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RESUMO
Este texto foi apresentado pela primeira vez sob a forma de con-
ferência, em Lisboa, no curso de Mestrado em Educação, na Uni-
versidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias e na Livraria
Ler Devagar, em fevereiro de 2005. Agora, na comemoração dos
quarenta anos da elaboração da Pedagogia do Oprimido, justifica-
se publicá-lo, mesmo sem alterações, para se compreender por que
essa verdadeira obra-prima da educação mundial não tratou apenas
de uma pedagogia (a dos oprimidos), mas de várias pedagogias
que nela estão potencializadas. O texto apresentado explica, por si
mesmo, essa ilação.
Palavras-chave: Paulo Freire, Pedagogia do oprimido, Pedagogia da
esperança, Pedagogia da autonomia.
A bstract
This text was firstly presented as a conference in the Graduate Pro-
gram in Education, from the Lusophone University of Humanities
and Technologies (Lisbon), and in the bookstore Ler Devagar, in
February 2005. Now, in the celebration of the forty years of elabo-
I ntrodução
Nos últimos anos de sua vida, sempre que podia, Paulo Freire re-
comendava aos amigos mais próximos e, particularmente, aos membros
do Instituto que leva seu nome, a criação, a escritura e a publicação de
“pedagogias”. Ele, pessoalmente, cumpriu a orientação, escrevendo a Peda-
gogia do oprimido (1981), que, com a Pedagogia da esperança (1992b) e
a Pedagogia da autonomia (1997), constitui o cerne de sua obra.
Por que essa eleição e, num certo sentido, essa fixação? Estaria ele
retomando um termo de sua obra-prima – Pedagogia do oprimido – porque
queria dar continuidade a um trabalho reflexivo mais geral, porém reaf-
irmando a marca pontualmente educacional? Estaria ele indicando que o
legado que deixava e que deveria ser continuado, não repetido, limitava-se
ao setor específico da educação ou da reflexão sistemática sobre ela? Por
que não recomendar a elaboração, e não elaborar ele próprio, “antropolo-
gias”, “psicologias”, “filosofias”, enfim, outras ciências e/ou artes de mais
prestígio e mais generalistas, já que, no final de sua existência, navegava
no oceano da existência humana, e não apenas nos meandros da educação
e da pedagogia? Ou, então, por que não escreveu Educação do oprimido,
Educação da autonomia e Educação da esperança, se educação é mais
amplo que pedagogia?
Para tentar responder a essas questões, é necessário reconstituir o(s)
significado(s) dos termos “educação” e “pedagogia”. Ainda que de modo
muito sumário, é importante resgatar a etimologia, os sentidos atribuídos
aos vocábulos originalmente, bem como sua trajetória semântica, para
iluminar melhor sua acepção contemporânea.
1. E ducação
A palavra ”educação” induz a muitos conceitos, sendo, portanto,
carregada de ambigüidades, desde suas origens, além de, entre nós, estar
marcada por uma conotação conservadora. Ela não é tão fácil de ser aceita
sem discussão, porque admite uma polissêmica formulação, circulação e
recepção, dando oportunidade a equívocos e mal-entendidos. A ambigüi-
dade já se inicia na sua fonte etimológica, pois ela tanto pode ter derivado
do verbo latino “educare” como pode ter se originado de outro verbo do
mesmo idioma, “educĕre” [2]
Ora, “educare”, refere-se à ação do educador sobre o educando: criar,
conduzir, orientar, ensinar, treinar, formar uma criança; desenvolvê-la e
cultivá-la, mental e moralmente; discipliná-la e prepará-la, por meio de
instrução sistemática, visando sua integração em um projeto social. Nesse
sentido, o termo “educar” apresenta uma conotação exógena, na medida
em que a iniciativa do processo cabe ao educador, que fornece ao edu-
2. P edagogia
O termo “pedagogia” também não tem trajetória muito simples. Ele é
um vocábulo, da mesma forma, carregado de ambigüidades, e por isso não
é unívoco na acepção dos diversos educadores e teóricos da educação.
