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br Ano 36 | # 686 | FEV/MAR 24

NOVA DECISÃO DO STJ


A VEZ DO
CONDOMÍNIO

Decisão do STJ pôs abaixo tendência


anterior de isentar o credor fiduciário
da responsabilidade sobre dívida
condominial de imóvel financiado.
“O fato de termos precedentes não
impede que a jurisprudência evolua”,
disse o ministro João Otávio de
Noronha Pág. 26

SELEÇÃO DO EDITOR ENTREVISTA


Conto do escritor e psicólogo Professor da FGV Direito Rio, o
norte-americano Rollo May, analisado em constitucionalista Álvaro Palma de Jorge
artigo, traça paralelo entre texto ficcional e a defende a decisão do Supremo que admitiu
realidade contemporânea pertinente à pena a possibilidade de responsabilização
perpétua e ao confinamento solitário. Em civil dos veículos de imprensa por fala de
particular nos Estados Unidos. Pág. 132 entrevistado. “Dever de cuidado”. Pág. 22
EDITORIAL

A COERÊNCIA E LUCIDEZ DO STJ

D
ecisões como as da Quarta Turma do Supe- mas não detém a posse, e o devedor fiduciário (o
rior Tribunal de Justiça, que possibilitam morador) detém a posse mas não é dono, há um
ao condomínio a penhora de bem imóvel condomínio de apartamentos clamando pela
em alienação fiduciária, são um grande boa gestão e por uma administração condizente
passo na jurisprudência. O stj não é dado a rom- com sua despesa e receita.
pantes como faz o seu irmão superior, o stf – no Quando o morador deixa de pagar a taxa de
que não é uma crítica, mas uma constatação –, condomínio, a fatia do rateio de despesas cresce e
de modo que quebrar ou avançar em entendi- pesa sobre os demais condôminos. A penhora do
mentos solidamente pacificados demandam imóvel em dívida é uma solução, mas como citar
tempo e paciência. Foi o que ocorreu em junho um possuidor que não é dono e um dono que não
do ano passado, quando o ministro Raul Araújo é possuidor? É o que ocorre frequentemente no
abriu divergência em uma demanda que envol- sistema habitacional brasileiro, em um cenário
via condomínio de Santa Catarina e morador que Araújo chama apropriadamente de “esdrú-
inadimplente. Ao iniciar o seu voto, Araújo citou xulo e antijurídico” porque é assim que se verifi-
julgado de relatoria da ministra Nancy Andri- ca de forma corriqueira. Palavras do ministro: “O
ghi, da qual poucos ousam discordar. E, no en- devedor fiduciante, embora quite mensalmente
tanto, ele assim o fez. A síntese dos argumentos as prestações do contrato de alienação fiduciá-
da magistrada lastreava todo o entendimento ria da coisa imóvel adquirida, simplesmente não
do stj até aquele momento. Tratava de imóvel fi- paga as contribuições condominiais mensais, as
nanciado por banco, a quem o morador, na con- quais, por sua vez, também não são assumidas
dição de devedor fiduciário, honrava as presta- pelo credor fiduciário, que se julga imune a tal
ções mensais, mas não as taxas condominiais. Se obrigação propter rem. Com isso, a dívida daque-
um cidadão aluga um apartamento, o contrato le condômino voluntariamente inadimplente é
assinado prevê também as obrigações que são acumulada mensalmente e assumida, na prática,
inerentes ao imóvel. Impostos, conta de água e por todos os demais condôminos, até que algum
luz, aluguel e taxa de condomínio. É a chamada dia se alcance uma solução”. O problema é que
obrigação propter rem (em vista da coisa). Se o esse dia não chega. Ou não chegava.
locatário deixa de honrar qualquer desses “bole- A nova decisão do stj que rompe amarras e
tos”, é o proprietário do imóvel quem responde, desfaz “erros cometidos do passado” (nas pa-
sem qualquer tergiversação ou amparo legal. Pa- lavras do ministro João Otávio de Noronha)
rece simples e lógico, porém, no caso de imóvel encontrou uma resposta lúcida para aplacar o
financiado por instituição bancária, o buraco é drama advindo, em maior ou menor grau, por
mais embaixo. Nesse caso, o banco, na condi- 450 mil condomínios e 65 milhões de pessoas
ção de financiador, transfere a posse do imóvel que neles habitam. O que significa incluir o cre-
para o devedor, e este deve honrar as prestações dor fiduciário como parte na execução do imó-
estipuladas que, quitadas ao longo de décadas, vel e, assim, quitar débito que, não fosse essa
transforma o devedor em proprietário. Há uma quebra de paradigma, continuaria a desmontar
palavrinha que provém do italiano implicada a ideia de condomínio, arrastando moradores
nessa negociação: a fidúcia. Ela quer dizer con- para um caso sem desfecho.
fiança e nesse modelo de alienação fiduciária,
em que o proprietário do imóvel (o banco) é dono Boa leitura!

4 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


SUMÁRIO

REVISTA BONIJURIS # 686

EDITORIAL 32 “Não se pode cobrir o credor fiduciário


de imunidade contra dívida condominial”
4 A coerência e lucidez do STJ
Voto vencedor do ministro Raul Araújo

EXPEDIENTE 36 “Não podemos ficar estratificados em


erros do passado”
8 Conselho Editorial / Colégio de Leitores
Voto-vogal do ministro João Otávio de Noronha

TRIBUNA LIVRE 38 STJ equilibra a balança entre o credor


fiduciário e o condomínio
10 Trabalho
Kelly Durazzo, Caroline de Andrade e Rebeca Leal
Decisões relevantes do STF na área trabalhista

11
Guilherme Borsatto e Marco Lima

Precatórios
DOUTRINA JURÍDICA
Atrasos do STF geram dívida bilionária 46 Civil
José Jácomo Gimenes Direito de crédito como fundamento constitucional
Kaue da Cruz Oliveira
14 Processo civil
Momento da modificação do ônus da prova 64 Direito comercial
Pedro Rafael Thomé Pacheco e Milena Sampaio Soares A respeito do médico empresário individual
Aluer Baptista Freire Júnior e Lorrainne Andrade Batista
16 Jurisprudência
Súmula 211 do STJ e limitações ao acesso à justiça 80 Criminal
Felipe Amorim Biesemeyer A instrumentalidade da investigação penal
Thiago Marcantonio Ferreira
18 Legislação
Seis anos da reforma trabalhista: promessas não 102 Processual
cumpridas Decisão interlocutória e coisa julgada
Nasser Ahmad Allan Gelson Amaro de Souza

20 Penal 122 Interpretação


Acordo de não persecução nos crimes funcionais Análise da crise da hermenêutica jurídica
Renee do Ó Souza Jairo Monteiro Dias Filho

ENTREVISTA SELEÇÃO DO EDITOR


22 “O que o Supremo impôs foi o dever de
132 Confinamento
Da prisão arbitrária ao projeto existencial
checagem da informação”
Hidemberg Alves da Frota
ÁLVARO PALMA DE JORGE

CAPA LEGISLAÇÃO
26 Abertura
152 Degustação de novas leis

28
Uma decisão histórica do STJ
Decisão do STJ põe ordem em disputa de
SÚMULAS MAIS RECENTES
dívida condominial 156 Arestos do STF, STJ, TJSC, TJRJ, TRT4, TRT9,
Marcus Gomes e André Zacarias Tallarek de Queiroz TRT17

6 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR24


SUMÁRIO

EMENTÁRIO TITULADO 216 Não persecução


Intimação ou não do investigado para justificar
159 Contratação de músicos descumprimento de acordo
Elemento subjetivo doloso e pedido de
Des. Jesuíno Rissato
condenação por improbidade administrativa
Des. Cláudio de Mello Tavares 220 Irrepetibilidade
Benefício previdenciário recebido de boa-fé
164 Negligência
Desa. Cláudia Cristina Cristofani
Queda em bueiro devido à má conservação da via
pública 223 Alienação
Des. Guaraci de Campos Vianna Doação de bem de família para filho e fraude à
execução fiscal
170 Abalo psíquico
Min. Gurgel de Faria
Dano moral decorrente do atraso da entrega de obra
Desa. Dilmari Helena Kessler 226 Sindical
Repasse de contribuição assistencial e o direito de
175 Majoração oposição do trabalhador
Constatação do dolo no crime de estelionato
Min. Sergio Pinto Martins
previdenciário
Des. Ney de Barros Bello Filho 232 Imposto
Decreto de utilidade pública e restrições ao direito
183 Falecimento de propriedade
Pensão por morte requerida por concubina
Desa. Sandra Reves
Des. Morais da Rocha

188 Falsidade
Autenticidade de assinatura em documento e o
 PRÁTICA JURÍDICA
ônus da prova 242 Imobiliário
Des. João Cancio Hipercomplexidade dos contratos de incorporação
Marcus Roberto da Silva
192 Norma coletiva
Acordo que condiciona a concessão de benefícios
à sindicalização do empregado  ALÉM DO DIREITO
Min. Cláudio Mascarenhas Brandão 247 Você é contra ou a favor da educação à
196 Pontos distância?
Nelson Pereira Castanheira
Penhora de milhagem acumulada em cartões de
crédito para quitação de débitos trabalhistas
Des. Ricardo Verta Luduvice NÃO TROPECE NA LÍNGUA
250 Perguntas e respostas: mulheres
ACÓRDÃOS EM DESTAQUE membras e juntas
Maria Tereza de Queiroz Piacentini
200 Água potável


Fornecimento do serviço público em área de
preservação permanente e sem licença ambiental AGENDA DE EVENTOS
Des. Sandro José Neis
252 Programação de encontros jurídicos
202 Arquivo
Imagens de emissora de TV e os prazos do Código
Civil para pretensão indenizatória
 ÍNDICE REMISSIVO
254 Temático-onomástico
Min. Ricardo Villas Bôas Cueva

210 Aplicativo de hospedagem


Unidades autônomas em condomínios e o aluguel
PONTO FINAL
258 Uso medicinal da cannabis em animais
de curta duração Claudia de Lucca Mano
Des. Antônio Maria Rodrigues de Freitas Iserhard

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR24 7


EXPEDIENTE

REVISTA BONIJURIS CONSELHO EDITORIAL


ISSN 1809-3256 Antonio Carlos Facioli Chedid, Carlos Roberto Ribas
Vol. 36, n. 1 – Edição 686 – Fev/Mar 2024
Santiago, Célio Horst Waldraff, Clèmerson Merlin
contato@bonijuris.com.br
www.editorabonijuris.com.br Clève, Eduardo Cambi, Guillermo Orozco Pardo,
Hélio de Melo Mosimann, Hélio Gomes Coelho Jr.,
EDITOR-CHEFE Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, João Casillo,
Luiz Fernando de Queiroz João Oreste Dalazen, Joatan Marcos de Carvalho,
EDITORA ASSISTENTE Joel Dias Figueira Júnior, Jorge de Oliveira Vargas,
Olga Maria Krieger José Laurindo de Souza Netto, José Lúcio Glomb,
PRODUÇÃO GRÁFICA José Sebastião Fagundes Cunha, Juan Gustavo
Jéssica Regina Petersen Corvalán, Luiz Fernando Coelho, Manoel Antonio
Teixeira Filho, Manoel Caetano Ferreira Filho, Mário
COORDENADORA DE CONTEÚDO
Frota, Mário Luiz Ramidoff, Nefi Cordeiro, Ricardo
Pollyana Elizabethe Pissaia
Sayeg, Roberto Portugal Bacellar, Roberto Victor
ASSISTENTE DE CONTEÚDO Pereira Ribeiro, Sidnei Beneti, Teresa Arruda Alvim,
Fernanda Feitosa Zeno Simm
COORDENADOR JURÍDICO
Geison de Oliveira Rodrigues COLÉGIO DE LEITORES
DIVULGAÇÃO Adriana Pires Heller, André Zacarias Tallarek de
Agência Haus Marketing Digital Queiroz, Anita Zippin, Flávio Zanetti de Oliveira,
DISTRIBUIÇÃO Karla Pluchiennik Moreira, Luise Tallarek de Queiroz
Ana Crissiane de Moraes Prates Cordeiro Maliska, Luiz Carlos da Rocha, Marcus Vinicius
Bruna Menon Gomes, Ricardo de Queiróz Duarte, Roberto Ribas
Maicon Martins Rodrigues Ávila Tavarnaro, Robson Marques Cury, Rodrigo da Costa
JORNALISTA Clazer, Ruy Alves Henriques Filho, Sergio Murilo
Marcus Vinicius Gomes (3552/13/96 – PR) Mendes, Sílvio Gabriel Freire, Valéria Siqueira,
REVISÃO E EDIÇÃO Victoria Tapxure Scaramuzza, Yoshihiro Miyamura,
Georgia Evelyn Franco Guzman Yuri Augusto Barbosa Vargas
Jéssica Hércules Furtado
Michelle Neris da Silva Campos REDAÇÃO
Noeli do Carmo Faria redacao@bonijuris.com.br
ARTE
Ilustração: Giovana Tows (desenhos em ANÚNCIOS / ASSINATURAS
bico de pena), Simon Taylor (capa) comercial@bonijuris.com.br
Projeto gráfico original: Straub Design
DIAGRAMAÇÃO EXEMPLAR IMPRESSO
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FUNDADORES
REPOSITÓRIO AUTORIZADO
Gerson de Morais Garcez
Luiz Fernando de Queiroz TST 24/2001 – STF 34/2003 – STJ 56/2005

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DIREITO
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TRIBUNA LIVRE

Guilherme Borsatto PÓS-GRADUANDO EM DIREITO DO TRABALHO PELA PUC-CAMPINAS


Marco Lima ACADÊMICO DE DIREITO

DECISÕES RELEVANTES DO STF NA ÁREA TRABALHISTA

O
Supremo Tribunal Fede- o advogado teria até dois anos presa e cassou a decisão do
ral, órgão de cúpula do após o término do processo tribunal mineiro, afastando a
Poder Judiciário brasilei- para comprovar a modificação caracterização do vínculo de
ro e guardião da Consti- da situação de hipossuficiência, emprego e remetendo os autos
tuição Federal de 1988, é tam- a fim de receber os honorários. para a justiça comum, que tra-
bém o tribunal que mais tem Já em 2023, em maio, o minis- ta de relações entre particula-
inovado no direito do trabalho tro Alexandre de Moraes cassou res não regidas pela justiça do
nos últimos anos. uma decisão do Tribunal Regio- trabalho.
O stf tem se deparado com nal do Trabalho da 3ª Região, Em outra decisão relevante,
discussões, sempre do ponto de de Minas Gerais, que havia re- de junho de 2023, o ministro
vista constitucional, de maté- conhecido vínculo de emprego Dias Toffoli determinou a sus-
ria atinentes ao direito do tra- entre um motorista de aplica- pensão nacional de todas as
balho e que envolvem a relação tivo e a plataforma de viagens execuções trabalhistas contra
entre patrão e empregado. Cabify Agência de Serviços de empresas de um mesmo grupo
Decisão que promove um Transporte de Passageiros Ltda. econômico e que não tenham
impacto profundo na área tra- participado da fase de conhe-
balhista é a da ação direta de cimento.
inconstitucionalidade (adi) Antes, o tempo que o A decisão foi proferida
5766, de outubro de 2021, na caminhoneiro esperava no Recurso Extraordinário
qual o stf declarou a inconsti- a carga e descarga do 1.387.795 (Tema 1.232) com re-
tucionalidade do § 4º e caput do percussão geral. O recurso
veículo não era computado
art. 790-B, e § 4º do art. 791-A da ainda não foi julgado defini-
Consolidação das Leis do Tra- na jornada de trabalho tivamente, mas, na prática, a
balho (clt), os quais tratavam nembcontabilizado em decisão do ministro relator já
do pagamento de honorários horasbextras paralisa milhares de execuções
de sucumbência pelo benefi- trabalhistas até que seja defi-
ciário da justiça gratuita e que nido se é legítima a inclusão, já
foram introduzidos pela refor- Na reclamação constitucio- na fase de execução, de empre-
ma trabalhista (Lei 13.467/17). nal (rcl) 59.795, a plataforma sas que não tenham participa-
Na prática, os ministros de- alegava que a decisão do trt-3 do da fase de conhecimento do
clararam inconstitucional a violou decisões recentes do stf processo e que, por essa razão,
parte final do art. 791-A, “desde (adc 48; adpf 324; adi 5835; res não tenham tido oportunidade
que não tenha obtido em juízo, 958252 e 688223) que permitem de se defender das alegações.
ainda que em outro processo, outros tipos de contrato dife- Além disso, mais recen-
créditos capazes de suportar a rentes da estrutura tradicional temente, em 30 de junho, o
despesa”. Dessa maneira, não celetista, além de sustentar plenário do stf, por maioria,
poderia haver um desconto que não há restrição na ter- declarou inconstitucionais 11
automático do que o trabalha- ceirização da atividade-fim da pontos da lei dos caminhonei-
dor recebeu no processo ou em empresa. ros (Lei 13.103/15), como pausa
outra ação para o pagamento Ao analisar o caso, o minis- para descanso, repouso sema-
de honorários. Nessa hipótese, tro deferiu o pedido da em- nal e jornada de trabalho.

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TRIBUNA LIVRE

O ponto de principal altera- futuro, inclusive quando se decisões, as quais, sem modu-
ção foi o que trata do tempo de recorda das ações em matéria lação de efeitos, já devem ser
espera. Antes, o tempo que o trabalhista ainda não julgadas aplicadas à Justiça do Traba-
caminhoneiro esperava a carga pelo Supremo, é certo que a lho. Assim, a mudança não é
e descarga do veículo não era atuação do stf será cada vez futura, mas atual.
computado na jornada de tra- mais ativa no âmbito do direi- É absolutamente necessário
balho nem contabilizado em to do trabalho. que aqueles na linha de frente
horas extras. Agora, após a de- Não parece existir dúvidas do direito do trabalho, isto é,
cisão do Supremo, o tempo de de que o Supremo passará a empregados e empregadores,
espera será considerado tempo ditar ainda mais os rumos do permaneçam atentos às modi-
à disposição do empregador, o direito do trabalho, o que re- ficações legais trazidas pelas
que, por consequência, deter- vela a necessidade de que os decisões e que se adaptem aos
mina sua contabilização na tribunais e os profissionais novos entendimentos, a fim de
jornada diária do funcionário, da área estejam cada vez mais evitar problemas e condena-
inclusive para o cômputo de preparados para absorver os ções futuras. 
horas extraordinárias, aquelas impactos das decisões.
que ultrapassam o período de Não há cartilha ou infor- Guilherme Borsa�o. Advogado. Pós-
-graduando em Direito do Trabalho
jornada normal contratada, mativo que dite quando as pela PUC-Campinas.
que geralmente é de oito horas mudanças passarão a valer. Na Marco Antonio de Lima. Acadêmico
por dia. prática, o direito do trabalho já de Direito no escritório gba Advoga-
Analisando as decisões re- mudou completamente e foi dos Associados.

centes e a perspectiva para o radicalmente impactado pelas

José Jácomo Gimenes JUIZ FEDERAL E PROFESSOR APOSENTADO

ATRASOS DO STF GERAM DÍVIDA BILIONÁRIA

A
crise dos precatórios car- Entre as grandes demandas dos precatórios (e compensa-
rega uma conta atual de tributárias contra a União, des- ções) é certo, imenso, crescente
R$ 270 bilhões a ser paga tacam-se a “tese do século”, ex- e complexo; uma tragédia na-
pelo poder público e po- clusão do icms da base cálculo cional em andamento, envol-
derá alcançar R$ 700 bilhões do pis e da Cofins, com impac- vendo União, estados e municí-
em 2026, segundo estimativas. to estimado no orçamento pú- pios. O Executivo e Legislativo
Entre as ações judiciais contra blico acima de R$ 300 bilhões, federal vêm apresentando e
a União com risco de derrota, entre restituições via precató- debatendo soluções possíveis,
mais de 60% são questões tri- rios e compensações. Depois, como limites anuais para paga-
butárias, que já foram estima- vêm as ações judiciais envol- mento de precatórios, exclusão
das em mais de R$ 1,4 trilhão, vendo crédito de insumos no dos mesmos do teto de gastos
com possibilidade de geração pis e Cofins, com impacto esti- (ou das chamadas despesas
de mais precatórios. Para com- mado acima de R$ 200 bilhões. primárias) e até parcelamento
paração da grandeza, o orça- Mesmo que os números aci- para pagamento.
mento federal da saúde para ma sejam estimativas exagera- Um ponto central, o prin-
2023 foi de R$ 146 bilhões. das, o problema do pagamento cipal causador dessa tragédia

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TRIBUNA LIVRE

nos pagamentos públicos, en- É direito da sociedade reagir Esse disparate ocorre por
tretanto, não tem sido lem- contra aumentos e mudanças conta de uma desacerto es-
brado e considerado para en- nos tributos, buscando reco- trutural maior, exatamente o
frentamento do problema: a nhecimento de inconstitucio- modelo absurdamente con-
demora exagerada do stf para nalidades, realizando uma ne- centrador de competências
decidir questões de abrangên- cessária e salutar impugnação processuais impostas à nossa
cia nacional, especialmente democrática. O que é anormal suprema corte, que acaba re-
tributárias e previdenciárias, e nocivo é o stf demorar mui- cebendo mais de 70 mil pro-
que têm forte impacto nos or- tos anos para julgar demandas, cessos por ano, funcionando
çamentos públicos, gerando às vezes décadas, gerando mo- como corte constitucional,
grandes ondas de expectativas numentais expectativas jurídi- recursal e até instrutória em
jurídicas e, quando vencido o cas, milhares de ações judiciais alguns casos, estranhíssimo
poder público, bolsões mons- repetitivas pelo país afora, dis- arranjo na comparação com
truosos de precatórios (ou putados filões jurídicos, acu- suas congêneres, impossibili-
compensações). mulações bilionárias de possí- tando o julgamento rápido das
O exemplo máximo da rui- veis créditos e, depois, severas causas de maior importância
nosidade causada pela demora dificuldades para o orçamento para a nação, especialmente
do stf é a da chamada “tese público. questões tributárias de grande
do século”, acima mencionada, abrangência e grave impacto
que, mesmo com modulação financeiro.
dos efeitos em favor do fisco, É direito da sociedade Outro ponto pouco debati-
gerou um bolsão de restitui- reagir contra aumentos do e considerado é a maldade
ções estimado acima de R$ 300 e a injustiça em relação aos
e mudanças nos
bilhões. Este processo ficou consumidores, os contribuin-
girando nos escaninhos do tributos, buscando tes de fato dos tributos embu-
stf por muitos anos. Chegou reconhecimento de tidos nos preços dos produtos
ao stf em dezembro de 2007 inconstitucionalidades e serviços. Os contribuintes
e foi julgado somente em 2017, de direito, empresas fornece-
com recurso de embargos de doras dos produtos e serviços,
declaração julgado em setem- Nestes casos, o tamanho da enquanto debatem a validade
bro 2021, portanto, 14 anos de dívida a ser paga pelo Poder dos tributos por décadas, em
demora (re 574.706/pr). Público é diretamente propor- quatro instâncias, até chegar
Entre dezenas de casos, cional à demora do stf para jul- ao stf, cobram dos clientes,
mais dois exemplos: crédito gar a causa. Em alguns, a quan- consumidores finais, embuti-
de insumos no pis e Cofins, tia é tão elevada que passa a ser dos nos preços, o tributo im-
com impacto estimado de R$ argumento financeiro para mo- pugnado. Entretanto, quando
200 bilhões, chegou ao stf em dulação (redução) dos efeitos recebem as restituições milio-
2014 e foi julgado somente em da decisão. Caso o stf tivesse nárias acumuladas, via preca-
novembro de 2022, com trân- julgado essas grandes contro- tórios ou compensações, não
sito em julgado em fevereiro vérsias em prazos razoáveis, devolvem a parte dos consumi-
de 2023 (re 841.979); icms sele- máximo de 1 ou 2 anos, cum- dores, desatendendo ao senti-
tividade, alíquota maior para prindo a exigência constitucio- do do art. 166 do ctn e Súmula
telecomunicações e energia nal de eficiência e a urgência da 546 do stf.
elétrica, começou na Justiça modernidade em que estamos Temos então uma situação
de Santa Catarina com ação inseridos, a situação dos paga- duplamente trágica e injus-
contra lei estadual de 1996, mentos públicos seria muito ta, provocada pelo modelo
chegou ao stf em 2012 e só foi diferente, além da segurança e altamente concentrador de
julgado em dezembro de 2021 confiança jurídica decorrente competências no stf e conse-
(re 714.139/sc). para todo o sistema legal. quentes atrasos exagerados no

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TRIBUNA LIVRE

julgamento de questões nacio- cional e consequente acumula- com dezenas de alegações de


nais importantes: o problema ção de créditos bilionários. O inconstitucionalidade, a serem
do pagamento, via precatório stf precisa buscar caminhos resolvidas pelo stf. A continu-
ou compensação, provocando e ferramentas eficientes para ar esse modelo demorado de
graves crises nos orçamentos enfrentar essa distorção es- solução, essa tragédia se repe-
públicos e a transferência de trutural, passando certamente tirá, ainda com mais gravidade,
riquezas retiradas da econo- por forte redução de sua com- para as próximas duas ou três
mia popular, de milhões de petência processual. gerações. A sociedade precisa
consumidores, contribuintes Não bastasse, tem ainda a cobrar dos poderes constitu-
de fato, para poucos contri- possibilidade de agravamento ídos um acertamento nesse
buintes de direito, grandes em- ndessa crise vexatória. Está em destempero judicial, para o
presas, gerando enriquecimen- andamento, no parlamento, bem do Brasil. 
tos duvidosos. um novo arcabouço tributário
O stf não pode deixar de nacional, com grandes mudan- José Jácomo Gimenes. Juiz federal
e professor aposentado do Departa-
enfrentar essa disfuncionali- ças e inclusive criação de no- mento de Direito Privado e Proces-
dade, por mais de uma década, vos tributos. Após aprovação, sual da Universidade Estadual de
muitas vezes duas, para resol- a nova legislação certamente Maringá-pr.
ver controvérsia tributária na- será escrutinada e impugnada

Pedro Rafael Thomé Pacheco ADVOGADO


Milena Sampaio Soares ADVOGADA

MOMENTO DA MODIFICAÇÃO DO ÔNUS DA PROVA

A
distribuição do ônus da No seu voto, o relator deli- nem mesmo no âmbito do pró-
prova é tema de absolu- mitou a controvérsia do REsp prio stj, havendo divergência
ta relevância no proces- ao momento adequado para a entre a 3ª e a 4ª Turmas, ambas
so civil. Tanto o direito inversão do ônus da prova no componentes da 2ª Seção.
à inversão do ônus da prova caso de responsabilidade por Ainda, ele explica que há
como o momento em que ela vício de produto. duas modalidades de inversão
deve ou pode ocorrer geram Apesar da delimitação, os do ônus da prova previstas no
muitas divergências de enten- fundamentos ensejam bri- cdc: ope legis, imposta pela lei,
dimento. Tudo porque, a de- lhante racionalidade jurídica, de modo que naturalmente as
pender do momento, ela pode perpassam por princípios pro- partes já conhecem o ônus da
trazer situações de prejuízo à cessuais e constitucionais e, prova que lhe cabe produzir
parte surpreendida. por isso, podem ser aplicados antes mesmo de formar a rela-
Em vista disso, a Terceira aos demais operadores proces- ção jurídico-processual; e ope
Seção do stj debruçou-se so- suais, cíveis, trabalhistas, ad- judicis, resultante da avalia-
bre o assunto, e, por maioria, ministrativos e do consumidor. ção casuística do magistrado
uniformizou a jurisprudência O relator esclarece que a que, verificando os requisitos
no REsp 802.832/mg, de relato- questão do momento em que da verossimilhança e hipossu-
ria do ministro Paulo de Tarso pode ocorrer a modificação do ficiência, aplica o art. 6º, viii,
Sanseverino. ônus da prova não é pacífico do cdc.

14 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


TRIBUNA LIVRE

Nessa segunda (ope judi- de inércia, quando agem em


cis) é que surgem as questões conformidade com uma expec-
sobre o momento processual tativa justa e razoável.
adequado para que o juiz mo- Segundo o relator, para que
difique o ônus da prova. isso aconteça, a inversão ope
O relator menciona que o judicis deve ocorrer preferen-
entendimento do stj é de que cialmente na decisão sanea-
a inversão do ônus da prova dora: “Desse modo, confere-se
é regra de julgamento (REsp maior certeza às partes acerca
422.778/sp), e que não desco- dos seus encargos processuais,
nhece que as normas relativas evitando-se a insegurança”.
ao ônus são, também, regras de Considerando o entendi-
julgamento dirigidas ao juiz, mento do REsp 881.651/ba, o
que utiliza a técnica como so- relator votou por negar provi-
lução de contrapartida à veda- mento ao recurso especial, a
ção do non liquid. fim de manter o acórdão que
Contudo, sobressalta a rele- desconstituiu a sentença que
vância da posição das partes determinou nela própria a in-
na distribuição do ônus da pro- versão do ônus da prova.
va, visto que não somente não Em vista disso, os autos de-
serve apenas ao magistrado verão retornar ao juízo de pri-
no julgamento, mas também meiro grau, que, entendendo
impõe uma “regra de condu- por manter a inversão do ônus,
ta para as partes” como uma deverá reabrir a oportunidade
“norma de instrução”. de indicação de provas e reali-
Ainda, afirma que a distri- zar a instrução.
buição do ônus norteia como E, assim, deve ser feito de
uma “verdadeira bússola” o agora em diante, por força do §
comportamento processual 1º do art. 373 do Código de Pro-
das partes, visto que, sobre cesso Civil, sobretudo porque
quem recai o ônus de provar, o processo não é um jogo de
naturalmente atua com maior surpresas, mas de atuação con-
vigor, intensidade e interesse forme expectativas legítimas,
na produção da prova. sempre em colaboração, sob a
No caso do recurso julgado, égide do princípio da boa-fé,
a parte desistiu da produção consagrada pelo direito civil
da prova porque o ônus não e que aqui também tem lugar
lhe fora atribuído, porém ja- adequado. 
mais desistiria de produzir a
Pedro Rafael Thomé Pacheco. Advo-
prova se soubesse antecipada-
gado inscrito na oab/pr sob 45.618.
mente que a ela (parte) recairia Membro da Academia Brasileira de
o ônus probatório. Direito do Agronegócio (Abrada).
Portanto, segundo o stj, as Cursou especialização em Direito
Imobiliário, Notarial e Registral pela
partes devem ter exata ciência Universidade de Santa Cruz do Sul/rs.
do ônus que está atribuído a si, Milena Sampaio Soares. Advogada
para que possam participar do inscrita na oab/pr sob 117.833. Cursan-
do especialização em Direito Proces-
processo produzindo as provas
sual Civil pela Escola de Magistratura
necessárias, não podendo sofrer Federal do Paraná.
prejuízos ao tomar uma atitude

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 15


TRIBUNA LIVRE

Felipe Amorim Biesemeyer ACADÊMICO DE DIREITO PELA PUCPR

SÚMULA 211 DO STJ E LIMITAÇÕES AO ACESSO À JUSTIÇA

A
Súmula 211 do stj tem o não mais obstaria a subida do O ativismo judicial, sem dú-
seguinte enunciado: recurso especial no caso da vida, tem seu papel, mas deve
“Inadmissível recurso es- ausência de pronunciamento ser sempre ponderado, sob
pecial quanto à questão que, do tribunal ad quem. Afinal, se pena de violar o próprio equilí-
a despeito da oposição de embargos trata de uma negativa de pres- brio dos poderes institucionais
declaratórios, não foi apreciada tação jurisdicional. e acabar sendo mais maléfico à
pelo tribunal a quo.” Não obstante, observando segurança jurídica, se compara-
também a clássica pirâmide de do àqueles direitos que preten-
Na vigência do cpc/73, a Kelsen, conceito básico e hierár- dia defender e assegurar. Para
súmula em questão impedia a quico de todo o ordenamento, além, parece que não se está
análise de grande parte dos re- não há nenhuma dúvida de que diante de um mero ativismo,
cursos especiais que chegavam a lei federal (ordinária), ao me- mas sim de uma contrariedade
ao stj. Ora, sem dúvidas, a au- nos em tese, teria maior hierar- entre legislador e judiciário.
sência de saneamento da ques- quia se comparada à súmula. Ainda que a corte superior
tão embargável pelo tribunal, O ponto central a favor da tenha o papel de dar sentido às
após o manejo de embargos de validade da súmula era que disposições federais, não po-
declaração, ao teor da Súmula não houve o cancelamento ex- deria evidentemente atribuir
211/stj, ensejaria, de pronto, presso pelo tribunal, ainda que sentido completamente diver-
uma inadmissão do especial. não estivesse sendo utilizado so do que diz a lei, sabendo que
Inovando acerca do tema com frequência. a faculdade de legislar é, origi-
e em sentido completamente Pois bem, no mês de setembro nariamente, do legislativo.
contrário, o cpc/2015, em seu de 2023, a 2ª Turma do stj, em A preocupação atual, por-
art. 1.025, possibilitou a análi- decisão inesperada, declarou a tanto, vem concentrada no caso
se do especial sobre a matéria validade do enunciado, dizendo de utilizar-se da aplicação da
embargada, ainda que os em- ainda que o art. 1.025 do cpc não Súmula 211 unicamente como
bargos de declaração não hou- revogou suas disposições. jurisprudência defensiva, reali-
vessem sido conhecidos. Indubitavelmente, a decisão zada por meio de interpretação
Tendo em vista a nova dis- abalou a comunidade jurídica. extensiva, a fim de evitar a su-
posição da lei, criou-se o debate Parece-nos que em especial, o 2º bida de recursos à corte.
entre os operadores do direito critério estabelecido é o que con- Não é segredo a ninguém a
sobre o efetivo cancelamento e tém a maior problemática, pois grande problemática do cres-
revogação tácita da referida sú- se revela inteiramente contrário cente número de recursos
mula com a chegada do vigente ao que dispõe o atual código. chegando as cortes superiores
código; era quase que certo aos Portanto, sabendo do papel todos os anos, e, por tal razão,
advogados de que houve a re- do stj de formador de prece- o stj já adotou e vem adotando
vogação do enunciado. dentes e de intérprete da le- diversas medidas de conten-
Considerando, é claro, a ra- gislação federal, é impreterível ção para resolver o problema.
tio legis do legislador, aliada à que atribua o sentido correto e Esses esforços estão sem-
sistemática do atual código de literal da lei, sem realizar inter- pre alinhados para diminuir a
instrumentalidade do proces- pretações extremamente ex- entrada de recursos na via es-
so e de primazia do mérito, era pansivas e ativistas, em desa- pecial procurando melhorar a
factível que a antiga súmula cordo à intenção do legislador. prestação jurisdicional em nos-

16 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


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TRIBUNA LIVRE

so país. O que não se pode per- Nesse caso, na hipótese do própria prestação jurisdicio-
mitir que aconteça é que, em si- retorno da aplicação da Sú- nal, violando, portanto, direito
tuações como a presente, onde mula 211 em detrimento do fundamental, em vista do dis-
a lei federal já definiu expressa- art. 1.025 do cpc, poderemos posto na Constituição Federal,
mente o cabimento de recurso não tratar meramente de uma no inc. xxxv do art. 5º.  
especial sobre tema não ana- aplicação que visa aprimo-
lisado nos eds, seja objurgada rar o sistema judiciário como Felipe Amorim Biesemeyer Acadêmi-
co de direito pela pucpr.
pelo tribunal e não aplicada. um todo, mas, em realidade,
poderá estar se impedindo a

REFERÊNCIAS
BRASIL. EDcl no AgInt no AREsp n. 2.222.062/ http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ 2011/16933/Discurso_Posse_Gomes%20
DF. Embargante: SINDICATO DOS POLICIAIS Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm Aces- de%20Barros.pdf. Acesso em: 20 out. 2023.
CIVIS DO DF. Embargado: Distrito Federal. so em: 20 out. 2023. BRASIL. STJ. Súmula 211. Brasília, Corte Espe-
Relator Ministro Francisco Falcão. Brasília, BRASIL. STJ. Ministro HUMBERTO GOMES DE cial, 1996.
22 de agosto de 2023. BARROS. Brasília, 2008. Disponível em:
BRASIL. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. https://bdjur.stj.jus.br/jspui/bitstream/
Código de Processo Civil. Disponível em:

Nasser Ahmad Allan DOUTOR EM DIREITO PELA UFPR

SEIS ANOS DA REFORMA TRABALHISTA: PROMESSAS NÃO CUMPRIDAS

N
o dia 11 de novembro de peito das sequelas econômicas balho informal no mercado de
2017 entrou em vigência e sociais por ela produzidas. trabalho. Parece correto afir-
a reforma trabalhista, Na Câmara dos Deputados, mar que, para aqueles legisla-
como ficou conhecida a o relator do projeto e hoje sena- dores, os direitos de quem esta-
Lei 13.467. Decorridos seis anos, dor, Rogério Marinho, sustenta- va inserido no mercado formal
parece conveniente confron- va a reforma como necessária, seriam os responsáveis pelo de-
tar os objetivos na época expli- por conferir maior liberdade semprego e pela informalidade
citados por seus idealizadores de negociação às empresas e impostos aos demais.
com as consequências efetiva- sindicatos, retirando-lhes as A reforma produzida na
mente alcançadas. amarras da legislação estatal, legislação laboral mostrou-
De iniciativa do Poder Exe- compreendida protetiva em -se bastante abrangente, im-
cutivo, o projeto que original- excesso e, portanto, inibidora portando na modificação de
mente previa oito modificações do desenvolvimento econômi- diversas regras de direito ma-
depois de poucos meses deixa- co. De igual modo, desejava-se terial, processual do trabalho
va o Congresso Nacional para maior segurança jurídica para e direito sindical. No entanto,
sanção presidencial com mais as negociações diretas entre tais alterações partiram das
de 200 alterações na Consolida- empregadores e empregados. seguintes premissas: facili-
ção das Leis do Trabalho (clt). Os direitos trabalhistas eram tar o emprego de mão de obra
A maior reforma na história da tachados como entrave ao cres- mediante contratos precários,
legislação trabalhista foi pro- cimento da economia brasileira entendendo-os como aqueles
movida a toque de caixa, sem e, por isso, culpados pelas altas que contam com proteção so-
propiciar maior debate a res- taxas de desocupação e de tra- cial minorada, quando compa-

18 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


TRIBUNA LIVRE

rada à concedida aos contratos gumas décadas, os resultados obra e, assim, diminuir as taxas
convencionais; reduzir direitos efetivamente alcançados es- de desocupação, subutilização e
em relação à jornada e à remu- tão muito distantes daqueles informalidade, mediante a am-
neração; privilegiar o acordo prometidos por seus idealiza- pliação de empregos formais.
individual entre empregado dores. Tais políticas, além de No ano de 2012, cinco anos
e empregador, inclusive para não concretizarem o desejado antes do início de vigência da
reduzir ou retirar direitos tra- crescimento econômico, con- reforma, quando as relações
balhistas; estabelecer a pre- tribuíram para favorecer a sociais de produção eram re-
dominância das negociações maior concentração de renda e gradas pela legislação estatal
coletivas sobre a legislação a empobrecer a população que “obsoleta, intrusiva e ultrapas-
estatal, mesmo quando supri- vive da sua força de trabalho. sada”, nos dizeres dos propa-
mem ou mitigam direitos de E no Brasil não haveria de gandistas da reforma trabalhis-
trabalhadores; enfraquecer as ser diferente. A versão difun- ta, a taxa média de desocupação
entidades sindicais profissio- dida pelos propagandistas da (desemprego) da população
nais com a asfixia financeira reforma era a de que as altera- em idade para trabalhar, men-
imposta pela proibição de co- ções na legislação estariam em surada pelo ibge, era de 7,4%,
brança de contribuições de não conformidade com a nova rea- com taxa de subutilização da
sócios, combinada com o fim da lidade do mercado de trabalho força de trabalho (desocupa-
ultratividade de acordos e con- no país, refletindo os anseios ção adicionada ao contingente
venções coletivas de trabalho subocupado por insuficiência
(a persistência das regras nego- de horas de trabalho semanais)
ciadas coletivamente mesmo A versão dos propagandistas de 18,4%, percentual reduzido a
após a vigência do instrumen- da reforma era a de que 15,1% dois anos depois, em 2014.
to que as instituiu até que so- Em 2016, ano imediatamen-
as alterações na legislação
brevenha outro que as renove te anterior à reforma, as taxas
ou revogue expressamente) e estariam em conformidade aferidas pelo ibge indicavam
constranger o acesso de traba- com a nova realidade do desemprego em 11,5%, subutili-
lhadores à Justiça do Trabalho, mercado de trabalho zação em 20,9% e informalida-
com a limitação do direito à as- de (trabalhadores sem carteira
sistência judiciária gratuita. assinada ou, se por conta pró-
Medidas similares às im- das forças produtivas, e, por pria, sem registro formal de
plantadas no Brasil podem ser isso, estimulariam a criação trabalho) em 38,6%.
percebidas em grande parte de empregos formais. Restava, Com a intenção declarada
do mundo ocidental, onde as claro, nessa linha discursiva, a de retirar direitos de quem es-
crises do capitalismo foram relação diretamente proporcio- tava inserido no mercado for-
enfrentadas com programas nal estabelecida entre reduzir mal de trabalho para fomentar
neoliberais de austeridade, re- direitos e fomentar a economia. o crescimento econômico, em
sultando, entre outras, na re- Cumprido o sexto aniver- novembro de 2017 passou a vi-
tirada de direitos sociais, flexi- sário da entrada em vigor da ger a Lei 13.467, ano em que a
bilização negativa de direitos reforma trabalhista no país, taxa média de desocupação foi
trabalhistas e ataques às or- os indicadores econômicos do de 12,7%, com subutilização de
ganizações sindicais de traba- mercado de trabalho brasilei- 23,9% e informalidade de 40,8%.
lhadores, como forma de inibir ro persistem em desmentir os A julgar-se pela contundên-
movimentos de resistência. seus ideólogos. Os legislado- cia que essas alterações legisla-
Em alguns desses países, res daquele período, ao menos tivas foram defendidas, difun-
nos quais as políticas de auste- publicamente, afirmavam ser didas como inclusão do país na
ridade importam em redução necessária uma profunda re- contemporaneidade, passados
da proteção social ao trabalho forma da legislação a fim de quase seis anos de sua vigên-
e à classe trabalhadora há al- reduzir os custos com mão de cia, os resultados efetivos já

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 19


TRIBUNA LIVRE

podem ser confrontados com mente em 2022 (20,8%) e 2023 – 40,1%, 2022 – 39,6 % e segun-
os prometidos. (17,8% no segundo trimestre), do trimestre de 2023 – 39,2%),
De acordo com os levanta- se comparada a 2017, ano de as modificações introduzidas
mentos da pnad, a taxa média início de vigência da reforma pela reforma trabalhista ser-
de desocupação sofreu peque- trabalhista. viram ao propósito de mitigar
na redução em 2018 (12,3%) e Os índices de informalidade a proteção social ao trabalho
2019 (11,9%), subindo em 2020 no mercado de trabalho bra- e, por consequência, reduzir a
(13,5%) e 2021 (13,2%), mas com sileiro, registrados na pnad renda média de quem vive da
nova queda em 2022 (9,3%) e entre 2016 e 2023, indicam que, venda da força de trabalho e,
2023 (8% no segundo trimes- muito distante de estimular assim, potencializar os lucros
tre), índices bem acima da refe- o crescimento econômico ou de quem compra essa força.
rida em 2012. combater a informalidade no
A taxa de subutilização da mercado de trabalho, já que Nasser Ahmad Allan. Advogado espe-
cialista em Direito do Trabalho sócio
força de trabalho, aferida em essa taxa manteve-se estável do Gasam Advocacia. Mestre e doutor
15,1% em 2014, foi registrada em quando não em alta, se com- em Direito pela Universidade Federal
alta de 2018 a 2021 (24,4%, 24,2%, parada a 2017 (2018 – 40,4%, do Paraná (ufpr) e professor em cur-
28,2%, 27,2%) e com queda so- 2019 – 40,7%, 2020 – 38,3%, 2021 sos de pós-graduação.

Renee do Ó Souza PROMOTOR DE JUSTIÇA EM MATO GROSSO

ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO NOS CRIMES FUNCIONAIS

A
era da justiça negocial instituto do “acordo de não Esse amplo alcance, todavia,
tem como principal pon- persecução penal”, inserido no não pode levar à “destutela” da
to positivo uma atuação art. 28-A do cpp por meio da Lei administração pública, situa-
pautada na racionalida- 13.964/19, que elasteceu o siste- ção possível no caso de as con-
de gerencial, porque assegura, ma de justiça consensual para dições fixadas no acordo serem
de um lado, resposta mais rá- crimes de médio potencial insuficientes para aquela pro-
pida aos crimes menos graves, ofensivo, considerados assim teção. Em casos de elevada gra-
respeitando sempre a autono- aqueles praticados sem violên- vidade do fato, grande extensão
mia da vontade do investigado cia ou grave ameaça à pessoa. do dano causado, ou significati-
e a ampla defesa, garantida pela Anote-se que esse pressupos- vo proveito patrimonial obtido
indispensabilidade da defesa to paramétrico não impede a ce- pelo agente, na dicção do inc.
técnica e, de outro lado, permi- lebração desse ajuste nos casos v do art. 28-A do cpp, podem
tindo ao Ministério Público e de delitos praticados contra a ser ajustadas outras condições
ao Poder Judiciário maior dedi- administração, principalmente desde que proporcionais e com-
cação e celeridade no que toca porque o patamar legal de pena patíveis com a infração penal
à apuração de crimes graves. mínima inferior a quatro anos, aparentemente praticada.
Além do sistema da Lei previsto naquela norma, o ha- Podem, desse modo, ser
9.099/95, adstrito aos crimes bilita em praticamente todos os avençadas condições como i)
de pequeno potencial ofensivo, crimes funcionais previstos na compromisso de não contratar
a legislação conta com o novo legislação penal brasileira. com o poder público ou rece-

20 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


TRIBUNA LIVRE

ber benefícios ou incentivos Porém, a proporcionalidade lítica de proteção à probidade


fiscais ou creditícios, direta ou e a compatibilidade da condi- administrativa em todos os sis-
indiretamente, ainda que por ção peculiar mencionada no temas sancionatórios vigentes.
intermédio de pessoa jurídica inc. v, nos casos que versem É dizer: os acordos penais
da qual seja sócio majoritário, sobre crimes contra a adminis- não devem transacionar, nego-
por determinado período; ii) tração pública, deve pautar-se ciar e acordar efeitos sanciona-
exoneração ou renúncia do car- pela necessidade de conferir dores daquele sistema jurídico
go, função pública ou mandato ao acordo de não persecução de modo inadequado, desneces-
eletivo; iii) renúncia ao direito um instrumento de tutela sufi- sário e insatisfatório, de modo a
de candidatar-se a cargos públi- ciente do direito fundamental vulnerar o direito fundamental
cos eletivos, por determinado à probidade administrativa. à probidade administrativa. Ul-
período. Devem ser engendradas condi- trapassar esse limite mínimo
Trata-se de condições que enseja violação ao princípio da
resguardam o efeito prático proporcionalidade na vertente
equivalente a alguns dos efei- Os acordos penais não proibição da proteção deficien-
tos penais secundários e extra- devem transacionar, te, visto que dispor do direito
penais de uma sentença penal negociar e acordar efeitos sancionador nesses casos leva
condenatória proferida em uma desproteção àquele direi-
sancionadores do sistema
processos que versem crimes to fundamental.
funcionais, como a perda do jurídico de modo inadequado Os acordos devem, assim,
cargo, função pública ou man- e desnecessário compatibilizar a proteção nor-
dato eletivo, suspensão dos di- mativa pretendida pelo proje-
reitos políticos e inelegibilida- to constitucional decorrente
de ou inabilitação para outro ções que reforcem a confiança do art. 37, § 4º, da cf, razão pela
cargo público. nos serviços públicos median- qual comportam, com criati-
É certo que as condições te a produção de efeitos pre- vidade e atendimento ao caso
acima exemplificadas também ventivos (específicos e gerais) concreto, medidas e condições
podem ser inseridas no inc. ii semelhantes àqueles ineren- suplementares a serem inseri-
do art. 28-A do cpp, que prevê tes às sanções da Lei 8.429/92 das no ajuste negocial. 
a possibilidade de previsão de (com alterações dadas pela Lei
condição com renúncia volun- 14.230/21) que, embora não seja Renee do Ó Souza. Mestre em Direito.
Promotor de Justiça em Mato Grosso.
tária de direitos que serviram norma de direito penal, deve Professor e autor de obras jurídicas.
de instrumentos do crime. conformar uma coerente po-

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 21


ENTREVISTA

“O QUE O SUPREMO IMPÔS

Arte: Giovana Tows


FOI O DEVER DE CHECAGEM
DA INFORMAÇÃO”
ÁLVARO PALMA DE JORGE
PROFESSOR DE DIREITO DA FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS (FGV-RIO)

P
rofessor na FGV-Rio de Direito e autor do livro Supremo Interesse (Editora Synergia,
2020), em que analisa o processo de escolha dos ministros do stf, Álvaro Palma de
Jorge diz que a corte não é um ambiente político-partidário e rechaça a ideia de que
as decisões dos ministros sejam pautadas pelos ânimos de uma ou outra corrente ide-
ológica. “O stf tem que definir com base na lei e, se isso vai esquentar ou vai esfriar o
debate político, trata-se de um subproduto da decisão”. No ano passado, a corte admitiu, por
maioria de votos, que as empresas jornalísticas poderiam ser responsabilizadas civilmente
pela fala de entrevistados e isso gerou ataques de juristas e dos próprios jornalistas. Houve
quem ressuscitasse até mesmo o fantasma da censura prévia. Para o professor, há muita ce-
leuma em torno da decisão. O que a corte fez, segundo ele, foi juntar liberdade e responsabili-
dade, que incluem a devida checagem da informação. “O que se impôs foi o dever de cuidado,
e esse é um dever salutar, um dever importante, parecido inclusive com o que, há muitas dé-
cadas, a suprema corte dos Estados Unidos determinou”, diz Jorge. Para ele, argumentar que
o entendimento do stf pode servir para estimular a censura interna dos veículos de comuni-
cação é frágil. “Desde a Constituição de 1988, o stf é um grande aliado da liberdade de expres-
são no país. Basta verificar a quantidade de vezes que a corte prolatou decisões defendendo
a liberdade de imprensa e expressão”. No cenário mais criticado, no qual a interpretação da
corte parece atingir até mesmo os programas veiculados ao vivo, em que não é possível con-
trolar o que o entrevistado irá dizer, Jorge sai em defesa do stf e diz que a decisão não con-
templa essa possibilidade. “Não me parece que o precedente do Supremo seria aplicável nes-
se caso, porque é uma situação distinta e que justamente por isso não permite a apuração”.
Jorge, entretanto, se diz crítico das decisões monocráticas de ministro do stf quando tratam
de temas relevantes para a sociedade brasileira. Em 2019, o ministro Alexandre de Moraes
determinou a retirada do ar de uma matéria de revista digital que citava o envolvimento do
então presidente da corte, Dias Toffoli, em suposto esquema da Odebrecht. “Essa não foi uma
decisão do colegiado e isso reflete um problema quando o stf não age como corte, quando
atua de forma monocrática”. A seguir, os principais trechos da entrevista.

A decisão do stf com repercussão geral (Tema Não, na verdade me parece justamente o contrá-
995, re 1.075.412) admitindo a possibilidade rio. O que se vê a torto e a direito no Brasil são de-
de responsabilização civil das empresas jor- cisões judiciais que procuram justamente inibir
nalísticas por fala de entrevistado é censura a publicação de matérias, e esse foi um assunto
prévia? que estava por trás desse posicionamento do Su-

22 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


ÁLVARO PALMA DE JORGE ENTREVISTA

premo. Temos que lembrar que a censura prévia


procura fazer com que determinada informação
não ganhe a esfera pública. E a decisão do Supre-
mo não é essa. O que o stf procura dizer é que,
em um regime democrático, há plena circulação
de ideias e opiniões. O que não deve ocorrer, evi-
dentemente, é que as informações veiculadas se-
jam falsas, mentirosas, não checadas. Para esse
tipo de coisa, inclusive, a Constituição já prevê
direito de resposta e indenização pelo agravo so-
frido. O Supremo já tem uma posição há muitos
anos, pelo menos desde 2012, na Ação Direta de
Inconstitucionalidade (adi) 4451, que foi de rela-
toria do ministro Carlos Ayres Bri�o, em que diz
claramente que não caberia ao Estado definir
previamente o que pode ou não pode ser publica-
do pelas pessoas, pelos jornalistas, o que é abso-
lutamente diferente de se imputar uma calúnia,
uma difamação, uma injúria a alguém e, nesse
caso, pode haver a responsabilização devida.

Os ministros do stf defendem a decisão afir-


mando que, somente em casos gravíssimos, a
responsabilidade será imputada. Essa afirma- Atuando
ção, entretanto, não é sobejamente subjetiva?
O que a decisão faz é impor um cuidado dos há mais
veículos de imprensa. Um dever de checagem
da informação. E esse é um dever salutar, é um
de 30
dever importante, parecido inclusive com o que,
há muitas décadas, a suprema corte dos Estados
anos
Unidos determinou. Essa checagem das informa- nas áreas de Direito
ções, com uma condição de não responsabiliza- Trabalhista, Cível,
ção, ajuda a proteger a própria imprensa. Se há Consumerista,
um processo prévio de checagem da verdade, a Empresarial, Societário,
imprensa vai ter sempre esse argumento de defe- Internacional, Mediação
sa, que é compatível e alinhado com essa decisão e Arbitragem.
do Supremo. Agora, no caso de uma publicação
panfletária, ideológica, que não se importa com
a checagem da pertinência ou da verdade daque-
la informação, a pessoa, o jornalista ou o veículo 41 3322 2490
de comunicação responderiam sim, porque seu 41 3029 2490
dever de checagem deveria ter ocorrido. Isso, no Curitiba | PR
momento em que a gente vive, com a prolifera-
ção de bolhas nas redes sociais, ajuda a fazer
com que os veículos eventualmente se compro- 11 3392 5907
metam a dar notícias e não apenas versões ou São Paulo | SP
distorções da realidade. Lembrando sempre que
a decisão assegurou uma indenização, no caso,
decorrente da ausência desse dever de cuidado.

A BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


REVISTA 23
“O QUE O SUPREMO IMPÔS FOI O DEVER DE CHECAGEM DA INFORMAÇÃO”

Não é papel do Supremo esquentar ou esfriar os ânimos políticos. O STF tem


que denir com base na lei e, se isso vai esquentar ou vai esfriar o debate
político, trata-se de um subproduto da decisão. Normal que assim o seja

Em um caso pós-decisão do stf, uma juíza do Eu acho que o stf, se você escolher alguns te-
Paraná determinou a retirada de uma notícia mas, avançou muito a sociedade brasileira em
da internet sobre o acordo de não persecução determinados aspectos. Esse é um ponto. Por
penal de deputados estaduais acusados de re- outro lado, na segunda parte de sua pergunta
ceber propina. Eles admitiram o crime e terão que diz respeito aos ânimos políticos, me parece
que ressarcir o erário em R$ 187 mil. Esse não é que essa não deve ser uma preocupação do stf.
um indício de que a decisão do stf está sendo Não é papel do Supremo esquentar ou esfriar
aplicada indevidamente? os ânimos políticos. O stf tem que definir com
Até onde me lembro, esse caso corria em segredo base na lei e, se isso vai esquentar ou vai esfriar
de justiça. Não conheço a decisão e acho difícil o debate político, trata-se de um subproduto da
opinar. Acho que não dá para tirar uma conclu- decisão. Normal que assim o seja. Qualquer de-
são. Precisaria ter acesso aos autos para fazer cisão de interpretação constitucional que privi-
qualquer tipo de avaliação. legia um valor e não o outro vai gerar a adesão
ou a visão de determinados grupos de que essa
A decisão do stf reforça as acusações de que decisão foi melhor ou pior, mas não cabe ao stf
o stf, desde 2019, quando mandou tirar do ar ficar pensando se ele deve atuar como alguém
uma notícia relativa ao ministro Dias Toffoli que vá deixar, no espectro político, determina-
publicada na revista “Crusoé” (‘O Amigo do do grupo mais ou menos feliz. O importante das
Amigo do Meu Pai’) e instalar, de ofício, o in- decisões da corte é que elas continuem promo-
quérito das fake news, está agindo contra a vendo os valores constitucionais com coerência.
liberdade de expressão e imprensa? Em certos momentos, elas podem ser aderentes
Essa não foi uma decisão do colegiado e isso a certas correntes políticas. Em outros, não.
reflete um problema quando o stf não age
como corte, quando atua de forma monocrá- De certa maneira, o stf não está replicando o
tica. E a decisão monocrática sobre um tema conceito do pl das fake news e elevando o ris-
como esse me parece que não é a mais acer- co de judicialização contra a imprensa?
tada. Dito isso, no conjunto da obra, desde A judicialização contra a imprensa é um fato
1988, o stf foi um grande aliado da liberdade da vida brasileira. Ocorre desde antes da Cons-
de expressão no país, tomou diversas decisões tituição de 88, e a raiz da perseguição à livre
nesse sentido. Veja a quantidade de vezes que imprensa é justamente a nossa tradição auto-
o stf prolatou decisões defendendo a liberda- ritária, especialmente das autoridades públi-
de de imprensa e expressão. Agora, o fato de cas. Isso envolve os três poderes. Existem várias
imputar responsabilidade ao veículo jorna- decisões no Judiciário, inclusive em termos de
lístico pela difusão mentirosa de informação censura prévia, que impedem publicações por
não checada é absolutamente compatível com criticar juízes, políticos, membros do Executi-
a liberdade de expressão. Liberdade com res- vo e assim por diante. Acho que o que essa de-
ponsabilidade. cisão traz de bom é que ela justamente reforça
a ideia de que não deve haver censura prévia,
O ativismo judicial e a postura convergente só deve haver responsabilização a posteriori se
dos ministros do stf prejudicam, em certa não houve um dever de cuidar. Assim, há muito
medida, os avanços da sociedade brasileira, mais segurança para a imprensa. Eu acho que
inclusive na tentativa de resfriar os ânimos essa decisão fixa justamente esse conceito, dei-
políticos? xa clara a impossibilidade da censura prévia e

24 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


ÁLVARO PALMA DE JORGE ENTREVISTA

A Constituição brasileira é notável em termos de promoção de direitos fundamentais.


Acho que é mais fácil os americanos olharem para nós e acharem que precisam
incorporar mais artigos da nossa Constituição na deles do que o inverso

restringe a responsabilização da imprensa para tivo pode contribuir. Mas não me parece que a
os casos em que não haja um dever de cuidado, solução seja legislativa. Existem situações que
ou seja, aqueles casos nos quais ocorrerá jorna- são difíceis da legislação dar conta. Só o princí-
lismo efetivamente de baixa qualidade. pio estabelecido pela decisão judicial e a inter-
pretação, a partir das provas dos autos, é que
Falta uma “primeira emenda” à Constituição irão trazer efetivamente uma solução adequa-
brasileira? da para o caso concreto. Acho difícil imaginar
Definitivamente não. Nós temos uma constitui- que o movimento legislativo seja capaz ou sufi-
ção que, em termos de texto, é muito mais sofis- ciente para afastar todos os problemas interpre-
ticada na proteção constitucional do que a dos tativos que acontecem no âmbito da liberdade
eua, mesmo com suas emendas. A Constituição de expressão. Inclusive porque é da atividade
brasileira é notável em termos de promoção de da imprensa o choque com outros valores cons-
direitos fundamentais e exemplo para o mundo titucionais, no que o caso da privacidade é um
todo. Acho que é mais fácil os americanos olha- exemplo, e aí o ator natural para realizar essa
rem para nós e acharem que precisam incorpo- ponderação é o poder Judiciário e não outro.
rar mais artigos da nossa Constituição na deles
do que o inverso. Em artigo publicado na seção “Tendência e
Debates” da Folha, há alguns anos, os juristas
Uma das questões levantadas por juristas e René Do�i e Miguel Reale Júnior defenderam
jornalistas após a decisão do stf foi a seguin- a manutenção da Lei de Imprensa por julgar
te: como ficarão as entrevistas ao vivo, quan- que, em alguns aspectos, a legislação prote-
do não há possibilidade de checar as afirma- gia veículos de comunicação e jornalistas dos
ções do entrevistado? ataques de governos e autoridades. Inclusive
Nesse particular não me parece que o preceden- no que dizia respeito às indenizações (que não
te do stf seria aplicável. É uma situação distin- ultrapassavam o teto de 20 salários-mínimos).
ta e que justamente não permite a apuração. A Qual é sua opinião?
não ser que já se saiba de antemão que a pauta Minha opinião é que a lei de imprensa não era
do entrevistado a ser no ar é mentirosa, não me boa para o jornalismo e nem para a democra-
parece que o precedente seja aplicável. Agora, se cia. Um teto de indenização podia ser eventu-
você resolve fazer uma entrevista ao vivo com almente bom para os donos dos veículos de
alguém que vá dizer que determinada pessoa imprensa, mas certamente não me parece que,
cometeu um crime que você sabe que não come- no conjunto da obra, a lei de imprensa fosse boa
teu, talvez aí a gente possa começar a discutir para o jornalismo. Na verdade, a gente precisa
a responsabilização. Mas não me parece que, a lembrar que esses casos de abuso ou não da li-
priori, a decisão do Supremo seja aplicável para berdade de expressão e imprensa comportam
os casos de entrevistas ao vivo. diversas análises que dependem do caso concre-
to, dos atores envolvidos, do veículo, da forma, e
A seu ver, a solução para esse caso passa pelo assim por diante. Me parece que o que a Consti-
Legislativo? tuição determina é que você tenha que ter uma
Depende muito do que chamamos de solução. Se indenização proporcional ao agravo sofrido. E
passa por uma análise do Legislativo, produção aí quando você põe um teto de indenização, essa
de normas ou coisa parecida para ajudar na pa- limitação, a priori, não me parece compatível
rametrização desse tema, eu acho que o Legisla- com a Constituição. 

