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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE ABAETETUBA


FACULDADE DE CIÊNCIAS DA LINGUAGEM
CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS-LÍNGUA PORTUGUESA

DÉBORA ALEXANDRA LOPES DE OLIVEIRA

MANOELA CORREA FERREIRA

FICHAMENTO

A concepção de língua como sistema, sincronia e diacronia.

Abaetetuba

2023
LUCCHESI, Dante. Sistema, mudança e linguagem: um percurso na história
da linguística moderna. São Paulo. Parábola Editorial: 2004. Cap. 1-2.

“O pensamento saussuriano, sistematizado por dois de seus colegas


durante o curso de linguística geral, a pedra angular do estruturalismo na
linguística, assenta-se sobre a concepção axial da língua. Assim concebida, a
língua se constituiria no legítimo objeto de estudo da linguística.” (p. 39).
“ A concepção de língua como “um sistema de signos que exprime
idéias” [...] é justificada pelo plano teórico de Saussure. No plano externo,
relaciona a linguística a uma ciência mais geral, denominada semiologia. [...]
afirma Saussure, que só se poderia “assinalar a linguística um lugar entre as
ciências (...), porque a relacionamos com a semiologia.” (p. 39-40).
“Essa passagem revela também [...] a necessidade da linguística firma-
se como uma ciência autônoma [...] o que se daria na medida em que ela
estabelecesse seu objeto próprio de estudo [...]” (p. 40).
“ [...] o axioma fundamental do estruturalismo linguístico: a concepção
de língua como um sistema que só pode e deve ser estudado a partir de suas
relações internas.” (p. 40)
“Para Saussure, o sistema linguístico é quase que exclusivamente um
sistema de signos, sendo essencial apenas a relação que une o significado
ao significante. Assim, toda a estrutura sintática e gramatical da língua ocupa
uma posição secundária; e nem mesmo a fonologia [...] é considerada por
Saussure dentro se sua concepção de língua.” (p. 40-41).
"De igual modo, o estudo da variação linguística é excluído, a partir da
concepção de língua de Saussure. Se a linguística deveria centrar-se no
estudo da língua enquanto sistema, todos os fenômenos relativos à variação
linguística, por serem estranhos ao sistema, deveriam ser banidos desse
estudo." (p. 42).
"Com esta operação, Saussure passa [...] para um modo de
conhecimento mais mediatizado, um modo estruturante que se instala pela
objetivação de um sistema de relações que se pretendem representações
objetivas dessas manifestações mais imediatas e concretas." (p. 43).
"O ponto de partida para a construção da concepção saussuriana de
língua é o que Saussure denomina a matéria da linguística, [...] contudo, é
preciso deslindar a língua [...]" (p. 43).
"Portanto, para Saussure, a língua não se confunde com a linguagem, é,
sim, uma parte essencial e bem determinada dela. E essa parte deveria se
destacar do todo, já que a linguagem é "multiforme e heteróclita (...) ao mesmo
tempo física, fisiológica e psíquica, e pertence além disso ao domínio individual
e ao domínio social." (p. 43-44).
"Desse modo, para aprender e representar a dimensão estrutural e
estruturante do fenômeno linguística través da sua concepção de língua,
Saussure define a unicidade e a homogeneidade como característica
intrínsecas à língua." (p. 44).
"Está separação entre língua e linguagem e o caráter homogêneo
daquela são efetivados pela principal dicotomia do modelo teórico saussuriano
[...], a que opõe língua [...] à fala [...]" (p. 44).
“O estudo da linguagem comporta, portanto, duas partes: uma essencial,
tem por objeto, a língua, que é essencial em sua essência e independente do
indivíduo; [...] outra secundária, tem por objetivo a parte individual da
linguagem [...] a fala [...] fica clara aí a supremacia da língua sobre a fala [...]”
(p. 44).
“[a fala] é sempre individual e dela o indivíduo é sempre senhor,
[enquanto a língua] não está completa em nenhum e só na massa ela existe de
modo completo [...]. Ela é a parte social da linguagem, exterior ao indivíduo,
