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ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO

Alfabetização e letramento são dois pilares fundamentais no processo de aquisição


da linguagem escrita, desempenhando papeis importantes na formação de indivíduos capazes
de compreender, utilizar, se expressar e comunicar de forma eficaz por meio da escrita. Porém,
não confunda esses dois conceitos, mesmo interligados são coisas distintas, mas ambas
indispensáveis no desenvolvimento educacional e no desempenho dos indivíduos na sociedade
e para a aquisição de conhecimento ao longo da vida.

Quanto a alfabetização se concentra no domínio das habilidades básicas de leitura e


escrita, o letramento refere-se à capacidade de aplicar essas habilidades de forma significativa
em diferentes contextos.

Com isso, vimos que a alfabetização se refere ao aprendizado das letras do alfabeto,
seus sons, a habilidade de combinar esses sons, formar silabas e consequentemente palavras e
frases. Trazendo à habilidade de codificar e decodificar palavras e texto. A “Alfabetização é o
processo de aquisição da “tecnologia da escrita”, isto é do conjunto de técnicas, procedimentos
habilidades necessárias para a prática de leitura e da escrita: as habilidades de codificação de
fonemas em grafemas e de decodificação de grafemas em fonemas, isto é, o domínio do
sistema de escrita” (MORAIS; ALBUQUERQUE, 2007, p. 15). Em suma trata-se da aquisição das
habilidades necessárias para ler e escrever, permitindo que as pessoas reconheçam letras,
formem sílabas, decifrem palavras e, assim, acessem o mundo da linguagem e escrita. Como
afirma Moreira (1993, apud SCHWARTZ, 2012, p. 24):

o conceito de alfabetização se refere à habilidade de ler


e escrever. Ler é ser capaz de se descentrar de suas ideias e
pensamentos para acompanhar, compreender, analisar,
julgar o pensamento do outro, buscar o significado por trás
as palavras, ler também as entrelinhas

A alfabetização é considerada o ponto de partida para o desenvolvimento


educacional e de comunicação do indivíduo, é a chave de todas as aprendizagens. É a base
sobre a qual todas as outras habilidades se constroem. Essa etapa está vinculada com a
primeira infância, que é onde todo esse conhecimento da leitura e escrita e adquira,
entretanto, esse processo é contínuo, nunca deve ser interrompido, sendo adaptado ao longo
da vida.

O letramento pode-se dizer que é um conceito mais amplo da alfabetização, vai além
de codificar e decodificar palavras, o letramento envolve a capacidade de compreender,
interpretar, analisar e produzir textos, reconhecendo o uso da leitura e escrita na sociedade.
Sabendo empregar em seu cotidiano. O conceito mais amplo do que é letramento segundo
Soares (SOARES, 2004, p. 20):
Letramento é palavra e conceito recentes, introduzidos na
linguagem da educação e das ciências linguísticas há pouco mais de
duas décadas. Seu surgimento pode ser interpretado como decorrência
da necessidade de configurar e nomear comportamentos e práticas
sociais na área da leitura e da escrita que ultrapassem o domínio do
sistema alfabético e ortográfico, nível de aprendizagem da língua
escrita perseguido, tradicionalmente, pelo processo de alfabetização.
Letramento, não se limitando apenas a leitura e escrita da alfabetização. Traz a
compreensão de diferentes tipos de textos, sejam eles de qualquer forma, impresso, digital,
visual, tendo em vista nossa sociedade atual, com enorme gama de variedades de textos. O
letramento é utilizado em situações práticas e variadas, os indivíduos letrados desenvolvem a
capacidade de ler e escrever textos de maneira crítica, questionando o que estão lendo. Por
exemplo, avaliando as informações daquele texto, se são realmente verídicas.

É importante promover o letramento em todas as idades, garantindo que todas as


pessoas tenham está habilidade em todos os âmbitos, educacionais e socais. Como disse
(FREIRE, 1987, P.8) “aprender a ler, a escrever, alfabetizar-se é, antes de mais nada, aprender a
ler o mundo, compreender o seu contexto, não numa manipulação mecânica de palavras, mas
numa relação dinâmica que vincula linguagem e realidade.” ou seja, além de simplesmente
utilizar as letras e sons, e utilizar isto em seu cotidiano de forma eficaz, lendo e entendo o
mundo e o meio onde convive.