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 25


CAPA
CAPA

“O
fato de termos precedentes não impede que a jurisprudência evolua”, disse
o ministro do STJ, João Otávio de Noronha, ao acompanhar o voto que abriu
a divergência em julgamento da Quarta Turma da corte, no ano passado.
O entendimento que saiu vencedor pelo placar de 4 a 1 determinou, pela
primeira vez, na esfera superior, a vitória dos condomínios sobre os fornece-
dores de crédito em caso envolvendo a penhora de imóvel em alienação fiduciária.
O julgamento do órgão da corte se alinhou com decisões anteriores adotadas por alguns
tribunais de justiça, entre eles os de São Paulo, Rio Grande do Sul, Goiás e Mato Grosso do Sul.
O STJ analisou recurso de um condomínio de Joinville, em Santa Catarina, contra decisão
do Tribunal de Justiça do estado. Os desembargadores, seguindo a jurisprudência em curso,
entenderam pela impossibilidade da penhora, argumentando que o imóvel estaria vincula-
do a um contrato de alienação fiduciária.
Sob a análise da Quarta Turma, entretanto, prevaleceu a divergência aberta pelo minis-
tro Raul Araújo, que entendeu que o credor fiduciário não poderia ter mais direitos que o
proprietário comum, que pode ter o imóvel penhorado em caso de dívida de condomínio.
Segundo o ministro, a impossibilidade de penhora deixaria o devedor fiduciante em uma
situação confortável. A mesma da qual desfrutaria também o credor fiduciário, uma vez
que ele receberia as prestações referentes ao financiamento e não seria importunado por
eventual dívida de condomínio.
A solução proposta por Araújo, depois acompanhado por três dos outros quatro minis-
tros da Quarta Turma, aponta para a penhora do imóvel e para a citação do banco como
parte na ação de execução.
Em seu voto, a ministra Maria Isabel Galotti reconheceu a existência de diversos preceden-
tes no STJ em que há manifestação pela impenhorabilidade do imóvel em caso de dívida con-
dominial. “Mas isso”, frisou ela, “seria ignorar o caráter ‘propter rem’ da dívida do condomí-
nio nos contratos de alienação fiduciária, em detrimento da coletividade dos condôminos”.
Coautora de um dos artigos de capa desta edição, a advogada Kelly Durazzo, sócia do
Durazzo & Medeiros, faz uma análise crítica das decisões do STJ nos últimos anos, entre
elas a mais recente que beneficiou os condomínios, e vê com preocupação a mudança de
entendimento. “É fundamental que o STJ assuma o papel de julgar esses litígios em sede de
demandas repetitivas”, afirma.
Para Marcelo Tapai, do escritório Tapai Advogados, a nova decisão do STJ “é mais do que
acertada”. “O banco não pode ficar só com o bônus da lei da alienação fiduciária, tem que
arcar também com o ônus. Assim como quem aluga imóvel de sua propriedade fica sujeito a
leilão caso o locatário não quite o condomínio, o mesmo deve acontecer com os bancos”, diz.
A alternativa razoável, reforçada pelos ministros do STJ, é incluir no contrato de financiamen-
to do imóvel a obrigação condominial. Dessa maneira, os bancos passariam a controlar também
o pagamento das taxas de condomínio, o que não seria nenhuma novidade. Afinal, há previsão
legal para isso. O artigo 26, parágrafo 1º, da Lei 9.514 de 1997, que institui a alienação fiduciária
de coisa imóvel, prevê que o devedor fiduciante pode ser intimado a pedido do credor fiduci-
ário (banco) para quitar, no prazo de 15 dias, além das prestações dos imóveis, os tributos e as
dívidas de condomínio. Ou seja, o STJ não está inventando a roda. Está aplicando a lei.
CAPA

Marcus Gomes ADVOGADO E JORNALISTA


André Zacarias Tallarek de Queiroz ADVOGADO

DECISÃO DO STJ PÕE ORDEM


EM DISPUTA DE DÍVIDA
CONDOMINIAL
Jurisprudência sustentada pela corte impedia a penhora de imóvel em
condição de inadimplência condominial. Para o ministro Raul Araújo,
a situação resultava “esdrúxula e antijurídica”

P
or 4 votos a 1, a Quarta tária do imóvel, mas não sua vez não são assumidas pela ins-
Turma do Superior Tri- possuidora. tituição financeira, que se julga
bunal de Justiça (stj) Nessa equação injusta e in- imune a tal obrigação. Trata-se,
rompeu, em setembro correta, os condomínios, ter- evidentemente, de um círculo
do ano passado, prece- ceiros na relação financiador- vicioso. E pernicioso.
dente jurisprudencial que per- -devedor, ficavam a ver navios, Para o ministro, a norma que
durava nas cortes e permitia sem a possibilidade de penho- se aplica na relação proprietário
que a dívida condominial não rar o imóvel, e obrigados a rate- de imóvel e inquilino deve ser
atingisse as instituições de cré- ar as despesas decorrentes da replicada também no caso dos
dito imobiliário chamadas de inadimplência entre os demais financiamentos. A obrigação de
credores fiduciários. condôminos. pagar a taxa condominial e as
A situação vinha resul- Em voto que abriu a diver- demais despesas relacionadas
tando em um quadro que o gência na Quarta Turma – Re- ao imóvel (iptu, luz, água, gás)
ministro Raul Araújo, do stj, curso Especial 2.059.278-sc –, é de quem dispõe da posse do
definiu como “esdrúxulo e Araújo se valeu da Lei do Inqui- bem, o que não isenta o proprie-
antijurídico”, uma vez que os linato (Lei 8.245/94) para sus- tário ou o credor fiduciário da
precedentes apontavam para tentar o equívoco da interpre- obrigação de arcar com as des-
a impenhorabilidade do imó- tação jurisprudencial que criou pesas em caso de inadimplência.
vel financiado na sistemática um cenário comum em que o O fato de esse conjunto de
da alienação fiduciária. O con- devedor quita mensalmente as argumentos permanecer iner-
dômino inadimplente era o prestações do contrato de alie- te, acobertado pela poeira do
possuidor do imóvel, mas não nação fiduciária do imóvel ad- entendimento pacificado dos
o seu proprietário. E a institui- quirido, mas não paga as taxas tribunais que, até então, mani-
ção financeira era a proprie- condominiais, as quais por sua festavam a impenhorabilidade

28 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


Marcus Gomes, André Zacarias Tallarek de Queiroz CAPA

Se essas despesas não forem pagas pelo devedor fiduciante


nem pelo credor fiduciário, elas serão suportadas pelos outros
condôminos, o que, sabemos, não é justo, não é correto

do bem e a isenção de respon- vedor das cotas condominiais nava a impenhorabilidade do


sabilidade do credor fiduciário, se o imóvel não pudesse ser imóvel em caso de dívida con-
chegou ao fim no voto de Araú- penhorado devido à alienação dominial, tomando como base
jo que abriu a divergência. fiduciária, caso o devedor fidu- o art. 1.368-b, parágrafo único,
A decisão da Quarta Turma ciante (o financiado na compra do Código Civil, que dispõe que
do stj reconhecendo a carac- do imóvel) estivesse em dia o credor fiduciário somente se
terística propter rem do bem com a quitação do financia- tornará proprietário pleno me-
imóvel, expressão em latim mento mesmo devendo as ta- diante a consolidação da pro-
que vincula a ele as obrigações xas do condomínio. priedade, não podendo se falar,
presentes e futuras, não repre- “Não faz sentido esse ab- antes disso, da responsabilida-
senta um enfraquecimento do surdo. Qualquer proprietário de deste às despesas condomi-
sistema de crédito imobiliário comum de um imóvel existen- niais e quaisquer outros encar-
vigente. Muito pelo contrário. te num condomínio edilício se gos, tributários ou não.
“A natureza propter rem se submete à obrigação de pagar Ao prever a penhora do imó-
vincula diretamente ao direito as despesas. Se essas despesas vel financiado para a quitação
de propriedade sobre a coisa. não forem pagas pelo devedor de dívida condominial, a Quarta
Por isso, se sobreleva ao direi- fiduciante nem pelo credor fi- Turma o stj não só pôs abaixo
to de qualquer proprietário, duciário, elas serão suportadas “entendimento pacificado, que
inclusive do credor fiduciário pelos outros condôminos, o privilegiava as instituições de
[a instituição financeira], pois que, sabemos, não é justo, não crédito em detrimento da dos
este, proprietário sujeito a é correto”, declarou o ministro condomínios de expressiva ver-
uma condição resolutiva, não Raul Araújo ao abrir a diver- ticalização urbana, como tratou
pode ser detentor de maiores gência na corte, que acabou de- de dar um passo na evolução,
direitos que o proprietário ple- terminando o voto vencido do alavancando o setor imobiliário
no”, afirmou o ministro. relator, ministro Marco Buzzi, em um nicho onde os condo-
Para Araújo, a permanecer único a defender a manuten- mínios crescem e aparecem”.
esse entendimento, seria uma ção da jurisprudência até então Trata-se de um fenômeno sem
solução confortável para o de- reinante na corte que determi- igual no restante do mundo.

A BO
REVISTA
REVIST
ISTA BONIJ
BONIJURIS
NIJURI
NIJURIS
S I ANO 36
6 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024
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4 29
2 9
DECISÃO DO STJ PÕE ORDEM EM DISPUTA DE DÍVIDA CONDOMINIAL

Segundo a Associação Bra- Nesse triângulo, aliás, dois


sileira de Síndicos e Síndicos vértices sentem-se à vontade: o
Profissionais (Abrassp), há 450 credor fiduciário porque conti-
mil condomínios no país. Neles nua a receber as prestações do
vivem 68 milhões de pessoas – financiamento e o devedor fidu-
1/3 da população brasileira. ciante porque, apesar do calote
Complexos residenciais com nas despesas condominiais, não
esse perfil são atrativos por- se vê em risco de perder o imó-
que oferecem segurança, co- vel. O vértice do desconforto é o
modidade e serviços diversos do síndico e o dos condôminos
Segundo a Associação que hoje ultrapassam o bási- adimplentes. Se esse cenário
co e atingem o limite do luxo. parece injusto e descabido é
Brasileira de Síndicos e Tudo isso exige o rateio de des- porque ele de fato o é.
Síndicos Profissionais pesas, a fixação de uma taxa de E foi ele, justamente, que mo-
(Abrassp), há 450 mil condomínio e o compromisso veu a divergência do ministro
condomínios no país. dos moradores de saldá-la. Se Raul Araújo e de seus pares em
uma peça é quebrada nessa decisão histórica que deu uma
Neles vivem 68 milhões
engrenagem, a máquina con- guinada na jurisprudência da
de pessoas — 1/3 da dominial perece. O stj enten- corte e inaugurou novo entendi-
população brasileira. deu que a inadimplência não mento que, espera-se, persevere
Complexos residenciais deve vagar sem rumo nos tri- ora em diante. A Lei 9.514/97 tal-
com esse perfil são bunais. Se o financiado não vez tenha ajudado o ministro em
paga, o financiador deve pagar. seu convencimento. Ela dispõe
atrativos porque oferecem Reconhece-se a possibilidade sobre o Sistema de Financia-
segurança, comodidade e de penhora do imóvel e a possi- mento Imobiliário e sobre a alie-
serviços diversos que hoje bilidade de o credor fiduciário nação fiduciária de coisa imóvel
ultrapassam o básico e quitar o débito condominial. É e diz, em seu artigo 26, parágrafo
um avanço significativo. 1º, que o devedor e, se for o caso,
atingem o limite do luxo.
O voto do ministro Raul o terceiro fiduciante serão inti-
Tudo isso exige o rateio Araújo, que determinou o novo mados, a requerimento do fidu-
de despesas, a fixação de entendimento, acompanhado ciário, pelo oficial do registro de
uma taxa de condomínio por contundente parecer do imóveis competente, a satisfazer,
e o compromisso dos seu colega João Otávio de Noro- no prazo de 15 dias, a prestação
nha, foi peça de convencimento vencida e aquelas que vencerem
moradores de saldá-la. também dos demais ministros até a data do pagamento, o que
Se uma peça é quebrada da Quarta Turma – Maria Isa- inclui os tributos, as contribui-
nessa engrenagem, a bel Gallo�i e Antonio Carlos ções condominiais imputáveis
máquina condominial Ferreira –, determinando o pla- ao imóvel e as despesas de co-
car e consolidando uma nova brança e de intimação”.
perece
jurisprudência que tende agora Curtos, relevantes, didáticos
a ser colocada na mesa dos tri- e embasados na lógica, os votos
bunais. É a peça de resistência de Araújo e Noronha (a seguir)
de todo condomínio que se en- reafirmam o protagonismo dos
contra em situação “esdrúxula condomínios e seu modo de
e absurda”, porque obrigado a administração baseado no ra-
transferir o fardo da inadim- teio de despesas. Essa é, aliás, a
plência em rateio desequili- peça-chave de sucesso da verti-
brado que visa salvar a saúde calização urbana. Os tribunais
financeira da administração. não podem ignorá-la. 

30 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


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Minas Gerais • 31 3201 5565 • 99289 9681 São Paulo • 11 2774 3294 • 94345 2007
“NÃO SE PODE COBRIR O CREDOR FIDUCIÁRIO DE IMUNIDADE CONTRA DÍVIDA CONDOMINIAL”

Voto vencedor do Exmo. Sr. Ministro Raul Araújo no REsp 2.059.278-SC

“Não se pode cobrir o credor fiduciário


de imunidade contra dívida condominial”

A
jurisprudência do Superior Tribunal de execução de despesas condominiais de respon-
de Justiça estabelecendo ter o credor sabilidade do devedor fiduciante.
na execução de devedor, condômino 3. De acordo com o art. 105, III, “a”, da CRFB, não é ca-
adquirente de imóvel por via de con- bível recurso especial fundado em violação de dis-
trato de alienação fiduciária, direito de positivo constitucional ou em qualquer ato norma-
penhorar apenas os direitos inerentes à posi- tivo que não se enquadre no conceito de lei federal.
ção do devedor fiduciário no aludido contrato, 4. A existência de fundamento do acórdão recorri-
sem alcançar o próprio imóvel, pode ser retra- do não impugnado, quando suficiente para a ma-
tada no seguinte julgado: nutenção da decisão quanto ao ponto, impede o co-
nhecimento do recurso especial. Súmula 283/STF.
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPE- 5. A ausência de indicação do dispositivo violado
CIAL. AÇÃO DE EMBARGOS À EXECUÇÃO. ALE- impede o conhecimento do recurso especial quanto
GAÇÃO DE VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO CONS- ao tema. Súmula 284/STF.
TITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE. TESES DE 6. A natureza ambulatória (ou propter rem) dos
EXCESSO DE EXECUÇÃO E PRECLUSÃO. SÚMU- débitos condominiais é extraída do art. 1.345 do
LAS 283 E 284 DO STF. EXECUÇÃO DE DESPESAS CC/2002, segundo o qual “o adquirente de unidade
CONDOMINIAIS. IMÓVEL ALIENADO FIDUCIA- responde pelos débitos do alienante, em relação ao
RIAMENTE. RESPONSABILIDADE DO DEVEDOR condomínio, inclusive multas e juros moratórios”.
FIDUCIANTE. ARTS. 27, § 8º, DA LEI Nº 9.514/1997 E 7. Apesar de o art. 1.345 do CC/2002 atribuir, como re-
1.368-B, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CC/2002. PENHO- gra geral, o Documento: 191432536 – VOTO VENCE-
RA DO IMÓVEL. IMPOSSIBILIDADE. BEM QUE DOR – Site certificado Página 1 de 6 Superior Tribu-
NÃO INTEGRA O PATRIMÔNIO DO DEVEDOR nal de Justiça caráter ambulatório (ou propter rem)
FIDUCIANTE. PENHORA DO DIREITO REAL DE ao débito condominial, essa regra foi excepcionada
AQUISIÇÃO. POSSIBILIDADE. ARTS. 1.368-B, CA- expressamente, na hipótese de imóvel alienado fi-
PUT, DO CC/2002, C/C O ART. 835, XII, DO CPC/2015. duciariamente, pelos arts. 27, § 8º, da Lei nº 9.514/1997
1. Ação de embargos à execução, ajuizada em e 1.368-B, parágrafo único, do CC/2002, que atribuem
11/5/2021, da qual foi extraído o presente recurso a responsabilidade pelo pagamento das despesas
especial, interposto em 26/8/2022 e concluso ao ga- condominiais ao devedor fiduciante, enquanto esti-
binete em 27/10/2022. ver na posse direta do imóvel. Precedentes.
2. O propósito recursal é definir se é possível a pe- 8. No direito brasileiro, afirmar que determinado
nhora de imóvel alienado fiduciariamente, em ação sujeito tem a responsabilidade pelo pagamento de

32 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


Ministro Raul Araújo CAPA

um débito, significa dizer, no âmbito processual, termos do art. 1.345 do Código Civil de 2002, ha-
que o seu patrimônio pode ser usado para satisfa- verá necessidade de se promover a citação, na
zer o direito substancial do credor, na forma do art. ação de execução, também do credor fiduciário
789 do CPC/2015. no aludido contrato para que o Superior Tribu-
9. Ao prever que a responsabilidade pelas despesas nal de Justiça venha integrar a lide, possibili-
condominiais é do devedor fiduciante, a norma esta- tando ao titular do direito previsto no contrato
belece, por consequência, que o seu patrimônio é que de alienação fiduciária quitar o débito condo-
será usado para a satisfação do referido crédito, não minial existente e, em ação regressiva, tentar
incluindo, portanto, o imóvel alienado fiduciaria- obter do devedor fiduciante o retorno desses
mente, que integra o patrimônio do credor fiduciário. valores. A razão para tanto está em que não
10. Assim, não é possível a penhora do imóvel alie- se pode cobrir o credor fiduciário de imunida-
nado fiduciariamente em execução de despesas de contra dívida condominial, outorgando-lhe
condominiais de responsabilidade do devedor fidu- direitos maiores do que aqueles que tem qual-
ciante, na forma dos arts. 27, § 8º, da Lei nº 9.514/1997 quer proprietário. Quer dizer, o proprietário fi-
e 1.368-B, parágrafo único, do CC/2002, uma vez que duciário não é um proprietário especial, deten-
o bem não integra o seu patrimônio, mas sim o do tor de maiores direitos do que o proprietário
credor fiduciário, admitindo-se, contudo, a penhora comum de imóvel em condomínio edilício. As
do direito real de aquisição derivado da alienação normas dos arts. 27, § 8º, da Lei nº 9.514/1997 e
fiduciária, de acordo com os arts. 1.368-B, caput, do 1.368-B, parágrafo único, do CC/2002, não impe-
CC/2002, c/c o art. 835, XII, do CPC/2015. dem a compreensão acima, veja-se:
11. Hipótese em que o Tribunal de origem decidiu Art. 27. Uma vez consolidada a propriedade em seu
pela possibilidade da penhora do imóvel, apesar de nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, conta-
estar alienado fiduciariamente, em razão da natu- dos da data do registro de que trata o § 7º do artigo
reza propter rem do débito condominial positivado anterior, promoverá público leilão para a alienação
no art. 1.345 do CC/2002. do imóvel.
12. Recurso especial parcialmente conhecido e, § 8o Responde o fiduciante pelo pagamento dos im-
nessa extensão, provido, para julgar parcialmente postos, taxas, contribuições condominiais e quais-
procedentes os pedidos formulados na inicial dos quer outros encargos que recaiam ou venham a
embargos à execução, a fim de declarar a impenho- recair sobre o imóvel, cuja posse tenha sido transfe-
rabilidade do imóvel na espécie, por estar alienado rida para o fiduciário, nos termos deste artigo, até a
fiduciariamente, ficando ressalvada a possibilidade data em que o fiduciário vier a ser imitido na posse.
de penhora do direito real de aquisição. Art. 1.368-B. A alienação fiduciária em garantia de
(REsp n. 2.036.289/RS, relatora Ministra Nancy An- bem móvel ou imóvel confere direito real de aquisi-
drighi, Terceira Turma, julgado em 18/4/2023, Dje de ção ao fiduciante, seu cessionário ou sucessor.
20/4/2023, g.n.) Parágrafo único. O credor fiduciário que se tornar
proprietário pleno do bem, por efeito de realização
Entendo correta a solução em tal contexto, da garantia, mediante consolidação da proprieda-
para um credor comum, o credor normal de um de, adjudicação, dação ou outra forma pela qual lhe
condômino, naquela situação. Tal credor não tenha sido transmitida a propriedade plena, passa
poderá penhorar o imóvel do devedor, por estar a responder pelo pagamento dos tributos sobre a
o bem alienado fiduciariamente ao credor fidu- propriedade e a posse, taxas, despesas condominiais
ciário, sendo este o titular da propriedade reso- e quaisquer outros encargos, tributários ou não, in-
lúvel da coisa imóvel. Porém, quando o credor cidentes sobre o bem objeto da garantia, a partir da
do condômino devedor é o próprio condomínio, data em que vier a ser imitido na posse direta do bem.
a solução não se ajusta. É que relativamente ao
próprio condomínio-credor, dada a natureza Como se vê, as disposições legais transcri-
propter rem das despesas condominiais, nos tas, reguladoras do contrato de alienação fi-

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 33


“NÃO SE PODE COBRIR O CREDOR FIDUCIÁRIO DE IMUNIDADE CONTRA DÍVIDA CONDOMINIAL”

duciária de coisa imóvel, apenas disciplinam essas despesas não forem pagas pelo devedor fi-
a relação jurídica entre os contratantes, mas, duciante nem pelo credor fiduciário, elas serão
evidentemente, não alcançam, nem se sobre- suportadas pelos outros condôminos, o que, sa-
põem, os direitos de terceiros não contratan- bemos, não é justo, não é correto. O rateio das
tes, como é o caso de um condomínio credor de despesas é inerente à propriedade de uma uni-
dívida condominial, a qual mantém sua natu- dade em um condomínio edilício. A natureza
reza jurídica propter rem. propter rem se sobreleva ao direito do próprio
De modo idêntico, a título comparativo, credor fiduciário, dado que não é justo que se
pode-se invocar as seguintes normas da Lei coloque nos ombros dos demais condôminos a
8.245/1994, que, ao dispor sobre as locações, es- obrigação de arcar com o rateio daquelas despe-
tabelece para os contratantes: sas, tendo em vista que, de um lado, o devedor
fiduciante se sente confortável em não pagar,
Art. 23. O locatário é obrigado a: porque sabe que o apartamento não poderia –
XII – pagar as despesas ordinárias de condomínio. nessa tese até aqui apresentada pelo em. relator
– ser objeto de nenhuma constrição; e, de outro
Por óbvio, ao dispor da forma acima, não lado, o credor fiduciário se sente tranquilo tam-
está a Lei de Locações isentando o locador-pro- bém, porque, recebendo o dinheiro correspon-
prietário do imóvel da obrigação de arcar com dente ao empréstimo que realizou, não será
as dívidas condominiais, quando o locatário importunado no seu direito de propriedade,
inadimplente não fizer o pagamento. A situação apesar da existência de débitos condominiais
é idêntica. A interpretação que se vem dando a que pairam sem uma definição de pagamento.
tais dispositivos, portanto, mostra-se equivo- Sobre a questão, transcrevo o voto do em.
cada e sem apoio em boa lógica jurídica, ao es- ministro João Otávio de Noronha:
tender as disposições da legislação especial a
terceiros não contratantes e ao pretender con- “Estamos falando de obrigação ‘propter rem’. ‘Prop-
ferir ao credor fiduciário, titular da propriedade ter’, do latim, significa ‘em razão de’, ‘em vista de’;
resolúvel de coisa imóvel, um direito de proprie- ‘propter rem’ significa ‘em vista da coisa’. No caso, em
dade mais privilegiado ou superior ao direito de vista do imóvel. Obrigação ‘propter rem’ ou obriga-
propriedade plena de qualquer proprietário de ção ‘ob rem’ significa ‘obrigação própria de um bem
imóvel condominial. Com isso, a equivocada in- imóvel’, ou seja, o imóvel está vinculado ao pagamen-
terpretação jurisprudencial está a possibilitar to daquela obrigação; algo similar a uma hipoteca.
a situação esdrúxula e antijurídica do presente Nesse caso – precisamos entender –, o imóvel res-
caso, onde o devedor fiduciante, embora qui- ponde pelo pagamento dos impostos como respon-
te mensalmente as prestações do contrato de de pelo pagamento dos condomínios. Quem res-
alienação fiduciária da coisa imóvel adquirida, ponde? Se eu compro um apartamento que possui
simplesmente não paga as contribuições con- dívida de condomínio, pela natureza própria dessa
dominiais mensais, as quais, por sua vez, tam- obrigação, terei que pagá-la. Então, diz-se que a
bém não são assumidas pelo credor fiduciário, obrigação está colada, aderente ao imóvel.
que se julga imune a tal obrigação propter rem. Quando o art. 27, § 8º, da Lei n. 9.514/1997 diz que
Com isso, a dívida daquele condômino volunta- responde o fiduciário pelo pagamento de impostos,
riamente inadimplente é acumulada mensal- taxas e contribuições condominiais, está apenas
mente e assumida, na prática, por todos os de- definindo quem tem a responsabilidade primeira
mais condôminos, até que, algum dia, se alcance do pagamento, quem é responsável; mas, se outro
uma solução para a dívida. Não faz sentido esse paga, ele tem o direito assegurado de se ressarcir.
absurdo! Qualquer proprietário comum de um Porém, a responsabilidade definida, com a devida
imóvel existente num condomínio edilício se vênia, no § 8º do art. 27 da mencionada lei, não re-
submete à obrigação de pagar as despesas. Se tira a natureza ‘propter rem’ da obrigação. E não se

34 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


Ministro Raul Araújo CAPA

pode falar em obrigação ‘propter rem’ se o bem não Acredito que, nesse caso, a própria natureza da
pode ser excutido, porque deixou de garantir aqui- obrigação já separa ‘obligatio’ e ‘debitum’, ou seja,
lo que era sua principal finalidade. quem responde pela dívida de condomínio é o imó-
Anoto que o ministro Antonio Carlos, nas discus- vel. Não importa quem seja o dono, não importa
sões paralelas, faz a seguinte colocação que sensibi- quem seja o proprietário, o bem está vinculado ao
liza: imaginemos um prédio em que todos os condô- pagamento, à satisfação da obrigação.”
minos fiquem inadimplentes com as contribuições
condominiais. Como ficaria se retirarmos, ao fim e Cabe a todo credor fiduciário, para seu me-
ao cabo, a natureza ‘propter rem’ da obrigação que lhor resguardo, estabelecer, no respectivo
vincula o imóvel? Então, parece-me que a solução contrato, não só a obrigação de o devedor fidu-
para este caso seria a seguinte: penhora-se o imó- ciante pagar a própria prestação inerente ao
vel, aliena-se o mesmo e o banco vai se habilitar financiamento como também apresentar men-
alegando ter a preferência ao recebimento do cré- salmente a comprovação da quitação da dívida
dito: paga-se a obrigação ‘propter rem’, e a sobra é relativa ao condomínio.
do banco, mas a coisa respondeu ao seu desiderato: Então, entendo que o recurso merece provi-
pagamento dos impostos e contribuições condomi- mento para que se estabeleça o dever de o con-
niais pela natureza ‘propter rem’. domínio exequente promover a citação do cre-
Como bem colocado pelo voto divergente do emi- dor fiduciário, a fim de que ele venha integrar
nente ministro Raul Araújo, não se pode penhorar a execução, facultando-lhe a oportunidade de
por dívida de terceiros, terceiros outros que não têm quitar o débito condominial e, assim, creditar-
essa garantia ‘propter rem’, que é muito similar, mui- -se para, em ação regressiva, buscar o ressarci-
to próximo do direito real de garantia. A diferença é mento desse valor junto ao devedor fiduciante.
que o direito real de garantia se estabelece por uma Não se pode simplesmente colocar sobre os
ação contratual, decorre da vontade das partes; a ombros dos demais condôminos – que é o que
obrigação ‘propter rem’ é ‘ex vi legis’, por força da lei. irá acontecer – o dever de arcarem com a dívi-
Nesse contexto, uma vez feita a penhora, a institui- da que é, afinal de contas, obrigação tocante ao
ção financeira será intimada, assim como o proprie- imediato interesse de qualquer proprietário de
tário. A instituição financeira tem de ser intimada unidade em condomínio vertical.
até para poder libertar o imóvel, pagando os tribu- A melhor solução é realmente integrar todas
tos. Terá direito de ressarcimento ou deixará o bem as partes na execução para que se possa, então,
ir à praça e ali pedir o pagamento preferencial. encontrar a adequada solução, a qual depende
O que não pode é uma natureza contratual subtrair do reconhecimento do dever do proprietário,
a natureza decorrente da lei, qual seja, a natureza perante o condomínio, de quitar aquele débi-
propter rem, ou seja, de garantia aderente do imó- to para não ver o imóvel ser arrematado em
vel ao condomínio. praça na execução e, assim, sub-rogar-se como
Entendo que o fato de termos precedentes não im- credor e fazer a cobrança regressiva junto ao
pede que a jurisprudência evolua. Com efeito, não condômino, que é devedor fiduciante.
podemos ficar estratificados em erros do passado Diante do exposto, peço vênia ao eminente
ou numa visão que, às vezes, já não corresponde ministro relator para dar provimento ao re-
àquilo que realmente traduz a natureza das coisas. curso especial e reconhecer a possibilidade de
A verdade é que, se a obrigação é ‘propter rem’, signifi- penhora do imóvel que originou a dívida con-
ca que ela está colada, que ela aderiu ao bem e o paga- dominial, devendo o condomínio exequente
mento é feito em razão do bem, da alienação do bem. promover a prévia citação também do credor
Não vejo como afastarmos aqui, por construção fiduciário, a fim de que venha integrar a execu-
pretoriana, uma natureza legal da obrigação de ção, facultando-lhe a oportunidade de quitar o
condomínio classificada como ‘propter rem’. Essa é débito condominial.
a minha divergência. É como voto.

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 35


“NÃO PODEMOS FICAR ESTRATIFICADOS EM ERROS DO PASSADO”

Voto-vogal do Exmo. Sr. Ministro João Otávio de Noronha

“Não podemos ficar estratificados


em erros do passado”

C
inge-se a controvérsia em definir a pos- ca “obrigação própria de um bem imóvel”, ou
sibilidade de penhora de imóvel aliena- seja, o imóvel está vinculado ao pagamento
do fiduciariamente por dívida condo- daquela obrigação; algo similar a uma hipo-
minial de responsabilidade do devedor teca.
fiduciante. Nesse caso, precisamos entender, o imóvel
O acórdão recorrido entendeu inviável a pe- responde pelo pagamento dos impostos como
nhora do imóvel que originou a dívida condo- responde pelo pagamento dos condomínios.
minial, ao fundamento de que o imóvel aliena- Quem responde? Se eu compro um aparta-
do fiduciariamente não integra o patrimônio mento que possui dívida de condomínio, pela
do devedor fiduciante, sendo possível apenas própria natureza dessa obrigação, terei que pa-
a penhora dos direitos decorrentes do contrato gá-la. Então, diz-se que a obrigação está colada,
de alienação fiduciária. aderente ao imóvel.
O recurso especial suscita violação do art. Quando o art. 27, § 8º, da Lei n. 9.514/1997
835, § 3º, do CPC, segundo o qual, na execução diz que responde o fiduciante pelo pagamen-
de crédito com garantia real, a penhora recairá to de impostos, taxas e contribuições con-
sobre a coisa dada em garantia. Isso porque a dominiais, está apenas definindo quem tem
dívida condominial tem natureza propter rem a responsabilidade primeira do pagamento,
– constitui garantia real do débito. Foi também quem é o responsável; mas, se outro paga,
suscitada divergência com precedentes que terá o direito assegurado de se ressarcir. Po-
trataram da preferência do crédito condomi- rém, a responsabilidade definida, com a devi-
nial em relação ao hipotecário. da vênia, no § 8º do art. 27 da mencionada lei,
Ouvi atentamente o voto do eminente re- não retira a natureza propter rem da obriga-
lator e ao voto divergente do ministro Raul ção. E não se pode falar em obrigação propter
Araújo. rem se o bem não pode ser excutido, porque
Vou pedir vênia ao relator para acompanhar deixou de garantir aquilo que era sua princi-
a divergência. pal finalidade.
Estamos falando de obrigação propter rem. Anoto que o ministro Antonio Carlos, nas
Propter, do latim, significa “em razão de”, “em discussões paralelas, faz a seguinte colocação
vista de”; propter rem significa “em vista da que sensibiliza: imaginemos um prédio em
coisa”. No caso, em vista do imóvel. Obriga- que todos os condôminos fiquem inadimplen-
ção propter rem ou obrigação ob rem signifi- tes com as contribuições condominiais. Como

36 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


Ministro João Otávio de Noronha CAPA

ficaria se retirarmos, ao fim e ao cabo, a natu- Entendo que o fato de termos precedentes


reza propter rem da obrigação que vincula os não impede que a jurisprudência evolua. Com
imóveis? Então, parece-me que a solução para efeito, não podemos ficar estratificados em er-
esse caso seria a seguinte: penhora-se o imó- ros do passado ou numa visão que, às vezes, já
vel, aliena-se o mesmo e o banco vai se habili- não corresponde àquilo que realmente traduz
tar alegando ter a preferência ao recebimento a natureza das coisas.
do crédito; paga-se a obrigação propter rem A verdade é que, se a obrigação é propter
e a sobra é do banco, mas a coisa respondeu rem, significa que ela está colada, que ela ade-
ao seu desiderato: pagamento dos impostos riu ao bem e o pagamento é feito em razão do
e contribuições condominiais pela natureza bem, da alienação do bem.
propter rem. Não vejo como afastarmos aqui, por cons-
Como bem colocado pelo voto divergen- trução pretoriana, uma natureza legal da obri-
te do eminente ministro Raul Araújo, não se gação de condomínio classificada como prop-
pode penhorar por dívida de terceiros, tercei- ter rem. Essa é a minha divergência.
ros outros que não têm essa garantia propter Acredito que, nesse caso, a própria natureza
rem, que é algo muito similar, muito próximo da obrigação já separa obligatio e debitum, ou
do direito real de garantia. A diferença é que o seja, quem responde pela dívida de condomínio é
direito real de garantia se estabelece por uma o imóvel. Não importa quem seja o dono, não im-
ação contratual, decorre da vontade das par- porta quem seja o proprietário, o bem está vin-
tes; já a obrigação propter rem é ex vi legis, por culado ao pagamento, à satisfação da obrigação.
força de lei. Sr. presidente, peço vênia para divergir do
Nesse contexto, uma vez feita a penhora, eminente ministro Marco Buzzi, do seu bri-
a instituição financeira será intimada, assim lhante, exaustivo e cuidadoso voto, pois minha
como o proprietário. A instituição financeira convicção, meu pensamento, é o de que a natu-
tem que ser intimada até para poder libertar reza propter rem da obrigação permite essa pe-
o imóvel, pagando os tributos. Terá direito de nhora, porque é só por meio da excussão que se
ressarcimento ou deixará o bem ir à praça e ali realiza a garantia, ou seja, que se realiza a res-
pedir o pagamento preferencial. ponsabilidade. Se o imóvel responde, é porque
O que não pode é uma natureza contratual ele está sujeito à execução e a execução passa
subtrair a natureza decorrente da lei, qual seja, necessariamente pela penhora.
a natureza propter rem, de garantia aderente Assim, acompanho a divergência inaugura-
do imóvel ao condomínio. da pelo voto de V. Exa., Sr. presidente.

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REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 37
CAPA

Kelly Durazzo PRESIDENTE DA COMISSÃO DE LOTEAMENTOS DA OAB-SP


Caroline de Andrade ADVOGADA ESPECIALIZADA EM DIREITO IMOBILIÁRIO
Rebeca Leal MEMBRO DA COMISSÃO DE EMPREENDEDORISMO DA OAB-BA

STJ EQUILIBRA A BALANÇA


ENTRE O CREDOR FIDUCIÁRIO
E O CONDOMÍNIO
A tendência dos tribunais regionais de admitir penhora do imóvel
em alienação fiduciária influenciou a queda de jurisprudência
extravagante da corte

A
penhora de imóveis posto de que o bom funcionamento cartório de registro de imóveis,
objetos de alienação fi- do mercado, com permanente ofer- com a consolidação da pro-
duciária para a satisfa- ta de crédito, depende de mecanis- priedade em favor do credor
ção de débitos condo- mos capazes de imprimir eficácia e fiduciário, de modo ágil e sim-
miniais tem sido alvo rapidez nos processos de recompo- plificado.
de decisões divergentes nos sição das situações de mora. A divergência dos tribunais
tribunais de justiça brasilei- sobre a possibilidade de afeta-
ros (tjs), divergência que tem Nesse cenário, o legislador ção do imóvel ao pagamento
alcançado o Superior Tribunal moldou a sistemática da alie- da dívida condominial surge
de Justiça (stj), como demons- nação fiduciária de bem imóvel devido ao desdobramento da
tram recentes julgados da Ter- a partir do instituto do patri- posse entre credor e devedor
ceira e da Quarta Turma. mônio de afetação3, blindan- e propriedade resolúvel em
Em sua origem, a alienação do o alcance do imóvel para a favor do credor fiduciário, e ao
fiduciária de bens imóveis, dis- satisfação de outros créditos modo como foi disciplinada a
ciplinada pela Lei 9.514/97, teve e de mecanismos de execução responsabilização pelas obri-
o objetivo de reduzir os riscos extrajudicial já existentes. gações de natureza propter
implícitos na concessão de cré- Como resultado, a constitui- rem nesse cenário.
ditos imobiliários existentes ção da nova garantia assentou- Existem três lados a serem
na época1. Nas palavras de Me- -se na alienação da proprieda- observados. No primeiro está
lhim Chalhub2: de do devedor ao credor em o devedor fiduciante, investido
[A] Lei 9.514/1997 tem em vista caráter resolúvel, vinculada em um direito real de aquisi-
criar as condições necessárias para à condição de pagamento da ção – a propriedade em caráter
revitalização e expansão do crédito dívida. Verificada a mora, a suspensivo – e da posse direta
imobiliário e, partindo do pressu- excussão é realizada perante o do imóvel. No segundo, o cre-

38 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


Kelly Durazzo, Caroline de Andrade, Rebeca Leal CAPA

O posicionamento adotado pelos tribunais se separa em dois. O primeiro


sustenta a impenhorabilidade do imóvel alienado fiduciariamente. O segundo
sobrepõe os interesses dos condomínios ao do credor fiduciário

dor fiduciário, que é proprietá- Alexandre Junqueira Gomi- real de aquisição do condômi-
rio resolúvel, com poderes res- de6 acompanha esse primeiro no inadimplente (art. 1.368-b
tritos e afetados à satisfação entendimento, destacando a do cc), como autoriza o art. 835,
de seu crédito, e possuidor in- inexistência de solidariedade xii, do Código de Processo Civil
direto do bem. E no terceiro, a entre credor fiduciante e deve- (cpc)7, a qual muitas vezes res-
coletividade condominial, que dor fiduciário nas obrigações ta infrutífera.
precisa arcar financeiramente condominiais, tendo em vista Representativo dessa pri-
com a desídia do condômino que: meira corrente, no resp 1.731.735/
inadimplente. [N]a alienação fiduciária, há cons- sp, a ministra relatora Nancy
Os posicionamentos adota- tituição de direito real de garantia e, Andrighi da Terceira Turma do
dos pelos tribunais se separam assim, a propriedade fiduciária sub- stj defendeu a penhorabilidade
em dois principais grupos. O mete-se ao regime jurídico próprio desse direito real de aquisição,
primeiro sustenta a impenho- dessa categoria de direito, ou seja, afastando a penhora do imóvel,
rabilidade do imóvel alienado aos artigos 1.419 e seguintes do Có- como uma forma de equilibrar
fiduciariamente para o paga- digo Civil. Nesses termos, segundo os interesses em “jogo”, diante
mento de qualquer dívida do o art. 1.419, “o bem dado em garantia da legislação que atualmente se
devedor fiduciante, inclusive fica sujeito, por vínculo real, ao cum- apresenta, afastando, em tese,
aquelas de natureza propter primento da obrigação”. O bem dado a proteção indiscriminada do
rem, sob os fundamentos de em garantia, portanto, tem por obje- credor fiduciário:
que (1) o imóvel não compõe a tivo garantir o pagamento da dívida Aparentemente, com a inter-
esfera patrimonial do execu- contraída com o credor fiduciário e pretação literal dos mencionados
tado e (2) a responsabilidade não com terceiros. dispositivos legais, chega-se à con-
prevista no art. 1.345 do Códi- clusão de que o legislador procurou
go Civil (cc), no caso do credor Nesse cenário, o condomí- mesmo proteger os interesses do
fiduciário, está limitada pelo nio exequente, não localizando credor fiduciário, que tem a proprie-
art. 27, § 8º, da Lei 9.514/974 e outros bens do devedor fidu- dade resolúvel como mero direito
pelo art. 1.368-b, parágrafo úni- ciante, tem como única opção real de garantia voltado à satisfa-
co, do cc5. requerer a penhora do direito ção de um crédito.

A BO
REVISTA
REVIST
REVISTA BONIJ
BONIJURIS
NIJURI
URIS
S I ANO 36 I EDIÇÃO 86 I FEV/MAR 2024
O 68
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STJ EQUILIBRA A BALANÇA ENTRE O CREDOR FIDUCIÁRIO E O CONDOMÍNIO

A sugestão do ministro Raul Araújo, durante o julgamento, foi


determinar a citação do credor fiduciário no processo a fim de lhe
oportunizar quitar a dívida, resguardando o direito de regresso

Ocorre que a proteção indefini- Processual. Execução de título condominiais, tendo em vista
da do credor fiduciário contrasta-se extrajudicial. Decisão que reputou a natureza propter rem desses
com outro interesse digno de tutela: imprescindível a avaliação de imó- encargos11. Nessa espécie de
o interesse dos titulares de créditos vel. Pretensão à reforma. Na esteira obrigação, o sujeito passivo
gerados pelo próprio bem dado em de julgado desta C. Câmara, viável o não é determinado, mas deter-
garantia (a exemplo do IPTU, das praceamento dos direitos dos exe- minável em razão do vínculo
despesas condominiais, etc.) que, se cutados sobre o imóvel alienado real entre o indivíduo e o bem.
fiduciariamente, não é necessária
não puderem satisfazê-lo mediante Desse modo, segundo Antônio
a avaliação do bem imóvel na hi-
a penhora ou excussão da coisa, fi- Junqueira de Azevedo, “mu-
pótese de penhora dos direitos do
carão desprotegidos. dando a coisa de dono, muda a
executado sobre imóvel alienado fi-
[...] obrigação de devedor. Por isso,
duciariamente, pois seu valor deve
A fim de estancar eventuais cho- também se chamam obriga-
corresponder ao montante que já
ques de interesses porventura exis- ções ambulatórias”12.
foi quitado pelo devedor fiduciante.
tentes, uma solução que se admite Assim, vislumbrando que a
Recurso provido.8
é a de que o devedor fiduciante, razão da lei13 é inserir o imóvel
titular de direito real de aquisição em uma posição de garantia a
O valor recebido pela alie-
– e que possui valor econômico –, te- esses encargos, já que ele sem-
nação judicial do direito real,
nha tal direito penhorado pelos de-
então, é liberado em favor do pre estará na esfera patrimo-
mais credores em geral, em especial
condomínio exequente, e um nial do sujeito passivo, essa
pelos credores de despesas geradas
eventual saldo devedor conti- corrente atribui também ao
pelo próprio bem – a exemplo do
nuará a ser executado em face proprietário resolúvel do imó-
condomínio quando da cobrança de
do antigo condômino, haja vis- vel a responsabilidade pelo pa-
despesas condominiais.
ta a sub-rogação dos débitos gamento dos débitos condomi-
O valor econômico desse di- de natureza propter rem no niais, restringindo a aplicação
reito real é representado pelo preço da arrematação (art. 908, das normas do art. 27, § 8º, da
valor do financiamento já qui- § 1º, do cpc9). Lei 9.514/97 e art. 1.368-b, pará-
tado pelo devedor fiduciante De acordo com essa primei- grafo único, do cc, exclusiva-
até o momento da penhora, ra corrente, portanto, o imóvel mente à relação entre credor
afastando a hipótese de ava- só poderá ser penhorado para fiduciante e devedor fiduciário
liação do imóvel. Neste caso, o pagamento dos débitos condo- na determinação do direito de
eventual arrematante se sub- miniais a partir da consolida- regresso.
-roga na posição contratual do ção da propriedade pelo credor Outro argumento de alta
devedor fiduciante, assumindo fiduciário, quando esse será relevância para essa vertente é
o pagamento do valor em aber- imitido na posse direta do bem a onerosidade que se deposita
to do financiamento e manten- e assumirá responsabilidade sobre os demais condôminos
do intacta a garantia fiduciá- solidária pela dívida10. que sustentam a inadimplên-
ria, desde que isso constasse A segunda corrente, por sua cia do devedor fiduciante, atra-
de forma expressa no edital de vez, sobrepondo os interesses vés do rateio de encargos que
leilão. dos condomínios aos dos cre- foram gerados para a manu-
É o entendimento que en- dores fiduciários, entende que tenção e até mesmo valoriza-
contramos na jurisprudência é possível a penhora do imó- ção do próprio imóvel.
do Tribunal de Justiça de São vel alienado fiduciariamente A impossibilidade de penho-
Paulo: para o pagamento dos débitos rar o imóvel e a baixa liquidez

40 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


Kelly Durazzo, Caroline de Andrade, Rebeca Leal CAPA

O crédito imobiliário é uma ferramenta que


materializa, em muitos casos, o direito fundamental
à moradia constitucionalmente prevista

dos direitos aquisitivos do tros, não seria possível admitir


devedor fiduciante tornam a a suspensão do caráter propter
situação do condomínio ainda rem da obrigação durante a vi-
mais sensível, pois isso faz a gência do contrato de alienação
situação de inadimplência se fiduciária em detrimento da co-
arrastar no tempo. letividade condominial. Além
Em muitos dos casos anali- disso, eles afirmaram que essa
sados, os magistrados e desem- situação deixaria o devedor e o
bargadores destacam exata- credor fiduciário em uma posi-
mente a ineficácia da solução ção muito confortável, especial-
apontada pela Terceira Turma mente no caso de adimplência
do stj ao afirmarem o desin- do financiamento, uma vez que
teresse dos potenciais arre- a satisfação dos débitos condo-
matantes na aquisição apenas miniais precisaria aguardar a
dos direitos aquisitivos, devido consolidação da propriedade
à assunção do pagamento do em favor de um deles.
financiamento, que possui um A sugestão do ministro Raul
valor, na maioria dos casos, su- Araújo, durante o julgamento
perior ao próprio valor de mer- retrocitado, foi determinar a
cado do bem. citação do credor fiduciário no
Convém consignar que, processo a fim de lhe oportu-
numa tentativa de promover nizar quitar a dívida, resguar-
essa liquidez, é comum, na dando o direito de regresso
prática, o equívoco de penho- contra o devedor fiduciante,
ra dos direitos, com avaliação ou deixar que ocorresse a alie-
errônea pelo valor de mercado nação judicial, exigindo o rece-
do imóvel. Isso gera apenas a bimento do seu crédito após o
ilusão de respeito ao posicio- condomínio.
namento da primeira corrente É com essa base argumenta-
e confunde possíveis arrema- tiva e com o fim de satisfazer a
tantes que, diante de editais execução e não prolongar o de-
mal formulados, acreditam es- sequilíbrio econômico dos con-
tar comprando a propriedade domínios que os tjs já vinham
e não somente os direitos reais admitindo a penhora do imóvel
do devedor fiduciante. e a alienação judicial da proprie-
Nessa linha de raciocínio, a dade plena pelo seu valor de
Quarta Turma do stj decidiu mercado, se afastando do que é
favoravelmente ao condomí- previsto na legislação civil.
nio Residencial Australis Easy Penhorado, avaliado e alie-
Club, no resp 2.059.278/sc, per- nado o imóvel, tem-se uma
mitindo a penhora do imóvel posição unânime pelo paga-
(não somente dos direitos aqui- mento preferencial das dívidas
sitivos), pois, segundo os minis- condominiais e, posteriormen-

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 41


STJ EQUILIBRA A BALANÇA ENTRE O CREDOR FIDUCIÁRIO E O CONDOMÍNIO

A atual legislação já prevê que a garantia não afeta apenas o financiamento


mas também aquelas obrigações inerentes à operação, incluindo no
cálculo do valor da dívida o das contribuições condominiais

te, dos credores fiduciários, aquelas obrigações inerentes locando em risco não somente
como apontado na referida à operação, conforme art. 26, § a margem de lucro do credor
decisão da Quarta Turma do 1º, da Lei 9.514/97, que inclui no fiduciário, mas até mesmo o
stj. Nos tribunais, o principal cálculo do valor da dívida o va- valor principal do crédito em-
fundamento, nesse ponto, está lor das contribuições condomi- prestado.
na aplicação por analogia da niais. Detectado o inadimple- Dessa maneira, atrelar so-
Súmula 478 do stj. E daí surge mento das cotas condominiais, mente ao credor fiduciário o
o problema quanto aos efeitos ainda que pagas as parcelas do ônus da fiscalização da adim-
da decisão do resp 2.059.278/ financiamento, o banco deve plência das taxas condomi-
sc. O que acontecerá se o imó- excutir a garantia, consolidan- niais trará um ônus excessiva-
vel penhorado for insuficiente do a propriedade em seu nome mente alto para esse segmento
para pagar a dívida do con- e levando o imóvel a leilão para que impactará diretamente na
domínio e o saldo de financia- satisfazer a dívida. análise de risco que esses cre-
mento do credor fiduciário? Noutro ponto, é também dores farão para os créditos
Imagine pagar o valor da necessário chamar os condo- futuros.
avaliação do imóvel em pri- mínios à responsabilidade já O crédito imobiliário é uma
meira praça e ainda ter que que, em um país com dimen- ferramenta que materializa,
arcar com o restante do finan- sões continentais, marcado em muitos casos, o direito
ciamento do credor fiduciário? pela disparidade social, cul- fundamental à moradia cons-
O valor ultrapassaria o valor tural e econômica não parece titucionalmente prevista, e a
do próprio bem. Por ser a arre- razoável considerar que todos decisão jurisprudencial acerca
matação uma forma originária os condomínios tenham uma do tema poderá trazer conse-
de aquisição de propriedade, administração organizada, e quências negativas para todo
o juiz deverá ordenar a baixa imaginar que os processos de o mercado creditício, que cer-
do gravame de alienação fidu- cobrança são conduzidos de tamente repassará à sociedade
ciária, perdendo o credor fidu- maneira célere, viabilizando a os custos do risco de um negó-
ciário sua garantia real. Este mitigação, no que for possível, cio que possui garantia frágil.
precisará, assim, buscar a sa- das perdas. Caso o cenário supramen-
tisfação de seu crédito em des- Nesse cenário, seria pos- cionado venha a ocorrer, as
favor do executado por outros sível que o entendimento da alienações fiduciárias se torna-
meios. Vide o julgado da Co- Quarta Turma do stj acabe rão mais caras, com incidência
marca de Jacareí – sp, processo por premiar a conduta de um maior de juros, ou ainda o se-
0008609-47.2015.8.26.0292, onde condomínio que, por exemplo, tor de crédito imobiliário bus-
ocorreu o quanto citado. venha a executar o débito con- cará maneiras mais criativas à
Como solução imediata para dominial após cinco anos da persecução do crédito, fazendo
esse debate que pode assom- constituição da mora, sendo com que essa modalidade con-
brar a alienação fiduciária – a o credor fiduciário obrigato- tratual seja fadada ao desuso
forma mais utilizada de garan- riamente notificado somen- como o que ocorreu por muito
tia para financiamento imobi- te no momento da execução, tempo com as hipotecas.
liário no país –, lembramos que quando o débito condominial O que se pretende com essa
a atual legislação já prevê que possa comprometer, em caso reflexão não é, de modo algum,
a garantia não afeta apenas o de penhora, percentual consi- uma tentativa de subverter
financiamento mas também derável do valor do imóvel, co- uma obrigação que é propter

42 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


Kelly Durazzo, Caroline de Andrade, Rebeca Leal CAPA

Calha citar que, para garantir a segurança jurídica e a eficiência na solução


desses casos, é fundamental que o Superior Tribunal de Justiça assuma
o papel de julgar esses litígios em sede de demandas repetitivas

rem, mas parece razoável e até rior Tribunal de Justiça (stj) decisão mais fundamentada e
mesmo benéfico que, para que assuma o papel de julgar esses consistente, que servirá de re-
fique caracterizado a preferên- litígios em sede de demandas ferência em casos semelhantes
cia dos créditos condominiais repetitivas. futuros. Ao estabelecer prece-
em detrimento dos créditos O entendimento dos tribu- dentes e fornecer uma respos-
fiduciários, os condomínios nais deve ser pacificado quan- ta definitiva para questões de
devam notificar o credor fidu- to ao modo que se deve julgar a direito repetitivas, o tribunal
ciário administrativamente já preferência do crédito fiduciá- desempenha um papel crucial
ao tempo da própria constitui- rio versus débito condominial na consolidação do sistema ju-
ção da mora, oportunizando e todos os impactos que essa rídico e na promoção da justi-
outras maneiras menos onero- decisão recairá sobre o arre- ça para todos os cidadãos. Por
sas de quitar os débitos condo- matante, não podendo a distri- fim, não se pode olvidar que a
miniais que não a penhora do buição processual ser palco de segurança jurídica é um dos
bem, não somente em sede de um verdadeiro “jogo de azar” pilares fundamentais do esta-
execução, quando o risco da para os litigantes que poderão do de direito e contribui para
penhora já se faz evidente. ter sucesso ou insucessos em a estabilidade das relações
Seja qual for o entendimen- suas demandas a depender do sociais e econômicas, e é por
to do judiciário sobre o tema, julgador sorteado. isso que se faz premente a uni-
calha citar que, para garantir A análise em sede de de- formização jurisprudencial no
a segurança jurídica e a efici- mandas repetitivas permite caso em tela, para que todos os
ência na solução desses casos uma discussão mais aprofun- players tenham previsibilida-
– que têm sido uma crescente dada sobre a questão de di- de e confiança no sistema de
–, é fundamental que o Supe- reito em si, contribuindo com Justiça. 

NOTAS
1. http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/ rantia, mediante consolidação da propriedade, 9. Art. 908 do Código de Processo Civil. Haven-
pdf/DCD09JUL1997.pdf#page=50 adjudicação, dação ou outra forma pela qual do pluralidade de credores ou exequentes, o di-
2. Chalhub, Melhim N. Alienação fiduciária – lhe tenha sido transmitida a propriedade plena, nheiro lhes será distribuído e entregue consoan-
Negócio fiduciário. Disponível em: Minha Bi- passa a responder pelo pagamento dos tributos te a ordem das respectivas preferências. § 1º No
blioteca, (7th edição). Grupo GEN, 2021, p. 305. sobre a propriedade e a posse, taxas, despesas caso de adjudicação ou alienação, os créditos
3. Art. 1º da Lei 10.931/04: Fica instituído o regi- condominiais e quaisquer outros encargos, tri- que recaem sobre o bem, inclusive os de natu-
me especial de tributação aplicável às incorpora- butários ou não, incidentes sobre o bem objeto reza propter rem, sub-rogam-se sobre o respec-
ções imobiliárias, em caráter opcional e irretratá- da garantia, a partir da data em que vier a ser tivo preço, observada a ordem de preferência.
vel enquanto perdurarem direitos de crédito ou imitido na posse direta do bem. (Incluído pela 10. No mesmo sentido, temos: REsp
obrigações do incorporador junto aos adquiren- lei 13.043, de 2014) 1.731.735 - SP, REsp 2.036.289 - RS, Agravo
tes dos imóveis que compõem a incorporação. 6. https://www.migalhas.com.br/coluna/miga- de Instrumento 2052612-75.2023.8.26.0000
4. Art. 27. da Lei 9.514/97 (...) § 8º Responde o lhas-edilicias/313176/o-credor-fiduciario-res- – TJSP, Agravo de Instrumento 2251768-
fiduciante pelo pagamento dos impostos, taxas, ponde-pelas-dividas-condominiais-incidentes- 78.2022.8.26.0000 – TJSP, Apelação Cível
contribuições condominiais e quaisquer outros -sobre-o-imovel-objeto-da-garantia. 1054111-78.2018.8.26.0100 – TJSP.
encargos que recaiam ou venham a recair sobre 7. Art. 835 do Código de Processo Civil. A pe- 11. Agravos de Instrumentos 2083690-
o imóvel, cuja posse tenha sido transferida para nhora observará, preferencialmente, a seguinte 87.2023.8.26.0000, 2260506-55.2022.8.26.
o fiduciário, nos termos deste artigo, até a data ordem: (...) XII – direitos aquisitivos derivados 0000, 2010727-86.2020.8.26.000 – TJSP.
em que o fiduciário vier a ser imitido na posse. de promessa de compra e venda e de alienação 12. Restrições Convencionais de Loteamento
(Incluído pela Lei 10.931, de 2004) fiduciária em garantia; – Obrigações propter rem e suas Condições
5. Art. 1.368-B do Código Civil. A alienação fi- 8. TJSP; Agravo de Instrumento 2275311- de Persistência. Revista dos Tribunais, n. 741,
duciária em garantia de bem móvel ou imóvel 13.2022.8.26.0000; Relator (a): Mourão Neto; p. 116.
confere direito real de aquisição ao fiduciante, Órgão Julgador: 35a. Câmara de Direito Pri- 13. Art. 1.345 do Código Civil. O adquirente de
seu cessionário ou sucessor. Parágrafo único. vado; Foro de Sorocaba – 7a. Vara Cível; Data unidade responde pelos débitos do alienante,
O credor fiduciário que se tornar proprietário do Julgamento: 30/11/2022; Data de Registro: em relação ao condomínio, inclusive multa e
pleno do bem, por efeito de realização da ga- 30/11/2022. juros moratórios.

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 43


DOUTRINA JURÍDICA

Kaue da Cruz Oliveira ASSISTENTE JUDICIÁRIO DO TJSP

DIREITO DE CRÉDITO COMO


FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL
MAIS DO QUE LEIS ENRAIZADAS PELOS CÓDIGOS CIVIS, AS
OBRIGAÇÕES ESTÃO REPRESENTADAS TAMBÉM PELAS NORMAS
E PRINCÍPIOS QUE SE ELEVAM COMO FONTE DE VALIDADE

1. BREVE RELATO HISTÓRICO ACERCA DA ter pleno sucesso, que se dava por meio da actio

A
RELAÇÃO OBRIGACIONAL per manus iniectionem, ou seja, ação pela qual
relação obrigacional não é um concei- o credor podia vender o devedor como escravo
to neutro, imutável, asséptico, mas um além do Rio Tibre. Quanto à pessoa do devedor,
modelo que se desenvolve ao longo da a perda do status do cidadão recebia a nomen-
história. clatura capitis deminutio maxima3. A perda do
Na Grécia antiga, Aristóteles dividiu as estado de cidadão em decorrência da inadim-
relações obrigacionais em duas espécies: volun- plência obrigacional era fundamentada pelas
tárias e involuntárias1. As relações voluntárias Institutas de Justiniano, no livro 1º, título xvi, §
decorriam de atos lícitos, como o acordo de von- 1º, que preceituava:
tade das partes e do contrato, enquanto as rela- Diminuição da cabeça é a mudança do estado an-
ções involuntárias tinham origem em ato ilícito terior e acontece de três modos: por quanto ela é
maior ou menor, a qual alguns denominam média
cometido às escondidas ou com violência. ou mínima.
Por sua vez, o direito romano não primava § 1º. A diminuição da cabeça é maior quando al-
guém perde ao mesmo tempo a cidade e a liberdade;
pela noção de relação obrigacional, mas pelo o que sucede aos que se tornam servos da pena pela
chamado vínculo obrigacional. Por inexistir gravidade da sentença, ou aos libertos condenados
norma acerca do termo “obrigação” na Roma como ingratos para os patronos, ou aos que consen-
tem em ser vendidos para participarem do preço.4
antiga, entendia-se como primeiro preceito a
esse respeito o nexum, a significar ligar, pren- A Lei das XII Tábuas, em sua tábua terceira,
der, unir ou atar2. O nexum conferia poder ao não deixa dúvida quanto à existência da execu-
credor de exigir do devedor o cumprimento de ção pessoal ao estatuir, em sua Lei n. 9:
determinada prestação. Nesse contexto, em Se são muitos os credores, é permitido, depois do
caso de inadimplemento, o devedor respondia terceiro dia de feira, dividir o corpo do devedor em
pessoalmente com seu próprio corpo, podendo tantos pedaços quantos sejam os credores, não
importando cortar mais ou menos; se os credores
ser reduzido à condição de escravo, eis que a preferirem, poderão vender o devedor a um estran-
pretensão do credor devia ser assegurada para geiro, além do Tibre.5

46 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


Kaue da Cruz Oliveira DOUTRINA JURÍDICA

Nos primórdios, a obrigação recebeu uma análise externa, ou seja, reconhecia-se


a presença de dois sujeitos, o credor e o devedor; um objeto, caracterizado
pela conduta de dar, fazer ou não fazer; e um vínculo jurídico

Isso porque a tábua sexta dessa lei assegura ao credor é que justificava o fato de haver uma
que “se alguém empenha a sua coisa ou vende responsabilidade pessoal do devedor diante do
em presença de testemunhas, o que prometeu inadimplemento. Essa era a noção originária de
tem força de lei”6. Assim, a execução do inadim- um vínculo obrigacional8.
plente, segundo o direito romano arcaico, era A obrigação, como instituto jurídico, surgiu
realizada fora dos limites da cidade de Roma. das compilações do período clássico de Justi-
Se a obrigação restou inadimplida para apenas niano, que organizou as normas esparsas vi-
um credor, o devedor incorria na possibilidade gentes àquele tempo, embasado pelo trabalho,
da perda do status de cidadão romano, tornan- dentre outros, do jurisconsulto Gaio, que no sé-
do-se escravo por meio da denominada capitis culo 2 arquitetou a causa jurídica da obrigação
deminutio máxima ou poderia ter seu corpo na sponsio ou na stipulatio porque a obrigação
dividido em tantos pedaços quantos fossem os nascia pelas palavras solenes trocadas pelos es-
credores, ato que recebia a nomenclatura tertiis tipulantes diante do libripens, ou seja, do porta-
nundinis partis secanto7. dor da balança9. É o que se depreende das Ins-
Álvaro Villaça Azevedo (2019) delineia que, titutas10. Assim, em uma obrigação com origem
nos primórdios, a obrigação recebeu uma aná- na fiança, o credor era livre de exigir tudo o que
lise externa, ou seja, reconhecia-se a presença quisesse para o efetivo adimplemento11.
de dois sujeitos, o credor e o devedor; um obje- O jurisconsulto romano Paulo definiu que a
to, caracterizado pela conduta de dar, fazer ou essência da obrigação não consiste em que se
não fazer; e um vínculo jurídico, que era uma faça uma coisa corpórea ou uma servidão, mas
relação entre um crédito e um débito, portanto, em que se obrigue outrem a nos dar, fazer ou
uma relação não entre duas pessoas, mas de um entregar alguma coisa12. Percebe-se, pois, que,
crédito e um débito. ao lado da violência da execução pessoal contra
No direito arcaico, inexistia a ideia de coo- o devedor, no direito arcaico existiam os pactos,
peração entre o credor e o devedor, mas uma que não eram assegurados por ação em juízo, ao
relação de submissão, ou seja, o devedor estava contrário do que acontece nos dias hodiernos,
submetido ao credor numa relação de antago- em que qualquer obrigação, desde que não con-
nismo. Essa submissão do devedor em relação trarie a lei e a ordem pública, é válida no campo

A BONIJ
REVISTA BO
BONIJURIS
ONIJ
NIJURI
IJJURI
URIS I ANO
URIS
UR AN EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024
N 36 I ED 47
DIREITO DE CRÉDITO COMO FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL

Na Alemanha, os estudos de Friedrich Carl von Savigny denem


que não há um vínculo obrigacional, o que existe é uma relação
obrigacional, que é uma relação entre dois sujeitos de direito

do direito. Assim, o jurisconsulto Celso delineou ilustra função social porque o credor obtém,
que conhecer as leis não é reter as palavras dela, nos limites do patrimônio do devedor, a satisfa-
mas a sua força e potestade (D. 1.3.17)13. ção pecuniária do seu crédito.
Na Alemanha, os estudos de Friedrich Carl
2. TEORIAS DA RELAÇÃO OBRIGACIONAL von Savigny definem que não há um vínculo
2.1. Teoria monista obrigacional, o que existe é uma relação obriga-
Para os defensores da teoria monista da relação cional, que é uma relação entre dois sujeitos de
obrigacional, a obrigação, como reflexo de um direito em que foram fixados os contornos do
dever jurídico, representa um ônus, uma su- que veio a ser conhecido como a primeira das
jeição passiva que pode ser conceituada como doutrinas pessoalistas da relação obrigacional.
qualquer situação de desvantagem titularizada A doutrina pessoalista de Savigny, segun-
por um sujeito para dar efeito à concretização do Judith Martins-Costa (2018), defende que a
da norma14. O dever jurídico representa a neces- obrigação é um direito a uma atividade huma-
sidade de observação de determinado compor- na alicerçado em uma estrutura unitária. Dessa
tamento em virtude da imposição do ordena- maneira, o conceito tradicional do direito das
mento jurídico. Trata-se da situação passiva que obrigações consiste numa relação jurídica en-
se caracteriza pela necessidade de o devedor tre dois ou mais sujeitos, e que um deles, o deve-
observar certo comportamento, positivo ou ne- dor, deverá adimplir em favor do outro sujeito,
gativo, compatível com o interesse do titular15. o credor, uma prestação17.
A contrapartida da obrigação tecnicamente António Menezes Cordeiro (2015) explica
recebe a nomenclatura de prestação. Nos dizeres que, para a teoria monista, há uma liberdade
de Venosa (2007), prestação é o ponto material alargada com o domínio sobre a pessoa e uma
sobre o qual incide a obrigação, materializada liberdade limitada pela adstrição e pela neces-
como atividade positiva ou negativa do devedor sidade à prestação18.
que consiste, basicamente, em dar, fazer ou não A doutrina nacional buscou definir a obriga-
fazer, que, no plano da escada ponteana, deve ser ção por meio das suas características. Nas pala-
possível, lícita e determinada ou determinável16. vras de José Fernando Simão (2021), o conceito
Portanto, os requisitos do art. 104 do Códi- tradicional de obrigação, atribuído pelas fontes
go Civil devem estar presentes como requisi- romanas, é o vínculo jurídico que une o credor,
tos legais da prestação, a fim de evitar o vício na figura de sujeito ativo, ao devedor, no papel
da invalidade do negócio jurídico. Como fonte de sujeito passivo da obrigação, e tem por obje-
de existência do plano dos negócios jurídicos, to uma prestação de dar, fazer ou não fazer19. Já
a análise da capacidade do agente, da licitude para Washington de Barros Monteiro (2003), a
do objeto, sua possibilidade de determinação e obrigação é a relação jurídica, de caráter transi-
se a origem da obrigação foi emanada de forma tório, estabelecida entre devedor e credor e cujo
prescrita ou não defesa em lei, é essencial como objeto consiste numa prestação pessoal econô-
elemento formativo do negócio jurídico. mica, positiva ou negativa, devida pelo primei-
O ideal arcaico da execução pessoal da obri- ro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento
gação passa a ser superado pela ideia de execu- através de seu patrimônio20.
ção patrimonial. Na execução pessoal, o credor Ainda a esse respeito, na visão de Pablo Stolze
se apossa da pessoa vinculada e, consequente- Gagliano (2022), a obrigação é entendida como a
mente, não obtém a satisfação do seu crédito, relação jurídica patrimonial que vincula o cre-
enquanto a execução da obrigação patrimonial dor ao devedor e significa um liame economica-

48 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


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DIREITO DE CRÉDITO COMO FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL

É usual, na doutrina, a conclusão de que a prestação deve ser economicamente


apreciável, com cunho patrimonial, pelo seu valor intrínseco ou em
razão da conversão em valor economicamente apreciável

mente funcional, por meio do qual se efetiva a 2.2. A prestação na teoria monista
circulação de bens e direitos no comércio jurí- A prestação não se trata simplesmente de uma
dico21. Caio Mário da Silva Pereira (2016), por sua conduta pessoal do devedor, mas um plus eco-
vez, entende que a obrigação se examina a partir nômico apto a satisfazer necessidades. É usu-
de seus elementos subjetivo, objetivo e formal, al, na doutrina, a conclusão de que a presta-
isto é, pelo sujeito, objeto e fonte constitutiva e, ção deve ser economicamente apreciável, com
por isso, conceitua-a como vínculo jurídico em cunho patrimonial, pelo seu valor intrínseco
virtude do qual uma pessoa pode exigir de outra ou em razão da conversão em valor economica-
prestação economicamente apreciável22. mente apreciável.
A teoria monista da obrigação pode ser en- A possibilidade de conversão da prestação
tendida no sentido que há uma só relação jurí- em lastro é um traço distintivo entre a obri-
dica que vincula o credor e o devedor por meio gação e os deveres morais25. Todavia, dentre a
da prestação, eis que o direito de exigir a coisa possibilidade de conversão da prestação em
está inserido no dever de prestar. Há, portanto, moeda, digno de precificação, há a teoria que
um único elemento, a prestação23. acolhe o pensamento da existência de obriga-
Essa obrigação pode ser uma prestação de ções negativas sem possuir conteúdo econômi-
entregar ou restituir uma coisa, também cha- co imediato.
mada de obrigação de dar; de realizar um servi- Conforme esses teóricos, a extensão exata da
ço ou uma atividade, situação em que receberá prestação pode ser dependente de liquidação
a nomenclatura de obrigação de fazer; ou, ain- que examine o que há que ser levado em conta
da, outra modalidade da obrigação é a presta- na determinação daquilo ou do quanto exata é
ção de fazer ou simplesmente uma abstenção, a prestação. Se o negócio jurídico não indica, a
então denominada obrigação de não fazer. princípio, o valor representativo em dinheiro da
Consoante a teoria monista da obrigação, tra- prestação, ou só especifica o fim e os elementos
ta-se, pois, de uma relação jurídica que vincula o característicos da prestação, ou se apenas alude
devedor ao credor, de modo que o sujeito passi- ao fim, têm de ser apreciadas as circunstâncias
vo deve cumprir em favor do sujeito ativo uma para delimitar a extensão da prestação26.
prestação, seja ela de dar, fazer ou não fazer. Lembra Arruda Alvim (1987) que na doutrina
Como destacam Carlos Nelson Konder e há quem sustente um direito patrimonial que
Pablo Rentería (2008), a doutrina tradicional, compreenderia o direito das obrigações e os di-
dentro de uma perspectiva voluntarista, definia reitos reais, que visaria integrar ambos os gru-
a tutela da obrigação a partir de uma análise es- pos de normas em uma realidade mais ampla,
tritamente estrutural, ou seja, mediante a iden- a fim de constituir apenas um sistema norma-
tificação dos sujeitos e daquilo que foi prometi- tivo. Esse é o busílis da teoria unitária realista.
do. Neste contexto, a análise da função jurídica A conclusão dessa corrente de entendimento,
arcava com uma importância secundária que se entretanto, reconhece a dificuldade em unificar
originava pontualmente naquelas hipóteses em os direitos das obrigações e os direitos reais em
que a lei expressamente chamava o intérprete apenas um só sistema, observada a diversidade
para considerar o interesse do credor, como na dos princípios que os inspiram e os orientam27.
apreciação da legitimidade do pagamento rea- Face as suposições trazidas pela teoria mo-
lizado por terceiro ou da possibilidade de o de- nista da relação obrigacional, surgiram críticas
vedor vir a purgar a mora com a realização da como a que concluía que o poder exercido pelo
prestação depois de vencida a dívida24. credor sobre o devedor traduziria em uma es-

50 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


Kaue da Cruz Oliveira DOUTRINA JURÍDICA

pécie de escravidão, ao que Savigny contrapõe


que o foco não é a pessoa, mas um ato do de-
vedor. Savigny reconhece, ainda, que o ato do
devedor se vincular à obrigação é voluntário28.
Novos estudos visaram sanar as críticas que
pendiam contra a teoria monista, como vere-
mos a seguir.

