fonemas e sílabas) para só depois os alunos poderem ler fra-
ses e textos. Assim, para garantir que os alunos lessem apenas pala-
vras que contivessem as unidades já trabalhadas, os autores das
cartilhas passaram a inventar textos, controlando o repertório das
palavras neles contidas. Ilustraremos a seguir, com um exemplo retira-
do da cartilha “Pipoca”, esse procedimento:

150
Essa lição corresponde ao ensino dos padrões silábicos ma-me-
mi-mo-mu. O final da página contém um quadro com todos os pa-
drões já trabalhados. Assim, podemos ver que o “texto” apresentado
no início da lição é formado apenas por palavras constituídas das
sílabas já ensinadas. Os textos cartilhados se caracterizam, então, por
um amontoado de frases que, juntas, não correspondem a um texto,
uma vez que não possuem uma unidade de sentido. E, para garantir a
presença de palavras compostas pelas unidades já ensinadas, muitas
frases são artificiais e sem sentido, como as clássicas “o boi bebe”,
ou “o bebê baba”, ou “Ivo viu a uva”.
Enfim, os textos cartilhados correspondem a um gênero que foi
criado pela escola, para alfabetizar os alunos através de uma prática
descontextualizada. Assim, em vez de inserir textos que circulam na
sociedade, os autores dos livros didáticos passaram a colocar nos
livros textos completamente artificiais.
Mas as críticas às antigas cartilhas não se limitam à presença
dos pseudotextos. É importante discutirmos sobre os tipos de ati-
vidade presentes nesses manuais e em como elas ajudariam pouco
os alunos a se apropriarem do sistema de escrita alfabético.
Com base na análise de três cartilhas, duas silábicas (Pipoca e
Este Mundo Maravilhoso) e uma fônica (Casinha Feliz), Morais e
Albuquerque (2005) observaram que as atividades presentes nesses
livros correspondiam principalmente à leitura de sílabas, palavras,
frases e textos cartilhados; cópia de sílabas, palavras e frases; escrita
de palavras, exploração dos diferentes tipos de letra.
Tomando como exemplo a cartilha Pipoca3, vimos, pelo exemplo
apresentado anteriormente, que, em cada lição, primeiro as crianças
são apresentadas a uma palavra e a um texto cartilhado, para, em
seguida, revisar os padrões já aprendidos/memorizados para poder
realizar as atividades, ilustradas a seguir:

3
ALMEIDA, Paulo Nunes de. Pipoca: Método Lúdico de Alfabetização. 20 Ed.
São Paulo: Saraiva, 1998.

151
Assim, na segunda página da lição, os alunos são solicitados a
ler palavras e frases com os padrões silábicos já trabalhados, e a
copiar sílabas e palavras, nesse caso fazendo a transcrição da letra de
imprensa para a letra cursiva. Na continuidade da lição, eles devem
realizar uma tarefa de separação de sílabas, mais leitura de frases, e
cópia de palavras, novamente transcrevendo a letra de imprensa para
a cursiva. Por fim, eles são solicitados a formar frases com a palavra
menina, mas o modelo da frase é apresentado:

152
Se observarmos com cuidado o conjunto de atividades que os
alunos foram solicitados a fazer, todas possuem natureza mecânica e
repetitiva, que possibilita ao aluno realizá-las sem necessariamente ler
e escrever. Nas atividades de leitura, as palavras com os “padrões”
trabalhados se repetem, bastando que os alunos as memorizem. As
atividades de escrita correspondem à cópia de sílabas, palavras e
frases. Em relação à atividade de separação das palavras, muito co-
mum nas cartilhas, o autor já estabelece a quantidade de sílabas, o
que facilita a resposta do aluno, que não precisa ler a palavra para

153
separá-la corretamente. Não é à toa que muitos alunos, ao concluir o
ano letivo, tinham “decorado” as palavras e frases da cartilha, mas,
infelizmente, não tinham dominado a lógica e as convenções do Sis-
tema de Escrita Alfabética (SEA).
Enfim, as atividades das cartilhas tradicionais se relacionam a
uma perspectiva empirista/associacionista de aprendizagem, que con-
cebe a escrita como um código, que deveria ser aprendido através da
memorização das letras/fonemas/sílabas, não possibilitando que os
alunos reflitam sobre as características do SEA. Ao mesmo tempo,
pelo artificialismo dos “textos” que contêm, as cartilhas impedem que
os aprendizes convivam com a linguagem própria dos gêneros escri-
tos que circulam em nosso mundo.

As mudanças nos novos livros


de alfabetização

O exame dos atuais Livros Didáticos de Alfabetização (LDAs),


quer “recomendados”, quer “recomendados com ressalvas”4, reve-
lou uma adesão de seus autores, no plano do discurso, às mais recen-
tes perspectivas teóricas nas áreas de lingüística e psicologia. Assim,
nos manuais do professor, todos os novos livros se declaravam cons-
trutivistas ou socioconstrutivistas e faziam referências explícitas ao
papel da diversidade textual e da imersão no mundo letrado desde o
início da escolarização, no processo de alfabetização.
A mudança mais visível nos novos livros de alfabetização diz
respeito à presença de uma diversidade textual, que se registra inclu-
sive nos livros recomendados com ressalvas. No geral, os livros tra-
zem textos representativos de gêneros tão variados como bilhete,
instrução de jogo, poesia, conto de fadas, reportagem, receita, verbe-
te de enciclopédia, trava-línguas, cartaz publicitário, notícia de jornal,
etc. Nesse sentido, constata-se uma diferença gritante em relação às
cartilhas tradicionais que, quando apresentavam textos diferentes

4
Não houve livros avaliados na categoria “recomendados com distinção” no
PNLD/2004.

154
daqueles classificados como “pseudotextos”, o faziam nas últimas
lições, depois que os alunos, supostamente, já haviam memorizado
todas as correspondências grafofônicas. Vemos então, nos atuais
livros didáticos de alfabetização, uma busca de apropriação do con-
ceito de letramento e de suas implicações para a alfabetização.
Assim, podemos observar, nesses novos livros, a presença de
textos longos nas páginas iniciais, em atividades em que o professor
deve ler o texto para os alunos, como pode ser observado no exemplo
apresentado abaixo, retirado do livro Português: uma proposta para
o letramento, que traz na primeira lição uma poesia longa, que deve
ser lida pelo professor:

Quanto ao ensino do sistema de escrita alfabética (SEA), os


autores dos atuais livros didáticos de alfabetização têm buscado
distanciar-se dos princípios empiristas que permeavam as cartilhas.
Que atividades têm sido propostas para os alunos se apropriarem do
SEA? Numa pesquisa recente (MORAIS; ALBUQUERQUE, 2005)
realizamos um cuidadoso trabalho de categorização das atividades/
tarefas propostas nos LDAs que eram voltadas ao ensino do sistema de
escrita alfabética, em seis livros de alfabetização (3 livros classificados

155
como “recomendados” e 3 livros classificados como “recomendados
com ressalvas”). O que pudemos constatar? Apresentamos abaixo
algumas conclusões:
1. Se os LDAS tinham muitas tarefas de leitura e produção de
textos, ao desejar ensinar o SEA, seus autores privilegiavam
atividades que tinham a “palavra” ou letras como unidades prin-
cipais. Com exceção de um LD (recomendado com ressalvas),
parecia existir interesse de não usar sílabas como unidades nos
exercícios, talvez a fim de diferenciar-se das antigas cartilhas.
2. Os LDAs não promoviam a reflexão metalingüística dos alunos.
Eram pouquíssimos os exercícios que propiciavam às crianças o
desenvolvimento da consciência fonológica. Eram quase au-
sentes as tarefas que envolviam, por exemplo, a identificação ou
produção de rimas e aliterações, a partição, contagem e compa-
ração de palavras quanto ao número de sílabas. Esse nos pare-
ceu um ponto preocupante, já que sabemos o quanto tais ativi-
dades são essenciais para a apropriação do SEA. Vemos,
portanto, novamente, no plano da formulação de atividades e
seqüências didáticas, a ausência de influência dos estudos so-
bre consciência fonológica entre os autores que investigamos.
3. Na mesma direção, os LDAs exploravam pouco os textos cur-
tos (como trava-línguas, parlendas e quadrinhas) que são ade-
quados para a promoção da consciência fonológica e que, por
serem facilmente memorizados, ajudam o aluno a refletir sobre
as relações entre partes escritas e faladas das palavras.
4. Embora se declarassem adeptos da teoria construtivista e
muitos mencionassem a teoria da psicogênese da escrita, ob-
servamos que as atividades propostas poucas vezes conside-
ravam a heterogeneidade dos alunos, quanto ao nível de com-
preensão do SEA. Alguns dos LDAs recomendados com
ressalvas não estimulavam a produção escrita espontânea,
através de tarefas em que alunos (que ainda não desenvolve-
ram uma hipótese alfabética nem dominaram as convenções
som-grafia) pudessem revelar seus níveis de psicogênese da
escrita. Havia em certos casos evidente controle, no sentido

156
das tarefas pressuporem a produção de escritas únicas, con-
vencionais e corretas.
5. Havia certa uniformização nos LDAs quanto a iniciarem com
tarefas de exploração dos nomes próprios, seguindo certa ten-
dência já praticada em escolas da rede privada, que cedo tenta-
ram didatizar a teoria da Psicogênese da Escrita. Dois aspec-
tos, porém, tornavam-se geralmente dominantes: a) a ênfase
sobre a localização de letras no interior dos nomes, sem fazer-
se acompanhar de uma exploração de sua sonoridade ou quan-
tidade de unidades (sílabas, letras) e b) o confinamento desse
tipo de atividade na primeira ou nas primeiras unidades do livro,
como se todos os alunos, num breve espaço de tempo, já tives-
sem dominado a lógica de relações parte-todo do SEA.
6. Havia, conseqüentemente, uma desconsideração da hetero-
geneidade das turmas com as quais os professores trabalham,
evidenciada numa expectativa de que, a partir do 3º bimestre,
todos os alunos já tivessem alcançado uma hipótese alfabética
de escrita. Era evidente a sobrecarga de tarefas de leitura/pro-
dução de palavras e textos planejados para essa etapa do ano
letivo (2º semestre).
7. Os autores freqüentemente não conseguiam articular as ativida-
des de leitura e produção de textos com aquelas voltadas à refle-
xão sobre palavras e suas unidades menores e, portanto, mais
adequadas ao aprendizado do SEA. A passagem do nível macro
(“do texto”, do letramento) ao nível micro (das palavras, da alfabe-
tização) parece merecer debate urgente em nosso país.

Enfim, os autores dos atuais livros didáticos de alfabetização


parecem estar mais preocupados com o eixo do letramento (diversida-
de e representatividade do repertório textual, natureza e diversidade
das práticas de leitura e produção textual) e, no que diz respeito à
apropriação do SEA, têm deixado a desejar tanto em relação ao núme-
ro de atividades quanto à natureza delas.
A partir desses resultados, podemos entender o porquê de mui-
tos professores acharem que os novos livros não alfabetizam. Na
realidade, eles sentem a falta de um ensino mais sistemático voltado

157
para o eixo da “alfabetização”. Assim, alguns docentes preferem não
usar os livros que têm chegado nas escolas e buscam desenvolver suas
práticas de alfabetização com o apoio de outros livros e tipos de material.
É importante considerarmos, no entanto, que os novos livros
didáticos são de boa qualidade, além de ser distribuídos para cada
aluno, o que facilita no desenvolvimento das atividades. É preciso,
portanto, saber como usá-los, para se garantir que os alunos se alfa-
betizem em uma perspectiva de letramento. Apresentaremos, a seguir,
alguns relatos de professores que indicam como eles têm usado os
novos livros de alfabetização.

Como os professores têm usado os


“novos livros de alfabetização”?
Numa outra pesquisa (ALBUQUERQUE, FERREIRA, MORAIS;
SILVA, 2005), buscamos compreender como os docentes têm usado
os novos LDAs. Descobrimos que, embora as professoras reconhe-
cessem que os livros atuais se constituem em um “bom material”
pela riqueza de seu repertório textual, elas alegavam que esses não
atendiam “as necessidades apresentadas por seus alunos”. Isso fi-
cou evidente em alguns depoimentos, quando relataram que, mesmo
sabendo que podiam estar sendo ‘‘tradicionais’’, não conseguiam
alfabetizar com base nos novos LDAs.
Na realidade, o livro oficial tem sido tomado como um ‘‘supor-
te’’, do qual, eventualmente, os professores extraem textos para leitu-
ra e realizam as atividades presentes no livro e outras que criam para
sistematizar o ensino do SEA.
A título de exemplo, vejamos como a professora Cláudia de Vas-
concelos 5utilizou, numa de suas aulas, o livro didático adotado na
rede6. Ela realizou as seguintes atividades:

5
A professora Cláudia de Vasconcelos ensinava, em 2004, no 1o ano do 1o ciclo
na Escola Municipal Sítio do Berardo, pertencente à Secretaria de Educação da
cidade do Recife.
6
O livro adotado na rede municipal de ensino da cidade do Recife, para o 1o ano
do 1 o ciclo, foi o Português: uma proposta para o letramento, de Gladys
Rocha, Ed. Moderna, recomendado no Guia do Livro Didático, 2004.

158
• Primeiro a professora fez a leitura do texto “A cigarra e a formiga”,
e solicitou que os alunos acompanhassem em seus livros, con-
forme instrução da autora do livro. O texto lido foi o seguinte:

• Depois fez uma atividade de interpretação oral com base nas


questões sugeridas no livro, apresentadas acima:
P.: Por que a formiga pediu ajuda?
A.: Porque ela tava com fome.
P.: Vocês acham certo ela ter ajudado a cigarra?

159
A.: Não.
P.: Enquanto a cigarra estava cantando, a formiga estava fazendo
o quê?
A.: Trabalhando.
P.: A formiga deveria fazer o quê?
A.: Deixar ela entrar.
P.: Se você fosse a formiga o que faria?
A.: Deixava.
P.: É correto dizer que a cigarra estava trabalhando?
A.: É.
P.: A cigarra tava cantando, não era? E vocês acham que cantar
para a cigarra é fazer nada?
A.: Não.
P.: Não, a cigarra tava fazendo o trabalho dela.
P.: A formiga falou então para a cigarra: ‘Você cantava, agora
dança”. O que dançar significa aqui? A formiga quis dizer o
quê?
A.: Que ela ia passar fome.
P.: Vocês acham que a palavra “dança” nesta frase significa movi-
mentar o corpo ou enfrentar sem ajuda problemas e dificuldades?
A.: Enfrentar problemas.
P.: Então vocês vão marcar o quadradinho de baixo.

• Em seguida, continuando a seqüência do livro, ela leu o texto


“A cigarra e a formiga” recontada por João de Barro, e o explo-
rou baseando-se em questões sugeridas pela autora do LD.
Uma delas envolvia uma reflexão sobre o modo como os dois
textos foram escritos, uma vez que o segundo correspondia a
um poema com rimas. Cláudia não só solicitou que os alunos
descobrissem a diferença entre os textos, como também pediu

160
que identificassem algumas palavras que rimavam, como pode
ser observado no seguinte extrato de aula:
P.: O que tem diferente no modo que Cláudia contou o primeiro e
o segundo texto? Eu vou ler uma parte do primeiro e segundo
texto (leu).
P.: Qual é a diferença? Escuta esse pedacinho e vê o que aconte-
ce. O que tá acontecendo com as palavras deste pedacinho de
texto. Vou ler mais um (leu).
A.: A letra que tem diferente.
A.: Combina.
P.: Olha só, eu vou ler um pedacinho do outro texto. Escutem
porque vocês vão descobrir. O que aconteceu neste pedaço?
P.: Vocês tão percebendo que o segundo texto é rimado e o pri-
meiro texto não é? Escutem quando ele diz assim: (leu um peda-
ço do texto). A palavra florida rima com o quê?
A.: Vida.
P.: A palavra luz rimou com?
A.: Azuis.
P.: Passando rimou com?
A.: Trabalhando.

• Depois, Cláudia fez com os alunos a atividade 1, solicitando que


eles escrevessem sozinhos as palavras para completar a estro-
fe, e em seguida explicou a atividade 2, solicitando que eles
completassem o quadro:

161
P.: Aí no número 2 tem escrito assim: “Descubra o que está faltan-
do e complete o quadro”. Aqui tem o número 1, aqui tem escrito
a palavra um e tem um saco de feijão. Aqui tem o número 2, vou
escrever a palavra “dois” e vou desenhar dois sacos de feijão.
Aqui tem o número 3, vou escrever a palavra “três” e vou
desenhar os três sacos de feijão.

162
A.: A gente já sabe!
P.: Podem fazer.

Durante a realização da atividade, a professora trabalhou a escri-


ta de cada número da seguinte forma:
P.: Como é que se escreve 2?
A.: D, O, I, S.
P.: Como é que se escreve o número 3?
A.: T, R, E, S.
P.: E um acento aqui.
P.: Como é que se escreve o número 4?
A.: Q, U, A, T, R, O.
P.: Como é que se escreve 5? CIN?
A.: C, I, N.
P.: E o CO?
A.: Ce O.
P.: Como é que se escreve o número 6?
[...]

• Depois dessa atividade, a professora leu outra versão da his-


tória da “Cigarra e da formiga”, a partir de um livro de literatu-
ra infantil, e perguntou qual das versões tinha agradado mais
aos alunos:
P.: Qual dessas histórias vocês acham mais legal? A que a formi-
ga ajuda ou a que a formiga não ajuda?
A.: Ajuda.

• Depois da merenda, a professora fez com os alunos a atividade


da página 112, de formar palavras com as sílabas do quadro.

