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RESENHA CRÍTICA

Unidade Curricular: Fontes e Métodos para os Estudos Asiáticos


Professora: Elisabetta Colla Rosado David
Aluna: Constança Botelho Silva, n.º: 163236

Ano letivo 2023 - 2024


LICENCIATURA EM ESTUDOS ASIÁTICOS

RESENHA CRÍTICA

Neste trabalho, efetua-se a resenha crítica do livro “China em dez palavras” de Yu


Hua. Esta resenha foi solicitada pela Docente Elisabetta Colla Rosado Coelho
David, no âmbito da cadeira de Fontes e Métodos para os Estudos Asiáticos, da
Licenciatura em Estudos Asiáticos da FLUL.
Yu Hua nasceu em 1960, praticou
odontologia durante cinco anos e
desde 1983 que se dedica à escrita
a tempo inteiro, o que lhe valeu
diversos prémios e distinções
internacionais1.
O objeto do livro é dar a conhecer a
China aos não chineses,
essencialmente a partir do ano de
1966, período em que o escritor vai
Yu Hua
para a escola primária.
Assinala-se positivamente a particularidade de ter sido escrito por um escritor
chinês, o que torna o livro mais esclarecedor e com autenticidade própria, dando
uma real perspetiva da realidade chinesa contemporânea do autor. No entanto,
poderá ser também um relato parcial de quem descreve o seu próprio país.
A obra é um relato pessoal sobre a vida quotidiana de Yu Hua desde criança até à
idade adulta. Está escrita de forma concisa e de fácil leitura, o que auxilia a sua
compreensão.
O autor utiliza dez palavras para descrever a China: povo; líder; leitura; escrita; Lu
Xun; disparidade; revolução; raízes de erva; pirataria e aldrabar.
Yu Hua descreve a sua infância e o seu crescimento em paralelo com a revolução
cultural que ocorreu entre 1966 e 1976. Mostra-nos o relevo dado à Praça de
Tiananmen pelo poder político e aborda também os eventos lá ocorridos em 1989.

1 Conforme http://thescriptroad.org/pt-pt/guest/yu-hua/ consultado em 30/11/2023.

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Na revolução cultural, o líder da política chinesa foi Mao Zedong, líder do único
partido existente: o partido comunista chinês.
Neste período histórico, as únicas leituras permitidas eram apenas os livros de
propaganda política do líder (poemas de Mao Zedong) e os contos de Lu Xun. Os
restantes livros eram proibidos e considerados ervas venenosas.
Os dazibao, cartazes colados nas paredes das ruas onde eram criticados dirigentes
políticos, entre outros assuntos, eram os escritos do povo semelhantes aos blogues
da atualidade.
Esta época fica marcada pela pobreza e opressão e pela luta de classes. A política
dominava tudo, o socialismo era defendido e o capitalismo condenado.
A perspetiva do autor, contudo, é pouco crítica relativamente a esta fase da história
da China, ignorando aspetos importantes. Por exemplo, Linda Jaivin, não hesita em
descrever, “Em agosto e setembro de 1966, apenas em Pequim, os Guardas
Vermelhos mataram ou levaram ao suicídio 1800 pessoas”2, ou o cenário de
“centenas de vítimas” em que “os cadáveres apodreceram nos campus
universitários”3. Faltará ao autor uma visão mais gráfica do terror associado à
revolução cultural.
A seguir a este período, com a morte de Mao, quando Deng Xiaping toma o poder,
a economia torna-se o foco. No entanto, o desenvolvimento económico chinês foi
bastante desequilibrado porque a riqueza não estava igualmente distribuída. Uma
pequena fatia da população consegue adquirir certos bens enquanto muitos
chineses passam fome e são pobres.
Atualmente, o escritor considera que, para além da perspetiva histórica e política da
luta de classes, a própria existência de classes sociais faz com que a sobrevivência
da maioria dos chineses seja mais complexa e dura.
A sociedade chinesa sofreu uma transformação ao nível dos valores e da ética.
Durante a revolução cultural era mais fácil sobreviver, enquanto recentemente
aumentou o fosso ou as desigualdades entre as diferentes classes sociais. O autor

2
Linda Jaivin, A mais breve história da China (Alfragide: Publicações D. Quixote, 2021), p. 214.
3
Ibid., p. 217.

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considera mesmo que “Durante a década de oitenta, a febre pelo dinheiro substituiu
a febre revolucionária”4.
Michael Wood refere: “hoje em dia 1% do topo da população detêm metade da
riqueza nacional, assim, tal como Deng sabia que iria acontecer, a política de
‘enriquecer rapidamente’ desviou-se em favor do partido e dos ricos, que são
amiúde as mesmas pessoas”5. Deng foi responsável pela abertura da China ao
mundo, particularmente aos Estados Unidos da América e pôs fim ao período da
guerra fria.
Yu Hua apresenta uma visão crítica da atualidade, indicando que a sociedade
chinesa evoluiu para uma sociedade onde não abundam a honestidade e a
integridade, onde conceitos como pirataria e aldrabar são utilizados pelas massas,
autoridades e governo.
Destaca o facto de hoje em dia verificar-se uma disparidade real, histórica, social e
ainda de sonhos.
A este propósito, Thierry Sanjuan6, confirma-nos uma realidade de disparidades
regionais que se verificam nas três faixas longitudinais (litoral, interior e Oeste) do
território chinês. O litoral engloba Pequim e outras cidades que correspondem aos
territórios de povoamento Han e se integram de maneira privilegiada na economia
mundial. O Oeste chinês engloba por exemplo o Tibete, onde as nacionalidades
minoritárias têm um peso igual ou superior a 20% na população total. Finalmente, o
interior é constituído pelos territórios de nível provincial que se situam nas antigas
terras da China histórica e nas terras interiores do Nordeste. Na faixa litoral, que
ocupava 14% da superfície chinesa, fixava-se 42% da população total,
representando 60% do produto interno bruto (PIB), o que comprova as disparidades
históricas, económicas e sociais.
Yu Hua apresenta uma visão política, social e emocional sobre o país onde nasceu
e cresceu, que também é o mais populoso do mundo (“Quem vive numa cidade