Com tudo, vimos que alfabetização e letramento são dois pilares principais para o
desenvolvimento educacional e social dos indivíduos, que mesmo sendo coisas distintas, ainda
assim são interligadas. Onde devem ser trabalhadas em conjunto, como diz Soares (2001, p.
47):
Assim, teríamos alfabetizar e letrar como duas ações distintas,
mas não inseparáveis, ao contrário: o ideal seria alfabetizar letrando,
ou seja: ensinar a ler e a escrever no contexto das práticas sociais da
leitura e da escrita, de modo que o indivíduo se tornasse, ao mesmo
tempo, alfabetizado e letrado.

Dessa forma, teríamos indivíduos completos, alfabetizados e letrados, capazes de não


só lerem, mas interpretarem e transcreverem suas ideias para o papel, formando um individuo
integral, tendo a alfabetização e o letramento andando juntos.

O que podemos identificar hoje no Brasil, é que existe um índice alto de pessoas
analfabetas e analfabetos funcionais, devido ao déficit da área letrada em seu processo
educacional. O individuo analfabeto absoluto é incapaz de ler, escrever e compreender frases
ou textos, ou seja, não possui nenhuma habilidade básica coma leitura e a escrita. Segundo o
IBGE (2022) cerca de 5,6% de pessoas no Brasil são analfabetas, cerca de 7,4% eram negras,
mas que o dobro de pessoas consideradas brancas (3,4%). E na faixa etária com mais de 60
anos esse número chega a triplicar, pois essa população idosa não teve ainda o acesso as
escolas públicas, e vem com o direito que os foi negado a anos atrás.

O analfabetismo funcional é aquele que não consegue realizar atividades simples,


como a leitura de palavras e frases, interpretar textos considerados simples, como o
calendário, tabelas, cartares, interpretar textos simples, compreender regras de jogo, ao até
mesmo dar sua própria opinião ou identificar moral. Apresenta grande dificuldade em escrever
textos do cotidiano, como, escrever uma mensagem.

Ou seja, mesmo sendo alfabetizada, sabendo ler e escrever, apresenta grande


dificuldade em interpretar coisas simples, como uma mensagem, um enunciado, um texto ou
um bilhete, por exemplo. Não tendo a habilidade de letramento para seu uso em vida social. O
analfabetismo funcional é um enorme problema no nosso país, visto que é uma habilidade
fundamental para a plena participação do individuo na sociedade, em seu poder de
autonomia.
A EJA- Ensino de Jovens e Adultos vem para fechar a lacuna deixada pela escola, para
as pessoas que não tiveram a oportunidade de adquirir essas habilidades na faixa etária
correta. Sabendo disso, o processo de alfabetização e letramento desses indivíduos deve ser
adaptado as suas necessidades e a sua realidade, como suas experiencia de vida, seus
interesses pessoais e objetivos.

0.1- O uso do cordel no processo de alfabetização e letramento

O cordel é um gênero brasileiro e bastante popular, especialmente no Nordeste, sendo


vendido em feiras e mercados pendurados em um cordão. Umas das características fortes do
cordel são as suas poesias de suma simples e versos rimados. Geralmente impressos em folhetos
de papel, sendo ilustrados com xilogravuras, arte geralmente feita em madeira e transferidas
para o “papel de cordel” como também é chamado. Essas ilustrações são pensadas ao tema do
cordel, ajudando a contar e tematizar a história. Em relação aos temas, o cordel possui uma
gama variada, como histórias do sertão, lendas, temas cotidianos, política, religião, cultura
regional, questões sociais, dentre tantos outros. Esses cordéis são transmitidos de forma oral por
meio de “cantorias”, quem os recita é chamado de cordelista. Deixando mais enfatizado, “A
literatura de cordel é uma poesia folclórica e popular com raízes no Nordeste do Brasil. Consiste,
basicamente, em poemas narrativos (...) impressos em folhetins ou panfletos, que falam de
amores, sofrimentos ou aventuras.” (CURRAN, 1998, p.17)

