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ROMEIROS DA ILHA DE SÃO MIGUEL

“As Promessas” de Domingos Rebelo (1891-1975). 1960. Óleo sobre tela.

Este movimento que acontece por altura da Quaresma por toda a ilha de São Miguel,
tem as suas origens segundo alguns estudiosos do tema, no longínquo séc. XVI, e a sua
origem associada às manifestações vulcânicas que assolaram a ilha de São Miguel,
designadamente, em 1522 e em 1563 e que arrasaram Vila Franca do Campo, na altura
a capital da ilha.
Naquela altura, qualquer tipo de cataclismo natural era visto como uma punição divina
para os pecados humanos. Este sentimento era apreendido e fomentado pela igreja
como forma de apaziguar essa tal fúria divina. A partir desta altura começaram a
realizar-se romarias a templos marianos espalhados por toda a região, com o objectivo
de pedir protecção da Virgem Maria. Esta tradição reveste-se de um profundo
sentimento penitencial e tem-se mantido praticamente inalterada ao longo dos
tempos, até aos nossos dias.
As romarias quaresmais, efectuam-se por grupos organizados por paróquia ou
freguesia, embora possam acolher romeiros de fora. Constituíam-se como grupos
informais e, nos dias de hoje existe uma preparação para a romaria que se estende ao
longo do ano e apadrinhada pela Igreja. O rancho de romeiros demora uma semana de
caminhada por caminhos e veredas de modo a visitas todos os templos marianos da
ilha. A saída de cada rancho ocorre antes do amanhecer, e a entrada nas localidades
para as pernoitas, acontece logo a seguir ao pôr-do-sol (Trindades). A romaria faz o seu
percurso saindo da freguesia de origem e seguindo um itinerário segundo os ponteiros
do relógio. No derradeiro dia da romaria, os familiares dos romeiros aguardam o
rancho à entrada da freguesia, tomam a refeição com ele, acompanham-no depois na
parte final do percurso e assistem com ele à eucaristia dominical que põe fim à
Romaria.
O romeiro é por princípio um leigo, mas é apoiado durante toda a romaria pelo clero.
A participação na romaria é tida como uma manifestação de fé, com uma profunda
consagração à oração durante toda a romaria, com a tradicional “Avé Maria dos
Romeiros” que é entoada durante todo o percurso. Junto dos templos, existe uma
oração específica de graças e de oferenda à Virgem das suas orações e sacrifícios. Os
romeiros seguem lado a lado, em duas filas com os bordões transportados em posição
quase horizontal do lado de dentro da ala, enquanto os terços são transportados na
outra mão e seguem do lado de fora. Esta formação só é abandonada nas orações
junto ao templo, nas pausas para descanso, ou refeições.
Avé Maria dos Romeiros
O Romeiro apresenta-se sempre com uma indumentária própria: um Xaile, um Bordão,
um Lenço e um Saco ou Sovadeira às costas e um terço na mão. Esta indumentária está
associada em primeiro lugar a factores de ordem prática, mas existe também toda
uma simbologia associada a estes elementos identitários:
Xaile – De protecção contra a intempérie, mas também é associado ao manto que
Cristo ostentava na varanda de Pilatos;
Bordão – constitui uma ajuda para apoiar e facilitar o caminhar do peregrino pelas
veredas e atalhos acidentados da ilha. Também está associado ao ceptro que os
soldados romanos lhe colocaram nas mãos para O ridicularizar junto de Pilatos;
Lenço -Destina-se a protecção do romeiro, mas pode igualmente ser relacionado á
coroa de espinhos.
Saco ou Sovadeira – Elemento para transportado às costas destinado à guarda dos
alimentos e outros pertences do romeiro. Este elemento relaciona o sacrifício do
romeiro, ao suplício do carregar da cruz a caminho do Calvário.
Terço – Tem como finalidade acompanhar a oração e representa também a ligação
entre os irmãos.
As romarias organizam-se segundo uma estrutura específica, seguindo uma hierarquia
e constituída por:
Mestre - que detém a autoridade do rancho e a quem os romeiros devem obediência.
É também o responsável pelo itinerário e logística do rancho, conserva a paz, a
harmonia, o respeito e disciplina, o estado anímico e de saúde dos irmãos.
Contramestre – Tem por função ajudar e coadjuvar o Mestre e na sua ausência,
substituí-lo
Procurador das Almas- tem por missão receber a anotar os pedidos de oração pelo
povo ao longo do percurso ou nas orações nos templos. Normalmente segue na
traseira do rancho para poder receber as intenções dos crentes. O crente deverá rezar
o mesmo número de orações solicitada.
Lembrador (alembrador) das Almas - tem a seu cargo lembrar as orações pedidas.
anunciar e pedir orações especiais dentro da Romaria, deverá ainda fazê-lo à
passagem desta pelos cemitérios. A sua posição é no meio do rancho.
Ajudantes, despenseiros e guias – São romeiros com atribuições informais e que têm
por função ajudar o Mestre na organização da romaria. Os Guias são colocados na
frente do rancho.
Romeiros de São Miguel - Aguarela por Ana Margarida Carvalho