que, por si só, não pode nem criá-la nem modificá-la [...]” (p. 46).
“A língua não constitui uma função do falante: é o produto que o
indivíduo registra passivamente (...). A fala é, ao contrário, um ato individual de
vontade e inteligência [...]” (p. 46).
“Nessa oposição que Saussure entre o caráter social da língua e o
caráter individual da fala [...] é notável a presença de ecos do discurso do
sociólogo Émile Durkheim [...], que se traduz principalmente na definição de
língua como fato social.” (p. 46).
“Coseriu chama a atenção para os riscos inerentes à adoção da
concepção saussuriana de língua [...] Saussure estabelece fronteiras absolutas
entre o plano social e o individual. Nesse cenário, circunscreve a fala – a
atividade linguística concreta – ao plano do indivíduo e a despreza; e põe a sua
concepção abstrata de língua – a língua como sistema homogêneo e unitário –
no plano social, exterior aos indivíduos.” (p. 48)
“[...] o indivíduo não muda a língua se os outros indivíduos não
assimilarem a mudança. Não porque a língua independa do indivíduo [...], mas
porque a língua existe a partir das relações que [...] se estabelecem entre os
indivíduos. [...] a linguagem repousa na interação entre o indivíduo e social, que
Saussure quis negar através [...] do sistema abstrato de língua.” (p. 48).
“A concepção de língua como um sistema [...] fechado [...] apóia-se na
ideia de que a língua se opõe de maneira inexorável ao indivíduo. Assim
sendo, o sistema estaria imune às intervenções das relações sociais. Essa
contradição [...] perpetuará [...] constituindo um dos pontos cruciais a ser
atacado [...] pelo modelo teórico da sociolinguínguistica variacionista.” (p. 49-
50).
“Segundo a teoria [...] o indivíduo, em sua relação com a língua,
desempenha um papel ativo, na medida em que é obrigado a selecionar entre
as várias possibilidades expressivas que a ele se oferecem na estrutura da
língua [...] A consideração [...] representa-se, portanto, como mais adequada
[...] e demonstra a indissociabilidade entre o individual e social na atividade
linguística. (p. 50).
“Os fatos sociais devem, portanto, ser tomados em sua especificidade
[...] e analisados em sua dinamicidade, numa relação dialética entre o social e
o individual.” (p. 50).
“A concepção se língua em Saussure apóia-se em outra abstração: o
estado de língua; o que acrescenta uma nova dimensão à concepção
saussuriana: a estaticidade. [...] Contudo, os limites de um estado de língua
não são muito precisos [...] um estado absoluto se define pela ausência de
[mudanças] [...] a pesar de tudo, língua se transforma, por pouco que seja.” (p.
53).
“[...] esta operação constitui um dos movimentos decisivos do raciocínio
saussuriano: [...] Saussure exclui a mudança no processo de construção do
seu objeto de estudo, eliminando, consequentemente, todos os
condicionamentos sociais e ideológicos na formalização analítica da língua.” (p.
54).
“O estabelecimento da noção de estudo da língua – ou projeção
sincrônica – é crucial na construção de língua como um sistema homogêneo e
unitário, porque [...] à relação inerente entre língua e sociedade se efetiva
através do tempo, na dimensão socio-histórica do fenômeno linguístico, através
do binômio variação e mudança.” (p. 54).
“A variação constitui a atualização a cada momento dos processos de
mudanças possíveis na língua, enquanto a mudança constitui uma das
resultantes do processo de variação linguística.” (p. 54).
“Uma representação adequada da língua deve abarcar esses dois
planos: deve expressar a relação presente entre língua e sociedade, e
perspectivá-la historicamente. O conceito de estado da língua [...] retira. da
língua a sua dimensão histórica.” (p. 54).
"Ao conceber a língua como um sistema homogêneo e unitário,
Saussure não apenas a separou de seu contexto social, como também se viu
obrigado a retirar esse sistema linguístico do devir temporal." (p. 55).
"Os processos de variação e heterogeneidade na língua estão relaciona-
dos aos processos de mudança linguística, na medida em que os processos de
