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E o que fazer com os pensamentos?

Por Igor da Rosa Finger - 3 Maio. 2016

Por mais estranho que possa parecer, não há nada de errado com os seus pensamentos.
Mesmo aqueles com conteúdo associado a sofrimento e que gostaríamos de não ter,
possuem uma função – assim como qualquer comportamento manifesto também a tem.
Porém, como os vivemos intensamente, aqueles pensamentos que são desagradáveis ou
aversivos tendem a ser vistos por nós mesmos como inimigos. E aí parece haver apenas
duas opções: entregar-se ao que eles dizem e concordar fielmente (Se penso “eu sou um
fracasso” então eu sou um fracasso mesmo) ou fazer de tudo para não tê-los (tentar
modifica-los, desviá-los ou não pensar neles).

A primeira, inevitavelmente, levará a mais sofrimento. Pensamentos, assim como variantes


memória e imagens, estão associados a linguagem, de acordo com a Teoria das Molduras
Relacionais. E a linguagem parecer ter alguns contextos, tais como o de dar razões
(tentativa de encontrar razões lógicas para nossos problemas), de avalição (tendência
automática de categorizar acontecimentos em termos de bom ou mal), de controle
(tendência de se afastar de eventos privados aversivos) e de literalidade (tendência de
pensamentos tornarem-se fonte de regulação emocional e comportamental. Pensamentos
são fatos) – ler mais em https://contextualscience.org/act_em_portugu_s.

E é na compreensão desses contextos da linguagem que podemos entender porque


concordar fielmente com o pensamento leva a mais sofrimento: ao considerar pensamentos
fatos literais (se penso, então é), tendemos a classifica-los como bons ou ruins, justificar a
existência deles e, assim como fazemos com o mundo fora de nós mesmos, tentamos
controla-los. O problema é que, diferente de eventos externos a nós que podemos
simplesmente nos afastar e, assim, nosso comportamento pode não ocorrer, pensamentos
podem ser desencadeados por outros eventos privados (pensamentos, emoções) e esses
eventos estão com a gente onde a gente for (diferente de eventos externos que, se nos
afastarmos, realmente nos afastamos). Então, literalmente concordar com o pensamento
“sou um fracasso” pode imobilizá-lo(a) a fazer algo diferente do que o próprio pensamento
diz.

Aí entra a segunda opção: tentar controla-los, modifica-los, não tê-los. Faz muito sentido
querer isso. Afinal, é o que fazemos – e muito bem – com o mundo externo a nós:
controlamos e modificamos o ambiente e somos controlados e modificados pela
consequência apresentada. Por que, então, não aplicar isso ao nosso pensamento? O
primeiro problema aqui é querer mudar a frequência ou intensidade de uma resposta (no
caso o pensamento) através da modificação da própria resposta. A análise experimental do
comportamento já nos mostrou que a modificação de uma resposta
é possível pela manipulação do que a antecede ou de sua
consequência. E como fazer isso com o pensamento? Parece um
pouco difícil, não? É possível questionar o pensamento e enfraquecer
o contexto de literalidade dele, o que pode nos trazer alívio no
sofrimento, mas os demais permanecem (dar razão, avaliação e
controle). Seguindo esse caminho (controlar pensamentos), sejamos
todos bem-vindos ao ciclo do controle aversivo! Funciona muito
bem, mas terás que fazer isso sempre para que continue
funcionando. E mais do que isso, tentar controlar, modificar ou não
ter pensamentos significa que parte do que acontece contigo não é
válido. Mas vamos analisar um pouco sob a ótica da análise funcional: se pensamentos
existem, eles têm uma função adaptativa para nós. Decidir que pensamentos avaliados
como negativos devem ser trocados é tão arbitrário quanto decidir que pensamentos
avaliados como positivos devam permanecer como são.

Lembra-se: o problema não é o pensamento, mas a função dele na nossa vida.


Metaforicamente, considere a seguinte situação: suponha que você é o motorista de um
carro, está dirigindo próximo das 10h em uma avenida movimentada da sua cidade e você
vê um semáforo logo mais adiante em que a luz acesa é a vermelha. Se você é motorista,
você já aprendeu que a luz vermelha acesa no semáforo indica que você deve parar o carro,
que se seguir você poderá ter consequências ruins. Então, com a luz vermelha, o carro
parou. Pergunto: quem parou o carro? A luz vermelha do semáforo com o seu significado ou
você que é o(a) motorista? Nessa metáfora parece claro que quem para é o(a) motorista.
Agora, e se você passasse por essa mesma avenida, mas às 3h da madrugada, estando ela
deserta e escura, e você vê o semáforo com a luz vermelha acesa novamente. Você pararia
o carro? A luz vermelha teria mudado o seu significado? Provavelmente você não pararia o
carro, mesmo com a luz vermelha indicando que, se você seguisse, poderia ter
consequências ruins. E por que isso? Porque um semáforo é apenas um semáforo. Ele indica
“algo” a ser feito (parar o carro ou seguir andando, de acordo com a luz que está acesa),
mas quem faz esse “algo” é o(a) motorista. Não é o semáforo que, literalmente, para ou faz
o carro andar. É o motorista. O mesmo pode acontecer na relação entre nós e nossos
pensamentos. Pensamentos são como semáforos no nosso caminho. Tem suas cores e suas
funções, mas quem decide sobre o andar do carro é o(a) motorista.

E é aí que entra um terceiro caminho de lidar com pensamentos: notar os pensamentos


(linguagem, na verdade) como eles realmente são: pensamentos em curso. Considerar que
não há nada de errado com o pensamento em si, não precisando modifica-lo ou controla-lo,
apenas deixando-o ir, muda a função dele nas nossas vidas. Notar que pensamentos são
apenas palavras com significado, não é algo fácil. Mas isso trabalha diretamente com os
contextos da linguagem, apresentados
anteriormente, de uma forma diferente: a
literalidade é enfraquecida e as necessidades de
controle, de dar razão e de avaliação (mesmo dos
pensamentos aversivos) tornam-se
desnecessárias. O sofrimento gerado pela
tentativa de mudar os contextos da linguagem fica
sem fundamento ao, gentilmente, aceitarmos que
linguagem e pensamentos são assim mesmos. E
isso nos abre espaço na nossa vida para dirigirmos
ações, não para confrontar ou aniquilar esses
eventos privados, mas para aquilo que é
importante na nossa vida, para os nossos valores.
Isso é o que chamamos de controle apetitivo (ou
atrativo).

São três caminhos possíveis de convivermos (ou não) com nossos pensamentos. A ACT
apresenta o terceiro como uma possibilidade para desenvolver a flexibilidade psicológica.

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