Em resumo vimos o quanto o cordel e rico, e pode ser uma ferramenta eficaz no
processo de alfabetização e letramento, especialmente na Educação de Jovens e Adultos (EJA).
O cordel nos traz uma linguagem simples e acessível, sendo menos complexa em comparação a
outros tipos de leitura. Com essa linguagem mais simples torna-se mais fácil a compreensão,
tornando-a mais adequada para trabalhar com adultos no processo de alfabetização.

No cordel trabalhos a oralidade, como afirma Rodrigues, “os folhetos de cordel são
fortemente marcados pela presença da oralidade.” (RODRIGUES, 2006, p. 64). A oralidade tem
um eixo muito importante no cordel, pois auxilia de forma eficiente no processo de
alfabetização e letramento dos estudantes da EJA – Educação de jovens e adultos, um grupo
mais diversificado. Trabalhamos a oralidade com os estudantes, utilizando de um trecho do
cordel “Auto da Compadecida”, idealizado pelo escritor Ariano Suassuna, que tem uma rica
contribuição para a literatura brasileira. O trecho foi que foi utilizado em sala de aula foi:

“O nome dele era João


Grilo era só um apelido
Tinha um grande coração
Chicó era seu melhor amigo
Viviam sempre em perigo
Nessa história de armação

Começou com uma cachorrinha


Tratada com toda atenção
Um dia desses, pobrezinha
Morreu estirada no chão
E para receber extrema-unção
João Grilo foi na igrejinha

A dona queria lhe enterrar


E em latim tinha que ser
O padre não quis aceitar
Disse que não iria benzer
O bispo iria se aborrecer
Mas João acabou por ganhar.”

O texto foi lido oralmente em sala de aula, onde os estudantes relataram que se
identificaram com o trecho do cordel. Também puderam observar como um cordel é
composto, mostrando para os estudantes às estrofes, versos, e rimas que compõe um poema.
Para os estudantes da EJA, que são um grupo meritoriamente diversificado, temos que utilizar
falas de fácil compreensão, como por exemplo, ao invés de ditarmos para os alunos que
existem poemas compostos por quadras, sextilhas, setilha, décima etc. Utilizamos o termo
“estrofe” para representar, ao invés de dizer que o cordel “Auto da compadecida” é uma
sextilha, utilizamos de maneira mais simples, como, este cordel contém três parágrafos com
seis versos cada um. Tornando mais acessível e atraente para os indivíduos.

A oralidade também tem papel importante na construção de habilidade de expressão


e compreensão verbal, “Mesmo que se trate de uma literatura escrita, a transmissão do cordel
é essencialmente oral: analfabetos compram regularmente folhetos e pedem a um vizinho ou a
um amigo que os leiam” (CAVIGNAC, 2006, P. 71”) , ou seja, o cordel ser escrito em papel, não
impede que os estudantes que ainda apresentam dificuldade com a leitura não possam ser
incluídos no meio, pois esses cordéis podem ser contados para eles, e contados por eles de
forma contando suas histórias oralmente em formato de cordel ou poemas. Trazendo a
inclusão social, o estímulo a criatividade e a produção textual.

Uma atividade elaborada em sala de aula de produção textual pelos próprios


estudantes, foi contar suas vivencias pessoais e acontecimentos do seu cotidiano em forma de
cordel ou poema. Como exemplo podemos usar a dona Iraci, que contou que ama está na
presença de seus netos:

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fonte: autoral
Está linguagem simples, com temas do cotidiano torna o aprendizado mais
envolvente para os alunos, motivando-os e tornando o conteúdo mais acessível, de forma que
eles possam se identificar naqueles contextos apresentados. Essa linguagem de fácil
compreensão e de seu cotidiano auxilia de forma eficiente, como afirma Cosson, “É a ligação
com o cotidiano que se constitui no ponto fundamental da prática(...) Daí a importância,
também, de selecionar obras atuais, ligadas ao contexto do aluno, que facilitem a
compreensão e a associação com o seu contexto social(...)” (COSSON, 2014, p 34). Os
estudantes ganham mais confiança e autoestima à medida que vão conseguindo ler e
compreender os textos de forma mais autônoma, pois os cordéis apresentam uma narrativa
mais descontraída, causando mais interesse na leitura.