A participação na romaria está frequentemente relacionada com uma intenção de uma


cura, uma graça recebida; o regresso incólume da Guerra Colonial foi, durante algum
tempo, uma das principais “promessas” dos romeiros. Houve tempos em que um
romeiro cumpria as “promessas” de outrem. Ou seja, agradeciam de forma física por
uma graça recebida pela família, e que geralmente era prometida pela mãe ou pai do
romeiro, eventualmente por um familiar emigrado. É frequente um romeiro participar
anualmente na romaria da sua freguesia, como frequentemente as crianças da família
seguirem e acompanharem os pais.
O espírito das romarias parece ser nos dias de hoje uma organização que conta com o
apoio, a ajuda e orientação da Igreja. Fazem-se reuniões de romeiros com uma
frequência mental, com vista à preparação dos irmãos, para a próxima romaria.
Regista-se uma expansão deste movimento. Recentemente formaram-se as primeiras
Romarias Quaresmais femininas. Estas “irmãs” realizam apenas um dia de percurso e ,
ao contrário, das masculinas não pernoitam.

As Romarias Quaresmais de São Miguel, representam uma das mais fervorosas


manifestações de fé de uma região onde as tradições de caracter religiosos assumem
um papel determinante. O que é mais curioso é que esta tradição tenha perdurado no
tempo, por mais de cinco séculos, com uma estrutura quase inalterada. Se levamos em
consideração todas as transformações que o mundo sofreu ao longo deste tempo, e
um aparente divórcio da sociedade para com os temas da fé e da religiosidade, mais
estranho este fenómeno representa pela sua perenidade. Uma das explicações mais
aceites para esta realidade é que a Romaria apaga os critérios estatutários,
diferenciadores, usualmente associados à identidade social. Os ranchos apresentam de
facto, no respeitante à sua composição, uma certa heterogeneidade socioprofissional e
etária. É justamente essa heterogeneidade que é anulada no decurso do ritual. A forma
de tratamento mútuo por “irmão”, estabelece uma equivalência entre todos os
romeiros, como se isto pudesse representar uma necessidade intrínseca, num mundo
segmentado por valores; sociais, patrimoniais, ou de grupo.

CRÉDITOS
Blog Origens
E-Cultura – Romeiros de São Miguel
Rancho de Romeiros do Santuário de Nossa Senhora da Conceição
Creusa Maria Silva Raposo -Sociedade Ibero-Americana de Antropologia Aplicada-SIAA
Património Cultural Imaterial dos Açores
AS ROMARIAS QUARESMAIS DE SÃO MIGUEL (AÇORES) João Leal

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