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PORQUE INDICADORES DE NÍVEL D'ÁGUA NEM  1

SEMPRE PERMITEM MEDIR A LINHA FREÁTICA ?


BOLETIM SIGMA1
Edmundo Talamini Neto Adriana Ahrendt Talamini 2023 – 01
BVP Geotecnia e Hidrotecnia Universidade Federal do Paraná
Sigma1 Geologia e Consultoria 24/09/2023
ISBN 978-65-00-81844-4

Não é raro, ao participarmos de projetos de o problema, é importante destacar alguns conceitos


engenharia, ouvirmos a frase: "vamos instalar um hidrogeológicos (ou hidrogeotécnicos).
INA para monitorar o nível freático".
O que é o nível freático ?
Ok, sabemos que às vezes um indicador de nível
d'água (INA) fornece medidas próximas da linha O nível freático é a linha em que as pressões da água
freática, porém, no meio técnico parece haver uma nos poros do solo ou da rocha são equivalentes à
crença de que em qualquer situação este tipo de pressão atmosférica. Abaixo do nível freático o solo
instrumento é um indicador confiável do NA. encontra-se saturado e com poropressões positivas.

Possivelmente esta crença se difundiu devido a duas Imediatamente acima desta linha ocorre uma faixa,
armadilhas: também saturada, onde as poropressões são
negativas em função da ação capilar. Esta faixa
irregular é conhecida como franja capilar, e sua
1. o nome dado a estes instrumentos refere-se ao
espessura depende principalmente das dimensões e
termo "nível d'água", que é entendido como um
das interconexões dos poros no solo.
sinônimo de nível freático, tanto no português
como na língua inglesa (water table); PZs x INAs
2. as medidas obtidas em INAs tendem, em alguns
Os piezômetros (PZs), são instrumentos que
casos, a estar mais próximas do nível freático
do que as obtidas em piezômetros (PZs). permitem determinar a carga piezométrica em uma
porção específica do perfil de solo ou rocha. Para
Entretanto, a leitura destes instrumentos, também atingir este objetivo, eles são construídos com um
chamados de medidores de nível d'água (MNAs), trecho filtrante bastante localizado, em geral de um
nem sempre corresponde à freática. Para entender
a dois metros, isolado do restante do maciço por um
selo de bentonita.

Figura 1 - Conceito da linha freática

(A franja capilar foi representada apenas para fins didáticos. Não costuma ser relevante em solos contendo
poros de grandes dimensões. O tema capilaridade é tratado em detalhe nos livros de mecânica dos solos)

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tes níveis do perfil geológico. Sempre que estes
níveis apresentam cargas piezométricas totais
distintas, um fluxo de água é induzido no
instrumento. Nesta situação, a leitura será
representativa de um nível dinâmico, que não
equivale à linha freática natural.

Exemplificando o problema
Para ilustrar porque a leitura realizada em INAs
pode divergir do nível freático, apresenta-se na
Figura 3 um exemplo típico.
No caso em questão o INA-01 está totalmente
contido em uma única faixa de solo, homogêneo e
pouco permeável. Já o INA-02, intercepta tanto a
faixa superior, como um nível mais profundo,
permeável e hidraulicamente carregado (com
piezometria superior à linha freática).
Nas porções mais rasas do INA-02 os elementos
drenantes estão cercados por solo pouco
permeável, e acabam não cumprindo a função de
captar a piezometria do entorno. Além disso, a
Figura 2 - Comparação entre o esquema construtivo de um intensidade com que a faixa permeável transfere
piezômetro (PZ) e um indicador de nível d'água (INA) carga para o instrumento é bastante superior à
(Detalhes sobre procedimentos e materiais para construção dissipação desta carga nas porções mais rasas.
de instrumentos podem ser obtidos em Dunnicliff 1988 ou Esta “estanqueidade” das porções superiores do
Silveira 2006)
INA-02 acaba fazendo com que este se comporte de
forma semelhante a um PZ, fornecendo medidas
Já os INAs possuem filtro em praticamente toda a mais próximas à carga da camada permeável.
sua extensão, conectando hidraulicamente diferen-

Figura 3: Exemplo de situação na qual a leitura de um INA pode não representar corretamente a linha freática.