Imerso no cordel, nós também podemos encontrar as rimas, que são características
fortes e essenciais do cordel, tendo diversas funções importantes. Rimas são a repetição dos
sons finais das palavras, ajudando na habilidade de reconhecer e manipular os sons, pois no
processo de alfabetização e letramento é de grande importância que os estudantes intendam
como os sons se relacionam, ou seja, auxilia na consciência fonológica. Enfatizamos as rimas na
sala de aula, ainda trabalhando no contexto do cordel, onde os alunos deveriam escrever seus
cordéis rimados de acordo com suas experiencias pessoais.

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Fonte: autoral

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Fonte: autoral
Observamos na imagem X que este estudante elaborou seu poema, utilizando a
silaba “nha” para rimar, como “cozinha” e “galinha” trazendo elementos de seu cotidiano
pessoal. Já na imagem X podemos observar que a aluna utilizou da silaba “ar” para rimar, como
“contar” e “recomeçar”. Trabalhar com rimas é excelente para os estudantes em processo de
alfabetização e letramento pois além de ajudar na memorização, ela ajuda a lembrar de
palavras com mais facilidade, conseguem identificar novas palavras em novos contextos,
trazendo um enriquecimento do vocabulário.

A EJA – Educação de Jovens e Adultos é uma turma muito diversificada, podemos


observar que os estudantes estavam em diferentes fases alfabéticas. Para a elaboração das
produções textuais, utilizamos alguns métodos de alfabetização, para auxiliarmos nesse
processo. Foi utilizado o método analítico, que consiste na análise do texto como um todo, e
assim indo para “partes menores”, como as sílabas e posteriormente as letras. Alguns alunos
ditaram seus cordéis, e nós os ajudamos a colocar no papel. Juntamente com o método fônico,
onde eles reconheceriam os sons das letras, e com está junção de letras, nos formaríamos
silabas e posteriormente palavras. E o método Silábico, aonde vimos que ao combinar as
silabas, nós teríamos novas palavras. Os métodos foram sendo intercalados dependendo de
cada individuo em sala de aula. Mesmo esses métodos sendo distintos um do outro, combiná-
las pode ser sim uma boa ideia.
SCHWARTZ, S. Alfabetização de Jovens e Adultos: teoria e prática. 2 ed. Petrópolis RJ:
Vozes, 2012.

CAVIGNAC, J. A literatura de cordel no Nordeste do Brasil: da história escrita ao relato


oral. Natal: EDUFRN, 2006.

RODRIGUES, L. P. O apocalipse na literatura de cordel: uma abordagem semiótica.


João Pessoa: Programa de Pós-Graduação em Letras/Universidade Federal da Paraíba, 2006.

COSSON, R. Círculos de leitura e letramento literário. São Paulo: Contexto, 2014.

CURRAN, M. História do Brasil em cordel. São Paulo: Edusp, 1998

GOMES, I; FERREIRA, I. Em 2022, analfabetismo cai, mas continua mais alto entre
idosos, pretos e pardos e no Nordeste. Agencia de notícias IBGM, 2023. Disponível em:
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-
noticias/noticias/37089-em-2022-analfabetismo-cai-mas-continua-mais-alto-entre-idosos-
pretos-e-pardos-e-no-nordeste. Acesso em: 15/10/2023

SOARES, M. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. 26ª Reunião Anual da


Anped, 2004
LEAL, T. F.; ALBUQUERQUE, E. B. C; MORAIS, A. G. Alfabetizar letrando na EJA. Belo Horizonte:
Autêntica Editora, 2010.

FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 20. ed. São
Paulo: Cortez, 1987.

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