163
• Depois que eles escreveram as palavras, a professora junto
com a turma segmentou oralmente todas as palavras para
descobrirem as que possuíam menor número de sílabas (no
caso: VERÃO, CASA possuíam duas sílabas e FORMIGUEI-
RO possuía quatro sílabas). Essa atividade não estava pro-
posta no livro, mas fazia parte da prática de alfabetização da
professora Cláudia.
• A professora, em seguida, leu uma outra versão da história “A
cigarra e a formiga” e retomou com os alunos as versões que
eles haviam lido durante o dia:
P.: Essa história é a que a formiga ajuda a cigarra?
A.: Não.
P.: Essa história é a que a formiga não ajudou a cigarra. Agora a
gente vai sentar no lugar. Nós hoje ouvimos quatro histórias
(duas do livro e outras duas de outros livros). Em duas a formiga
ajuda a cigarra em outras duas a formiga não ajudou a cigarra.

164
• Como última atividade relacionada a essa lição do livro didático,
a professora solicitou que os alunos escrevessem um texto
sobre a história da cigarra e da formiga:

P. Agora nós vamos receber o caderno para escrever um texto


sobre a história da formiga e da cigarra.
P.: Como é o nome da história que a gente viu?
A.: A formiga e a cigarra.
P.: Então eu vou colocar lá em cima a data de hoje, vou pular duas
linhas e vou colocar: A CIGARRA E A FORMIGA. Depois vou
pular uma linha e vou escrever alguma coisa sobre a história da
cigarra e a formiga.

Alguns comentários, a título de conclusão

Muitos professores acham as atividades dos novos livros de


alfabetização difíceis de ser feitas por alunos que ainda estão se
apropriando do Sistema de Escrita Alfabética. Cláudia, no exemplo
citado acima, conseguiu, em um dia de aula, realizar uma lição do
livro didático, desenvolvendo atividades de leitura, de apropriação
do SEA e de produção de textos. E o interessante é que ela tanto
seguiu as instruções apresentadas no livro, como acrescentou e
modificou outras atividades, para adequá-las aos seus objetivos e
ao nível dos alunos.
Dissemos, anteriormente, que os novos livros de alfabetização
vêm mudando: ao lado de um bom repertório textual e de propostas
inovadoras de práticas de leitura e produção de textos, tendem, infeliz-
mente, a apresentar certas lacunas quando se trata de ajudar os alunos
a refletir sobre as palavras e se apropriarem da escrita alfabética.
A prática da professora Cláudia, há pouco descrita, mostra que
é possível se beneficiar dos avanços encontrados nos novos LDAs,
mas estarmos vigilantes, no sentido de sistematicamente praticar
com os alunos atividades diretamente ligadas à apropriação do sis-
tema alfabético.

165
Enfim, acreditamos que os professores não devem usar o livro
como o único material de apoio para a organização do trabalho peda-
gógico. Mas entendemos que ele hoje, com as mudanças que vem
sofrendo, é um bom material sobre o qual podemos construir e criar as
atividades de alfabetização.

REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE, Eliana; FERREIRA, Andréa; MORAIS, Artur e SILVA,
Edílson. A fabricação de práticas de alfabetização: o que dizem os professo-
res? Trabalho sumetido ao 17o EPENN, Belém-PA, julho de 2005.

BATISTA, Antônio Augusto Gomes. Um objeto variável e instável: textos,


impressos e livros didáticos. In: ABREU, Márcia (Org.). Leitura, história e
história da leitura. Campinas: Mercado de Letras : Associação de Leitura do
Brasil; São Paulo : Fapesp, 2000. (Coleção Histórias de Leitura)
MEC. Guia do Livro Didático/PNLD 98. Brasília: MEC, 1997.
MEC. Guia do Livro Didático/PNLD 2000/2001. Brasília: MEC, 2000.
MEC. Guia do Livro Didático/PNLD 2004. Brasília: MEC, 2000.
MORAIS, Artur; ALBUQUERQUE, Eliana. Novos livros de alfabetização –
novas dificuldades em inovar o ensino do Sistema de Escrita Alfabética. No
prelo, 2005
NOSELLA, Maria de Lourdes. As belas mentiras: a ideologia subjacente aos
textos didáticos. São Paulo: Cortez e Moraes, 1979.

166
UNIDADE II

A REPRESENTAÇÃO
DA LINGUAGEM E O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO

Resumo

A unidade tem por finalidade as discussões sobre o sistema da


escrita alfabética, as concepções das crianças a respeito do sistema da
escrita com base na psicogênese da língua escrita, os conceitos e
dimensões da consciência fonológica.
UNIDADE II
A REPRESENTAÇÃO
DA LINGUAGEM E O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO

Relação de textos
COUTINHO, Maria de Lucena. Psicogênese da língua escrita: O que
Texto 1 é? Como intervir em cada uma das hipóteses? Uma conversa entre
professores. In: MORAIS, A. G. de; ALBUQUERQUE, E. B. C. de; LEAL,
T. F. (org.). Alfabetização: apropriação do sistema de escrita
alfabética. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

MORAIS, Artur Gomes de; LEITE, Tânia Maria Rios. Como promover o
Texto 2 desenvolvimento das habilidades de reflexão fonológica dos
alfabetizandos? In: MORAIS, A. G. de; ALBUQUERQUE, E. B. C. de;
LEAL, T. F. (org.). Alfabetização: apropriação do sistema de escrita
alfabética. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
● AS MATRIZES NÃO PODERÃO SER RISCADAS/RASURADAS, DEVENDO ESTAR DISPOSTAS
EM FRENTE E VERSO E TRAZER NA PRIMEIRA FOLHA A IDENTIFICAÇÃO DA
NUMERAÇÃO (TEXTO 01, TEXTO 02, TEXTO N...) E A FICHA CATALOGRÁFICA DA OBRA,
QUANDO SE TRATAR DE CAPÍTULO DE LIVRO.
Como promover o
desenvolvimento das habilidades
de reflexão fonológica dos
alfabetizandos?

Artur Gomes de Morais


Tânia Maria Rios Leite

Para começar...

Nos capítulos anteriores, discutimos a aprendizagem dos prin-


cípios básicos do sistema de notação alfabética (SEA), apontando a
necessidade de articular, de modo coerente, nossos conhecimentos
sobre o objeto de ensino-aprendizagem (o SEA) e os modos de apro-
priação dele, pelos alunos, com vistas a promover um ensino de tipo
construtivista.
Enquanto a teoria da psicogênese da língua escrita tornou-se,
em nosso país, a principal referência sobre como os aprendizes cons-
troem hipóteses a respeito da escrita alfabética, a maioria dos profes-
sores teve pouco acesso aos estudos sobre o papel, no aprendizado
da leitura e da escrita, das habilidades de reflexão fonológica, também
designadas por “consciência fonológica”.
Neste capítulo, nos dedicaremos a este último tema, discutindo,
inicialmente, o que são as habilidades de reflexão fonológica e ilustrando

71
sua evolução, através do exemplo de uma criança que acompanhamos
durante um ano letivo. Após discutir as limitações e as potencialidades
das evidências ligadas ao tema “consciência fonológica”, abordare-
mos o papel da escola na promoção daquelas habilidades que julgamos
essenciais para um sujeito tornar-se alfabetizado. Para isso, apresenta-
remos e comentaremos alguns encaminhamentos didáticos já postos
em prática por professores que atuam nas escolas de Recife.
Queremos esclarecer que, ao debatermos o tema, assumimos
uma série de pressupostos defendidos pela teoria da psicogênese da
escrita: I) que as crianças, em seu processo de alfabetização, constro-
em hipóteses sobre como a escrita nota a língua falada, II) que aque-
las hipóteses evoluem de uma etapa inicial, em que a escrita não é
tomada como uma representação do falado (hipótese pré-silábica) a
uma etapa em que ela representa a fala por correspondência silábica
(hipótese silábica), chegando, por fim, a uma correspondência alfabé-
tica, e III) que o SEA não é um código, de modo que seu aprendizado
não se reduz a uma identificação de fonemas e memorização das letras
que os notam na escrita.
Apesar de concordarmos com todas essas evidências, cremos
que é preciso superar preconceitos e, criticando certas limitações dos
estudos sobre consciência fonológica, assumir que, para alcançar
hipóteses silábicas, silábico-alfabéticas e alfabéticas de escrita, os
aprendizes precisarão pensar na seqüência de partes sonoras das
palavras (e não só em seus significados). Concebendo que a escrita
alfabética é uma invenção cultural e que a escola pode ajudar o aluno
a descobrir suas propriedades, defenderemos um ensino do SEA que
promova, sistematicamente, a reflexão também sobre a dimensão
sonora das palavras.

Afinal, o que são as habilidades


de reflexão fonológica?

Ao constatar que trem é uma palavra pequena e que morangui-


nho é uma palavra grande, assim como ao dar-se conta de que papai
e pateta começam parecido, apesar de não terem nada em comum no

72
mundo real, uma criança está exercendo um funcionamento que cha-
mamos de metalingüístico, isto é, ela está exercitando uma capacida-
de humana de reflexão consciente sobre a linguagem.
Dito de outra forma, uma coisa é usar as palavras para se comu-
nicar. Outra é tomá-las como objetos sobre os quais podemos refletir,
observando algumas de suas características (por exemplo, sua seme-
lhança sonora com outras palavras da língua, seu tamanho, os “peda-
ços sonoros” que as compõem), independentemente de seus signifi-
cados. Quando esse tipo de reflexão se dá sobre a dimensão sonora
da palavra, estamos diante da colocação em prática de habilidades de
reflexão fonológica, algo também chamado na literatura especializada
de “consciência fonológica” ou “conhecimentos metafonológicos” e
que, em muitas escolas de Recife, os professores passaram a desig-
nar, desde os anos 1980, como habilidades de “análise fonológica”.
Segundo José Morais (1996), consciência fonológica é uma ha-
bilidade metalingüística que se refere à representação consciente das
propriedades fonológicas e das unidades constituintes da fala, inclu-
indo a capacidade de refletir sobre os sons da fala e sua organização
na formação das palavras. Para Cardoso-Martins (1991, p. 103), ela é
a consciência dos sons que compõem as palavras que ouvimos e
permite a identificação de rimas, de palavras que começam e terminam
com os mesmos sons e de fonemas que podem ser manipulados para
a criação de novas palavras.
Nas últimas três décadas, muitas investigações têm buscado
identificar o papel das habilidades de reflexão fonológica na alfabeti-
zação (MORAIS, 2005). Em nosso país, os estudos de Carraher e
Rego (1982, 1984) sobre o “realismo nominal” constituem, provavel-
mente, as iniciativas pioneiras de exame daquela relação entre a capa-
cidade de refletir sobre os sons das palavras e o sucesso/insucesso
dos alfabetizandos. Essas autoras constataram que algumas crian-
ças, após vários meses de ensino em leitura e escrita, ainda se encon-
travam “presas” aos significados das palavras ou às propriedades
físicas dos objetos a que se referem, de modo que julgavam que trem
era uma palavra maior que moranguinho, “porque o trem é grande”, ou
que bola e laranja seriam palavras parecidas, “porque são redondas”.

73
Essas mesmas crianças eram, em suas turmas, aquelas que menos
tinham avançado no aprendizado do SEA.
As relações entre as diferentes habilidades metalingüísticas e
o aprendizado da leitura e escrita ainda constituem tema não sufici-
entemente elucidado e que continua sendo discutido por diferentes
pesquisadores.
Morais (2004) lembra que, desde o início dos estudos sobre a
relação entre habilidades de reflexão metalingüística e aprendizagem
da leitura e escrita, há uma disputa entre pesquisadores que oferecem
explicações distintas. Por um lado, desde os anos 1970, alguns defen-
diam que a consciência fonológica seria conseqüência da alfabetiza-
ção (MORAIS et al, 1979). Numa posição parcialmente assemelhada,
outros estudiosos têm enfatizado que a notação escrita em si – o
deparar-se com palavras escritas separadas por espaços em branco
no papel e que passam a ser objetos concretos sobre os quais se
pode refletir – é o que levaria a criança a poder segmentar as palavras
da língua oral (VERNON; FERREIRO, 1999).
Numa perspectiva radicalmente diferente, outros estudiosos
defendem que a consciência fonológica teria um papel causal e pre-
ditor do sucesso na aprendizagem da escrita alfabética (BRADLEY;
BRYANT, 1987) e que, conseqüentemente, seu desenvolvimento na
pré-escola garantiria sucesso na série de alfabetização.
Finalmente, assumindo uma terceira posição, alguns sugeriram
que a consciência fonológica constituiria um “facilitador” da apren-
dizagem da leitura e da escrita, de modo que os alunos que a tivessem
mais desenvolvida avançariam mais rapidamente na alfabetização
(YAVAS, 1989).
Uma grande fonte das discordâncias ainda não resolvidas de-
correu do fato de vir-se estudando a consciência fonoológica atra-
vés de diferentes tarefas. Assim, diferentes pesquisas pedem aos
alunos que façam coisas tão distintas como: encontrar as palavras
que rimam em uma lista, identificar a presença ou ausência de de-
terminado som em uma palavra, comparar o início ou a terminação
de um conjunto de palavras, isolar o primeiro som de algo que é
pronunciado, segmentar, combinar ou contar fonemas, eliminar de-
terminado fonema de uma palavra, etc.

74
Tanto as crianças como os alfabetizandos jovens e adultos (MO-
RAIS, 2005) têm demonstrado diferentes graus de sucesso naquelas
variadas tarefas, pois elas exigem níveis distintos de habilidades de
segmentação e demandam aos aprendizes diferentes exigências cogni-
tivas. Além disso, o desempenho dos alunos nas tarefas de consciên-
cia fonológica varia com o nível lingüístico visado pela tarefa (sílaba,
unidades internas da sílaba, fonema). A posição mais aceita atualmente
é aquela segundo a qual o que se passou a designar no singular como
“consciência fonológica” constitui, de fato, uma “constelação de habi-
lidades” com níveis de complexidade variados (FREITAS, 2004).
Diante dessa constelação, alguns problemas surgem; se, como edu-
cadores, não tivermos cuidado de nos situarmos ante duas questões
cruciais: 1) o aprendiz já precisaria apresentar certa “prontidão” em cons-
ciência fonológica para poder iniciar a alfabetização e se beneficiar de um
ensino sistemático da escrita alfabética? e 2) todas as habilidades meta-
fonológicas seriam importantes para um aprendiz se apropriar do SEA?
Concebemos que as respostas para essas duas perguntas é NÃO. Como
retomaremos mais adiante, entendemos que as habilidades aqui enfoca-
das se desenvolvem durante a aprendizagem da leitura e da escrita e que
a reflexão sobre a forma escrita das palavras é fundamental para o seu
desenvolvimento. Paralelamente, já temos evidências de que certas habi-
lidades, ao envolver a reflexão sobre fonemas, tornam-se tão complexas,
que não conseguem ser resolvidas por crianças, jovens ou adultos bra-
sileiros já alfabetizados (MORAIS; LIMA, 1989; MORAIS, 2004;
GRANJA; MORAIS, 2004). Portanto, não deveriam nunca ser vis-
tas como requisitos para alguém se alfabetizar.
Também entendemos, por outro lado, que o desempenho dos
aprendizes varia não só com a unidade lingüística visada pelas tare-
fas – isto é, fonemas, sílabas, partes internas das sílabas –, mas tam-
bém com o nível de compreensão (hipótese) que conseguiram elaborar,
enquanto se apropriam da escrita alfabética (LEITE, 2005; MORAIS,
2004; MORAIS; LIMA, 1989).
Para ilustrar essa perpectiva, apresentaremos, a seguir, os da-
dos de uma aluna que freqüentava uma escola pública de Recife.
Durante toda a série de alfabetização, tivemos a oportunidade de
observar, periodicamente, seu conhecimento sobre a notação escrita

75
– Qual a palavra maior, carambola ou laranja?
– Carambola, porque meu pai disse
que tem mais letras.

Taciana era uma criança muito viva, bastante comunicativa e


muito curiosa. Logo no início do ano, pedimos-lhe que escrevesse
algumas palavras, a fim de diagnosticar e acompanhar o seu nível de
conceituação da escrita. Ela escreveu então AM para livro, TAC para
caderno e TOMC para lapiseira. Quando lhe foi pedido que lesse
cada notação, ela fez todas as correspondências entre as letras e as
sílabas orais das palavras. Leu assim: li(A) vro(T); ca(T) der(A) no(O)
e la(T) pi(O) sei(M) ra(C).
É interessante observar que, para cada sílaba da palavra, ela
escrevia uma letra, estabelecendo uma correspondência termo a ter-
mo, mas sem usar as letras com seus valores sonoros convencionais.
Isso revelou que ela já tinha avançado bastante em sua compreensão
sobre como as palavras são notadas na escrita. Preocupada em pôr
uma letra para cada sílaba oral, ela estava no que alguns chamam
“estágio silábico de quantidade”.
No dia seguinte, Taciana respondeu uma série de tarefas que
avaliavam o desenvolvimento de habilidades de reflexão fonológica,
tais como: separar e contar oralmente as sílabas de palavras, identifi-
car e produzir palavras maiores que outras, identificar e produzir pala-
vras parecidas porque começam com sílabas semelhantes ou porque
rimavam. Também respondeu a tarefas de identificação e produção de
palavras que começam com o mesmo fonema e de separação e conta-
gem do número de fonemas de palavras.
Ao longo do ano, em diferentes ocasiões, as mesmas atividades
foram aplicadas, a fim de observarmos a evolução do conhecimento
da aluna1. Atestamos, de fato, um avanço bastante significativo no

1
Na realidade, ela era um dos doze sujeitos da pesquisa “Alfabetização –
consciência fonológica e psicogênese da escrita, um ponto de intercessão,
que na ocasião da produção deste capítulo estava sendo desenvolvida pela
segunda autora dele, sob orientação do primeiro autor.