2.3. Teoria dualista


Desse conceito tradicional das obrigações ad-
vém a teoria dualista de Alois von Becker e
Ernst Immanuel Brinz, posteriormente desen-
volvida por O�o Friedrich Von Gierke no ano
de 1917, a qual trata dos elementos da obriga-
ção ou das duas sub-relações jurídicas, quais
sejam, a sub-relação jurídica oriunda da dou-
trina do direito alemão, o Schuld e a Ha�ung,
que discorrem acerca dos efeitos do débito e da
responsabilidade. A teoria dualista representa
uma reação à análise da teoria monista, com
fundo pessoalista, um passo em direção ao po-
sitivismo29.
Segundo essa teoria, o débito é a obrigação ou
o dever de se cumprir a prestação ajustada. Ao
deixar de cumprir a prestação, segundo a teoria
dualista, será deflagrada a responsabilidade.
Então, débito e responsabilidade significam de-
ver primário e dever secundário da obrigação.
Como bem acentua Judith Martins-Costa
(2003), uma vez constituída a obrigação, o de-
vedor assume o dever de efetuar determinada A Garantia Condominial é
prestação, mas este dever, por si só, não permi- um serviço de antecipação
tirá ao credor exigir, coativamente, a sua exe- das taxas condominiais. O
cução. A execução coativa reside, portanto, na Síndico recebe 100% da
Ha�ung, ou responsabilidade (ou, na expressão receita mês a mês na data
usada pela autora, na garantia), pela qual a pes- programada, independente
soa do devedor ou do terceiro (fiador, por exem- do pagamento das taxas
plo), ficam sujeitos à agressão patrimonial do pelos condôminos. Saúde
credor em caso de inadimplemento30. financeira e bem-estar a sua
A esse respeito, Pontes de Miranda (2012) le- disposição!
ciona que:
A obrigação resulta do dever; quem é obrigado só
o é porque deve. Como há de solver, se voluntaria-
mente não o faz, isso é questão que diz respeito à
justiça de mão própria, ou à justiça estatal – já per-
tence ao direito processual. Há pessoas que devem
e não podem ser executadas.31

Na teoria dualista, trabalham-se os concei- www.garantesp.com.br


tos de débito e responsabilidade, assim como

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 51


DIREITO DE CRÉDITO COMO FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL

Segundo a teoria dualista, uma coisa é a ocasião do débito, a


representar o período da relação jurídica de direito material; outra coisa
acontece quando não é cumprido o débito voluntariamente

a questão das obrigações imperfeitas, ou seja, cional, a Ha�ung, que é a responsabilidade. A


aquela perspectiva da existência de um elemen- responsabilidade pode ser conceituada como a
to sem o outro, em que pode existir o débito, mas submissão do devedor ao poder de intervenção
não existir a consequente responsabilidade. patrimonial; em outras palavras, com a respon-
Por meio da sua aplicabilidade, a responsabi- sabilidade, o patrimônio do devedor se sujeita a
lidade (Ha�ung) pelo débito (Schuld) passa a ser uma agressão por parte do credor. É uma atua-
dinâmica, mediante análise estática, e permite ção que ocorre independentemente da vontade
a efetivação da obrigação, determinando quais do devedor e é por isso que os alemães, para jus-
bens, sejam do sujeito passivo, do devedor ou tificar a teoria dualista, criaram uma expressão
de terceiros, responderão pelo adimplemento, chamada Anspruch, que significa pretensão ou
independentemente da vontade do seu titular. exigibilidade. Torna-se frequente na situação em
Ou seja, conforme a linha dos teóricos do dualis- que o devedor se vê obrigado a indenizar os pre-
mo, a obrigação passa a ter dois componentes, a juízos do credor e daquelas situações em que tem
dívida, isto é, o vínculo pessoal entre os sujeitos que suportar o custo da prestação ocasionada
da obrigação, e a responsabilidade, que é o liame por terceiro. Em ambas as situações, os bens do
patrimonial pessoal ou do terceiro coobrigado32. devedor ficam sujeitos à apreensão para pagar o
Em suma, podemos definir a corrente dualista interesse do credor e, por essa razão, diz-se que a
como a relação entre dois vínculos atinentes ao: responsabilidade do devedor é patrimonial33.
a) dever do sujeito passivo de satisfazer a Segundo a teoria dualista, uma coisa é a
prestação em face do credor, e ocasião do débito, a representar o período da
b) dever relativo à autorização dada pela lei relação jurídica de direito material; outra coi-
ao credor que experimentou o inadimplemento sa acontece quando não é cumprido o débito
a constranger o patrimônio do devedor. voluntariamente, em que surge o segundo mo-
mento, o da responsabilidade, caracterizada
3. OBRIGAÇÕES IMPERFEITAS pelo estado de sujeição patrimonial.
Há que se considerar a responsabilidade oriun- A teoria dualista se caracteriza como evolu-
da do débito alheio, como nos casos das obriga- ção da relação obrigacional do direito romano.
ções advindas de fiança, da obrigação natural, Pretende evitar o excesso de poder conferido
da dívida prescrita e da dívida de jogo. São, pois, ao credor, para que a intervenção do credor dei-
obrigações imperfeitas, uma vez que, apesar de xe de se dirigir à pessoa do devedor, mas passe
perdurar a obrigação, inexistirá a responsabili- a atingir o objeto da responsabilidade. Aliam-se
dade. O devedor continua a dever, mas não po- os interesses obrigacionais aos da sociedade in-
derá ser compelido a prestar no mundo jurídico, dustrial, em que se conclui como disfuncional o
entretanto, a voluntariamente cumprir a obriga- excessivo rigor contra o devedor. Alcança-se a
ção após o escoamento do prazo prescricional. percepção das dissociações entre o crédito e o
Como expresso, os estudiosos alemães vincu- poder de constrição, assim como entre o dever e
lados à teoria dualista decompõem a obrigação a vinculação quanto à pessoa do sujeito passivo
em dois momentos sucessivos, quais sejam, o da obrigação34.
Schuld e a Ha�ung. O Schuld é a dívida, é o dé- Assim, a teoria dualista passa a admitir a
bito autônomo, é obrigação de dar, fazer ou não existência de casos de débito sem responsabi-
fazer. É a causa da relação obrigacional. Quando lidade, em que somente se encontra a presen-
esse débito não é espontaneamente satisfeito, ça do Schuld, mas não há a Ha�ung, como nas
surge o segundo momento da relação obriga- obrigações com origem em jogos e apostas.

52 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


Kaue da Cruz Oliveira DOUTRINA JURÍDICA

A aposta é o contrato, igualmente aleatório, em que duas ou mais pessoas, com


opiniões diferentes sobre qualquer assunto, que concordam em perder certa soma
em favor da outra, entre os contratantes, cuja opinião se vericar verdadeira

Conceitualmente, jogo, juridicamente trata- em casa de bingo no Brasil é inexigível, ainda


do, é o contrato aleatório em que duas ou mais que seu funcionamento tenha sido autoriza-
pessoas prometem certa soma a outra, dentre do pelo Poder Judiciário” (stj, 3ª Turma, REsp
as contratantes, a quem for favorável o azar. Já 1.406.487-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseve-
a aposta, por seu turno, é o contrato, igualmen- rino, j. 04.08.2015)37.
te aleatório, em que duas ou mais pessoas, com Anote-se a exceção de que o stj declara a
opiniões diferentes sobre qualquer assunto, possibilidade da cobrança de dívida de jogo
que concordam em perder certa soma em favor contraída por brasileiro em cassino que fun-
da outra, entre os contratantes, cuja opinião se ciona legalmente no exterior, sob a justificativa
verificar verdadeira. No jogo, há a participação que o art. 9º da lindb preconiza, no que concer-
ativa dos contraentes, da qual dependerá o re- ne às obrigações, a associação da lei do local da
sultado, enquanto na aposta, o acontecimento constituição da obrigação com a lei do local da
dependerá de ato incerto de terceiro ou de fato execução38. Sob essa perspectiva, a lei material
independente da vontade dos contraentes para aplicável ao caso é do país estrangeiro, contudo,
verificar uma opinião35. limitada pelas restrições do art. 17 da lindb39,
A dívida de jogo é chamada tecnicamente de que retira a eficácia de atos e sentenças que
obrigação imperfeita ou também obrigação na- ofendam a soberania nacional, a ordem pública
tural porque essa obrigação não é socialmente e os bons costumes, conforme julgado pelo Su-
útil. Nesse panorama, dispõe o art. 50 da Lei das perior Tribunal de Justiça40.
Contravenções Penais ser ilícito “estabelecer ou Outra característica das obrigações imper-
explorar jogo de azar em lugar público ou aces- feitas ou naturais: caso o devedor pague es-
sível ao público mediante o pagamento de en- pontaneamente, esse pagamento é irrepetível.
trada ou sem ele”36. Trata-se da solutio retenti. Essa dívida não é
Por essa razão, o devedor não pode ser cons- constrangível ao devedor, mas sim uma dívida
trangido a pagar. Não existe coerção caso o de- moral. Por se tratar de dívida moral, é social-
vedor não faça o pagamento espontaneamente. mente esperado que seja feito o pagamento. Daí
É o que preceitua o stj, em julgado colacionado se irradia a incoercibilidade aliada à irrepetibi-
do Informativo 566: “A dívida de jogo contraída lidade41. Na mesma esteira, o art. 817 do Código

A BO
REVISTA BONIJURIS
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NIJ
IJURI
UR S I ANO 36
3 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR
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DIREITO DE CRÉDITO COMO FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL

A sujeição relaciona-se com a categoria dos direitos potestativos. São poderes


jurídicos que, por um ato de vontade, produzem efeitos jurídicos sobre a
contraparte. Uma das partes está na posição de poder, a outra em submissão

Civil dispõe serem lícitos os sorteios para diri- monial materializada pelos direitos reais sobre
mir questões ou dividir coisas comuns42. coisa alheia com incidência sobre todos os bens
Todavia, não há apenas casos em que exis- do devedor. Posteriormente, a partir do refi-
tem débitos sem responsabilidade; existem namento dos estudos, criou-se o instituto da
também hipóteses de responsabilidade sem garantia especial, a fim de gerar um reforço de
débito. O caso análogo mais notório é o do fia- segurança do credor, que poderia afetar direta-
dor, que não tem débito nenhum, mas arca com mente o patrimônio do devedor ou do terceiro
a responsabilidade por débito alheio. Ele é al- que a ele se aliou para garantir o adimplemento
guém que garante uma dívida de um terceiro43, da obrigação. Conforme os autores, a garantia
assim como ocorre nas garantias reais, a exem- real é dupla em termos de eficácia porque, no
plo do penhor e da hipoteca, e nas restrições exemplo da hipoteca, esse direito real de garan-
de responsabilidade de certos bens feitas pelo tia possui a característica básica dos direitos
próprio devedor44. reais, isto é, a possibilidade da sequela, em que
o bem passa a ser afetado, portanto, reservado
4. ESTADO DE SUJEIÇÃO PATRIMONIAL ao pagamento do débito. Não obstante, a garan-
A sujeição relaciona-se com a categoria dos di- tia de direito real permite ao credor o direito de
reitos potestativos. São poderes jurídicos que, preferência porque aquele bem objeto da ga-
por um ato de vontade, produzem efeitos jurídi- rantia vinculada à obrigação está separado dos
cos sobre a contraparte. Uma das partes encon- demais credores, uma vez que o credor se torna
tra-se na posição de poder, ou seja, de potestade, privilegiado quanto ao direito de sequela.
enquanto a outra está em estado de submissão. A garantia especial, como segunda modalida-
Segundo a lição de Goffredo da Silva Telles de de garantia da responsabilidade da obriga-
Júnior, citado em obra elaborada por Carlos ção (Ha�ung), é tratada como garantia pessoal.
Roberto Gonçalves (2016), direito potestativo é O exemplo mais notório da garantia pessoal é a
o poder que a pessoa tem de influir na esfera fiança, que ocorre nos negócios em que um ter-
jurídica de outrem, sem que este possa fazer ceiro assegura uma obrigação de um devedor
algo que não se sujeita. Consiste em um poder com seu próprio patrimônio. A lei romana dis-
de produzir efeitos jurídicos mediante a decla- ciplinava, a esse respeito, que “pelo promitente
ração unilateral de vontade do titular, que gera costumam obrigar-se outras pessoas, que se
em outra pessoa um estado de sujeição, como o chamam fiadores. Os homens costumam acei-
do vizinho de prédio encravado, sujeito a per- tá-los quando cuidam de garantir-se com maior
mitir passagem sobre seu terreno quando lhe segurança”47. A fiança aflora por ser uma obri-
exigir o confinante (servidão de passagem)45. gação acessória e, em regra, subsidiária e surge
Aquele que se encontra no estado de domi- com uma ideia de responsabilidade patrimonial
nação poderá unilateralmente alterar a situa- secundária. Dessa forma, há a responsabilidade
ção do outro, por ato próprio ou judicialmente, patrimonial primária do devedor e a responsa-
sem que o integrante do polo adverso da rela- bilidade patrimonial secundária desse garante.
ção obrigacional possa se opor. O titular do di- Atinente à fiança como instituto representa-
reito potestativo não exige um comportamento tivo do estado de sujeição de uma obrigação, o
de outrem, mas submete-o à sua vontade46. Supremo Tribunal Federal, em julgamento do
Segundo Cristiano Chaves e Nelson Rosen- Recurso Extraordinário 1307334, de relatoria do
vald (2017), a sujeição patrimonial é criada por ministro Alexandre de Moraes, objeto do Tema
meio da responsabilidade e da garantia patri- 1.127 de repercussão geral, reconheceu a cons-

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DIREITO DE CRÉDITO COMO FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL

A garantia especial é muito utilizada hoje em dia, porque, na linguagem


da análise econômica do direito, ela reduz custos de transação e
aumenta o acesso ao crédito porque traz segurança jurídica

titucionalidade da penhora de bem de família pelos códigos civis exclusivamente, mas, tam-
pertencente a fiador de contrato de locação, bém, no conjunto de princípios e outras normas
seja residencial, seja comercial. jurídicas que se elevaram como fonte de valida-
A garantia especial é muito utilizada hoje em de das demais normas, como a Constituição e
dia, porque, na linguagem da análise econômica os tratados internacionais, em torno dos quais
do direito, ela reduz custos de transação e au- gravitam os microssistemas jurídicos que tra-
menta o acesso ao crédito porque traz seguran- tam das matérias a ele vinculadas.
ça jurídica48. O autor disserta que, para a boa compreensão
O desenvolvimento da teoria dualista permi- e aplicação do direito das obrigações, exige-se a
te entender que o débito e a responsabilidade, primazia do bom emprego da Constituição, fon-
por se tratarem de elementos distintos da obri- te de validade do ordenamento jurídico, para a
gação, podem se autonomizar. interlocução entre o Código Civil e os micros-
O dever de sujeição corporifica-se nas ga- sistemas jurídicos, principalmente quanto ao
rantias que alicerçam a responsabilidade do direito do consumidor, além das legislações que
devedor, tanto no dever jurídico que trata, por disciplinam a respeito de certos tipos de obriga-
exemplo, dos direitos reais, como nas obriga- ções que não se enquadram na sistemática do
ções em sentido estrito, em que o titular do di- código. No espírito de um civilista tradicional,
reito subjetivo deve obter um comportamento Paulo Lôbo vislumbra aridez de correlação e de
positivo ou negativo da parte contrária, como interesse pelos avanços do constitucionalismo,
se apresentam nas obrigações de dar, fazer ou salvo quanto às matérias gerais de direito de
não fazer. Por seu turno, no direito potestativo, propriedade e das liberdades individuais, assim
aquele que se encontra em sujeição não desen- como daquelas disciplinas que interessam ao
volve qualquer conduta, pois está à mercê da contrato e à responsabilidade civil50.
atuação voluntária ou judicial do titular do Após a codificação do Corpus Iuris Civilis,
direito de potestade. Nas obrigações motiva- que compilou a história do sistema jurídico ro-
das por meio do direito potestativo do credor, mano-germânico, o direito civil foi identificado
dispensa-se o consentimento do sujeito passivo como o ponto normativo privilegiado da defesa
para que se verifique o efeito desejado. Contu- dos interesses individuais e, por esse motivo,
do, o estado de sujeição como dever jurídico do nenhum ramo do direito era mais distante da
devedor consiste no cumprimento da presta- Constituição do que ele. A lenta elaboração do
ção. O devedor sempre poderá agir na direção direito das obrigações percorre a história do
do adimplemento do débito, a fim de resgatar direito há mais de dois mil anos e, por muitos
a sua liberdade. Já nas obrigações estipuladas séculos, se mostrou indiferente às mutações
pelo direito potestativo, por ser impedido de co- sociais, políticas e econômicas com que convi-
operar com a outra parte, o sujeito passivo não veu. Os princípios e brocardos romanos per-
tem possibilidade de liberação, a não ser por ato maneciam válidos e, por isso, fazia-se crer que
de vontade de seu titular no sentido de criar, as relações jurídicas obrigacionais não seriam
modificar ou extinguir uma relação jurídica49. afetadas pelas vicissitudes históricas desde os
tempos imemoriais do direito romano clássi-
5. CRÉDITO COMO DIREITO FUNDAMENTAL co, pouco importando o caminho traçado pela
No entendimento de Paulo Lôbo (2019), a unida- constituição política adotada.
de do direito das obrigações não está mais en- Entende-se que, no período contemporâneo,
raizada em compilações de leis representadas ante a evolução da sociedade de consumo, o ju-

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Kaue da Cruz Oliveira DOUTRINA JURÍDICA

rista deve interpretar o Código Civil segundo


a Constituição e não a Constituição segundo
o código, como ocorria com frequência. A libe-
ralidade e o individualismo do Código Civil de
1916 restam claramente superados pela função
social do contrato presente no código em vigor.
Observada a teoria dualista, o débito existe
no mundo dos fatos, isto é, o débito tem origem @coelho_curitiba
nas situações decorrentes da vida em socie-
dade. O vencimento da obrigação que restou 41 99142-0804
inadimplida, observada pelo decurso do prazo,
enseja o débito como fonte da perturbação da
relação obrigacional.
A responsabilidade, entretanto, não se aper-
feiçoa no mundo dos fatos, mas do mundo do
direito, porque a responsabilidade abre espaço
para a imputação, a fim de atribuir o ônus de
solver ou indenizar caso o débito não tenha
sido espontaneamente adimplido no tempo e
no modo devidos.
Como expresso, a concepção dualista retrata
a evolução da teoria monista e, por isso, ultra-
passa os limites da responsabilidade pessoal do
devedor e permite a passagem dessa responsa-
bilidade pessoal do devedor para uma respon-
sabilidade patrimonial.
Nesse contexto, o art. 5º, lxvii, da Consti-
tuição Federal discorre a respeito da prisão ci-
vil por dívida e da figura do depositário infiel.
Desde 2008, o Supremo Tribunal Federal, por
meio da Súmula Vinculante 25, julgou ilícita a
prisão civil do depositário infiel, qualquer que VENHA CONHECER
seja a modalidade do depósito, em consonância
da exegese do Pacto de São José da Costa Rica, NOSSA NOVA LOJA
internalizado no Brasil por meio do Decreto
678/92, que promulgou a Convenção Americana
de Direitos Humanos. Essa convenção interna- Loja Batel
cional de direitos humanos teve por fim evitar R. Dep. Antonio Baby, 59
ofensa ao princípio da proporcionalidade por-
2ª a 6ª feira das 10h às 19h
que ainda que mantida a prisão civil do deve- sábado das 10h às 13h
dor por alimentos, versa-se de caso excepcional
em que não há uma responsabilidade pessoal Loja Centro
do devedor, mas uma responsabilidade patri- R. Sen. Alencar Guimarães, 16
monial51. Essa prisão não passa de uma técnica
2ª a 6ª feira das 9h às 19h
processual executiva. sábado das 9h às 13h
A esse respeito, o art. 1.701 do Código Civil, ao
disciplinar que “a pessoa obrigada a suprir ali-
mentos poderá pensionar o alimentando, ou
dar-lhe hospedagem e sustento, sem prejuízo

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 57


DIREITO DE CRÉDITO COMO FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL

Apesar da literalidade do texto normativo, a exegese da norma deve ser


sistemática. Existem alguns bens que não estão afetados aos seus credores
porque formam seu mínimo existencial, como o bem de família

do dever de prestar o necessário à sua educação, Apesar da literalidade do texto normativo, a


quando menor”, enfatizou a distinção entre o de- exegese da norma deve ser sistemática. Existem
ver alimentar e a obrigação alimentar. O dever ali- alguns bens que não estão afetados aos seus
mentar é uma imposição da norma àqueles que credores porque formam seu mínimo existen-
exercem o poder familiar até que os filhos com- cial, como o bem de família, legislado pela Lei
pletem a maioridade. Cessado o dever alimentar, 8.009/90, que trata da impenhorabilidade do
por razões de equidade e de solidariedade, even- imóvel residencial. A referida norma concebe
tualmente nascerá uma obrigação de prestar ali- uma das formas de impenhorabilidade legal. O
mentos desde que surja evidenciada a necessida- art. 1.711 do Código Civil56, que trata da impenho-
de da manutenção econômica para subsistência rabilidade voluntária, é outro exemplo em que
do filho que recentemente atingiu a maioridade todos os bens do devedor não estão afetados ao
e, principalmente, permaneça a impossibilidade seu credor, mas estão afetados à sua dignidade e
de custear suas despesas com ensino superior52. ao necessário para a sobrevivência do devedor.
Na hipótese desse filho, por questão de saúde, O ordenamento jurídico protege não só o pa-
não ter meios de exercer, por si, a plena capacida- trimônio mínimo indispensável à manutenção
de civil e, por isso, ser sujeito passivo de curatela, da subsistência do devedor, mas também a tutela
o dever alimentar poderá prosseguir indefinida- da sua honra. Nessa conjuntura, o art. 42 do Códi-
mente a infligir o alimentante devedor enquanto go de Defesa do Consumidor disciplina que, “na
permanecer a condição impeditiva do credor, in- cobrança de débitos, o consumidor inadimplente
dependentemente da sua idade. não será exposto a ridículo, nem será submetido
Nesse panorama, a prisão civil decorrente da a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça”.
obrigação alimentar ilustra uma forma de coer- Não é só. A defesa dos interesses da manuten-
ção do devedor ao adimplemento, tanto é que a ção do patrimônio do devedor, a fim de dar eficá-
aludida prisão civil não é concebida como pena, cia ao preceito do mínimo existencial, também é
eis que no instante em que o executado quita o tutelada pelo Estatuto da Pessoa Idosa e pela Lei
débito, imediatamente lhe é restituído o direito do Superendividamento, Lei 14.181, de 1º de julho
de liberdade. de 2021, à luz do princípio do crédito responsável57.
Na hipótese de o devedor cumprir por todo A respeito do tema crédito responsável, Ga-
o período fixado da sanção de reclusão, seja de gliano e Oliveira (2021) lecionam que
30, 60 ou 90 dias, o cumprimento do decurso do Esse princípio é uma norma implícita na Constituição
prazo na prisão não exclui o dever de pagamen- e foi concretizado pela Lei do Superendividamento
mediante alterações no CDC e no Estatuto do Ido-
to da prestação. A reclusão não quita o débito, so. Consiste em promover o crédito responsável, ou
pois o débito alimentar, na espécie, é sempre seja, a prática adotada por credores, por devedores
representado por um lastro em dinheiro ou e pelo Poder Público com vistas a evitar o superen-
dividamento. Superendividamento, por sua vez, é a
pelo equivalente in natura. O dever de adimple- situação de um indivíduo de boa-fé que não tem con-
mento não se extingue enquanto não decorrer dições de pagar suas dívidas sem comprometer o mí-
o prazo prescricional da obrigação. nimo existencial. O art. 54-A, §1º, do CDC define esse
conceito com olhos no consumidor pessoa física.58
Em sentido contrário, o art. 391 do Código
Civil53 e o art. 789 do Código de Processo Civil54 No mesmo sentido, a remuneração, os ven-
dispõem que o devedor responde com todos os cimentos e o salário são protegidos dos efeitos
seus bens. O credor tem interesse em que todo executivos da obrigação inadimplida, a retratar
o patrimônio do devedor esteja sujeito à execu- o movimento do direito civil em caminho da
ção forçada por seus créditos55. despatrimonialização59.

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DIREITO DE CRÉDITO COMO FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL

CONSIDERAÇÕES FINAIS protegido da execução por ser bem de família


Há que se elaborar uma ponderação entre o di- seja impenhorável mesmo que seja avaliado em
reito do crédito esperado pelo sujeito ativo e o montante milionário. Em igual caminho, não
direito de o sujeito passivo manter sua existên- parece que atenda ao princípio da proporciona-
cia digna, eis que o crédito é um direito funda- lidade que, para escapar do manto da impenho-
mental também. O legislador deve elaborar nor- rabilidade, a remuneração deva ser superior a
ma que adeque os institutos da tutela executiva 50 salários-mínimos mensais, na forma do art.
em favor do credor. Não parece razoável que ho- 833, § 2º, do Código de Processo Civil60. 
diernamente, na legislação brasileira, o imóvel

NOTAS
1. AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de direito 10. A “stipulatio” ou estipulação era, segundo bus Maluf, de acordo com o atual Código Civil.
civil: teoria geral das obrigações e responsabili- as Institutas, chamada Aquiliana. Por meio dela São Paulo: Saraiva, 2003, p. 8.
dade civil. 13. ed. São Paulo: Saraiva Educação, faz-se que uma obrigação de qualquer espécie 21. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FI-
2019, p. 32. seja extinta pela aceitação. As palavras solenes LHO, Rodolfo. Manual de direito civil: volume
2. CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito ro- foram compostas por Gallo Aquino desta for- único. 6. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2022, p. 561.
mano: o direito romano e o direito civil brasilei- ma: “Tudo quanto deves ou deveres dar-me ou 22. PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições
ro no Novo Código Civil. 31. ed. rev. e acrescida fazer-me, agora ou mais tarde, ação, petição de direito civil. Vol. II, 28. ed. rev. e atual. por
com casos práticos dos Tribunais de Roma. Rio ou execução, que por qualquer título eu tenha Guilherme Calmon Nogueira da Gama. Rio de
de Janeiro: Forense, 2009, p. 162. ou tiver contra ti; o que tens, deténs, possui ou Janeiro: Forense, 2016, p. 66.
3. ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. dolosamente deixaste de possuir, seja o que for 23. FIGUEIREDO, Luciano L.; FIGUEIREDO,
18. ed. rev. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 150. e quanto for, Aulus Agerius estipulou que se Roberto L. Direito civil: Obrigações e Responsa-
4. JUSTINIANO, Flávio Pedro Sabácio. Institu- desse tanto em dinheiro”. Numério, o Negídio, bilidade Civil. 9. ed. rev., ampl. e atual. Coorde-
tas do Imperador Justiniano. Traduzido por A. prometeu. Do mesmo modo, Numério Negídio nador: Leonardo Garcia. Salvador: JusPodivm,
Coelho Rodrigues, 2º vol. Recife: Typographia interrogou por seu turno a Aulus Agerio: “Tudo 2020, p. 51.
Mercantil, 1879. pp. 43-44. Disponível em: quanto hoje te prometi pela estipulação Aqui- 24. KONDER, Carlos Nelson.; RENTERÍA, Pablo.
https://bibliotecadigital.stf.jus.br/xmlui/hand- liana, fosse o que fosse, tens recebido?” Aulus A funcionalização das relações obrigacionais:
le/123456789/603 Agerius respondeu: “Tenho e levei a receita”. interesse do credor e patrimonialidade da pres-
5. MEIRA, Silvio Augusto de Bastos. A Lei das (Institutas, Livro Terceiro, Tít. XXIX, §2º). tação. In: Gustavo Tepedino; Luiz Edson Fachin
XII Tábuas: Fonte do direito público e privado. 11. JUSTINIANO, Flavio Pedro Sabácio. Institutas (org.), Diálogos sobre direito civil, vol. II, Rio de
3. ed. rev. e aumentada. Rio de Janeiro: Forense, do Imperador Justiniano. Traduzido por A. Coelho Janeiro: Renovar, 2008, p. 265.
p. 169. Disponível em: https://edisciplinas.usp. Rodrigues, 2º vol. Livro Terceiro, Título XX, § 4, Re- 25. FIGUEIREDO, Luciano L.; FIGUEIREDO,
br/pluginfile.php/2774301/mod_resource/con- cife: Typographia Mercantil, 1879. p. 250. Dispo- Roberto L. Direito civil: obrigações e responsa-
tent/1/Lei%20das%20XII%20T%C3%A1buas. nível em: https://bibliotecadigital.stf.jus.br/xmlui/ bilidade civil. 9. ed. rev., ampl. e atual. Coorde-
pdf Acesso em: 07 ago. 2022. handle/123456789/603 Acesso em: 10 set. 2022. nador: Leonardo Garcia. Salvador: JusPodivm,
Texto original em latim: “Est autem capitis No original latino, “Si plures sint fideiusso- 2020, p. 49.
deminutio prioris status commutatio, eaque tri- res, quotquot erunt numero, singuli in solidum 26. PONTES DE MIRANDA, Francisco Caval-
bus modis accidit. Nam aut maxima est capitis tenentur: itaque liberum est credotori, a quo canti. Direito das obrigações, obrigações e suas
deminutio, aut minor, quam quidam mediam vo- velit solidum petere”. espécies, fontes e espécies das obrigações.
cant, quam quidam mediam vocant, aut mínima. 12. Paulo, Digesto. Livro 44, título 7, lei n. 3, Atualizado por Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de
§1. Maxima capitis deminutio est, cum apud, Álvaro Villaça Azevedo, op. cit. p. 35. Andrade Nery. São Paulo: Revista dos Tribunais,
aliquis simul et civitatem et libertatem amittit: 13. MADEIRA, Hélcio Maciel França. Digesto 2012. (Coleção Tratado de Direito Privado: parte
quod accidit in his qui servi poenae efficiuntur de Justiniano, Liber Primus: introdução ao direi- especial; Tomo 22), p.129.
atrocitate sententiae, vel libertis ut ingratis erga to romano. 6. ed. rev. e ampl. da tradução. São 27. ARRUDA ALVIM NETO, José Manuel de. Bre-
patronos condemnatis, vel qui se ad pretium Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 54. ves anotações para uma teoria geral dos direitos
participan dum venundari passi sunt 14. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, reais. posse e propriedade, sob a coordenação de
6. AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de direito Nelson. Curso de direito civil: obrigações. 11. CAHALI, Yussef Said. São Paulo: Saraiva, 1987, p.
civil: teoria geral das obrigações e responsabili- ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 47, apud GARBI, Carlos Alberto. Os direitos reais
dade civil. 13. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2017, p. 113. e os direitos pessoais: absolutos e relativos. Dis-
2019, p. 34. 15. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil ponível em: https://www.migalhas.com.br/colu-
7. OLIVEIRA, José Lourenço de. O formalismo esquematizado, vol. 1 Parte geral. Obrigações e na/novos-horizontes-do-direito-privado/349198/
quirício e a estipulação em Gaio. Disponível contratos. Coordenador: Pedro Lenza. 6. ed. São os-direitos-reais-e-os-direitos-pessoais-absolu-
em: http://www.letras.ufmg.br/lourenco/banco/ Paulo: Saraiva, 2016, p. 509. tos-e-relativos. Acesso em: 05 ago. 2022.
EH14b.html Acesso em: 07 ago. 2022. 16. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil. 7. ed. 28. CORDEIRO, António Menezes. Tratado de
No original latino, o brocardo representati- São Paulo: Atlas, 2007, p. 15. direito civil. Vol. VI, 2. ed., rev. e atual. Coimbra:
vo da regra permissiva da divisão corporal do 17. MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direi- Almedina. 2015, p. 10.
devedor em tantas quantas fossem as partes do to privado: critérios para a sua aplicação. 2. ed. 29. MORAES JÚNIOR, Paulo Henrique de. En-
devedor, após os limites de Roma, era “Tertiis São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 222. saios sobre a aplicação da teoria da dualidade
nundinis partis secanto. Si plus minusve secue- 18. CORDEIRO, António Menezes. Tratado de do vínculo obrigacional nas dívidas condomi-
runt, se fraude esto”. direito civil. Vol. VI, 2. ed., rev. e atual. Coimbra: niais de imóveis gravados pela alienação fiduci-
8. AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de direito Almedina. 2015, p. 10. ária. Disponível em: https://www.migalhas.com.
civil: teoria geral das obrigações e responsabili- 19. SCHREIBER, Anderson. [et al.]. Código Civil br/depeso/366980/ensaios-sobre-vinculo-obri-
dade civil. 13. ed. São Paulo: Saraiva Educação, Comentado: doutrina e jurisprudência. 3. ed. gacional-nas-dividas-condominiais-de-imoveis
2019, p. 35. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 480. Acesso em: 05 ago. 2022.
9. VILLEY, Michel. Direito romano. Tradução 20. MONTEIRO, Washington de Barros, Curso 30. MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao
de Fernando Couto. Porto: Rés Editora. 1991, de direito civil: vol. 4 Direito das obrigações. 32. novo Código Civil, vol. V, tomo II: Dos direitos
p. 153. ed., revista e atualizada por Carlos Alberto Da- das obrigações, do adimplemento e da extinção

60 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


Kaue da Cruz Oliveira DOUTRINA JURÍDICA

das obrigações. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 53. Dispõe o art. 391, do Código Civil: “Pelo
2003, p. 22. 2017, p. 325 inadimplemento das obrigações respondem to-
31. PONTES DE MIRANDA, Francisco Caval- 42. Dispõe o art. 817 do Código Civil: “O dos os bens do devedor”.
canti. Direito das Obrigações, obrigações e sorteio para dirimir questões ou dividir coisas 54. Dispõe o art. 789, do Código de Processo
suas espécies, fontes e espécies das obrigações. comuns considera-se sistema de partilha ou Civil: “O devedor responde com todos os seus
Atualizado por Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de processo de transação, conforme o caso”. bens presentes e futuros para o cumprimento
Andrade Nery. São Paulo: Revista dos Tribunais, 43. WALD, Arnoldo. Direito civil: direito das de suas obrigações, salvo as restrições estabe-
2012. (Coleção Tratado de Direito Privado: parte obrigações e teoria geral dos contratos, 2. 20. lecidas em lei”.
especial; Tomo 22), p. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 29. 55. PONTES DE MIRANDA, Francisco Caval-
32. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições 44. PONTES DE MIRANDA, Francisco Caval- canti. Direito das Obrigações, obrigações e
de direito processual civil. 1a. ed. vol. 4. São canti. Direito das obrigações, obrigações e suas suas espécies, fontes e espécies das obrigações.
Paulo: Malheiros, 2004, p. 325. espécies, fontes e espécies das obrigações. Atualizado por Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de
33. NORONHA, Fernando. Direito das obri- Atualizado por Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery. São Paulo: Revista dos Tribunais,
gações. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, Andrade Nery. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. (Coleção Tratado de Direito Privado: parte
2013, p. 152. 2012. (Coleção Tratado de Direito Privado: parte especial; Tomo 22), p. 92.
34. MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direi- especial; Tomo 22), p. 93. 56. Dispõe o art. 1.711, do Código Civil: “Po-
to privado: critérios para a sua aplicação. 2. ed. 45. TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. Norma dem os cônjuges, ou a entidade familiar, me-
São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 225. jurídica, in Enciclopédia Saraiva do Direito, v. diante escritura pública ou testamento, destinar
35. FIGUEIREDO, Luciano L.; FIGUEIREDO, Ro- 54, p. 384, apud GONÇALVES, Carlos Roberto. parte de seu patrimônio para instituir bem de
berto L. Direito civil: obrigações e responsabilida- Direito civil esquematizado, vol. 1 Parte geral. família, desde que não ultrapasse um terço do
de civil. 9. ed. Ver., ampl. e atual. Coordenador: Le- Obrigações e contratos. Coordenador: Pedro patrimônio líquido existente ao tempo da insti-
onardo Garcia. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 49. Lenza. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 510. tuição, mantidas as regras sobre a impenhora-
36. BRASIL. Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de ou- 46. FARIAS, Cristiano Chaves de.; ROSENVALD, bilidade do imóvel residencial estabelecida em
tubro de 1941. Lei das Contravenções Penais. Nelson. Curso de direito civil: obrigações. 11. lei especial”.
Brasília: Presidência da República, 1941. Dispo- ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 57. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FI-
nível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ 2017, p. 114. LHO, Rodolfo. Manual de direito civil: volume
decreto-lei/del3688.htm Acesso em: 15 nov. 47. JUSTIANIANO, Flávio Pedro Sabácio. Ins- único. 6. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2022, p.
2022. titutas do Imperador Justiniano. Traduzido por 2545.
37. CAVALCANTE, Marcio André Lopes. Vade A. Coelho Rodrigues, 2º vol. Recife: Typogra- 58. GAGLIANO, Pablo Solze; OLIVEIRA, Car-
Mecum de jurisprudência: Dizer o Direito. 8. ed. phia Mercantil, 1879. p. 249. Disponível em: los Eduardo Elias de. Comentários à Lei do
rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2020, https://bibliotecadigital.stf.jus.br/xmlui/hand- Superendividamento e o princípio do crédito
p. 228. le/123456789/603 Acesso em: 20 set. 2022. responsável: uma primeira análise. Migalhas.
38. Dispõe o art. 9º da LINDB: “Para qualificar 48. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Disponível em: https://www.migalhas.com.br/
e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país Nelson. Curso de direito civil: obrigações. 11. depeso/347995/comentarios-a-lei-do-superen-
em que se constituírem. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, dividamento Acesso em: 7 set. 2021
§ 1º Destinando-se a obrigação a ser exe- 2017, p. 212. 59. FIGUEIREDO, Luciano L.; FIGUEIREDO,
cutada no Brasil e dependendo de forma essen- 49. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Roberto L. Direito civil: Obrigações e Responsa-
cial, será esta observada, admitidas as peculia- Nelson. Curso de direito civil: obrigações. 11. bilidade Civil. 9. ed. rev., ampl. e atual. Coorde-
ridades da lei estrangeira quanto aos requisitos ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, nador: Leonardo Garcia. Salvador: JusPodivm,
extrínsecos do ato”. 2017, p. 213. 2020, p. 50.
39. Dispõe o art. 17 da LINDB: “As leis, atos e 50. LÔBO, Paulo. Direito civil: volume 2: Obri- 60. Art. 833, do Código de Processo Civil. São
sentenças de outro país, bem como quaisquer gações. 7. ed. São Paulo: Saraiva Educação, impenhoráveis: (...) § 2º. O disposto nos inci-
declarações de vontade, não terão eficácia no 2019, p. 31. sos IV e X do caput não se aplica à hipótese
Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, 51. CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Súmu- de penhora para pagamento de prestação ali-
a ordem pública e os bons costumes”. las do STF e STJ anotadas e organizadas por mentícia, independentemente de sua origem,
40. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Ter- assunto. 7. ed., rev., atual. e ampl. Salvador: bem como às importâncias excedentes a 50
ceira Turma. Recurso Especial nº 1.628.974-SP. JusPodivm, 2020, p. 20. (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo
Relator: Ministro Ricardo Villas Boas Cuêva, v.u. 52. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, a constrição observar o disposto no art. 528, §
Data do julgamento: 13 ago. 2017. Nelson. Curso de direito civil: obrigações. 11. 8º e no art. 529, § 3º.
41. FARIAS, Cristiano Chaves de.; ROSENVALD, ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm,
Nelson. Curso de direito civil: obrigações. 11. 2017, p. 114.

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ago.2022. rev., e atual. de acordo com a Reforma do CPC. São Paulo: Saraiva,
______. Superior Tribunal de Justiça. Terceira Turma. Recurso Especial nº 2007.
1.628.974-SP. Relator: Ministro Ricardo Villas Boas Cuêva. Data do FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil:
julgamento: 13 ago. 2017. obrigações. 11. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2017.
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Súmulas do STF e STJ anotadas e FIGUEIREDO, Luciano L.; FIGUEIREDO, Roberto L. Direito civil: Obrigações
organizadas por assunto. 7. ed., rev., atual. e ampl. Salvador: JusPo- e responsabilidade civil. 9. ed. rev., ampl. e atual. Coordenador: Leo-
divm, 2020. nardo Garcia. Salvador: JusPodivm, 2020.
______. Vade Mecum de jurisprudência: Dizer o direito. 8. ed. rev., ampl. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de direito
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REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 61


DIREITO DE CRÉDITO COMO FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL

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php/2774301/mod_resource/content/1/Lei%20das%20XII%20T%- civil esquematizado, vol. 1 Parte geral. Obrigações e contratos. Coor-
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Maluf, de acordo com o atual Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003. ______; FACHIN, Luiz Edson. (org.), Diálogos sobre direito civil, vol. II, Rio
MORAES JÚNIOR, Paulo Henrique de. Ensaios sobre a aplicação da teoria de Janeiro: Renovar, 2008.
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migalhas.com.br/depeso/366980/ensaios-sobre-vinculo-obrigacional- Editora. 1991
-nas-dividas-condominiais-de-imoveis Acesso em: 05 ago. 2022. WALD, Arnoldo. Direito civil: direito das obrigações e teoria geral dos
NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. 4. ed. rev. e atual. São Pau- contratos, 2. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
lo: Saraiva, 2013. ______. Obrigações e contratos. 17. ed. rev. ampl. e atual. de acordo com
OLIVEIRA, José Lourenço de. O formalismo quirício e a estipulação em o Código Civil de 2002. São Paulo: Saraiva, 2006.
Gaio. Disponível em: http://www.letras.ufmg.br/lourenco/banco/
EH14b.html Acesso em: 07 ago. 2022.

FICHA TÉCNICA // Revista Bonijuris


Título original: Crédito como direito fundamental sob o panorama civilista. Title: Credit as a fundamen-
tal right under the civilist panorama. Autor: Kaue da Cruz Oliveira. Assistente judiciário do Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo, especialista em Direito Civil Patrimonial, família e sucessões. Resumo: Na
análise do crédito como direito fundamental do devedor, deve haver uma ponderação entre o direito do
crédito esperado pelo sujeito ativo, credor, e o direito de o sujeito passivo manter existência digna. O legis-
lador deve elaborar norma que adeque os institutos da tutela executiva em favor do credor. Não parece ra-
zoável que hodiernamente, na legislação brasileira, o imóvel protegido da execução por ser bem de família
seja impenhorável mesmo que seja avaliado em montante milionário. Ou que, para escapar do manto da
impenhorabilidade, a remuneração deva ser superior a 50 salários-mínimos mensais, na forma do art. 833,
§ 2º, do Código de Processo Civil. Palavras-chave: direito civil; direito das obrigações; vínculo jurí-
dico; estado de sujeição patrimonial; crédito como direito fundamental. Abstract: When analyzing
credit as a fundamental right of the debtor, there must be a balance between the right to credit expected
by the active subject, the creditor, and the right of the passive subject to maintain a dignified existence. The
legislator must prepare a rule that adapts the institutes of executive supervision in favor of the creditor.
It does not seem reasonable that currently, in Brazilian legislation, property protected from foreclosure
because it is a family asset is unseizable even if it is valued at a million dollar amount. Or that, to escape the
cloak of unseizability, the remuneration must be higher than 50 monthly minimum wages, in accordance
with art. 833, § 2, of the Civil Procedure Code. Keywords: civil law; right of duties; legal link; state
of patrimonial subjection; credit as a fundamental right. Data de recebimento: 09.07.2023. Data de
aprovação: 28.11.2023. Fonte: Revista Bonijuris, vol. 36, n. 1 – #686 – fev./mar., págs 46-62. Editor: Luiz Fernan-
do de Queiroz, Ed. Bonijuris, Curitiba, pr, Brasil, issn 1809-3256 (juridico@bonijuris.com.br).

62 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


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A RESPEITO DO MÉDICO
EMPRESÁRIO INDIVIDUAL
UMA VEZ QUE A ATIVIDADE NÃO ESTÁ CONDICIONADA A UMA
SOCIEDADE UNIPESSOAL, O TRABALHO DO PROFISSIONAL DE
SAÚDE PODE SER EXERCIDO ISOLADAMENTE

O
Código Civil é uma norma regulamen- Nesse viés se torna questionável se o médico,
tadora do direito de empresa que define como empresário individual, é uma impossibili-
a figura do empresário, bem como lista dade jurídica ou prática. Em resposta, a leitura
os assim não considerados, a exemplo do art. 966 da norma civil, em conjunto com o
do profissional intelectual. seu parágrafo único, é imprescindível, assim
Contudo, o fato do profissional intelectu- como o entendimento acerca da definição de
al não ser considerado empresário é somente empresário.
uma regra, pois comporta exceção, a qual será Para tanto, fica evidenciada a historicida-
apresentada no decorrer do presente texto. de do direito comercial e, por conseguinte, do
Apesar da linha de exceção, o profissional empresário, ao lado de seu conceito e das suas
mencionado, em vias práticas, não pode se ins- responsabilidades, em especial, do empresário
crever como empresário individual, tendo que que exerce isoladamente suas atividades em-
optar pela criação de uma sociedade limitada presariais.
unipessoal caso queira exercer suas atividades A partir disso se aprecia a possibilidade de
isoladamente, ou seja, sem sócios. o profissional intelectual, neste caso, o médico,
Analisando o descrito pela codificação civil e se tornar um empresário individual, em que a
a prática, nasce a dúvida do motivo pelo qual responsabilidade ilimitada deve ser uma opção
o médico não pode ser empresário individual, do profissional de saúde ao escolher a referida
mediante a falta de explicação realmente plau- modalidade empresária, mesmo que a profissão
sível. seja uma atividade regulamentada, mas exerci-
Embora a figura do empresário individual da e constituída como um elemento de empresa.
não seja a mais eficaz para o profissional inte-
lectual que pretenda obter o benefício da pes- 1. BASE HISTÓRICA DO EMPRESÁRIO
soa jurídica quanto ao imposto de renda, o que INDIVIDUAL
será explicado em momento oportuno, deveria O direito comercial teve sua origem nas obras
ser ao menos uma opção. dos comerciantes da Idade Média, criado e apli-

64 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


Aluer Baptista Freire Júnior, Lorrainne Andrade Batista DOUTRINA JURÍDICA

Os romanos não conheceram um direito especial ao comércio, quer seja, um


complexo de normas distinto do direito civil. Os jurisconsultos não sistematizaram
as normas aplicáveis ao comércio, separando-as do direito civil

cado para regular as relações jurídicas relativas mércio surgem diversos termos utilizados atu-
aos negócios que celebravam entre si. Adiante, almente, como “freguês”, “armazém”, “caravana”,
ele amplia o seu campo para a abrangência não “bazar”, “magazine” e “alfândega”.
só dos comerciantes, mas também das pessoas Durante parte do período da história (queda
que contratavam com eles. do Império Romano do Ocidente e posterior-
Na Idade Antiga e em Roma, não se identifica mente queda do Império Carolíngio), ocorre um
claramente um direito comercial, pois, mesmo enfraquecimento do poder político e o fortale-
existindo comércio, as leis e regras eram isola- cimento do poder local, gerando um clima de in-
das e esparsas. segurança que leva à estruturação do sistema
Os romanos não conheceram um direito es- feudal, em que os humildes procuram a prote-
pecial ao comércio, quer seja, um complexo de ção dos senhores.
normas distinto do direito civil. Os jurisconsul- Firmou-se assim uma economia essencial-
tos não sistematizaram as normas aplicáveis ao mente agrícola. Ademais, os que exploravam as
comércio, separando-as do direito civil. terras estavam ligados não por um direito de
Em Roma, predominava a agricultura, sen- propriedade, mas pela necessidade de proteção,
do que o comércio entre os povos era intenso. logo a exploração da terra se ofertava para a
No século 3 a.C., Roma surge como maior cen- própria subsistência.
tro econômico da época, onde proliferava com Com o surgimento das cidades medievais, há
grande volume o tráfico mercantil e afluíam os a migração de muitos agricultores, expandindo-
mais variados povos. -se nelas o comércio, inicialmente de forma va-
Com a queda do Império Romano do Ociden- riada, a qual inaugura uma atividade industrial
te (476 d. C.), segue-se uma fase de declínio e o rudimentar e artesanal. Surge a classe burgue-
centro do comércio desloca-se para o Oriente, sa com esse novo espírito empreendedor, em
onde se desenvolve o direito bizantino, época contraposição à classe feudal, que permanece
em que o comércio assume papel preponde- ligada à terra e à sua exploração.
rante com os árabes, que estabelecem a rota Por obra da burguesia, as cidades se torna-
da seda da China ao Mediterrâneo. Para o co- ram grandes centros de consumo, de trocas e de

TA BO
REVISTA
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BONIJURIS
NIJURI
NIJURI
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RIS N 36
NO 6 I EDI
EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024
ÇÃO 68 65
A RESPEITO DO MÉDICO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL

A Constituição de 1824 determinou que se elaborasse com urgência um código


civil e comercial (art. 179, XVIII). O Código Comercial foi sancionado muito
antes do próprio Código Civil, pela Lei 556, de 25 de junho de 1850

produção, predominando o trabalho livre dos também amparavam seus trabalhadores em


mercadores e artesãos, os quais, mais tarde, se caso de velhice, doença ou invalidez.
associaram em grêmios ou corporações. Assim surge o direito comercial, de cunho
Para impulsionar e regular o comércio lo- subjetivo e eminentemente classista, pois fora
cal, e o intercâmbio entre as cidades, nasceram criado e aplicado pelos comerciantes para re-
também as feiras e os mercados, que nada mais solverem suas relações de negócios.
eram do que feiras cobertas. Com o passar dos tempos, a justiça consular,
Esse novo cenário passa a reclamar exigên- que julgava apenas casos de pessoas matricula-
cias de regulamentação, que ao direito cumpria das nas corporações, passou a decidir questões
normatizar e resolver, porém, como direito es- relativas tanto ao comércio entre pessoas não
sencialmente formal e solene, como o existente matriculadas, quanto aos negócios conexos ao
na época, não coadunava com a rapidez que o comercial.
mercado reclamava. Assim, para satisfazer tal O direito comercial no Brasil iniciou com a
exigência, isto é, para regular cada vez mais as chegada da família real portuguesa, se desta-
atividades econômicas que se realizavam na ci- cando a figura do Visconde de Cairu, responsá-
dade, surge o direito comercial. vel pela primeira obra de direito comercial no
As corporações de mercadores não sofreram país, princípios de direito mercantil e leis de
qualquer tipo de resistência pelo poder políti- marinha, no entanto considerado precursor do
co das cidades; assim, chamam para si, não só direito comercial brasileiro.
a moldagem do novo direito comercial oriundo Sob sua orientação, D. João vi promulga a Lei
do tráfico mercantil, como também a sua apli- de Abertura dos Portos brasileiros ao comér-
cação. Elas imitavam as cidades, tendo na fren- cio, antes fechados em razão do monopólio de
te um ou mais cônsules eleitos pelos comer- Portugal.
ciantes matriculados. A Constituição de 1824 determinou que se
Competia aos cônsules dirimir conflitos elaborasse com urgência um código civil e co-
de interesses envolvendo os associados. Para mercial (art. 179, xviii). O Código Comercial foi
isso, aplicavam normas advindas de costu- sancionado muito antes do próprio Código Ci-
mes mercantis e de práticas adotadas pelos vil, pela Lei 556, de 25 de junho de 1850.
comerciantes, as quais eram compiladas com Desde a criação da real junta de comércio, já
decisões da assembleia e do conselho dos co- se cogitava a elaboração de um compilado co-
merciantes, formando assim o estatuto dessa mercial, sendo que José da Silva Lisboa (Viscon-
entidade. de de Cairu) ficou responsável por organizá-lo.
Essas corporações estabeleceram regras para O Código Comercial era dividido em três
o ingresso na profissão e tinham o controle de partes, seguidas de um título único. Na primei-
quantidade, qualidade e preços dos produtos ra parte, foi definida a figura do comerciante
produzidos, chamado de preço justo. (obrigações e prerrogativas, regras sobre con-
Um artesão nunca poderia estipular um pre- tratos, entre outras.). A segunda parte trata do
ço maior ou usar material de qualidade inferior comércio marítimo (regulando embarcações,
ao de seu colega. Isso evitava a concorrência seus proprietários, pessoas envolvidas com o
dos membros de mesmo ofício. tráfego marinho), e a terceira cuida da falência
A corporação também protegia seus associa- do comerciante.
dos, proibindo a entrada de produtos similares Embora tenha influência dos códigos francês
aos produzidos na cidade em que se atuava; eles e de Portugal, o Código Comercial não enume-

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em Garantia de Receita
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A RESPEITO DO MÉDICO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL

O sistema subjetivo moderno desloca o centro da atenção do direito comercial,


ou seja, o ato oferta lugar à atividade econômica, sendo esta o conjunto de atos
destinados a um m: a satisfação das necessidades do mercado em geral

ra em seu texto os atos de comércio, tampouco dução ou a circulação de bens ou de serviços”


vincula a figura de comerciante como aquele (Brasil, 2002).
que pratica suas atividades com habitualidade Nesses termos, Gladston Mamede denota
e em caráter profissional. que,
Para dar mais suporte ao código, foram bai- a empresa (atividade econômica organizada para a
xadas, no mesmo ano de 1850, os regulamentos produção ou a circulação de bens ou de serviços)
tem um titular, pessoa natural (empresário) ou ju-
737 e 738, sendo que o primeiro, sobre o pro- rídica (sociedade empresária). Assim, o empresário
cesso do comércio, dedica os capítulos iii e iv à é a pessoa natural que exerce profissionalmente a
fixação da jurisdição comercial, arrolando, no atividade econômica organizada (artigo 966 do Có-
digo Civil). (MAMEDE, 2012, p. 79)
art. 19, os atos considerados de mercancia, no
art. 20, demais atos sujeitos à jurisdição e pro- Para ser considerado empresário, o sujeito
cesso. deve ser dotado de capacidade mental para a
Adota-se, assim, no sistema brasileiro, a te- vida civil e não ser legalmente impedido. O art.
oria objetiva, embora alguns doutrinadores 972, deixa isso claro, ao explicitar poder “exercer
tenham defendido que o sistema era misto, ou a atividade de empresário os que estiverem em
seja, dos comerciantes pelo Código Comercial e pleno gozo da capacidade civil e não forem le-
dos atos de comércio pelo Regulamento 737. galmente impedidos” (Brasil, 2002). Ressalta-se
Mais tarde, houve uma crise do sistema ob- que nada impede que um incapaz, por meio de
jetivo, pois era impossível do ponto de vista um representante, dê continuidade a uma ativi-
conceitual abarcar unidade de atos que repre- dade empresarial.
sentam atividade profissional, voltando-se ao Para fins de conhecimento, são os requisitos
sistema subjetivo, agora denominado sistema e procedimentos legais para a caracterização e
subjetivo moderno. inscrição do empresário, conforme o direito de
O sistema subjetivo moderno desloca o cen- empresa estipulado no livro ii do Código Civil
tro da atenção do direito comercial, ou seja, o vigente:
ato oferta lugar à atividade econômica, sendo, Art. 966. Considera-se empresário quem exerce
a mesma, o conjunto de atos destinados a um profissionalmente atividade econômica organizada
fim: a satisfação das necessidades do mercado para a produção ou a circulação de bens ou de ser-
viços.
em geral. Parágrafo único. Não se considera empresário quem
É considerado um sistema subjetivo moder- exerce profissão intelectual, de natureza científica,
no, uma vez que sua concepção passa a ser cen- literária ou artística, ainda com o concurso de auxi-
liares ou colaboradores, salvo se o exercício da pro-
trada em um sujeito, o empresário, conceituado fissão constituir elemento de empresa.
como aquele que exerce atividade econômica Art. 967. É obrigatória a inscrição do empresário no
organizada para a produção e circulação de Registro Público de Empresas Mercantis da respecti-
va sede, antes do início de sua atividade.
bens ou serviços ao mercado. Art. 968. A inscrição do empresário far-se-á median-
Nestes moldes, chega-se à figura do empre- te requerimento que contenha:
sário individual. Em primeiro momento, para I – o seu nome, nacionalidade, domicílio, estado ci-
melhor entender o conceito de empresário in- vil e, se casado, o regime de bens;
II – a firma, com a respectiva assinatura autógrafa
dividual, importante se faz a exposição do con- que poderá ser substituída pela assinatura autenti-
ceito de empresário elencado no caput do art. cada com certificação digital ou meio equivalente
966 do Código Civil de 2002, que expressa como que comprove a sua autenticidade, ressalvado o
disposto no inciso I do § 1º do art. 4º da Lei Com-
“empresário quem exerce profissionalmente plementar n. 123, de 14 de dezembro de 2006 ;
atividade econômica organizada para a pro- III – o capital;

68 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


Aluer Baptista Freire Júnior, Lorrainne Andrade Batista DOUTRINA JURÍDICA

IV – o objeto e a sede da empresa.


