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INStituto Português de PSIcologia

ESPECIALIZAÇÃO AVANÇADA PÓS-UNIVERSITÁRIA EM PSICOTERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL NA INFÂNCIA E


ADOLESCÊNCIA

CASO JOÃO: o menino que não falava…

João tem 7 anos e é encaminhado para psicologia porque, na escola, a Professora queixa-
se de que a criança não comunica com os pares nem com os adultos. É o segundo ano que a
Professora está com o João e poucas vezes ouviu a sua voz. Apesar de ter um rendimento
escolar aceitável, a Professora está preocupada com o desenvolvimento e bem-estar da
criança pelo que alertou a avó materna, encarregada de educação do aluno.
A mãe de João, tem outra criança, três anos mais nova que João, de um outro progenitor, e
encontra-se atualmente grávida de um outro parceiro. A mãe de João tem 25 anos e trabalha
ocasionalmente, pelo que não tem rendimentos suficientes para cuidar dos filhos. Desde os
dois anos de idade que João ficou entregue à avó materna, a quem trata por mãe.
Os pais do João separaram-se pouco depois dele nascer e o progenitor tem pouca relação
com o filho. O avô materno, padrasto da mãe do João é a figura masculina de referência
para a criança.
Por vezes, João vai de fim de semana com o progenitor, para casa dos pais deste. Durante
as férias de um verão, há cerca de três anos, o avô paterno e um tio paterno terão abusado do
João, colocando uma caneta no ânus e pressionando brinquedos (um carro e um helicóptero)
no órgão genital da criança. Quando regressou aos avós maternos, João contou o sucedido e
a avó não sabia como reagir. No fim de semana seguinte em que teria de ir para casa do pai,
a criança recusou-se a tal, chorando e chegando mesmo a vomitar. A avó materna alertou a
progenitora deste comportamento do filho e a mesma levou de imediato a criança ao
hospital. Foi aberto processo na Comissão de Proteção de Crianças e Jovens do Porto, o
qual foi arquivado por falta de provas do alegado abuso. Na altura, a guarda da criança foi
oficializada, tendo sido entregue à avó materna. A CPCJ implementou uma medida de
promoção e proteção (apoio junto de outro familiar), no sentido de continuar a acompanhar
o desenvolvimento do João e ajudar a avó materna nesse processo.
Atualmente, o progenitor continua a acusar a progenitora de lhe negar a criança e de
prejudicar a sua relação com o filho, alegando que ela faz isso por vingança. Quando o casal
vivia junto, eram frequentes as discussões e agressões verbais entre os dois. Pouco depois de
João nascer o pai chegou a agredir fisicamente a mãe, tendo sido esse momento que levou à
rutura da relação.
João, segundo a avó, conversa normalmente em casa com ela e com o seu marido. A
criança não fala da mãe (não pergunta pela mãe nem pede para ir para junto dela) e recusa-
se a ir com o pai para casa dos avós paternos. Não está inserido em atividades
extracurriculares. Segundo a avó, João brinca normalmente como uma criança de 7 anos, é
muito meigo, mas apresenta alguns retrocessos no desenvolvimento (como enurese noturna)
e recusa em dormir sozinho.

Módulo: Perturbações relacionadas com Trauma e Fatores de Stress


Susana Monteiro (8 de julho de 2023)
INStituto Português de PSIcologia
ESPECIALIZAÇÃO AVANÇADA PÓS-UNIVERSITÁRIA EM PSICOTERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL NA INFÂNCIA E
ADOLESCÊNCIA

CASO MARIA: a jovem que perdeu a avó na guerra

Maria, 17 anos, frequenta o 11º ano pela segunda vez em humanidades e pensa repetir
todo o secundário na área de saúde para vir a ser enfermeira.
A avó materna, ucraniana, faleceu recentemente na guerra entre a Rússia e a Ucrânia.
Como enfermeira, prestava cuidados de enfermagem aos combatentes ucranianos e na
maternidade em Mariupol, cidade onde Maria chegou a passar algumas férias de verão com
a família. Os bombardeamentos a Mariupol causaram a morte da avó da Maria.
Apesar de Maria já não estar com a avó há alguns meses, falava com ela diariamente e,
segundo relata, a avó era a mãe que nunca teve. A relação de Maria com a mãe sempre foi
conflituosa e tensa e era a avó materna quem demonstrava ter maior compreensão pela vida
da neta e interesse no seu dia-a-dia. Era também a avó que potenciava a aproximação entre
Maria e mãe após estas discutirem.
Maria culpabiliza a mãe por não ter impedido a violência doméstica que sofreram do pai
de Maria quando esta era criança. O pai, muitas vezes alcoolizado, agredia fisicamente a
esposa e era verbalmente agressivo para ambas. Verbalizações como “Tenho vergonha que
sejas minha filha.”, “Vocês as duas deviam era desaparecer da face da terra.” eram ouvidas
regularmente na casa da Maria. Quando Maria tinha 10 anos, o pai foi trabalhar para longe e
a mãe aproveitou essa oportunidade para sair da Ucrânia e vir para Portugal onde tinha já
algum apoio familiar. A adaptação de Maria a Portugal foi difícil, tendo sofrido de bullying
nos primeiros anos. Só depois de dominar a língua portuguesa, pelos 13, 14 anos, é que
Maria conseguiu enfrentar os colegas e deixou de sofrer de bullying.
Atualmente pratica dança e é voluntária num canil/gatil onde colabora todos os sábados.
A mãe é funcionária de limpeza numa autarquia em Lisboa e muito regrada nas despesas,
uma das causas de conflito entre mãe e filha.
Sem contacto com o pai desde que vieram para Portugal, teme que ele apareça a qualquer
instante e cause sérios danos à mãe e também a ela “Estou sempre à espera do dia em que
ele nos encontra…”.
Não se sente confortável na presença de desconhecidos do sexo masculino, sobretudo se
estiver sozinha. Refere que gostava de namorar, mas que nunca se interessou por nenhum
rapaz. Sabe que tem colegas na escola que estão interessados nela e que gostariam de a
conhecer melhor, mas “não lhes dou hipótese nenhuma.”
Desde que a avó faleceu, Maria perdeu peso, tem pesadelos e teme ficar sozinha na vida.
Já se assustou bastante pelas ruas de Lisboa quando, enquanto caminha, ouve barulhos
fortes e estrondosos (como o tubo de escape das motas). Diz regressar a Mariupol nesses
momentos e achar que está no meio da guerra. Revela enorme frustração por não voltar a
passar férias com a avó em Mariupol. Tem pensado frequentemente em comprar um voo de
ida para a Ucrânia, sem a mãe saber, para se ir despedir da avó e continuar o seu trabalho
como voluntária junto dos civis e de quem aceitar o seu apoio. Mas teme a possibilidade de
se cruzar com o pai…

Módulo: Perturbações relacionadas com Trauma e Fatores de Stress


Susana Monteiro (8 de julho de 2023)
INStituto Português de PSIcologia
ESPECIALIZAÇÃO AVANÇADA PÓS-UNIVERSITÁRIA EM PSICOTERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

Cronograma de Acontecimentos de Vida:

Nome da criança/jovem: _____________________________________________________________________ D.N. ___/___/______

Fontes de recolha de informação: _______________________________________________________________________________

Data Acontecimentos Entidades envolvidas Medidas adotadas Consequências / Observações


resultados

Módulo: Perturbações relacionadas com Trauma e Fatores de Stress


Susana Monteiro (8 de julho de 2023)

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