76
desenvolvimento daquelas habilidades. Seu desempenho, ao final,
tendeu a ser bom, embora, é claro, em algumas tarefas ela continuasse
revelando dificuldades. Numa ocasião, diante de uma tarefa que en-
volvia contagem de fonemas, Taciana disse: “Está muito difícil pen-
sar sobre esse sonzinho da palavra. Eu só sei contar os sonzinhos
nos dedos”.
Assim como a maioria das crianças ou adultos, para Taciana, no
começo da série de alfabetização, era fácil dizer palavras separando
oralmente suas sílabas e contá-las. Na primeira entrevista, ela se saiu
muito bem naquelas atividades. Quando foi solicitada a identificar,
ante duas figuras (por exemplo, carambola e laranja) qual era a pala-
vra maior, ela também teve um bom desempenho. Explicava, sempre,
que a palavra maior escolhida “tinha mais letras” e, no caso das duas
palavras há pouco mencionadas, justificou que seu pai teria dito que
“carambola tem mais letras”. É curioso que, diferentemente de ou-
tras crianças, que se justificam segmentando as palavras em sílabas,
Taciana, com sua hipótese de escrita “silábico-quantitativa”, prefe-
risse se referir a um maior número de unidades escritas (letras). Ela
usou o mesmo tipo de respostas quando lhe pedimos que produzisse
palavras maiores que outras. Acertando na maioria das vezes – ante
as palavras pé, loja e mar, produziu, como maiores, ventilador, cami-
nhão e sapo –, dizia sempre que “tinha mais letras”.
Em outra atividade em que via a cada vez quatro figuras e devia
identificar quais eram aquelas cujos nomes começavam com o mesmo
“pedaço” (sílaba), Taciana teve muita dificuldade e não conseguiu
acertar em nenhum dos casos: selecionou os pares jarro e luva, cha-
veiro e vestido, manteiga e tesoura, jarro e ilha. Numa tarefa pareci-
da, em que foi solicitada a produzir uma palavra que começasse com
o mesmo pedaço de outra, apenas acertou no caso da palavra macaco.
Disse mala e justificou: “É porque começa com o mesmo som”.
Nas tarefas de identificação e produção de palavras que ri-
mam, bem como nas de identificação e produção de palavras que
começam com o mesmo fonema, Taciana nunca conseguia fazer o
que lhe pedíamos. Ao raciocinar sobre a pauta sonora das palavras,
ela parecia mais capaz de isolar e contar quantas sílabas tinham que

77
de analisar semelhanças ou diferenças dos seguimentos sonoros
das mesmas palavras. Como a quase totalidade dos sujeitos que
acompanhamos até hoje, para ela também era impossível “partir”
uma palavra em seus fonemas ou contá-los. Quando isso lhe era
pedido, na ocasião, sua tendência era segmentar as palavras em
sílabas e dizer quantas sílabas tinha encontrado (por exemplo, “me
– la, tem dois”).
Três meses depois, ao aplicarmos as mesmas atividades, Tacia-
na já dava indícios de avanços qualitativos, no sentido de fazer as
correspondências entre as partes escritas (letras) e as partes orais da
palavra. Ao ser solicitada a escrever as mesmas palavras ditadas no
início do ano, escreveu LARO para livro, CATO para caderno e TA-
PAMA para lapiseira. Ao fazer a leitura, estabeleceu uma correspon-
dência entre as sílabas que pronunciava e as letras que havia notado,
já com indícios de fonetização.
Seu desempenho nas atividades metafonológicas de separação
oral de sílabas, contagem de sílabas na palavra e identificação ou
produção de palavras maiores continuou excelente. Mas, agora, Tacia-
na teve acertos de quase 100%. nas atividades de identificação e
produção de palavras que começam com a mesma sílaba. Para a pala-
vra sabonete, disse sapo e justificou “porque são parecidas, com o
mesmo som”.
Na atividade de identificação de palavras que rimam, ainda apre-
sentou dificuldades, mas escolheu os pares ovelha/orelha e janela/
panela, usando a mesma justificativa (“porque são parecidas, com o
mesmo som”). Curiosamente, para ela foi mais fácil produzir palavras
que rimam com outras (disse papel para pastel, violão para melão e
gente para pente). Lembremos que tudo isso era muito difícil para
essa aluna no início do ano. Nas outras atividades, que envolviam
fonemas, suas dificuldades persistiram.
Na última entrevista, já no final de novembro, Taciana demons-
trou avanço considerável, revelando uma hipótese alfabética de
escrita. Ao ser solicitada a escrever as mesmas palavras anterior-
mente ditadas, notou LIVO para livro, CADENO para caderno e
LAPIZERA para lapiseira.

78
Seu desempenho nas atividades de reflexão metafonológica tam-
bém foi melhor. Em tarefas que anteriormente já resolvia sem dificul-
dades, passou a explicitar justificativas bastante elaboradas. Assim,
por exemplo, quando solicitada a dizer uma palavra maior que mar,
disse Marcos e justificou: “Marcos tem dois sons e 6 letras e mar só
tem um som, mas tem três letras”.
Nas atividades que envolviam fonemas, foi fácil para ela identi-
ficar palavras semelhantes no início, quando compartilhavam apenas
o primeiro fonema. Ao escolher os pares de gravuras roda/rato e meni-
no/maleta, justificou que “começa com R” e “M de mamãe, de Ma-
ria”, respectivamente. Já quando solicitada a produzir oralmente pala-
vras que começassem parecidas com as que lhe eram apresentadas,
mas que tivessem de igual, no começo, apenas o mesmo sonsinho,
Taciana só conseguiu acertar uma: ante a palavra pipoca, disse pas-
sarinho; ante as outras, só conseguia produzir palavras que compar-
tilhavam toda a sílaba inicial. Desse modo, ante coco, jacaré e velho,
disse coração, jaca e vela, explicando que tinham os sons /ko/, /ja/ e
/ve/. Quanto às atividades de segmentação e contagem de fonemas,
Taciana continuava tendo muitas dificuldades, não conseguindo fa-
zer o que lhe pedíamos em nenhuma palavra, a não ser nos monossí-
labos formados por duas vogais (eu, ai, etc.) Nesses casos, como as
vogais constituem sílabas isoladas em nossa língua (a-belha; e-lefante;
i-greja; o-velha; u-va), sua reflexão poderia estar funcionando, de
fato, em um nível “de sílabas”, e não de fonemas.
Essa breve descrição das habilidades de Taciana, durante a sé-
rie de alfabetização, parece sugerir algumas constatações importan-
tes. Em primeiro lugar, vemos que sua capacidade de refletir sobre a
seqüência sonora das palavras evoluía em paralelo ao avanço de sua
concepção sobre a escrita alfabética. Vemos também que ela se valia
de conhecimentos sobre a própria escrita (nomes das letras, quanti-
dades de letras) para refletir sobre os segmentos orais das palavras.
Finalmente, julgamos importante enfatizar que, mesmo já escrevendo
alfabeticamente, ela tinha dificuldade de “isolar” mentalmente os fo-
nemas, parecendo trabalhar com essas “unidades” de modo mais
difuso, pensando sobre elas no interior das sílabas das palavras.

79
Limites e potencialidades das evidências
sobre o papel das habilidades de reflexão
fonológica na alfabetização

Existe uma grande oposição entre os estudiosos da “consciên-


cia fonológica” e aqueles que se fundamentam na teoria da psicogê-
nese da escrita. Tal como expressamos em outros textos (MORAIS,
2004, 2005), entendemos que aquela disputa não é gratuita.
É preciso reconhecer que os pesquisadores do primeiro grupo,
quase unanimemente, continuam concebendo a escrita alfabética como
um código, cujo aprendizado dependeria unicamente da capacidade
de refletir sobre os sons das palavras e da memorização das letras que
correspondem àqueles sons. Desse modo, tal como explicitaram Ver-
non e Ferreiro (1999), os partidários da consciência fonológica igno-
ram completamente o percurso evolutivo vivido pelo aprendiz para
compreender e dominar a notação alfabética. Desconsiderando as
etapas já evidenciadas pela teoria da psicogênese da escrita, os pes-
quisadores do primeiro grupo tratam as escritas não-convencionais
produzidas pelos alfabetizandos como “escritas inventadas”, sem
buscar entender a lógica usada por quem as produziu. Nessa mesma
perspectiva, tendem a rotular as crianças como “leitoras” e “não-
leitoras”, num julgamento de “tudo ou nada”.
Outro problema que nos parece sério é que, apesar de ter-se
chegado a um consenso de que a consciência fonológica seria uma
constelação de habilidades, muitos daqueles estudiosos tendem a
supervalorizar as habilidades ligadas à consciência do fonema, to-
mando-as como requisitos e condição suficiente para alguém se
alfabetizar.
Ora, os estudos com adultos e crianças brasileiras por nós de-
senvolvidos vão radicalmente contra essa posição (MORAIS, 2004;
GRANJA; MORAIS, 2004; LEITE, 2005). Se alunos já alfabetizados
cometiam vários erros quando se lhes pedia que produzissem ou
identificassem palavras que no início compartilhassem apenas o
mesmo fonema (e não toda a sílaba inicial), geralmente era para eles

80
impossível pronunciar em voz alta cada fonema de uma palavra ou
contá-los sem recorrer à imagem escrita (letras) dela.
Concluímos, então, que seria um equívoco enorme trazer nova-
mente para as salas de aula os velhos métodos fônicos de alfabetiza-
ção, como querem tantos que se dedicam ao estudo da consciência
fonológica. Isso representaria tornar requisito, para viver o processo
de alfabetização, um nível de reflexão fonológica tão complexo e abs-
trato que nem mesmo pessoas já alfabetizadas conseguem exercitar.
É preciso não esquecer, por outro lado, que os métodos fônicos e
os outros métodos tradicionais transformam o aluno num repetidor/
memorizador de lições, que não convive com os textos reais do mundo,
o que impede que se aproprie da linguagem que, de fato, se usa ao
escrever, ou seja, que “se alfabetize se letrando”, ao mesmo tempo.
Por outro lado, queremos registrar o que nos parecem possibili-
dades de, ampliando pontos de vista da teoria da psicogênese da
escrita, incorporarmos certas evidências dos estudos sobre consci-
ência fonológica.
Em concordância com Ferreiro (1989, 2003), concebemos que a
apropriação do alfabeto implica a reconstrução pelo aprendiz de uma
série de propriedades daquele sistema notacional e entendemos que o
principiante não dispõe, em sua mente, de início, de unidades como
“palavra” ou “fonema” para analisar os enunciados orais que pronun-
cia. O contato com a escrita é que vai viabilizar esse tipo de reflexão.
Os resultados de algumas pesquisas que desenvolvemos (MO-
RAIS, 2004; GRANJA; MORAIS, 2004; LEITE, 2005) nos levam a
assumir que o desempenho de habilidades de reflexão fonológica
não é condição suficiente para que um aprendiz domine a escrita
alfabética. Mas é uma condição necessária. Excluindo as habilida-
des que exigem trabalhar de forma tão abstrata com fonemas, algu-
mas outras habilidades são necessárias. Assim, até hoje não encon-
tramos alunos que tenham alcançado uma hipótese silábica sem ser
capazes de contar as sílabas de palavras. De modo semelhante,
vemos que, ao alcançar uma hipótese alfabética, os aprendizes de-
monstram grande facilidade de identificar ou produzir palavras com
sílabas iniciais iguais ou que rimam.

81
Não vemos, portanto, o que justificaria deixar o aluno sozinho
nessa tarefa de compreender as relações entre partes sonoras e
partes escritas. Se ele fazia isso por conta própria quando era ensi-
nado com métodos silábicos e afins (ver capítulo I, neste livro), não
nos parece nada eficaz, ao buscarmos praticar um ensino de tipo
construtivista, condená-lo a, solitariamente, viver a descoberta da
relação entre o que se fala e o que se escreve.
Como alternativa a certas didáticas de alfabetização que pare-
cem preferir deixar o aluno descobrir, sem uma intervenção mais
explícita do adulto, os mistérios das relações oral/escrito na nota-
ção alfabética, trataremos na seção seguinte de encaminhamentos
voltados à promoção das habilidades metafonológicas.

Como introduzir, na sistemática de ensino da escrita


alfabética, atividades que ajudem os alunos a avançar
em suas habilidades de reflexão fonológica?

O texto abaixo, extraído de um registro da professora Rosângela


Santos, que regia uma turma de 29 alunos na rede pública municipal
de Recife, pode nos ajudar a refletir sobre como, na escola, podemos
promover a capacidade dos alunos de refletir sobre as palavras como
seqüências sonoras.

A rima foi uma forma divertida e prazerosa que encontrei


para trabalhar a escrita, leitura e reflexão de palavras (som
inicial/final/medial). Isto nos permitiu criar e recriar textos,
tais como o trabalho com o poema Perguntas e respostas
cretinas, de Elias José, em que produzimos, coletivamente,
um outro poema, baseado naquele, só que utilizando os
nomes dos colegas da sala.
Primeiramente foi apresentado o texto para as crianças
em um cartaz. Fizemos a leitura do mesmo e nos diverti-
mos muito com o poema. Deixei o cartaz afixado na sala
e logo observei algumas crianças fazendo a pseudo-leitu-
ra do mesmo.

82
Sugeri então à turma que pensassem em palavras que rimas-
sem com seu próprio nome e/ou dos colegas da sala.
Fui escrevendo no quadro uma lista de nomes e, à medida em
que encontrávamos uma rima, escrevia junto do nome, como
por exemplo:

RAQUEL JAQUELINE
PASTEL BIQUINE

RITA TACIANA
FITA BANANA

Depois, levantei uma proposta: “Que tal criarmos um outro


poema com os nossos nomes?”. Todos concordaram. Então
iniciei, escrevendo no quadro: “Você conhece a Taciana?”
Eles concluíram: “Aquela que comeu banana?”
Eles ditavam e eu escrevia no quadro, sempre buscando fazer
a reflexão. “Como eu escrevo a palavra banana?” “Com qual
sílaba começa?”, “Termina com que sílaba?”, “Qual é a sílaba
do meio?”, “Com quantas letras eu escrevo a palavra bana-
na?”, “Quantas vezes eu abro a boca para falar banana?” “E
que letra eu vou botar primeiro?”...
Eles achavam o máximo quando eu dizia que eles tinham que
me ensinar a escrever as palavras. Eu pedia então que fossem
me dizendo as letras com que eu devia escrever aquelas pala-
vras, que eles tinham descoberto como rimas de seus nomes.
Não fiz isso com todas as palavras do texto, mas só com as
que rimavam, para que a atividade não ficasse cansativa e
acabasse se tornando desestimulante.
Esta atividade foi muito prazerosa para a turma e até hoje
eles brincam na hora que faço a chamada.
...

Outras atividades semelhantes foram feitas quando trabalhei


textos que as crianças já sabiam de cor, tais como: cantigas de
roda, parlendas, trava-línguas e poemas. Percebi que eles
tinham mais autonomia, mesmo aqueles que não escreviam
convencionalmente.

83
As atividades de completar os poemas, buscando as palavras
que rimam; a montagem de uma parlenda ou poema conheci-
do, em que as crianças montavam o texto em dupla, ajudaram
bastante a que avançassem na alfabetização.

Vemos, nesse relato, vários pontos de partida para nossa dis-


cussão sobre como promover, na escola, o desenvolvimento das ha-
bilidades metafonológicas de nossos alunos.
Cabe observar, de início, que, numa mesma aula, a professora
conciliou a prática de leitura de um poema, produzido por um escritor
de literatura infantil que hoje é prestigiado em nosso país, com ativi-
dades voltadas à apropriação do SEA. Depois de lerem e desfrutarem
do poema em sua dimensão textual, voltaram os olhos para algumas
palavras do texto e refletiram muito sobre elas. É importante ver, por
outro lado, que a reescrita do poema constituiu uma prática de produ-
ção textual que a turma viveu, tendo por referência um bom modelo
do gênero poema.
Como expressa em seu relato, ao enfocar as rimas, a mestra teve
o cuidado de não trabalhar com todas e quaisquer palavras do texto,
mas só com aquelas que mais se prestariam à tarefa que propunha à
turma. Num contexto lúdico, os alunos passaram então a pensar so-
bre as partes sonoras finais de seus nomes próprios e, ao dizer pala-
vras que com eles rimavam, Rosângela os registrava no quadro com
letra de imprensa.
Queremos enfatizar o papel fundamental desse primeiro regis-
tro escrito. Ao verem pareadas palavras como TACIANA e BANA-
NA, ou RITA e FITA, os aprendizes, que estavam pensando sobre
palavras que tinham sons parecidos no final, beneficiavam-se da
notação escrita para refletir sobre a relação entre partes faladas e
partes escritas no sistema de escrita alfabético. Além de se darem
conta de que palavras orais diferentes compartilham pedaços sono-
ros iguais, eles podiam ver os pedaços semelhantes e diferentes em
suas formas escritas. Como defende Ferreiro (2003), acreditamos
que o fato de a escrita transformar as palavras orais em objetos,
estáveis, opacos, para os quais podemos dirigir nossa reflexão “sem
que desapareçam”, é fator primordial para que possamos começar a

84
observar a dimensão sonora delas (tamanho, características sono-
ras, etc.).
Na atividade há pouco descrita, a materialidade da notação es-
crita era amplificada pelo fato de se estar usando letras de imprensa.
Como uma letra aparecia separada da outra, isso permitia aos aprendi-
zes refletir mais sobre a quantidade de unidades (letras), sua ordem,
suas diferenças e semelhanças... enquanto estavam pensando nos
“pedaços sonoros”.
Esta reflexão é também potencializada quando usamos letras
móveis: ao montar e desmontar palavras, com cartelas que continham
as letras do alfabeto, os aprendizes vivem de forma ainda mais explí-
cita uma série de propriedades do sistema alfabético: a identidade das
letras, sua ordem, as combinações e posições que podem assumir, a
quantidade de letras das palavras, entre outras.
Esse tipo de reflexão foi feito, de outra forma, quando a profes-
sora Rosângela pedia aos alunos que fossem ditando (“lhe ensinan-
do”) a escrever as palavras. Se para responder àquele desafio os
alunos eram chamados a observar as propriedades do SEA que aca-
bamos de mencionar, ela aproveitava a situação para levá-los a refletir
sobre várias características sonoras das palavras em pauta. Assim,
os alunos eram chamados a ver que os nomes próprios e suas rimas
tinham diferentes segmentos orais (sílabas), que ocupavam diferen-
tes posições, que palavras diferentes têm diferentes números de síla-
bas, que o número de letras é maior que o de sílabas, etc.
É claro que, noutras aulas, tudo isso era feito com outras pala-
vras que não eram os nomes das crianças.
Embora não tenha se alongado na parte final de seu relato, a
professora mencionou a realização de várias atividades semelhantes,
usando parlendas, cantigas de roda, trava-línguas, etc.
Na mesma linha de justificativas que vimos apresentando, cre-
mos que esses textos curtos se prestam especialmente para a promo-
ção das habilidades de reflexão fonológica dentro das situações de
ensino voltadas à apropriação do sistema alfabético. É pena que os
livros didáticos e as práticas de sala de aula que temos pesquisado