§ 1º Com as indicações estabelecidas neste artigo,
a inscrição será tomada por termo no livro próprio
do Registro Público de Empresas Mercantis, e obe-
decerá a número de ordem contínuo para todos os
empresários inscritos.
§ 2º À margem da inscrição, e com as mesmas for-
malidades, serão averbadas quaisquer modificações
nela ocorrentes. COM A GARANTE
BELO HORIZONTE
§ 3º Caso venha a admitir sócios, o empresário in-
dividual poderá solicitar ao Registro Público de Em-
presas Mercantis a transformação de seu registro de
empresário para registro de sociedade empresária,
observado, no que couber, o disposto nos arts. A INADIMPLÊNCIA
NÃO ATRAPALHA
1.113 a 1.115 deste Código.
§ 4º O processo de abertura, registro, alteração
e baixa do microempreendedor individual de que
trata o art. 18-A da Lei Complementar nº 123, de
14 de dezembro de 2006 , bem como qualquer O DIA A DIA DOS
MORADORES.
exigência para o início de seu funcionamento de-
verão ter trâmite especial e simplificado, preferen-
temente eletrônico, opcional para o empreende-
dor, na forma a ser disciplinada pelo Comitê para
Gestão da Rede Nacional para a Simplificação do
Registro e da Legalização de Empresas e Negócios
– CGSIM, de que trata o inciso III do art. 2º da
mesma Lei.
§ 5º Para fins do disposto no § 4º, poderão ser
dispensados o uso da firma, com a respectiva assi-
natura autógrafa, o capital, requerimentos, demais
assinaturas, informações relativas à nacionalidade,
estado civil e regime de bens, bem como remessa
de documentos, na forma estabelecida pelo CGSIM.
Art. 969. O empresário que instituir sucursal, filial
ou agência, em lugar sujeito à jurisdição de outro
Registro Público de Empresas Mercantis, neste de-
verá também inscrevê-la, com a prova da inscrição
originária.
Parágrafo único. Em qualquer caso, a constituição
do estabelecimento secundário deverá ser averba-
da no Registro Público de Empresas Mercantis da
respectiva sede.
Art. 970. A lei assegurará tratamento favorecido,
diferenciado e simplificado ao empresário rural e ao
pequeno empresário, quanto à inscrição e aos efei-
tos daí decorrentes.
Art. 971. O empresário, cuja atividade rural cons-
titua sua principal profissão, pode, observadas as
formalidades de que tratam o art. 968 e seus pa-
rágrafos, requerer inscrição no Registro Público de
Empresas Mercantis da respectiva sede, caso em
que, depois de inscrito, ficará equiparado, para to- Conte com a nossa
dos os efeitos, ao empresário sujeito a registro. Cobrança Garantida
Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput des- para uma parceria
te artigo à associação que desenvolva atividade fu- de sucesso!
tebolística em caráter habitual e profissional, caso
31 2511 1187
em que, com a inscrição, será considerada empresá-
ria, para todos os efeitos. (BRASIL, 2002)
portalgarant
Diante do aludido, o empresário individual econdominio
s. com.br
segue o conceito elaborado pelo caput do art.
966 da norma civil, porém, como da própria

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 69


A RESPEITO DO MÉDICO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL

O empresário individual não é revestido de personalidade jurídica devido


a lacuna legislativa, já que o dispositivo responsável por elencar as
pessoas jurídicas de direito privado simplesmente o deixa de fora

nomenclatura diz, de maneira individual; des- 1.1 Responsabilidade do empresário


ta maneira, o empresário individual é aquele individual
sujeito que exerce profissionalmente uma ati- A palavra responsabilidade é derivada do latim
vidade econômica organizada, mas em nome respondere, significando responder, prometer
próprio, e não em nome da empresa, para a algo, obrigar-se por alguma coisa. A responsa-
devida produção ou a circulação de bens ou de bilidade pode ser conceituada de várias formas,
serviços. conforme a hermenêutica de cada um, mas não
Para mais, o empresário individual não é re- se nega que se chega sempre a uma única fina-
vestido de personalidade jurídica devido à lacu- lidade, a obrigação de fazer, seja frente às pró-
na legislativa do art. 44 do Código Civil, já que prias ações ou de outrem.
tal dispositivo responsável por elencar as pes- Em se tratando do empresário individual,
soas jurídicas de direito privado simplesmente mediante o que fora até aqui demonstrado,
deixa de fora o empresário individual. como pessoa meramente física não dotada de
Para conhecimento, são pessoas jurídicas de ficção jurídica, respondendo por si só e não pela
direito privado: empresa, justamente por essa falta de persona-
Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado: lidade, ainda que obrigatória sua inscrição no
I – as associações;
II – as sociedades; Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas, a res-
III – as fundações; ponsabilidade é exclusiva a si próprio (cpf).
IV – as organizações religiosas; A inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas
V – os partidos políticos. (BRASIL, 2002)
Jurídicas só ocorre devido ao seu caráter tribu-
O doutrinador José Xavier Carvalho de Men- tário, e tão somente tributário, com o intuito de
donça contribui com os seus ensinamentos ao controlar impostos, tributos e se manter adim-
esclarecer que, plindo frente à Receita Federal, abstendo-se dos
[...] a firma individual é uma mera ficção jurídica, demais benefícios de um cnpj.
com fito de habilitar a pessoa física a praticar atos Assim, não havendo personalidade jurídica
de comércio, concedendo-lhe algumas vantagens para o empresário individual, não há que se
de natureza fiscal. Por isso, não há bipartição entre
a pessoa natural e a firma por ele constituída. Uma falar em limitação de responsabilidade, e mui-
e outra fundem-se, para todos os fins de direito, em to menos desconsideração de personalidade
um todo único e indivisível. Uma está compreendi- jurídica, uma vez que este não a possui. Nesse
da pela outra. Logo, quem contratar com uma está
contratando com a outra e vice-versa. A firma do sentido, são as seguintes decisões do Tribunal
comerciante singular gira em círculo mais estreito de Justiça do Rio Grande do Sul:
que o nome civil, pois designa simplesmente o su- Gratuidade da justiça. Empresário individual. O
jeito que exerce a profissão mercantil. Existe essa
empresário individual, conquanto inscrito no CNPJ,
separação abstrata, embora aos dois aplique a mes-
ma individualidade. Se em sentido particular uma não deixa de ser pessoa física, não havendo distin-
é o desenvolvimento da outra, é, porém, o mesmo ção entre o patrimônio da firma individual e o da
homem que vive ao mesmo tempo a vida civil e a pessoa física. Todavia, é relativa a presunção de po-
vida comercial. (MENDONÇA, 1957, p. 166/167) breza de que trata o art. 4º da Lei 1.060/1950. No
caso, os elementos constantes nos autos infirmam a
alegada hipossuficiência econômica da parte postu-
Nesse fim, de modo mais específico, o empre- lante à concessão do benefício. RECURSO DESPRO-
sário individual é aquele sujeito sem personali- VIDO. (Agravo de Instrumento n. 70066669011,
dade jurídica, que exerce profissionalmente, em Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça
do RS, Relator: Paulo Sérgio Scarparo, Julgado em
nome próprio, uma atividade econômica orga-
26/11/2015).
nizada para a devida produção ou circulação de Tributário. Execução fiscal. Empresário individual.
bens, ou de serviços. Responsabilidade ilimitada. Veículo. Penhora. Res-

70 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


Aluer Baptista Freire Júnior, Lorrainne Andrade Batista DOUTRINA JURÍDICA

Não havendo personalidade jurídica para o empresário individual, não há que


se falar em limitação de responsabilidade e muito menos desconsideração
de personalidade jurídica, uma vez que este não a possui

trição. I. Tratando-se de empresário individual há cedendo-lhe direitos e obrigações. (N EGRÃO , 2012,


identificação entre empresa e pessoa física, posto p. 263)
não constituir pessoa jurídica, não existindo distin-
ção para efeito de responsabilidade. O empresário Em continuidade, além do aludido, a respon-
individual responde ilimitadamente pelas dívidas
que contraiu. Inaplicabilidade do art. 135 do CTN. sabilidade do empresário individual é ilimitada,
II. Ausente comprovação da existência de restri- sendo seus bens pessoais executáveis para qui-
ção referente ao licenciamento do veículo. Apelo tação das obrigações estatuídas por ele, mesmo
desprovido. (Apelação Cível n. 70057094864, Vi-
que em prol do seu empreendimento.
gésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça
do RS, Relator: Marco Aurélio Heinz, Julgado em Isso posto, o empresário individual respon-
18/12/2013). de de forma direta e solidária, sendo ele por
ele mesmo, excluindo-se a modalidade subsi-
Não possuindo tal limitação, consequente- diária.
mente inexiste separação patrimonial, e isso
significa nada menos que uma efetiva confu- 2. MÉDICO COMO EMPRESÁRIO
são de patrimônios pessoais com os advindos INDIVIDUAL: POSSIBILIDADE LEGISLATIVA
da firma individual. Melhor dizendo, se confun- Ao articular sobre o médico empresário, é ne-
de cpf com “cnpj”, haja vista o último ser, como cessário compreender de onde a matéria foi ti-
denotado, apenas uma forma de controle fiscal, rada para os devidos estudos, que obtém, como
não contemplando uma pessoa jurídica para fim, exprimir a possibilidade desse profissional
outros fins senão esse. se inscrever como empresário individual, bem
Em conhecença, nos dizeres de Ricardo Ne- como, o motivo dessa abordagem.
grão, a pessoa jurídica A começar, fora manifesto, no decorrer da
[...] é uma ficção jurídica, cuja existência decorre baila, o conceito de empresário individual. Rei-
da lei. É evidente que às pessoas jurídicas falta
existência biológica, característica própria das terando, o empresário individual é aquele sujei-
pessoas naturais. Entretanto, para efeitos jurídi- to que exerce profissionalmente uma atividade
cos e, leia-se, para facilitar a vida em sociedade, econômica organizada, mas em nome próprio, e
concede-se a capacidade para uma entidade pu-
ramente legal subsistir e desenvolver-se no mundo não em nome da empresa (pois este não contém
jurídico. Sua realidade, dessa forma, é social, con- personalidade jurídica, não é pessoa jurídica),

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ANO
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6 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR
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EDIÇÃO R 2024
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A RESPEITO DO MÉDICO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL

Torna-se compreensível a possibilidade de o prossional intelectual, seja de


natureza cientíca, literária ou artística, ser considerado empresário caso
reste evidenciado que sua prossão constitui elemento de empresa

para a devida produção ou a circulação de bens, ram, portanto atividades econômicas civis, não su-
ou de serviços. jeitas ao direito comercial. Entre eles se encontram
os profissionais liberais, os escritores e artistas de
A dita interpretação conceitual foi possível qualquer expressão. (COELHO, 2006, p. 16)
mediante a observação do estipulado pelo art.
966 do Código Civil, que enuncia ser “empre- Intercorre, porém, que o parágrafo em ques-
sário quem exerce profissionalmente ativida- tão é formado por uma ressalva, a qual clarifica:
de econômica organizada para a produção ou “salvo se o exercício da profissão constituir ele-
a circulação de bens ou de serviços” (Brasil, mento de empresa” (Brasil, 2002).
2002). À vista disso, Fábio Ulhoa Coelho interpreta
Acontece que o referido artigo é composto que “há uma exceção, prevista no mesmo dis-
por um parágrafo único que não considera “em- positivo legal, em que o profissional intelectual
presário quem exerce profissão intelectual, de se enquadra no conceito de empresário. Trata-
natureza científica, literária ou artística, ainda -se da hipótese em que o exercício da profissão
com o concurso de auxiliares ou colaboradores” constitui elemento de empresa” (Coelho, 2006,
(Brasil, 2002, grifo nosso). p. 16).
A saber: Para isso, se deve analisar “os requisitos para
Art. 966. Considera-se empresário quem exerce caracterizar a empresa (atividade como empre-
profissionalmente atividade econômica organizada sarial) são: (a) a atividade econômica de pro-
para a produção ou a circulação de bens ou de ser-
dução de bens e serviços; (b) organização; (c) o
viços.
Parágrafo único. Não se considera empresário quem profissionalismo no desempenho da atividade
exerce profissão intelectual, de natureza científica, produtiva” (Aquino, 2015, p. 184/210).
literária ou artística, ainda com o concurso de au- Entretanto, oferecidas e os requisitos que ca-
xiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da
profissão constituir elemento de empresa. (BRASIL, racterizam uma empresa, se torna compreensí-
2002) vel a possibilidade de o profissional intelectual,
seja de natureza científica, literária ou artística,
De acordo com Alfredo de Assis Gonçalves ser considerado empresário, caso reste eviden-
Neto, “não é empresário quem exerce atividade ciado que sua profissão constitui elemento de
intelectual por qualquer meio, organizadamen- empresa.
te ou não, em caráter profissional ou não, qual- A atividade do profissional intelectual, como
quer que seja o volume, intensidade ou quanti- o médico, por exemplo, passa a ser um elemento
dade de sua produção” (Neto Gonçalves, 2012, da empresa, quando, nesse ambiente, não é ofe-
p. 74). recido apenas tal atividade, mas um coletivo de
Portanto, depreende-se do descrito, que o serviços prestados por uma empresa.
parágrafo único do artigo mensurado afasta Para melhor compreensão, Fábio Ulhoa Coe-
aqueles que exercem atividades intelectuais, de lho robora uma clara explicação:
natureza científica, literária ou artística, mes- Imagine o médico pediatra recém-formado, aten-
mo com a presença de auxiliares ou colabora- dendo seus primeiros clientes no consultório.
dores. Já contrata pelo menos uma secretária, mas se
encontra na condição geral dos profissionais in-
Nas palavras de Fábio Ulhoa Coelho, telectuais: não é empresário, mesmo que conte
não se considera empresário, por força do parágra- com auxílio de colaboradores. Nesta fase, os pais
fo único do art. 966 do CC., o exercente de pro- buscam seus serviços em razão, basicamente, de
fissão intelectual, de natureza científica, literária sua competência como médico. Imagine, porém,
ou artística, mesmo que contrate empregados para que, passado o tempo, este profissional amplie seu
auxiliá-lo em seu trabalho. Estes profissionais explo- consultório, contando, além do pessoal de apoio,

72 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


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A RESPEITO DO MÉDICO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL

À guisa de exemplo, se faz necessária a regulamentação prática da atividade


do médico como empresário individual, capacitando-o para os benefícios
econômicos e sociais do tipo empresarial conhecido como EI

também enfermeiro e outros médicos. Não chama é obrigatória, assim como no Cadastro Nacio-
mais o local de consultório e sim de clínica. Nes- nal de Pessoas Jurídicas.
ta fase de transição, os clientes ainda procuram
aqueles serviços de medicina pediátrica, em razão Acontece, que a inscrição, na prática, do mé-
da confiança que depositam no trabalho daquele dico como empresário individual, não é possí-
médico. Mas a clientela se amplia e já há, entre os vel, mas pode abrir uma slu (sociedade limita-
pacientes, quem nunca foi atendido diretamente
pelo titular, nem o conhece. Numa fase seguinte, da unipessoal).
cresce mais ainda aquela unidade de serviço. Não Todavia, não há uma explicação plausível,
se chama mais clínica e sim hospital pediátrico. que remete a uma proibição prática do médico
Entre os muitos funcionários, além dos médicos,
enfermeiros e atendentes, há contador, advogado,
como empresário individual. Muito se fala em
nutricionista, administrador hospitalar, segurança, inadequação por ser uma atividade regulamen-
motorista e outros. Ninguém mais procura os ser- tada e o empresário individual responder de
viços ali oferecidos em razão do trabalho pessoal forma ilimitada.
do médico que os organiza. Sua individualidade
se perdeu na organização empresarial. Neste mo- Fato é que, perante o Código Civil, que o mé-
mento, aquele profissional intelectual tornou-se dico é considerado empresário quando o exercí-
elemento de empresa. Mesmo que continue cli- cio da profissão constitui elemento de empresa.
nicando, sua maior contribuição para a prestação
dos serviços naquele hospital pediátrico é a de or- Para tanto, a norma não faz ressalva à modali-
ganizador dos fatores de produção. Foge, então, dade empresária.
da condição geral dos profissionais intelectuais e Nesse seguimento, é plausível a criação de
deve ser considerado, juridicamente empresário.
(C OELHO , 2006, p. 16/17) uma empresa e, entre as modalidades existen-
tes, a firma individual. Esta não possui um teto
Por esta vereda, resulta plenamente possí- limite para a contratação de colaboradores, e é
vel, a figura do profissional intelectual em co- uma ótima alternativa para quem pretende am-
mento ser equiparada a um médico empresário, pliar o seu empreendimento de forma isolada,
até mesmo como empresário individual, uma evitando futuras lides entre sócios, previstas
vez que, os conceitos de empresário e empresá- para uma sociedade empresária, exemplificati-
rio individual são os mesmos, porém acrescidos vamente.
do termo “individual”, que significa exercer in- À guisa, se faz necessária a regulamentação
dividualmente, e em nome próprio, uma ativi- prática da atividade do médico como empresá-
dade empresarial. rio individual, o capacitando para os benefícios
Como alude Gladston Mamede, econômicos e sociais do tipo empresarial co-
obviamente, a expressão empresário individual con- nhecido como ei.
tém uma redundância, já que na palavra empresário Ao cabo, importante é observar as respon-
já está expressada a ideia de indivíduo, opondo-se
ao conceito sociedade empresária, própria da co-
sabilidades de um empresário individual, bem
letividade (universitas personarum). Ainda assim, como, analisar se realmente é a melhor opção
com o fim didático de afastar qualquer dúvida, pa- para a finalidade pretendida pelo profissional.
rece-me melhor ser redundante, até porque a legis-
lação, em algumas passagens, ao falar de empre-
sário abarca o empresário individual e a sociedade 2.1 Médico empresário
empresária. (MAMEDE, 2012, p. 79) Em relação ao médico, para a obtenção de be-
nefícios econômicos e sociais, muitas vezes
Destarte, como todo empresário, para o mé- é mais aproveitável se ajustar como pessoa
dico assim ser legalmente considerado, impe- jurídica, considerando a ideia de que o impos-
rioso se faz sua inscrição em um órgão compe- to incidente sobre a pessoa física tende a ser
tente. A sua inscrição na Junta Comercial local maior do que quando se trata de uma pessoa

74 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


Aluer Baptista Freire Júnior, Lorrainne Andrade Batista DOUTRINA JURÍDICA

jurídica. Isso faz com que muitos profissionais


deem origem a uma empresa ou sociedade em-
presária.
Afirma-se isso, pois como pessoa meramente
natural, quer seja, pessoa física, emolda-se no Garante Rio
imposto de renda de pessoa física (irpf), e se-
gue o regime da clt (Consolidação das Leis do A garantia que
Trabalho), que pode cair em até 27,5% de seus
faturamentos. Já como pessoa jurídica, pode
todo síndico
cair a um percentual mais benéfico, como, por procura
exemplo, 13,33%, a depender da receita auferida,
percentual cada vez mais relevante consoante
o aumento da remuneração.
Vista a possibilidade do médico como empre-
sário e que este, mesmo sendo um profissional
intelectual, possa ser, por via de exceção, con-
siderado empresário individual, interessante
abordar as vantagens ao optar por exercer iso-
ladamente uma empresa.
Como exposto, o empresário individual é
uma opção bastante motivadora para aqueles
que não querem ter uma responsabilidade co-
letiva, e sim ter controle total de sua empresa,
sem depender de opiniões dos sócios, acionis-
tas ou cotistas. Consequentemente, além de
proprietário, é dono de toda a atividade presta-
da para o funcionamento da firma.
Ademais, essa forma jurídica de empresário,
em nome individual, possui a vantajosa afir-
mativa de não haver um capital social mínimo
para iniciar suas atividades, e nem mesmo um
teto limite para a contratação de colaboradores,
garantindo o bom andamento de seus negócios, Receita assegurada em
como lucratividade, produção e circulação de contrato para os gastos mensais
bens ou serviços. do condomínio.
Com isso, o empresário pode arriscar da
forma que achar melhor, e que seja ideal para
o devido funcionamento do seu negócio, es-
tipulando o capital que julgar necessário, e ir
investindo a longo prazo, seja no capital ou na
contratação de seus funcionários.
Por conseguinte, torna mais simples a inicia-
ção do negócio, sem tanta burocracia para a sua
formação, seja para a sua constituição, como
fora dito, ou para o encerramento de sua ativi- garanterio.com.br
dade.
21 3173 1445 • 21 98493 6785
Ressalta-se, de mais a mais, que pode, tran-
quilamente, pedir uma recuperação judicial,

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 75


A RESPEITO DO MÉDICO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL

Essa forma jurídica de empresário em nome individual possui a vantajosa


armativa de não haver um capital social mínimo para iniciar suas atividades
e nem mesmo um teto limite para a contratação de colaboradores

com força do art. 1º da Lei 11.101, de 9 de feve- O lucro real é mais complexo e ajustado
reiro de 2005, conhecida como Lei de Falência, conforme o lucro contábil. Destaca-se, que
que regula a recuperação judicial, extrajudi- o enquadramento nessas opções de tributa-
cial e a falência do empresário, e também, da ção, dependerá de quanto o empresário fatura
sociedade empresária. Senão, veja: “Art. 1o Esta anualmente.
Lei disciplina a recuperação judicial, a recupe- Todos os benefícios são ofertados em virtude
ração extrajudicial e a falência do empresário da inscrição como empresário individual no ór-
e da sociedade empresária, doravante refe- gão competente.
ridos simplesmente como devedor” (Brasil, Não obstante, como tudo tem seu lado bom e
2005). ruim, nas relações de negócios não é diferente,
Nesta perspectiva, Mônica Gusmão, iden- principalmente nas diversas opções de empre-
tifica o empresário individual como a “pessoa sas. Existem várias modalidades, justamen-
física que se obriga através de seu próprio te para o futuro empresário, sócio, cotista ou
nome, responde com seus bens pessoais, as- acionista avaliar o que melhor os atendem nos
sume responsabilidade ilimitada, incide pes- objetivos traçados por suas atividades empre-
soalmente em falência e pode pleitear sua re- sariais.
cuperação judicial ou extrajudicial” (Gusmão, Foi visto, anteriormente, que a pessoa jurí-
2007, p. 58). dica costuma ser economicamente mais vanta-
Brevemente, a referida recuperação, consiste josa para finalidades fiscais de um profissional
em uma medida judicial ou extrajudicial para intelectual – neste caso, o médico.
evitar a falência de determinada empresa, via- Entretanto, com a devida licença, analisando
bilizando a superação da crise econômica, com o inc. i, do § 2º, do art. 162 do Regulamento de
o fim de preservá-la, habilitando as suas ativi- Imposto de Renda (Decreto 9.580/18), o ir para
dades. um empresário intelectual de cunho individual,
Além disto, posto que o empresário em co- pode não ser a melhor escolha.
mento detém uma responsabilidade ilimitada Segundo o regulamento, os empresários in-
para com suas obrigações, de forma direta, este dividuais/empresas individuais, de atividade
tem autorização de usar o patrimônio da em- intelectual, para os efeitos do ir, são equipa-
presa para sanar suas relações pessoais como rados às pessoas físicas, uma vez excluídos da
pessoa física, para si ou seu cônjuge, vez que equiparação como pessoas jurídicas para esses
não possui separação patrimonial, que pode ser fins.
uma desvantagem para um lado, porém algo Nesses moldes, é o descrito:
vantajoso para outro. Art. 162. As empresas individuais são equiparadas
Outrossim, pode oferecer benefícios fiscais às pessoas jurídicas (Decreto-Lei nº 1.706, de 23 de
outubro de 1979, art. 2º).
quanto à sua tributação reduzida, e ainda ter § 1º São empresas individuais:
direito ao subsídio de desemprego. I – os empresários constituídos na forma estabele-
O limite de faturamento para o empresário cida no art. 966 ao art. 969 da Lei nº 10.406, de
2002 – Código Civil ;
individual vai depender do tipo de tributação II – as pessoas físicas que, em nome individual, ex-
escolhido por ele, se simples nacional, lucro plorem, habitual e profissionalmente, qualquer ati-
presumido ou lucro real. A simples nacional vai vidade econômica de natureza civil ou comercial,
até R$ 3,6 milhões; se enquadrado como lucro com o fim especulativo de lucro, por meio da ven-
da a terceiros de bens ou serviços ( Lei nº 4.506,
presumido, o faturamento anual chega a R$ 78 de 1964, art. 41, § 1º, alínea “b”; e Decreto-Lei nº
milhões. 5.844, de 1943, art. 27, § 1º ); e

76 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


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A RESPEITO DO MÉDICO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL

Deve sempre ser considerado o objetivo pretendido por cada futuro


empresário ou sócio, colocando no papel as vantagens e desvantagens
para o sucesso de seus negócios, com o m de evitar frustrações

III – as pessoas físicas que promovam a incorpora- lidade, porém obtida para fins tributários, salvo
ção de prédios em condomínio ou loteamento de imposto de renda, conforme o citado inc. i, do §
terrenos, nos termos estabelecidos na Seção II deste
Capítulo ( Decreto-Lei nº 1.381, de 23 de dezembro 2º, do art. 162 do Código Civil.
de 1974, art. 1º e art. 3º, caput, inciso III ).
§ 2º O disposto no inciso II do § 1º não se aplica CONSIDERAÇÕES FINAIS
às pessoas físicas que, individualmente, exerçam as
profissões ou explorem as atividades de: O empresário individual é expressamente con-
I – médico, engenheiro, advogado, dentista, vete- ceituado pelo art. 966 do Código Civil, e, por
rinário, professor, economista, contador, jornalista, esse conceito, chega-se à definição do empre-
pintor, escritor, escultor e de outras que lhes pos-
sam ser assemelhadas (Decreto-Lei nº 5.844, de sário individual, sendo este o mesmo sujeito
1943, art. 6º, caput, alínea “a”; Lei nº 4.480, de destacado pela norma; contudo exercendo as
14 de novembro de 1964, art. 3 º; e Lei nº 10.406, atividades em nome próprio, assumindo todas
de 2002 – Código Civil, art. 966, parágrafo único);
(BRASIL, 2018) as obrigações e responsabilidades de maneira
ilimitada.
Outra desvantagem está na empresa ser Entendido o conceito, a baila concentra-se na
passível de transferência para outro titular possibilidade de o médico (profissional intelec-
apenas em casos de falecimento ou autoriza- tual) ser empresário individual, concluindo-se,
ção judicial, não sendo um bom investimento para tanto, que, ofertada a devida hermenêuti-
para quem pretende, no futuro, alienar o negó- ca, encontra respaldo jurídico para a inscrição,
cio, além do risco da confusão de patrimônios como tal, no órgão competente.
pessoais por obrigações contraídas pela firma A conclusão foi embasada por critérios ju-
individual. ridicamente viáveis, ao passo da prescindível
Por fim, deve sempre ser considerado o ob- justificativa da “proibição” prática da inscri-
jetivo pretendido por cada futuro empresário ção em comento, apesar de aporte legal con-
ou sócio (para quem pretende constituir uma trário.
sociedade empresária), colocando no papel as Nesse fim, acredita-se na legalidade da ins-
vantagens e desvantagens para o sucesso de crição do profissional intelectual como em-
seus negócios, com o fim de evitar frustra- presário individual, deixando de estar condi-
ções. cionado a uma sociedade limitada unipessoal,
Igualmente, deve haver atenção aos benefí- caso seja da sua vontade exercer isoladamente,
cios ou prejuízos em criar uma pessoa jurídica e de modo ilimitado, quando as suas ativida-
dotada de autonomia própria, ou no caso do des (exercício da profissão) sejam constituídas
empresário individual, excluso de tal persona- como um elemento de empresa. 

REFERÊNCIAS
AQUINO, Leonardo Gomes de. Curso de direito empresarial: teoria da em- GUSMÃO, Mônica. Curso de direito empresarial. Rio de Janeiro: Lúmen
presa e direito societário. Brasília: Editora Kiron, 2015. Juris, 2007.
BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: empresa e atuação
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. empresarial, volume 1. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
Acesso em: 10.09.2023. NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa, volume 1.
BRASIL. Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Lei de Falência. Disponível 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/ NETO GONÇALVES, Alfredo de Assis. Direito de empresa. RT, 2010.
l11101.htm>. Acesso em: 12.09.2023. TJ-RS. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. Empresário individual. Agravo de Ins-
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, 17. ed. São Paulo: Sa- trumento n. 70066669011, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de
raiva, 2006. Justiça do RS, Relator: Paulo Sérgio Scarparo, Julgado em 26/11/2015.

78 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


Aluer Baptista Freire Júnior, Lorrainne Andrade Batista DOUTRINA JURÍDICA

Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj- Cível n. 70057094864, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de
-rs/911194139>. Acesso em: 15.09.2023. Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio Heinz, Julgado em 18/12/2013.
TJ-RS. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. Empresário individual. RESPON- Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-
SABILIDADE ILIMITADA. VEÍCULO. PENHORA. RESTRIÇÃO. Apelação -rs/114682035/inteiro-teor-114682040>. Acesso em: 15.09.2023.

FICHA TÉCNICA // Revista Bonijuris


Título original: Médico empresário individual: impossibilidade jurídica ou prática? Title: Individual
entrepreneur doctor: legal or practical impossibility? Autores: Aluer Baptista Freire Júnior. Pós-dou-
tor em Direito Privado pela puc-mg. Doutor e mestre em Direito Privado puc-Minas. mba em Direito
de Empresa. Especialista em Direto Público, Penal e Processo Penal, Direito Privado e Processo Civil.
Coordenador do curso de Direito da Fadileste. Professor de graduação e pós-graduação. Avaliador
da Revista da Faculdade de Direito da uerj; conpedi, unijui. Advogado. E-mail: aluerjunior@hotmail.
com. Lorrainne Andrade Batista. Especialista em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho, Direito
de Família e Sucessões pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus – Damásio Educacional e ibmec.
E-mail: lorrainneab@hotmail.com. Resumo: Empresário individual, pelo art. 966/cc, é aquele sujeito
que exerce profissionalmente uma atividade econômica organizada, mas em nome próprio, e não em
nome da empresa, para a devida produção ou a circulação de bens ou de serviços. Para mais, o em-
presário individual não é revestido de personalidade jurídica devido à lacuna legislativa do art. 44/
cc, já que tal dispositivo simplesmente deixa de fora o empresário individual. A inscrição no cnpj só
ocorre devido ao seu caráter tributário, com o intuito de controlar impostos, e manter-se adimplindo
frente à Receita Federal, abstendo-o dos demais benefícios de um cnpj. Assim sendo, é possível que o
médico esteja inscrito como empresário individual. Palavras-chave: atividade empresária; empresá-
rio individual; médico; profissional intelectual. Abstract: Individual entrepreneur, by art. 966 of
the Civil Code, is a person who professionally carries out an organized economic activity, but in their
own name, and not in the name of the company, for the proper production or circulation of goods or
services. Furthermore, the individual entrepreneur does not have legal personality due to the legisla-
tive gap in art. 44 of the Civil Code, since such a provision simply leaves out the individual entrepre-
neur. Registration with the cnpj only occurs due to its tax nature, with the aim of controlling taxes,
and remaining in compliance with the Federal Revenue, abstaining from the other benefits of a cnpj.
Therefore, it is possible for the doctor to be registered as an individual entrepreneur. Keywords: busi-
ness activity; individual businessman; doctor; intellectual professional. Data de recebimento:
29.09.2023. Data de aprovação: 28.11.2023. Fonte: Revista Bonijuris, vol. 36, n. 1 – #686 – fev./mar., págs
64-79. Editor: Luiz Fernando de Queiroz, Ed. Bonijuris, Curitiba, pr, Brasil, issn 1809-3256 (juridico@
bonijuris.com.br).

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REVISTA
REVIST
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BONIJURIS
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URIS I ANO 36
6 I EDI
E ÇÃ 686 I FEV/MAR 2024
EDIÇ
EDIÇÃO
D ÇÃO
ÇÃ 79
DOUTRINA JURÍDICA

Thiago Marcantonio Ferreira DOUTORANDO EM ESTADO DE DIREITO E GOVERNANÇA GLOBAL

A INSTRUMENTALIDADE DA
INVESTIGAÇÃO PENAL
SEM SEPARAÇÃO DE FUNÇÕES, NÃO HÁ PROCESSO VÁLIDO E
JUSTO, E SEM CONTROLE EXTERNO NÃO HÁ INVESTIGAÇÃO PENAL
CONSTITUCIONAL E LEGÍTIMA

1. O DEVER ESTATAL DE INVESTIGAR modo mais intenso na busca pela observância


CONDUTAS VIOLADORAS DOS BENS das regras básicas de convivência social. Nessa

A
JURÍDICOS PENAIS perspectiva, constitui-se uma ordem formal ca-
coexistência harmônica e pacífica em racterizada por um sistema global de controle
sociedade pressupõe a existência de social formado por diversos subsistemas do
mecanismos de controle social destina- direito (civil, administrativo, tributário etc.). Se-
dos a obter a submissão dos cidadãos ao guindo uma escala de gravidade proporcional
conjunto de regras e princípios conside- ao nível de danosidade social, cabe ao direito
rados vitais para a vida em sociedade. Compre- penal, como ultima ratio do arcabouço san-
endido como todos os recursos de que uma so- cionador estatal, atuar para conter os ataques
ciedade dispõe para a obtenção da observância mais intoleráveis aos bens jurídicos indispen-
das normas comunitárias, a pressão social pode sáveis para o bem-estar social. Tal atuação se
se expressar através de diferentes instâncias, de dá por meio da seleção dos bens jurídicos mais
maneira informal ou formal. Cada qual é dota- relevantes e a definição dos comportamentos
da de seus respectivos instrumentos, objetivos humanos mais graves e perniciosos à coletivi-
e pontos de atuação. A família, a escola, a reli- dade, mediante a descrição de condutas típicas
gião, o ambiente laboral, os meios de comuni- e a prescrição das respectivas penas (Prado,
cação são exemplos de instrumentos informais 2003, p. 65-66).
que atuam previamente à ocorrência do ilícito. Os bens jurídicos penalmente tutelados são
Entretanto, estas formas de controle espontâ- valores ético-sociais que o direito seleciona,
neo e informal vêm se revelando cada vez mais com o objetivo de assegurar a paz social, e o
insuficientes e menos efetivas na prevenção ao coloca sob sua proteção para que não sejam
ilícito (Busato; Huapaya, 2007, p. 65-90). expostos a perigo de ataque ou a lesões efeti-
Diante desse quadro de fragilidade das ins- vas (Toledo, 1986, p. 16). São pressupostos im-
tâncias informais, recorre-se a uma ordem prescindíveis para existência comum, sem a
jurídica formal que seja capaz de se impor de defesa dos quais não se pode exercer os demais

80 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


Thiago Marcantonio Ferreira DOUTRINA JURÍDICA

O direito à segurança pública encontra previsão desde o preâmbulo


da Constituição Federal de 1988, ao ser mencionado como um dos
valores supremos do estado democrático de direito instituído

(Roxin, 2004, p. 27-28). Em função de sua essen- Há, assim, numa outra vertente, um direito
cialidade para a manutenção da paz social e público subjetivo dos cidadãos na manutenção
da ordem pública, e de sua indispensabilidade da integridade dos bens jurídicos que ele elegeu
para uma vida próspera e livre, tem o Estado o como fundamentais para a vida em sociedade
dever de protegê-los de modo suficiente e em por meio de seus representantes eleitos, e, por
níveis mínimos de proteção constitucional- consequência, um interesse social na persecu-
mente exigidos. É nesse sentido, e em contra- ção penal e na responsabilização do infrator e
posição à teoria da proibição do excesso, que na restauração da norma violada, mediante a
se tem admitido a existência daquilo que con- aplicação de uma sanção penal. Sob esse viés,
vencionou batizar de proibição de insuficiên- fica evidenciado o interesse público primário
cia dos deveres de proteção do Estado (Sarlet, no exercício da função investigatória penal. Em
2004, p. 98). razão disso, afirma-se haver um dever estatal
Afinal de contas, um sistema de justiça cri- de investigar as infrações penais, decorrente do
minal ineficiente não serve à polícia, ao Poder direito constitucional à segurança pública e do
Judiciário, ao Ministério Público, aos réus e direito internacional dos direitos humanos.
tampouco à sociedade. A atuação proporcional O direito à segurança pública encontra
que deve pautar as instituições de segurança previsão desde o preâmbulo da Constituição
pública não possui apenas uma dimensão nega- Federal de 1988, ao ser mencionado como um
tiva, no sentido da vedação do excesso, a impor dos valores supremos do estado democrático
limites às restrições de direitos fundamentais. de direito instituído a partir da promulgação
Hoje em dia, envolve também a sua dimensão daquele texto constitucional. Trata-se ao mes-
positiva consistente na vedação à proteção es- mo tempo de um direito fundamental (art. 5º,
tatal insuficiente de direitos e princípios cons- caput), de um direito social (art. 6º) e de um di-
titucionalmente tutelados. Com efeito, também reito coletivo exigível tanto do Estado quanto
há séria violação da Constituição quando o Es- dos demais cidadãos (art. 144, caput). De acordo
tado se omite ou deixa de atuar de forma satis- com o texto constitucional, a segurança pública
fatória na tutela dos bens jurídicos constitucio- é dever do Estado, direito e responsabilidade, e
nalmente assegurados. tem como função preservar a ordem pública, a

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URIS EDIÇÃO 686 I FEV/MAR
ÇÃO 68 FEV/MA
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A INSTRUMENTALIDADE DA INVESTIGAÇÃO PENAL

A manutenção da ordem pública e a prevenção das infrações penais foram acometidas


às polícias ostensivas. Por outro lado, a apuração das infrações penais, realizada
por meio das investigações policiais, cou a cargo das polícias judiciárias

incolumidade das pessoas e o patrimônio, além também, que a obrigação de garantir os direi-
de reprimir as infrações penais praticadas em tos humanos consagrados na convenção não se
face dos bens jurídicos penalmente tutelados. esgota na existência de uma ordem normativa
A prestação deste dever estatal é realizada destinada a tornar possível o cumprimento
pelas instituições de segurança pública elenca- desta obrigação, mas compreende a necessida-
das no taxativo1 rol do art. 144 da Constituição de de uma conduta governamental que asse-
da República: polícia federal; polícia rodoviária gure a existência, na realidade, de uma eficaz
federal; polícia ferroviária federal; polícias ci- garantia do livre e pleno exercício dos direitos
vis; polícias militares; corpo de bombeiros mili- humanos. Nesse sentido, uma dessas condições
tares e polícias penais. A cada um dos órgãos de para garantir efetivamente o direito à vida e à
segurança pública foi atribuído o desempenho integridade pessoal é o cumprimento do dever
de uma função relacionada ao dever estatal de investigar as afetações a eles (cidh, 2006).
de prestar segurança pública. A execução de Ao decidir o caso Garibaldi, a Corte Inte-
atividades de defesa civil é realizada pelos cor- ramericana condenou o Brasil a indenizar os
pos de bombeiros militares e a segurança dos familiares da vítima e a conduzir eficazmente
estabelecimentos penais, pelas polícias penais. inquérito e processo para identificar, julgar e
A manutenção da ordem pública e a preven- sancionar os responsáveis pela morte de Séti-
ção das infrações penais foram acometidas às mo Garibaldi. Na ocasião, a comissão entendeu
polícias ostensivas. Por outro lado, a apuração que o Brasil violou o direito de acesso à justiça
das infrações penais, realizada por meio das in- dos familiares da vítima em razão de não ter
vestigações policiais, ficou a cargo das polícias empreendido uma investigação imparcial e efe-
judiciárias. tiva dos fatos. Ponderou que o Estado tem o de-
Numa outra perspectiva, o dever de investi- ver de evitar e combater a impunidade através
gar tem ganhado contornos concretos em deci- da realização de investigações sérias, exausti-
sões materializadas pelas cortes internacionais vas, imparciais e efetivas. De acordo com a deci-
de justiça. Conforme enfatiza Feldens (2009), são, uma reparação integral exige que o Estado
tem-se sedimentado, no plano internacional, investigue com a devida diligência os fatos, com
a existência de um dever estatal de investigar o fim de julgar e sancionar os responsáveis pela
uma imposição decorrente dos direitos huma- infração penal – no caso, a morte do senhor Ga-
nos e fundamentais como imperativos de tu- ribaldi (cidh, 2020).
tela. Um direito da vítima e de seus familiares No polêmico caso Gomes Lund (guerrilha
à investigação criminal, ao qual corresponde o do Araguaia), a corte entendeu que o dever de
dever estatal de investigar as condutas violado- apurar e punir os responsáveis pela prática das
ras das garantias e das liberdades públicas. violações de direitos humanos decorrentes de
No julgamento em que condenou o Brasil detenção arbitrária, tortura e desaparecimento
por falhar no seu dever de respeito, prevenção forçado de 70 pessoas em razão de operações
e proteção ao violar os direitos à vida e integri- do Exército brasileiro durante a denominada
dade pessoal do cidadão Damião Ximenes Lo- “Guerrilha do Araguaia” não pode ser afastada
pes, a Corte Interamericana de Direitos Huma- por leis nacionais (Lei 6.683/79 – Lei de Anistia)
nos, em suas razões de decidir, enfatizou que os em virtude de dimanar de obrigações interna-
Estados têm o dever de investigar as afetações cionais cogentes. Pontuou que o dever de inves-
aos direitos à vida e à integridade pessoal como tigar alcançou um caráter de jus cogens que se
condição para garantir esses direitos. Salientou, encontra dentro das obrigações positivas que

82 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


A INSTRUMENTALIDADE DA INVESTIGAÇÃO PENAL

O reconhecimento do dever de investigar não está restrito ao sistema


interamericano. A obrigação de investigar e punir as graves violações de direitos
humanos foi armada por todos os órgãos de proteção de direitos humanos

os Estados devem adotar para garantir os di- obrigação estatal de investigar as condutas
reitos humanos. À luz desse dever, uma vez que violadoras dos direitos humanos e fundamen-
as autoridades estatais tenham conhecimento tais, mediante uma sindicância séria, imparcial,
de fato supostamente criminoso, devem iniciar, exaustiva e em prazo razoável. Há, por assim di-
de ofício e sem demora, uma investigação séria, zer, um dever jurídico de prevenir, de forma sa-
imparcial e efetiva. Essa investigação deve ser tisfatória, as violações de direitos humanos e de
realizada por todos os meios legais disponíveis investigar seriamente em tempo razoável e com
e deve estar orientada à determinação da ver- os meios e aparatos adequados às violações aos
dade (cidh, 2010). bens jurídicos tutelados no âmbito de sua juris-
De igual modo, ao analisar o caso Maria da dição, a fim de identificar os responsáveis, de
Penha, a Comissão Interamericana de Direitos impor-lhes as sanções cabíveis e de assegurar a
Humanos recomendou, entre outras coisas, ao manutenção da ordem pública.
Estado brasileiro “completar rápida e efetiva-
mente o processamento penal do responsável 2. A INVESTIGAÇÃO PENAL CONDUZIDA
pela agressão tentativa de homicídio em prejuí- PELO DELEGADO DE POLÍCIA COMO
zo da senhora Maria da Penha Fernandes Maia”, MATERIALIZAÇÃO DO DEVER
bem como a “proceder a uma investigação séria, CONSTITUCIONAL DE INVESTIGAR
imparcial e exaustiva a fim de determinar a res- Violada a norma penal, o direito abstrato, gené-
ponsabilidade pelas irregularidades e atrasos rico e impessoal de perseguir o suposto autor
injustificados que impediram o processamento de uma infração penal para o fim de aplicar-lhe
rápido e efetivo do responsável” (cidh, 2001)2. uma pena correspondente ao dano pratica-
O reconhecimento do dever de investigar do concretiza-se no dever de investigar o fato
não está restrito ao sistema interamericano. A criminoso em todas as suas circunstâncias. O
obrigação de investigar e, se for o caso, punir exercício desse direito, decorrente da soberania
as graves violações de direitos humanos foi estatal, se dá por meio de um instrumento colo-
afirmada por todos os órgãos dos sistemas in- cado à disposição do Estado, denominado pro-
ternacionais de proteção de direitos humanos. cesso. De acordo com os elementos indiciários
No sistema universal, o Comitê de Direitos Hu- que informam a notícia-crime e a natureza des-
manos das Nações Unidas estabeleceu, em seus ta, o processo penal brasileiro pode se desenro-
primeiros casos, que os Estados têm o dever lar em uma ou duas fases.
de investigar, de boa-fé, as violações ao Pac- A primeira fase (investigação penal) des-
to Internacional de Direitos Civis e Políticos3. tina-se à apuração do fato criminoso, objeto
Posteriormente, considerou, em sua jurispru- da notícia-crime com o objetivo de verificar a
dência reiterada, que a investigação penal e o sua existência e todas as suas circunstâncias,
consequente julgamento constituem medidas a materialidade delitiva e a suposta autoria. A
corretivas necessárias para conter violações de segunda etapa materializa-se por meio da ação
direitos humanos. penal, que deve conter exposição do fato crimi-
Nesses termos, o Estado, como ente detentor noso, com todas as suas circunstâncias, a qua-
do monopólio do ius puniendi, tem o dever de lificação do acusado ou esclarecimentos pelos
prevenir, investigar e sancionar toda violação quais se possa identificá-lo, a classificação do
de direitos tutelados penalmente pelo orde- crime e, quando necessário, o rol das testemu-
namento jurídico. Ao direito fundamental e nhas. Tais requisitos de admissibilidade do art.
social à segurança pública corresponde uma 41 do Código de Processo Penal, salvo raríssi-

84 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


Thiago Marcantonio Ferreira DOUTRINA JURÍDICA

mas exceções, são obtidos a partir dos dados


coletados durante a primeira fase da persecu-
ção criminal, o que demonstra a necessidade de
que ela se desenvolva de forma técnica, isenta,
imparcial e desvinculada de interesses futuros.
A depender do sistema jurídico adotado,
tem-se a obrigatoriedade ou a facultatividade
da instrução preliminar como condição para
o exercício da ação penal. O direito espanhol,
por exemplo, preconiza a obrigatoriedade da
instrução preliminar para alguns delitos consi-
derados graves com o objetivo de evitar acusa-
ções infundadas. A versão brasileira adota a fa-
cultatividade da fase preliminar, possibilitando
que a acusação exerça a ação penal sem prévia
instrução preliminar (art. 39, § 5º, e 40 do cpp).
Mas tal dispensa somente pode ocorrer se hou-
ver suficientes elementos de convicção, ou seja,
suficiente justa causa (Lopes Jr.; Gloeckner,
2014, p. 185-186).
Entretanto, a dispensabilidade da instrução
preliminar não se confunde com a obrigatorie-
dade ou não de apurar a ocorrência da infração
penal. Conforme mencionado em linhas passa-
das, o exercício da ação penal sem a prévia ins-
trução preliminar somente é permitido quando
a notícia-crime já está amparada em suficiente
justa causa. Na ausência deste substrato míni-
mo de elementos indiciários, a investigação do
suposto fato criminoso comunicado ao sistema
de segurança pública se torna cogente quando
se tratar de crime de ação penal pública. De
igual modo, a representação e o requerimento
(da vítima ou de quem a represente) são condi-
ções de procedibilidade para o início da instru-
ção preliminar nos casos de ação penal pública
condicionada e de ação penal privada. Preen-
chidas essas condições, nasce para a Polícia Ju-
diciária o dever jurídico de realizar a devida in-
vestigação penal. Em decorrência disso, fala-se
em um direito fundamental dos indivíduos à
ação policial, atividade para a qual o Estado não
goza de discricionariedade na decisão de agir.
Em 20 de junho de 2013, no auge das discus-
sões sobre a expansão do poder investigatório
penal, foi promulgada a Lei 12.830, que dispõe
sobre a investigação criminal conduzida pelo
delegado de polícia. Apesar de pouco inovador,
o estatuto jurídico da investigação criminal bra-

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 85


A INSTRUMENTALIDADE DA INVESTIGAÇÃO PENAL

Os sistemas processuais penais são o conjunto de regras e princípios que


informam a aplicação do direito penal e processual penal. A depender do modelo
de Estado, tem-se uma estrutura com maior ou menor grau de garantias

sileiro mostrou-se muito significativo naquele mente por bacharel em direito, devendo-lhe ser
contexto em que foi editado, marcado por uma dispensado o mesmo tratamento protocolar
forte tentativa de esgarçamento da fase inves- que recebem os magistrados, os membros da
tigativa e de desprezo ao histórico secular de Defensoria Pública e do Ministério Público e os
bons serviços prestados pela Polícia Judiciária advogados.
à sociedade brasileira, ainda que sem o adequa- A lei está em consonância com as formula-
do investimento na sua estrutura material, hu- ções garantistas de Ferrajoli (2010, p. 710) na
mana e organizacional. Nesse passo, a Lei 12.830 medida em que busca dar autonomia ao condu-
trouxe para a agenda social e política a urgente tor do procedimento investigatório e reforçar
necessidade de conferir melhores condições de a independência da Polícia Judiciária e a sua
trabalho a essa indispensável instituição ao sis- natureza de função exclusiva de Estado. O mes-
tema de justiça criminal e à tão almejada paz tre italiano preconiza a separação de poderes
social, buscada pelo estado democrático de di- como instrumento de limitação do ius punien-
reito (Santos, 2013, p. 36). di estatal e de defesa das garantias aos direitos
De conteúdo extremamente sintético e obje- fundamentais. Nesse sentido, a “polícia judiciá-
tivo, com apenas quatro artigos, disciplina que ria, destinada à investigação dos crimes e a exe-
as funções de polícia judiciária e a apuração cução dos provimentos jurisdicionais, deveria
de infrações penais exercidas pelo delegado de ser separada rigidamente dos outros corpos de
polícia são de natureza jurídica, essenciais e ex- polícia e dotada, em relação ao Executivo, das
clusivas de Estado. Ao delegado, na qualidade mesmas garantias de independência que são
de autoridade policial, durante a condução das asseguradas ao Poder Judiciário”.
diligências para a apuração das circunstâncias,
da materialidade e da autoria das infrações pe- 3. O SISTEMA DE PERSECUÇÃO PENAL
nais, é assegurado o poder de requisitar perícia, BRASILEIRO: INQUISITIVO, MISTO OU
informações, documentação e dados que inte- ACUSATÓRIO?
ressem à apuração. Para o indiciamento, passa Os sistemas processuais penais são o conjunto
a ser exigida fundamentação idônea mediante de regras e princípios que informam a aplicação
análise técnica e jurídica do fato e mediante a do direito penal e do direito processual penal. A
indicação da autoria, materialidade e suas cir- depender do modelo de Estado adotado, tem-se
cunstâncias. uma estrutura com maior ou menor grau de
Sob a óptica das garantias funcionais, a lei garantias. Por isso, na medida em que “revelam
exige que a remoção do delegado de polícia a proposta do Estado na forma de condução
somente se dê por meio de ato devidamente das práticas de controle social punitivo e nas
fundamentado e veda a avocação do inquérito garantias concedidas a quem violar o pacto”
ou qualquer outro procedimento investigativo (Moreira; Camargo, 2016, p. 5), é necessário co-
presidido pelo delegado. Este somente poderá nhecer preliminarmente as características dos
ocorrer, por superior hierárquico, mediante des- sistemas processuais penais existentes. A par-
pacho fundamentado, por motivo de interesse tir desta compreensão, é possível dizer onde se
público ou nas hipóteses de inobservância dos situa o estudado – a sua classificação. A doutri-
procedimentos previstos em regulamento da na assinala a existências de três parâmetros de
corporação que prejudique a eficácia da inves- processo penal: inquisitivo, acusatório e misto.
tigação. Ademais, traz a garantia de que o cargo O inquisitivo é o sistema que remonta à In-
de delegado de polícia seja ocupado privativa- quisição, como a própria nomenclatura deixa

86 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


Thiago Marcantonio Ferreira DOUTRINA JURÍDICA

Sem a presença de um julgador equidistante das partes, não há que se


falar em imparcialidade, o que resulta evidente violação à Constituição
Federal e à própria Convenção Americana sobre Direitos Humanos

evidente. Tem como principais características a partir da produção e valoração de provas que
concentração dos poderes de acusar, defender e apenas ratificam as hipóteses antes visualiza-
julgar nas mãos do magistrado. Nele, imperam das (Khaled Jr., 2010, p. 295).
o sigilo e a ausência de contraditório, tendo o Sendo assim, sem a presença de um julgador
juiz inquisidor amplos poderes instrutórios equidistante das partes, não há que se falar em
para proceder a uma completa investigação imparcialidade, o que resulta evidente violação
do fato delituoso. Outra característica marcan- à Constituição Federal e à própria Convenção
te do sistema inquisitivo estava na gestão da Americana sobre Direitos Humanos, que em
prova, confiada essencialmente ao magistrado, seu art. 8º, n. 1, consigna a garantia judicial de
que, em geral, recolhia-a secretamente (Couti- que “toda pessoa tem direito a ser ouvida, com
nho, 1998, p. 166). as devidas garantias e dentro de um prazo ra-
Nesse sentido, o papel exercido pelo magis- zoável, por um juiz ou tribunal competente,
trado era equivalente ao de uma parte, por- independente e imparcial, estabelecido ante-
quanto investigava, dirigia as diligências e a riormente por lei, na apuração de qualquer acu-
produção de provas, acusava e, ao final, julgava. sação penal formulada contra ela” (cadh, 1969).
Não havia limitações quanto aos meios utiliza- O sistema acusatório, por sua vez, parte da
dos para a obtenção das provas. A confissão era divisão dos poderes distribuídos entre as figu-
a excelência dos meios de prova e os meios utili- ras processuais. Apresenta-se, por isso, como
zados para obtê-la eram legitimados a partir de uma antítese do inquisitivo, na medida em que
uma visão de que o processo servia à obtenção preconiza uma clara distinção entre as funções
da verdade. Nessa perspectiva, o modelo inqui- de investigar, acusar, defender e julgar. Nesse
sitivo dispensava um processo que visava obter passo, a concentração de poderes nas mãos do
o conhecimento por meio de critérios objetivos magistrado, marca do sistema inquisitivo, dilui-
para se pautar no subjetivismo do julgador e, -se na figura do Ministério Público cuidando da
por consequência, do processo. É por isso que acusação e exercendo o papel de custos legis, da
se diz que o processo inquisitivo é infalível. O Polícia Judiciária conduzindo as investigações
seu resultado, já previamente determinado e dando cumprimento às diligências, bem como
pelo subjetivismo do julgador, é construído a pela defesa, que resguarda os interesses e zela

A BO
REVISTA BONIJ
BONIJURIS
NIJURI
NIJ
JURIS
URIIS I ANO
ANO
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36 I EDI
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ED
EDIÇÃO
D ÇÃO 686 I FEV/MAR 2024
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A INSTRUMENTALIDADE DA INVESTIGAÇÃO PENAL

Os sistemas são mistos porque têm agregados a si elementos provenientes


do sistema acusatório; e, sendo regidos pelo princípio dispositivo, agregam,
por sua vez, elementos provenientes do sistema inquisitório

pelo respeito aos direitos e garantias do acusa- Todavia, Jacinto Nelson de Miranda Couti-
do. Esta, talvez, seja a diferença primária mais nho (2009, p. 103) assinala que atualmente todos
salientada com relação ao inquisitivo (Morei- os sistemas processuais são mistos, não haven-
ra; Camargo, 2016, p. 299). do mais sistemas puros, ou seja, na forma como
Neste sistema, o protagonismo da produção foram concebidos. Com efeito, um sistema
das provas é das partes e não do juiz, que para processual misto não é o simples resultado da
preservar a sua imparcialidade tem atuação soma de elementos do inquisitivo e do acusató-
subsidiária e complementar, abstendo-se de rio. Os sistemas são mistos porque, sendo regi-
promover atos de ofício principalmente na fase dos pelo princípio inquisitivo, têm agregados a
investigatória. Assim, a equidistância, a sepa- si elementos provenientes do sistema acusató-
ração de funções, a imparcialidade e o respeito rio; e, sendo regidos pelo princípio dispositivo,
ao princípio do devido processo legal são carac- têm agregados a si elementos provenientes do
terísticas que informam este modelo. Na fase sistema inquisitório.
investigatória, o magistrado também só deve Parece-nos correta a posição de Jacinto Cou-
intervir quando provocado, e desde que haja tinho. Não há como negar a existência de uma
necessidade de intervenção judicial. Caso con- persecução penal bifásica em nosso ordena-
trário, deve limitar-se ao papel de supervisor da mento. Temos um sistema acusatório com uma
legalidade do procedimento e do respeito aos fase preliminar predominantemente inquisiti-
direitos e garantias fundamentais, em especial va. As principais provas que subsidiam o livre
aquelas cuja relativização está sob cláusula de convencimento do magistrado no momento do
reserva de jurisdição. julgamento são produzidas durante a primeira
Buscando unir as virtudes dos dois moldes fase da persecução penal. À guisa de exempli-
anteriores, surge o sistema misto ou francês, ficação, podemos mencionar as provas obtidas
que vem a se constituir num processo com uma por meio de técnicas especiais de investigação,
fase inquisitiva, despida de acusação e destina- como a interceptação telefônica, a colaboração
da a apurar a materialidade e autoria delitivas, premiada, os exames de corpo de delito, as que-
e outra acusatória, caracterizada pela formula- bras de sigilo bancário, fiscal, tributário, tele-
ção de uma acusação, apresentação de defesa e mático e as perícias em geral.
julgamento por magistrado natural e imparcial. Evidente que tal procedimento está contido
Na medida em que resulta de uma fusão entre dentro do conceito amplo de processo. O pró-
as características dos outros dois modelos, o prio legislador fez essa opção ao inserir o inqué-
sistema misto, na atualidade, vem sendo cha- rito policial no título II do livro I, denominado
mado também de inquisitivo garantista (Ave- “O Processo em Geral”. E nem se diga que o art.
na, 2017, p. 39). 5º, inc. lv, da Constituição Federal seria impedi-
A maioria dos processualistas defende que o mento para essa constatação. Nenhuma incom-
Brasil adotou o cânone acusatório. Tal posicio- patibilidade há em se admitir que o contraditó-
namento se assenta na concepção de que “a de- rio e a ampla defesa serão exercidos de forma
finição de um sistema processual há de limitar- plena somente na segunda etapa do processo.
-se ao exame do processo, isto é, da atuação do Vale lembrar que, na primeira etapa (investiga-
juiz no curso do processo”. “E porque, decidida- ção criminal), há possibilidade de contraditório
mente, inquérito policial não é processo, misto (não pleno) e de defesa (não ampla) manifes-
não será o sistema processual, ao menos sob tal tados na faculdade de o investigado requerer
fundamentação” (Pacelli, 2017). qualquer diligência (art. 14 do cpp)4 e de dar a

88 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


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A INSTRUMENTALIDADE DA INVESTIGAÇÃO PENAL

Por meio da técnica denominada partilha, o legislador realiza a distribuição de


poderes estatais, aos quais geralmente correspondem às funções constitucionalmente
denidas. A partilha é a desconcentração do poder do Estado

sua versão sobre os fatos no seu interrogatório údo ao princípio do devido processo legal, cuja
– que na fase predominantemente inquisitiva essência no ambiente democrático e republica-
não deixa de ser meio de prova e de defesa (art. no reside na proteção dos direitos e liberdades
6º, inc. v, c/c art. 185 e seg. do cpp)5. da pessoa contra qualquer ação estatal que se
Em função disso, deve o magistrado apenas revele excessiva ou destituída de razoabilidade.
supervisionar a produção das provas, zelando
para que toda a persecução penal observe os 4. AS PEDRAS DE TOQUE DO SISTEMA
direitos e garantias do investigado. Não pode se INQUISITIVO-GARANTISTA: A SEPARAÇÃO
comportar como protagonista. Deve ser coad- DE FUNÇÕES E O CONTROLE EXTERNO
juvante, ficando em posição equidistante para Por meio da técnica denominada partilha, o le-
que, quando for chamado a decidir ou a julgar, gislador constituinte realiza a distribuição de
possa fazê-lo com imparcialidade e sem interes- poderes estatais, aos quais geralmente corres-
se em ver prevalecer a tese ou as provas que pro- pondem as funções constitucionalmente defi-
duziu ou trouxe aos autos por sponte propria. nidas. A finalidade da partilha é a desconcen-
Adepta do sistema acusatório e fã incondi- tração do poder do Estado com base na ideia de
cional da separação de poderes, a Constituição que a melhor solução para se evitar o arbítrio
Federal dividiu o exercício do ius perseguendi e o abuso de poder está na sua diluição entre
entre instituições diferentes. A polícia ficou diferentes órgãos estatais, que passam a exer-
encarregada da primeira fase (extrajudicial) e cer apenas parte da soberania estatal (Moreira
o Ministério Público, da segunda (judicial) e do Neto, 1989, p. 5-6).
controle externo da atividade policial, cabendo Noutro giro, a técnica da interferência é
ao Poder Judiciário velar pelo respeito aos di- empregada pelo legislador constituinte para a
reitos e garantias fundamentais e pela correta realização do controle de um poder do Estado
atuação do Ministério Público (v.g. cpp, 28). Fi- sobre o outro. Funda-se na ideia central de que,
caram abolidos, portanto, com a nova ordem uma vez partilhado o poder, deve este ser obje-
constitucional instaurada em 1988, tantos os to de controle (interferência) por outro órgão.
inquéritos judiciais6 quanto os procedimentos Tal sistema, denominado interferências, bus-
judicialiformes7. ca afastar os riscos advindos do monopólio de
Nesse diapasão, pode-se concluir que no Bra- funções estatais. Permite-se, com isso, que cada
sil, de forma global, prevalece um sistema misto, poder atue sobre os demais, controlando-os re-
porquanto, em que pese a sua essência acusató- ciprocamente (Moreira Neto, 1989, p. 9-14).
ria, reúne elementos secundários emprestados Como se pode notar, tais técnicas (partilha e
do sistema inquisitório. O desenvolvimento da interferência) buscam constituir um saudável
persecução penal em duas etapas não ocorre conjunto de limitações e equilíbrios entre as
por acaso. Primeiramente, atende à concepção funções desempenhadas pelos poderes, órgãos
democrática de Estado alicerçada no postulado e instituições do Estado, que exercem parcela
constitucional da separação de poderes que dá de poder decorrente da soberania estatal. Tra-
sentido ao modelo acusatório de persecução ta-se de um verdadeiro mecanismo de freios e
penal lastreado na divisão das funções de in- contrapesos, que consiste no controle do poder
vestigar, acusar, defender, julgar e executar (a pelo próprio poder. E para que possa funcionar
pena). Em segundo plano, revela uma preocu- de forma regular e satisfatória, a par das fun-
pação garantista com a preservação do núcleo ções típicas atribuídas a cada poder, são-lhes
essencial das garantias que dão forma e conte- conferidas ainda funções atípicas, como a de

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Thiago Marcantonio Ferreira DOUTRINA JURÍDICA

exercer ingerência sobre atividade típica exer-


cida por outro poder. O checks and balances
system busca prevenir o abuso governamen-
tal submetendo governantes e governados
às regras e aos procedimentos legais, em que
ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa senão em virtude de prévia deter- MOR AR
R EM
minação legal. CON
NDOOMÍN
NIO É BOM.
Conforme anotado em linhas anteriores, as
funções decorrentes do poder punitivo esta-
MOR AR
R EM CO
ONDDOMÍNIO
tal foram partilhadas entre diversos atores do GAR
R ANTID
DO PELAA
sistema de persecução penal com o objetivo de GAR
R ANTE
E TAU
UBAATÉ É
conter abusos e prevenir excessos da atuação
dos órgãos do Estado. Assim, o poder punitivo
sofreu uma divisão quadripartite. A investiga- mel
lhor
ção penal ficou a cargo das polícias judiciárias
(federal e civil), conforme se depreende da re- ain
nda.
dação de seu art. 144, §§ 1º e 4º. A acusação pe-
nal pública foi conferida ao Ministério Público
(art. 129, inc. vii). A função jurisdicional penal,
julgamento dos casos criminais, foi outorga-
da aos juízes criminais e respectivos tribunais
de apelação. Por fim, a função constitucional
essencial de defesa dos acusados em geral foi
conferida à advocacia privada e à Defensoria
Pública (no caso dos necessitados).
Não se olvidando de que a persecução penal
é um dos instrumentos mais violentos de que o
poder público titulariza na sua relação Estado-
-cidadão, o constituinte desenhou um sistema
de freios e contrapesos. Nesse passo, para o de-
sempenho de algumas funções de poder, o cons-
tituinte exigiu que, além do ordinário e regular
controle interno, houvesse também um controle
externo da atividade. Assim, o controle externo
da atividade policial de prevenção e sobretudo
de repressão às infrações penais foi atribuído
ao Ministério Público, nos termos da cristalina
redação do inc. vii do art. 129: “exercer o contro-
le externo da atividade policial, na forma da lei
complementar mencionada no artigo anterior”.
A mens legis do disposto nos arts. 129, inc.
vii, e 144, §§ 1º e 4º, é clara no sentido de ser in-
dispensável um mecanismo de monitoramento
externo da atividade de persecução penal de 12 3634 6565
infrações penais exercidas pelas polícias judi- 12 99773 3595
ciárias. Dentro da ideia central e indispensável garantetaubate.com.br
check and balances que permeia todo o funcio-
namento do estado democrático de direito, che-