mudança passam necessariamente pelo processo de variação." (p. 55).
“Após ter determinado uma primeira bifurcação que conduzia os estudos
linguísticos por dois caminhos opostos, um no terreno da língua, outro no da
fala, Saussure apresenta uma nova e irrefutável dicotomia [...] o da sincronia,
relacionada à língua [...] fora da cadeia temporal [...] é a diacronia que [...]
trataria dos fatos relativos à mudança linguística [...] próprios da fala.” (p. 56).
"[...] A maneira como Saussure exclui a mudança da sua concepção de
língua como sistema fica bem clara na seguinte passagem: A língua é um
sistema do qual todas as partes podem e devem ser consideradas em sua
solidariedade sincrônica [...] as alterações [...] só podem ser estudadas fora do
sistema." (p. 56).
"Quanto mais avançava a concepção saussuriana de língua, mais se
aprofundava o ostracismo da mudança linguística, a ponto de se considerar em
um momento que a questão da mudança não era legitimamente linguística, tal
foi a identificação entre o estudo linguístico e o estudo da língua como estrutura
homogênea e atemporal." (p. 56).
"Saussure afirmou: "O sistema em si mesmo é imutável, Como conciliar
essa concepção com o fato de as línguas estarem em permanente processo de
mudança; [...]” (p. 57).
"Ao propor a primazia da língua nos estudos linguísticos, refere-se à
ameaça das mudanças fônicas, "que exercem influência tão profunda nos
destinos da própria língua.” (p. 57).
"Pode-se compreender por que Saussure inicia o capítulo em que
apresenta a distinção entre a linguística estática e a linguística evolutiva,
referindo-se às dificuldades relativas à consideração do fator tempo nos
estudos linguísticos: Poucos linguistas percebem que a intervenção do fator
tempo é de molde a criar, para a linguística, dificuldades particulares, e que ela
lhes coloca a ciência frente a duas rotas absolutamente divergentes." (p. 57).
"Surge, assim, a necessidade de cindir a linguística em duas disciplinas
distintas, cada uma voltada para o seu eixo próprio: 1° o eixo das
simultaneidades [...] 2º o eixo das sucessões [...]" (p. 57-58).
“Entretanto, a economia, longe de aceitar passivamente uma clara di-
visão em duas disciplinas assim distinguidas, se divide nitidamente em dois
campos teóricos que se opõem inclusive pela maneira antagónica, como
encaram a "necessidade" de tal distinção, ou seja, como consideram a
interferência do fator tempo na economia política e a historicidade dessa
disciplina." (p. 58).
"Segundo Saussure, a língua poderia ser estudada fora da consideração
do fator tempo, já que sua estrutura constituiria um sistema de valores, em cuja
lógica interna se poderia encontrar toda a sua explicação." (p. 60).
"A primeira coisa que surpreende quando se estudam os fatos da língua
é que, para o indivíduo falante, a sucessão deles no tempo não existe: ele se
acha diante de um estado." (p. 60).
"Existe um movimento dialético na estrutura da língua entre a sua
organização interna (o seu modo estruturante) e sua relação externa com a
estrutura social." ( p. 61).
"O método de análise de se fazer tabula rasa da história da língua e
estudar o sistema apenas por sua funcionalidade interna e sincrônica,
colocando-se o linguista no nível da consciência do falante, só encontraria a
sua razão de ser se o sistema assim se explicasse inteiramente." (p. 61).
"Assim, mantendo-se o linguista somente ao nível da consciência do
falante atual, da funcionalidade sincrônica, ele é incapaz de prover o fato
morfológico de uma explicação satisfatória, ou seja, é incapaz de explicar por
que o falante faz o plural de leão em leões, ao passo que faz o de pão em pães
e o de mão em mãos.” (p. 63).
"O fato de os estudos de linguística histórica, antes e depois de
Saussure, se concentrarem sobretudo no nível fônico favoreceram a
formulação do problema nos termos de sua rígida dicotomia entre o que é
sincrônico (sistêmico, funcional) e o que é diacrônico (não-sistêmico,
acidental)." (p. 65).