85
(MORAIS, ALBUQUERQUE, FERREIRA; SILVA, 2005) nem sempre
tenham explorado mais adequadamente tais gêneros textuais para
aquela finalidade. Por que dizemos isso?
Por serem textos curtos, que as crianças facilmente memorizam
ou já sabem de cor, eles permitem focalizar a atenção na notação
escrita, enquanto se reflete sobre as palavras orais e seus segmentos.
Desse modo, torna-se mais evidente constatar que as palavras que se
repetem, quando falamos a parlenda, a cantiga de roda, etc., se escre-
vem de forma idêntica. Torna-se também mais observável que as pa-
lavras que rimam tendem a ter letras finais idênticas. Ou que as pala-
vras que nos fazem “tropeçar” num trava-línguas tendem a ter sons e
letras semelhantes no começo ou no meio.
Este é outro ponto que cabe acrescentar: a importância de refle-
tir com os alunos sobre palavras que são parecidas, porque têm sons
idênticos no começo (ou no meio), o que tecnicamente é chamado de
aliteração. Para as crianças brasileiras, tendem a ser mais perceptí-
veis as aliterações no começo de palavras que em posição medial, ou
mesmo que as rimas. Desse modo, parece bastante útil “brincar” com
a produção oral de palavras que começam com sons semelhantes (ao
mesmo tempo em que se vê suas formas escritas e se discutem suas
características).
Ao começarmos a comentar o relato da professora Rosângela,
valorizamos o fato de ela ter desenvolvido as atividades que envol-
vem reflexão metafonológica, partindo de um texto real. Mas entende-
mos que nem sempre tem que ser assim. Defendemos que é adequado
e possível desafiar os alunos a refletir sobre palavras não extraídas
necessariamente de um texto, desde que elas sejam por eles conheci-
das e que o sentido da reflexão esteja voltado ao aprendizado das
propriedades do sistema alfabético.
Isso pode ser sempre feito de forma prazerosa, assumindo inclu-
sive a modalidade de jogos (a esse respeito ver o capítulo 6, nesta
coletânea). Brincando com dominós, jogo do mico ou outras varian-
tes especialmente confeccionadas para desenvolver a reflexão fono-
lógica, nossos alunos poderão estar, simultaneamente, classificando
gravuras cujos nomes compartilham propriedades seja quanto à

86
semelhança sonora (porque rimam, porque começam parecido), seja
quanto à quantidade de sílabas ou letras

Concluindo...

Dissemos, no início deste capítulo, que, para alcançar hipóteses


silábicas, silábico-alfabéticas e alfabéticas de escrita, os aprendizes
precisarão pensar na seqüência de partes sonoras das palavras (e não
só em seus significados). Concebendo que a escrita alfabética é uma
invenção cultural e que a escola pode ajudar o aluno a descobrir suas
propriedades, defendemos um trabalho pedagógico em que professor
e aluno participem sistematicamente de momentos de reflexão fonoló-
gica. Se o desenvolvimento de habilidades metafonológicas é uma con-
dição para o aprendiz se apropriar do SEA, não vemos por que deixá-lo
viver, solitariamente, esse tipo de relação com as palavras..

REFERÊNCIAS

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87
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88
Psicogênese da língua escrita:
O que é? Como intervir em cada
uma das hipóteses?
Uma conversa entre professores

Marília de Lucena Coutinho

O que geralmente acontecia quando as crianças entravam para


a escola? Nas séries iniciais, elas eram submetidas a inúmeras ativida-
des de preparação para a escrita, principalmente cópia ou ditado de
palavras que já foram memorizadas. Primeiro elas copiavam sílabas,
depois palavras e frases e só mais tarde eram solicitadas a produzir
escritas de forma autônoma. Atividades como essas só aconteciam (e
ainda acontecem!) na escola, porque no dia-a-dia as pessoas aprendem
de outro modo: fazendo, errando, tentando novamente até acertar.
A concepção tradicional de alfabetização priorizava o domínio
da técnica de escrever, não importando propriamente o conteúdo. Era
comum as crianças terem de copiar escritos que não faziam para elas
o menor sentido: “O boi bebe”, “Ivo viu a uva” e tantas outras sem
sentido, mas sempre presente em cartilhas e nos textos artificializa-
dos criados com o único objetivo de “ensinar a ler e escrever”, pois
se acreditava que se aprendia a ler e a escrever memorizando sons,
sílabas e letras. Tudo que era produzido pelos alunos precisava ser
controlado: os aprendizes não eram autorizados a produzir livremente

47
e, para escrever qualquer palavra, era preciso que primeiro as crianças
conhecessem as letras e famílias silábicas necessárias para escrevê-las.
Era muito comum as crianças afirmarem coisas como: “Não pos-
so ler (ou escrever) esta palavra porque minha professora ainda não
ensinou esta letra”. Além disso, escritas espontâneas não eram per-
mitidas, uma vez que as crianças deveriam escrever exclusivamente
para acertar, sem nenhuma intenção de refletir sobre a escrita. Toda a
produção deveria ser constantemente corrigida.
Os aprendizes não se lançarão ao desafio de escrever se houver
a expectativa de que produzam textos escritos de forma totalmente
convencional, exatamente porque no início da alfabetização isso ain-
da não é possível.
Ferreiro e Teberosky (1979) apontam que, tradicionalmente, o
problema da alfabetização tem sido exposto como uma questão de
método, e a preocupação seria a de buscar o “melhor e mais eficaz
método para ensinar a ler e escrever”. Como discutido no capítulo
anterior, convivemos durante várias décadas (e talvez ainda hoje no
espaço de muitas escolas) com três tipos fundamentais de métodos:
os sintéticos (que centravam a intervenção didática no ensino das
partes menores para depois partir para as unidades maiores), os ana-
líticos (que centravam o ensino na memorização de unidades maiores
para depois chegar às unidades menores) e os analítico-sintéticos
(que conduziam atividades de análise e síntese das unidades maiores
e menores no mesmo período letivo). Embora houvesse divergência
entre os três, ambos percebiam a aprendizagem do sistema de escrita
alfabética como uma questão mecânica, a aquisição de uma técnica
para a realização do deciframento. A escrita era concebida como uma
transcrição gráfica da linguagem oral (codificação), e a leitura, como
uma associação de respostas sonoras a estímulos gráficos, uma trans-
formação do escrito em som (decodificação). Essas práticas de ensi-
no da língua escrita pressupunham uma relação quase que direta com
o oral; as progressões clássicas, começando pelas vogais, depois
combinações com consoantes, até chegar à formação das primeiras
palavras por duplicação dessas sílabas, “era” o que podemos chamar
de processo ideal para se alfabetizar.

48
As autoras supracitadas também apontam que, nas décadas de
1960/1970, surgiram mudanças significativas no que concernia à ma-
neira de compreender os processos de aquisição/construção do co-
nhecimento e da linguagem na criança. Foi nessa época que se pas-
sou a considerar que a escrita era uma maneira particular de “notar”
a linguagem e que o sujeito em processo de alfabetização já possuía
considerável conhecimento de sua língua materna. Até então, a al-
fabetização muito pouco tinha a ver com as experiências de vida e
de linguagem das crianças, estando essencialmente baseada na re-
petição, memorização e era tida apenas como objeto de conheci-
mento na escola.
Para aprender a escrever, é fundamental que o aluno tenha mui-
tas oportunidades de fazê-lo, mesmo antes de saber grafar correta-
mente as palavras: quanto mais fizer isso, mais aprenderá sobre o
funcionamento da escrita.
A oportunidade de escrever quando ainda não se sabe permite
que a criança confronte hipóteses sobre a escrita e pense em como
ela se organiza, o que representa, para que serve. Mesmo quando as
crianças ainda não sabem escrever convencionalmente, elas já apre-
sentam hipóteses sobre como fazê-lo.
Aqui no Brasil, a teoria do conhecimento empirista dominou (e
em muitas situações ainda continua dominando, já que pesquisas
têm evidenciado que muitos professores alfabetizadores ainda traba-
lham com as mesmas cartilhas que usavam antes das versões mais
“modernizadas” surgidas com o advento do PNLD1) tudo o que se fez
em alfabetização até a publicação do livro Psicogênese da língua
escrita (FERREIRO e TEBEROSKY, 1979). A teoria empirista conside-
ra que os alunos chegam à escola todos iguais e completamente igno-
rantes, no que se refere à escrita, e que bastaria ensinar quais letras

1
O Programa Nacional do Livro Didático é uma iniciativa do MEC, e seus
objetivos básicos são a aquisição e distribuição, universal e gratuita de livros
didáticos para os alunos das escolas públicas do ensino fundamental. Desde 1995,
esse objetivo foi ampliado, e o PNLD passou, também, a avaliar os livros
didáticos inscritos no programa. Em 1996, foi publicado o 1º Guia do Livro
Didático, que contém pareceres e recomendações sobre os livros inscritos.

49
correspondem a quais segmentos sonoros para que eles compreen-
dessem o modo de funcionamento do sistema alfabético.
Contrariando os fundamentos empiristas dos “métodos de alfa-
betização”, que viam o aprendizado da leitura e da escrita como um
processo de associação entre grafemas e fonemas, no qual a criança
evoluiria por receber e “fixar” informações transmitidas pelos adultos,
Ferreiro e Teberosky (op.cit.) demonstraram que as crianças formu-
lam uma série de idéias próprias sobre a escrita alfabética, enquanto
aprendem a ler e a escrever. Considerando que a escrita não é um
código, mas um sistema notacional, as autoras observaram que o
aprendiz, no processo de apropriação do sistema de escrita alfabéti-
ca, formula respostas para duas questões básicas: I) o que a escrita
nota (significado das palavras? O significante?); II) como a escrita
alfabética cria notações? (Utilizando símbolos quaisquer ou conven-
cionados? Empregando símbolos para representar sons das palavras?
Ao nível da sílaba ou do fonema? etc.)2
Segundo Teberosky e Colomer (2003), os diversos trabalhos
resultantes daquela linha teórica evidenciaram que:

• As crianças, antes de poderem ler e escrever sozinhas e con-


vencionalmente, formulam uma série de idéias próprias ou hi-
póteses, atribuindo aos símbolos da escrita alfabética signifi-
cados bastante distintos dos que lhes transmitem os adultos
que as alfabetizam;
• As hipóteses elaboradas pela criança seguem uma ordem de
evolução em que, a princípio, não se estabelece uma relação
entre as formas gráficas da escrita e os significantes das pala-
vras (hipótese pré-silábica). Em seguida a criança constrói hi-
póteses de fonetização da escrita, inicialmente, relacionando
os símbolos gráficos às sílabas orais das palavras (hipótese

2
Na realidade, o emprego do termo “notação” por Ferreiro e demais adeptos da
psicogênese da escrita é mais recente. Antes se referiam a “representações”,
no lugar de “notações”. Fazemos noutro trabalho (MORAIS, 1995) uma dis-
cussão conceitual sobre a adequação de usar-se os termos “notação”, “notaci-
onal” e “notar” para nos referirmos ao aprendizado da escrita alfabética.

50
silábica) e finalmente compreende que as letras representam
unidades menores que as sílabas: os fonemas da língua (hipó-
tese alfabética). Entre esses dois momentos, haveria um perío-
do de transição (hipótese silábico-alfabética)3.

Esse processo de evolução conceitual se dá entre crianças de


diferentes classes sociais, e a possibilidade de vivenciá-lo ou o ritmo
em que ocorre estariam provavelmente relacionados ao maior/menor
contato que os aprendizes têm com a língua escrita na escola e em seu
meio e à possibilidade de vivenciarem situações em que essa é empre-
gada socialmente.
Para saber o que pensa o aprendiz sobre o sistema de escrita, é
preciso solicitar que ele escreva palavras, frases ou textos que não
lhe foram ensinados previamente e pedir que ele os leia logo depois
de grafá-los. Pesquisas transversais e longitudinais (FERREIRO, 1988;
GÓMEZ PALÁCIO, 1982) mostram que essas produções escritas têm
evolução perfeitamente previsível e que, para a maioria dos autores e
pesquisadores, se organizam em quatro hipóteses ou níveis. Descre-
veremos cada um desses níveis, buscando partir da etapa mais inicial
das hipóteses de escrita (nível pré-silábico) até a mais avançada (ní-
vel alfabético), quando os alunos já conseguem compreender os prin-
cípios que baseiam a escrita alfabética. Buscaremos, em cada nível,
abordar: (1) as hipóteses que os alunos já construíram; (2) os conhe-
cimentos que ainda precisam ser construídos; (3) como o professor,
de posse dos dados apontados por seus alunos, pode intervir, orga-
nizando seu planejamento e lançando desafios para que o aluno pas-
se para outro nível; (4) sugestões de atividades adequadas às hipóte-
ses de escrita apontadas pelos alunos.
Para tal análise, baseamo-nos em um conjunto de diagnósticos
de escrita colhidos entre crianças com idades que variam entre 5 e 6
anos. Solicitamos que as crianças escrevessem determinadas palavras

3
Estudos realizados no Brasil (CARRAHER; REGO, 1984; GROSSI, 1986,1987;
MORAIS; LIMA, 1989) encontraram resultados semelhantes, quanto aos es-
tágios conceituais que a criança vive enquanto aprende a ler e a escrever.

51
(boi, formiga, gato, cavalo, elefante, sapo, perereca e rã, e alguns
alunos escreveram essas nove palavras e mais a palavra banana) e
que as lessem, apontando com seus dedinhos cada um dos pedaços
lido. Tais palavras foram escolhidas em função de alguns critérios: a)
todas faziam parte do mesmo campo semântico (animais); b) as duas
primeiras (boi e formiga) possibilitariam que pudéssemos perceber
como os alunos haviam avançado no que se refere ao realismo nomi-
nal; c) algumas palavras (como gato e sapo) poderiam estar estabili-
zadas, mas também possuíam o mesmo conjunto de vogais e isso
serviria para observarmos como as crianças, nos níveis silábico e
silábico-alfabético, estavam grafando-as; d) selecionamos palavras
monossílabas, dissílabas, trissílabas e polissílabas para analisarmos
como os alunos grafavam palavras com sílabas diferentes e, por fim,
e) solicitamos que apenas o silábico-qualitativo grafasse banana para
analisarmos como ele estava representando as sílabas que possuem
letras repetidas.
Para facilitar a compreensão, optamos por primeiro apresentar
a hipótese que o aprendiz possui em cada um dos níveis e só, pos-
teriormente, discutiremos os protocolos de escrita, já que assim acre-
ditamos que o leitor terá mais subsídios para analisar e compreen-
der as escritas infantis.

Nível pré-silábico e suas hipóteses

Neste nível, as crianças possuem hipóteses bastante elemen-


tares sobre a escrita. Em uma etapa inicial, os alunos consideram que
escrever é a mesma coisa que desenhar. Sendo assim, em muitas situ-
ações, se solicitarmos que um aluno escreva determinada palavra
(como bola, por exemplo), será muito provável que ele desenhe uma
bola, acreditando que ali está escrita a palavra.
Nesta fase, as crianças têm dificuldades em diferenciar letras e
números e muitas vezes “escrevem” usando desenhos, rabiscos, gara-
tujas, pseudoletras, números ou alguns desses elementos misturados.
Os alunos também acreditam que só é possível escrever nomes
de objetos porque para eles a escrita serve para nomear as coisas.

52
Ações (como pular, correr, etc.) e sentimentos (amor, carinho, tristeza,
entre outros) não podem ser escritos.
Para os alunos, a escrita é uma representação direta do objeto;
eles ainda não conseguiram perceber que o que a escrita representa
(nota) no papel são os sons da fala. As crianças têm tendência a
acreditar que se escreve guardando as características do objeto a ser
escrito. Logo, se a criança é solicitada a escrever a palavra BOI, pro-
vavelmente ela o fará utilizando muitas letras, porque o boi é um
animal grande e, na concepção do aprendiz, essa característica preci-
sa ser grafada. Esse fenômeno é denominado de realismo nominal.
Vejamos como Thales escreveu as palavras que nós ditamos:

Como podemos observar, a


escrita de Thales (6 anos)
refere-se à hipótese pré-si-
lábica. O aluno não faz cor-
respondência entre escrita e
pauta sonora nem no eixo
da quantidade, pois o núme-
ro de letras não equivale ao
número de sílabas nem de
fonemas, nem no eixo da
qualidade, uma vez que as
letras escolhidas não corres-
pondem aos fonemas que ele
precisaria representar.