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 91


A INSTRUMENTALIDADE DA INVESTIGAÇÃO PENAL

Não se olvidando de que a persecução penal é um dos instrumentos mais


violentos de que o poder público titulariza na sua relação Estado-cidadão,
o constituinte desenhou um sistema de freios e contrapesos

ga-se à conclusão de que tal atividade não pode uma pretensão antiabsolutista e à ideia da
ser exercida sem o necessário controle externo. rule of law. Considerava-se que o poder tende
Diogo de Figueiredo Moreira Neto (1989, p. 14- a corromper-se onde não encontra limites. Não
15) informa serem quatro as funções de contro- bastava que o poder fosse legítimo. Exigia-se
le sob o critério objetivo. A modalidade menos que, além disso, fosse limitado. Além da separa-
drástica é o controle de cooperação, que, como ção, buscava-se equilíbrio, balança de poderes,
a própria denominação está a indicar, ocorre freios e contrapesos. E isso constitui-se até hoje
mediante coparticipação obrigatória de um po- no núcleo essencial da doutrina da separação
der no exercício da função do outro. Seguindo, o dos poderes (Tavares, 2006, p. 993-1000).
controle de fiscalização realiza-se pela vigilân- Atualmente, a separação de poderes, mui-
cia, exame e sindicância dos atos de um poder to mais do que uma doutrina inglesa, evoluiu
por outro8. Já o controle de consentimento é o para tornar-se um critério do estado constitu-
realizado pelo poder interferente para conferir cional. E tal evolução muito provavelmente te-
eficácia ou exequibilidade ao ato do poder in- nha acompanhado a necessidade de solucionar
terferido, o qual é submetido a um crivo de legi- um dos grandes problemas contemporâneos
timidade e legalidade9. O controle de correção é do Estado, que é a denominada hipertrofia de
a modalidade mais drástica e relaciona-se à pos- funções ou multifuncionalidade, que apontam
sibilidade de o poder controlado ter os seus atos para a necessidade de se buscar uma nova reor-
desfeitos ou sustados pelo poder controlador10. denação e redistribuição equilibrada e balance-
Postas as diversas formas de equilíbrio exis- ada das funções estatais (Tavares, 2006, p. 999).
tentes na relação recíproca entre os poderes do Nessa linha de universalidade e onipresen-
Estado, pode-se indicar que o controle externo ça, à exceção da carta de 1937, todas as consti-
da atividade policial exercido pelo Ministério tuições brasileiras incorporaram o princípio
Público é caracterizado como um exercício típi- da separação de poderes. A lei magna de 1824
co de fiscalização, o qual é indispensável e in- previu, além das funções executiva, legislativa
delegável nos termos do sistema constitucional e judicial, a moderadora. A atual Constituição
pátrio. Pode-se, portanto, acrescentar um novo procedeu à consagração expressa do princípio
axioma aos tantos outros que dão substância à da separação dos órgãos do poder logo em seu
dogmática penal: sem controle externo não há art. 2º, estatuindo serem poderes da União in-
investigação penal legítima. dependentes e harmônicos entre si o Legislati-
Desse modo, não se sustenta a tese de que a vo, o Executivo e o Judiciário11.
atividade de investigação penal pode ser reali- Além da separação de poderes, em diversas
zada por outros órgãos que não a polícia. Quem passagens a Constituição cidadã refere-se à se-
realizaria a indispensável e indelegável tarefa de paração de funções que devem desempenhar
controle externo? E quanto à possibilidade de a os órgãos do Estado. E a cada uma delas cor-
persecução, na fase preliminar, ser realizada pelo responde um controle exercido por outro ór-
próprio Ministério Público: como admitir que o gão, numa clara demonstração de que aderiu à
órgão constitucionalmente encarregado do con- concepção mais moderna da doutrina da sepa-
trole externo realize a atividade controlada? ração de poderes, que busca ao mesmo tempo
A par da questão de a concepção da ideia legitimar e limitar o poder estatal.
norteadora da separação de poderes ter sur- A legitimação ocorre com a distribuição das
gido com Locke ou Monstesquieu, é fato que funções entre os órgãos estatais, dotando-os de
o seu surgimento está intimamente ligado a independência para o seu exercício, com vistas

92 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


Thiago Marcantonio Ferreira DOUTRINA JURÍDICA

No modelo de persecução penal pátrio, foi consolidada a forma quadripartite


de divisão de funções. O legislador constituinte original sistematizou
o poder punitivo estatal em: apurar, acusar, defender e julgar

à garantia do necessário equilíbrio político. Evi- O exercício, privativo, da ação penal pública
tam-se, assim, os inconvenientes da concentra- foi previsto como função institucional do Mi-
ção de funções e, por consequência, os riscos do nistério Público (art. 129, inc. I). Além do proces-
abuso de poder. Com essa limitação, tutelam-se samento das ações penais públicas, coube ao
as garantias fundamentais e legitima-se a atu- parquet a importante tarefa de exercer o con-
ação do Estado mediante a previsão de meca- trole externo da atividade policial e a requisição,
nismos de fiscalização e responsabilização recí- de forma fundamentada, de diligências investi-
procas, conforme o desenho constitucional de gatórias e a instauração de inquérito policial13.
freios e contrapesos adotado. Por outro lado, coube à advocacia, na condi-
No modelo de persecução penal pátrio, foi ção de instituição indispensável à administra-
consolidada a forma quadripartite de divisão ção da justiça, garantir o contraditório com to-
de funções. O legislador constituinte original dos os meios e recursos a ele inerentes e exercer
sistematizou o exercício das funções inerentes a ampla e plena defesa dos acusados em geral
ao exercício do poder punitivo estatal em: apu- (art. 133 c/c art. 5º, inc. lv). Paralelamente, aos
rar, acusar, defender e julgar. necessitados – que comprovarem insuficiência
O caput do art. 144 da Constituição Federal de recursos – previu-se o direito de serem as-
preconiza que a função de prevenção e repres- sistidos e defendidos pela Defensoria Pública
são de infrações penais será exercida por meio – instituição permanente, essencial à função
da polícia federal, polícia rodoviária federal, po- jurisdicional do Estado – em todos os graus, ju-
lícia ferroviária federal, polícias civis, polícias dicial e extrajudicial, de forma integral e gratui-
militares, corpos de bombeiros militares e das ta (art. 134 c/c art. 5º, inc. lxxiv)14.
polícias penais federal, estaduais e distrital. À Por fim, ao Poder Judiciário atribuiu-se o po-
polícia federal e às polícias civis foi atribuída a der-dever de dizer o direito. Noutras palavras,
apuração das infrações penais federais e esta- de julgar as causas penais que lhe forem sub-
duais, respectivamente. De outro lado, encar- metidas, seja por meio da ação penal pública
regou-se às polícias militares o policiamento pelo Ministério Público, seja por meio da ação
ostensivo e a preservação da ordem pública – penal privada movida pelo ofendido. Garantiu
prevenção de atividades criminosas12. a Constituição, entre outras coisas, que nin-

A BONIJURIS I ANO 36 I EDI


REVISTA EDIÇÃO 86 I FEV/MAR
IÇÃO 68
686 FEV
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3
A INSTRUMENTALIDADE DA INVESTIGAÇÃO PENAL

No que toca ao papel da acusação, Ferrajoli (2010, p. 537) defende


que tão fundamental quanto a ausência de funções acusatórias
para o juiz é a inexistência de funções judiciais à acusação

guém será julgado senão pela autoridade com- para fundamentar a acusação, sugere a criação
petente (art. 5º, inc. lii) e que não haverá juiz ou de uma instituição destinada a funcionar como
tribunal de exceção (art. 5º, inc. xxxvii). “Ministério Público de Defesa”, antagonista e pa-
Ferrajoli (2010, p. 535), em sua clássica obra Di- ralelo ao “Ministério Público de Acusação”. Para
reito e Razão, já revelava no axioma A8 (nullum eliminar a disparidade institucional, esta institui-
judicium sine accusatione) do seu sistema ga- ção, que funcionaria como órgão complementar,
rantista (sg) a sua preocupação com a violação subsidiário e subordinado às estratégias defensi-
da equidistância do juiz e com a quebra do que vas, seria dotado inclusive dos mesmos poderes
ele denomina forma trigonal de relação proces- da acusação pública sobre a polícia judiciária.
sual. Para o mestre italiano, a estrutura triádi- Registre-se que a disparidade apontada por
ca forma a primeira característica essencial do Ferrajoli somente ocorre em sistemas de per-
processo acusatório, consubstanciado na trian- secução penal em que são atribuídos poderes
gular relação entre três sujeitos dos quais duas investigatórios ao órgão de acusação. Nos mo-
partes em causa e um terceiro superpartes: o delos em que a igualdade instrutória da perse-
acusador, o defensor e o juiz. Nessa relação, de cução penal é efetivamente garantida mediante
acordo com o postulado garantista, seria funda- a realização de atos investigatórios por institui-
mental a manutenção da equidistância do juiz ção independente da acusação e da defesa, esta
em relação aos dois interesses contrapostos no disparidade não ocorre. É o caso do padrão bra-
processo: a tutela dos delitos pela acusação e a sileiro de investigação criminal, que na sua con-
tutela das punições arbitrárias pela defesa, que cepção constitucional tenta manter não apenas
correspondem exatamente aos dois escopos o órgão julgador e a defesa, mas também o ór-
que justificam o direito penal. gão de acusação distantes da direção da fase de
No que toca ao papel da acusação, Ferrajo- instrução preliminar, a fim de que sejam preser-
li (2010, p. 537) defende que tão fundamental vadas a liberdade processual, a igualdade mate-
quanto a ausência de funções acusatórias para rial e a oficialidade do processo penal15.
o juiz é a inexistência de funções judiciais à acu-
sação. De acordo com o garantismo, devem ser 5. A INSTRUMENTALIDADE
excluídos, da acusação pública, todos os pode- CONSTITUCIONAL-DEMOCRÁTICA DA
res tipicamente judiciais, da restrição da liber- INVESTIGAÇÃO PENAL
dade pessoal à formação das provas. Com apoio O Estado, ao exercer o seu poder soberano de le-
em Carrara, sentencia que o papel do parquet gislar, executar ou julgar, desempenha uma fun-
deveria se limitar a acusar. Com efeito, trans- ção primordial perante a ordem vigente, visan-
formar-se-ia em um inquisidor caso tivesse o do um objetivo maior, que é a pacificação social.
poder de iniciar, dirigir ou, de qualquer modo, Antes de qualquer objetivo específico, busca-se
influenciar nos processos que depois serviriam a pacificação social por meio da eliminação de
de prova contra o acusado. conflitos entre as pessoas. Para tanto, tais con-
Por fim, no que se refere à defesa, Ferrajoli flitos intersubjetivos de interesses devem ser re-
(2010, p. 537-538) defende que ela deva ser dota- gulados pelo direito, sob pena de colocar em ris-
da da mesma dignidade e dos mesmos poderes co a própria manutenção da vida em sociedade.
do Ministério Público. Sob o pressuposto de que Nesse quadro, o direito penal apresenta-se
a tutela dos inocentes e a refutação de provas como um dos instrumentos (na verdade, o últi-
são funções de interesse público tanto quanto mo) a serviço do Estado para a proteção da con-
a persecução dos culpados e colheita de provas vivência humana em sociedade. Trata-se de im-

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A INSTRUMENTALIDADE DA INVESTIGAÇÃO PENAL

Roxin assinala que o processo penal tem natureza complexa: a condenação


do culpado, a proteção do inocente, a formalidade do procedimento
desprovida de toda arbitrariedade e a estabilidade jurídica da decisão

portante mecanismo de prevenção e repressão Em virtude disso, a instrumentalidade da in-


para a garantia da manutenção da paz jurídica. vestigação penal não significa necessariamente
Quando o direito penal falha na sua função de que ela seja um mecanismo a serviço de uma
prevenir infrações penais, surge o injusto típico única finalidade, qual seja, a satisfação de uma
consubstanciado numa conduta humana vo- pretensão acusatória. Resumir o processo a isto
luntária, finalisticamente dirigida, que lesiona seria desconsiderar todo um sistema de direi-
ou expõe a perigo o bem jurídico penalmente tos e garantias que informam o processo penal.
tutelado (Lopes Jr.; Gloeckner, 2014, p. 30). Muito além da mera satisfação acusatória, o
Mas o direito penal não basta por si só para a processo apresenta uma função constitucional
aplicação da pena cominada ao delito praticado, voltada a instrumentalizar o projeto democrá-
porquanto lhe falta a característica da coerção tico-constitucional. A sua finalidade primordial
direta. A pena criminal prescinde do processo aproxima-se muito mais da maximização da
penal. Mais que efeito jurídico do delito, a pena eficácia dos direitos e garantias fundamentais
é um efeito do processo. Existe, por assim dizer, do que um instrumento político de segurança
uma íntima e imprescindível relação entre deli- pública ou defesa social a serviço exclusivo da
to, pena e processo, de modo que se complemen- acusação (Lopes Jr.; Gloeckner, 2014, p. 41-42).
tam na função de pacificação social. Ademais, Roxin (2010, p. 4-5) assinala que o processo
estando o poder punitivo, quase sempre, volta- penal tem natureza complexa: a condenação do
do à expansão, não se pode admitir a sua dispen- culpado, a proteção do inocente, a formalidade
sa ou relativização no contexto de uma cultura do procedimento desprovida de toda arbitrarie-
democrática (Lopes Jr.; Gloeckner, 2014, p. 31). dade e a estabilidade jurídica da decisão. Den-
Como visto em linhas anteriores, no Brasil a tro dessa concepção garantista e democrática,
persecução penal é bifásica, porquanto o pro- não é permitido limitar a função do processo
cesso penal é composto pelas fases da inves- penal e tampouco da investigação criminal à
tigação penal e da ação penal. A investigação pretensão acusatória ou à formação da convic-
penal como expressão do processo penal reve- ção do titular da ação penal pública.
la-se como um dos instrumentos (certamente o Nessa linha, a investigação policial como
mais contundente) a serviço da concretização atividade essencial e exclusiva de Estado visa,
da tão almejada paz social. Estando o ambiente primordialmente, apurar e confirmar os fatos
social turbado pela existência de conflitos, o Es- narrados na notícia-crime, isto é, a autoria, ma-
tado se vale do sistema processual penal para terialidade e circunstâncias da infração penal.
a eliminação dos conflitos e devolução da paz Trata-se de atividade voltada à produção de
desejada à sociedade. Isso significa que a ins- provas e de elementos de informação direcio-
trumentalidade da investigação penal possui nados a subsidiar a tomada de decisão de todos
múltiplas funções que podem ser sintetizadas os atores do sistema de justiça criminal – juiz,
em duas facetas: uma vinculada aos deveres de Ministério Público, investigado e vítima –, o que
proteção do Estado – vedação da proteção in- demonstra a necessidade de que seja exercida
suficiente dos bens jurídicos tutelados; e outra de forma técnica, isenta, imparcial e desvincu-
vinculada às proibições de excesso, ou seja, de lada de interesses futuros.
que a persecução penal ocorra de forma des- Por isso, pode-se qualificar como um reducio-
proporcional e abusiva. A isso se dá o nome de nismo incoerente e antidemocrático a ideia de
instrumentalidade constitucional. É o processo que a investigação criminal se destina a produ-
penal a serviço dos valores constitucionais. zir elementos para o Ministério Público avaliar

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Thiago Marcantonio Ferreira DOUTRINA JURÍDICA

se propõe ou não a ação penal. A possibilidade


de o órgão acusador presidir procedimentos
investigatórios não pode se legitimar com base
na ideia de que é instrumento exclusivo para
balizar a sua decisão de atuação. Com efeito,
além de sua função de esclarecimento do fato, a
investigação penal possui outras funções.
A função garantidora liga-se à ideia de que
o desenvolvimento da atividade de persecução
penal no curso de um procedimento oficial,
escrito e formalizado garante ao investigado
todo plexo de direitos e garantias individuais,
inclusive o de se evitar uma investigação in-
fundada em juízo. Pode-se identificar, também,
uma função cautelar consistente na garantia
de colheita oportuna das provas e dos elemen-
tos indiciários da prática da infração penal (que
evidentemente servirão ao sistema de justiça e
não apenas ao parquet). Por fim, há uma função
simbólica ligada ao fato de que a instauração da
investigação preliminar contribui para o resta-
belecimento da tranquilidade social abalada
com a prática do delito.
Nessa perspectiva democrática, a investi-
gação penal pode revelar-se útil e às vezes até
necessária para outros atores do processo. Por
exemplo, pode-se mencionar o interesse da
vítima em utilizar os elementos de prova pro-
duzidos na investigação para a obtenção inde-
nização contra a lesão sofrida. De igual modo,
o investigado tem interesse em provar a sua
inocência o quanto antes, pois a ação penal tem
um grau estigmatizante maior do que a inves-
tigação preliminar. Enfim, são múltiplos os in-
teresses envolvidos na investigação preliminar,
de modo que é mais acertado dizer que ela é um
instrumento a serviço do projeto democrático-
-constitucional e de todos os atores do sistema
de justiça criminal.

CONCLUSÕES
O estado social e democrático de direito con-
vive num ambiente de ambivalência penal. De
um lado, apresenta-se o dever estatal de prote-
ção consistente na obrigatoriedade de o Estado
implementar, ante a agressão de direitos huma-
nos ou fundamentais, uma investigação séria
e exaustiva, reputando ilícita a sua omissão –
vedação à proteção deficiente. Tal dever é uma

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 97


A INSTRUMENTALIDADE DA INVESTIGAÇÃO PENAL

O estado social e democrático de direito convive num ambiente de ambivalência


penal. De um lado, o dever estatal de proteção consistente. De outro, a
realização desse dever encontra limites nos próprios direitos fundamentais

decorrência lógica do direito constitucional à seu exercício é que pode ser conferido aos ór-
segurança pública e uma imposição do direito gãos e instituições públicas. Tanto é assim que
internacional dos direitos humanos. De outro, foi garantido aos cidadãos o direito à ação pe-
tem-se que a realização desse dever encontra nal privada nos crimes de ação pública, quando
limites não ultrapassáveis nos próprios direitos esta não for intentada pelo órgão de acusação
fundamentais, que se caracterizam por garan- no prazo legal (art. 5º, inc. lix).
tir um status de liberdade aos cidadãos, impon- Nesse diapasão, afigura-se mais correto refe-
do aos órgãos e poderes do Estado o dever de rir-se à função constitucional-democrática da
sua concretização – proibição do excesso. investigação penal, cuja instrumentalidade ma-
Para o cumprimento dessas tarefas, o Estado nifesta-se na tutela dos valores constitucionais e
utiliza-se do instrumento constitucional deno- na democratização de suas funções. O velho pa-
minado processo penal. Este se desenvolve no radigma de instrumentalização individualista e
ambiente do sistema inquisitivo-garantista, unidirecional da investigação penal já não se co-
que tem, como pedras de toque, a separação de aduna com o espírito das sociedades constitucio-
funções e o controle externo – mecanismos de nais democráticas. Propõe-se, assim, a adoção de
freios e contrapesos. Com efeito, sem separação um novo paradigma que reflita os vetores axioló-
de funções, não há processo válido e justo, e, gicos do neoconstitucionalismo e das sociedades
sem controle externo, não há investigação pe- democráticas. E essa exigência não será alcan-
nal constitucional e legítima. Na quase genera- çada com o poder investigatório penal sendo ti-
lidade dos casos, o processo ocorre em duas fa- tularizado por partes interessadas na utilização
ses: a primeira por meio da investigação penal futura de seu resultado. É preciso imparcialidade
e a segunda, pela ação penal. Portanto, tais pe- e isenção em todas as fases do processo penal.
dras de toque informam as suas duas fases. Na Como se sabe, a investigação-acusação bus-
primeira, concretiza-se o dever constitucional ca elementos aptos a instruir a propositura de
de investigar as condutas violadoras dos bens uma futura ação penal. De outro lado, a inves-
jurídicos penais e, entre outras coisas, realiza- tigação defensiva destina-se a encontrar argu-
-se um filtro técnico-jurídico com o objetivo de mentos que possam demonstrar a ausência de
evitar que o caso caminhe para a segunda fase, justa causa para o trancamento de uma inves-
amparado em acusações infundadas e injustas tigação criminal ou para evitar eventual perse-
– desprovidas de justa causa. cução penal em juízo. A Polícia Judiciária não
Desse modo, constitui-se em reducionismo se compromete com a sustentação de teses de
antidemocrático e inconstitucional a ideia de acusação ou de defesa. Atua na busca da verda-
limitar a função da investigação penal à co- de real e de forma desvinculada ao interesse em
lheita de elementos para a instrução de futura inocentar ou acusar o investigado da prática de
ação penal. Assim como a prova obtida na fase uma infração penal. Nesse sentido, a fase inves-
da ação penal não tem dono, os elementos indi- tigativa é uma garantia para o cidadão, pois a
ciários e probatórios coletados durante a fase Polícia Judiciária não é nem será parte numa
investigatória também não têm. Pertencem ao futura e eventual ação penal (Cabral; Souza,
processo penal e servem a todos os atores do 2012, p. 23). Há um nítido papel garantidor da
sistema de justiça criminal: defesa, juiz, acusa- investigação penal conduzida pela Polícia Judi-
ção, vítima etc. Pelo mesmo motivo, não há que ciária, na medida em que é instrumentalizada
se falar em dono da lide (dominus litis). Na par- em prol da defesa dos direitos fundamentais,
tilha de funções, o poder é sempre do Estado. O impedindo que cidadãos sejam colocados na

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Thiago Marcantonio Ferreira DOUTRINA JURÍDICA

condição de réus sem o mínimo de elementos o esclarecimento do fato supostamente crimi-


probatórios que justifiquem a mudança do noso e não a instrumentalização de atividade
status de mero investigado para o de acusado processual penal futura, como as anteriormen-
(Barbosa, 2013, p. 76). te mencionadas. Assim, parece atender ao prin-
Diante de todo o exposto, entre a investiga- cípio democrático, à cláusula republicana e ao
ção-acusação (proibição do excesso) e a inves- estado constitucional, na medida em que se
tigação-defesa (vedação da proteção insuficien- revela isenta, imparcial e desvinculada de inte-
te), a investigação policial tem como objetivo resses futuros. 

NOTAS
* Versão revisada e editada de artigo publicado 8. Na Constituição de 1988, está na grande da União. [...] § 4º. Às polícias civis, dirigidas
inicialmente na Revista Brasileira de Ciências maioria dos casos atribuídos ao Poder Legisla- por delegados de polícia de carreira, incumbem,
Policiais – RBCP tivo. A título de ilustração, pode-se mencionar a ressalvada a competência da União, as funções
1. Entendimento firmado pelo Supremo Tribu- fiscalização dos atos do Poder Executivo, direta- de polícia judiciária e a apuração de infrações
nal Federal na ADI 2.827, rel. min. Gilmar Men- mente ou por qualquer de suas Casas, incluídos penais, exceto as militares. [...] § 6º. As polícias
des, j. 16.09.2010. os da administração direta; o controle de fisca- militares e os corpos de bombeiros militares,
2. Anote-se, ainda, que as diversas recomen- lização financeiro-orçamentário, hoje estendido forças auxiliares e reserva do Exército subordi-
dações feitas pela Comissão Interamericana aos aspectos contábeis, operacionais e patrimo- nam-se, juntamente com as polícias civis e as
de Direito Humanos ao Estado brasileiro em niais dos atos de todos os poderes. polícias penais estaduais e distrital, aos Gover-
face da violação de inúmeros dispositivos da 9. Por exemplo, é de competência exclusiva do nadores dos Estados, do Distrito Federal e dos
Convenção Interamericana para prevenir, punir Congresso Nacional resolver definitivamente Territórios.
e erradicar a violência contra a mulher (Con- sobre tratados, acordos ou atos internacionais 13. Art. 129. São funções institucionais do Mi-
venção de Belém do Pará) convergiram para a que acarretem encargos ou compromissos nistério Público: I – promover, privativamente,
edição da Lei 11.340/06, apelidada de Lei Maria gravosos ao patrimônio nacional; autorizar o a ação penal pública, na forma da lei; [...] VII –
da Penha, exatamente por criar, a partir destas presidente da República a declarar guerra, a exercer o controle externo da atividade policial,
recomendações, mecanismos para coibir a vio- celebrar a paz, a permitir que forças estrangei- na forma da lei complementar mencionada no
lência doméstica e familiar contra a mulher. ras transitem pelo território nacional ou nele artigo anterior; [...] VIII – requisitar diligências
3. Cf. C.D.H., Caso Larrosa versus Uruguai. Co- permaneçam temporariamente, ressalvados os investigatórias e a instauração de inquérito
municação 88/1981, Decisão de 25 de março de casos previstos em lei complementar; autorizar policial, indicados os fundamentos jurídicos de
1983. Disponível em: <http://hrlibrary.umn.edu/ o presidente da República e o vice-presidente suas manifestações processuais;
undocs/newscans/88-1981.html>. Acesso em: da República a se ausentarem do país, quando 14. Art. 133. O advogado é indispensável à
10.10.2021. a ausência exceder a quinze dias, dentre outros. administração da justiça, sendo inviolável por
4. Art. 14. O ofendido, ou seu representante 10. O Poder Judiciário exerce o controle de seus atos e manifestações no exercício da pro-
legal, e o indiciado poderão requerer qualquer legalidade dos atos do Poder Executivo, por fissão, nos limites da lei.
diligência, que será realizada, ou não, a juízo exemplo. A rejeição, expressa ou tácita, de Art. 5º. [...] LV – aos litigantes, em processo
da autoridade. medida provisória editada pelo presidente da judicial ou administrativo, e aos acusados em
5. Art. 6º. Logo que tiver conhecimento da República e a suspensão do estado de defesa, geral são assegurados o contraditório e ampla
prática da infração penal, a autoridade policial da intervenção federal e do estado de sítio são defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
deverá: [...] V – ouvir o indiciado, com obser- exemplos do controle de correção que o Poder Art. 134. A Defensoria Pública é instituição
vância, no que for aplicável, do disposto no Legislativo exerce sobre o Poder Executivo. permanente, essencial à função jurisdicional
Capítulo III do Título VII, deste Livro, devendo 11. Art. 2º. São Poderes da União, indepen- do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e
o respectivo termo ser assinado por duas teste- dentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o instrumento do regime democrático, fundamen-
munhas que lhe tenham ouvido a leitura; Executivo e o Judiciário. talmente, a orientação jurídica, a promoção dos
6. Inquéritos judiciais eram inquéritos instau- 12. Art. 144. [...] § 1º. A polícia federal, institu- direitos humanos e a defesa, em todos os graus,
rados e presididos por magistrados, como ocor- ída por lei como órgão permanente, organizado judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e
ria com o inquérito judicial falimentar, que tinha e mantido pela União e estruturado em carreira, coletivos, de forma integral e gratuita, aos ne-
previsão no art. 103 e seguintes do Decreto-Lei destina-se a: I – apurar infrações penais contra cessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º
7.661/45, revogada pela Lei 11.101/05. a ordem política e social ou em detrimento de desta Constituição Federal.
7. Por tal procedimento, permitiu-se que a ação bens, serviços e interesses da União ou de suas Art. 5º. [...] LXXIV – o Estado prestará as-
penal nas contravenções penais fosse iniciada entidades autárquicas e empresas públicas, as- sistência jurídica integral e gratuita aos que
por auto de prisão em flagrante ou por meio de sim como outras infrações cuja prática tenha comprovarem insuficiência de recursos;
portaria expedida pelo juiz ou pela autoridade repercussão interestadual ou internacional e 15. A persecução penal é uma função primor-
policial. Tal dispositivo, não recepcionado pela exija repressão uniforme, segundo se dispuser dial e obrigatória do Estado. Com isso, funções
CR/88, continua inserido no art. 26, do Código em lei; II – prevenir e reprimir o tráfico ilícito de como investigar, processar e punir o agente do
de Processo Penal com a seguinte redação: entorpecentes e drogas afins, o contrabando e crime cabem aos órgãos constituídos do Estado,
Art. 26. A ação penal, nas contravenções, será o descaminho, sem prejuízo da ação fazendá- por meio da polícia judiciária, do Ministério Pú-
iniciada com o auto de prisão em flagrante ou ria e de outros órgãos públicos nas respectivas blico e do Poder Judiciário.
por meio de portaria expedida pela autoridade áreas de competência; [...] IV – exercer, com
judiciária ou policial. exclusividade, as funções de polícia judiciária

REFERÊNCIAS
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de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado. In. PEREIRA,

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 99


A INSTRUMENTALIDADE DA INVESTIGAÇÃO PENAL

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maio/ago. 2010. 1988. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994.

FICHA TÉCNICA // Revista Bonijuris


Título original: A instrumentalidade constitucional-democrática da investigação penal*. Autor: Thiago
Marcantonio Ferreira. Doutorando em Estado de Direito e Governança Global pela Universidade de
Salamanca – usal. Especialista em Ciências Penais pela Universidade do Sul de Santa Catarina – UniSul
(2008). Mestre em Direito pelo Centro Universitário de Brasília – UniCeub (2021). Professor de Polícia
Judiciária na Academia Nacional de Polícia. Coordenador de proteção à pessoa na diretoria executiva
da Polícia Federal. Delegado de Polícia Federal. Resumo: Os bens jurídicos penalmente tutelados são
valores ético-sociais que o direito seleciona, com o objetivo de assegurar a paz social. São pressupos-
tos imprescindíveis para existência comum, sem a defesa dos quais não se pode exercer os demais. A
apuração das infrações penais, realizada por meio das investigações policiais, ficou a cargo das polícias
judiciárias. O dever de investigar tem ganhado contornos concretos em decisões materializadas pelas
cortes internacionais de justiça. É um direito da vítima e de seus familiares, ao qual correspondente o
dever estatal de investigar as condutas violadoras das garantias e das liberdades públicas. Abstract: The
criminally protected legal assets are ethical-social values that the law selects, with the aim of ensuring
social peace. They are essential presuppositions for common existence, without the defense of which the
others cannot be exercised. The investigation of criminal offenses, carried out through police investiga-
tions, was the responsibility of the judicial police. The duty to investigate has gained concrete contours
in decisions materialized by international courts of justice. It is a right of the victim and their family
members, to which corresponds the state duty to investigate conduct that violates public guarantees and
freedoms. Data de recebimento: 01.09.2023. Data de aprovação: 28.11.2023. Fonte: Revista Bonijuris, vol.
36, n. 1 – #686 – fev./mar., págs 80-100. Editor: Luiz Fernando de Queiroz, Ed. Bonijuris, Curitiba, pr, Brasil,
issn 1809-3256 (juridico@bonijuris.com.br).

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DOUTRINA JURÍDICA

Gelson Amaro de Souza DOUTOR EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL PELA PUC-SP

DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
E COISA JULGADA
O DIREITO É DOMINADO POR INSTITUTOS QUE ASSEGURAM O
DESENVOLVIMENTO E A REALIZAÇÃO FINAL DO PROCESSO. DOIS
DELES, EM ESPECIAL, TÊM SIDO OBJETO DE CONTROVÉRSIA

A
palavra decisão, por muitas vezes utili- Falar sobre essas figuras é desafiar a boa in-
zada pela legislação, alcança diferentes terpretação e se expor às críticas daqueles mais
modalidades, tais como: decisão inter- apressados, que mais se prendem à redação das
locutória, decisão de mérito, sentença e leis do que ao verdadeiro direito e à lógica jurí-
acórdão, cada qual com seus alcances e dica. Decisão interlocutória e coisa julgada são
efeitos. dois institutos incompatíveis, porque enquan-
O direito processual é dominado pelos mais to o processo estiver em andamento pode haver
variados institutos, que existem para assegu- decisão interlocutória, mas não pode ter coisa
rar o desenvolvimento e a realização final do julgada. Decisão interlocutória, conforme dis-
processo. Entre esses institutos estão a decisão põe o art. 203, §§ 1º e 2º, do cpc, é o pronuncia-
interlocutória, a decisão de mérito e a coisa jul- mento judicial que não encerra o processo e, se
gada. Trata-se de elementos necessários para a não encerra o processo, não pode conviver com
boa compreensão e o encadeamento do proces- a coisa julgada.
so e sua finalização em atendimento aos mais Nesta esteira, é que se procura desenvolver
comezinhos princípios de direito e de realiza- este ensaio para demonstrar que, apesar das
ção da justiça. Não obstante a grande utilidade mudanças das palavras das leis, a norma jurí-
desses institutos para todo e qualquer proces- dica, que sempre difere da lei, continua com o
so, eles nem sempre são bem entendidos e têm mesmo conteúdo de sempre, de forma que estes
sido objeto de controvérsia. No passado, não dois institutos são incompatíveis e continuam
havia maiores divergências na interpretação não podendo conviver.
desses institutos, todavia no presente, em razão A palavra decisão, que é utilizada pela legis-
das alterações das leis que nem sempre primam lação em várias passagens, abrange a decisão
pela melhor redação, existe açodamento e aná- interlocutória, que não extingue o processo, e a
lises apressadas que mais parecem desvirtuar a decisão de mérito que extingue o processo, que
intenção da lei do que buscar a sua mais perfei- se faz presente nas sentenças e nos acórdãos
ta exegese. que finalizam o processo. Não extinguindo o

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Gelson Amaro de Souza DOUTRINA JURÍDICA

A palavra decisão abrange a decisão interlocutória, que não extingue


o processo, e a decisão de mérito que extingue o processo, que se faz
presente nas sentenças e nos acórdãos que nalizam o processo

processo com o julgamento do pedido principal, apresenta-se como conclusão a que se chega o
não haverá julgamento de mérito para efeito de julgador sobre alguma questão, que pode ser
coisa julgada. apresentada por alguma das partes ou toma-
Durante o tramitar do processo, várias são da por iniciativa do próprio julgador. É o re-
as decisões que podem ser proferidas, decisões sultado de apreciação de alguma questão que
interlocutórias de ofício ou a pedido da parte tanto pode ser apreciada de ofício ou a pedido
sem encerrar o processo, e que não pode ser das partes. Todavia, somente o julgamento dos
considerada decisão de mérito e nem faz coisa pedidos feitos pela parte com caráter principal
julgada. Pode haver decisão interlocutória que da ação é que pode receber a qualificação de de-
decide o mérito de questão secundária sem ser cisão de mérito e fazer coisa julgada5, quando
alcançada pela coisa julgada. A decisão de mé- esta decisão final põe fim ao processo6. A deci-
rito vocacionada a ser objeto de coisa julgada são interlocutória por não encerrar o processo
somente pode ser a decisão final que encerra não pode ser agraciada com a coisa julgada. A
o processo e, mesmo assim, limitada ao pedido lei, em nenhum ponto, diz que a decisão interlo-
principal feito pela parte (cpc, art. 492). A coisa cutória faz coisa julgada. Ao contrário, diz que
julgada é própria da decisão do pedido princi- não o faz (exemplo: art. 304, § 6º, do cpc).
pal, por meio de sentença ou acórdão que en- A sentença e o acórdão são espécies de ato
cerra o processo. processual que se caracterizam como decisões.
Quando encerram o processo com apreciação
1. DECISÃO do mérito e ultrapassada a possibilidade de al-
A palavra decisão, utilizada por várias vezes teração da decisão, são alcançados pela coisa
na legislação, não pode ser interpretada de for- julgada7. Enquanto não encerrado o processo
ma restritiva1. Decisão é o gênero2 que abrange e havendo possibilidade de a decisão ser alte-
outras formas de pronunciamentos, tais como rada, não pode se falar em coisa julgada8. Esta
decisão interlocutória3 ou final (sentença ou somente pode recair sobre decisão (sentença
acórdão)4, que tem conotação de julgamento, ou acórdão)9 que põe fim ao processo com jul-
conclusão de uma apreciação. No campo do di- gamento de mérito e após ultrapassada a possi-
reito, mais precisamente do processo judicial, bilidade de modificação do que decidido10.

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DECISÃO INTERLOCUTÓRIA E COISA JULGADA

Tratando-se de pronunciamento que é proferido durante a tramitação do processo sem


extingui-lo, recebe a denominação de decisão interlocutória, caso em que a parte que não
se conformar com o provimento judicial poderá recorrer através de agravo por instrumento

Quando a decisão não encerrar o processo, extingui-lo, recebe a denominação de decisão


não será decisão final, o que caracteriza decisão interlocutória, caso em que a parte que não se
interlocutória11, como aquela que é proferida conformar com o provimento judicial poderá
durante o tramitar do processo, sem pôr fim a recorrer através de agravo por instrumento se
este, motivo pelo qual pode ser alterada a pe- a hipótese for daquelas que se enquadre nas
dido ou mesmo de ofício, enquanto o processo normas dos arts. 994 e 1.015, i a xiii, e do seu pa-
estiver em tramitação12. Sempre que se tratar rágrafo único, do cpc.
de questões de ordem pública ou de interes- Coisa julgada, que na mais fiel terminologia
se público, a decisão pode ser revista quando da língua portuguesa deveria ser chamada de
as circunstâncias assim aconselharem13. Nem caso julgado18, é aquele julgamento definitivo,
mesmo a norma do art. 505 do cpc impede a cujas conclusões não serão abaladas por outro
apreciação ou a reapreciação das questões de julgamento similar no mesmo processo19. A coi-
ordem pública ou de interesse público a qual- sa julgada produz os efeitos da imutabilidade
quer momento, a pedido ou mesmo de ofício14. e indiscutibilidade, de modo que, uma vez pro-
Neste sentido, além da clareza da lei, há pro- ferido julgamento de mérito e ultrapassada a
nunciamentos judiciais a respeito15. possibilidade de modificação da decisão, o que
foi decidido não mais pode ser modificado. O
2. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA contrário se dá com a decisão interlocutória,
A se considerar o que dispõe o art. 203, § 2º, do que por não extinguir o processo continua a ser
cpc, decisão interlocutória é o pronunciamento objeto de nova apreciação.
do juiz que não corresponda à sentença prevista Enquanto o processo não for finalizado, ele
no § 1º do mesmo artigo. Em outras palavras, esta fica sujeito a novos provimentos e, com isso,
norma confirma o que já dispunha o § 2º do art. haverá a possibilidade de modificação do que
162 do cpc de 1973, que já dizia que se trata de ato foi julgado na decisão interlocutória, não se
decisório no curso do processo, resolve questão podendo falar de coisa julgada (art. 485, § 3º, do
incidente. Com isso, fica acentuado que se trata cpc)20. De outra forma, o art. 496 do cpc21 afirma
de ato decisório, que julga questão (ponto con- que em julgamento contrário aos interesses dos
trovertido) sem extinguir o processo e sem de- órgãos estatais somente produzirá seus efeitos
cidir a lide principal. Decide-se alguma questão naturais depois de o julgamento passar pelo
no curso do processo, sem extingui-lo, sendo que crivo da remessa necessária, o que não acon-
continua em curso, em busca de futura sentença tece com a decisão incidental. Ainda o art. 506
ou acórdão que venha a pôr fim à lide e, por via do cpc, ao fazer referência ao terceiro, fala em
de consequência, declarar a extinção do processo coisa julgada e sentença que não pode prejudi-
no futuro. Mesmo que na decisão interlocutória car terceiro, mas nada dispõe acerca da decisão
ocorra apreciação de alguma matéria de mérito, interlocutória ou incidental, em clara demons-
mas que não atinja o pedido principal, cuja deci- tração de que esta não faz coisa julgada.
são não coloca fim ao processo, este continua em Por isso é que se sustenta a impossibilidade
busca de uma decisão final (sentença ou acórdão) de decisão interlocutória fazer caso julgado ou
sobre o pedido principal16. Só a sentença17 que jul- coisa julgada, porque neste caso o processo con-
ga o pedido principal, e que é o ato que encerra o tinua em aberto e sujeito a novas decisões (art.
processo pode ser afetada pela coisa julgada. 485, § 3º, do cpc), sendo que estas podem modi-
Tratando-se de pronunciamento que é pro- ficar o que antes fora decidido, por se tratar de
ferido durante a tramitação do processo sem provimento não definitivo22.

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DECISÃO INTERLOCUTÓRIA E COISA JULGADA

Não se pode negar que só a sentença e o acórdão cam sujeitos à coisa


julgada material, quando resolverem o mérito da causa e quando no processo
não houver mais possibilidade de alteração com ou sem recurso

Conforme ensina Almeida Júnior23, a coi- so, o juiz poderá reapreciar a questão enquan-
sa julgada decorre de uma sentença proferida to o processo não for extinto por decisão final
pelo Poder Judiciário, da qual não cabe mais sobre o pedido principal (art. 485, § 3º, do cpc,
recurso. Essa afirmação é indicativa de que ela e 193 do Código Civil). Enquanto o processo es-
necessariamente recai sobre sentença ou acór- tiver em andamento, não se pode falar em coisa
dão, não comportando pensar em coisa julgada julgada31. Somente a sentença ou o acórdão que
de decisão interlocutória24. No mesmo sentido julgarem o mérito do pedido principal é que
o que se vê da jurisprudência25. podem ser agraciados com a coisa julgada. Por
O art. 502 do Código de Processo Civil afirma isso, coisa julgada é sinônimo de resolução de
que a coisa julgada material advém da autori- mérito e extinção do processo.
dade que torna imutável e indiscutível a deci-
são de mérito não mais sujeita a recurso algum. 3. OBJETO DA COISA JULGADA
Esta norma difere da redação do art. 467 do A coisa julgada se dá, de regra32, com o julga-
cpc/73, que falava em sentença e não em deci- mento de mérito33 do pedido principal por meio
são, como o faz agora. Apesar de a redação do de sentença que põe fim ao processo e, ainda,
art. 502 do cpc tratar de decisão e não de sen- quando nenhum recurso mais é possível no
tença, mesmo assim parece que a norma quis processo, isto é, quando o pedido principal for
que a coisa julgada fosse restrita à sentença ou julgado por sentença final34. A preclusão se dá
a acórdão, não alcançando a decisão interlocu- quando um ato isolado no processo não mais
tória ou incidental, porque estas não encerram poderá ser praticado, mas outros poderão sê-los
o processo26 e, por isso, sempre estão sujeitas à no mesmo processo e pela mesma parte. A pre-
modificação27. clusão impede a prática do ato dentro daquele
Não se pode negar que só a sentença e o processo; a coisa julgada impede novo julga-
acórdão ficam sujeitos à coisa julgada material, mento da causa no mesmo ou em outro proces-
quando resolverem o mérito da causa e quando so. A lei não fala que a decisão interlocutória ou
no processo não houver mais possibilidade de incidental é alcançada pela coisa julgada, nem
alteração com ou sem recurso. A decisão inter- poderia falar, porque a decisão interlocutória
locutória ou incidental, seja ela proferida em pode ser modificada durante o processo (art.
primeiro grau ou em grau superior, não tem o 485, § 3º, do cpc, e 193 do Código Civil).
condão de atingir a coisa julgada, senão apenas Portanto, é de se imaginar que a referência
sujeita à preclusão recursal, quando não for feita ao trânsito em julgado constante do art.
mais possível a interposição de recurso28. 356, § 3º, do cpc/2015 não está pretendendo di-
O conceito de coisa julgada está estritamen- zer que a decisão interlocutória que julga an-
te relacionado ao status de imutabilidade e tecipadamente o mérito em relação a um ou
indiscutibilidade do julgamento. Enquanto o mais pedidos, sem finalizar o processo, alcança
julgado puder ser modificado, seja por recurso o trânsito em julgado35. Porém, se esta foi a in-
direto, seja por via indireta, como no caso de tenção do legislador, o equívoco é evidente, e a
remessa necessária (art. 496 do cpc)29, ou ainda doutrina e a jurisprudência, por certo, devem
quando no processo há recurso que conduza ditar o rumo que a interpretação e a aplicação
os efeitos, devolutivo, translativo e extensivo30, desta norma seguirão.
não se tem ainda a coisa julgada. Também não A lei em nenhum momento assevera que a
haverá coisa julgada no caso de decisão interlo- decisão interlocutória, ainda que aprecie algu-
cutória, que mesmo que permaneça sem recur- ma questão de mérito, se não extinguir o pro-

106 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


Gelson Amaro de Souza DOUTRINA JURÍDICA

cesso pode fazer coisa julgada (exemplo art. 487,


II, do cpc), que mesmo julgando questão sobre
prescrição ou decadência, se não põe fim ao pro-
cesso, não é objeto de coisa julgada, cuja decisão Atuação
pode ser revista a qualquer tempo (art. 485, § 3º, centrada em entregar
resultados
do cpc, e 193 do Código Civil)36. A lei não dispõe
que a decisão que antecipa a tutela faz coisa jul-

aos clientes,
gada. Ao contrário, a lei é clara e expressa em
dizer que a decisão interlocutória que concede
a tutela antecipada não faz coisa julgada, como
dispõe o art. 304, § 6º, do cpc. de forma ética,
A coisa julgada somente pode recair sobre
a decisão final (sentença ou acórdão) e sobre
transparente
o pedido principal do autor, quando desta não e segura.
couber mais recurso. A decisão interlocutória,
ainda que se pronuncie sobre questão de méri-
to, por não extinguir o processo, este continua
sob a presidência do julgador, que pode decidir
e redecidir as questões de ordem pública ou de
interesse público (art. 485, § 3º, do cpc e 193 do
cc). Casos bastante ilustrativos podem demons-
trar o acerto desta assertiva: a) No caso, em que,
por decisão interlocutória, não é acolhida a ale-
gação de prescrição ou de decadência e o juiz
manda o processo prosseguir. Durante o tra-
mitar, ou ao final do processo, o juiz pode rever
esta decisão e acolher o pedido de prescrição ou
de decadência e extinguir a ação37; b) Decisão
interlocutória de mérito, que acolhe pedido de Nossa atuação é voltada
indenização por danos morais contra a Câmara
à prestação de serviços
Municipal e manda seguir o processo para ins-
jurídicos para empresas
trução e prova em relação aos danos materiais.
Ao final, ou mesmo durante o processo, o julga- dos mais variados segmentos
dor ao perceber que a Câmara Municipal não econômicos, nas áreas de
tem capacidade jurídica e extingue o processo Contencioso Tributário,
por ilegitimidade de parte, determinando devo- Administrativo e Judicial
lução de eventual valor recebido a título de da-
e Consultivo Tributário.
nos morais (art. 495, § 5º, do cpc). Pela simples
possibilidade de haver devolução do valor rece-
bido, implica dizer que a decisão interlocutória
não faz coisa julgada; c) Em ação com pedido de
benefício previdenciário, que por decisão inter-
locutória é concedida tutela antecipada, sendo
que ao final o pedido principal, por sentença, é
julgado improcedente e impõe a devolução dos
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valores recebidos38. O simples fato de haver a
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devolução de valores recebidos já indica que a
decisão interlocutória não é alcançada pela coi-
sa julgada39.

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DECISÃO INTERLOCUTÓRIA E COISA JULGADA

A coisa julgada somente pode recair sobre a decisão nal (sentença ou


acórdão) e sobre o pedido principal do autor, quando desta não couber mais
recurso; a decisão interlocutória, continua sob a presidência do julgador

3.1 Impossibilidade de a decisão são final de extinção do processo sem resolução


interlocutória ser afetada pela coisa julgada de mérito ou pela improcedência do pedido.
Parece ilusória a pregação atual de que a deci- 2ª) Benefício previdenciário – decisão inter-
são interlocutória pode ser objeto de coisa jul- locutória de antecipação de tutela. É o caso de
gada. Não se conhece, na história do processo, a haver antecipação de tutela em ação com pedi-
existência de algum momento em que se tenha do de benefício previdenciário, quando por de-
pregado tal conclusão. Historicamente, a deci- cisão interlocutória de mérito o pedido é ante-
são interlocutória nunca foi objeto de coisa jul- cipado. Ao final o pedido principal, pode haver
gada e tudo indica que, apesar de algumas con- julgamento improcedente com determinação
clusões apressadas que surgiram nos últimos de devolução com valores recebidos41.
tempos, mesmo assim, vai continuar a não ser. 3ª) Rejeição de defesa com pedido de deca-
O art. 494 do cpc afirma que publicada a sen- dência ou prescrição interlocutoriamente. A de-
tença, o juiz não mais poderá alterá-la, ressal- cadência e a prescrição podem ser apreciadas e
vando somente as hipóteses dos incs. i e ii. Não rejeitadas em decisão interlocutória de mérito,
existe norma semelhante com relação à decisão mas não pode ser atingida pela coisa julgada.
interlocutória, o que indica que o juiz poderá al- Isto porque o julgador, a qualquer momento e
terá-la quando entender que isto é necessário mesmo na decisão final, pode redecidir a ques-
para a boa aplicação do direito. São tantas as si- tão e extinguir o processo pelo reconhecimento
tuações que demonstram a impossibilidade de da decadência ou da prescrição (art. 193 do cc e
a decisão interlocutória ser atingida pela coisa 485, § 3º, do cpc).
julgada. A primeira delas é a possibilidade de 4ª) Falta de remessa necessária. Toda decisão
modificação da decisão na sentença ou acórdão contrária aos interesses da Fazenda Pública e
final (art. 485, § 3º, do cpc). A outra é a possibi- suas autarquias e sociedades ou empresas es-
lidade de devolução de valores recebidos (art. tatais, para transitar em julgado, é preciso an-
495, § 5º, do cpc) por força da decisão interlo- tes ser julgada em remessa necessária (art. 496
cutória, quando o magistrado julgar improce- do cpc). Por essa norma, enquanto a decisão de
dente o pedido principal do autor, entre tantas primeiro grau não passar pela remessa neces-
outras hipóteses, tais como: sária e for apreciada pelo tribunal, não produz
1ª) Ação indenizatória contra câmara muni- efeito material nem o processual de coisa jul-
cipal (reparação de danos morais e materiais). gada. A decisão interlocutória não está sujeita
Em caso de julgamento parcial do mérito aco- à remessa necessária, o que implica não poder
lhendo um dos pedidos (danos morais) por passar em julgado.
decisão interlocutória, enquanto a apreciação Burla da lei. Pregar a existência de coisa jul-
dos danos materiais fica para após a instrução. gada nestas condições é pregar a burla da lei
Durante o tramitar do processo, a qualquer mo- (art. 496 do cpc), que o bom direito não pode
mento o juiz pode reconhecer a falta de perso- permitir. A se permitir a existência de coisa jul-
nalidade jurídica da câmara municipal e decidir gada sem o reexame na forma da lei (remessa
por sentença a extinção do processo sem reso- necessária), estar-se-ia burlando a lei e permi-
lução do mérito, fazendo perder o efeito a deci- tindo que o autor, ao obter a antecipação da tu-
são interlocutória, na clara demonstração que tela, desista da ação e evite o pronunciamento
não existe coisa julgada da interlocutória40. Se de improcedência e prejuízo dos entes estatais.
houvesse coisa julgada na decisão interlocutó- 5ª) Desconsideração da pessoa jurídica (Fa-
ria, esta não poderia ser prejudicada pela deci- zenda Pública). A decisão em pedido de descon-

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Gelson Amaro de Souza DOUTRINA JURÍDICA

A decisão interlocutória sempre estará sujeita a conhecimento e


julgamento, bem como a revisão a qualquer tempo e grau de jurisdição
quando se tratar de matéria de ordem pública ou interesse público

sideração de pessoa jurídica feito pela Fazenda encerra o processo, é que fica ao abrigo dos arts.
Pública pode ser acolhido ou rejeitado. A rejei- 494 e 505 do cpc, produzindo, assim, a coisa jul-
ção do pedido nesta condição implica decisão gada. Além do mais, a decisão de mérito a que
contra os interesses da Fazenda Pública. O art. se refere o art. 502 do cpc é somente aquela que
136 do cpc indica que esta decisão é interlocutó- decide a lide e o seu objeto litigioso de cunho de
ria, caso em que não está sujeito à remessa ne- direito material, pondo fim ao processo43.
cessária (art. 496 do cpc), cuja ausência impede 8ª) Não há previsão no cpc e nem no Código
o trânsito em julgado42. Civil. Quando se trata de coisa julgada, nem o
6ª) Questão de ordem pública ou interesse Código de Processo Civil nem o Código Civil fa-
público. A decisão interlocutória sempre estará zem qualquer alusão à ligação desta figura à de-
sujeita a conhecimento e julgamento, bem como cisão interlocutória. Se as normas não tratam
à revisão a qualquer tempo e grau de jurisdição da coisa julgada em relação à decisão interlocu-
quando se tratar de matéria de ordem pública ou tória, é porque não há coisa julgada em relação
interesse público (art. 485, § 3º, do cpc). Somente à decisão interlocutória.
isto já é o suficiente para induzir ao entendimen- 9ª) Terceiros e decisão interlocutória (art.
to de que a decisão interlocutória não pode ser 506 do cpc). Outra disposição que deixa clara a
atingida pela coisa julgada. Ainda, é de se ver que impossibilidade de coisa julgada na decisão in-
somente em caso de sentença é que, uma vez pu- terlocutória está em que a lei, ao se referir à coi-
blicada, o juiz não mais poderá alterá-la (art. 494 sa julgada, fez referência somente à sentença.
do cpc), restrição esta que não se aplica às deci- Diz que a sentença faz coisa julgada, mas não
sões interlocutórias (art. 485, § 3º, do cpc e 193 do disse que o mesmo se dá com a decisão inter-
cc). Não fosse assim, o legislador teria incluído a locutória.
decisão interlocutória nos arts. 494 e 506 do cpc. 10ª) Decisão interlocutória e execução pro-
Se assim não o fez, é porque a decisão interlo- visória que só se torna definitiva após o julga-
cutória poderá ser revista e alterada a qualquer mento final e coisa julgada deste (art. 356, §§ 2º
tempo, enquanto o processo estiver andamento. e 3º, e art. 502, do cpc). O § 2o do art. 356 autori-
7ª) Decisão de mérito sem encerrar o proces- za o início da execução antes da sentença final,
so. Somente a decisão final, que é aquela que ou mesmo de seu trânsito julgado, mas consi-

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DECISÃO INTERLOCUTÓRIA E COISA JULGADA

Enquanto o processo estiver em aberto, tudo o que foi decidido


interlocutoriamente pode ser revisto e alterado por força da inocorrência
de preclusão em questão ou matéria de ordem pública

derando-a provisória. Ao dizer que a execução visão ou reapreciação enquanto o processo não
pode ser iniciada, ainda que exista recurso con- for extinto com sentença ou acórdão final (art.
tra a decisão, deixa claro que não há coisa jul- 485, § 3º, do cpc/2015). A coisa julgada somente
gada, porque se esta existisse não caberia mais se firma depois de julgados todos os pedidos e o
recurso. Já o § 3º dispõe que se houver trânsito processo for extinto47. Com acerto, o § 1º do art.
em julgado da decisão, a execução será defini- 357 do cpc trata de decisão estável e não em coi-
tiva. A redação desta norma é precária e mais sa julgada. Assevera que após decorrido o prazo
atrapalha do que ajuda. A lógica indica que a de cinco dias do saneamento do processo, sem
referência deve ser ao trânsito em julgado da manifestação das partes, a decisão fica estável.
sentença final, porque é somente após esta que Fica estável, mas não definitiva e não imodificá-
se permite execução definitiva. Antes desta, a vel, pois coisa julgada inexiste no caso.
decisão incidental pode ser modificada ou até Imagine-se uma decisão interlocutória de-
mesmo perder o efeito se sentença final for de terminando a antecipação de certo pagamento
improcedência da ação. A estabilidade prevista e depois em sentença final julga-se totalmente
no art. 304 do cpc refere-se apenas à questão improcedente a ação, ou até mesmo ocorra ex-
secundária que é a antecipação da tutela e nada tinção do processo sem julgamento de mérito
tem a ver com pedido principal que deve ser jul- por ilegitimidade de parte (art. 485, vi e § 3º,
gado depois por sentença44. do cpc/2015), ou mesmo, depois seja extinto o
11ª) As disposições dos arts. 303, § 1º, e 304, §§ processo sem resolução de mérito por falta de
3º e 6º, do cpc. Inicialmente, é de se ver que o qualquer pressuposto processual (art. 485, iv
art. 303, § 1º, refere-se à tutela antecipada (deci- e § 3º, do cpc/2015). Ainda, quando ao final se
são incidental), e, mesmo assim, manda o autor reconhece a ocorrência de prescrição (art. 487,
aditar a petição inicial, que induz à consequên- ii, do cpc/2015). Nestes casos, a decisão interlo-
cia de que não pode haver coisa julgada, porque cutória, ainda que não recorrida e com a estabi-
se esta existisse não poderia mais haver adita- lidade prevista no art. 357, § 1º, desaparece por
mento algum (inc. i). Depois, o § 2º do art. 303 força do julgamento final (art. 495, § 5º, do cpc).
diz que se não houver o aditamento da petição São casos em que, mesmo que a decisão não
inicial, o processo será extinto sem resolução do seja recorrida, ela não transita em julgado48, fica
mérito45. Se o processo pode ser assim extinto somente sujeita à preclusão recursal, mas pode
sem julgamento do mérito, como poderia a deci- ser alterada a qualquer momento, até o final do
são incidente transitar em julgado e fazer coisa processo, em caso de se tratar de matéria de in-
julgada, se é o julgamento de mérito elemento teresse público ou pela improcedência da ação
essencial da coisa julgada? Ainda, a lei é clara ao final.
em dizer que a decisão de antecipação de tutela Enquanto o processo estiver em aberto, tudo
não fará coisa julgada (art. 304, § 6º, do cpc). o que foi decidido interlocutoriamente pode
O trânsito em julgado é instituto próprio ser revisto e alterado por força da inocorrência
do julgamento final do processo (sentença ou de preclusão em questão ou matéria de ordem
acórdão), não tendo aplicação para os casos de pública49. Basta ver que até mesmo depois de
decisão interlocutória46. Não tem aplicação por proferida sentença final, em havendo recurso
uma razão muito simples: o trânsito em julgado da sentença ou do acórdão, ainda que sem ale-
resulta em impossibilidade de reapreciação do gação das partes, o decidido na interlocutória
julgado, o que não ocorre com a decisão interlo- pode ser desfeito em razão do efeito translativo
cutória, porque esta sempre estará sujeita à re- do recurso50, bem como e até mesmo por força

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DECISÃO INTERLOCUTÓRIA E COISA JULGADA

O julgamento antecipado do mérito, que de regra extingue o processo, não se


confunde com a decisão interlocutória. O julgamento antecipado do mérito pode
se dar através de sentença, quando resolve a lide e extingue o processo

do efeito extensivo dos recursos51. O efeito ex- O livro I, título I, capítulo X, trata do julga-
tensivo do recurso de uma parte que reconhece mento conforme o estado do processo. O capí-
a prescrição favorece a outra52. O reconheci- tulo X cuida do julgamento que extingue o pro-
mento da inexistência de ato que tipifique im- cesso com ou sem resolução de mérito (art. 354
probidade administrativa em recurso proposto do cpc). Quando se extingue o processo, cuida-
por um servidor público favorece o outro co- -se de sentença (caput) e não de decisão inter-
partícipe e afasta eventual condenação daque- locutória. Já no parágrafo único, há referência
le que não havia recorrido. à decisão interlocutória no caso de decisão de
Mesmo que ocorra decisão antecipada do parcela dos pedidos.
mérito, seja esta parcial ou não, uma vez que A seção II do capítulo X, a quem foi reserva-
o processo não é extinto com esta decisão, ela da a expressão “Do julgamento antecipado do
se caracteriza como interlocutória, o processo mérito”, diz em seu art. 355 que: “O juiz julgará
continua e o juiz pode apreciar as questões de antecipadamente o pedido, proferindo senten-
ordem pública a qualquer momento a pedido ça com resolução do mérito quando: I – não
da parte interessada ou mesmo de ofício (art. houver necessidade de produção de outras pro-
485, § 3º, do cpc, e 193 do cc). vas; II – o réu for revel, ocorrer o efeito previsto
Ainda que ocorra a figura da preclusão em no art. 344 e não houver requerimento de prova,
relação ao recurso de determinada parte, mas na forma do art. 349”.
se outro recurso por outro motivo for interpos- A redação da seção II e a do caput do art. 355,
to pela mesma ou outra parte, tudo o que an- ao que se pensa, é equivocada, pois trata-se de
tes fora julgado poderá ser alterado por força julgamento antecipado do pedido. Julgamento
do recurso que conduza o efeito translativo ou antecipado não pode existir. Todo julgamento
extensivo. Exemplo disto pode ser encontrado deve ser realizado no momento certo e não há
para o caso em que o tribunal se depare com a como antecipá-lo. Melhor se tivesse dito que se
falta de condição da ação ou de algum pressu- trata de julgamento “direto ou imediato do pe-
posto processual de validade ou de existência dido” e não antecipado. Depois, ao se falar em
do processo, bem como no caso de prescrição julgamento do pedido, já está se referindo ao
ou até mesmo de outra qualquer matéria de or- mérito e não haveria necessidade de dizer que
dem pública. se trata de resolução do mérito. Sempre que
apreciar e julgar algum pedido estar-se-á fazen-
4. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA E do julgamento de mérito.
JULGAMENTO PARCIAL DO MÉRITO No inc. i do art. 355 encontra-se a casuística
É interessante observar que o julgamento ante- de que esse julgamento acontece quando não
cipado do mérito, que de regra extingue o pro- houver necessidade de produzir outras provas.
cesso, não se confunde com a decisão interlocu- Mas o inc. ii acrescenta que assim também o
tória. O julgamento antecipado do mérito pode será quando o réu for revel e ocorrer o efeito
se dar através de sentença, quando resolve a da revelia, previsto no artigo 344 e não houver
lide e extingue o processo. Pode, ainda, ser por requerimento de produção de prova na forma
julgamento interlocutório (julgamento parcial do art. 349. Ora, já se disse que um dos efeitos
do mérito) referindo-se apenas à parte dos pe- da revelia é a presunção de serem verdadeiros
didos (um ou alguns dos pedidos), o que confi- os fatos narrados pelo autor (art. 344). Assim,
gura decisão interlocutória por não extinguir o os efeitos da revelia dispensam a produção de
processo. prova, restando tão somente matéria de direito

112 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


Gelson Amaro de Souza DOUTRINA JURÍDICA

para ser analisada. Restando somente matéria


de direito, logo o caso de revelia constante do
inc. ii já estava contido no inc. i (desnecessidade
de produção de outras provas).

Receita
4.1 Julgamento antecipado parcial do mérito
O art. 356 do cpc/2015 apresenta como inovação

garantida para
a possibilidade de haver julgamento de mérito
em relação a alguns pedidos quando existirem

o condomínio.
mais de um pedido em cumulação no mesmo
processo. Trata-se de novidade, porque o cpc/73,
em sua redação originária, não continha norma
semelhante. Apenas com a Lei 10.444/02 é que
Segurança e praticidade
se acrescentou o § 6º ao art. 273 do cpc/73, que para o síndico!
surgiu norma assemelhada.
Dispõe o art. 356 que o juiz decidirá parcial-
mente o mérito quando um ou mais dos pedi-
dos formulados, ou parcela deles, mostrar-se
incontroverso (I), estiver em condições de ime-
diato julgamento, nos termos do art. 355. A in-
tenção do legislador foi das melhores. Apenas
a terminologia empregada é que parece não ter
sido das mais felizes.