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Quando os INAs são confiáveis para a seja, após 15h de estabilização. Para que estas
determinação da linha freática? leituras sejam confiáveis o furo e o revestimento
devem ser protegidos da chuva e das águas
O uso indiscriminado de INAs com o intuito de superficiais. Além disso, caso se esteja utilizando
monitorar a linha freática só é aceitável em água na perfuração, a sondagem deve ser esgotada
situações com baixíssima complexidade geológica e ao fim de cada dia de trabalho.
hidrogeológica. Seria o caso, por exemplo, de uma
área inserida em bacia sedimentar recente e Empregando-se esta prática, é possível determinar
espessa, composta exclusivamente por materiais a posição aproximada do nível freático, que
com baixo contraste de permeabilidade e onde haja corresponde à primeira leitura de nível d'água
um franco predomínio de fluxos horizontais nas obtida no furo.
águas subterrâneas. Evidentemente, esta leitura representará apenas o
Porém, um contexto geológico tão "comportado" nível freático daquele momento, não sendo
geralmente é a exceção. A regra, nos projetos de suficiente para entender a variação de nível ao
engenharia são condições mais complexas. Neste longo do ano, o que só é possível com o uso de
caso, para se admitir que um INA está fornecendo instrumentos.
medidas próximas à linha freática, ele deve estar Os níveis d'água lidos no furo de sondagem nos dias
instalado em materiais minimamente homogêneos subsequentes de perfuração, ou seja após a primeira
em termo de permeabilidade, e ter sua aparição de água, tendem a ser menos confiáveis do
profundidade limitada à região de oscilação do nível que a primeira leitura, para fins de determinação da
freático, como é o caso do INA-01 representado na linha freática.
Figura 3 mais acima.
Portanto, não é recomendável considerar o nível
Outras formas de determinar ou estimar a linha d'água medido ao término do furo para estimativa
freática. de nível freático, mesmo após 24h de estabilização
(como é preconizado em algumas diretrizes de
Durante uma campanha de investigações é sondagem). A leitura feita desta forma será menos
considerada uma boa prática proceder diariamente confiável do que a primeira medida obtida no furo,
a leitura do nível d'água no interior do furo, pela e tem pouca utilidade prática.
manhã, antes de se prosseguir com a perfuração, ou

Figura 4 - O fluxo subterrâneo e a variação das medidas obtidas em piezômetros instalados em diferentes profundidades e
posições no terreno.

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A obtenção de níveis d'água progressivamente mais Os PZs, por sua vez, permitem medir a piezometria
profundos, na medida em que o furo avança, é um de trechos mais localizados, deixando menos
indício de que se está mais próximo de uma região dúvidas com relação à sua representatividade.
de recarga, onde predominam fluxos d'água Desta forma, embora também não sejam
descendentes. Níveis progressivamente mais rasos, instrumentos adequados para determinar o nível
são um indicativo de proximidade da região de freático, têm maior utilidade na calibração de
descarga, onde ocorrem fluxos ascendentes. Esta modelos de percolação se comparados aos INAs.
situação é análoga à de instrumentos multinível,
As considerações aqui apresentadas não levam em
conforme ilustrado na Figura 4.
conta a eventual presença de lençóis suspensos.
O emprego de métodos geofísicos, como os Neste caso deve-se fazer uma análise ainda mais
caminhamentos elétricos, associados às campanhas criteriosa das investigações e das medidas de nível
de sondagem ou instrumentação, permite, em d'água realizadas em furos de sondagens e
alguns casos, refinar a linha freática. Mas, assim instrumentos.
como as medidas de nível d’água realizadas em
Os conceitos trazidos neste boletim são válidos
sondagens, a geofísica fornecerá apenas um retrato
tanto para maciços naturais de solo e rocha, como
momentâneo das zonas saturadas.
no contexto de maciços artificiais, como barragens,
Interessante destacar que há situações em que os pilhas, e aterros de outra natureza.
PZs fornecem medidas do nível freático. Este é o
caso quando o nível d'água do instrumento está Referências e bibliografia sugerida:
contido no trecho drenante, ou seja, próximo ao
fundo do PZ. Dunnycliff, J. 1988. Geotechnical instrumentation
for monitoring field performance. John Wiley &
Sons.
Considerações finais
Fetter, C.W. 2000. Applied Hydrogeology. Prentice
Conforme demonstrado nos tópicos anteriores, a
Hall.
determinação do nível freático é uma tarefa que
demanda cuidado e análise crítica durante o Kehew, A. E. 1988. General Geology for Engineers.
processo de investigação e instrumentação Prentice Hall.
geológico-geotécnica.
Lambe, T. W. & Whitman, R. V. 1969. Soil Mechanics.
A instalação indiscriminada de INAs e a realização John Wiley & Sons.
de medidas de nível d'água em sondagens ao
Pinto, C. S. 2006. Curso básico de mecânica dos
término do furo não fornecem as melhores
solos. Oficina de Textos.
informações para o entendimento da linha freática.
Conforme destacado por Dunnucliff (1988) a Silveira, J. F. A. 2006. Instrumentação e segurança de
utilidade dos INAs é limitada e seu emprego precisa barragens de terra e enrocamento. Oficina de
ser muito bem justificado. Textos.

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