53
Nós já pudemos discutir quais os conhecimentos construídos
pelos alunos na hipótese pré-silábica. No entanto, para que o profes-
sor possa organizar sua prática de alfabetização de forma a ajudar os
alunos a avançar, precisamos também destacar quais conhecimentos
necessitam ser construídos. Assim, em seu trabalho pedagógico, ele
pode organizar atividades que levem em conta esses conhecimentos.
O principal desafio para este nível é auxiliar os alunos a perceber
que a escrita representa os sons das fala, e não os objetos em si com
suas características. Para tal, atividades de análise fonológica, em
que os alunos serão desafiados a perceber que palavras que come-
çam (aliteração) ou terminam com o mesmo som (rima) têm a tendência
a ser escritas com o mesmo grupo de sílabas ou letras. A exploração
oral, mas, sobretudo, escrita de poemas, trava-línguas, parlendas e
outros textos que possibilitem a exploração de sons iniciais e finais
são bastante interessantes nesta fase.
O trabalho com palavras estáveis, como os nomes dos alunos da
turma, também pode auxiliar na percepção de que partes iguais se escre-
vem de forma semelhante, e partes (sílabas ou letras) presentes no nome
de um aluno também podem ser encontradas nos nomes de outros cole-
gas. Além das palavras estáveis, a exploração de textos conhecidos de
memória ajudará na construção da base alfabética, uma vez que, ao lerem
textos de cor, as crianças podem ajustar a pauta sonora à pauta escrita e,
assim, podem perceber que eles lêem o que está grafado no papel.
Consideramos fundamental destacar que não estamos aqui de-
sejando criar “uma metodologia” para ser implementada em cada nível
de escrita. Nosso desejo é o de refletir, juntamente com o professor,
sobre os conhecimentos de cada um dos níveis e de criar um trabalho
sistemático de reflexão sobre a escrita.

Nível silábico e suas hipóteses

Neste nível, o primeiro dos desafios (entender o que a escrita


nota) já foi vencido, porque os alunos começam a perceber que a
escrita está relacionada com a pauta sonora da palavra. No entanto,
eles desenvolveram a hipótese de que a quantidade de letras a ser

54
grafada corresponde à quantidade de segmentos silábicos pronuncia-
dos. Sendo assim, quando desejam escrever, os alunos o fazem utili-
zando uma letra para cada sílaba presente na palavra. Logo, se o
aluno deseja escrever uma palavra que possui três sílabas (como, por
exemplo, martelo), muito provavelmente ele o fará colocando uma
letra para cada uma das sílaba: PFV ou, em um nível mais avançado,
AEO, grafando as vogais e ou consoantes presentes na palavra.
Nesta fase, os alunos podem, inicialmente, preocupar-se apenas
com o aspecto quantitativo, marcando uma letra qualquer para represen-
tar cada sílaba da palavra, o que corresponde a um estágio silábico de
quantidade. À medida que começam a utilizar, na escrita das sílabas das
palavras, letras que possuem uma correspondência com os sons repre-
sentados, eles entram na fase silábica de qualidade. Segundo Leal (2004),
é possível que alguns alunos, ao ingressar na hipótese silábica, já o
façam através de uma análise qualitativa (silábico de qualidade).
À medida que passam a escrever um grafema para cada sílaba,
os alunos começam a vivenciar alguns conflitos e vão criando novas
hipóteses, como a de que existe uma quantidade mínima de letras para
escrever. Nesse caso, palavras monossílabas e dissílabas precisariam
ser escritas com, no mínimo, três letras.
É importante analisarmos o que pode se passar na cabeça de
uma criança que está nesta hipótese de escrita, mas que está sendo
alfabetizada através de um método tradicional, no qual primeiro ela
precisa aprender as vogais e suas junções para apenas posteriormen-
te escrever palavras. O aluno terá dificuldades em compreender a
escrita de palavras comumente usadas como “oi”, “eu”, “ui” simples-
mente porque para ele não existem palavras com essa quantidade de
letras. Explorar essas junções no intuito de fazer os alunos avança-
rem será de pouca valia, exatamente porque nesta hipótese os alunos
não percebem essas escritas como sendo palavras.
Além de acreditarem na necessidade de uso mínimo de duas, três
ou até mesmo quatro letras4, os alunos passam a desenvolver uma

4
Temos observado que algumas crianças acreditam que, para escrever uma pala-
vra, precisamos, no mínimo, de duas letras, enquanto outras chegam a acredi-
tar que o mínimo é três ou até mesmo quatro letras. Nesses casos, a identifica-
ção da hipótese silábica fica clara apenas na escrita de palavras maiores.

55
hipótese relacionada com a variedade de letras, acreditando que uma
mesma palavra não pode ser escrita com letras repetidas escritas de
forma seqüenciada, e começam a considerar uma nova exigência qualita-
tiva em relação à grafia dos sons das palavras. Eles vivenciam, assim,
dois conflitos: a impossibilidade de se fazer registros iguais para palavras
diferentes e de se escrever, com apenas duas letras, as palavras dissíla-
bas, e, com uma letra, as palavras monossílabas. A seguir, apresentare-
mos exemplos de escritas no nível silábico quantitativo e qualitativo:

Hipótese quantitativa5:

Como podemos perceber, no


momento de escrita das pala-
vras, a aluna Lucilene utilizou
uma letra para representar cada
sílaba da palavra.
No caso das palavras que tem
apenas uma sílaba (as palavras
ditadas foram sol e mar) ela op-
tou por usar duas letras, pro-
vavelmente por considerar que
não é possível escrever pala-
vras com uma única letra. No
momento da leitura, no entan-
to, ela divide as palavras em
sílabas (SO – U / MA - RÉ).

Vejamos ainda dois outros exemplos de escrita no nível silábico.


No entanto, desta vez, os alunos descritos apresentam uma hipótese
um pouco mais avançada encontrando-se numa hipótese qualitativa.

5
O protocolo de escrita usado para exemplificar a hipótese silábica quantitativa
não faz parte da mesma coletânea usada para os outros exemplos, pois não
havia, na época, criança neste nível. Assim, analisamos a escrita de Lucilene, que
era aluna de escola pública.

56
Hipótese qualitativa:

Pedro Lukas (6 anos) possui uma


hipótese de escrita silábico-qualita-
tiva. Observemos que, para grafar as
palavras sugeridas, ele usou, no ge-
ral, uma letra para cada sílaba, como
também se preocupou em utilizar
uma letra que se adequasse ao som
por ele escutado.
Consideramos importante destacar
que, no momento da escrita e pos-
teriormente na leitura das palavras, o
aluno apresentou dificuldades para
compreender o que ele havia escrito.
No exemplo da palavra BOI, grafada
como OIAI, Pedro Lukas escreveu
inicialmente apenas OI, usando uma
letra para cada uma das sílabas e bus-
cando grafar com uma letra que repre-
sentava um dos sons da sílaba (no
caso, as vogais). No entanto, após
marcar OI, o aluno olhou para a pala-
vra e disse: “Tá faltando!” Imediata-
mente ele completou com as letras AI,
afirmando que agora estava correto.
É interessante percebermos que, no
momento da leitura, ele se deparou
com o conflito da quantidade mínima
de letras, tendo dificuldades para cum-
prir a tarefa proposta. A solução que
Pedro Lukas encontrou foi acrescen-
tar letras, embora essas mesmas não
possuíssem correspondência sonora.

Em um segundo exemplo, iremos analisar a hipótese de escrita


de Raphael, que, embora estivesse silábico-qualitativo na escrita, apre-
sentou desempenho bastante diferente na leitura.

57
Raphael foi orientado a escrever as
mesmas palavras e mais uma (BA-
NANA).
No momento da escrita, o aluno não
apresentou dificuldades para repre-
sentar cada uma das sílabas com uma
letra. Observamos que ele faz isso
com propriedade e que, em muitas
situações, ele repetiu uma letra na
mesma palavra.
Chamou-nos atenção o momento de
leitura desta criança, pois, quando
solicitada a ler o que havia escrito,
ela soletrou as letras (vogais) e afir-
mou que ali não havia nenhuma das
palavras que ele havia sido solicita-
do a escrever.
O exemplo mais interessante refe-
re-se à escrita da palavra SAPO:
após uma primeira tentativa de es-
crita, Raphael leu e disse: “Aqui tem
A-O, não tem sapo”. Perguntei se
ele desejava escrever mais uma vez
já que ele afirmava que não havia
escrito a palavra ali, e ele repetiu a
escrita por mais duas vezes até que,
em um momento final, ele disse:
“Eu ainda não sei ler direito, tô
aprendendo”.

A análise do protocolo de escrita de Raphael nos faz perceber


que ele está vivendo um momento de grande conflito, já que ele já
percebeu que sua hipótese de escrita não mais responde às exigências
que lhe são colocadas, embora ele também não saiba o que fazer para
resolver esse problema. Ele possui uma hipótese de escrita silábica,

58
mas, provavelmente por conhecer um repertório grande de letras e
saber identificar as vogais, ao ser solicitado a ler o que escreveu, ele
não reconhece a palavra escrita. Ele está, assim, muito perto de com-
preender que as sílabas são compostas, no geral, por unidades sono-
ras menores (os fonemas) e que todas elas possuem uma vogal.
Mais uma vez, na tentativa de auxiliar os alunos na re-constru-
ção de suas hipóteses, é importante que o professor possa organizar
em sua rotina de trabalho atividades que levem em conta a exploração
dos conhecimentos que os alunos precisam desenvolver para conse-
guir escrever de forma convencional.
As atividades devem ajudar os alunos a refletir que a sílaba não
é a menor unidade de uma palavra e que ela é constituída de partes
menores (os fonemas). Como os alunos já são capazes de estabelecer
vinculação sonora, uma boa atividade para auxiliá-los pode ser o
trabalho com escrita espontânea ou também por meio de ditados e
autoditados, propondo que os alunos interpretem seus escritos.
Atividades de ditado e autoditado podem e devem ser feitas,
desde que o professor tenha clareza de quais objetivos possui com
cada uma delas. O ditado pode ser uma grande fonte de exploração
da escrita, se após a realização dele o professor problematiza as
respostas dos alunos pedindo a eles que pensem sobre a forma
convencional da escrita ou remetendo-lhes (em caso de dúvida) a
palavras cuja forma lhes é conhecida, como, por exemplo, a lista dos
nomes dos colegas.
O trabalho com o nome próprio, nome dos colegas e outras
palavras estáveis ainda deve ser feito, mas os desafios deverão ser
maiores e diferentes dos propostos para os alunos do nível pré-silá-
bico. Agora, pela lista de nomes presentes na sala de aula, o profes-
sor pode propor que os alunos escrevam outras palavras que possu-
am os mesmos “pedacinhos” que aparecem nos nomes de colegas da
sala, ou mesmo, usar os nomes das crianças para ajudar os alunos a
perceber que as palavras possuem números diferentes de sílabas, e
que as sílabas, por sua vez, possuem números de letras diferentes.
Por exemplo, o nome Henrique possui 3 sílabas e 8 letras. O nome
Aída também possui 3 sílabas, mas apenas 4 letras, embora ambos

59
tenham a mesma quantidade de sílabas. Reflexões como esta aju-
dam os alunos a perceber que, dentro das sílabas, existem partes
ainda menores.
As atividades de cruzadinhas são interessantes para as crian-
ças deste nível de escrita, que tenderão a escrever uma letra para cada
sílaba da palavra. Como na atividade os “quadrinhos” devem ser
preenchidos por cada letra, haverá sobra de quadradinhos, o que
levará a criança a rever sua escrita.
Enfim, nesta hipótese de escrita, os alunos já têm como conheci-
mento consolidado o que a escrita nota (a pauta sonora da palavra) e
começam a refletir sobre o como a escrita nota. Valendo-se das refle-
xões sugeridas anteriormente, os alunos começarão a perceber que,
internamente, as sílabas possuem “partes” menores e que embora
isso não fique claro em todos os seus escritos (pois ainda há oscila-
ção entre a grafia das sílabas com um ou dois caracteres), as crianças
começam a representar algumas sílabas das palavras com mais de um
grafema, fazendo uma correspondência sonora. Nesse momento, po-
demos considerar que os alunos se encontram em um estágio de
transição entre a escrita silábica e a alfabética: a esta hipótese chama-
mos de hipótese silábico-alfabética.

Nível silábico-alfabético e suas hipóteses

Neste nível, os alunos já têm suas hipóteses muito próximas da


escrita alfabética, uma vez que eles já conseguem fazer a relação entre
grafemas e fonemas na maioria das palavras que escrevem, embora
ainda oscilem entre grafar as unidades menores que a sílaba.
Analisemos o protocolo de escrita de um aluno nesta hipótese
de escrita:

60
Como podemos observar na escrita
de Arthur (6 anos), embora ele es-
creva com preocupação em relacio-
nar fonemas e grafemas, ainda se
confunde no que se refere ao som de
determinadas letras, e é provavel-
mente por isso que ele “erra”, por
desconhecer os sons, como aconte-
ceu na escrita de PELELEC (refe-
rindo-se a PERERECA).
Também observamos que ele nem
sempre escreve marcando todas as
unidades menores que as sílabas,
como em CGORO (que represen-
tava CACHORRO), sendo essa a
principal característica dos silábi-
cos-alfabéticos.

Como pudemos perceber, essa escrita está muito próxima da


escrita alfabética, e os desafios e conhecimentos a ser consolidados
são bastante parecidos. Sendo assim, optamos por discutir as suges-
tões de atividades deste nível de maneira integrada com as sugestões
para os alunos alfabéticos.

Nível alfabético e suas hipóteses

Neste nível, o aluno finalmente começa a compreender o “como


a escrita nota a pauta sonora”, ou seja, que as letras representam
unidades menores do que as sílabas. Quando dizemos que um aluno
está no nível alfabético, estamos dizendo que ele já é capaz de fazer
todas as relações entre grafemas e fonemas, embora ainda possua
problemas de transcrição de fala e cometa erros ortográficos. Como
os alunos sabem que a escrita nota a pauta sonora, eles têm tendên-
cia a escrever exatamente como se pronunciam as palavras. Por exem-
plo, em nossa região é muito comum encontrarmos crianças que

61
escrevem a palavra menino da forma: mininu. Os alunos que come-
tem esses “erros” estão colocando em prática os conhecimentos que
possuem sobre a escrita, embora esta precise de correção ortográfica.
O protocolo que apresentaremos a seguir refere-se à escrita
de um aluno na hipótese alfabética que já demonstra uma preocupa-
ção ortográfica:

Observando o ditado de Guilherme


(5 anos), podemos perceber que sua
escrita apresenta todas as relações
entre grafemas e fonemas, em alguns
momentos até com dificuldades or-
tográficas. No caso da escrita da
palavra GIA, o aluno perguntou à
pesquisadora se essa palavra deve-
ria ser escrita com G ou J, demons-
trando já compreender que um mes-
mo som pode ser representado por
diferentes letras (e às vezes um mes-
mo som pode ser representado por
um conjunto de letras).
O único momento em que o aluno
não conseguiu grafar a palavra cor-
retamente foi durante a escrita da
palavra RÃ (grafada como RAN),
mas percebemos claramente que
havia uma lógica de raciocínio atrás
desse “erro”: Guilherme estava pro-
curando notar todos os sons que
escutava.

Como vimos, para o aluno Guilherme, a preocupação não mais


era em perceber os sons da fala e grafá-los, mas, sim, escrevê-los de
forma convencional (ortograficamente correta). Consideramos importante
refletirmos que é apenas quando os alunos tornam-se alfabéticos que

62
o trabalho de reflexão ortográfica deve começar. O trabalho ortográ-
fico deve ser percebido como um trabalho de reflexão, e não como um
trabalho de memorização (neste artigo, não nos deteremos nessa ques-
tão, pois ela será mais profundamente discutida no módulo específico
de ortografia), e a exploração deverá incidir sobre a escrita convencio-
nal, de forma a levar os alunos a perceber que embora a escrita repre-
sente a fala, esta não é uma transcrição direta dela.
Também consideramos importante salientar que este é o momento
adequado para se iniciar um trabalho com o traçado de letra cursiva,
visto que nesta hipótese, as crianças já não apresentam tantas dificulda-
des em decidir quantas e quais letras usar para escrever as palavras.
As sugestões de atividades para ser realizadas tanto com os
silábico-alfabéticos quanto com os alfabéticos podem estar relaciona-
das a objetivos voltados para garantir maior fluência de leitura e maior
consolidação das correspondências grafofônicas, como, por exem-
plo, a realização de cruzadinhas. Nessas atividades, a existência de
“quadrinhos” a ser completados leva o aluno a pensar em todas as
correspondências necessárias para se escrever uma palavra e, logo, a
perceber que as letras são as unidades menores dentro de uma sílaba,
bem como o auxilia na reflexão ortográfica.
O trabalho com os nomes próprios e palavras estáveis deve
continuar (sobretudo para os silábicos-alfabéticos), mas dessa vez
como um suporte de apoio à escrita de novas palavras e de reflexão
sobre as regularidades da língua portuguesa, como, por exemplo, os
nomes Oto e Horácio que começam com o mesmo som inicial, mas por
convenção, são grafados de forma diferente. Reflexões sobre letras
que assumem sons diferentes em função da disposição que ocupam
na palavra (como é o caso do S inicial e o do S entre vogais) e sobre a
existência de sons que necessitarão, em algumas situações, de um grupo
de letras para representá-lo (como o som do X na palavra CHUVA) preci-
sam ser realizadas sistematicamente.
Como falamos no início deste capítulo, nossa preocupação fun-
damental não foi a de apenas discutir teoricamente sobre cada um
dos níveis de aquisição do sistema de escrita. Nosso objetivo foi o de
refletir sobre os conhecimentos que os aprendizes possuem em cada

63
um dos níveis, os que ainda precisam ser desenvolvidos, e, principal-
mente, sobre como o professor pode intervir na sala de aula, lançan-
do desafios adequados para que as crianças possam avançar cada
vez mais em suas hipóteses de escrita.
Sabemos que, mesmo com toda a difusão de muitos termos
relacionados à teoria psicogenética, poucas pessoas têm a clareza
de como essa teoria do conhecimento permitiu que se mudassem as
questões que norteavam a investigação sobre alfabetização, ou mes-
mo como podem utilizar “Ferreiro e Teberosky” para interpretar as
escritas de seus alunos e ajudá-los a superar desafios. Embora
tenhamos tentado sugerir atividades a ser feitas em cada um dos
níveis, acreditamos que uma rotina de trabalho bem estruturada
e com atividades sistemáticas de reflexão sobre a língua é de
fundamental importância para garantir um processo de alfabetiza-
ção com segurança.
Por isso, na última parte do capítulo, discutiremos uma situa-
ção vivenciada por uma professora que participou de um curso de
extensão oferecido pelo CEEL em 2004.