4.1.1 Julgamento parcial


A terminologia utilizada pelo legislador não pa-
rece ser a mais aconselhada. A frase “julgamen-
to parcial” deve ser evitada porque parcialida-
de não é apropriada em qualquer julgamento. A Condoville assegura a
Uma das maiores preocupações do jurisdicio- arrecadação de 100% da
nado é evitar julgamento de forma parcial. A lei receita do condomínio
assegura a possibilidade de rejeição do julgador em contrato.
pelo jurisdicionado quando este for suspeito ou
impedido, exatamente para evitar a parcialida- Além disso:
de do julgador. Por isso é que se diz que a termi- Realiza a emissão dos boletos
nologia empregada no art. 356 do cpc/2015 não de todos os condôminos.
parece ser das melhores. É certo que abstraindo Controla a inadimplência com uma
cobrança especializada.
a forma terminológica inadequada é possível
Realiza o repasse da receita integral
entender o que o legislador quis dizer com a
no 2º dia útil após o vencimento dos
expressão “parcial” como sendo julgamento por boletos emitidos.
parte, e não parcial no sentido de parcialidade.
Por óbvio, não pode ser em referência ao julga- 47 3025.5669
dor parcial nem em julgamento parcial. 47 99231.2380
Certamente, o legislador quis dizer em jul- condovillesc.com.br

gamento por parte (não parcial) quando existir Joinville . SC


mais de um pedido ou mais de uma questão a ser
decidida. Isto no sentido de que é facultado ao
magistrado julgar um pedido antes de outros ou
uma questão antes de outras. Será um julgamen-

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 113


DECISÃO INTERLOCUTÓRIA E COISA JULGADA

A parcialidade referida na lei não deve ser em relação ao mérito


(merecimento), mas em relação a um ou mais pedidos, quando
existirem outros que não possam ser julgados de imediato

to por parte, mas não parcial, porque a imparcia- mento parcial de mérito. Como foi visto, julga-
lidade é um dos requisitos de qualquer julgamen- mento algum poderá ser parcial, pois a impar-
to. Julgar por parte é diferente de julgamento cialidade é requisito de qualquer julgamento.
parcial. O legislador poderia ser mais preciso e O que certamente quis o legislador é autorizar
utilizar a palavra “julgamento por parte” ou “jul- o julgamento por parte da demanda e não por
gamento de parte da demanda” ao se referir à de- parte do mérito, porque o mérito propriamente
manda complexa, quando nela constarem vários dito é incindível. O julgamento do mérito não
pedidos ou várias questões a serem decididas. pode ser dividido em partes, como meio méri-
Havendo vários pedidos ou várias questões to ou qualquer outra fração. O mérito somente
a serem decididas, nada mais natural que se pode ser apreciado por inteiro. A parte merece
autorize ao magistrado julgar um pedido antes ou não merece o que pede.
de outro, ou uma questão antes de outra, con- A palavra “mérito” vem de merecimento, e
forme a desnecessidade de produção de outras quem merece deve fazer jus e não meio jus, ao
provas. É aconselhável que se julgue antes dos que pede. Não se vê como alguém possa mere-
outros, o pedido ou a questão que se trata ape- cer e não merecer ao mesmo tempo, tomando-
nas de matéria de direito ou que já conta com -se por base o mesmo pedido. Quando o pedido
prova suficiente nos autos seja julgada antes de é feito, o que se deve analisar é se o postulante
qualquer outra que ainda dependa de outras tem ou não tem direito ao que se pede. Se quem
provas. Mas isso não implica julgamento par- pede merece ou não merece o que se pede. As-
cial, senão apenas em julgamento por parte da sim, ao que se pensa, não se pode decidir o mé-
demanda. Mas esta parte (um pedido ou uma rito parcialmente. Não pode haver meio mere-
questão) deverá ser julgada imparcialmente e cedor.
não parcial como diz a norma. Julga-se um pe- Basta ver que o art. 356 trata de pedidos (no
dido ou uma questão antes de outra, mas esse plural) e depois de parcelas deles. É certo que
julgamento deverá ser completo e não incom- em havendo mais de um pedido, é possível o
pleto (parcial). Quando se julgam as questões magistrado julgar um deles antes dos outros.
apresentadas, umas após outras, em momentos Para isso, basta que um ou mais pedidos não
diferentes, antes da decisão final, estes julga- exijam outras provas, estando, pois, maduro
mentos se qualificam como decisões interlocu- para julgamento. Parece certo que serão jul-
tórias, sejam relacionadas ao direito material gados os pedidos e, em caso de vários, pode-se
ou somente ao direito processual. julgar um ou alguns sem apreciar naquele mo-
mento e no mesmo ato os demais. Todavia, o
4.1.2 Julgamento de mérito pedido que for apreciado deve ser julgado por
O julgamento de mérito, conforme dispõe o art. inteiro, ficando definido neste ato se o postu-
487 do cpc, corresponde ao julgamento final do lante tem ou não direito ao que se pede. Isto é,
pedido, que pode ser pelo acolhimento ou pela se merece ou não merece o que se pede. Nesta
rejeição. Mas exige-se para que se considere re- linha, pode-se afirmar que não pode haver mé-
solução de mérito que ocorra apreciação do pe- rito parcial.
dido principal (art. 319, iv, do cpc). É este pedido A parcialidade referida na lei não deve ser
que deve ser julgado ao final para se ter julga- em relação ao mérito (merecimento), mas em
mento de mérito. relação a um ou mais pedidos, quando exis-
Também não parece haver laborado com tirem outros que não possam ser julgados de
adequação terminológica ao falar em julga- imediato. Não se trata de parcialidade de um

114 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


Gelson Amaro de Souza DOUTRINA JURÍDICA

O que pode ser líquida ou ilíquida é a obrigação constante do


pedido que deve ser decididobpor inteiro. O mérito nada tem a ver
com liquidez ou iliquidez. Merece-se ou não se merece

pedido, mas de julgamento parcial de uma rela- 4.1.3 Coisa julgada e decisão de antecipação
ção de mais de um pedido. A parcialidade é em do mérito
relação ao número de pedidos, mas não de um O § 3º do art. 356 do cpc/2015 afirma que, sen-
pedido único. Assim, julga-se um pedido por de- do caso de execução e havendo o trânsito em
cisão interlocutória e não por sentença. julgado da decisão, ela será realizada de forma
No § 1º do art. 356 do cpc, a lei dispõe que a definitiva. Mais uma vez, parece que o legisla-
decisão que julgar parcialmente o mérito pode- dor não primou pela melhor redação. Ao falar
rá reconhecer a existência de obrigação líquida em trânsito em julgado no § 3º do art. 356, que
ou ilíquida. O que pode ser líquida ou ilíquida é trata do julgamento antecipado do mérito, pode
a obrigação constante do pedido que deve ser gerar dúvida e até mesmo levar o intérprete a
decidido por inteiro. O mérito nada tem a ver pensar que a decisão interlocutória que anteci-
com liquidez ou iliquidez. Merece-se ou não se pa o julgamento de mérito poderá transitar em
merece. Somente se pode pensar em liquida- julgado. Todavia, parece não ser isso o que a lei
ção de obrigação depois que esta é julgada por quer dizer.
inteiro. Sem o julgamento por inteiro da obri- A norma deste parágrafo afirma apenas que,
gação, não se saberá quais serão os limites da se no momento da execução já existir trânsito
liquidação. em julgado53, a execução será de forma defini-
Já o § 2º autoriza a parte liquidar ou executar tiva. Não parece dizer que a própria decisão
a obrigação reconhecida na decisão que impõe interlocutória de antecipação de julgamento de
a obrigação. Para liquidar e executar uma obri- mérito transita em julgado. Ao falar em trânsi-
gação há necessidade de se saber os seus limi- to em julgado, parece que a norma se refere à
tes. Na liquidação, pode não se saber os valores sentença final que transitada em julgado será
exatos, mas precisa saber os seus limites exatos definitiva e, com isso, levaria a definitividade
que se vai liquidar. Ao se executar, a obrigação também à decisão interlocutória, se com esta
já deve ser certa e, por assim dizer, obrigação, for compatível.
certa, líquida e exigível, oriunda de um julga- Assim, pode acontecer de a parte demorar
mento imparcial, não se podendo falar em exe- dar início à execução da decisão interlocutória
cução de julgamento parcial. que decidiu parte do pedido durante o processo,

A BO
REVISTA
REVIST
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BONIJURIS
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NIJURI
NIJURIS
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ANO 36
ANO 36 I ED 6 I FEV/MAR
EDIÇÃO 686 FEV
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/M R 2
/MA 2024
024 115
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA E COISA JULGADA

O art. 356 do CPC apresenta como novidade a possibilidade de o juiz poder


julgar parte ou um ou alguns dos pedidos antes de outros que serão julgados
por sentença ao nal da ação. Trata-se de uma excelente inovação

e no momento em que visa à implementação da julgado da decisão só pode ser entendida como
execução já exista sentença final com trânsito o julgado final que encerra o processo, por sen-
em julgado. Mas o trânsito em julgado somente tença ou acórdão com julgamento do mérito.
pode ser da sentença final e não da decisão in- O núcleo da ação é o julgamento final, por-
terlocutória de julgamento antecipado do méri- que é este que vai dar a palavra final e defini-
to, porque esta não pode passar em julgado. tiva pela procedência ou improcedência dos
Como se sabe, em casos assim, o julgamen- pedidos, ou ainda, pela impossibilidade de
to antecipado do mérito é realizado através de julgar os pedidos, como acontece nos casos de
decisão interlocutória, tanto que a norma se falta das condições da ação (falta de interesse
utiliza da expressão “decisão” e, no § 5º, afirma jurídico para agir e legitimidade), bem como
que eventual recurso será na modalidade de nos casos de prescrição ou decadência, e ainda,
agravo de instrumento. O agravo de instrumen- em qualquer outro caso que envolva interesse
to é recurso próprio de decisão interlocutória, público ou questão de ordem pública, em que o
considerada aquela que não encerra o proces- magistrado pode julgar ou rejulgar a qualquer
so. Exatamente por não encerrar o processo, a momento, enquanto o processo estiver em an-
decisão não pode transitar em julgado, porque damento (art. 485, § 3º, do cpc).
a continuidade do processo pode ensejar no- Basta o intérprete ter o cuidado de verificar
vas decisões com revogação da anterior ou até que, em se tratando de decisão de mérito (con-
mesmo sua revogação em decisão final ou em teúdo de direito material) que contrarie os in-
recurso em razão da aplicação dos efeitos ex- teresses da Fazenda Pública, suas autarquias
tensivo54 ou translativo, ou mesmo a apreciação e empresas estatais, a passagem em julgado só
de qualquer outra questão de ordem pública e poderá ocorrer depois que a remessa necessária
direitos indisponíveis (art. 485, § 3º, do cpc e 193 for apreciada na decisão final (art. 496, do cpc).
do Código Civil). Só na sentença final terá a aplicação a remes-
sa necessária, quando então será passada em
4.1.4 A interpretação que merece o art. 356, § julgado formando-se a coisa julgada do julga-
3º, do CPC mento final, e a decisão interlocutória, se con-
O art. 356 do cpc apresenta como novidade a firmada a condenação, passa a ter execução de-
possibilidade de o juiz poder julgar parte ou um finitiva. Antes da confirmação da condenação
ou alguns dos pedidos antes de outros que se- em recurso ou em remessa necessária, a execu-
rão julgados por sentença ao final da ação. Tra- ção continua provisória. Enganam-se aqueles
ta-se de uma excelente inovação, porque, em que pensam que o art. 356, § 3º, do cpc está se
sendo possível julgar desde logo um ou mais referindo à coisa julgada da decisão interlocu-
pedidos, não se vê razão para deixar tudo para tória55. A referência ao trânsito em julgado está
ser julgado ao final quando do encerramento voltada ao julgamento final, não à própria deci-
do processo. Não obstante isso, as normas do são interlocutória, porque esta pode ser modifi-
art. 356 e seu § 3º exigem muito cuidado para a cada ou extinta a depender do julgamento final.
sua interpretação. O parágrafo terceiro fala em Qualquer condenação contra a Fazenda Pú-
execução definitiva após o trânsito em julgado blica, suas autarquias e empresas públicas exige
da decisão, o que leva o intérprete mais apres- remessa necessária (art. 496 do cpc) e sem esta
sado a pensar que a decisão interlocutória pode pode haver execução definitiva. Se assim é em
ser gravada pela coisa julgada, o que não passa relação à Fazenda Pública, também haverá de ser
de grave equívoco. A referência a trânsito em em relação ao particular, para a execução conti-

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DECISÃO INTERLOCUTÓRIA E COISA JULGADA

Qualquer condenação contra a Fazenda Pública exige remessa necessária (art.


496 do CPC) e sem esta pode haver execução denitiva. Se assim é em relação
à Fazenda Pública, também haverá de ser em relação ao particular

nuar provisória até que, por julgamento final, a mento (obrigação de fazer ou não fazer), caso
obrigação seja confirmada. Assim é porque até em que a decisão por ser executada provisoria-
o julgamento final, ou mesmo neste, o juiz pode mente, mesmo que tenha recurso pendente ou
acolher questão de ordem pública, como inexis- que permaneça sem recurso, o que implica pre-
tência de condição da ação ou pressupostos pro- clusão recursal para as partes (não para o juiz),
cessuais, que impedem o julgamento de mérito, podendo haver modificação até o julgamento
impondo-se a extinção da ação, com o desapa- final, quando o juiz, livremente, pode julgar
recimento dos efeitos da decisão interlocutória improcedente o pedido principal do autor, caso
(art. 485, § 3º, do cpc). Ainda há outros casos que, em que a decisão interlocutória resta prejudi-
mesmo sendo em relação ao mérito, impedem o cada, podendo a parte por ela beneficiada ser
seguimento da ação, tais como a prescrição ou obrigada a devolver valores recebidos, ou resta-
a decadência, que podem ser apreciados ou re- belecer situação fático-jurídica (art. 495, § 5º, do
apreciados a qualquer tempo e que impedem o cpc) alterada por força da decisão interlocutó-
julgamento do pedido principal do autor. ria56. Se o beneficiado é obrigado a devolver o
Na mesma esteira, seguem-se os casos em que recebeu por força da decisão interlocutória
que por decisão interlocutória é imposta algu- revogada ou prejudicada, é porque não há coisa
ma obrigação de pagamento ou de comporta- julgada no caso. 

NOTAS
1. Não se pode pensar, como o fazem alguns, 6. “A coisa julgada atinge apenas as questões e outros. Rio de Janeiro: GZ-Editora e AASP e
que pensam que a palavra decisão somente se decididas em caráter principal, como dispositi- OAB-PR, 2016.
refere à decisão interlocutória (CPC, art. 502). A vo da sentença, e não a motivação sentencial 11. “Embora a decisão tenha o conteúdo de
norma não fala em decisão interlocutória, trata (CPC, art. 504). TALAMINI, Eduardo. CPC Ano- sentença (art. 487, do CPC/2015) ela não põe
de decisão de mérito, que tem a conotação de tado, p. 716. Coords. CRUZ E TUCCI e outros. fim a fase de conhecimento, sendo considerada
decisão final que decida o mérito do pedido Rio de Janeiro: GZ-Editora e AASP e OAB-Pr, decisão interlocutória passível de impugnação
principal. 2016. por agravo de instrumento”, nos termos do art.
2. “Isso significa que ‘decisão’ se configura 7. “O CPC/2015 adotou um critério misto de 356, § 5º, do C PC/2015. ARRUDA ALVIM, p.
como gênero do qual ‘decisão interlocutória’ definição, sendo a sentença o pronunciamento 934. Idem, p. 934.
é espécie”. “Isso demonstra, claramente, que, que cumprir ambas as exigências: fundar-se nos 12. “Enquanto pender ou ainda couber qual-
‘decisão’ é gênero do qual são espécies, ainda, arts. 485 ou 487, e pôr fim a fase de conheci- quer recurso ou reexame necessário contra a
as sentenças e os acórdãos”. João Baptista mento ou extinguir a fase de execução”, AR- decisão (art. 496) não há seu trânsito em jul-
Monteiro. REPRO 23/64, jul./set. 1981. RUDA ALVIM, Contencioso Cível no CPC/2015, gado nem, consequentemente, coisa julgada”.
3. “Nesses casos, justamente por não ter havi- p. 5145. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2022. TALAMINI, Eduardo. CPC Anotado, p. 711. Co-
do extinção do processo, a decisão é interlocu- 8. “Enquanto pender ou ainda couber qual- ords. CRUZ E TUCCI e outros. Rio de Janeiro:
tória e, por força do art. 354, parágrafo único, quer recurso ou reexame necessário contra a GZ-Editora e AASP e OAB-PR, 2016.
e do art. 1015, VII, do CPC/2015, passível de decisão (art. 496) não há seu trânsito em jul- 13. “Além disso, as questões processuais de
agravo de instrumento”. ARRUDA ALVIM, Ma- gado nem, consequentemente, coisa julgada”. ordem pública (pressupostos processuais, con-
nual de direito processual civil. p. 929. São Pau- TALAMINI, Eduardo. CPC Anotado, p. 711. Co- dições da ação...) que o juiz pode decidir de
lo: Revista dos Tribunais, 20. ed., 2021. ords. CRUZ E TUCCI e outros. Rio de Janeiro: ofício (CPC, arts. 337, § 5º, e 485, § 3º), podem
4. “O art. 203, do CPC/2015, refere-se aos GZ-Editora e AASP e OAB-Pr, 2016. ser reexaminados, de ofício ou por provocação
pronunciamentos do juiz, que são: a) decisões 9. “Sentenças são as decisões: encerram o da parte”, TALAMINI, Eduardo. CPC Anotado, p.
finais (sentença) e interlocutórias...”. “Também processo, põem termo à relação processual, 721. Coords. CRUZ E TUCCI e outros. Rio de Ja-
nos tribunais poderá haver pronunciamentos esgotam a função do Juiz. Proferindo-as, o juiz neiro: GZ-Editora e AASP e OAB-PR, 2016.
desta natureza, sob forma de acórdãos...”, ME- dá por cumprindo o seu dever jurisdicional”. 14. “Além disso, as questões processuais de
DINA, José Miguel Garcia. Com. CPC, p. 303. Moacir Amaral Santos. Primeiras Linhas de Di- ordem pública (pressupostos processuais, con-
São Paulo: Revista dos Tribunais, 8. ed., 2021. reito Processual Civil, 3º vol. p. 06. São Paulo: dições da ação...) que o juiz pode decidir de
5. 5 As questões que o juiz decide de Saraiva, 16ª ed. 1997. ofício (CPC, arts, 337, § 5º, e 485, §3º), podem
ofício não serão objetos de coisa julgada. So- 10. “A autoridade da coisa julgada recai ape- ser reexaminados, de ofício ou por provocação
mente os pedidos apresentados como princi- nas sobre a parte decisória da sentença ou da da parte”, TALAMINI, Eduardo. CPC Anotado, p.
pais de uma ação é que poderão ser alcançados interlocutória de mérito. Ou seja, somente os 721. Coords. CRUZ E TUCCI e outros. Rio de Ja-
pela coisa julgada, visto que o juiz não pode comandam que acolhem ou rejeitam os pedi- neiro: GZ-Editora e AASP e OAB-PR, 2016.
decidir com fim de fazer coisa julgada, aquilo dos fazem coisa julgada”, TALAMINI, Eduardo. 15. “Todavia, encontra-se consolidado na
que não foi pedido (CPC, art. 492). CPC Anotado, p. 719. Coords. CRUZ E TUCCI jurisprudência desta Corte que a preclusão im-

118 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


Gelson Amaro de Souza DOUTRINA JURÍDICA

posta ao órgão jurisdicional por força do men- tucional. p. 51. Porto Alegre-RS: Sergio Antonio DJ. 30.04.2008; REsp. 869.534/SP, DJ. 10-12-
cionado dispositivo não deve ser aplicada nas Fabris Editor – SAFE, 2006. 2007; REsp 660.519/CE, DJ 07-11-2005.
hipóteses em que a matéria objeto da decisão 24. “Pela redação do Código de Processo Ci- 31. “Enquanto pender ou ainda couber qual-
for de ordem pública ou versar sobre direito vil, a coisa julgada atinge apenas as sentenças, quer recurso ou reexame necessário contra a
indisponível, já que o próprio dispositivo, em e por extensão óbvia, os acórdãos. As decisões decisão (art. 496) não há seu trânsito em jul-
seu inciso II, prevê o seu afastamento ‘nos de- interlocutórias e os despachos não se sujeitam gado nem, consequentemente, coisa julgada”.
mais casos prescritos em lei” (STJ. 2ª T. REsp n. ao fenômeno, ficando à mercê da preclusão TALAMINI, Eduardo. CPC Anotado, p. 711. Co-
1.244.469/RS. Rel. Min. Mauro Campbell Mar- processual”. ALMEIDA JUNIOR, obra citada, ords. CRUZ E TUCCI e outros. Rio de Janeiro:
ques, DJE de 16/05/2011). Citado por Talamini, p. 54. GZ-Editora e AASP e OAB-PR, 2016.
op. cit. p. 722. 25. “Decisões interlocutórias sujeitam-se à 32. Ressalvam-se apenas aqueles casos em
“Diante do princípio da garantia da segu- preclusão. As decisões proferidas no curso do que mesmo não sendo mais possível recurso da
rança jurídica, deve-se observar que a proibi- processo (interlocutorial), quer atinentes ao sentença e mesmo assim ela não passa em jul-
ção, do art. art. 471 do CPC, de que o juiz não mérito, quer atinentes às questões processu- gado por força de remessa de ofício ou de outro
pode decidir o que já foi por ele decidido (Pre- ais, não fazem coisa julgada, nem mesmo no recurso anteriormente interposto antes de pre-
clusão ‘pro judicato’), ela não abrange questão sentido formal. Em relação às decisões inter- cluir a oportunidade recursal, ainda pendente
de ordem pública, como ausência citação váli- locutórias, o que se produz é a preclusão, que de julgamento.
da”. TJPR 12ª CC, AI nº 817.319-1, Rel. Desª. An- as torna imutáveis no mesmo processo em que 33. “Por mérito considera-se o objeto litigioso,
gela Maria Machado Costa, DJE. De 31-7-2012, foram proferidas’ (Eficácia da sentença e coisa que diz respeito ao pedido (questão principal)”,
idem, citado à p. 723. julgada no processo civil. São Paulo: Revista dos MEDINA, José Miguel Garcia. CPC. Comentado,
16. “Quando o reconhecimento da prescrição Tribunais, 2001, pp. 68-69). Colocada a contro- 630. São Paulo: Revista dos Tribunais, 8ª ed.
ou da decadência disser respeito apenas a uma vérsia sob a ótica da preclusão, observa-se que 2021.
parte do pedido, estar-se-á diante de decisão a impossibilidade de discussão do tema restrin- 34. “Por mérito considera-se o objeto litigioso,
de natureza interlocutória, porquanto o proces- ge-se ao mesmo processo, mas não a outro”. que diz respeito ao pedido (questão principal)”.
so prosseguirá quanto ao restante do mérito”, STJ- EDcl no REsp 729.705-SP (2005/0033405- MEDINA, José Miguel Garcia. CPC. Comentado,
ARRUDA ALVIM, Manual de direito processual 3) j. 15-10-2013, DJe. 4.12.2013. 630. São Paulo: Revista dos Tribunais, 8ª ed.,
civil, p. 930. São Paulo: Revista dos Tribunais, 26. A questão do encerramento do processo 2021.
20. Ed., 2021. é motivo de cerrada divergência na doutrina. 35. “Como se observou retro, a decisão que
17. “...trata de sentença de mérito ou senten- Esta questão foi analisada mais detalhada- concede a tutela antecipada em caráter antece-
ça definitiva aquela que julga, no todo ou em mente em nosso estudo Sentença – Em Bus- dente, ainda que se torne estável, não faz coisa
parte, o pedido procedente ou improcedente”, ca de uma Definição (Coautoria com Gelson julgada material”. MEDINA, obra citada, p. 429.
GRECO, Leonardo. CPC Anotado, p. 686. Coords. Amaro de Souza Filho), Repertório IOB, v. III, 36. “Embora a decisão tenha o conteúdo de
CRUZ E TUCCI e outros. Rio de Janeiro: GZ-Edi- nº 5, 2009. 1ª quinzena, março, 2009; Revista sentença (art. 487, do CPC/2015) ela não põe
tora e AASP e OAB-PR, 2016. Jurídica, v. 376, pp. 19:42. Porto Alegre-RS, fe- fim a fase de conhecimento, sendo considerada
18. “No entanto, o Direito português utiliza vereiro, 2009. Referindo-se ao encerramento do decisão interlocutória passível de impugnação
a expressão “caso julgado” para se referir à processo o STJ assim decidiu: “1. Os honorários por agravo de instrumento”, nos termos do art.
coisa julgada. SOARES, Carlos Henrique. Coisa advocatícios são obrigação financeira da parte 356, § 5º, do C PC/2015. ARRUDA ALVIM, idem,
julgada Constitucional, p. 90. Coimbra-Portugal. que litiga em juízo e é fixado pelo juiz apenas p. 934.
Almedina, 2009. quando há o encerramento do processo”. STJ- 37. Se a decisão interlocutória fosse agraciada
19. Ressalva-se aqui o caso da ação rescisória -REsp. 1.019.953-MG (2007/0309880-2), j. 05- com a coisa julgada, não poderia ser desfeita
prevista no art. 485, do CPC, 1973. 04-2011, DJe 12.4.2011, publicado na Revista na sentença final.
20. “Cuida-se de decisão interlocutória cujo Dialética de Direito Processual, v. 99, p. 211, de 38. “1. De acordo com o Tema 692 do STJ. ‘A
conteúdo pode ser enquadrado em qual- junho, de 2011. reforma da decisão que antecipa os efeitos da
quer das hipóteses dos incisos do art. 485 do 27. “2. Em se tratando de decisão interlocutó- tutela final obriga o autor da ação a devolver os
CPC/2015, sem que tenha o condão, porém, ria, tem-se, com a preclusão, a impossibilidade valores dos benefícios previdenciários ou assis-
de extinguir o processo, que prosseguirá em de discussão do tema no mesmo processo, mas tenciais recebidos...”, Revista Bonijuris, v. 683,
relação ao que não foi atingido pela decisão”, não em outro”. STJ- EDcl no REsp 729.705- p. 163, agosto/setembro, 2023.
ARRUDA AVIM, idem, 929. SP (2005/0033405-3) j. 15-10-2013, DJe. 39. 683025.“Reforma da decisão de tutela
21. “A coisa julgada material é incompatível 4.12.2013. RDDP v. 132, p. 239, março de 2014. antecipada obriga o autor da ação a devolver
com a cognição superficial de mérito. A decisão 28. Diferentemente, pensa MOURÃO, Luiz os valores dos benefícios”. TRF.4ª Região. RN.
proferida nessas condições não é apta a per- Eduardo Ribeiro, para quem decisões interlo- 5004093-78.2020.4.04.7013, 12ª Cciv. VU. Rel.
petuar-se: é provisória”. TALAMINI, Eduardo. cutórias também podem ser acobertadas pela Des. Luiz Antolnio Bonat. DJ. 09-06-2023.
CPC Anotado, p. 712. Coords. CRUZ E TUCCI coisa julgada. Coisa julgada, p. 279. ALMEIDA 40. “Além disso, as questões processuais de
e outros. Rio de Janeiro: GZ-Editora e AASP e JUNIOR, Jesualdo Eduardo. O controle da Coisa ordem pública (pressupostos processuais, con-
OAB-PR, 2016. Julgada Inconstitucional. p. 51. Porto Alegre-RS: dições da ação...) que o juiz pode decidir de
22. No Supremo Tribunal Federal, há julgado Sergio Antonio Fabris Editor – SAFE, 2006. ofício (CPC, arts, 337, §5º, e 485, §3º) podem
neste sentido: “RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 29. Equivocou-se o legislador ao falar que não ser reexaminadas, de ofício ou por provocação
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. RETENÇÃO. Con- produz efeito a sentença sujeita ao duplo grau da parte – desde que a decisão anterior não
soante dispõe o § 3º do art. 542 do Código de de jurisdição. A partir do momento em que ela tenha sido no sentido de extinguir o processo
Processo Civil, tratando-se de extraordinário in- é proferida, já começa a produzir efeitos. O seu ou fase cognitiva, hipótese em que se aplica
terposto contra decisão interlocutória, ou seja, registro e a sua publicação já são efeitos por o art. 494 do CPC”, TALAMINI, Eduardo. CPC
pronunciamento que não se mostra definitivo ela produzidos; a abertura da fase recursal e a Anotado, p. 721. Coords. CRUZ E TUCCI e ou-
– deixando, assim, de pôr termo ao processo, própria remessa oficial são outros efeitos oriun- tros. Rio de Janeiro: GZ-Editora e AASP e OAB-
com ou sem julgamento –, o recurso há de ficar do dela. Ainda mais, produz o efeito preclusivo, -PR, 2016.
retido, pouco importando a origem da decisão porque impede que o juiz a modifique em face 41. “1. De acordo com o Tema 692 do STJ. “A
proferida”. STF. AI-AgR 513.242-1; SP. Rel. Min. da preclusão consumativa (art. 494, do CPC). reforma da decisão que antecipa os efeitos da
Marco Aurélio; DJE 02/05/2008, p. 110. Revis- São tantos efeitos produzidos, mesmo estando tutela final obriga o autor da ação a devolver os
ta Magister de Direito Civil e Processo Civil, v. sujeita a remessa necessária. valores dos benefícios previdenciários ou assis-
24, p. 111. Porto Alegre: Magister, maio/junho, 30. “1. As matérias de ordem pública, ainda tenciais recebidos...”, Revista Bonijuris, v. 683,
2008. que desprovidas de prequestionamento, po- p. 163, agosto/setembro, 2023.
23. “A coisa julgada decorre de uma senten- dem ser analisadas excepcionalmente em sede 42. “Uma vez julgado o mérito do pedido de
ça proferida pelo Poder Judiciário, da qual não de recurso especial, cujo conhecimento se deu desconsideração, a sua rejeição ou acolhimen-
cabem mais recursos, tornando-se, por conse- por outros fundamentos, à luz do efeito trans- to fará coisa julgada material, mesmo que se
guinte, imutável. ALMEIDA JUNIOR, Jesualdo lativo dos recursos. Precedentes do STJ. REsp. trate de decisão interlocutória (art. 365, § 3º e
Eduardo. O controle da coisa julgada inconsti- 801.154/TO, DJ 21.05.2008; REsp. 911.520/SP, 502)”. OLIVEIRA NETO, Olavo e PRADO, Pedro

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 119


DECISÃO INTERLOCUTÓRIA E COISA JULGADA

Pierobon Costa do. O termo inicial da fraude 49. MONNERAT, Fábio Victor da Fonte. Influên- 53. SOUZA, Gelson Amaro de: Coisa julgada
à execução na desconsideração da personali- cia dos efeitos dos recursos no cabimento e de- e o efeito extensivo do recurso. Revista Magis-
dade jurídica, p. 601. In: Desconsideração da senvolvimento da execução provisória. REPRO, ter de Direito Civil e Processual Civil, v. 64, pp:
personalidade jurídica: Aspectos Materiais e v. 165, p. 85. São Paulo: RT, novembro, 2008. 73:84. Porto Alegre-RS: jan/fev, 2015 e Revista
Processuais/coord. Marcelo Abelha Rodrigues. 50. “A respeito, é salutar a lição de JOSÉ MA- Jurídica-Lex, v. 72. São Paulo: Lex Editora, no-
Indaiatuba-SP. Editora Foco, 2023. RIA TESHEINER: “Decisões interlocutórias su- vembro/dezembro, 2014.
43. “Por mérito considera-se o objeto litigioso, jeitam-se à preclusão. A sentença produz coisa 54. “Reconhecimento da prescrição retroativa.
que diz respeito ao pedido (questão principal)”, julgada formal e, eventualmente, também coisa Pena em concreto. Súmula n. 146 do STF, Ex-
MEDINA, José Miguel Garcia. CPC Comentado, julgada material [...]. As decisões proferidas no tinção da punibilidade, art. 110 c/c art. 109, §§
cit., p. 630. curso do processo (interlocutorial), quer atinen- 11º e 2º do Código Penal. Apelações providas.
44. “A estabilidade diz respeito, como antes tes ao mérito, quer atinentes às questões pro- Extensão dos efeitos dos recursos previstos no
observamos, apenas aos efeitos antecipatórios cessuais, não fazem coisa julgada, nem mesmo art. 580 do CPP ao réu não apelante”. TRF-5ª
e é apenas isto que não se pode mais discutir”. no sentido formal. Em relação às decisões inter- R. Ap. 8108 (0000790-88-2005.4.05.8000). 3ª T.
MEDINA, José Miguel Garcia. CPC comentado, locutórias o que se produz é a preclusão, que DJe 20.09.2011. Rep. Jur. IOB, nº 19/2011, v. III,
cit., p. 429. as torna imutáveis no mesmo processo em que p. 639, 1a quinzena de outubro de 2011.
45. “Como se observou retro, a decisão que foram proferidas’ (Eficácia da sentença e coisa 55. Parece que essa referência a trânsito
concede a tutela antecipada em caráter antece- julgada no processo civil. São Paulo: Revista dos em julgado está voltada para a sentença que
dente, ainda que se torne estável, não faz coi- Tribunais, 2001, pp. 68-69). Colocada a contro- eventualmente já passou em julgado e não à
sa julgada material” “... Esta, por assim, dizer, vérsia sob a ótica da preclusão, tem-se que a decisão interlocutória que antecipou parte do
‘maior estabilidade’ da decisão, caso não ajui- impossibilidade de discussão do tema restrin- julgamento.
zada a referida ação em dois anos, não conduz ge-se ao mesmo processo, mas não a outro”. 56. “No caso, a decisão proferida no recurso
a que tal pronunciamento faça coisa julgada”. STJ- EDcl no REsp 729.705-SP (2005/0033405- que apenas um ou alguns dos devedores inter-
MEDINA, José Miguel Garcia, CPC Comentado, 3) j. 15-10-2013, DJe. 4.12.2013. puseram estende-se aos que não recorreram
cit., p. 429. 51. “1. As matérias de ordem pública, ain- porque resolvida ficará, no juízo ad quem, ques-
46. Veja neste sentido: SOUZA, Gelson Amaro da que desprovidas de prequestionamento, tão que é idêntica, por seu conteúdo, em rela-
de: Coisa julgada – Impossibilidade de ser por podem ser analisadas excepcionalmente em ção a todos os devedores”. FREDERICO MAR-
partes. Revista Magister de Direito Civil e Pro- sede de recurso especial, cujo conhecimento QUES, José. Instituições de direito processual
cessual Civil, v. 46, Revista Jurídica-Lex, v. 55; se deu por outros fundamentos, à luz do efei- civil, v. IV, p. 79. Campinas: Millennium, 2000.
Revista Bonijuris, n. 582. to translativo dos recursos”. Precedentes do 57. “Uma vez julgado o mérito do pedido de
47. “A imutabilidade da decisão está condicio- STJ: REsp 801.154/TO, DJ. 21.05.2008; REsp desconsideração, a sua rejeição ou acolhimento
nada ao trânsito em julgado que obviamente 911.520/SP, DJ. 30.04.2008; REsp 869.534/ fará coisa julgada material, mesmo que se trate
pressupõe julgamento dos demais pedidos, pois SP, DJ 10.12.2007; REsp 660.519/CE, DJ. de decisão interlocutória (art. 365, § 3º e 502)”.
conforme será demonstrado no capítulo se- 07.11.2005. Edcl no AgRg no REsp 1.043.561- OLIVEIRA NETO, Olavo; PRADO, Pedro Pierobon
guinte é incorreto falar em trânsito em julgado RO (2008/0064147-3). Rel. Min. Francisco Fal- Costa do. O termo inicial da fraude à execução
parcial no regime jurídico pátrio ante a sempre cão. RDDP, v. 98, p. 134, maio, 2011. na desconsideração da personalidade jurídica,
presente possibilidade de reconhecimento de 52. RIOS GONÇALVES, Marcus Vinicius, ao p. 601. In: Desconsideração da personalidade
questões de ordem pública a qualquer tempo tratar do efeito translativo assevera: “Consiste jurídica: Aspectos materiais e processuais/co-
que, uma vez reconhecidas, prejudicam todo o na possibilidade de o tribunal conhecer de ma- ord. Marcelo Abelha Rodrigues. Indaiatuba-SP:
processo”. FREDERICO MARQUES, José. Insti- térias de ordem pública, que não sejam objeto Editora Foco, 2023.
tuições de Direito Processual Civil, v. IV, p. 79. do recurso, nem tenham sido examinadas pela 58. “683.035. Reforma da decisão de tutela
Campinas: Millennium, 2000. primeira instância. Não se confunde com o efei- antecipada obriga o autor da ação a devolver
48. Veja neste sentido: SOUZA, Gelson Amaro to devolutivo, que restitui ao tribunal o exame os valores dos benefícios previdenciários. An-
de: Coisa julgada – Impossibilidade de ser por daquilo que foi objeto do recurso”. RIOS GON- tecipação de tutela posteriormente revogada.
partes. Revista Magister de Direito Civil e Pro- ÇALVES, Marcus Vinicius. Novo curso de direito Devolução de valores ao erário. Tema 692 do
cessual Civil, v. 46, Revista Jurídica-Lex, v. 55; processual civil, v. 2, p. 88. São Paulo: Saraiva, STJ”. Revista Bonijuris, v. 683, p. 163, de ago./
Revista Bonijuris, n. 582. 4ª ed. 2008. set. 2023.

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Forense, 2003. Brasil. In: RODRIGUES, Marcelo Abelha (coord.). Desconsideração da
FERREIRA FILHO, Manoel Caetano. Comentários ao CPC. v. 7. São Paulo: personalidade jurídica: aspectos materiais e processuais. Indaiatuba-
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FREDERICO MARQUES, José. Instituições de direito processual civil. v. IV. ______. Acerca da lei, da norma e do direito. Revista Bonijuris, ano 33,
Campinas: Millennium, 2000. vol. 671, pp. 48:65. Curitiba-PR: Bonijuris, ago./set. 2021.
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Tribunais, 8. ed., 2021. 83, pp. 75:98. Caxias do Sul-RS: set. 2018.
______. ARAÚJO, Fábio Caldas de. Código Civil comentado. São Paulo: ______. Acesso à justiça e o direito e o direito defesa no CPC/2015 –
Revista dos Tribunais, 5. ed. 2022. Direitos fundamentais contrapostos. Revista Plenujuris, v. 82, pp.
MONNERAT, Fábio Victor da Fonte. Influência dos efeitos dos recursos no 101:126. Julho 2018. ISSN 1807-6017.
cabimento e desenvolvimento da execução provisória. REPRO, v. 165. ______. Cumprimento de sentença – Natureza Jurídica. Rev. Lex-Magis-
São Paulo: RT, novembro, 2008. ter, v. 84, pp. 26:48, maio/jun. 2018.
MOURÃO, Luiz Eduardo Ribeiro. Coisa julgada. ______. Coisa julgada e o efeito extensivo do recurso. Revista Magister
OLIVEIRA NETO, Olavo; PRADO, Pedro Pierobon Costa do. O termo inicial de Direito Civil e Processual Civil, v. 64, pp: 73:84. Porto Alegre-RS.
da fraude à execução na desconsideração da personalidade jurídica, jan./fev. 2015.
p. 601. In: RODRIGUES, Marcelo Abelha (coord.). Desconsideração da

120 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


Gelson Amaro de Souza DOUTRINA JURÍDICA

______. Sentença – Em busca de uma definição (Coautoria com Gelson TALAMINI, Eduardo. CPC Anotado. Rio de Janeiro: GZ-Editora e AASP e
Amaro de Souza Filho), Repertório IOB, v. III, nº 5, 2009. 1ª quinzena, OAB-PR, 2016.
mar. 2009; Revista Jurídica, v. 376, pp. 19:42. Porto Alegre-RS, fev. TESHEINER, José Maria. Eficácia da sentença e coisa julgada no processo
2009. civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, pp. 68-69.

FICHA TÉCNICA // Revista Bonijuris


Título original: Decisão interlocutória e coisa julgada: incompatibilidade. Title: Interlocutory decision
and res judicata: incompatibility. Autor: Gelson Amaro de Souza. Doutor em Direito Processual Civil
pela puc/sp. Membro do Instituto Panamericano de Derecho Procesal. Laureado com a Comenda Lucia-
no Pinheiro de Souza do I Congresso de Direito Internacional de Direito Processual Civil. Professor por
concurso para os cursos de graduação e pós-graduação strito sensu (mestrado e doutorado) em direito
da Universidade Estadual do Norte do Paraná – uenp (Campus de Jacarezinho). Ex-diretor e professor
da Faculdade de Direito da Associação Educacional Toledo – aet de Presidente Prudente – sp. Procura-
dor do Estado (aposentado) e advogado em Presidente Prudente – sp. Resumo: Durante o tramitar do
processo, várias decisões podem ser proferidas, como as interlocutórias de ofício ou a pedido da parte
sem encerrar o processo, e que não pode ser considerada decisão de mérito e nem faz coisa julgada; e
interlocutória que decide o mérito de questão secundária sem ser alcançada pela coisa julgada. A deci-
são de mérito vocacionada a ser objeto de coisa julgada somente pode ser a decisão a final que encerra
o processo e, mesmo assim, limitada ao pedido principal feito pela parte (cpc, art. 492). A coisa julgada
é própria da decisão do pedido principal, por meio de sentença ou acórdão que encerra o processo. Pa-
lavras-chave: decisão interlocutória; extinção do processo sem apreciar o mérito; julgamento
final; coisa julgada. Abstract: During the course of the process, several decisions may be made, such
as interlocutory decisions or at the request of the party without closing the process, and which cannot be
considered a decision on the merits and does not constitute res judicata; and interlocutory that decides
the merits of a secondary issue without being reached by res judicata. The decision on the merits inten-
ded to be the subject of res judicata can only be the final decision that closes the process and, even then,
limited to the main request made by the party (Civil Procedure Code, article. 492). The res judicata is the
decision of the main request, through a sentence or ruling that closes the process. Keywords: interlo-
cutory decision; termination of the process without appreciating the merits; final judgment;
thing judged. Data de recebimento: 12.09.2023. Data de aprovação: 28.11.2023. Fonte: Revista Bonijuris,
vol. 36, n. 1 – #686 – fev./mar., págs 102-121. Editor: Luiz Fernando de Queiroz, Ed. Bonijuris, Curitiba, pr, Bra-
sil, issn 1809-3256 (juridico@bonijuris.com.br).

A BONIJ
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BONIJURIS
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RIS I ANO
ANO 36
AN 36 I ED
EDIÇÃO
O 686 I FEV/MAR
686 FEV
V/MA
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2024
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DOUTRINA JURÍDICA

Jairo Monteiro Dias Filho ADVOGADO

ANÁLISE DA CRISE DA
HERMENÊUTICA JURÍDICA
A IDEIA DE QUE A INTERPRETAÇÃO DE TEXTOS LEGAIS É UMA
SIMPLES TÉCNICA ESTÁ ULTRAPASSADA. É PRECISO CONSIDERAR
TAMBÉM AS EXPECTATIVAS NORMATIVAS QUE ELA ENSEJA

N
ão há o que se falar em hermenêutica irmão e, depois de alguns argumentos, acabou
sem contextualização histórica. Afinal, aceitando uma oferta de Hermes para receber
o que quer dizer hermenêutica? “Her- uma lira em troca do rebanho.
menêutica significa, tradicionalmente, A conexão entre Hermes e hermenêutica
teoria ou arte da interpretação e com- está na etimologia da palavra “hermeneutikē”,
preensão de textos, cujo objetivo precípuo con- que significa “interpretação”.
siste em descrever como se dá o processo inter- Para elucidar a crise hermenêutica jurídica,
pretativo-compreensivo” (Streck, 2014, p. 261). como fenômeno que se refere à dificuldade em
Numa primeira óptica, quando se discorre interpretar e compreender os textos da lei, nas
sobre hermenêutica, isso traz à tona o Hermes suas complexidades e ambiguidades, muitos es-
da mitologia grega, o deus mais conhecido en- tudiosos propõem uma abordagem mais crítica
tre os presentes no Olimpo. Sendo considerado e reflexiva na interpretação do direito, em que
o deus das viagens, comunicação e astúcia, ele o intérprete deve levar em conta não apenas as
é filho de Zeus, o rei dos deuses, e de Maia, uma palavras da lei, mas também os valores e princí-
das Plêiades, as sete filhas de Atlas e Pleione. pios subjacentes.
Desde jovem, Hermes demonstrava uma ha- Para tanto, primordialmente será enfatizada
bilidade especial para a comunicação e a arti- a eficácia das normas jurídicas, com base nas
manha. Quando ainda era uma criança, ele fur- discussões de Martin Heidegger, Hans Kelsen
tou o rebanho de gado de seu irmão Apolo, que e de Hans-Georg Gadamer; e por fim, preten-
era um deus muito orgulhoso de seus animais. de-se clarificar, por Lenio Luiz Streck, na fun-
Para não ser pego, Hermes amarrou sandálias damentação da obra Hermenêutica e(m) Crise,
aos cascos dos animais e os levou para pastar a posição que se expecta para gerar reflexões,
em uma direção oposta à que haviam sido le- sobretudo sobre a ruptura dos paradigmas e as
vados. Quando Apolo descobriu o furto ficou consequências que um modelo vigente estati-
furioso e foi confrontar Hermes, mas acabou zado de interpretação gera nos operadores do
ficando impressionado com a sagacidade do direito.

122 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


Jairo Monteiro Dias Filho DOUTRINA JURÍDICA

A LINDB também apresenta regras para aplicação de normas


jurídicas em situaçõesbespecícas, como no caso de conito,
de lacunas legais e de aplicação retroativa de leis

1. HERMENÊUTICA COMO UM MÉTODO porque consciente da legalidade específica do


ESTATIZADO DO DIREITO seu objeto”. No capítulo III da mesma obra ele
Tratar de hermenêutica é destacar o papel da esclarece:
lindb (Lei de Introdução às Normas do Direi- Na afirmação evidente de que o objeto da ciência
to Brasileiro), que é considerada uma norma de jurídica é o Direito, está contida a afirmação – me-
nos evidente – de que são as normas jurídicas o
direito processual, pois estabelece regras para a objeto da ciência jurídica, e a conduta humana só
aplicação das normas jurídicas no Brasil. o é na medida em que é determinada nas normas
A lindb é tratada como lei fundamental para jurídicas como pressuposto ou consequência, ou –
por outras palavras – na medida em que constitui
o sistema jurídico brasileiro, pois ela define conteúdo de normas jurídicas (2012, p. 79).
princípios que devem ser aplicados na interpre-
tação das leis e na solução de conflitos. Esses Na concepção realista, a teoria pura do direi-
princípios incluem, por exemplo, a segurança to é uma teoria normativa. Ou seja, ela se con-
jurídica, a proteção da confiança, a boa-fé, a efe- centra na descrição das normas jurídicas, mas
tividade das normas, entre outros. não oferece uma análise completa da natureza
O principal é que a lindb também apresenta do direito em si. Nesse sentido, não oferece uma
regras para aplicação de normas jurídicas em explicação adequada para a origem das normas
situações específicas, como no caso de conflito jurídicas, nem para a relação entre o direito e
de leis, de lacunas legais e de aplicação retroa- a moralidade, tornando-se meramente estática.
tiva de leis, sendo uma importante ferramenta Não obstante, sendo uma teoria abstrata e
para a interpretação e a pacificação de conflitos formalista, que se concentra em aspectos pura-
no sistema jurídico brasileiro. mente lógicos e formais das normas jurídicas,
Kelsen, por volta de maio de 1934, escreve, no ela não atinge questões relevantes, como justi-
prefácio da primeira edição de Teoria Pura do ça ou a equidade. Nesse aspecto, essa aborda-
Direito, que “há mais de duas décadas que em- gem pode levar a decisões jurídicas injustas ou
preendi desenvolver uma teoria jurídica pura, imorais. Isto é, tratar Kelsen como parâmetro
isto é, purificada de toda a ideologia política e envolvendo a hermenêutica é mover um certo
de todos os elementos da ciência natural, uma distanciamento de tudo aquilo que o direito diz
teoria jurídica consciente da sua especificidade prezar, porque o “direito estático”, que é atribuí-

TA BO
REVISTA
REVIST
ST BONIJ
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ANÁLISE DA CRISE DA HERMENÊUTICA JURÍDICA

A analogia é um critério subjetivo e pode levar a decisões pouco


claras e difíceis de serembcompreendidas. Isso pode gerar confusão
e dicultar a aplicação da lei em casos futuros

do às teorias kelsenianas, é justamente o con- têm suas limitações e problemas. Algumas das
junto de normas e princípios que estabelecem a críticas mais comuns são as seguintes:
estrutura e organização do sistema jurídico de 1. Insegurança jurídica: a utilização da ana-
um país, sem levar em consideração as mudan- logia pode gerar insegurança jurídica, pois per-
ças e transformações sociais que possam ocor- mite que o juiz decida casos com base em prece-
rer no decorrer do tempo. dentes que não são diretamente aplicáveis. Isso
E, não desprezando a sua contribuição sig- pode levar a decisões contraditórias e dificultar
nificativa para o direito, a realidade do direito a previsibilidade das decisões judiciais.
dinâmico enfatiza a importância da flexibili- 2. Falta de democracia: a analogia pode ser
dade e da capacidade de adaptação do sistema usada para perpetuar o statu quo, uma vez que
jurídico para lidar com as mudanças em curso o juiz pode se basear em precedentes que re-
na sociedade. Nesse contexto, é reconhecido fletem a visão de mundo de grupos dominan-
que as leis e normas devem ser interpretadas tes e poderosos. Isso pode dificultar a criação
de maneira ampla e flexível para garantir que o de jurisprudência que reflita os interesses e as
direito possa atender às necessidades e expec- necessidades das minorias e dos grupos menos
tativas da sociedade em constante mudança. favorecidos ou vulneráveis.
Assim, tem-se o objetivo de evitar todo o 3. Falta de clareza: a analogia é um critério
solipsismo, que é uma doutrina filosófica que subjetivo e pode levar a decisões pouco claras
reduz toda a realidade ao sujeito pensante, se- e difíceis de serem compreendidas. Isso pode
gundo a qual só existem, efetivamente, o eu e gerar confusão e dificultar a aplicação da lei em
suas sensações, sendo os outros entes (seres casos futuros.
humanos e objetos), como participantes da úni- 4. Abuso de poder: a analogia pode ser usa-
ca mente pensante, meras impressões sem exis- da como um pretexto para que o juiz tome de-
tência própria (embora frequentemente consi- cisões arbitrárias e sem fundamentação legal
derada uma possibilidade intelectual), a única adequada. Isso pode abrir espaço para abusos
realidade no mundo é o eu. de poder e para a violação dos direitos funda-
Essa abordagem de movimento constante ao mentais.
atendimento da realidade pode ser vista como Assim, o que se expõe não é, simplesmente,
uma resposta à crescente complexidade das que só exista esse método de critério absoluto
questões jurídicas e ao reconhecimento de que as e exclusivo, e sim que se manifesta um certo
leis e normas estáticas muitas vezes não conse- retrocesso ao chamado da incompreensão da
guem acompanhar as mudanças rápidas e cons- melhor interpretação e eficácia da norma.
tantes em muitos aspectos da vida moderna. Existem vários casos em que a falta de in-
A lindb, em seu art. 4º, dispõe que “quando terpretação adequada da norma jurídica pode
a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo levar a resultados indesejáveis ou injustos. Al-
com a analogia, os costumes e os princípios ge- guns exemplos incluem os seguintes.
rais do direito”. Na interpretação literal – quando a norma é
Essa norma tem sido objeto de críticas, prin- interpretada literalmente, sem levar em consi-
cipalmente no que diz respeito ao uso da analo- deração o contexto, podem acontecer resulta-
gia como um critério para a tomada de decisões dos absurdos ou incompatíveis com o propósi-
judiciais que se amplificam, também, nos mé- to da lei (por exemplo, a interpretação literal de
todos hermenêuticos jurídicos, que podem ser uma lei que proíba o uso de veículos em uma
úteis para interpretar o direito, mas também determinada área pode resultar em uma proi-

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ANÁLISE DA CRISE DA HERMENÊUTICA JURÍDICA

Na ignorância da intenção do legislador — quando a interpretação da norma


não leva em consideração a intenção do legislador ou a nalidade da lei,
pode haver resultados que não correspondam ao que foi pretendido

bição de bicicletas e carrinhos de bebê, que não A crise hermenêutica jurídica no Brasil é
são veículos motorizados). uma complexa questão que envolve a clareza e
Na ignorância da intenção do legislador – objetividade das leis, a uniformidade na inter-
quando a interpretação da norma não leva pretação pelos tribunais e juízes, e a necessida-
em consideração a intenção do legislador ou de de uma abordagem objetiva e imparcial na
a finalidade da lei, pode haver resultados que interpretação das normas jurídicas.
não correspondam ao que foi pretendido (por Um dos principais problemas da herme-
exemplo, uma lei que vise a proteger os consu- nêutica jurídica é a multiplicidade de inter-
midores pode ser interpretada de forma a limi- pretações possíveis. Diferentes juristas podem
tar os direitos dos mesmos). chegar a conclusões distintas a respeito do sig-
No caso da interpretação seletiva – quando nificado de uma norma, levando a decisões con-
a norma é interpretada seletivamente, levando flitantes nos tribunais. Isso ocorre porque as
em consideração apenas parte da lei e ignoran- normas jurídicas não são dotadas de significa-
do outras partes, podem acontecer resultados dos objetivos, mas dependem da interpretação
desiguais e injustos (por exemplo, uma lei que dos aplicadores do direito.
imponha multas a empresas que violem a le- Além disso, a hermenêutica jurídica enfren-
gislação ambiental pode ser interpretada de ta o desafio de lidar com a evolução da socieda-
forma a aplicar sanções apenas a empresas de de e das relações humanas. As normas jurídicas
pequeno porte, deixando de punir empresas muitas vezes são criadas em contextos históri-
maiores que cometam as mesmas violações). cos específicos e podem se tornar obsoletas ou
Finalmente, quanto à ambiguidade – quando inadequadas com o passar do tempo. Isso exige
a norma é ambígua ou vaga, podem ocorrer dife- uma interpretação mais flexível e adaptável,
rentes interpretações e resultados diferentes (por capaz de levar em conta as mudanças sociais e
exemplo, uma lei que proíba a “exploração comer- culturais.
cial de atividades culturais” pode ser interpretada Ademais, deve-se considerar outro problema
de várias maneiras, dependendo da definição de da hermenêutica jurídica, que é o da possibilida-
“exploração comercial” e “atividades culturais”). de de manipulação ideológica. Pois, a interpre-
Esses são apenas alguns exemplos de como tação das normas jurídicas pode ser influencia-
a falta de interpretação adequada da norma da por visões de mundo e valores pessoais dos
jurídica pode levar a resultados indesejáveis ou aplicadores do direito, levando a decisões que
injustos. refletem interesses políticos ou ideológicos. Isso
Uma das principais causas dessa crise é a pode resultar em decisões injustas ou que vão
grande quantidade de leis e normas existentes contra os princípios fundamentais do direito.
no Brasil, muitas vezes conflitantes e de difícil Assim, o que se tem, hoje, no Brasil, é um di-
compreensão. Além disso, a falta de uniformi- reito normativista preso aos antigos problemas
dade na interpretação das leis pelos tribunais ligados à discricionariedade, os quais, por vezes,
e juízes, também, contribui para a crise herme- colocam de lado os limites semânticos do texto
nêutica. e acabam em decisionismos e arbitrariedades,
Outro fator que agrava essa crise é a tendên- tanto que perturbam a Constituição. Em razão
cia de alguns intérpretes do direito de adota- disso, o contexto contemporâneo revela um ins-
rem posições ideológicas ou políticas na inter- trumentalismo constitucional dependente do
pretação das leis, em vez de se concentrar na Judiciário, a fim de garantir o cumprimento da
análise objetiva do texto legal. Constituição (Tassinari, 2012).

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Jairo Monteiro Dias Filho DOUTRINA JURÍDICA

Os princípios gerais do direito são funda-


mentais para a compreensão e aplicação do
direito em uma sociedade. No entanto, eles po-
dem apresentar alguns problemas, tornando-se
cada vez mais estatizados, sendo, assim, neces-

TRANQUILIDADE
sárias analogias ou ponderações.

NO CONDOMÍNIO.
2. A VIRADA HERMENÊUTICA
A virada hermenêutica jurídica é um movimen-

GARANTIDA
to intelectual que teve início na década de 1970

TOTALIZE.
e que buscava uma interpretação mais crítica
e contextualizada do direito, rejeitando a con-
cepção tradicional de que a linguagem é apenas
um meio para transmitir significados fixos e ob-
jetivos. Assim, essa abordagem enfatizou a im-
portância da interpretação e da compreensão
subjetiva na criação de significado. A “virada” re-
presenta uma mudança de paradigma, na forma
como o direito é interpretado e aplicado, e parte
do princípio de que não existem significados ob-
jetivos e universais nas leis, ou seja, a interpreta-
ção depende da perspectiva de quem a faz.
O movimento da virada hermenêutica busca Seu condomínio
incluir na interpretação do direito fatores como em dia com todos
a história, a cultura, a política e a subjetividade,
em contraposição a uma interpretação mera- os compromissos
mente técnica e formalista. A ideia é a de que
o direito deve ser entendido como parte inte-
financeiros e com
grante da sociedade e das relações humanas e 100% da receita
que a sua interpretação leve em conta os con-
textos em que é aplicado. garantida.
Ernildo Stein explica a virada hermenêutica:
Gadamer nos deu, com sua hermenêutica filosófica,
uma lição nova e definitiva; uma coisa é estabelecer
uma práxis de interpretação opaca como princípios,
e outra coisa bem diferente é inserir a interpretação
num contexto – ou de caráter existencial, ou com as
características do acontecer da tradição na história
do ser – em que interpretar permite ser compreendi-
do progressivamente como uma autocompreensão
de quem interpreta. E, de outro lado, a hermenêuti-
ca filosófica nos ensina que o ser não pode ser com-
preendido em sua totalidade, não podendo, assim,
haver uma pretensão de totalidade da interpretação.