[4] Não vamos nos alongar aqui sobre as aproximações e distanciamentos, convergências e divergên-
cias entre os conceitos de “cultura” e de “civilização”. Há uma extensa literatura sobre o tema,
especialmente a produzida por historiadores. Também, dados os limites deste trabalho, não tem
sentido discutir, neste momento, o etnocentrismo contido no significado de “civilização”, que tem
sido contraposto, como estágio “mais desenvolvido e avançado”, a outras formações sociais menos
complexas, qualificadas como “bárbaras” e “selvagens”. Mesmo que nas suas origens o termo car-
regasse um viés ideológico etnocêntrico, ele serve, ao revés, taticamente, para destacar as realizações
das formações sociais excluídas por aquele etnocentrismo original.
[5] Este texto é parte do livro Pedagogia da utopia, que o autor está escrevendo.
[6] Excetuando Pedagogia da Autonomia (1997), em cuja organização o pessoal do Instituto Paulo
Freire teve uma atuação importante, e Pedagogia da Indignação (2000), organizado, postumamente,
por Ana Maria de Araújo Freire, nos títulos das demais citadas, o próprio Paulo fez questão de
apor o termo. Segundo as informações que Moacir Gadotti me passou, pessoalmente, em 14 de
abril de 2002, Pedagogia da Autonomia resultou de um trabalho que Paulo denominara “Saberes
necessários à prática educativo-crítica”. O título definitivo do livro, o subtítulo, sua divisão em
três capítulos e a subdivisão destes em nove tópicos cada um foi feita pela equipe do Instituto
Paulo Freire, especialmente por Ângela Antunes. A estrutura para a versão definitiva da obra foi,
evidentemente, aprovada pelo autor. Já Pedagogia da Indignação: Cartas pedagógicas e outros
escritos foi o título dado ao conjunto de três “cartas” escritas por Paulo (a última, sobre o atentado
e a morte do índio Galdino, incompleta) pela organizadora da edição, Ana Maria de Araújo Freire,
que juntou a elas outros escritos.
[7] As datas aqui indicam a primeira edição. Quando referentes às citações, correspondem às datas
das respectivas edições de que foram extraídas.
[8] "E aqui queremos ratificar, definitivamente, nossa convicção a respeito do uso do adjetivo "freiriano"
e não "freireano". Como sabemos, os radicais e os afixos são base de significação e, por isso, não
podem se alterar. Ora, quando o sufixo "iano" é aposto a nomes próprios que terminam com a vogal
"e", por uma questão de eufonia, na Língua Portuguesa, uma delas deve desaparecer. Assim ocor-
reu com "contiano", "lockiano" etc., como se pode constatar nos melhores dicionários do idioma
mencionado. Em coerência com este pensamento em todos os artigos deste dossiê será utilizada a
expressão "freiriano" e não "frireano".
Foi nessa obra que Paulo Freire apresentou suas últimas reflexões
sobre a prática docente e, por isso, é nela que deveria se concentrar quem
quisesse examinar, sob a perspectiva freiriana, a pedagogia ou as peda-
gogias necessária(s) a este limiar de século XXI e de terceiro milênio.
Contudo, o que pretendemos verificar, nesta reflexão, é como Paulo Freire,
aparentemente refletindo de modo restrito sobre uma atividade humana
específica – sobre a educação e, mais restritamente ainda, sobre a prática
docente –, ao contrário, estava sendo cada vez mais amplo, cada vez mais
totalizante e, por isso, sob a aparência de uma Pedagogia (em sentido
restrito), desenvolvia, na verdade, uma ontologia e uma epistemologia.
E por que devemos nos encaminhar nesta direção, quando o objeto de
nossa reflexão são as “Pedagogias de Paulo Freire”? É que, retomando a
conclusão da discussão inicial deste trabalho sobre o possível significado
“paidético” conferido por Paulo Freire ao termo “pedagogia” – resultando
daí sua insistência na elaboração de pedagogias –, só tem sentido falar em
pedagogia do Paulo Freire do último período, tomando-a como eixo do
processo civilizatório, portanto, tomando-a como ontologia, como epis-
temologia e como política. Mas esses já são temas para outros trabalhos.
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