Uma idéia bastante interessante

A professora Maria Solange Barros, 1ª ciclo do 1ª ano, Escola


Municipal Cidadão Herbert de Souza, em Recife-PE, realizou com seu
grupo de crianças da classe de alfabetização uma atividade bastante
interessante, que, embora fosse dirigida a todos os alunos, não dei-
xou de contemplar, especificamente, as hipóteses individuais de cada
um deles sobre a escrita. Essa atividade foi elaborada em conjunto
com o grupo de formadoras do CEEL e vivenciada em sala de aula
pela professora e seu grupo de alunos6.
Solange iniciou o trabalho coletivamente, explorando o poema
“Leilão de Jardim”, de Cecília Meireles7. Para tal trabalho, ela escreveu

6
Esta mesma aula foi gravada e encontra-se disponibilizada para análise no vídeo
“Apropriação do Sistema de Escrita” que é parte integrante desta coletânea.
7
MEIRELES, Cecília. Leilão de Jardim. In: Ou isto ou Aquilo. São Paulo: Nova
Fronteira, 2000.

64
o poema em um cartaz com letras grandes e o afixou no quadro, de
modo que todos os alunos pudessem lê-lo. Então ela começou a
leitura, fazendo-a inicialmente sozinha, para que seus alunos pudes-
sem perceber a melodia e a sonoridade desse texto, e só depois a
realizou coletivamente.
Solange repetiu a leitura do poema por diversas vezes e, após
dado momento, quando seus alunos já haviam memorizado alguns
trechos do poema, solicitou que oralmente elas dissessem quais pala-
vras rimavam entre si e depois pediu que elas viessem ao quadro
marcar com lápis coloridos essas palavras. Nesse momento, ela pôde
explorar os sons das palavras, tendo como ponte para a reflexão a
escrita delas e, assim, seus alunos puderam perceber o que já havía-
mos discutido neste artigo, ou seja, que palavras que possuem sons
iguais tendem a ser escritas com o mesmo grupo de letras.
As crianças também foram solicitadas a realizar uma atividade
semelhante à de localização de palavras no quadro, só que, dessa
vez, individualmente. É interessante ressaltarmos que, quando uma
criança não sabia a grafia da palavra que rimava e ficava em dúvida
sobre qual delas deveria pintar, Solange escrevia ao lado do cartaz
uma primeira palavra, refletia sobre a escrita final dela e depois soli-
citava que a criança procurasse outra que rimasse seguindo as pis-
tas já dadas.
Ela também propôs a criação de rimas para algumas palavras do
poema e foi, junto com os alunos, no quadro, escrevendo essas novas
rimas, pedindo que as próprias crianças dissessem come ela deveria ser
escrita e refletindo sobre as sugestões dadas pelas crianças.
Atividades como essa de reflexão sobre o SEA são de grande
importância para todos os alunos e, nesse momento, Solange possi-
bilitou que todas as crianças pudessem pensar sobre a sonoridade
das palavras, mas, fundamentalmente, sobre a sua correspondência
escrita. A aula dessa professora envolveu ainda outros trabalhos de
reflexão coletiva, mas aqui o nosso interesse incide em apontar como
ela conseguiu realizar um planejamento contextualizado, que atendeu
aos seus alunos em suas hipóteses, mas sem perder de vista a idéia

65
de que esse era um único grupo e que uma unidade no trabalho é
bastante importante.
Sendo assim, passaremos à análise das atividades individuais
que foram realizadas após essa exploração inicial coletiva já descrita.
Para tal trabalho, ela dividiu a sala em três subgrupos e lançou três
propostas de atividades que estavam relacionadas ao poema, mas
que exigiam conhecimentos diferentes sobre a escrita.
Para o primeiro grupo de alunos, os que possuíam a hipótese de
escrita menos avançada, a professora propôs a realização de um dita-
do-mudo cujos nomes das figuras estavam presentes no poema. Como
esse grupo ainda precisava construir maior quantidade de conheci-
mentos sobre a escrita, Solange esteve grande parte do tempo junto
a essas crianças, solicitando que lessem o que haviam escrito, lan-
çando perguntas sobre as letras que elas usaram para escrever, ques-
tionando quantas sílabas orais possuía cada uma das palavras, entre
outras problematizações.
Já para o segundo grupo de crianças, aquelas que se encontra-
vam na hipótese de escrita silábica, o desafio foi completar no poema
as rimas que faltavam. Para isso, cada criança desse grupo recebeu
um poema fotocopiado, mas que apresentava lacunas em determina-
dos trechos, sendo tarefa da criança localizar qual palavra estava
faltando no poema e, com ajuda do modelo disponibilizado no qua-
dro, escrever a palavra na lacuna correspondente. Assim, esse grupo
de crianças que ainda não conseguia perceber as unidades menores
dentro da palavra poderia pensar sobre a rima e outros pedaços se-
melhantes nas palavras com base na análise sonora, mas também na
pauta escrita.
Para o terceiro grupo de alunos (aqueles que já possuíam a es-
crita silábico-alfabética e alfabética), o desafio configurou-se em res-
ponder a uma cruzadinha, que possuía, inclusive, algumas dificulda-
des ortográficas: os alunos precisariam escrever palavras como
passarinhos, flores, entre outras.
O fato de existirem “quadradinhos” a ser preenchidos configu-
rava-se em um grande desafio para ambos os grupos de criança, visto
que os silábico-alfabéticos precisam solidificar os conhecimentos de

66
que as palavras possuem unidades menores que as sílabas e assim
estreitar seus conhecimentos sobre a relação entre grafemas e fone-
mas; os alfabéticos, por sua vez, precisam começar a refletir sobre a
escrita ortográfica das palavras.
Essas atividades vivenciadas por Solange são apenas algumas
sugestões interessantes que podem ser praticadas em sala de aula de
aula por outros professores alfabetizadores que também acreditam que,
para garantir a construção e a consolidação da base alfabética de seus
alunos, é necessário possibilitar um trabalho constante de reflexão so-
bre o sistema de escrita e também fazer atividades diversificadas que
atendam a cada uma das crianças em suas hipóteses de escrita.

Para finalizar...

Retomando o que foi discutido no primeiro capítulo deste livro,


consideramos fundamental que os professores construam um método
de alfabetização. Isso não significa, no entanto, que continuem utilizan-
do os “tradicionais” métodos, uma vez que conhecemos seus limites.
É importante termos clareza de que a psicogênese da escrita é
uma teoria psicológica que aborda como os alunos se apropriam da
escrita alfabética. Com a sua difusão no Brasil, os professores passa-
ram a conhecer os níveis de aquisição da escrita e aprenderam como
avaliar seus alunos. Isso é fundamental, mas não é suficiente para o
desenvolvimento de um trabalho pedagógico de alfabetização. É pre-
ciso termos clareza de que o contato com textos, valendo-se de ativi-
dades de leitura e produção, não é suficiente para que as crianças
atinjam a hipótese alfabética. É necessário o desenvolvimento de um
trabalho sistemático e diário que leve os alunos a refletir sobre os
princípios desse sistema. E, nesse trabalho, as atividades realizadas
no nível da palavra (composição e decomposição de palavras em
sílabas e letras, comparação de palavras quanto à presença de sílabas
e letras iguais, etc.) e as de análise fonológica são fundamentais.
Essas atividades podem relacionar-se com os textos lidos, não
no sentido de se extrair do texto uma palavra chave para se trabalhar
com famílias silábicas, mas com base na exploração das características

67
lingüísticas de alguns gêneros. Por exemplo, textos como poemas, par-
lendas, cantigas, no geral, possuem rimas, e essas podem ser explora-
das. Além disso, esses textos são de fácil memorização, podendo ser
aproveitados para a realização de várias atividades de leitura e escrita.
É importante que o professor, no planejamento das atividades, es-
teja atento para a heterogeneidade do grupo, oferecendo atividades dife-
renciadas para alunos que apresentam hipóteses de escritas diferentes.
Por outro lado, ao propor uma atividade comum para toda a turma, o
professor deve considerar que as respostas dos alunos serão distintas,
e, nesse caso, o confronto entre diferentes respostas é interessante.
Enfim, o desenvolvimento de um trabalho que possibilite que os
alunos se apropriem do Sistema de Escrita Alfabética e se tornem leitores
e escritores autônomos será discutido nos demais capítulos deste livro.

REFERÊNCIAS

FERREIRO, E.; TEBEROSKY, A. A psicogênese da língua escrita. Porto


Alegre: Artes Médicas, 1979.
FERREIRO, E. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo: Cortez, 1988.
GOMEZ PALACIO, M. et al. Propuesta para el aprendizage de la lengua
escrita.México, División General de Edicación Especial de la Secretaría de
Educacion Pública, 1982.
LEAL, T. F. A aprendizagem dos princípios básicos do sistema alfabético:
por que é importante sistematizar o ensino? In: Albuquerque, E. B. C.; Leal,
T. F. A alfabetização de jovens e adultos em uma perspectiva do letramento.
Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
México, División General de Edicación Especial de la Secretaría de Educacion
Pública, 1982.
TEBEROSKY, A.; COLOMER, T. Aprender a ler e a escrever: uma propos-
ta construtivista. Porto Alegre: Artes Médicas, 2003.

Para conhecer mais


CAGLIARI, L. C. Alfabetizando sem o BÁ-BÉ-BI-BÓ-BU. 1ª ed. São Paulo:
Scipione, 1999 (coleção Pensamento e Ação no Magistério).

68
COOK-GUMPERZ, J. Alfabetização e escolarização: uma equação imutá-
vel? In: COOK-GUMPERZ, J. (Org.). A construção social da alfabetização.
Trad. Dayse Batista. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.
GROSSI, E. P. “Alfabetização em Classe Populares” In: Retomando a Propos-
ta da Alfabetização. São Paulo: SE /CENP, 1986.
KRAMER, S. Alfabetização: dilemas da prática. In: KRAMER, S. (Org.).
Alfabetização: dilemas da prática. Rio de Janeiro: Dois Pontos, 1986.
MORTATTI, M.R.L. Os sentidos da alfabetização (São Paulo: 1876-1994).
São Paulo: Ed. UNESP; CONPED, 2000.
SMOLKA, A. L. B. A criança na fase inicial da escrita: a alfabetização como
processo discursivo. São Paulo: Cortez: UNICAMP: Passando a Limpo, 1988.
TEBEROSKY, A Aprendendo a escrever. São Paulo: Ática, 1998.
TOLCHINSKY, L. Aprendizagem da língua escrita. São Paulo: Ática, 1995.

69
UNIDADE III

LEITURA E ESCRITA NO PROCESSO DE ALFA LETRAMENTO

Resumo
Serão discutidos, nesta unidade, aspectos da apropriação do
sistema de escrita a partir do uso dos gêneros textuais, uma vez que
são textos que têm uma função social definida e o processo de
alfabetização, na perspectiva do letramento, não pode prescindir de
contribuições como essa. Trataremos, ainda, sobre as fases do
desenvolvimento da escrita a partir das contribuições do
Construtivismo.
UNIDADE III
LEITURA E ESCRITA NO PROCESSO DE ALFA LETRAMENTO

Relação de textos
SOARES, Magda. Leitura e escrita no processo de alfabetização e
Texto 1 letramento. In: SOARES, Magda. Alfaletrar: toda criança pode aprender
a ler e a escrever. São Paulo, Contexto, 2021. Cap. 5, p. 191-281.

SOARES, Magda. Novas práticas de leitura e escrita: letramento da


Texto 2 cibercultura. Educ. Soc., Campinas-SP, vol. 23, p. 143-160, dez. 2002.

MATA, A. S. As crianças, quem são? GOULART, C M. A.; souza, M. L. S.


Texto 3 (orgs.). Como alfabetizar? na roda com problemas dos anos iniciais.
Campinas, SP: Papirus, 2015. p.16 - 26.
OBSERVAÇÃO:

● AS MATRIZES NÃO PODERÃO SER RISCADAS/RASURADAS, DEVENDO ESTAR DISPOSTAS


EM FRENTE E VERSO E TRAZER NA PRIMEIRA FOLHA A IDENTIFICAÇÃO DA
NUMERAÇÃO (TEXTO 01, TEXTO 02, TEXTO N...) E A FICHA CATALOGRÁFICA DA OBRA,
QUANDO SE TRATAR DE CAPÍTULO DE LIVRO.
NOVAS PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA:
LETRAMENTO NA CIBERCULTURA

MAGDA SOARES*

RESUMO: No contexto de uma diferenciação entre a cultura do


papel e a cultura da tela, ou cibercultura, o artigo busca uma me-
lhor compreensão do conceito de letramento, confrontando
tecnologias tipográficas e tecnologias digitais de leitura e de escrita,
a partir de diferenças relativas ao espaço da escrita e aos mecanis-
mos de produção, reprodução e difusão da escrita; argumenta que
cada uma dessas tecnologias tem determinados efeitos sociais,
cognitivos e discursivos, resultando em modalidades diferentes de
letramento, o que sugere que a palavra seja pluralizada: há
letramentos, não letramento.
Palavras-chave: Letramento. Cultura do papel. Cibercultura. Práti-
cas de leitura. Práticas de escrita.

NEW READING AND WRITING PRACTICES:


LITERACY IN THE CYBERCULTURE

ABSTRACT: In the context of two different cultures – print cul-


ture and electronic culture, or cyberculture –, this article seeks a
clearer comprehension of literacy opposing typographic and digi-
tal technologies of reading and writing. Through the differences
regarding the writing space and the mechanisms of producing, re-
producing and diffusing ideas, it argues that different kinds of lit-
eracy – that is, different social, cognitive and discursive effects –
have resulted from such different modalities of written communi-
cation. Since literacy is not a single, homogeneous phenomenon, it
finally suggests this word should be used in its plural rather than
singular form: literacies.
Key words: Literacy. Print culture. Cyberculture. Reading practices.
Writing practices.

* Professora Titular Emérita da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas


Gerais (UFMG). E-mail: mbecker.soares@terra.com.br

Educ. Soc., Campinas, vol. 23, n. 81, p. 143-160, dez. 2002 143
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m um movimento de certa forma contrário ao mais freqüente,
que é o de ampliar a compreensão do presente interrogando o
passado que o gerou, tenta-se, neste texto, essa mesma
compreensão do presente interrogando o futuro que nele está sendo
gerado. Em outras palavras: o que aqui se pretende é perseguir uma
mais ampla compreensão de letramento, buscando um novo sentido
que essa palavra e fenômeno, recém-introduzidos no contexto de uma
cultura do papel, e nela ainda não plenamente compreendidos, já vêm
adquirindo, como conseqüência do surgimento, ao lado da cultura do
papel, de uma cibercultura. 1

Conceitos de letramento
O plural, nesse subtítulo – conceitos –, explica-se pela imprecisão
que, na literatura educacional brasileira, ainda marca a definição de
letramento, imprecisão compreensível se se considera que o termo foi
recentemente introduzido nas áreas das letras e da educação.2 Entretanto,
não há, propriamente, uma diversidade de conceitos, mas diversidade
de ênfases na caracterização do fenômeno.
Há autores que consideram que letramento são as práticas de
leitura e escrita: segundo Kleiman (1995, p. 19): “Podemos definir hoje
o letramento como um conjunto de práticas sociais que usam a escrita,
enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos
específicos, para objetivos específicos”. Em texto posterior, a autora
declara entender letramento “como as práticas e eventos relacionados
com uso, função e impacto social da escrita” (idem, 1998, p. 181). Nessa
concepção, letramento são as práticas sociais de leitura e escrita e os
eventos em que essas práticas são postas em ação, bem como as
conseqüências delas sobre a sociedade.
Já Tfouni (1988, p. 16), em obra que foi uma das primeiras a não
só utilizar, mas também a definir o termo letramento, conceitua-o em
confronto com alfabetização, conceito que reafirma em obra posterior:
“Enquanto a alfabetização ocupa-se da aquisição da escrita por um
indivíduo, ou grupo de indivíduos, o letramento focaliza os aspectos
sócio-históricos da aquisição de um sistema escrito por uma sociedade”
(idem, 1995, p. 20). A autora reafirma essa diferença entre alfabetização
e letramento insistindo no caráter individual daquela e social deste:

A alfabetização refere-se à aquisição da escrita enquanto aprendizagem de


habilidades para leitura, escrita e as chamadas práticas de linguagem. Isso é

144 Educ. Soc., Campinas, vol. 23, n. 81, p. 143-160, dez. 2002
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levado a efeito, em geral, por meio do processo de escolarização e, portan-
to, da instrução formal. A alfabetização pertence, assim, ao âmbito do in-
dividual. O letramento, por sua vez, focaliza os aspectos sócio-históricos da
aquisição da escrita. Entre outros casos, procura estudar e descrever o que
ocorre nas sociedades quando adotam um sistema de escritura de maneira
restrita ou generalizada; procura ainda saber quais práticas psicossociais
substituem as práticas “letradas” em sociedades ágrafas. (Idem, 1988, p. 9,
e 1995, p. 9-10).
Assim, para Tfouni, letramento são as conseqüências sociais e
históricas da introdução da escrita em uma sociedade, “as mudanças
sociais e discursivas que ocorrem em uma sociedade quando ela se
torna letrada” (1995, p. 20). Conclui-se que Tfouni toma, para
conceituar letramento, o impacto social da escrita, que, para Kleiman,
é apenas um dos componentes desse fenômeno; Kleiman acrescenta a
esse outros componentes: também as próprias práticas sociais de
leitura e escrita e os eventos em que elas ocorrem compõem o conceito
de letramento. Em ambas as autoras, porém, o núcleo do conceito de
letramento são as práticas sociais de leitura e de escrita, para além da
aquisição do sistema de escrita, ou seja, para além da alfabetização.
Embora mantendo esse foco nas práticas sociais de leitura e de
escrita, este texto fundamenta-se numa concepção de letramento
como sendo não as próprias práticas de leitura e escrita, e/ou os eventos
relacionados com o uso e função dessas práticas, ou ainda o impacto
ou as conseqüências da escrita sobre a sociedade, mas, para além de
tudo isso, o estado ou condição de quem exerce as práticas sociais de
leitura e de escrita, de quem participa de eventos em que a escrita é
parte integrante da interação entre pessoas e do processo de
interpretação dessa interação – os eventos de letramento, tal como
definidos por Heath (1982, p. 93): “A literacy event is any occasion
in which a piece of writing is integral to the nature of participant’s
interactions and their interpretive processes.” (Um evento de
letramento é qualquer situação em que um portador qualquer de
escrita é parte integrante da natureza das interações entre os
participantes e de seus processos de interpretação.) Ou seja: coerente-
mente com o conceito apresentado em Soares (1998b), letramento é,
na argumentação desenvolvida neste texto, o estado ou condição de
indivíduos ou de grupos sociais de sociedades letradas que exercem
efetivamente as práticas sociais de leitura e de escrita, participam com-
petentemente de eventos de letramento. O que esta concepção acres-
centa às anteriormente citadas é o pressuposto de que indivíduos ou
grupos sociais que dominam o uso da leitura e da escrita e, portanto,

Educ. Soc., Campinas, vol. 23, n. 81, p. 143-160, dez. 2002 145
Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>
têm as habilidades e atitudes necessárias para uma participação ativa e
competente em situações em que práticas de leitura e/ou de escrita
têm uma função essencial, mantêm com os outros e com o mundo que
os cerca formas de interação, atitudes, competências discursivas e
cognitivas que lhes conferem um determinado e diferenciado estado ou
condição de inserção em uma sociedade letrada.3
Letramento é, nesta concepção, o contrário de analfabetismo
(razão pela qual a palavra alfabetismo tem sido freqüentemente usada
em lugar de letramento, e seria mesmo mais vernácula que esta última).
Se analfabetismo é, como habitualmente definido nos dicionários, o
estado de analfabeto (cf. Michaelis, Moderno dicionário da língua
portuguesa), o estado ou condição de analfabeto (cf. Novo Aurélio Século
XXI e Dicionário Houaiss da língua portuguesa), o contrário de
analfabetismo – alfabetismo ou letramento – é o estado ou condição de
quem não é analfabeto. Aliás, na própria formação da palavra letramento
está presente a idéia de estado: a palavra traz o sufixo -mento, que forma
substantivos de verbos, acrescentando a estes o sentido de “estado
resultante de uma ação”, como ocorre, por exemplo, em acolhimento,
ferimento, sofrimento, rompimento, lançamento; assim, de um verbo
letrar (ainda não dicionarizado, mas necessário para designar a ação
educativa de desenvolver o uso de práticas sociais de leitura e de escrita,
para além do apenas ensinar a ler e a escrever, do alfabetizar), forma-se
a palavra letramento: estado resultante da ação de letrar.
No quadro desse conceito de letramento, o momento atual
oferece uma oportunidade extremamente favorável para refiná-lo e
torná-lo mais claro e preciso. É que estamos vivendo, hoje, a
introdução, na sociedade, de novas e incipientes modalidades de
práticas sociais de leitura e de escrita, propiciadas pelas recentes
tecnologias de comunicação eletrônica – o computador, a rede (a web),
a Internet. É, assim, um momento privilegiado para, na ocasião
mesma em que essas novas práticas de leitura e de escrita estão sendo
introduzidas, captar o estado ou condição que estão instituindo: um
momento privilegiado para identificar se as práticas de leitura e de
escrita digitais, o letramento na cibercultura, conduzem a um estado
ou condição diferente daquele a que conduzem as práticas de leitura
e de escrita quirográficas e tipográficas,4 o letramento na cultura do
papel. Uma compreensão mais clara deste último pode advir de seu
confronto e contraste com o primeiro, replicando, em sentido inverso,
Ong (1986), quando busca compreender o letramento pela via de
seu confronto e contraste com a cultura oral.

146 Educ. Soc., Campinas, vol. 23, n. 81, p. 143-160, dez. 2002
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Da oralidade à escrita
Ong (1986) enfatiza a dificuldade que temos, as mentes letradas,
de entender a oralidade primária,5 porque a tecnologia da escrita está
tão profundamente internalizada em nós que nos tornamos incapazes
de separá-la de nós mesmos, e assim não conseguimos perceber sua
presença e influência – não temos consciência da natureza do fenômeno
do letramento, temos dificuldade de captar as características do estado
ou condição de ser “letrado”, porque vivemos imersos nele. Para vencer
essa dificuldade, Ong procura compreender o letramento na cultura
do papel pela identificação das diferenças entre sociedades ágrafas e
sociedades letradas, confrontando o mundo da oralidade primária com
o mundo letrado.
Também os estudos sobre poemas épicos orais, feitos por Milman
Parry e Albert Lord, tomando como objeto de análise Homero e os
poetas épicos da antiga Iugoslávia, relatados em Lord (1960), e ainda
os estudos de Havelock (1963, 1982, 1986) sobre a introdução da
escrita na Grécia antiga, evidenciam, sempre tendo como termo de
referência o texto escrito, as características dos textos orais, memorizados
e recitados, características determinadas por sua forma de recepção,
por seu gênero, por sua função (preservação da memória), por seus
destinatários. Por outro lado, Goody (1977, 1987) analisa, fundamen-
tando-se em pesquisas históricas e antropológicas, as diferenças de
“mentalidade” entre povos de culturas ágrafas e povos de culturas
letradas. Esses autores evidenciam como a introdução e prática da
escrita trouxeram significativas mudanças na recepção do texto, nos
gêneros e funções do texto, nos processos cognitivos e discursivos,
enfim, no estado ou condição dos destinatários dos textos.
Para Ong, Parry, Lord, Havelock e Goody, o confronto e
contraposição entre culturas letradas e culturas de oralidade
primária permitiram uma compreensão mais ampla não só destas,
mas também daquelas; da mesma forma, podemos buscar uma
compreensão mais ampla da natureza do letramento na cultura do
papel pela análise do processo em andamento, na cibercultura, de
desenvolvimento de novas práticas digitais de leitura e de escrita,
em confronto e contraposição com as já tradicionais práticas sociais
quirográficas e tipográficas de leitura e de escrita. Ou seja: recuperar
o significado de um letramento já ocorrido e já internalizado,
flagrando um novo letramento que está ocorrendo e apenas começa
a ser internalizado.

Educ. Soc., Campinas, vol. 23, n. 81, p. 143-160, dez. 2002 147
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Tecnologias de escrita e letramento
Considerando que letramento designa o estado ou condição em
que vivem e interagem indivíduos ou grupos sociais letrados, pode-se
supor que as tecnologias de escrita, instrumentos das práticas sociais
de leitura e de escrita, desempenham um papel de organização e
reorganização desse estado ou condição. Lévy (1993) inclui as
tecnologias de escrita entre as tecnologias intelectuais, responsáveis por
gerar estilos de pensamento diferentes (observe-se o subtítulo de seu
livro As tecnologias da inteligência: “o futuro do pensamento na era da
informática”); esse autor insiste, porém, que as tecnologias intelectuais
não determinam, mas condicionam processos cognitivos e discursivos.
Esse condicionamento tem sido estudado, ora defendido ora
contestado, por muitos, em relação aos efeitos sobre culturas orais ou
sobre indivíduos não-letrados, da introdução e prática da tecnologia
de escrita quirográfica e tipográfica (basta citar aqui a admirável revisão
e argumentação em torno desse tema feita por Olson, 1994). O mesmo
começa a ocorrer em relação aos efeitos da introdução e prática da
tecnologia de escrita digital sobre culturas de letramento tipográfico;
entre os autores que vêm desenvolvendo essa reflexão, destacam-se Lévy
(1993, 1999) e Chartier (1994, 1998, 2001).
Neste texto, não se pretende discutir propriamente esses efeitos,
mas identificar as principais diferenças entre as tecnologias tipográficas
e as tecnologias digitais de leitura e escrita, para delas tentar inferir as
mudanças que provavelmente estão ocorrendo, ou virão a ocorrer, na
natureza do letramento – do estado ou condição de “letrado”, e assim
compreender melhor o próprio conceito de letramento.

Tecnologias tipográficas e digitais de leitura e de escrita


As diferenças entre tecnologias tipográficas e digitais de leitura e
de escrita serão consideradas, neste texto, restringindo-se a análise ao
uso de ambas essas tecnologias para a escrita de textos informativos ou
literários; não se incluirá na análise o uso delas para a interação a
distância. Assim, discute-se aqui, para confrontá-lo com o texto no
papel, o texto na tela – o hipertexto; embora se reconheça que a análise
da interação on-line (os chats, o e-mail, as listas de discussão, os fóruns,
entre outros) seria elucidativa para melhor compreensão do conceito
de letramento, confrontando-se essas modalidades de interação entre
as pessoas com as modalidades de interação face-a-face ou por meio da

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escrita no papel, renuncia-se a incluí-la neste texto, porque esse uso da
tecnologia digital suscita questões específicas de natureza diversa,
sobretudo lingüística, cuja discussão ultrapassaria os limites e objetivos
deste artigo.6
Para a análise das tecnologias tipográficas e digitais de leitura e
escrita de textos e hipertextos, são aqui considerados os dois elementos
mais relevantes de diferenciação entre elas: o espaço de escrita e os
mecanismos de produção, reprodução e difusão da escrita.
Os espaços de escrita
Espaço de escrita, na definição de Bolter (1991), é “o campo físico
e visual definido por uma determinada tecnologia de escrita”. Todas as
formas de escrita são espaciais, todas exigem um “lugar” em que a escrita
se inscreva/escreva, mas a cada tecnologia corresponde um espaço de
escrita diferente. Nos primórdios da história da escrita, o espaço de
escrita foi a superfície de uma tabuinha de argila ou madeira ou a
superfície polida de uma pedra; mais tarde, foi a superfície interna
contínua de um rolo de papiro ou de pergaminho, que o escriba dividia
em colunas; finalmente, com a descoberta do códice, foi, e é, a superfície
bem delimitada da página – inicialmente de papiro, de pergaminho,
finalmente a superfície branca da página de papel. Atualmente, com a
escrita digital, surge este novo espaço de escrita: a tela do computador.
Há estreita relação entre o espaço físico e visual da escrita e as
práticas de escrita e de leitura. O espaço da escrita relaciona-se até
mesmo com o sistema de escrita: a escrita em argila úmida, que recebia
bem a marca da extremidade em cunha do cálamo, levou ao sistema
cuneiforme de escrita; a pedra como superfície a ser escavada serviu
bem, num primeiro momento, aos hieróglifos dos egípcios, mas,
quando estes passaram a usar o papiro, sua escrita, condicionada por
esse novo espaço, foi-se tornando progressivamente mais cursiva e
perdendo as tradicionais e estilizadas imagens hieroglíficas, exigidas
pela superfície da pedra. O espaço de escrita relaciona-se também com
os gêneros e usos de escrita, condicionando as práticas de leitura e de
escrita: na argila e na pedra não era possível escrever longos textos,
narrativas; não podendo ser facilmente transportada, a pedra só permitia
a escrita pública em monumentos; a página, propiciando o códice,
tornou possível a escrita de variados gêneros, de longos textos.
O espaço de escrita condiciona, sobretudo, as relações entre
escritor e leitor, entre escritor e texto, entre leitor e texto. A extensa e

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contínua superfície do espaço de escrita no rolo de papiro ou
pergaminho impunha uma escrita e uma leitura sem retornos ou
retomadas. Já o texto nas páginas do códice tem limites claramente
definidos, tanto a escrita quanto a leitura podem ser controladas por
autor e leitor, permitindo releituras, retomadas, avanços, fácil
localização de trechos ou partes; além disso, o códice torna evidente,
materializando-a, a delimitação do texto, seu começo, sua progressão,
seu fim, e cria a possibilidade de protocolos de leitura como a divisão
do texto em partes, em capítulos, a apresentação de índice, sumário.
No computador, o espaço de escrita é a tela, ou a “janela”; ao
contrário do que ocorre quando o espaço da escrita são as páginas do
códice, quem escreve ou quem lê a escrita eletrônica tem acesso, em
cada momento, apenas ao que é exposto no espaço da tela: o que está
escrito antes ou depois fica oculto (embora haja a possibilidade de ver
mais de uma tela ao mesmo tempo, exibindo uma janela ao lado de
outra, mas sempre em número limitado).
O que é mais importante, porém, é que a escrita na tela possibilita
a criação de um texto fundamentalmente diferente do texto no papel7 –
o chamado hipertexto que é, segundo Lévy (1999, p. 56), “um texto
móvel, caleidoscópico, que apresenta suas facetas, gira, dobra-se e
desdobra-se à vontade frente ao leitor”. O texto no papel é escrito e é
lido linearmente, seqüencialmente – da esquerda para a direita, de cima
para baixo, uma página após a outra; o texto na tela – o hipertexto – é
escrito e é lido de forma multilinear, multi-seqüencial, acionando-se links
ou nós que vão trazendo telas numa multiplicidade de possibilidades,
sem que haja uma ordem predefinida. A dimensão do texto no papel é
materialmente definida: identifica-se claramente seu começo e seu fim,
as páginas são numeradas, o que lhes atribui uma determinada posição
numa ordem consecutiva – a página é uma unidade estrutural; o
hipertexto, ao contrário, tem a dimensão que o leitor lhe der: seu começo
é ali onde o leitor escolhe, com um clique, a primeira tela, termina
quando o leitor fecha, com um clique, uma tela, ao dar-se por satisfeito
ou considerar-se suficientemente informado – enquanto a página é uma
unidade estrutural, a tela é uma unidade temporal. Lévy (1993, p. 40-
41), em tópico que denomina significativamente e, esperemos, também
exageradamente de Réquiem para uma página, compara a leitura do texto
na página com a leitura do hipertexto:

Quando um leitor se desloca na rede de microtextos e imagens de uma enci-


clopédia, deve traçar fisicamente seu caminho nela, manipulando volumes,

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virando páginas, percorrendo com seus olhos as colunas tendo em mente a
ordem alfabética. [...] O hipertexto é dinâmico, está perpetuamente em mo-
vimento. Com um ou dois cliques, obedecendo por assim dizer ao dedo e ao
olho, ele mostra ao leitor uma de suas faces, depois outra, um certo detalhe
ampliado, uma estrutura complexa esquematizada. Ele se redobra e desdo-
bra à vontade, muda de forma, se multiplica, se corta e se cola outra vez de
outra forma. Não é apenas uma rede de microtextos, mas sim um grande
metatexto de geometria variável, com gavetas, com dobras. Um parágrafo
pode aparecer ou desaparecer sob uma palavra, três capítulos sob uma pala-
vra ou parágrafo, um pequeno ensaio sob uma das palavras destes capítulos,
e assim virtualmente sem fim, de fundo falso em fundo falso. [...] Ao ritmo
regular da página se sucede o movimento perpétuo de dobramento e desdo-
bramento de um texto caleidoscópico.

Em síntese, a tela, como novo espaço de escrita, traz significativas


mudanças nas formas de interação entre escritor e leitor, entre escritor
e texto, entre leitor e texto e até mesmo, mais amplamente, entre o ser
humano e o conhecimento. Embora os estudos e pesquisas sobre os
processos cognitivos envolvidos na escrita e na leitura de hipertextos
sejam ainda poucos (ver, por exemplo, além das já citadas obras de
Lévy, também Rouet, Levonen, Dillon e Spiro, 1996), a hipótese é de
que essas mudanças tenham conseqüências sociais, cognitivas e
discursivas, e estejam, assim, configurando um letramento digital, isto
é, um certo estado ou condição que adquirem os que se apropriam da
nova tecnologia digital e exercem práticas de leitura e de escrita na
tela, diferente do estado ou condição – do letramento – dos que exercem
práticas de leitura e de escrita no papel. Para alguns autores, os processos
cognitivos inerentes a esse letramento digital reaproximam o ser
humano de seus esquemas mentais; Ramal (2002, p. 84) afirma:

Estamos chegando à forma de leitura e de escrita mais próxima do nosso


próprio esquema mental: assim como pensamos em hipertexto, sem limites
para a imaginação a cada novo sentido dado a uma palavra, também nave-
gamos nas múltiplas vias que o novo texto nos abre, não mais em páginas,
mas em dimensões superpostas que se interpenetram e que podemos com-
por e recompor a cada leitura.

Também Bolter (1991, p. 21-22) afirma que a escrita no papel,


com sua exigência de uma organização hierárquica e disciplinada das
idéias, contraria o fluxo natural do pensamento, que se dá por
associações, em rede – segundo esse autor, é o hipertexto que veio
legitimar o registro desse pensamento por associações, em rede,
tornando-o possível ao escritor e ao leitor.

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Já Lévy (1999, p. 157) afirma que a cibercultura traz uma
mutação da relação com o saber. Para este autor, “o ciberespaço suporta
tecnologias intelectuais que amplificam, exteriorizam e modificam
numerosas funções cognitivas humanas”, como a memória, que “se
encontra tão objetivada em dispositivos automáticos, tão separada do
corpo dos indivíduos ou dos hábitos coletivos que nos perguntamos se
a própria noção de memória ainda é pertinente” (Lévy, 1993, p. 118);
como a imaginação, que se enriquece com as simulações; como a
percepção, que se amplifica com os sensores digitais, as realidades
virtuais. Chartier (1994, p. 100-101) considera o texto na tela uma
revolução do espaço da escrita que altera fundamentalmente a relação
do leitor com o texto, as maneiras de ler, os processos cognitivos:

Se abrem possibilidades novas e imensas, a representação eletrônica dos tex-


tos modifica totalmente a sua condição: ela substitui a materialidade do livro
pela imaterialidade de textos sem lugar específico; às relações de contigüida-
de estabelecidas no objeto impresso ela opõe a livre composição de fragmen-
tos indefinidamente manipuláveis; à captura imediata da totalidade da obra,
tornada visível pelo objeto que a contém, ela faz suceder a navegação de
longo curso entre arquipélagos textuais sem margens nem limites. Essas mu-
tações comandam, inevitavelmente, imperativamente, novas maneiras de ler,
novas relações com a escrita, novas técnicas intelectuais.