Para Gadamer, a virada hermenêutica repre-


senta um novo entendimento sobre a natureza 41 3244-5622
da linguagem e da interpretação, pois, em vez 41 98497-6434
R. Silveira Peixoto, 1040
de a linguagem ser apenas um meio para trans- Curitiba | Paraná
mitir significado, ela é fundamentalmente uma
totalizecondominios.com.br
forma de compreensão, e a interpretação é uma
atividade fundamental da experiência huma-

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ANÁLISE DA CRISE DA HERMENÊUTICA JURÍDICA

Heidegger diz que a verdade é uma questão de interpretação. Nossa


compreensão do mundo é moldada pela linguagem que usamos para
descrevê-lo e pela maneira como interpretamos nossas experiências

na. Dessa maneira, a interpretação não é uma Pois o pensamento não é nem reflexão nem intelec-
atividade objetiva e neutra, mas influenciada tualismo, mas a essência do ser humano.
pelas experiências, valores e preconceitos do
A virada hermenêutica, portanto, representa
intérprete. Também defendeu que a compreen-
uma mudança na forma como a filosofia abor-
são só pode ser alcançada através da fusão dos
da a questão da verdade e da interpretação.
horizontes do intérprete e do objeto interpreta-
Em vez de buscar a verdade objetiva, através
do, em que o intérprete se coloca no lugar desse
da razão e da observação empírica, Heidegger
objeto para compreendê-lo melhor.
argumenta que a verdade é uma questão de in-
Assim, para Gadamer, a virada hermenêuti-
terpretação. Nossa compreensão do mundo é
ca representa uma mudança fundamental na
moldada pela linguagem que usamos para des-
forma como compreendemos a natureza da lin-
crevê-lo e pela maneira como interpretamos
guagem, da interpretação e da compreensão hu-
nossas experiências.
mana, acentuando o papel da subjetividade e da
William Shakespeare já afirmava, em sua
fusão de horizontes na criação de significado.
obra Hamlet, que:
Lenio (2014, p. 365) explicita que a tradição,
Ser ou não ser, eis a questão: / será mais nobre su-
para Gadamer: portar na mente / as flechadas da trágica fortuna /
não é algo que subjuga nossa mente, mas algo ou pegar em armas contra um mar de angústia / e,
trazido à luz por nós mesmos que participamos do combatendo-o, dar-lhe fim? (SHAKESPEARE, 2008, p.
acontecer da tradição e continuamos determinan- 61).
do-a desde nós mesmos. Esse “vir a nós” – que é
histórico – somente é possível pela linguagem, na
qual eu e o mundo estamos “fundidos em unidade
No trecho transcrito, é possível verificar que
originária”. “ser ou não ser” pode representar a escolha en-
tre agir de forma ética e correta ou violar os
A virada hermenêutica é um dos conceitos princípios éticos em prol de interesses pessoais
centrais na obra do filósofo Martin Heidegger, ou profissionais. Em outras palavras, trata-se
que se refere a uma mudança fundamental na de uma reflexão sobre a integridade e a respon-
compreensão da natureza da filosofia e da ma- sabilidade do profissional do direito perante a
neira como interpretamos o mundo. sociedade. No campo do direito, pode ser inter-
Heidegger argumenta que a tradição filo- pretada como uma reflexão sobre a ética, a res-
sófica ocidental, desde os gregos antigos até a ponsabilidade e a avaliação dos riscos envolvi-
filosofia moderna, sublinhou a ideia de que a dos em determinadas decisões e situações.
verdade pode ser descoberta por meio da razão Assim, a virada hermenêutica envolve uma
e da investigação empírica. No entanto, Heide- mudança do enfoque de descobrir a verdade
gger acredita que essa abordagem objetivista e objetiva para, então, compreender as diferentes
científica falha em reconhecer a maneira pela interpretações do mundo que surgem de dife-
qual nossa compreensão do mundo é moldada rentes culturas, tradições e linguagens. Em vez
por nossas experiências prévias, nossas cren- de ver a filosofia como uma ciência objetiva,
ças e nossa cultura. Segundo Heidegger (2001, p. Heidegger a vê como uma forma de pensar que
23), “a filosofia é o pensar do ser”. busca compreender a condição humana e nos-
E, ainda mais, é solidificado esse pensamento, sa relação com o mundo que nos cerca.
por Heidegger (2012, p. 45), quando afirma que: A linguagem para a virada hermenêutica se
O ser do ente, de que falamos, não é um simples refere a um conjunto de conceitos, teorias e prá-
conceito; é uma questão que nos desafia a pensar.
E, justamente, pensar é o que falta mais a nós hoje.
ticas que surgiram a partir da obra de Martin
Heidegger e Hans-Georg Gadamer, entre outros

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Jairo Monteiro Dias Filho DOUTRINA JURÍDICA

filósofos do século 20, que propuseram uma nova pretação da lei pode variar de acordo com o con-
compreensão da linguagem e da interpretação. texto e os valores culturais e políticos em jogo.
Segundo essa abordagem, a linguagem não A subsunção da lei é o processo pelo qual um
é vista apenas como um meio de comunicação fato é subsumido, ou seja, incluído dentro de
objetivo, mas como uma forma de expressão uma norma jurídica, de modo a determinar se
que molda nossa compreensão do mundo e da houve ou não uma violação da lei. Embora esse
realidade. Assim, a interpretação não é somen- processo possa ser considerado um elemento
te um processo de decodificação de significados central da aplicação do direito, ele também pode
preexistentes, mas um diálogo entre o intérpre- apresentar problemáticas. Uma das principais é
te e o texto, que envolve a compreensão mútua a de que ela depende de uma interpretação pre-
e a construção de novos sentidos. cisa da norma jurídica em questão. O significa-
A virada hermenêutica propõe, então, uma do exato de uma lei pode ser ambíguo ou vago, o
visão mais ampla e complexa da linguagem e que pode levar a diferentes interpretações. Isso
da interpretação, que leva em conta o contexto pode resultar em decisões judiciais divergentes
histórico, cultural e social em que ocorrem. Ela e prejudicar a segurança jurídica, pois não have-
questiona a ideia de que há uma única verdade ria previsibilidade sobre como a lei seria inter-
ou sentido objetivo que pode ser extraído dos pretada e aplicada em situações semelhantes.
textos e valoriza a pluralidade de perspectivas Além disso, a subsunção da lei pode resultar
e interpretações que surgem a partir da intera- em decisões que não levam em consideração as
ção entre o texto e o intérprete. particularidades do caso concreto. A aplicação
Isto é, o problema no exemplo da subsunção rigorosa da lei pode acarretar resultados injus-
da lei, como questão fundamental na filosofia tos ou desproporcionais em situações específi-
do direito e na teoria do raciocínio jurídico, é cas. Por exemplo, a aplicação estrita da lei penal
algo totalmente ultrapassado, sendo a subsun- em casos de tráfico de drogas pode resultar em
ção o processo pelo qual um juiz aplica uma penas desproporcionais para réus de baixo es-
norma jurídica a um conjunto de fatos, em um calão, enquanto traficantes de maior hierarquia
caso específico. Isso envolve a análise cuidadosa recebem penas mais leves.
da lei e dos fatos relevantes do caso, a fim de de- Por fim, a subsunção da lei também pode
terminar se a lei se aplica aos fatos em questão. levar a uma falta de adaptação às mudanças
O problema da subsunção surge porque nem sociais e tecnológicas. As leis muitas vezes são
sempre é fácil determinar se uma certa conduta criadas em resposta a situações específicas que
se enquadra exatamente à lei. Muitas vezes, os fa- podem não mais ser relevantes no contexto
tos, em um caso, são complexos e ambíguos e a lei atual. Isso pode resultar em interpretações rígi-
pode ser vaga ou imprecisa. Além disso, a inter- das e desatualizadas da lei, que não consideram

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ANÁLISE DA CRISE DA HERMENÊUTICA JURÍDICA

[A hermenêutica] deve ser aplicada tanto na interpretação das normas jurídicas


como em outras áreas do conhecimento. Se amplia aos diálogos das fontes
e não se limita somente ao campo meramente estático e engessado

as mudanças sociais e tecnológicas que ocorre- Assim, a claridade hermenêutica é um requi-


ram desde a sua criação. sito essencial para garantir a justiça e a seguran-
Em suma, embora consideradas a subsunção ça jurídica em uma sociedade democrática. Para
e a virada hermenêutica, um elemento funda- ele, o objetivo da interpretação jurídica não é
mental da aplicação do direito é o ato de atribuir buscar a verdade única e objetiva, mas sim criar
maior eficácia nas suas devidas proporções. um ambiente de diálogo e debate em que as di-
ferentes interpretações possam ser discutidas
3. A HERMENÊUTICA E (DES)OCULTAR e avaliadas de forma transparente e coerente.
NOVOS CAMINHOS Além disso, existe a crítica à visão reducionista
A hermenêutica jurídica levou Hans-Georg da hermenêutica, como uma simples técnica de
Gadamer a fazer críticas ao processo de inter- interpretação de textos legais, argumentando
pretação clássico, que deslinda a interpretação que ela deva ser entendida como uma ativida-
como sendo uma operação realizada em partes, de mais ampla, que envolve a compreensão do
isto é, primeiro se compreende, depois se inter- mundo e da realidade que nos cerca. Ele susten-
preta, para, então, aplicar (Streck, 2010). ta que a hermenêutica deve levar em conta não
Gadamer entende ser impossível essa divi- apenas o texto da norma jurídica, mas, também,
são no processo interpretativo, uma vez que o o contexto em que ela foi produzida e as expec-
intérprete sempre atribui sentido às coisas, o tativas dos destinatários da norma.
que faz com que ele, no modelo interpretativo
dividido em partes, não consiga extrair do tex- CONSIDERAÇÕES FINAIS
to algo que este possui em si mesmo (Gadamer, A hermenêutica jurídica é um campo de estudo
1990). essencial para a compreensão e aplicação do di-
Lenio (2014, p. 344), ainda, menciona que “tal reito. Trata-se de uma disciplina que se ocupa
modo de produção é, ao mesmo tempo, insti- da interpretação e compreensão das normas
tuinte e instituído de e por um dado campo jurídicas, buscando entender o sentido e o al-
jurídico, que sustenta as práticas dogmáticas- cance do texto legal.
-jurídicas que não permitem a realização dos A hermenêutica é uma disciplina fundamen-
direitos sociais e fundamentais”. tal para o estudo e aplicação do direito, pois é
O que Lenio propõe é uma hermenêutica ex- por meio dela que se busca captar o sentido e o
perimental, real e compreensível para a norma- alcance das normas jurídicas.
tização social. Assim sendo, há “a abertura para Através da hermenêutica jurídica, é possível
a claridade”, como um princípio fundamental da estabelecer critérios objetivos para a interpreta-
interpretação jurídica que se baseia na necessi- ção das normas, de forma a garantir a segurança
dade de clareza e transparência no processo de jurídica e a justiça nas decisões judiciais. Além
interpretação de textos legais. Dessa maneira, a disso, a hermenêutica jurídica permite a adap-
hermenêutica não é apenas uma técnica de in- tação do direito às mudanças sociais e culturais,
terpretação, mas uma forma de compreender o possibilitando que as normas sejam atualizadas
mundo e a realidade que nos cerca. Ele defende e aplicadas de forma coerente com a realidade.
que a hermenêutica é uma atividade filosófica A hermenêutica não é apenas uma técnica
que tem como objetivo desvelar os significados de interpretação, mas uma forma de compre-
das coisas e dos textos e que ela deve ser aplica- ender o mundo e a realidade que nos cerca. A
da tanto na interpretação das normas jurídicas hermenêutica é uma atividade filosófica que
como em outras áreas do conhecimento. tem como objetivo desvelar os significados das

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Jairo Monteiro Dias Filho DOUTRINA JURÍDICA

coisas e dos textos. Assim, ela deve ser aplica- divergências na interpretação das normas, o que
da tanto na interpretação das normas jurídicas pode gerar controvérsias e conflitos. Por isso, é
como em outras áreas do conhecimento. Isto é, necessário que os operadores do direito tenham
a hermenêutica se amplia aos diálogos das fon- uma formação sólida em hermenêutica jurídica
tes e não se limita somente ao campo meramen- e estejam sempre atualizados sobre as novas
te estático e engessado. tendências e teorias que surgem nessa área.
Uma visão reducionista da hermenêutica, Em resumo, a hermenêutica jurídica é uma
como uma simples técnica de interpretação de ferramenta fundamental para a aplicação do
textos legais, é totalmente ultrapassada. Assim, direito, permitindo a interpretação e compre-
a atividade de interpretação deve ser ampliada, ensão das normas jurídicas de forma coerente
levando também em consideração o contexto e atualizada com a realidade social e cultural.
em que ela foi produzida e as expectativas dos Em outros termos, é necessária uma maior am-
destinatários da norma. plitude, não se limitando aos paradigmas da
No entanto, a hermenêutica jurídica não é discricionariedade e do método do sujeito-in-
uma ciência exata, podendo, muitas vezes, haver terpretativo. 

REFERÊNCIAS
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Traços fundamentais de uma ______. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 6.
hermenêutica filosófica. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2002. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
______. Wahrheit und Methode. Grundzüge einer SHAKESPEARE, William. Hamlet. Tradução de Beatriz Viégas-Faria. São
philosophischen Hermeneutik. I. Tübingen: Mohr, 1990. Paulo: L&PM, 2008.
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 11. STEIN, Ernildo. Introdução à filosofia. 2. ed. São Paulo: Loyola, 1991.
ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2006. STRECK,L.L.Hermenêutica Jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Tradução de Fausto Castilho. 13. ed. da construção do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora,
Petrópolis: Editora Vozes, 2015. 2014
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 4. ed.
Coimbra: Ed. Armênio Amado, 1976.

FICHA TÉCNICA // Revista Bonijuris


Título original: Análise da crise sistêmica da hermenêutica jurídica: um breve estudo do conflito de ade-
quação das normas em sua interpretação. Title: Analysis of the systemic crisis of legal hermeneutics: a
brief study of the conflict of adequacy of norms in their interpretation. Autor: Jairo Monteiro Dias Filho.
Advogado. Resumo: Hermenêutica significa interpretação. Como há conflitos entre a interpretação e a
adequação das normas jurídicas, a lindb (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro) estabelece
regras para sua aplicação no Brasil, evitando e solucionando conflitos. Ela define princípios que devem
ser aplicados na interpretação das leis, como a segurança jurídica, a proteção da confiança, a boa-fé,
a efetividade das normas, entre outros. A lindb também apresenta regras para situações específicas,
como no caso de conflito de leis, de lacunas legais e de aplicação retroativa de leis. A hermenêutica jurí-
dica permite a interpretação e compreensão das normas jurídicas de forma coerente e atualizada com
a realidade. Palavras-chave: hermenêutica; norma; direito; filosofia; ser. Abstract: Hermeneutics
means interpretation. As there are conflicts between the interpretation and adequacy of legal norms,
the lindb (Law of Introduction to the Norms of Brazilian Law) establishes rules for their application in
Brazil, avoiding and resolving conflicts. It defines principles that must be applied in the interpretation
of laws, such as legal certainty, the protection of trust, good faith, the effectiveness of standards, among
others. lindb also presents rules for specific situations, such as in the case of conflict of laws, legal gaps
and retroactive application of laws. Legal hermeneutics allows the interpretation and understanding of
legal norms in a way that is coherent and updated with reality. Keywords: hermeneutics; standard;
right; philosophy; to be. Data de recebimento: 23.10.2023. Data de aprovação: 28.11.2023. Fonte: Revista
Bonijuris, vol. 36, n. 1 – #686 – fev./mar., págs 122-131. Editor: Luiz Fernando de Queiroz, Ed. Bonijuris, Curiti-
ba, pr, Brasil, issn 1809-3256 (juridico@bonijuris.com.br).

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SELEÇÃO DO EDITOR

Hidemberg Alves da Frota AGENTE TÉCNICO-JURÍDICO DO MP DO AMAZONAS

DA PRISÃO ARBITRÁRIA
AO PROJETO EXISTENCIAL
Diálogos entre a ficção de Rollo May e a filosofia de Jean-Paul Sartre
avançam em leitura sobre realidade de presos submetidos à pena
perpétua e confinamento solitário

N
a1 obra intitulada O Homem à Procura Trata-se de pesquisa do tipo bibliográfica, base-
de Si Mesmo (Man’s Search for Him- ada na consulta a artigos científicos e capítulos
self), publicada originalmente em 1953, de livro de obras colegiadas vinculados à psico-
a quarta do psicólogo clínico estadu- logia e à filosofia de matrizes sartrianas, bem
nidense Rollo Reece May (1909-1994), como em textos filosóficos e ficcionais de Sartre.
o qual, com tonalidades próprias, matizou, em De início, examina-se a liberdade ontológica
seus escritos, saberes colhidos da psicologia hu- em Sartre, debruçando-se sobre o conto de sua
manista, da psicanálise e das psicologias e filo- autoria intitulado “O Muro”.
sofias da existência e da fenomenologia, consta, Após, passa-se à interpretação da parábola
no começo do seu capítulo V, denominado “Li- de Rollo May, com base nos aportes colhidos da
berdade e Força Interior” (Freedom and Inner literatura brasileira especializada na psicologia
Strength), a parábola que chamou “O Homem e na filosofia de bases sartrianas, com destaque
que foi Colocado numa Gaiola” (The Man Who ao estudo da concepção sartriana de má-fé e
Was Put in a Cage) (May, 2011, p. 133-136). das contribuições da psicologia fenomenológi-
Nesta pesquisa, propõe-se novo olhar sobre o ca e existencialista de cariz sartriano e de for-
microconto de Rollo May, à luz da proposta em mulação brasileira às questões do sofrimento
construção na contemporaneidade, sobretudo psíquico, da ausência de campos de possíveis e
nas últimas duas décadas, pela comunidade de da ruptura do projeto existencial.
psicólogos e filósofos brasileiros estudiosos do Em seguida, evidencia-se a atualidade do
filósofo, escritor, crítico literário e dramaturgo texto ficcional de May, em cotejo com a realida-
Jean-Paul Charles Aymard Sartre (1905-1980), de contemporânea pertinente à pena perpétua
de psicologia fenomenológica e existencialista e ao confinamento solitário, em particular no
inspirada em suas obras literárias e filosóficas. sistema prisional da América do Norte.

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Hidemberg Alves da Frota SELEÇÃO DO EDITOR

Conforme se depreende da principal obra losóca de Jean-Paul Sartre, O Ser e o


Nada (L’être et le néant), originalmente publicada em 1943, a liberdade, na acepção
popular e empírica, exprime a “liberdade de obter” aquilo que se almeja

1. A LIBERDADE ONTOLÓGICA EM SARTRE humana e, portanto, ínsita a todos os homens e


Na perspectiva da psicologia fenomenológica e mulheres), absoluto (condição sine qua non das
existencialista de bases sartrianas, a liberdade ações humanas, ilimitável por quaisquer acon-
se manifesta na facticidade, isto é, ela ocorre tecimentos, que, em nenhuma ocasião, será pas-
em situação, limitado o seu exercício, pela es- sível de ser reduzida) e situacional (não existe
trutura da escolha, ou seja, pelo contexto fático em abstrato, e sim em situação, na concretude
em que o sujeito se insere quando, lançando-se do dia a dia, nos acontecimentos e circunstân-
ao mundo e sendo por ele atravessado, realiza, cias do mundo) (Souza, 2019, p. 32-52).
de modo inevitável, a escolha de ser, mesmo Por isso, a compreensão, esposada pela psi-
nas circunstâncias em que decide não escolher cologia fenomenológica e existencialista de
(Schneider, 2011, p. 94). bases sartrianas, entrevista acima, de que cada
Conforme se depreende da principal obra sujeito é e continua sendo livre em todas as si-
filosófica de Jean-Paul Sartre, O Ser e o Nada tuações com as quais se defronte: em todas as
(L’être et le néant), originalmente publicada em circunstâncias ele terá de escolher, à luz dos
1943, a liberdade, na acepção popular e empíri- “campos de possibilidades de ser para o sujeito”,
ca, exprime a “liberdade de obter” aquilo que se que se lhe apresentam em cada tessitura com a
almeja. É dizer, reflete, ao sabor de determinada qual se depare ao longo do seu percurso exis-
conjuntura moral, política e histórica, a facul- tencial, ainda que a sua escolha seja a de nada
dade de alcançar os fins eleitos, ao passo que, fazer (Spohr; Schneider, 2009, p. 122).
na formulação técnica e filosófica de liberdade Então, qual liberdade resta ao prisioneiro?
delineada por Sartre, ela concerne à “liberdade Sartre responde que o encarcerado, seja qual
de escolha”, ou seja, diz respeito à autonomia for a sua condição, permanece livre para tentar
humana de efetuar escolhas, quer tenham êxi- se evadir da situação de aprisionamento em
to, quer fracassem (Sartre, 1978, p. 483-484; Sar- que se encontra ou para dela se fazer libertar,
tre, 1993, p. 508-509; Sartre, 2015, p. 595-596). na medida em que ao prisioneiro remanesce a
A concepção de liberdade adotada por Sartre liberdade de projetar a sua evasão do cárcere,
possui caráter ontológico (inerente à condição bem como de evidenciar para si mesmo o valor

A BO
REVISTA BONIJ
BONIJURIS
NIJURI
URIIS I ANO 36
U EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024
6 I ED 133
DA PRISÃO ARBITRÁRIA AObPROJETO EXISTENCIAL

Qual liberdade resta ao prisioneiro? Sartre responde que o encarcerado, seja


qual for a sua condição, permanece livre para tentar se evadir da situação
de aprisionamento em que se encontra ou para dela se fazer libertar

desse projeto, ao iniciar a ação destinada a asse- da Espanha, dos ideais anarquistas que havia
gurar a sua fuga (Sartre, 1978, p. 483-484; Sar- abraçado e dos afetos que deixaria, como o rela-
tre, 1993, p. 508-509; Sartre, 2015, p. 595-596). cionamento amoroso com Concha e a amizade
Sob essa vertente existencialista, o preso, à com Ramón Gris, resolve, como último ato de
semelhança dos demais homens e mulheres, liberdade e resistência ao movimento militar
continua a ser inicial, absoluta e ontologica- nacionalista e antirrepublicano, debochar dos
mente livre, o que lhe confere não só a neces- seus verdugos, ao convencê-los de que acalen-
sidade como também a possibilidade de pro- tava manter-se vivo e, para tanto, negociaria a
porcionar significado próprio à contextura em sua sobrevivência, aceitando, à primeira vista, a
que se insere, de escolher como lidar com as proposta de trocar a “sua vida pela vida dele [do
circunstâncias cotidianas e de decidir como in- amigo Ramón Gis]”. Em realidade, Ibbieta viria
terpretar e valorar os acontecimentos munda- a fornecer-lhes pista sobre o paradeiro de Gris
nos, mediante o distanciamento reflexivo dos que formulara de improviso, almejando indicar
outros e do mundo fenomênico. Desse modo, localização propositalmente falsa, ao informar
como ser-no-mundo-com-os-outros, poderá aos militares nacionalistas que ele se escondia
construir e frutificar qualquer tipo de relação, “no cemitério, ou num túmulo, ou na cabana
inclusive as relações no cárcere ou na ambiên- dos coveiros”. Tratava-se de ato de escárnio
cia similar em que se encontre, deliberando, por velado que, de forma surpreendente, sem que
si só, se aceitará, com resignação, as imposições Ibbieta o desejasse ou antecipasse, levaria os
do ambiente prisional ou congênere, ou se bus- falangistas do futuro ditador Francisco Franco
cará meios, implícitos ou explícitos, formais ou a encontrarem Gris escondido justamente na-
informais, lícitos ou ilícitos, de desafiar o statu quele cemitério, local improvável que Ibbieta
quo que lhe é imposto. Arcará com a responsa- jamais imaginaria que serviria de último escon-
bilidade intransferível, solitária e angustiante derijo para o seu amigo (Sartre, 2021, p. 13-31).
de decidir as ações que, no panorama em que Daí se nota que, em certa situação de escolha,
está imerso, adotará ou deixará de adotar (Sou- desponta conjunto de possíveis, os quais não
za, 2019, p. 46-50). aparecem como horizontes prontos e acabados:
não são lançados de antemão nem preestabele-
1.1 Pablo Ibbieta (“O Muro”) cidos, porque, em vez disso, são possibilidades
A própria literatura sartriana ilustra determi- de escolha trazidas à tona a partir do projeto do
nada contingência em que o indivíduo exercita sujeito, surgido da interface entre os seus valo-
a sua liberdade a despeito das vicissitudes do res e a sua posição mundana, como resultado
ambiente carcerário. da sua condição de quem, lançado ao mundo,
No conto “O Muro” (Le mur), publicado ori- nele se encontra posicionado e com ele se im-
ginalmente em 1939, na coletânea literária de plica de modo íntimo (Mattos; Ewald; Castro,
Sartre de mesmo título, o protagonista, Pablo 2012, p. 730-731).
Ibbieta, durante a guerra civil espanhola (1936- Em outras palavras, o indivíduo é projeto “na
1939), convicto de que, em breve, seria subme- medida em que é lançado no mundo e a partir
tido a pelotão de fuzilamento por brigada do qual articula sentidos imerso nesse caráter
franquista, a exemplo do que havia acabado de abertura” (Dhein, 2020, p. 246), de sorte que
de acontecer com os seus colegas de cela, e per- o projeto de ser se constitui “de forma situada,
cebendo-se indiferente não só ante a própria ou seja, contornada pelas condições históricas”
morte iminente, mas também diante do futuro a que “o existente pertence como um perpétuo

134 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


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DA PRISÃO ARBITRÁRIA AObPROJETO EXISTENCIAL

O encarceramento arbitrário do “homem de classe média”, que se tornou


cobaia em experimento psicológico, exprime a práxis social que, de
maneira recorrente, subtrai do sujeito o seu projeto existencial

movimento de totalização dialética” (Dhein, narca que, cansado da cerimônia diplomática


2020, p. 166). recém-encerrada, contemplava, posicionado em
Com efeito, Pablo Ibbieta, desprovido de pé, em uma das janelas do palácio, o ir e vir no-
quaisquer direitos e garantias imanentes ao turno da rua, enquanto apreciava a música am-
devido processo legal (due process of law)2 e ao biental oriunda de sala mais afastada, destinada
estado de direito3 moldado pelo regime demo- à recepção de autoridades (May, 2011, p. 133-134).
crático, submetido a regime político de exceção, A esmo, fixou o olhar em homem com típica
levado a cabo por uma justiça militar arbitrária, aparência, naquela época e lugar, de indivíduo
criada por golpistas, à margem da constituição de classe média, à procura do bonde que o leva-
espanhola (republicana) de 1932, sem nenhum ria à sua casa, reconstituindo o mesmo itinerá-
vislumbre de lhe ser franqueado o direito a pro- rio cotidiano tantas vezes percorrido ao longo
cesso judicial equânime ou justo, poderia ter se dos anos, cinco vezes por semana (May, 2011, p.
recusado a qualquer diálogo com as autoridades 133-134).
militares do movimento nacionalista e antirre- Após divagar sobre como seria a rotina desse
publicano ou poderia fazer delação com o intuito homem ao chegar à sua residência, o chefe de
sincero de obter a comutação da pena de morte. estado intrigou-se sobre o que ocorreria com
Entretanto, a escolha de Pablo Ibbieta, como quem por acaso fosse engaiolado, à semelhança
fruto da sua liberdade ontológica, inaugural e dos animais encarcerados em zoológicos, motivo
absoluta, foi a de tentar ludibriar aqueles que por que, no dia posterior, ordenou que aquele
o interrogaram. Consistiu em gesto derradei- mesmo homem, o denominado “homem de clas-
ro de oposição aos seus opressores, no afã de se média”, fosse inserido em uma gaiola de zooló-
intimamente rir por último na undécima hora gico, a fim de ser submetido a essa experiência,
antes da sua execução. Esse tentame se revelou sob a supervisão de psicólogo convidado pelo rei,
uma ironia do destino, já que o seu amigo, Ra- o qual, do lado de fora da gaiola, monitoraria o
món Gris, acabaria sendo logo depois capturado indivíduo que fora recém-aprisionado por puro
justamente no cemitério indicado por Ibbieta, e diletantismo do monarca (May, 2011, p. 133-134).
este, uma vez confirmada a veracidade (jamais O encarceramento arbitrário do “homem de
esperada por Ibbieta) da informação prestada às classe média”, que se tornou, de repente e à sua
autoridades militares sobre o paradeiro daquele revelia, cobaia em experimento psicológico, por
(Ibbieta queria que fosse uma pista deliberada- força do mero capricho do governante, expri-
mente falsa sobre Gris, para induzir a erro os me, do ângulo da psicologia fenomenológica e
seus verdugos), acabou sendo beneficiado com existencialista de matrizes sartrianas, a práxis
a suspensão do cumprimento da pena capital, social que, de maneira recorrente, subtrai do
tendo-lhe sido dada a oportunidade de aguardar sujeito o seu projeto existencial, ao instrumen-
nova decisão, agora por corte de justiça regular, talizá-lo, com o desiderato de que se tornem vi-
após o término daquelas operações de combate. áveis, por meio de determinado indivíduo, me-
tas, objetivos e finalidades alheios, estranhos a
2. A INTERPRETAÇÃO DA PARÁBOLA si mesmo (Castro, 2017, p. 112).
DE ROLLO MAY PELAS LENTES DA De início, o “homem de classe média” não com-
PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICA E preendeu a gravidade da situação. Ele apenas
EXISTENCIALISTA SARTRIANA dizia ao psicólogo que necessitava ir embora, pe-
Em “O Homem que foi Colocado numa Gaiola”, a gar a tempo o trem, para que não chegasse atra-
narrativa ficcional de May principia com o mo- sado à sua ambiência laboral (May, 2011, p. 134).

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Hidemberg Alves da Frota SELEÇÃO DO EDITOR

Modica-se a dinâmica psíquica


do homem à medida que este se
convola em objeto à disposição

DEIXE A I NADI M P L ÊN C I A
N O P A S S A D O!
Contudo, a preocupação matinal em com-
parecer pontualmente ao local de trabalho, de
tocar o seu projeto de ser “homem de classe
média”, cedeu passo, à tarde, à indignação com
o monarca, ao se ver, de modo injusto e ilegal,
tolhido na sua liberdade de locomoção (May,
2011, p. 134) e, em uma perspectiva mais ampla,
impedido de dar continuidade ao seu projeto
existencial.
Sob as lentes da psicologia inspirada no con-
junto da obra filosófica e literária de Jean-Paul
Sartre, pode-se interpretar o pequeno conto de
Rollo May na condição de parábola sobre como
o Estado, a serviço de regime político autori-
tário, pautado na vontade do chefe de estado,
personifica o “outro” que afeta a livre práxis4
que o sujeito exerce no mundo social, à propor-
ção que esse “outro”, encarnado na máquina
do poder público executora das veleidades do
mandatário da nação, ao totalizar o campo so-
cial de acordo com esse projeto personalista de
desempenho da potestade estatal, redireciona
o projeto do seu súdito para novo eixo, centrado
no fomento de finalidades ditadas pela vontade
do soberano.
Assim, modifica-se, passo a passo, a dinâ-
Queremos que você tenha mais
mica psíquica5 do oprimido, à medida que “o
tranquilidade para planejar e
homem de classe média” se convola em objeto
executar projetos de melhorias
à disposição diária, 24 horas, sete dias por se-
no seu condomínio.
mana, do projeto de outrem, do rei, mediado
pelo aparato do Estado de índole autoritária,
remodelando a esfera de possibilidades daque-
le súdito. Tem-se em mente que “a livre práxis
do outro [no caso da parábola de May, do mo-
narca] ao agir sobre mim [no contexto de tal
breve conto, o prisioneiro-cobaia] é condição
essencial para [a] minha própria possibilida-
de de criação histórica” (Castro, 2012a, p. 168).
Em outras palavras, a fabricação histórica de
si mesmo é necessariamente influenciada pela
livre práxis do outro.
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O veemente protesto do “homem de classe cobrancas.com.br
média” marcou a primeira semana da sua per-

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 137


DA PRISÃO ARBITRÁRIA AObPROJETO EXISTENCIAL

O preso-cobaia depende do Estado autoritário para lhe propiciar as necessidades


básicas de sobrevivência material, mas é esse mesmo aparato estatal que obsta
esse indivíduo de se autonomizar à luz do seu próprio projeto de ser

manência forçada na gaiola. Manifestava ao para outro” e “consciência servil”6 (Freire, 2016,
monarca, dia a dia, a sua insatisfação, enquan- p. 64-65, 71-72).
to o rei realizava a sua visita diária ao recinto É o simulacro da solidariedade, que presta a
em que ocorria o experimento e, em resposta, assistência material não para emancipar o su-
questionava-lhe o motivo de tamanha irresig- jeito, e sim para proporcionar o indispensável
nação, uma vez que aquele homem estava sob à continuidade do oprimido em situação de de-
os cuidados da equipe escolhida pelo chefe de pendência (freire, 2016, p. 64-65, 71-72).
estado, dispensado de trabalhar e desfrutando O preso-cobaia depende do Estado autoritá-
de condições adequadas de repouso e alimenta- rio para lhe propiciar as necessidades básicas
ção (May, 2011, p. 134). de sobrevivência material, mas é esse mesmo
Em verdade, o monarca, ao engaiolar o “ho- aparato estatal que, mediante o encarceramen-
mem de classe média”, assumiu para si o pa- to arbitrário, obsta esse indivíduo de se auto-
pel de proprietário do seu súdito. Impôs-lhe nomizar à luz do seu próprio projeto de ser, e
o projeto de ser que julgava conveniente para não conforme aquele que lhe foi atribuído pelo
aquele. Interessado em tornar exequível a par- autocrata.
ticipação compulsória do seu prisioneiro no Desdobrando-se essa reflexão para o quadro
experimento psicológico macabro, proporcio- geral das relações internacionais, constata-se
nava-lhe determinadas “benesses” indispensá- que o projeto coletivo dos povos do denomi-
veis à sua manutenção no cativeiro, mediante nado “Sul Global” (ou “Sul Geopolítico”) por
a assistência gratuita do Estado na prestação vezes é inviabilizado ou dificultado pela ação
de serviços, possivelmente, de segurança, saú- imperialista e neocolonial de Estados do nor-
de, higiene, alimentação, vestuário e acomo- te global (ou norte geopolítico). Nesse cenário,
dação. Tratava-se de contextura na qual essa sobressai o fomento, pelo norte global, a golpes
suposta benemerência estatal expressava, em de estado e guerras civis, além da aplicação de
realidade, o desejo do autocrata, tomando-se embargos financeiros, econômicos e comer-
por empréstimo as palavras de Fernando Gas- ciais e da realização, de forma direta ou por
tal de Castro, de “dispor do sujeito e sujeitá-lo intermédio de aliados regionais, de invasões e
às suas próprias necessidades de proprietário” incursões militares, como também por modos
(Castro, 2012a, p. 169, grifo original), nem que, mais sutis, que passam despercebidos da opi-
para tanto, esse indivíduo, enjaulado contra o nião pública.
seu próprio querer, tivesse de ser anulado na Exemplo ilustrativo é o da França, que ofe-
sua condição de sujeito. rece às suas ex-colônias africanas armamentos,
A pretensa generosidade do chefe de estado treinamento policial e militar, apoio financeiro,
de poupar o seu súdito das preocupações e ta- moeda comum (o franco cfa, controlado pelo
refas da cotidianidade, mantendo-o em tempo banco central da França) e relações próximas e
integral às expensas do poder público, em ca- formação acadêmica aos seus líderes políticos,
tiveiro experimental, recorda a falsa generosi- a fim de obstar o desenvolvimento autônomo
dade a que se refere Paulo Freire. Diz respeito da África francófona e de manter a dependên-
à generosidade que apenas acontece à custa cia de índole militar, política, financeira e eco-
da manutenção de ordem social injusta, a qual nômica (Pereira, 2022).
nega ao oprimido a sua possibilidade de recu- Essa conjuntura internacional de dominação
perar a própria humanidade, já que transfor- por meios indiretos, ainda atual na África de
mado, na realidade objetiva, em coisa, em “ser língua francesa, recorda o prefácio de Sartre, de

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Hidemberg Alves da Frota SELEÇÃO DO EDITOR

Exemplo ilustrativo é o da França, que oferece às suas ex-colônias africanas


armamentos, treinamento policial e militar, apoio nanceiro, moeda comum
e relações próximas e formação acadêmica aos seus líderes políticos

setembro de 1961, à obra de Frantz Fanon intitu- estaria sendo bem tratado pela sua equipe, o
lada Os Malditos da Terra” (Damnés de la terre). psicólogo que acompanhava o experimento
Nele o filósofo existencialista denunciava que, percebeu que o prisioneiro, decorridas diver-
no Terceiro Mundo, havia “regiões em que o co- sas semanas imerso, em tempo integral, na
lonialismo deliberadamente estancou o desen- gaiola de zoológico, parecia que perguntava
volvimento” (Sartre, 1968, p. 140). Alertava que de si próprio se, de fato, o monarca estaria
as metrópoles seduziam os povos colonizados dizendo a verdade, detendo-se nesse possível
e oprimidos por meio da cultura europeia e da questionamento em intervalos cada vez mais
formação, entre os colonizados, de elite euro- espaçados, em que se distraía do ódio, que
cêntrica7 (Sartre, 1968, p. 137). logo viria a novamente aflorar (May, 2011, p.
134-135).
2.1 A má-fé sartriana na perspectiva Depois de algumas outras semanas de vida
fenomenológico-existencialista na gaiola, o homem-cobaia perquiriu do psicó-
Retornando ao prisioneiro-cobaia da narrati- logo se, em realidade, não seria mesmo útil pro-
va de Rollo May, percebe-se que, à medida que porcionar a alguém, como ele, a possibilidade
os dias se passavam, seus protestos e reclama- de ter abrigo e alimento (May, 2011, p. 134-135).
ções foram diminuindo, de maneira gradativa, O “homem de classe média” concluiu que
a ponto de desaparecerem, substituídos pela deveria aceitá-los, pois as pessoas, seja de que
postura ensimesmada de se manter, na maioria maneira for, devem viver o seu próprio destino.
das vezes, calado (May, 2011, p. 134-135). Em ocasião posterior, durante conversação cor-
Embora ele tenha passado a se recusar, em dial com professores e alunos que se propuse-
regra, a se comunicar verbalmente, o psicólogo ram a observá-lo em determinado dia, o prisio-
observou que o seu silêncio contrastava com os neiro afiançou-lhes que ele é quem optara por
olhos que irradiavam ódio intenso (May, 2011, p. esse modus vivendi, considerando as vantagens
134-135). significativas de viver em ambiente protegido,
Conquanto continuassem as visitas diárias e vaticinou que eles perceberiam a sensatez da
do rei, em que realçava o quanto o homem sua escolha (May, 2011, p. 134-135).

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DA PRISÃO ARBITRÁRIA AObPROJETO EXISTENCIAL

O homem enjaulado do microconto de Rollo May faz da má-fé o recurso último para
exercer a sua liberdade de escolha em situação na qual dispõe de rarefeita margem de
possibilidades concretas, com o propósito de lançar mão de alternativa derradeira

O psicólogo, ao testemunhar a interação en- futuro que lhe parecesse auspicioso, tentame
tre tal homem e os visitantes, perguntou a si que, de fato, malograria, a ponto de mais adian-
mesmo a razão pela qual aquele indivíduo sen- te esmaecer, de maneira paulatina, a esperança
tia necessidade de obter a aprovação do público de amanhã liberto das estreitas cercanias da-
que o visitava (May, 2011, p. 134-135). quela prisão-experimento.
Nesse cenário em que “o homem de classe mé- Nesta proposta sartriana de psicologia fe-
dia” vivia engaiolado de forma perene, por impo- nomenológico e existencialista, não se cuida
sição arbitrária do mandatário da nação, consoli- de compreender a má-fé na condição de oposto
dava-se naquele súdito do rei estrutura alienante ou antítese da liberdade ontológica, nem de ver
que redundaria em sofrimento psíquico. naquela o desvio desta. Também não se trata de
O prisioneiro-cobaia, com a passagem do vislumbrá-la como a fuga de projeto existencial
tempo de cárcere, passou a tentar convencer a tampouco de enxergá-la na qualidade de vio-
si próprio de que estava recebendo tratamento lação de determinado imperativo normativo
diferenciado e privilegiado do monarca, espé- (Dhein, p. 239-242).
cie de favor rei em relação ao qual deveria ser O homem enjaulado do microconto de Rollo
grato. May faz da má-fé o recurso último para exer-
Ao assim proceder, incorria em má-fé, com- cer a sua liberdade de escolha em situação na
preendida, na psicologia fenomenológica e qual dispõe de rarefeita margem de possibi-
existencialista de bases sartrianas, como a ati- lidades concretas, com o propósito de lançar
tude de reflexão por intermédio da qual o su- mão da alternativa derradeira que encontrou
jeito, de maneira consciente, almeja enganar a para postergar, mais um pouco, a sua sobre-
si próprio “quanto às verdadeiras intenções de vivência psíquica em face da realidade do
seus atos” (Castro, 2017, p. 111), isto é, mente a cárcere-experimento, cada vez mais absurda e
si próprio no afã de “ocultar uma verdade de- desoladora.
sagradável” (Sartre, 2021, p. 107). No pequeno Esse ato de má-fé, ainda que servisse de mo-
conto de Rollo May, o personagem intenciona mentâneo alívio diante da estrutura de alienação
ocultar de si mesmo uma verdade mais do que à qual se encontrava jungido, retroalimentava a
desagradável, insuportável. Com efeito, a genu- situação alienante, a qual, a seu turno, consiste
ína intensão daquele indivíduo em situação de na circunstância em que ocorre “desvio mais ou
cárcere não era propriamente a de reconhecer menos profundo do sentido de práxis individual
para si mesmo o mérito do governante, nem de pela práxis social” (Castro, 2017, p. 111).
ponderar acerca da generosidade ou benevo- A má-fé corresponde, nesse panorama, à sa-
lência do chefe de Estado para com ele, e sim a ída que o sujeito consegue conceber “dentro de
de justificar para si próprio as razões do algoz, uma situação alienante e, ao mesmo tempo, a
com o propósito de que não era o de se escla- alienação é indutora de atos de má-fé que, por
recer sobre os eventuais motivos e virtudes sua vez, terminam por reproduzir a estrutura
do monarca, mas o de entorpecer a si mesmo, alienante” (Castro, 2017, p. 111).
inebriar-se para não enfrentar realidade insu- A alienação, nessa contextura, concerne ao
portável, inevitável e inescapável, criada à sua conjunto de inversões, distorções e modifica-
revelia, e extrair alguma racionalidade de uma ções que, defluentes dos atravessamentos quer
situação aterrorizante. das searas sociais (sociocultural e sociomate-
Era uma vã tentativa de não se confrontar rial), quer das práxis de outros, sobre a liberda-
com a ausência de perspectivas concretas de de de dado indivíduo, fazem o sujeito estranhar

140 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


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O medo de não haver futuro diferente do presente dia a dia no cárcere


foi aos poucos paralisando e, mais do que isso, esvaziando a existência do
“homem de classe média”, na qual não mais havia nem sequer espaço

a si próprio (Mattos; Ewald; Castro, 2012, p. vezes, envolvia-se em pequenos acidentes que o
737; Schneider, 2022). constrangiam, quando deixava os pratos de comi-
da caírem ou a água derramar (May, 2011, p. 135).
2.2 Sofrimento psíquico, ausência de A essa altura, em vez de entoar o prévio
campos de possíveis e ruptura do projeto discurso por meio do qual havia verbalizado
existencial complexas elucubrações sobre os benefícios de
Em circunstâncias radicais, como a vivenciada estar sendo bem tratado, passou a reverberar,
pelo “homem de classe média” da alegoria escul- ad infinitum, frases lacônicas, nos moldes “É o
pida por Rollo May, de personagem isolado da destino”, ou simplesmente dizia, em murmúrio,
sociedade, atado a experimento compulsório “É”, até que o psicólogo, certo dia, notou que o
que, com o decurso do tempo, assume a feição homem-cobaia havia abandonado o sorriso
de confinamento solitário e vitalício, a neces- subserviente, substituído por semblante vazio
sidade do indivíduo encarcerado de procurar e desprovido de sentido, similar ao de um bebê
meios de lidar com a realidade da qual não mais que, afligindo-se com gases, reagia fazendo ca-
conseguia com ela se haver o levou a ir da má-fé reta (May, 2011, p. 135).
momentânea (tentativa de persuadir a si mes- O prisioneiro continuava a se alimentar e,
mo sobre os aspectos positivos do cárcere e fa- vez por outra, intercambiava com o psicólogo
cetas louváveis do monarca-algoz) a sofrimen- poucas frases, mantendo olhar que, exprimin-
to psíquico perene (a loucura a que se reporta do distanciamento e vagueza, sinalizava que,
Rollo May). Cuida-se de manifestação da liber- em realidade, não mais enxergava o psicólogo
dade ontológica do ser que, mesmo desprovido, que estava na sua frente. Deixara de usar “eu”
na facticidade, de direitos à liberdade consa- em suas raras frases. A gaiola, ele a aceitara. Já
grados pelas constituições democráticas e pelo não se irava nem se zangava, tampouco racio-
direito internacional dos direitos humanos8, dá nalizava. Havia, arremata Rollo May, enlouque-
vazão a esse sofrimento existencial – que cor- cido (May, 2011, p. 135).
responderia, grosso modo, da óptica organicis- O medo de não haver futuro diferente do
ta, mentalista e patologizante, na linguagem presente dia a dia no cárcere foi aos poucos
tradicional da psiquiatria e da psicopatologia, paralisando e, mais do que isso, esvaziando a
à “doença mental” – ao fazer desse “enlouque- existência do “homem de classe média”, na qual,
cimento” o modo, diria Sartre, de “poder viver nos estertores da sua caminhada existencial no
uma situação insuportável”9 (Sartre, 1976, p. 7; claustro, não mais havia nem sequer espaço em
Schneider, 2017, p. 401-402, 407). si para a angústia diante do futuro, porque já
Desse modo, nos dias que se sucederam não antevia futuro.
àquela conversa entre o prisioneiro-cobaia e No olhar da psicologia fenomenológica e
os professores e alunos, o “homem de classe existencialista de alicerces sartrianos, a angús-
média” passou a adotar o hábito de se inclinar, tia ante o futuro significa refletir sobre o que
quando da passagem do monarca, em deferên- fazer para atingir determinado devir. Nesse
cia ao chefe de estado, expressando o seu agra- movimento, o sujeito afasta o medo, ao se assu-
decimento por haver ali encontrado abrigo e mir na condição de agente, isto é, de indivíduo
alimento (May, 2011, p. 135). capaz de agir sobre a esfera das coisas, ao divi-
Já na ausência do rei, quando achava que sar campos de possibilidades do vir a ser, co-
não estava sob observação dos agentes do Esta- gitando ações que poderá concretizar (Souza,
do despótico, mostrava-se mal-humorado e, por 2019, p. 52-53).

142 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


Hidemberg Alves da Frota SELEÇÃO DO EDITOR

O “enlouquecimento” do personagem
de Rollo May vem à baila por não mais
se reconhecer como indivíduo

No entanto, o “enlouquecimento” do perso-


nagem de Rollo May vem à baila, justamente, MOR AR
R EM CO
ONDDOMÍNIO
por não mais se reconhecer como indivíduo em
condições de influir sobre o mundo sociomate- GAR
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rial e sociocultural em que se encontrava, nem GAR
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de entrever campos de possíveis em direção ao
qual poderia se mobilizar.
TER
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Diante do dever de concluir o compromisso
assumido com o monarca, redigindo o relatório
final daquele experimento, o psicólogo, à noite,
qualiddade
em seu gabinete, deparou-se com aquilo que foi de vid
da.
descrito por Rollo May como a ocasião em que
aquele profissional da psicologia esbarrou no
seu próprio vazio existencial, que o impedia de
encontrar as palavras apropriadas (May, 2011, p.
135-136).
Apesar de haver tentando se tranquilizar,
lembrando-se do aforismo segundo o qual nada
se perde na natureza e a matéria se recupera,
transformando-se em energia10, sentia que, em
tal experiência, alguma coisa havia se perdido,
como se o experimento tivesse roubado algo do
universo, restando somente o vazio (May, 2011,
p. 135-136).
De fato, algo (muito significativo) havia se
perdido: o projeto de ser. Do prisma da psicolo-
gia fenomenológica e existencialista de bases
sartrianas, a existência concreta do indivíduo
consiste no projeto de ser. Traduz o conjunto de
escolhas que, efetuadas em determinada con-
juntura histórica, antropológica, cultural, fami-
liar e social, são circunscritas pelas condições
materiais que cercam o sujeito11, à luz de pro-
pósitos que acalenta fomentar ou alcançar por
meio das ações por ele desenvolvidas na esfera
objetiva do mundo, no esforço de ultrapassar
tanto as contingências de índole histórica, an-
tropológica, cultural, familiar e social que assi-
nalam o seu presente12 quanto as contradições 12 3346 3819
de ordem sociológica que marcam o seu passa- 12 98123 0083
do13. Assim, procede por meio do agir realizado garantesaojose.com.br
no momento presente cujo significado tem a
ver com o futuro que elegeu para si (a ação hu-

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 143


DA PRISÃO ARBITRÁRIA AObPROJETO EXISTENCIAL

A situação extrema do “homem de classe média”, preso em gaiola, transformado


em objeto de experimento de Estado despótico, congura circunstância distinta
de situações outras que se manifestam, de forma ordinária, na mundanidade

mana na atualidade ocorre em virtude do futu- Rollo May guarda, em certa medida, semelhan-
ro que o indivíduo projeta, por força da falta ou ças com aquele observado por Fernando Gas-
necessidade desse devir14) e reflete os meios de tal de Castro (Castro; Zanelli, 2010, p. 47), ao
que lança mão para concretizar essa realidade pesquisar situações de burnout nas relações
vindoura, cuja projeção (movimento constante de trabalho em ambientes institucionais e es-
de ser para além de si próprio, direcionando-se truturas organizacionais. É que, na alegoria de
a campos de possíveis) faz com que esse sujeito May, a historicidade do indivíduo encarcerado
produza e transcenda a si mesmo, tornando-se em experimento estatal também é rompida e,
determinado indivíduo, em vez de outras possi- assim, atinge a totalidade do sujeito. Trata-se
bilidades de ser (Castro; Zanelli, 2007, p. 24-29; de circunstância em que, de modo similar ao
Schneider, 2017, p. 395-396). observado por Castro, desaba o esforço empre-
A perplexidade do psicólogo ao perceber, a endido pelo indivíduo, desde a sua infância, de
partir do irromper da vacuidade, que o expe- proporcionar sentido quer a si próprio, quer
rimento de que fora observador havia deixado ao mundo social, sem que o prisioneiro-cobaia
determinado vazio no contexto do todo (como conseguisse ver campos de possíveis para os
se a experimentação pretensamente científica quais pudesse se reorientar, revertendo o seu
tivesse subtraído parcela do universo que não projeto existencial, tampouco enriquecer a sua
seria passível de ser restituída, preenchida, historicidade preexistente ao encarceramento.
substituída ou suplantada, tal qual uma crate- Dessarte, sob a óptica da psicologia feno-
ra que se eterniza em solo lunar) retrata o vá- menológica e existencialista de embasamento
cuo deixado pelo desaparecimento do projeto sartriano, pode-se vislumbrar o “enlouqueci-
de ser do prisioneiro-cobaia, espécie de morte mento” desse prisioneiro-cobaia como resulta-
existencial, ainda que o prisioneiro permane- do da cisão psíquica que sofreu a partir da vis-
cesse vivo do ponto de vista biológico e jurídico. ceral ruptura do projeto que totalizava aquele
A situação extrema do “homem de classe mé- ser. Invocar-se o verbo “totalizar” e falar-se em
dia”, preso em gaiola, transformado em objeto totalidade implicam, no olhar da psicologia fe-
de experimento de Estado despótico, configura nomenológica e existencialista de fundamen-
circunstância distinta de situações outras que tação sartriana, compreender o sujeito tal qual
se manifestam, de forma ordinária, nas estrutu- ele se apresenta no mundo da concretude e por
ras de cariz objetivo e social da mundanidade, essa mundanidade é circunscrito (Schneider,
em que o projeto de ser, a exemplo de aconte- 2017, p. 395, 401-402).
cimentos da seara laboral, enfrenta desvios re- Significa, ademais, considerá-lo na sua con-
correntes e esbarra em obstáculos corriqueiros. dição de ser no mundo, como totalidade de or-
Mais do que desvio administrável ou obs- dem tanto psíquica (consciência) quanto física
táculo transitório, o prisioneiro-cobaia foi ar- (corpo), para além da polarização corpo (pers-
remessado ao abismo existencial do fracasso pectiva organicista e neuropsicológica) versus
do projeto de ser, ao se tornar cada vez mais mente (perspectiva mentalista e racionalista).
insuportável a constatação da impossibilidade Implica, ainda, ter em conta que a sua vivência
de haver “condições objetivas de viabilizar seu é moldada pelos laços indissolúveis entre a sua
projeto e desejo de ser” (Castro; Zanelli, 2007, dimensão subjetiva e a de caráter objetivo, esta
p. 29-30). a faceta referente à conjuntura social e mate-
Nessa espécie de “ruptura do projeto de ser”, rial que o envolve e o atravessa (Schneider,
o fenômeno que se dá na história contada por 2017, p. 395, 401-402).

144 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


João Luiz
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DA PRISÃO ARBITRÁRIA AObPROJETO EXISTENCIAL

Estudos em estabelecimentos penais, nos EUA, revelaram a existência de presos


em segregação disciplinar (solitárias), que assim se encontravam não por
oferecer risco à segurança, mas pela prática de faltas de pequena monta

O rompimento radical do projeto existencial mundo desenvolvido. Essa constatação adqui-


do prisioneiro-cobaia deflagrou em si o insupe- re relevo na América do Norte, em que a prisão
rável “impasse entre o ser que o sujeito se tornou perpétua e o confinamento solitário, nas déca-
e não suporta e o ser que ele era, mas [em] que das finais do século 20 e nas primeiras décadas
não se reconhece mais” (Castro, 2012b, p. 65). do século 21, foram se banalizando e cada vez
É o que se pode nominar, pelas lentes da mais se aproximaram da condição de prima ra-
psicologia fenomenológica e existencialista de tio, em vez de extrema ratio ou ultima ratio.
bases sartrianas, de grave sofrimento psíquico Deveras, de acordo com a organização não
decorrente do projeto existencial que se invia- governamental Sociedade John Howard de
bilizou e da compreensão, pelo sujeito, posto Ontario15, dedicada à humanização do sistema
em situação análoga à do condenado à pena de justiça criminal em tal província canaden-
perpétua, da impossibilidade quer de concreti- se, o confinamento solitário constitui prática
zar o seu projeto de ser, quer de haver, dali em amplamente disseminada no sistema prisional
diante, condições materiais para possíveis futu- ontariano, a alcançar, com frequência, a par-
ros que lhe pareçam reais, não mais divisando cela mais vulnerável da população carcerária.
porvir em direção ao qual poderia se mobilizar Cita-se o caso emblemático de Adam Capay, de
(Schneider, 2017, p. 395, 401-405). grande repercussão na mídia canadense em ou-
Pode-se também interpretar o lancinante tubro de 2016: jovem indígena à época com 23
sofrimento psíquico do homem-cobaia-pri- anos que, enquanto aguardava o julgamento
sioneiro, que, nas palavras de Rollo May, teria pelo crime de homicídio doloso, permaneceu
enlouquecido, como a saída encontrada pelo isolado, em segregação disciplinar, em estabe-
sujeito, ao se assenhorar da sua experiência e lecimento prisional do noroeste de Ontario, na
reconhecer perante si mesmo “a ausência de cidade de Thunder Bay, durante cerca de 1.500
perspectiva de ser”, ante o corte do seu projeto dias, período em que a sua cela (solitária) ficou
existencial e a consequente ruptura do seu fu- iluminada em tempo integral, durante 24 horas
turo antropológico (Schneider, 2022). (John Howard Society of Ontario, 2017, p. 1;
Parkes, 2017, p. 166).
2.3 A contemporaneidade da parábola de Ainda no início da década de 2000, estudos
Rollo May efetuados em estabelecimentos penais de segu-
A parábola de Rollo May pode ser interpretada rança máxima estadunidenses, mais conheci-
não apenas como alegoria sobre o sofrimento dos como Supermax (super maximum security),
psíquico de indivíduos em situação de cárcere revelaram a existência, em parcela dos sistemas
em regimes ditatoriais e totalitários, mas tam- prisionais estaduais dos Estados Unidos da Amé-
bém como o reflexo de quadro mais amplo. rica, de contingente majoritário dos presos em
Conquanto, à primeira vista, o senso comum segregação disciplinar formado por aqueles que
possa pressupor que as hipóteses de confina- assim se encontravam, não porque ofereceriam
mento solitário constituem medidas estatais risco à segurança dos agentes penitenciários
excepcionais no regime democrático, a reali- nem da população carcerária, e sim pela prática
dade refuta essa presunção precipitada: ela de faltas disciplinares de pequena monta. Nes-
demonstra, em verdade, que a prisão arbitrária, se sentido, incluem-se as condutas de manter
em situações de confinamento solitário, desafia quantidade de selos postais entendida excessiva
idealizações de matriz colonial, recorrentes no pela administração penitenciária, recusar-se a
sul global, acerca da civilidade e progresso no devolver a bandeja de comida, não comparecer

146 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


Hidemberg Alves da Frota SELEÇÃO DO EDITOR

Na segunda metade da década de 2000, vericou-se que, no estado de Nova


Iorque, a taxa de suicídios, em contraste com a população carcerária em geral,
era 5% maior entre aqueles que se encontravam em connamento solitário

a atividades escolares ou laborais, fumar ou, no que experimentaram 244.699 encarceramen-


trato com os agentes penitenciários, proceder tos”17, detectou-se que a maioria dos presos que
de forma considerada insolente ou grosseira praticavam atos de autolesão correspondia jus-
(Cloud; Drucker; Browne; Parsons, 2015, p. 22). tamente à minoria que reunia três característi-
Ao mesmo tempo, em contingente expressivo cas principais: (a) encontravam-se em confina-
dos estabelecimentos prisionais norte-america- mento solitário, (b) tinham sido diagnosticados
nos, o confinamento solitário consubstancia san- com doença mental severa (severe mental ill-
ção administrativa frequente, em caso de viola- ness – smi)18 e (c) situavam-se na faixa etária
ção de normas disciplinares, aplicadas a pretexto de até 18 anos. Essa pesquisa, conduzida por
de serem resguardadas a ordem e a segurança no gestores da administração penitenciária res-
ambiente carcerário (Kaba et al., 2014, p. 442). ponsáveis pela área da saúde mental, resultou
Em 2012, nos estados norte-americanos do em novas políticas públicas na cidade de Nova
Alabama, da Califórnia, de Massachuse�s, de Iorque, com o redirecionamento dos presos
Nevada, de Nova Iorque, de Utah e de Washing- classificados como pessoas com doenças men-
ton, 15% da população carcerária era composta tais severas para ambientes mais adequados ao
por lifers, ou seja, por aqueles que se encontra- tratamento clínico e a extinção do confinamen-
vam no cumprimento de sentença penal con- to solitário no tocante aos diagnosticados com
denatória que havia aplicado a penalidade de SMI (Kaba, et al., 2014, p. 442, 444-445).
prisão perpétua. No mesmo ano, um terço dos Em prisões e demais segregações solitárias
apenados com prisão perpétua nos eua, isto é, de longo prazo19, o indivíduo se torna mais vul-
49 mil indivíduos, não tinham direito à liberda- nerável não só ao sofrimento psíquico, mas
de condicional e apenas poderiam sair do cárce- também ao suicídio.
re de modo excepcionalíssimo, em caso de cle- Em pesquisas qualitativas levadas a efeito
mência dada pelo Poder Executivo. Dos anos de nos eua, constatou-se que o confinamento soli-
2008 a 2012, nos Estados Unidos, o quantitativo tário eleva os índices de suicídio no sistema pri-
total de presos que cumpriam sentença de pri- sional. Na segunda metade da década de 2000,
são perpétua havia crescido em 12%, ao passo verificou-se que, no estado de Nova Iorque,
que, desse conjunto, a parcela de encarcerados a taxa de suicídios, em contraste com a popu-
cumprindo prisão perpétua sem possibilidade lação carcerária em geral, era 5% maior entre
jurídica de liberdade condicional16 havia au- aqueles que se encontravam em confinamento
mentado em 22% (Mauer; Nellis, 2015, p. 25). solitário. Observou-se, ainda, no contexto dos
Segundo os levantamentos estatísticos estabelecimentos prisionais de âmbito esta-
feitos pela organização não governamental dual, que 60% dos suicídios de jovens em situ-
The Sentencing Project, nos Estados Unidos, ação de cárcere aconteceram em confinamento
em 1984 havia 34 mil indivíduos cumprindo solitário (Cloud; Drucker; Browne; Parsons,
pena perpétua, ao passo que em 2020 existiam 2015, p. 22).
203.865 apenados nessa situação (The Senten- Por outro lado, a ação de se projetar para o fu-
cing Project, 2022). turo e anelar por horizontes outros, para além
Em pesquisa qualitativa conduzida no sis- do cárcere, é que, por vezes, propele indivíduos
tema prisional da cidade de Nova Iorque, cujo em prisão perpétua a superarem a ideação sui-
objeto de estudo se voltou ao total de ingressos cida. No final da década de 2010, doutorandos
de 1º de janeiro de 2010 a 31 de outubro de 2012, em serviço social da Universidade James Cook,
em universo populacional de “134.118 indivíduos na Austrália, ao efetuarem pesquisa qualitati-

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 147


DA PRISÃO ARBITRÁRIA AObPROJETO EXISTENCIAL

Segundo levantamento estatístico da organização não governamental The Sentencing


Project, nos Estados Unidos, em 1984 havia 34 mil indivíduos cumprindo pena
perpétua, ao passo que em 2020 existiam 203.865 apenados nessa situação

va com 21 apenados, distribuídos em três esta- tativa de se haver com o sofrimento psíquico,
belecimentos penitenciários da República do diante da ruptura do seu projeto existencial e
Gana, na África Oriental, localizados, por sua por não mais vislumbrar campos de possíveis
vez, em três regiões do país (Central, Ocidental para vivenciar o desejo de ser e reorganizar o
e de Axante), detectaram que, embora a maioria seu projeto de ser.
daqueles entrevistados, em algum momento do Essa segunda leitura permite o aprofunda-
encarceramento perpétuo, tenha pensado em mento dos marcos teóricos sobre a perspectiva
aniquilar a própria vida, a esperança, apesar fenomenológico-existencialista de matrizes
de remota, de eventual reviravolta em seu des- sartrianas acerca da relação entre o sofrimen-
tino (por exemplo, a contratação de advogado to psíquico grave e o fracasso do projeto exis-
que conseguiria, em grau de recurso, obter do tencial.
Poder Judiciário liberdade condicional) fez com Na terceira leitura, pode-se realizar paralelo
que não mais pensassem em encerrar a própria entre a narrativa ficcional de May e a realidade
existência (Baffour; Francis; Chong; Harris, vivenciada, por exemplo, nas últimas décadas
2020, p. 3, 11). do século 20 e primeiras décadas do século 21,
Cuida-se, portanto, de circunstância diversa na América do Norte, pelos presos submetidos,
daquela enfrentada pelo personagem de Rollo de forma recorrente e banalizada, a sanções pe-
May, uma vez que a desesperança progressiva nais de prisão perpétua (com ou sem liberdade
minou o ânimo do prisioneiro-cobaia de en- condicional) e a sanções disciplinares de confi-
xergar campos de possíveis, entregando-se à namento solitário. 
condição de objeto afetado por outros objetos
(a cela-gaiola e outros componentes do experi-
mento psicológico), a título de propriedade do Título original: Da prisão arbitrária à ruptura
Estado, ao talante do mandatário da nação. do projeto existencial: diálogos entre Rollo May
e Jean-Paul Sartre. Autor: Hidemberg Alves
CONSIDERAÇÕES FINAIS da Frota. Especialista em Relações Internacio-
Conforme exposto nas linhas pretéritas, o con- nais: Geopolítica e Defesa (ufrgs). Especialista
em Psicologia Clínica Existencialista Sartriana
to de Rollo May intitulado “O Homem que foi
(Nucafe/Unifatec). Especialista em Direito
Colocado numa Gaiola” pode receber vários ní-
Público: Constitucional, Administrativo e Tri-
veis de leitura.
butário (pucrs). Especialista em Ciências Hu-
A primeira leitura problematiza a questão manas: Sociologia, História e Filosofia (pucrs).
da liberdade ontológica em Sartre em contraste Especialista em Direito Internacional e Direitos
com a liberdade ôntica das pessoas em situação Humanos (puc Minas). Especialista em Direito
de cárcere. Público (Escola Paulista de Direito). Especialista
A segunda leitura remete à compreensão de em Direito Penal e Criminologia (pucrs). Espe-
contingências que, no ambiente prisional, con- cialista em Direitos Humanos e Questão Social
duzem o sujeito a atos de má-fé, assim interpre- (pucpr). Especialista em Psicologia Positiva: Ci-
tados não sob o ângulo da moralidade social ou ência do Bem-Estar e Autorrealização (pucrs).
comum, nem dos valores morais individuais, Especialista em Direito e Processo do Trabalho
tampouco da normatividade jurídica, mas na (pucrs). Especialista em Direito Tributário (puc
qualidade de soluções que o indivíduo encon- Minas). Agente Técnico-Jurídico do Ministério
tra em sua dinâmica psíquica, ainda que nem Público do Estado do Amazonas (carreira jurídi-
ca de nível superior do mp/am).
sempre em coerência consigo mesmo, na ten-

148 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


Hidemberg Alves da Frota SELEÇÃO DO EDITOR

NOTAS
1. Artigo publicado, originalmente, na Revista de bases sartrianas, “não é fruto de mecanis- lidade que sufoca, e os desvios, as torções que
da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, mos inconscientes, processos subjetivos, mas disto resultam. Superar tudo isso é também
São Paulo, v. 4, n. 22, p. 115-138, jul.-dez. 2022, resultante do embate com [o] seu contexto conservá-lo: pensaremos com estes desvios
e ora republicado mediante prévia autorização antropológico e sociológico” (SCHNEIDER, originais, agiremos com estes gestos apren-
da RDPSP. Agradecimento ao Conselheiro Afrâ- 2006, p. 308), levando em conta a atuação didos e que queremos recusar. Projetando-nos
nio de Sá, Professor Emérito da UFAM, por das forças sociológicas, ou seja, das “ocorrên- em direção ao nosso possível para escapar às
haver, generosamente, franqueado ao autor cias de pressão social, advindas de seu con- contradições de nossa existência, nós as des-
ampla bibliografia sartriana. Agradecimento, texto material, sociológico, que levam o sujei- velamos e elas se revelam na nossa própria
na pessoa do Prof. Dr. Alexandre Trzan-Avila e to a experimentar-se atraído ou repelido por ação, ainda que esta ação seja mais rica que
da Profa. MSc. Thaís de Sá Oliveira, ao corpo certas situações” (SCHNEIDER, 2006, p. 303). elas e nos faça aceder a um mundo social onde
docente e discente da primeira turma da Espe- 6. À semelhança da violência colonial das novas contradições nos arrastarão a condutas
cialização em Psicologia Clínica Existencialista metrópoles europeias, por meio da qual as novas.” (SARTRE, 1966, p. 84, citação adapta-
Sartriana do Instituto NUCAFE, em parceria potências do Velho Continente não só almeja- da à reforma ortográfica brasileira de 2009)
com a UNIFATEC, pelos ricos e inspiradores ram “impor respeito” a indivíduos escraviza- 14. “[...] É preciso, pois, conceber a possibi-
diálogos, estudos, vivências e reflexões. dos, mas também “desumanizá-los” (SARTRE, lidade como duplamente determinada: de um
2. Devido processo legal, nesse contexto, diz 1968, p. 144). lado é, no próprio coração da ação singular,
com o direito fundamental de o cidadão, como 7. “A elite europeia empreendeu fabricar uma a presença do futuro como aquilo que falta
súdito do Estado, participar, de modo indivi- elite indígena: selecionavam adolescentes, e aquilo que revela a realidade por esta au-
dual e pessoal, de determinado processo, prin- marcavam-lhe na fronte, à força, os princípios sência mesma.” (SARTRE, 1966, p. 79, grifos
cipalmente nas esferas judicial e administra- da cultura ocidental, enchiam-lhe a boca de pa- originais)
tiva, antes que o Estado, no exercício da sua lavras sonoras, grandes palavras pastosas que 15. John Howard Society of Ontario.
soberania interna (nacional ou doméstica), prendiam aos dentes; após uma breve estada 16. A literatura de língua inglesa especia-
decida se privará ou não dado direito daque- na metrópole, remetiam-nos para casa, falsifi- lizada em pesquisas relativas à pena de pri-
le, de tal maneira que o Estado tem o dever cados.” (SARTRE, 1968, p. 137, citação adapta- são perpétua bifurca as prisões formalmente
jurídico de abster-se de surpreender o cidadão da à Reforma Ortográfica brasileira de 2009) perpétuas (formalmente, porque previstas,
de, casuisticamente, suprimir-lhe direitos ou 8. Principalmente, do ponto de vista jurídico- no respectivo ordenamento jurídico, como
inovar as normas do processo a desfavor da- -constitucional, o direito geral de liberdade, prisões perpétuas, portanto, não se trata de
quele, no curso da marcha processual, violan- a liberdade de locomoção e o direito de o penas de prisão que se tornaram perpétuas
do as regras do jogo que o próprio Estado, de indivíduo não ser detido nem preso de modo apenas na facticidade: as penas de prisão
forma antecedente, por meio do ordenamento arbitrário (SARLET, 2019, p. 538-542). perpétua em sentido formal são aquelas já de
jurídico, havia editado e se comprometido 9. Trecho do prefácio de Sartre, datado de 9 antemão prescritas pela ordem jurídica como
com a sociedade em geral a seguir, ao passo de novembro de 1963, à obra “Razão e Vio- prisões cuja duração se estenderá até a morte
que o cidadão, em especial nas circunstâncias lência”, de autoria dos psiquiatras Ronald Da- do apenado) em dois tipos fundamentais: (a)
em que litiga nos campos judicial e adminis- vid Laing e David Graham Cooper, pioneiros as penas de prisão perpétua sem a possibi-
trativo, tem a faculdade de “investir na defesa do movimento antipsiquiátrico no continente lidade jurídica de liberdade condicional (life
da posição que lhe interessa, tantos esforços europeu, originalmente publicada no Reino without the possibility of parole – LWOP) e
quanto julgue serem necessários para [a] sua Unido em 1964, com tradução para a língua (b) as penas de prisão perpétua com a pos-
adequada defesa” (VITORELLI, 2020). portuguesa veiculada no Brasil em 1976. Na sibilidade jurídica de liberdade condicional
3. Estado de direito, nessa tessitura, rela- parceria intelectual entre R. D. Laing e D. G. (life with possibility of parole – LWP) (SMIT;
ciona-se a sua acepção em sentido formal e Cooper, destacam-se os estudos sobre a pro- APPLETON, 2019, p. 35).
amplo, segundo a qual tanto os súditos-go- dução social do sofrimento psíquico, levando- 17. Tradução livre nossa.
vernados quanto o Estado e os governantes -se em conta a quota de responsabilidade da 18. A doença mental severa corresponde, na
devem obedecer às normas do ordenamento família e das instituições, em particular a psi- perspectiva fenomenológica e existencialista
jurídico, notadamente às leis, e serem por elas quiátrica (PRADO FILHO; LEMOS, 2012, p. 53). da psicologia de inspiração sartriana, ao so-
regulados (VIEIRA, 2017). 10. Inspirado no brocardo de que, na “na- frimento psíquico grave (SCHNEIDER, 2018,
4. Livre práxis como a liberdade por meio tureza, nada se cria, nada se perde, tudo se p. 402). Cuida-se, conforme antecipado em
de cujo exercício os campos sociomateriais e transforma” (o conhecido princípio da conver- passagem anterior, de diálogo entre a feno-
socioculturais pretéritos e atuais são negados sação da massa), atribuído ao químico fran- menologia e o existencialismo, coadjuvado
e ultrapassados, realizando-se, no caminhar cês do século 18, Antoine Laurent de Lavoisier pelos saberes extraídos da sociologia e da
a dado porvir, determinado possível, à vista (1743-1794). antropologia, em contraponto às abordagens
de campos de possíveis (a práxis se apresenta 11. “[...] a conduta mais rudimentar deve de viés organicista, mentalista, psicanalista,
livre por acontecer em meio a esse leque de ser determinada ao mesmo tempo em relação funcionalista e patologizante (SCHNEIDER,
possibilidades da concretude), em processo aos fatores reais e presentes que a condicio- 2017, p. 401-402, 407).
assinalado pela (re)criação histórica, de tal nam e em relação a certo objeto a vir que ela 19. Consubstanciadas no anexo da Resolu-
forma que a liberdade consiste na práxis que tenta fazer nascer. É o que denominamos o ção 70/175, da Assembleia-Geral das Nações
constitui a historicidade sob os ângulos sin- projeto.” (SARTRE, 1966, p. 77, grifo do autor, Unidas, adotada em 17 de dezembro de 2015,
gular e coletivo (MATTOS; EWALD; CASTRO, citação adaptada à reforma ortográfica brasi- as Regras de Nelson Mandela (Regras Míni-
2012, p. 736; SCHNEIDER, 2022). leira de 2009) mas das Nações Unidas para o Tratamento
5. Dinâmica psíquica, na psicologia fenome- 12. “[...] o homem caracteriza-se antes de de Presos) encerram, em seu corpo normati-
nológica e existencialista de alicerces sartria- tudo pela superação de uma situação, pelo vo, a Regra 43, n.º 1, a qual veda, em caráter
nos, relaciona-se à “noção de que os atos que ele chega a fazer daquilo que fez dele, absoluto, restrições e sanções disciplinares
do sujeito têm significados que remetem à mesmo que ela não se reconheça jamais em que impliquem práticas de tortura, punições
sua constituição psicológica, ganhando uma sua objetivação.” (SARTRE, 1966, p. 77, cita- e demais tratamentos de índole cruel, desu-
dinâmica transcendente às condições socio- ção adaptada à reforma ortográfica brasileira mana ou degradante, e, nesse sentido, proíbe,
materiais que a geraram” (SCHNEIDER, 2006, de 2009) em quaisquer circunstâncias, entre outros, os
p. 289). Em que pese o sujeito ser arrastado 13. “[...] Neste nível também os traços que confinamentos solitários indefinido (alínea a)
por determinada dinâmica psíquica, ela, na deixaram nossas primeiras revoltas, nossas e prolongado (alínea b) (ORGANIZAÇÃO DAS
perspectiva fenomenológica e existencialista tentativas desesperadas para superar uma rea- NAÇÕES UNIDAS, 2016, p. 29).