4
Yu Hua, China em dez palavras (Lisboa: Relógio D’Água Editores, 2018), p.196
5
Michael Wood, A história da China (Lisboa: Bertrand Editora, 2021), p. 549.
6
Thierry Sanjuan, Compreender a China contemporânea: um dicionário (Lisboa: Edições 70,
2009), p.123.

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Chinesa é frequentemente assaltado por uma sensação forte: há muita gente” 7).
Paralelamente, explica como e porque se tornou escritor e de que forma isso o
transformou. Poderá dizer-se que a transformação ocorrida politicamente e
socialmente na China também transformou o escritor assim como o seu coração.
Na minha opinião a obra é original, uma vez que o escritor descreve o seu país à
medida que recorda o seu crescimento e as experiências vividas no seu dia a dia,
relacionando-as às dez palavras escolhidas. Seria interessante algum
distanciamento que permitisse ao autor uma visão mais crítica da realidade, por
exemplo sobre o massacre da praça de Tiananmen.
Por exemplo, menciono o facto de nada dizer sobre a invasão do Tibete no ano de
1950. Se algum local foi mais afetado com a revolução cultural, seria o Tibete.
Acredito que o culto à personalidade de Mao impede os chineses de falarem
abertamente sobre a destruição da cultura tradicional da China como parte
integrante do seu património cultural que aconteceu durante a revolução cultural.
Com Deng, a reforma económica foi bem sucedida, porém o governo continuou a
ser profundamente autoritário e repressivo. Teve o crédito de abrir a China ao
mundo.
De todo modo, o estilo de Yu Hua é muito próprio, sendo que, segundo Marsha
Wagner, ele não considera a literatura como jornalismo ou simples escrita objetiva
da história e utiliza metáforas, ironias e outros recursos de estilo para ilustrar a
mensagem que quer passar8.
Reconhece-se o modo simples e impactante como o autor exemplifica as diferenças
das situações económicas em diferentes partes da China: “Este desequilíbrio social
traz também inevitavelmente um desequilíbrio ao nível dos sonhos. Há cerca de dez
anos a CCTV realizou uma reportagem sobre o Dia da Criança, onde se perguntava
a miúdos de várias zonas do país qual o presente que desejavam receber no dia 1
de junho. Um rapaz de Pequim respondeu que queria ter um avião Boeing
verdadeiro; uma rapariga do Noroeste disse, num tom hesitante, que desejava

7
Yu H., China em dez palavras, p.15
8
Marsha Wagner, The Subversive Fiction of Yu Hua in CHINOPER Journal of Chinese Oral and
Performing Literature vol.20 p.219

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receber uns ténis brancos.”9 É através destas figuras de estilo que Yu critica o
regime, em vez de o fazer abertamente. Inclusivamente, Yenna Wu assinala que
"Yu himself skillfully "bamboozled" the government and dodged its censorship by
publishing his work in Taiwan."10 (Não o fez na China, possivelmente por causa da
censura).
Nesta obra podemos conhecer o pensamento do partido comunista e como ele se
faz refletir no atraso das reformas económicas e sociais, impondo à sociedade um
regime autoritário e opressivo e castrador do pensamento liberal. Na revolução
cultural dizia-se mesmo: “prefiro uma erva socialista a que uma flor capitalista”11
segundo Yu Hua.
Considero benéfico ter lido este livro uma vez que compreendi que a sociedade
chinesa contemporânea é muito complexa, possuindo características muito
próprias, que nós europeus não vivemos. Um excelente ponto de partida para
aguçar a curiosidade e a necessidade de aprofundar o conhecimento sobre este
país.

Bibliografia
Hua, Yu. China em dez palavras. Lisboa: Relógio D’Água Editores, 2018.
Jaivin, Linda. A mais breve história da China. Alfragide: Publicações D. Quixote,
2021.
Sanjuan, Thierry. Compreender a China contemporânea: um dicionário. Lisboa:
Edições 70, 2009.
Wagner, Marsha L. The Subversive Fiction of Yu Hua, CHINOPERL Journal of
Chinese Oral and Performing Literature, 20:1, 219-243, 1997, DOI:
10.1179/chi.1997.20.1.219
Wood, Michael. A história da China. Lisboa: Bertrand Editora, 2021.
Wu, Yenna. China Through Yu Hua’s Prism. American Journal of Chinese Studies,
19(1), 55–62, 2012. http://www.jstor.org/stable/44288977.

9
Yu H., China em dez palavras, p.135
10
Yenna Wu. China Through Yu Hua’s Prism. American Journal of Chinese Studies, 19(1), 2012, p.
60. http://www.jstor.org/stable/44288977
11
Yu H., China em dez palavras, p.126

5
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http://thescriptroad.org/pt-pt/guest/yu-hua/ consultado em 30/11/2023.

Foto do autor: https://www.publico.pt/2018/08/26/culturaipsilon/entrevista/a-


teimosa-perseguicao-da-realidade-1841495.

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