Pode-se concluir que a tela como espaço de escrita e de leitura traz


não apenas novas formas de acesso à informação, mas também novos
processos cognitivos, novas formas de conhecimento, novas maneiras de
ler e de escrever, enfim, um novo letramento, isto é, um novo estado ou
condição para aqueles que exercem práticas de escrita e de leitura na tela.
É deste novo letramento que nos fala Bolter, um entusiasta das novas
tecnologias, em seu já clássico livro (1991):

The printed book [...] seems destined to move to the margin of our literate
culture. […] the idea and the ideal of the book will change: print will no
longer define the organization and presentation of knowledge, as it has for the
past five centuries. This shift from print to the computer does not mean the
end of literacy. What will be lost is not literacy itself, but the literacy of print,
for electronic technology offers us a new kind of book and new ways to write
and read. The shift to the computer will make writing more flexible, but it
will also threaten the definitions of good writing and careful reading that have
been fostered by the technique of printing. […] The computer is restructuring
our current economy of writing. It is changing the cultural status of writing as
well as the method of producing books. It is changing the relationship of the
author to the text and of both author and text to the reader. (p. 2-3)8

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Os mecanismos de produção, reprodução e difusão da escrita
Antes da invenção da imprensa, a produção e reprodução
manuscritas dos textos condicionavam sua difusão, seu uso e, conseqüen-
temente, as práticas de escrita e de leitura: por um lado, os livros
manuscritos da Idade Média eram objetos de luxo, a que poucos tinham
acesso – Umberto Eco representa bem a relação do homem medieval
com os livros manuscritos, em O nome da rosa; por outro lado, os copistas
freqüentemente alteravam o texto, ou por erro ou por intervenção
consciente, de modo que cópias do mesmo texto raramente eram
idênticas; além disso, ao possuidor ou ao leitor do manuscrito era
garantida a possibilidade de intervir no texto, acrescentando títulos,
notas, observações pessoais, porque espaços em branco eram deixados
para essa finalidade.
Embora a invenção da imprensa, e para isso alertou Chartier
(1998, p. 7-9), não tenha representado uma transformação tão radical
como se costuma supor – “um livro manuscrito (sobretudo nos seus
últimos séculos, XIV e XV) e um livro pós-Gutemberg baseiam-se nas
mesmas estruturas fundamentais, as do códex”, a verdadeira “revolução”
tendo sido, na verdade, a descoberta deste, o códex – a “revolução” de
Gutemberg alterou profundamente as formas de produção, de
reprodução e de difusão da escrita, e, conseqüentemente, modificou
significativamente as práticas sociais e individuais de leitura e de escrita
– modificou o letramento, isto é, o estado ou condição de quem
participa de eventos em que tem papel fundamental a escrita.
A tecnologia da impressão enformou a escrita, muito mais do que o
tinham feito o rolo e o códice, em algo estável, monumental e controlado:
estável, porque o texto se torna então reproduzível em cópias sempre
idênticas; monumental porque o texto impresso, muito mais que o
manuscrito, sobrevive e persiste como um monumento a seu autor e a
seu tempo; controlado porque numerosas instâncias intervêm em sua
produção e a regulam.
Em primeiro lugar, são as tecnologias de impressão e difusão da
escrita que instauram a propriedade sobre a obra, propriedade que se
expressa concretamente no surgimento da figura do autor, em geral
difuso e não identificado anteriormente, nos livros manuscritos, e
instituem, conseqüentemente, os direitos autorais, a criminalização da
cópia e do plágio.
Em segundo lugar, são as tecnologias de impressão e difusão da
escrita que criam muitas e várias instâncias de controle do texto – de

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sua escrita e de sua leitura: o texto é produto não só do autor, mas
também do editor, do diagramador, do programador visual, do
ilustrador, de todos aqueles que intervêm na produção, reprodução e
difusão de textos impressos em diferentes portadores (jornais, revistas,
livros...). Altera-se, assim, fundamentalmente, o estado ou condição
dos que escrevem e dos que lêem – o letramento na cultura do texto
impresso diferencia-se substancialmente do letramento na cultura do
texto manuscrito.
Atualmente, a cultura do texto eletrônico traz uma nova mudança
no conceito de letramento. Em certos aspectos essenciais, esta nova
cultura do texto eletrônico traz de volta características da cultura do
texto manuscrito: como o texto manuscrito, e ao contrário do texto
impresso, também o texto eletrônico não é estável, não é monumental e
é pouco controlado. Não é estável porque, tal como os copistas e os
leitores freqüentemente interferiam no texto, também os leitores de
hipertextos podem interferir neles, acrescentar, alterar, definir seus
próprios caminhos de leitura; não é monumental porque, como
conseqüência de sua não-estabilidade, o texto eletrônico é fugaz,
impermanente e mutável; é pouco controlado porque é grande a
liberdade de produção de textos na tela e é quase totalmente ausente o
controle da qualidade e conveniência do que é produzido e difundido.
Enquanto no texto impresso é grande a distância entre autor e
leitor – segunto Bolter (1991, p. 3), o autor do texto impresso é a
monumental figure (uma figura monumental) e o leitor é apenas a visitor
in the author’s cathedral (um visitante na catedral do autor) – no texto
eletrônico, a distância entre autor e leitor se reduz, porque o leitor se
torna, ele também, autor, tendo liberdade para construir, ativa e
independentemente, a estrutura e o sentido do texto. Na verdade, o
hipertexto é construído pelo leitor no ato mesmo da leitura: optando
entre várias alternativas propostas, é ele quem define o texto, sua estrutura
e seu sentido. Enquanto no texto impresso, cuja linearidade, por si só, já
impõe uma estrutura e uma seqüência, o autor procura controlar o leitor,
lançando mão de protocolos de leitura que definam os limites da
interpretação e impeçam a superinterpretação, como propõe Umberto Eco
(1995, 2001), no texto eletrônico, ao contrário, o autor será tanto mais
competente quanto mais alternativas de estruturação e seqüenciação do
texto possibilite, quanto mais opções de interpretação ofereça ao leitor.
Na verdade, o hipertexto não tem propriamente um autor; em primeiro
lugar, porque a intertextualidade, presente, no texto impresso, quase
exclusivamente por alusão, no hipertexto se materializa, na medida em

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que este se constrói pela articulação de textos diversos, de diferentes
autorias – no hipertexto, não há uma autoria, mas uma multi-autoria.
Assim, o texto eletrônico exige uma reconceituação radical de autoria, de
propriedade sobre a obra, de direitos autorais (questões polêmicas que
vêm sendo amplamente discutidas, mas ainda não resolvidas), o que
tem, sem dúvida, efeitos nas práticas de leitura e de escrita.
Por outro lado, na cultura da tela, altera-se radicalmente o controle
da publicação: enquanto, na cultura impressa, editores, conselhos
editoriais decidem o que vai ser impresso, determinam os critérios de
qualidade, portanto, instituem autorias e definem o que é oferecido a
leitores, o computador possibilita a publicação e distribuição na tela de
textos que escapam à avaliação e ao controle de qualidade: qualquer um
pode colocar na rede, e para o mundo inteiro, o que quiser; por exemplo,
um artigo científico pode ser posto na rede sem o controle dos conselhos
editoriais, dos referees, e ficar disponível para qualquer um ler e decidir
individualmente sobre sua qualidade ou não.
Pode-se concluir que não é só este novo espaço de escrita que é a
tela que gera um novo letramento, para isso também contribuem os
mecanismos de produção, reprodução e difusão da escrita e da leitura.
Segundo Eco (1996), os eventos de letramento que ocorrem com a
intermediação da Internet exigem novas práticas e novas habilidades de
leitura e de escrita: “We need a new form of critical competence, an as
yet unknown art of selection and decimation of information, in short, a
new wisdow” (Precisamos de uma nova forma de competência crítica,
uma ainda desconhecida arte de seleção e eliminação de informação, em
síntese, uma nova sabedoria).

Letramentos, o plural
Recorde-se o título do primeiro tópico deste texto, Conceitos de
letramento: o plural foi posto na palavra conceitos, não na palavra
letramento, e o objetivo, naquele momento, foi discutir diferentes
perspectivas na caracterização do fenômeno, ali considerado como
fenômeno singular, referindo-se, implicitamente, a práticas de leitura e
de escrita na cultura do papel. A reflexão que a seguir se fez sobre a
escrita na cultura da tela – na cibercultura, o confronto entre tecnologias
tipográficas e digitais de escrita e seus diferenciados efeitos sobre o estado
ou condição de quem as utiliza, sugere que se pluralize a palavra
letramento e se reconheça que diferentes tecnologias de escrita criam
diferentes letramentos. Na verdade, essa necessidade de pluralização da

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palavra letramento e, portanto, do fenômeno que ela designa já vem
sendo reconhecida internacionalmente,9 para designar diferentes efeitos
cognitivos, culturais e sociais em função ora dos contextos de interação
com a palavra escrita, ora em função de variadas e múltiplas formas de
interação com o mundo – não só a palavra escrita, mas também a
comunicação visual, auditiva, espacial.
Dados os limites e objetivos deste texto, esses muitos letramentos
não são aqui discutidos; propõe-se o uso do plural letramentos para
enfatizar a idéia de que diferentes tecnologias de escrita geram diferentes
estados ou condições naqueles que fazem uso dessas tecnologias, em suas
práticas de leitura e de escrita: diferentes espaços de escrita e diferentes
mecanismos de produção, reprodução e difusão da escrita resultam em
diferentes letramentos.
Voltando ao primeiro parágrafo deste texto, o que aqui se
pretendeu foi perseguir uma mais ampla compreensão de letramento,
buscando, para além do sentido com que essa palavra e fenômeno vêm
sendo usados, limitadamente com referência apenas a práticas de leitura
e de escrita no contexto de uma cultura do papel, um novo sentido,
conseqüência do surgimento, ao lado da cultura do papel, de uma
cibercultura. A conclusão é que letramento é fenômeno plural,
historicamente e contemporaneamente: diferentes letramentos ao longo
do tempo, diferentes letramentos no nosso tempo.

Recebido e aprovado em novembro de 2002.

Notas
1. Segundo Lévy (1999, p. 17), cibercultura designa “o conjunto de técnicas (materiais e
intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se de-
senvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço”. Segundo o mesmo autor,
ciberespaço é “o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos com-
putadores”.
2. Na verdade, a dificuldade de formular um conceito preciso de letramento parece ser
inerente ao próprio fenômeno; a esse propósito, ver Soares (1998a).
3. Obviamente, está subjacente a esse conceito de letramento o pressuposto de que a apren-
dizagem e o exercício de práticas de leitura e escrita têm efeitos sociais, cognitivos,
discursivos sobre indivíduos e grupos, o que, reconhece-se, é uma questão polêmica,
não discutida neste texto, por ultrapassar seus limites e objetivos. Apenas convém lem-
brar que a principal objeção a esse pressuposto se fundamenta na tese de que é a
escolarização, e não a aquisição da escrita e de suas práticas sociais, que tem efeitos
cognitivos, sociais, discursivos sobre indivíduos e grupos sociais (cf. Scribner & Cole,
1981); essa objeção, porém, não invalida o pressuposto: se a escolarização tem efeitos

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sociais, cognitivos, discursivos sobre os indivíduos e grupos sociais, conseqüentemente
as práticas de leitura e escrita também têm, ou mesmo sobretudo têm, já que o compo-
nente mais forte da escolarização são, sem dúvida, as práticas de leitura e de escrita.
4. O adjetivo tipográfico, neste texto, usado para qualificar leitura, escrita ou letramento,
não se refere apenas, restritamente, a textos impressos com tipos, mas a textos impressos
de modo geral, seja qual for o processo de composição – não só tipográfico, mas tam-
bém por fotocomposição, por editoração eletrônica etc. Atualmente, é com esse sentido
amplo que esse adjetivo tem sido usado.
5. Para Ong (1982, p. 6), oralidade primária é “the orality of cultures untouched by literacy”;
para Lévy (1993, p. 77): “A oralidade primária remete ao papel da palavra antes que uma
sociedade tenha adotado a escrita, a oralidade secundária está relacionada a um estatuto da
palavra que é complementar ao da escrita, tal como o conhecemos hoje. Na oralidade pri-
mária, a palavra tem como função básica a gestão da memória social, e não apenas a livre
expressão das pessoas ou a comunicação prática cotidiana. Hoje em dia, a palavra viva, as
palavras que ‘se perdem no vento’, destaca-se sobre o fundo de um imenso corpus de
textos: ‘os escritos que permanecem’. O mundo da oralidade primária, por outro lado,
situa-se antes de qualquer distinção escrito/falado.”
6. Vários autores têm discutido as características e implicações da interação on-line; já
em 1985, Meyrowitz propõe uma análise sociológica da questão: M EYROWITZ , J. No
sense of place: the impact of electronic media on social behavior. Oxford: Oxford
University Press, 1985; coletânea organizada por David Porter, apresenta textos sobre
comunidades virtuais: P ORTER , D. (Ed.). Internet culture. New York and London:
Routledge, 1996; Patrick Rebollar apresenta e analisa uma nova convivência intelec-
tual mundializada, na área da literatura, trazendo de volta os “salões literários”, como
indica o título de seu livro: REBOLLAR , P. Les salons littéraires sont dans l’internet. Pa-
ris: PUF , 2002; duas obras recentes analisam a interação on-line sob a perspectiva da
linguagem: C RYSTAL , D. Language and the Internet. Cambridge: Cambridge University
Press, 2001; D EJOND , A. La cyberl@ngue française. Tournal, Belgique: La Renaissance
du Livre, 2002.
7. É preciso lembrar, porém, autores que, já antes do texto na tela, lançaram mão, no texto
no papel, de estratégias do hipertexto; pode-se citar, como exemplos: O jogo da amareli-
nha, de Cortázar, O jardim de veredas que se bifurcam, de Borges, Se numa noite de inver-
no um viajante, de Calvino.
8. “O livro impresso [...] parece estar destinado a afastar-se para a margem de nossa cultu-
ra letrada. [...] a idéia e o ideal do livro será alterado: o impresso não mais definirá a
organização e a apresentação do conhecimento, como aconteceu nos últimos cinco sécu-
los. Essa mudança da imprensa para o computador não significa o fim do letramento.
O que será perdido não é propriamente o letramento, mas o letramento da imprensa,
porque a tecnologia eletrônica oferece-nos um novo tipo de livro e novas maneiras de
escrever e de ler. A mudança para o computador tornará a escrita mais flexível, mas
também alterará as definições de escrita de boa qualidade e de leitura cuidadosa que
foram geradas pela técnica da impressão. [...] O computador está reestruturando nossa
atual economia de escrita. Está mudando o status cultural da escrita e também o método
de produção de livros. Está mudando a relação do autor com o texto e de ambos, autor e
texto, com o leitor”.
9. Por exemplo, em língua inglesa, são numerosas obras recentes que trazem, em seu pró-
prio título, a palavra no plural, como: G EE, J.P. Social linguistics and literacies. London:
Taylor & Francis, 1996; B ARTON, D.; H AMILTON, M. Local literacies. London: Routledge,
1998; LANKSHEAR , C. Changing literacies. Buckingham, Philadelphia: Open University
Press, 1997; B ARTON, D.; H AMILTON, M.; IVANIC , R. (Eds.) Situated literacies. London:
Routledge, 2000; G REGORY, E.; W ILLIAMS , A. City literacies. London: Routledge, 2000;

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C OPE , B.; KALANTZIS , M. (Eds.). Multiliteracies. London: Routledge, 2000. Entre nós,
foi recentemente publicado livro que propõe o conceito de letramentos múltiplos: C A -
VALCANTE JR., F.S. Por uma escola do sujeito: o método (con)texto de letramentos múlti-
plos. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2001.

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SUGESTÃO DE ATIVIDADES

Clique aqui para digitar a descrição da(s) atividade(s).

SUGESTÕES DE LEITURA

DESCRIÇÃO REFERÊNCIA
CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e ortografia. Educar,
Alfabetização e ortografia
Curitiba, n. 20, p. 43-58. 2002.

SOARES, M. Pátio, p. 96-100, fev. 2004. Disponível em:


Texto: Alfabetização e letramento:
https://acervodigital.unesp.br. Acesso em: 21
caminhos e descaminhos
dez.. 2023.

TRAVAGLIA, Luiz Carlos. O que é um ensino de


Texto: O que é um ensino de Língua Língua Portuguesa centrado nos gêneros?. In: Anais
Portuguesa centrado nos gêneros? do SIELP. Volume 1, Número1. Uberlândia: EDUFU,
2011. P. 509‐519. ISSN 2237‐8758.
INDICAÇÕES DE FILMOGRAFIAS
(filmes, documentários, vídeo conferência)

DESCRIÇÃO REFERÊNCIA
Impactos e desafios da
https://www.youtube.com/watch?v=hsEMsw5B1tM
alfabetização na pandemia

Alfabetização na BNCC https://www.youtube.com/watch?v=9FEj8MBtRJ4&t=3302s


PARA SABER MAIS
(blogs, sites, e-mails etc.)

DESCRIÇÃO REFERÊNCIA
Site escola games (Jogos
http://www.escolagames.com.br/
educativos)
Site de Centro de Alfabetização,
http://www.ceale.fae.ufmg.br/
Leitura e Escrita (CEALE)

ANOTAÇÕES
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