"O caráter diacrônico da fonética concorda muito bem com o princípio de
que nada do que seja fonético é significativo ou gramatical, no sentido lato do
termo.” (p. 65).
"As palavras mudam de significação, as categorias gramaticais evoluem;
veem-se algumas desaparecer com as formas que serviam para exprimi-las
(por exemplo, o dual em latim).”(p. 66).
"Portanto, a terceira crítica à concepção saussuriana da mudança
linguística localiza-se na sua consideração dos fatos da mudança como
particulares, isolados e acidentais; ou seja, de natureza não sistêmica." (p.
68).
"Como se pode perceber, todos os pontos do pensamento saussuriano
sobre a mudança linguística em que incidem as críticas aqui feitas decor rem
do fosso que Saussure interpõe entre o sistema e a mudança." (p. 68).
"Para demonstrar simultaneamente a autonomia e independência do
sincrónico e do diacrônico, pode-se comparar a primeira com a projeção de um
corpo sobre um plano.” (p. 69).
"Em linguística, existe a mesma relação entre a realidade histórica e
um estado de língua, que é como a sua projeção num momento dado. Não é
estudando os corpos, isto é, os acontecimentos diacrônicos [...]." (p. 69).
"Através da imagem da projeção, Saussure resgata o caráter de
construção teórica da concepção de língua como sistema.” (p. 69).
"A metodologia não pode ser avaliada apenas ao nível de sua lógica
interna. Mais do que um mero conjunto de procedimentos técnicos e neutros, a
metodologia constitui o modo pelo qual o investigador apreende o seu objeto
de estudo, revelando assim o ponto-de-vista da investigação, bem como as
suas concepções axiais. Em todos esses níveis, a metodologia deve ser
avaliada e constituir objeto de discussão epistemológica." (p. 70).
"Infelizmente, o procedimento de se encerrar no interior do seu edifício
teórico, como o único terreno plausível de discussão, em linguística, não é uma
característica apenas do estruturalismo.” (p. 70).
"Um aspecto chama a atenção de quem vasculha o monumental edifício
teórico que vem à luz através do Curso: se Saussure marca profundamente a
linguística do século XX , dotando-a de um rico e original modelo teórico,
quanto à questão da mudança, pode-se considerar irrelevante a sua
contribuição.” (p. 71).
"O fenômeno fonético é, outrossim, ilimitado e incalculável no sentido de
que afeta qualquer espécie de signo, sem fazer distinção entre um adjetivo, um
substantivo etc.,[...]" (p. 71).
"A dualidade analogia e mudança fonética já estava presente na dou-
trina neogramática. Nesse modelo, cabia à analogia a explicação das exceções
à regularidade das mudanças fonéticas." ( p. 72).
"Ao tentar retirar a analogia do campo da mudança, Saussure opõe-se
aos neogramáticos.” (p. 74).
" [...] a conservação de uma forma pode dever-se a duas causas
exatamente opostas: o isolamento completo ou o estreito enquadramento num
sistema que, tendo permanecido intacto em suas partes essenciais, vem-lhe
constantemente em socorro.” ( p. 74).
"O objetivo de fundo é, pois, o de negar qualquer caráter sistêmico à
mudança, situando-a no terreno fugidio da fala.” (p. 74).
" (...) Um fato de evolução é sempre precedido de um fato, ou melhor, de
uma multidão de fatos similares na esfera da fala;". ( p. 75).
"O sistema sincrónico da língua só existe do ponto de vista da
consciência subjetiva do locutor de uma dada comunidade linguística num dado
momento da história." (p. 76).
"O sistema linguístico saussuriano constitui uma representação teórica
que buscou apreender a dimensão estrutural e estruturante da linguagem e
municiar a linguística com um instrumental analítico que a tornasse capaz de
enfrentar a questão do funcionamento da língua." ( p. 76-77).
"Os trabalhos do Círculo de Praga e do estruturalismo diacrónico, que
desenvolvem o modelo proposto por Saussure, constituem o objeto da 2ª Parte
e são entendidos como o segundo momento do percurso; o momento em que
podemos situar a mudança no domínio do sistema." (p. 77).

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