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 149


DA PRISÃO ARBITRÁRIA AObPROJETO EXISTENCIAL

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150 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


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LEGISLAÇÃO

LEIS ORDINÁRIAS
Lei 14.737, de 27 de novembro de 2023

ACOMPANHAMENTO À MULHER

Amplia o direito da mulher de ter acompanhante nos atendimentos realizados em serviços de saúde
públicos e privados.
[Art. 19-J. Em consultas, exames e procedimentos realizados em unidades de saúde públicas ou pri-
vadas, toda mulher tem o direito de fazer-se acompanhar por pessoa maior de idade, durante todo o
período do atendimento, independentemente de notificação prévia.]

Lei 14.736, de 24 de novembro de 2023

PESSOAS COM HANSENÍASE

Modifica o valor da pensão especial concedida às pessoas com hanseníase submetidas compulsoria-
mente a isolamento ou a internação e conceder o benefício aos seus filhos, na forma que especifica.
[Art. 1º Fica o Poder Executivo autorizado a conceder pensão especial mensal, vitalícia e intransferível
às pessoas atingidas pela hanseníase que foram compulsoriamente submetidas, até 31 de dezembro
de 1986, a isolamento, domiciliar ou em seringais, ou a internação em hospitais-colônia, que a reque-
rerem, a título de indenização especial, não inferior ao salário-mínimo nacional vigente.]

Lei 14.735, de 23 de novembro de 2023

POLÍCIA CIVIL

Institui a Lei Orgânica Nacional das Polícias Civis, dispõe sobre suas normas gerais de funcionamen-
to e dá outras providências.
[Art. 10. A Corregedoria-Geral de Polícia Civil, dotada de autonomia em suas atividades, tem por fi-
nalidade praticar os atos de controle interno, correição, orientação e zelo pela qualidade e avaliação
do serviço policial, com atuação preventiva e repressiva, nas ocorrências de infrações disciplinares e
penais praticadas por seus servidores no exercício da função.]

Lei 14.723, de 13 de novembro de 2023

COTAS

Dispõe sobre o programa especial para o acesso às instituições federais de educação superior e de en-
sino técnico de nível médio de estudantes pretos, pardos, indígenas e quilombolas e de pessoas com
deficiência, bem como daqueles que tenham cursado integralmente o ensino médio ou fundamental
em escola pública.
[Art. 3º Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata o art. 1º desta Lei serão
preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos, indígenas e quilombolas e por
pessoas com deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao total de vagas no mínimo igual
à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e quilombolas e de pessoas com deficiência na
população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo da
Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).]

152 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


LEGISLAÇÃO

Lei 14.722, de 8 de novembro de 2023

TRANSPLANTE

Institui a Política Nacional de Conscientização e Incentivo à Doação e ao Transplante de Órgãos e


Tecidos.
[Art.1º Esta Lei institui a Política Nacional de Conscientização e Incentivo à Doação e ao Transplante
de Órgãos e Tecidos, a ser implementada pela União, pelos Estados, pelos Municípios e pelo Distrito
Federal.]

Lei 14.721, de 8 de novembro de 2023

GRAVIDEZ E PUERPÉRIO

Altera o Estatuto da Criança e do Adolescente para ampliar a assistência à gestante e à mãe no perí-
odo da gravidez, do pré-natal e do puerpério.
[Art. 8º, § 11. A assistência psicológica à gestante, à parturiente e à puérpera deve ser indicada após
avaliação do profissional de saúde no pré-natal e no puerpério, com encaminhamento de acordo com
o prognóstico.]

Lei 14.717, de 31 de outubro de 2023

FEMINICÍDIO

Institui pensão especial aos filhos e dependentes crianças ou adolescentes, órfãos em razão do crime
de feminicídio tipificado no inciso VI do § 2º do art. 121 do Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de
1940 (Código Penal), cuja renda familiar mensal per capita seja igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do
salário-mínimo.
[Art. 2º O benefício de que trata o art. 1º desta Lei será concedido às crianças e aos adolescentes elegí-
veis à prestação mensal na data de publicação desta Lei, inclusive nos casos de feminicídios ocorridos
anteriormente, sem efeitos retroativos.]

Lei 14.713, de 30 de outubro de 2023

GUARDA COMPARTILHADA

Altera o Código Civil e o Código de Processo Civil para estabelecer o risco de violência doméstica ou
familiar como causa impeditiva ao exercício da guarda compartilhada, bem como para impor ao juiz
o dever de indagar previamente o Ministério Público e as partes sobre situações de violência domés-
tica ou familiar que envolvam o casal ou os filhos.
[Art. 1.584. § 2º Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-
-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo
se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda da criança ou do adolescente
ou quando houver elementos que evidenciem a probabilidade de risco de violência doméstica ou fa-
miliar.]

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 153


LEGISLAÇÃO

Lei 14.711, de 30 de outubro de 2023

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

Dispõe sobre o aprimoramento das regras de garantia, a execução extrajudicial de créditos garan-
tidos por hipoteca, a execução extrajudicial de garantia imobiliária em concurso de credores, o
procedimento de busca e apreensão extrajudicial de bens móveis em caso de inadimplemento de
contrato de alienação fiduciária, o resgate antecipado de Letra Financeira, a alíquota de imposto
de renda sobre rendimentos no caso de fundos de investimento em participações qualificados que
envolvam titulares de cotas com residência ou domicílio no exterior e o procedimento de emissão
de debêntures.
[Art. 22. A alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o fiduciante, com
o escopo de garantia de obrigação própria ou de terceiro, contrata a transferência ao credor, ou fidu-
ciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel.]

DECRETOS
Decreto 11.809, de 29 de novembro de 2023

NAÇÕES UNIDAS

Promulga o Acordo entre a República Federativa do Brasil e o Alto Comissariado das Nações Unidas
para Refugiados para o Estabelecimento e o Funcionamento de Escritório do ACNUR no Brasil, fir-
mado em Brasília, em 19 de fevereiro de 2018.
[Art. 2º São sujeitos à aprovação do Congresso Nacional atos que possam resultar em revisão do Acor-
do e ajustes complementares que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio na-
cional, nos termos do inciso I do caput do art. 49 da Constituição.]

Decreto 11.785, de 20 de novembro de 2023

AÇÕES AFIRMATIVAS

Institui o Programa Federal de Ações Afirmativas.


[Art. 2º Para fins do disposto neste Decreto, são considerados ações afirmativas os programas e as me-
didas adotadas pelo Poder Público para corrigir as desigualdades e promover a equidade e os direitos
de grupos sociais historicamente discriminados.] 

154 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


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SÚMULAS MAIS RECENTES

desembargador, ou quem o tenha sucedido na


STF respectiva vaga, que tenha atuado preteritamente
em ação ou recurso conexo, sempre que, na forma
SÚMULA VINCULANTE 58 do art. 55 do CPC, haja identidade de pedido ou
IPI de causa de pedir (remota ou próxima), sendo
Inexiste direito a crédito presumido de IPI irrelevante se a ação ou recurso que originaram a
relativamente à entrada de insumos isentos, sujeitos prevenção já tenham sido julgados definitivamente.
à alíquota zero ou não tributáveis, o que não
contraria o princípio da não cumulatividade.
SÚMULA 67
Registro de débito
SÚMULA VINCULANTE 56 O débito correspondente à dívida prescrita, embora
Regime prisional judicialmente inexigível, continua a existir como
A falta de estabelecimento penal adequado não obrigação natural. Seu registro em plataformas
autoriza a manutenção do condenado em regime virtuais de negociação, que não exponham
prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa publicamente o nome do consumidor, não configura
hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS. ato ilícito causador de dano moral indenizável.

SÚMULA VINCULANTE 55 SÚMULA 66


Auxílio-alimentação Descaracterização da mora
O direito ao auxílio-alimentação não se estende aos A cobrança abusiva de encargos no período da
servidores inativos. normalidade contratual (juros remuneratórios e
capitalização) não basta para a descaracterização
STJ da mora quando não efetuado o depósito da parte
incontroversa do débito.

SÚMULA 664
Crimes de trânsito TJRJ
É inaplicável a consunção entre o delito de
embriaguez ao volante e o de condução de veículo
automotor sem habilitação. SÚMULA 386
Cotas condominiais
SÚMULA 663 Nas execuções por título extrajudicial de crédito
Direito à pensão referente a cotas condominiais, admite-se a inclusão
A pensão por morte de servidor público federal pode das prestações que se vencerem no curso do
ser concedida ao filho inválido de qualquer idade, processo.
desde que a invalidez seja anterior ao óbito.
SÚMULA 385
SÚMULA 662 Nomeação
Presídio federal Por força dos princípios da boa-fé administrativa,
Para a prorrogação do prazo de permanência no
da confiança legítima e da razoabilidade, candidato
sistema penitenciário federal, é prescindível a
aprovado em concurso público para a UERJ, já
ocorrência de fato novo; basta constar, em decisão
nomeado antes da edição do Decreto Estadual n.
fundamentada, a persistência dos motivos que
45.682, de 08 de junho de 2016, por ter direito subjetivo
ensejaram a transferência inicial do preso.
líquido e certo à posse, não pode ser afetado pela
aplicação retroativa daquele ato normativo.
TJSC
SÚMULA 384
SÚMULA 68 Dispensa do licenciamento urbanístico
Prevenção A instalação de cortina de vidro, ou sistema
Para fins do art. 117 do RITJSC, considera-se retrátil de fechamento sem perfis de alumínio, ou
prevento para determinada ação ou recurso o semelhante, em material incolor e transparente,

156 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


SÚMULAS MAIS RECENTES

executada por profissional devidamente registrado valores decorrentes da entrega das mercadorias, e
no Conselho Regional de Engenharia – CREA, ou transportá-los até o empregador.
no Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de
Janeiro – CAU/RJ, não configura obra a depender de SÚMULA 100
licenciamento urbanístico, desde que não implique Contagem do prazo recursal
em transformação da varanda em um novo cômodo Publicada a sentença na data em que as partes
habitável da unidade. estavam cientes, nos termos da Súmula 197 do TST,
aí inicia-se a contagem do prazo recursal. Posterior
intimação, mediante publicação em órgão oficial,
TRT4 não altera o marco inicial da contagem daquele
prazo, que é fatal e peremptório, não suscetível de
dilação por vontade das partes ou do juízo, fora dos
SÚMULA 142 permissivos legais.
Adicional de insalubridade
O manuseio de produtos de limpeza de uso
doméstico é passível de enquadramento como
atividade insalubre pelo contato com álcalis
TRT17
cáusticos, nos termos do Anexo 13 da Portaria
3.214/78. SÚMULA 64
Sentença coletiva
SÚMULA 141 O marco inicial da prescrição para a execução de
Norma coletiva
sentença proferida em processo coletivo conta-se
Aplicam-se as normas coletivas da categoria
do trânsito em julgado da sentença coletiva e não da
diferenciada, ainda que o empregador não tenha
publicação do edital estatuído no art. 94 do CDC.
participado da negociação coletiva.

SÚMULA 140 SÚMULA 63


Contratação substitutiva de empregado
Alteração do valor da graticação especial
A dispensa de empregado reabilitado ou com
É ilegal a redução do valor da Gratificação Especial
deficiência somente é válida se observadas,
paga pelo Município de Uruguaiana a seus
cumulativamente, a cota legal e a prévia contratação
empregados, por afronta ao art. 7º, inciso IV, da
de outro trabalhador em semelhantes condições.
Constituição Federal, e art. 468 da CLT.
Uma vez não atendidas tais exigências, a dispensa
é nula e devida é a reintegração. Interpretação

TRT9 teleológica do artigo 93, caput e § 1º, da Lei 8.213 /91.

SÚMULA 62
SÚMULA 102 Previdência privada
Atleta prossional de futebol A Justiça do Trabalho é incompetente para
Para fins da contagem do prazo prescricional, ainda processar e julgar ações que tenham como
que firmados contratos sucessivos com o atleta objetivo a reparação por danos materiais e morais
profissional, não se reconhece a unicidade contratual decorrentes do equacionamento do plano de
e incide a prescrição bienal a partir da extinção de previdência privada fechado, oriundo de atos ilícitos
cada contrato de trabalho, nos termos do artigo 7º, praticados pelos prepostos da (ex)empregadora,
XXIX, da Constituição da República. Editada nos visto que referidos atos não foram praticados por
termos da Resolução Administrativa 33/2017. esta última na qualidade de empregadora, mas de
mera patrocinadora do plano ao qual o trabalhador
SÚMULA 101 encontra-se ligado. 
Entrega de mercadorias
Não é devido acréscimo salarial ao motorista ou
ao auxiliar de motorista pela tarefa de receber

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 157


EMENTÁRIO TITULADO

que respeitado o limite máximo sob os fundamentos de que


de 20% das vagas oferecidas no o edital previu reserva de 5%
certame, limite máximo estabelecido das vagas para deficientes
pela lei federal, havendo, na mesma físicos, e que tal percentual
linha, orientação do STJ. 4. O art. 12 deve ser calculado conforme
ADMINISTRATIVO do Decreto Estadual n. 13.141/2011,
o qual dispõe que em havendo
o Decreto Estadual 13.141/2011,
observando a proporção do
“coincidência na ordem de nomeação edital, com a convocação de
PESSOA COM DEFICIÊNCIA entre cotistas do programa de um portador de necessidades
reserva de vagas para negros com especiais a cada 20 nomeados.
686.001 Reserva de vagas
pessoa portadora de deficiência, será Concluiu que, com tais
para pessoa com deficiência
convocado primeiramente aquele critérios, a classificação da
deve ser mantida, mesmo que
que obtiver maior pontuação na impetrante, aprovada em
resulte em fração inferior,
classificação geral do certame” deve 1º nas vagas destinadas aos
com arredondamento,
ser interpretado no sentido de que portadores de deficiência e em
respeitando o limite máximo
haja alternância nas convocações 30º na ampla concorrência, não
de 20% das vagas
(entre cotistas e pessoas com foi alcançada. 3. O Edital do
deficiência). 5. Agravo interno não Concurso 1/2014 SAD/JUCEMS,
Processual Civil e Administrativo.
provido. de 16.4.2014, prorrogado por
Concurso público. Candidato. Pessoa
(STJ – Ag. Interno nos Embs. mais dois anos, em 19.10.2016,
com deficiência. Preterição. Direito
de Decl. no Rec. em Mandado de previu 13 vagas no total
à nomeação. Existência. 1. O STJ
Segurança n. 56343/MS – 1a. T. – Ac. para o cargo de Analista de
entende pela inoponibilidade da
unânime – Rel.: Min. Gurgel de Faria Atividades Mercantis, sendo
garantia da coisa julgada às relações
– Fonte: DJ, 24.11.2022). quatro vagas disponíveis para
jurídicas continuativas na hipótese
a cidade de Campo Grande/
em que há substancial alteração no
MS, além da reserva de 5%
estado de fato ou de direito (AgInt NOTA BONIJURIS: Em
para os deficientes físicos, nos
no RMS n. 66.076/RS, rel. ministro caso semelhante, o STJ
termos dos Decretos estaduais
Gurgel de Faria, Primeira Turma, compreendeu que: “Processual
3.298/1999 e do Decreto
julgado em 4/4/2022, DJe de 12/4/2022). Civil e Administrativo.
Estadual 13.141/2011 (fls. 25 e 45,
2. Hipótese em que o presente Agravo interno no RMS.
de 24/50, 80, e 141, de 140/144).
mandado de segurança se centra Concurso público. Analista
4. Ao longo da validade do
em nova causa de pedir em relação de atividades mercantis da
certame surgiram cinco vagas
aos outros dois mandamus, já que JUCEMS. Candidata portadora
para o cargo de Analista de
houve ao menos duas modificações de deficiência aprovada.
Atividades Mercantis para a
de fato relevantes desde o trânsito Ilegalidade do afastamento da
cidade de Campo Grande, sendo
em julgado das ações anteriores: a regra de arredondamento do
nomeados cinco candidatos
convocação de novos concorrentes coeficiente ao primeiro número
para o cargo de Analista de
– inclusive dois candidatos inteiro subsequente. Eficácia
Atividades Mercantis, todos da
cotistas – e a expiração do prazo do comando constitucional.
ampla concorrência, conforme
de validade do certame sem que Direito a nomeação. 1. Trata-
Decreto P 4.063, de 20 de agosto
tenha sido convocada pessoa com se de Mandado de Segurança
de 2015, e Decreto P 5.161, de 10
deficiência para o cargo e região aos impetrado por candidata
de novembro de 2016 (fls. 146 e
quais concorreu o impetrante. 3. O aprovada ao cargo de Analista
147). A impetrante foi aprovada
Supremo Tribunal Federal reconhece de Atividades Mercantis da
em 1ª na lista de portadores
que a exigência constitucional da Junta Comercial do Estado
de deficiência e em 30 na lista
reserva de vagas para portadores de Mato Grosso do Sul –
de ampla concorrência. 5. O
de deficiência se impõe ainda que JUCEMS, no Município de
Supremo Tribunal Federal
a aplicação do percentual de vagas Campo Grande/MS, visando
reconhece que a exigência
reservadas aos deficientes resulte assegurar sua nomeação em
constitucional da reserva
em fração inferior, caso em que deve vaga destinada a portador de
de vagas para portadores de
haver o arredondamento, a fim de deficiência física, com base no
deficiência se impõe ainda
garantir a eficácia do art. 37, VIII, da critério da alternância e do
que a aplicação do percentual
CF, bem como assegurar a isonomia arredondamento. 2. O aresto
de vagas reservadas aos
de tratamento aos deficientes, desde recorrido denegou a segurança
deficientes resulte em fração

158 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


EMENTÁRIO TITULADO

inferior, hipótese em que deve Apelações cíveis. Ação civil pública. da Lei nº 7.347/85 c/c art. 23-B, §§1º
haver o arredondamento, a Constitucional. Administrativo. e 2º, da Lei nº 8.429/92. Precedentes
fim de garantir a eficácia do Pleito inaugural formulado pelo do insigne Superior Tribunal de
art. 37, VIII, da CF, bem como Ministério Público do Estado do Rio Justiça e deste colendo sodalício.
assegurar a isonomia de de Janeiro ante aduzida consecução Provimento do recurso.
tratamento aos deficientes, de atos de improbidade no bojo (TJRJ – Ap. Cível n. 0000382-
desde que respeitado o limite da contratação administrativa de 84.2013.8.19.0049 – 18a. Câm. Dir. Priv.
máximo de 20% das vagas músicos por inexigibilidade de – Ac. unânime – Rel.: Des. Cláudio
oferecidas no certame, limite licitação, por ocasião de evento de Mello Tavares – Fonte: DJ,
máximo estabelecido pela lei promovido pela municipalidade 01.09.2023).
federal. Na mesma linha é a de Santa Maria Madalena em
orientação do STJ. Precedentes. 2007. Lide veiculada em face de FORMALIDADE EXACERBADA
6. Esse entendimento, segundo gestores e de sociedade favorecida,
o brocado ubi eadem ratio ibi esta na condição de sedizente 686.003 Apresentação de
idem jus, também deve ser representante dos artistas certidões negativas de forma
aplicado ao caso dos autos, implicados para a negociação em intempestiva por equívoco
ainda que referente ao Estado questão na região. Alegada incursão do edital não impede
de Mato Grosso do Sul, pois dos réus nos tipos descritos nos candidata de realizar a prova
o art. 9, § 2º, da Lei Estadual arts. 10, VIII, e 11, I, da Lei nº 8.429/91. oral em concurso público
1.102/1990 – Estatuto dos Sentença de procedência parcial.
Funcionários Públicos Civis – Irresignação da 2ª demandada. Mandado de Segurança.
estabelece que aos deficientes Acolhimento. Lei nº 14.320/21 que Inadequação da via eleita.
serão reservados até 20% das modificou o texto original da Lei nº Preliminar rejeitada. Concurso
vagas oferecidas em concursos
8.429/91, passando a exigir elemento público. Prova oral. Habilitação e
públicos – art. 9º, § 2º. 7. O edital
subjetivo doloso à caracterização inscrição definitiva. Indeferimento.
do certame disponibilizou 13
das condutas preditas no art. 10 da Certidões negativas. Apresentação
vagas de Analista de Atividades
Lei de Improbidade Administrativa. intempestiva. Redação do edital.
Mercantis, distribuídas entre
Retroatividade daquele diploma Imprecisão. Indução a erro.
dez municípios, e reservou
alterador com relação a feitos Demandas reiteradas. Falha
5% para portadores de
não transitados em julgado objetiva. Indício. Formalismo
deficiência física. Aplicando-
recentemente definida pelo insigne exacerbado. Princípios.
se o percentual de 5% sobre
Supremo Tribunal Federal com Transparência e razoabilidade.
as 13 vagas, o resultado é 0,65,
repercussão geral da matéria Finalidade e interesse público.
devendo ser arredondado para
constitucional reconhecida (Tema Prevalência. 1. Apontados os
o inteiro subsequente 1 (um),
nº 1.199). Inovação legislativa que dispositivos do edital inquinados de
que é inferior a 20% das 13
tornou atípica, mediante expressa vício e colacionado tal documento,
vagas, equivalente a 2,6. Assim,
revogação, a conduta descrita no depreende-se satisfeito o requisito
configura ato ilegal deixar de
art. 11, I, da LIA. Não demonstração da prova pré-constituída,
nomeá-la para tomar posse pelo
da volitividade exigida, no mais, afigurando-se o mandado de
critério do arredondamento e da
alternância. 8. Agravo Interno pelo diploma alterador, mesmo segurança como via adequada à
não provido” (AgInt nos EDcl após conversão do julgamento em pretensão deduzida. Preliminar
no RMS n. 66.980/MS, relator diligência por este órgão relatorial rejeitada; 2. Trata-se de mandado
Ministro Herman Benjamin, a fim de propiciar a produção de segurança impetrado contra
Segunda Turma, julgado em de semelhante prova específica. ato de indeferimento da inscrição
21/2/2022, DJe de 15/3/2022.) Retroatividade in bonam partem da definitiva, com participação
Lei nº 14.230/21 que deve socorrer da prova oral de concurso para
aos réus neste peculiar contexto, a provimento de vagas em cargo
despeito de deveras não evidenciada público, face à ausência de
CONTRATAÇÃO DE MÚSICOS a sua completa subsunção aos apresentação de certidões negativas
requisitos do art. 25, III, da Lei nº no prazo do edital; 3. Diante da
686.002 Falta de elemento 8.666/93 para a inexigibilidade imprecisão do comando normativo,
subjetivo doloso resulta em licitatória. Reforma integral da assenta-se verossímil a tese de
indeferimento do pedido de decisão, com a improcedência do interpretação equivocada do
condenação por improbidade pedido inicial. Afastamento dos edital, capaz de levar a impetrante
administrativa encargos de sucumbência. Art. 18 a descumpri-lo, não por dolo ou

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 159


ADMINISTRATIVO

culpa na esquiva de produzir a parcialmente provido. 1. A questão 14133/2021; e) Aliás, não é possível o
prova de idoneidade, mas por submetida ao conhecimento atendimento à pretensão em obter
erro favorecido pela ambiguidade deste Egrégio Tribunal de Justiça a condenação do réu a arcar com os
do texto, erigido às avessas dos consiste em deliberar a respeito da custos da prestação de serviços de
princípios da transparência e da responsabilidade do Distrito Federal saúde em favor de um particular, por
publicidade. Portanto, revela- pelo custeio de tratamento médico uma instituição da rede suplementar
se plausível reputar-se o erro dispensado ao demandante em de saúde: e.1) sem a demonstração do
provocado por terceiro, pelo qual a hospital que integra a rede de saúde interesse público subjacente; e.2) sem
responsabilização do candidato se suplementar. 2. A respeito do tema a indispensável previsão contratual
desalinha das balizas da teoria da controvertido devem ser observados prévia; ou e.3) sem a devida
culpabilidade; 4. A interpretação quatro distintos fundamentos justificativa encetada no âmbito de
do mesmo dispositivo do edital, necessários para lidar com a procedimento amparado pela Lei
reiteradamente questionada em pretensão de obter a condenação do nº 14133/2021. 3. O atendimento à
demandas judiciais, com causa Distrito Federal ao pagamento dos pretensão de criar artificialmente
de pedir e pedidos homogêneos, custos de internação de pacientes na obrigação pecuniária contra o
sinaliza falha objetiva da norma rede hospitalar privada: a) a hipótese Estado, sem o prévio atendimento
vigente, que não pode ocasionar em questão não está submetida às diretrizes normativas vigentes,
prejuízo a terceiros de boa-fé; ao comando normativo previsto consubstancia clara e grave
5. A formalidade exacerbada no art. 37, § 6º, da Constituição situação de anomia institucional.
no trato de normas editalícias Federal; b) não existe, em absoluto, 4. Recurso do segundo apelante
vem sendo sistematicamente nas normas constitucionais e conhecido e parcialmente provido.
combatida pelo Judiciário, sob infraconstitucionais de regência, 4.1. Prejudicado o exame dos demais
fundamentos capitaneados pela mormente as relativas ao SUS, a recursos.
finalidade do concurso e pelo devida autorização para que o Estado (TJDFT – Ap. Cível n. 0715023-
interesse público, dos quais, não proceda ao pagamento de despesas 50.2022.8.07.0018 – 2a. T. – Ac.
raro, emana a conclusão pela hospitalares feitas em decorrência unânime – Rel.: Des. Alvaro Ciarlini
desproporcionalidade, quando de internações como no caso em – Fonte: DJ, 11.10.2023).
confrontados com a aplicação rígida análise, sem a prévia formalização
da norma formal, sobretudo diante de “contrato” administrativo para SISTEMA DE COTAS
de vício passível de convalidação, tanto; c) diante das referidas
e marcado, ao menos por parcela normas, e, em especial, do comando 686.005 Parâmetro
de culpa administrativa, como normativo previsto no art. 198 da orientador para validar o
é o caso dos autos; 6. Segurança Constituição Federal, é atribuição direito à participação em
parcialmente concedida. do Sistema Único de Saúde, suas concorrência especial deve
(TJPA – Mandado de Segurança conferências e conselhos, inclusive ser baseado nas
n. 0810866-67.2023.8.14.000 – T. P. – Ac. com a participação de outros órgãos características observáveis
unânime – Rel.: Desa. Célia Regina representativos da sociedade civil, a e não nos traços genéticos
de Lima Pinheiro – Fonte: DJ, deliberação a respeito dos critérios
05.10.2023). de implementação das políticas Administrativo. Agravo Interno.
públicas de saúde instituídas no Recurso em mandado de segurança.
DESATENÇÃO A NORMA DO SUS âmbito desse sistema, inclusive Concurso público. Sistema de cotas.
com a devida observância de seus Critério de avaliação fenotípica.
686.004 Hospitalização de meios de financiamento e, ou, Legalidade. Não enquadramento
paciente que procurou determinação das hipóteses de uso de candidato nos requisitos para
assistência diretamente em de rede pública suplementar de inclusão na lista de cotas raciais.
um hospital privado exclui a saúde; d) por isso mesmo, não se Previsão no edital. Não compete
responsabilidade do Estado afigura correto, merecendo a devida ao poder judiciário substituir a
de reembolsar as despesas atenção e reflexão, com a devida banca examinadora. Provimento
incorridas vênia, o entendimento hoje corrente negado. 1. Cuida-se de mandado
a respeito do tema, no sentido de de segurança impetrado contra
Apelação Cível. Administrativo determinar o pagamento, a uma ato atribuído ao Secretário de
e constitucional. Internação entidade particular, sem a devida Administração e ao Secretário da
em hospital. Rede de saúde observância das hipóteses previstas Fazenda Pública, ambos do Estado
suplementar. Distrito Federal. no art. 37, § 6º, da Constituição da Bahia, consistente na exclusão
Custeio. Impossibilidade. Recurso Federal, ou mesmo na Lei nº da parte do concurso público para

160 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


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ADMINISTRATIVO

provimento de cargos de Auditor Concessionária energia elétrica. compartilhada. Hipótese em que a


Fiscal / Tecnologia da Informação, Implantação de poste, licença. Rede concessionária de energia elétrica,
regido pelo Edital SAEB/01/2019. 2. O de infraestrutura compartilhada. a par de realizar obra de instalação
entendimento desta Corte Superior Dever de zelar pela manutenção de poste sem prévia licença do
é firme no sentido de que o critério da rede. Município. Competência Município, violou o dever de
de orientação para a confirmação para legislar. Interesse local. Poder zelar pela manutenção da rede de
do direito à concorrência especial de polícia. Licença para obras. infraestrutura compartilhada. 5.
há de fundar-se no fenótipo e Equipamentos. Retirada. Cabos Consoante o entendimento firmado
não meramente no genótipo, na inativos, enrolados. Correção pelo STF no julgamento da ADI 442,
ancestralidade do candidato. 3. monetária. Juros de mora. 1. A “a União e Estados-membros detêm
A jurisprudência do Superior competência da União para legislar competência legislativa concorrente
Tribunal de Justiça é rigorosamente sobre energia e telecomunicações para dispor sobre matéria financeira
torrencial e uniforme quanto não exclui a competência dos [...], desde que o fator de correção
à obrigatoriedade de seguir-se Municípios para legislar sobre adotado pelo Estado-membro seja
fielmente as disposições do edital assuntos de interesse local, no igual ou inferior ao utilizado pela
como garantia do princípio da exercício do poder de polícia União”. Hipótese em que não há
igualdade, sem que isso signifique administrativa das atividades identidade material entre o caso
submissão alguma às exigências de urbanas, que alcança o uso do em apreço e o paradigma citado.
ordem meramente positivistas. 4. É solo, do espaço aéreo de vias Recurso desprovido.
firme a jurisprudência desta Corte públicas pelas concessionárias (TJRS – Ap. Cível n. 5001058-
Superior de que não compete ao de serviço público de energia 80.2022.8.21.0014 – 22a. Câm. Cív. – Ac.
Poder Judiciário substituir a banca elétrica, para garantir a segurança, unânime – Rel.: Desa. Maria Isabel
examinadora para reexaminar a estética e “demais condições de Azevedo Souza – Fonte: DJ,
o conteúdo das questões e os convenientes ao bem-estar 31.08.2023).
critérios de correção utilizados, público”. 2. São constitucionais as
salvo ocorrência de ilegalidade ou normas municipais que impõem
NOTA BONIJURIS:
de inconstitucionalidade (Aglnt à concessionária de serviço de
Transcreve-se excerto do
nos EDcl no RMS 53.448/SC, relator energia elétrica a obrigação de
voto do rel. min. Dias Toffoli,
Ministro Gurgel de Faria, Primeira requerer o prévio licenciamento
no RE 776.594, ao tratar da
Turma, julgado em 6/6/2022, DJe de da implantação de postes e de
convivência harmônica entre
10/6/2022; AgInt no RMS n. 49.239/ manutenção da rede, obrigando-a
a competência da União e a
MS, relatora Ministra Regina Helena a retirar equipamentos e
dos municípios: “Na ocasião, o
Costa, Primeira Turma, julgado cabeamentos inativos, rompidos
ministro Gilmar Mendes aduziu
em 20/10/2016, DJe de 10/11/2016). enrolado ou com flecha fora
que a lei municipal analisada
5. Agravo interno a que se nega da norma por estarem em
“não tinha conseguido
provimento. harmonia com as normas legais
apreender o objeto do serviço
(STJ – Ag. Interno nos Embs. e regulamentares federais que
prestado, mas certamente
de Decl. no Rec. em Mandado de disciplinam a matéria. Precedentes
há e pode haver o exercício
Segurança n. 69978/BA – 1a. T. – Ac. do STF. 3. A concessionária
de poder de polícia” (grifo
unânime – Rel.: Min. Paulo Sérgio do serviço público de energia
nosso). E complementou:
Domingues – Fonte: DJ, 25.10.2023). elétrica – Detentora da rede de
“lembrávamos, inclusive, a
infraestrutura compartilhada
distinção de postura” (grifo
INFRAÇÕES ADMINISTRATIVAS com ocupantes – “deve zelar
nosso). Nos debates, apontou-se
para que o compartilhamento
que a atividade de fiscalização
686.006 Inexiste ilegalidade de infraestrutura se mantenha
municipal poderia ser relativa,
nas autuações regular às normas técnicas e
por exemplo, à arborização
administrativas que regulamentares aplicáveis”.
exigida pelas normas locais
imputam multa à Res. 797/2017 da ANEEL. 4. Não
(o que abrange o plantio e a
concessionária de energia há ilegalidade nas autuações
poda de árvores) e à altura de
elétrica pelo administrativas que imputam
fios (que não prejudique, v.g., a
descumprimento de normas multa à concessionária de energia
passagem de veículos altos). [...]
municipais elétrica pelo descumprimento das
Após, Sua Excelência anotou
normas municipais relativas ao
que o decreto regulamentador
Embargos à Execução Fiscal. prévio licenciamento e manutenção
daquela lei, de maneira clara,
Infrações administrativas. Multa. da rede de infraestrutura

162 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


EMENTÁRIO TITULADO

não retira “a competência dos Omissão quanto aos deveres pais têm direito aos alimentos
órgãos reguladores locais para de segurança e manutenção. indenizatórios previstos no artigo
expedição das licenças” (grifo Omissão caracterizada. Morte por 948 do Código Civil em razão da
nosso) nem impede “que esses eletroplessão. Culpa exclusiva da morte do filho menor. V. À falta de
órgãos cobrem taxas pela vítima não caracterizada. Alimentos prova do exercício de atividade
análise das propostas técnicas indenizatórios. Adequação. Dano remunerada ou dos ganhos
de instalação de infraestrutura moral. Compensação. Valor. respectivos, a pensão alimentícia
de redes de telecomunicações”. Razoabilidade. Sentença mantida. para os pais deve ser fixada em 2/3
O Ministro ainda destacou que I. Se as provas produzidas foram do salário mínimo até a data em que
o decreto em alusão prevê a suficientes para a elucidação dos o filho completaria 25 anos de idade
possibilidade de esses órgãos fatos controversos e relevantes e, a partir daí, reduzida para 1/3 até a
reguladores locais indeferirem da demanda, o indeferimento da data em que completaria 65 anos de
as licenças de instalação e inquirição de uma das testemunhas idade. VI. Ante as particularidades
cassarem ‘as licenças em arroladas não pode ser considerado do caso concreto, a importância
casos de descumprimento hostil ao direito de defesa, nos de R$ 90.000,00 para cada autor
das condições estipuladas no termos dos artigos 370 e 443 do (mãe, pai e irmã), corrigida
requerimento ou na legislação’.” Código de Processo Civil. II. O monetariamente e acrescida de
(grifo nosso) Distrito Federal e a concessionária juros de mora desde o evento
de energia elétrica respondem danoso, compensa adequadamente
objetivamente pela morte de o dano moral e não degenera em
adolescente por eletroplessão enriquecimento injustificado. VII.
MORTE POR DESCARGA ELÉTRICA quando se apoiou na cerca da Recursos e Remessa Necessária
quadra de esportes pública em que desprovidos.
686.007 Poder público é
jogava futebol, nos termos do artigo (TJDFT – Rem. Necessária n.
responsabilizado por morte 37, § 6º, da Constituição Federal, dos 0706982-02.2019.8.07.0018 – 4a. T. – Ac.
de adolescente em descarga artigos 43 e 927 do Código Civil e unânime – Rel.: Des. James Eduardo
elétrica devido a poste de dos artigos 14, 17 e 22 do Código de Oliveira – Fonte: DJ, 10.10.2023).
iluminação mal posicionado Defesa do Consumidor. III. Não se
pode cogitar de culpa exclusiva da RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
Direito Administrativo, Civil e
vítima que usufruía normalmente
Processual Civil. Prova testemunhal
espaço público para recreação 686.008 Cemitério público
desnecessária. Indeferimento.
quando sofreu descarga elétrica municipal que não localiza
Cerceamento de defesa inexistente.
no momento em que comemorava jazigo particular comete
Responsabilidade civil. Distrito
um gol subindo na grade da quadra dano moral e deve indenizar
Federal e concessionária de
esportiva. IV. Nas famílias de baixa
energia elétrica. Morte de
renda presume-se a dependência Apelação Cível. Responsabilidade
adolescente que jogava futebol
econômica recíproca entre seus Civil do Estado. Artigo 37, § 6º da
em quadra pública poliesportiva.
membros, razão pela qual os Constituição Federal. Município

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REVISTA
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BONIJURIS
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NIJURI
URIS
UR
URIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2
EDIÇÃO 2024
024 163
1
163
CIVIL

de Três Rios. Cemitério público. tampa solta, situado na calçada concluso ao gabinete em 17⁄2⁄2023.
Aquisição de perpetuidade de em frente ao estabelecimento 2. O propósito recursal consiste em
jazigo particular. Campa não réu. Parte autora se desincumbiu decidir (I) se a instituição financeira
localizada. Autora foi obrigada a do ônus do inciso I do artigo responde objetivamente por falha
sepultar sua irmã falecida em local 373 do CPC. Fotografias, prova na prestação de serviços bancários,
temporário e diverso. Necessidade testemunhal e boletim médico que consistente na contratação
de transferência dos restos corroboram a narrativa autoral. de empréstimo realizada por
mortais. Danos morais. Sentença Descuido na conservação do estelionatário; e (II) se possui o
de procedência. Inconformismo calçamento que se revela como dever de identificar e impedir
do Município que não prospera. conduta negligente, por parte dos movimentações financeiras que
Responsabilidade do Estado que, prepostos da ré. A ausência de destoam do perfil do consumidor.
de acordo com a teoria do risco providências necessárias para o 3. O dever de segurança é noção
administrativo adotada pelo reparo ou isolamento da área foi a que abrange tanto a integridade
ordenamento jurídico pátrio, na causa eficiente para a ocorrência psicofísica do consumidor, quanto
forma do § 6º do art. 37 da CRFB, do sinistro. Responsabilidade sua integridade patrimonial,
é de natureza objetiva. Elementos civil e nexo de causalidade sendo dever da instituição
dos autos que evidenciam o fato que são reconhecidos. Dano financeira verificar a regularidade
administrativo, o dano e o nexo moral configurado. Quantum e a idoneidade das transações
de causalidade. Desídia no dever indenizatório fixado no valor de R$ realizadas pelos consumidores,
de gestão, fiscalização, guarda e 5.000,00 (cinco mil reais) para cada desenvolvendo mecanismos capazes
vigilância do cemitério municipal. autora, levando-se em consideração de dificultar fraudes perpetradas
Autora que, tendo provado a as circunstâncias do caso concreto. por terceiros, independentemente de
aquisição da perpetuidade do jazigo, Manutenção. Enunciado nº 343 da qualquer ato dos consumidores. 4. A
tem direito à correta identificação Súmula deste Egrégio Tribunal instituição financeira, ao possibilitar
do local, bem como guarda e de Justiça. Sentença mantida. a contratação de serviços de
bom estado de conservação da Desprovimento do recurso. maneira facilitada, por intermédio
sepultura. Manutenção da sentença. (TJRJ – Ap. Cível n. 0025566- de redes sociais e aplicativos, tem o
Desprovimento do recurso. 15.2020.8.19.0205 – 6a. Câm. Dir. Priv. dever de desenvolver mecanismos
(TJRJ – Ap. Cível n. 0005406- – Ac. unânime – Rel.: Des. Guaraci de segurança que identifiquem
70.2021.8.19.0001 – Ac. unânime – 5a. de Campos Vianna – Fonte: DJ, e obstem movimentações que
Câm. Dir. Públ. – Rel.: Des. Eduardo 28.08.2023). destoam do perfil do consumidor,
Gusmão Alves de Brito Neto – notadamente em relação a
Fonte: DJ, 18.08.2023). FRAUDE PERPETRADA POR TERCEIRO valores, frequência e objeto. 5.
Como consequência, a ausência
686.010 Instituições de procedimentos de verificação
financeiras têm o dever de e aprovação para transações
identificar movimentações atípicas e que aparentam
financeiras que não sejam ilegalidade corresponde a defeito
condizentes com o histórico na prestação de serviço, capaz
de transações da conta de gerar a responsabilidade
objetiva por parte da instituição
CIVIL Consumidor. Processual Civil. financeira. 6. Entendimento em
Recurso especial. Ação declaratória conformidade com Tema Repetitivo
NEGLIGÊNCIA DO ESTABELECIMENTO de inexistência de débitos. Dever 466⁄STJ e Súmula 479⁄STJ: “As
de segurança. Fraude perpetrada instituições financeiras respondem
686.009 Queda em um bueiro por terceiro. Contratação de objetivamente pelos danos gerados
devido à má conservação da mútuo. Movimentações atípicas por fortuito interno relativo a
via pública, resultante da e alheias ao padrão de consumo. fraudes e delitos praticados por
conduta negligente do Responsabilidade objetiva da terceiros no âmbito de operações
estabelecimento, acarreta instituição financeira. Recurso bancárias”. 7. Idêntica lógica se
dano moral conhecido e provido. 1. Ação aplica à hipótese em que o falsário,
declaratória de inexistência de passando-se por funcionário da
Apelação cível. Ação indenizatória. débitos, ajuizada em 14⁄8⁄2020, da instituição financeira e após ter
Queda de transeuntes (mãe com qual foi extraído o presente recurso instruído o consumidor a aumentar
filha no colo) em bueiro, com especial, interposto em 21⁄6⁄2022 e o limite de suas transações,

164 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


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CIVIL

contrata mútuo com o banco e, fato (procedimento cirúrgico), para cada operação informações
na mesma data, vale-se do alto os danos (assimetria e cicatriz sigilosas e intransferíveis dever de
montante contratado e dos demais desproporcional) o nexo de guarda e vigilância não observância.
valores em conta corrente para causalidade e a culpa (uso Culpa exclusiva do consumidor.
quitar obrigações relacionadas, incorreto de técnica médica) estão Ausência de falha na prestação
majoritariamente, a débitos fiscais comprovados nos autos. Fotografias de serviço. Recurso conhecido e
de ente federativo diverso daquele anexadas pela autora e laudo desprovido. Honorários majorados.
em que domiciliado o consumidor. pericial que comprovam a versão 1. Está devidamente comprovado
8. Na hipótese, inclusive, verifica- da consumidora. Dano estético nos autos que as transações
se que o consumidor é pessoa configurado, pelas cicatrizes e bancárias questionadas na inicial
idosa (75 anos – imigrante digital), deformidades no corpo da apelada foram realizadas com informações
razão pela qual a imputação de (assimetria de mamas e cicatriz), sigilosas e intransferíveis do
responsabilidade há de ser feita sob que não comportam correção correntista. 2. Para a realização
as luzes do Estatuto do Idoso e da natural, pelo simples decurso do das duas operações bancárias
Convenção Interamericana sobre tempo. Dano moral caracterizado, impugnadas, utilizou-se a senha
a Proteção dos Direitos Humanos pois assimetria de mamas e de acesso, a assinatura eletrônica
dos Idosos, considerando a sua cicatriz desproporcional são fatos e duas sequências numéricas
peculiar situação de consumidor que causam inegável abalo à distintas, que somente poderiam
hipervulnerável. 9. Recurso especial autoestima do ser humano. Valor da ser obtidas pelo usuário, que
conhecido e provido para declarar condenação, fixado na quantia de não apenas cadastrou as duas
a inexigibilidade das transações R$50.000,00, a título de dano moral, primeiras, como também recebia
bancárias não reconhecidas e R$20.000,00, a título de dano a sequência numérica dinâmica
pelos consumidores e condenar o estético, totalizando R$70.000,00. no dispositivo do token físico,
recorrido a restituir o montante Não pode a condenação ser superior cuja guarda e posse também
previamente existente em conta ao pedido autoral, para que o era de sua responsabilidade. 3.
bancária, devidamente atualizado. julgador não incida em violação Cabia ao usuário cadastrado
(STJ – Rec. Especial n. 2.052.228/ à regra da congruência, prevista para acesso na conta empresarial
DF – 3a. T. – Ac. unânime – Rel.: no artigo 492, do CPC. Quantia zelar pelo sigilo das informações,
Min. Nancy Andrighi – Fonte: DJ, indenizatória que merece redução, assim como guardar o dispositivo
15.09.2023). para R$15.000,00, a título de dano do token, evitando que pessoa
estético, e R$15.000,00, a título não autorizada tivesse acesso à
de danos morais, totalizando a sequência numérica dinâmica
NOTA BONIJURIS: A ministra
quantia de R$30.000,00. Recurso necessária à efetivação das
Nancy Andrighi declarou que
parcialmente provido. transações. 4. No termo de adesão
os bancos, ao possibilitarem
(TJRJ – Ap. Cível n. 0004424- aos serviços de internet banking
a contratação de serviços de
maneira fácil, por meio de 53.2017.8.19.0077 – 22a. Câm. Dir. firmado com a instituição financeira
redes sociais e aplicativos, Priv. – Ac. unânime – Rel.: Des. Celso contratada, não há cadastro de
têm “o dever de desenvolver Silva Filho – Fonte: DJ, 18.10.2023). IP, ao contrário, foi fornecido
mecanismos de segurança ao correntista o dispositivo de
que identifiquem e obstem MOVIMENTAÇÕES FINANCEIRAS segurança (token), sem o qual não
movimentações que destoam seria possível realizar as operações.
do perfil do consumidor”. 686.012 É indevida a 5. Os elementos de prova não
indenização quando a fraude demonstram falha na prestação do
bancária ocorreu por culpa serviço, pois a instituição financeira
ABALO À AUTOESTIMA exclusiva do consumidor disponibilizou ao consumidor os
mecanismos de segurança para que
686.011 Assimetria das Apelação Cível. Ação de pudesse realizar suas transações
mamas decorrente de indenização. Fraude bancária. bancários pela internet de forma
cirurgia plástica resulta em Movimentações financeiras não segura. Contudo, o correntista não
indenização por danos reconhecidas. Culpa exclusiva do tomou as cautelas devidas, seja com
morais e estéticos consumidor. Transações efetuadas suas senhas, seja com a numeração
através de validação de credenciais dinâmica fornecida pelo token,
Apelação Cível. Direito do senha de acesso e assinatura de modo que fica evidenciada
consumidor. Cirurgia plástica eletrônica utilização de token físico. sua culpa exclusiva pelas
estética corretiva de mamas. O Sequência numérica dinâmica movimentações contestadas. 6.

166 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


EMENTÁRIO TITULADO

Recurso conhecido e desprovido. 7. moral. Negativa de prestação 5. No processo transexualizador,


Honorários advocatícios majorados jurisdicional. Ausência. Plano a cirurgia plástica mamária
em mais 5% (cinco por cento) sobre de saúde. Mulher transexual. reconstrutiva bilateral incluindo
o valor da causa atualizado, nos Procedimentos cirúrgicos prescritos prótese mamária de silicone
moldes do art. 85, §11, do Código de pelo médico assistente no processo é procedimento que, muito
Processo Civil. transexualizador. Reconhecimento antes de melhorar a aparência,
(TJES – Ap. Cível n. 048180121286 – pelo CFM e incorporação ao SUS. visa à afirmação do próprio
2a. Câm. Cív. – Ac. por maioria – Rel.: Alegação de caráter experimental gênero, incluída no conceito de
Des. Fernando Estevam Bravin Ruy e finalidade estética afastada. saúde integral do ser humano,
– Fonte: DJ, 23.05.2023). Procedimentos listados no rol da enquanto medida de prevenção
ANS sem diretrizes de utilização. ao adoecimento decorrente
INDENIZAÇÃO Negativa indevida de cobertura. do sofrimento causado pela
Dano moral configurado. Valor incongruência de gênero, pelo
686.013 Utilização da imagem proporcional. 1. Ação de obrigação preconceito e pelo estigma social
em telenovela sem a devida de fazer c⁄c compensação por dano vivido por quem experiencia
autorização gera dano moral moral ajuizada em 25⁄08⁄2020, da a inadequação de um corpo
qual foi extraído o presente recurso masculino à sua identidade
Apelação. Ação indenizatória. Uso especial, interposto em 25⁄05⁄2023 e feminina. 6. Tratando-se de
da imagem do autor em trecho concluso ao gabinete em 26⁄09⁄2023. procedimentos cirúrgicos prescritos
de telenovela, sem autorização. 2. O propósito recursal é decidir pelo médico assistente, que não
Sentença de parcial procedência. sobre: (i) a negativa de prestação se enquadram nas exceções do
Termo inicial da prescrição que jurisdicional; (ii) a obrigatoriedade art. 10 da Lei 9.656⁄1998, que são
se renova a cada reprise. Dano de cobertura, pela operadora do reconhecidos pelo CFM e foram
moral configurado. Redução do plano de saúde, de cirurgias de incorporados ao SUS para a mesma
valor indenizatório. Precedentes transgenitalização e de plástica indicação clínica (CID 10 F640 –
do Superior Tribunal de Justiça. mamária com implantação de transexualismo, atual CID 11 HA60
Recurso parcialmente provido. próteses, em mulher transexual; – incongruência de gênero), e que
(TJRJ – Ap. Cível n. 0219219- (iii) a ocorrência de dano moral; estão listados no rol da ANS sem
75.2021.8.19.0001 – 5a. Câm. Dir. Priv. e (iv) a proporcionalidade do diretrizes de utilização, encontram-
– Ac. unânime – Rel.: Des. Agostinho valor arbitrado a título de se satisfeitos os pressupostos que
Teixeira – Fonte: DJ, 03.10.2023). compensação por dano moral. 3. impõem à operadora do plano de
É firme a jurisprudência do STJ saúde a obrigação de sua cobertura,
no sentido de que não há ofensa conforme preconizado no projeto
NOTA BONIJURIS: Conforme
ao art. 1.022 do CPC quando o terapêutico singular norteado por
entendimento da corte
Tribunal de origem, aplicando protocolos e diretrizes vigentes para
superior, “a divulgação de
o direito que entende cabível à o processo transexualizador. 7. A
imagem com fins econômicos,
sem autorização do interessado, hipótese soluciona integralmente jurisprudência do STJ firmou-se no
acarreta dano moral in re ipsa, a controvérsia submetida à sua sentido de que o descumprimento
sendo devida a indenização e apreciação, ainda que de forma contratual por parte da operadora
desnecessária a demonstração diversa daquela pretendida pela de saúde, que culmina em negativa
de prejuízo” (AgInt nos EDcl no parte. 4. Os procedimentos de de cobertura para procedimento
AREsp n. 1.766.378/SP, relator afirmação de gênero do masculino médico-hospitalar, enseja
Ministro Raul Araújo, Quarta para o feminino são reconhecidos compensação por dano moral
Turma, DJe de 15/10/2021). pelo Conselho Federal de quando houver agravamento da
Medicina (CFM) e foram também condição de dor, abalo psicológico
incorporados ao SUS, com indicação ou prejuízos à saúde já debilitada
PROCESSO TRANSEXUALIZADOR para o processo transexualizador, da paciente, como afirmado pelo
constando, inclusive, na tabela de Tribunal de origem, na hipótese. 8.
686.014 Plano de saúde deve procedimentos, medicamentos, Sobre a análise do montante fixado
cobrir cirurgia de mudança órteses, próteses e materiais pelas instâncias ordinárias a título
de sexo para mulher especiais do SUS, vinculados ao de compensação do dano moral, esta
transexual CID 10 F640 – transexualismo Corte somente afasta a incidência
(atual CID 11 HA60 – incongruência da súmula 7⁄STJ quando se mostrar
Recurso Especial. Ação de obrigação de gênero), não se tratando, pois, irrisório ou abusivo, o que não se
de fazer c⁄c compensação por dano de procedimentos experimentais. configura no particular. 9. Recurso

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 167


CIVIL

especial conhecido e desprovido, dano moral coletivo: o dano moral ainda que indireta, a grupo ou
com majoração de honorários. coletivo é a lesão na esfera moral de coletividade de modo a caracterizar
(STJ – Rec. Especial n. 2.097.812/ uma coletividade, isto é, a violação afetação a interesse transindividual
MG – 3a. T. – Ac. unânime – Rel.: de direitos transindividuais de de ordem coletiva. Ademais, a
Min. Nancy Andrighi – Fonte: DJ, ordem coletiva, valores de uma utilização de termos da linguagem
23.11.2023). sociedade atingidos do ponto de coloquial eivados de inspiração
vista jurídico, de forma a envolver racista, sutil ou involuntária,
DISCURSO DE ÓDIO não apenas a dor psíquica, mas ainda que inadequada, não traz
qualquer abalo negativo à moral da consigo a gravidade e relevância
686.015 Uso de linguagem coletividade? (REsp n. 1.397.870/MG, suficiente para caracterizar o dano
debochada e expressões relator Ministro Mauro Campbell moral coletivo. 5 – Ofensa quanto
indecorosas em relação a Marques). Ademais, a conduta capaz à orientação sexual. Em relação às
personalidade esportiva, de configurar dano moral coletivo ofensas associadas a orientação
embora socialmente é aquela que lesão grave lesão aos sexual (o ‘neguim’ devia estar dando
reprováveis, não configura interesses coletivos fundamentais: mais ** naquela época, aí tava meio
lesão grave a bens ou O dano moral coletivo se dá in re ruim?) não se vislumbra interesse
interesses sociais coletivos ipsa, contudo, sua configuração transindividual nem gravidade
somente ocorrerá quando a conduta suficiente para justificar a utilização
Apelação Cível. Direito Civil e antijurídica afetar, intoleravelmente, da proteção coletiva. Não resta
Direito Processual civil. Ação os valores e interesses coletivos evidenciada comparação entre
civil pública. Legitimidade. Dano fundamentais, mediante conduta homossexuais e heterossexuais
moral coletivo. Direitos difusos ou maculada de grave lesão, para no que diz respeito à influência
coletivos. Responsabilidade civil. que o instituto não seja tratado da prática de atividade sexual
Dano moral coletivo. Discurso de de forma trivial, notadamente em em resultados de competições
ódio não caracterizado. Linguagem decorrência da sua repercussão desportivas nem afirmação de que
imprópria. Racismo linguístico. social? (REsp n. 1.840.463/SP, relator o desempenho dos atletas esteja
Gravidade insuficiente. Orientação Ministro Marco Aurélio Bellizze). associada a orientação sexual. O
sexual. 1 – Preliminar. Legitimidade 3 – Racismo. Discurso de ódio. O deboche feito pelo réu poderia
e cabimento da ação civil pública. Na sistema jurídico brasileiro tem ter por objeto também prática
forma do art. 5º da Lei n. 7.347/1985, compromisso com o combate ao sexual entre homem e mulher,
tem legitimidade para propor a racismo (art. 3º., inciso IV) e veda o de modo que não se pode extrair
ação coletiva associação que esteja discurso de ódio (art. 13, parágrafo daí a ocorrência de discurso de
constituída há pelo menos um ano 5, da Convenção Americana de ódio contra os homossexuais.
e inclua, entre suas finalidades Direitos Humanos): 5. A lei deve Não há demonstração de violação
institucionais, a proteção ao proibir toda propaganda a favor da aos valores e interesses coletivos
patrimônio público e social, ao meio guerra, bem como toda apologia ao juridicamente protegidos da
ambiente, ao consumidor, à ordem ódio nacional, racial ou religioso que população negra, da comunidade
econômica, à livre concorrência, aos constitua incitação à discriminação, LGBTQIA+ nem do povo brasileiro
direitos de grupos raciais, étnicos à hostilidade, ao crime ou à de modo geral. 6 – Apelação do réu
ou religiosos ou ao patrimônio violência. O fato que ensejou a ação conhecida e provida. Apelação dos
artístico, estético, histórico, turístico é a entrevista concedida pelo réu: autores prejudicada.
e paisagístico. As autoras cumprem “O neguim meteu o carro e não (TJDFT – Ap. Cível n. 0724479-
os requisitos legais e demonstram deixou. O neguim deixou o carro 75.2022.8.07.0001 – 4a. T. – Ac.
pertinência temática com a matéria porque não tinha como passar unânime – Rel.: Des.
em discussão, o que é suficiente para dois carros naquela curva. Ele fez Aiston Henrique de Sousa – Fonte:
reconhecer a legitimidade. Decidir de sacanagem. A sorte dele foi que DJ, 24.10.2023).
sobre o enquadramento dos fatos só o outro se f****. Fez uma puta
no âmbito dos direitos protegidos é sacanagem? Não há nesta fala AGRAVAMENTO INTENCIONAL DO RISCO
definir sobre a ocorrência do próprio demonstração de discurso de ódio.
dano moral coletivo. É, pois, questão Não há apologia ao ódio racial, nem 686.016 Em casos de seguro
de mérito. Preliminar rejeitada. 2 – incitação à hostilidade ou violência. de acidentes pessoais, a
Responsabilidade civil. Dano moral 4 – Linguagem inadequada. Sutil discussão sobre um possível
coletivo. Gravidade da conduta. inspiração racista. Insuficiência. O agravamento do risco pelo
A jurisprudência traça algumas réu utilizou o termo para se referir segurado é considerada
diretrizes para a delimitação do ao piloto de Fórmula, sem conexão, desnecessária

168 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


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Civil e Processual Civil. Recurso ou acidentes decorrentes de atos e provido para, reformando o
Especial. Ação de cobrança praticados pelo segurado em acórdão recorrido, declarar o direito
de indenização securitária estado de insanidade mental, à indenização securitária aos
cumulada com exibição de de alcoolismo ou sob efeito de recorrentes, condenar o recorrido
documento. Violação do art. 489, substâncias tóxicas, ressalvado o ao seu pagamento, e, superadas
§ 1º, do CPC⁄15. Não ocorrência. suicídio ocorrido dentro dos dois essas questões, determinar o
Seguro de acidentes pessoais. primeiros anos do contrato” (REsp retorno dos autos para prosseguir
Modalidade de seguro de pessoas. 1.999.624⁄PR, Segunda Seção, DJe no julgamento da apelação, a fim de
Impossibilidade de exclusão da 2⁄12⁄2022). 6. No mesmo julgamento, analisar as teses suscitadas pelos
cobertura com fundamento no estabeleceu-se que “o agravamento recorrentes quanto ao valor da
agravamento intencional do risco. do risco pela embriaguez, assim indenização devida.
Precedente desta corte. Suicídio. como a existência de eventual (STJ – Rec. Especial n. 2045637/
Embriaguez. Conclusão idêntica. cláusula excludente da indenização, SC – 3a. T. – Ac. unânime – Rel.: Min.
Ausência de violação do art. 768 são cruciais apenas para o seguro Nancy Andrighi Gallo�i – Fonte: DJ,
do CC⁄02. Reforma do acórdão de coisas, sendo desimportante 11.05.2023).
recorrido. Declaração do direito à para o contrato de seguro de vida,
indenização securitária. Quantum. nos casos de morte”. De maneira
Impossibilidade de exame em análoga, na hipótese de seguro de
sede de recurso especial. Súmulas acidentes pessoais, modalidade
5 e 7⁄STJ. Retorno dos autos ao de seguro de pessoas, a discussão
tribunal de origem para arbitrar o acerca do suposto agravamento
montante indenizatório. 1. Ação de do risco do sinistro pelo segurado
cobrança de indenização securitária
cumulada com exibição de
é desnecessária. 7. Se a cobertura
nos seguros pessoais deve abranger
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documento, ajuizada em 24⁄3⁄2017, da até mesmo o suicídio premeditado
qual foi extraído o presente recurso após os dois primeiros anos do ABALO PSÍQUICO
especial, interposto em 20⁄5⁄2021 e contrato, bem como os sinistros
concluso ao gabinete em 20⁄12⁄2022. decorrentes de atos praticados pelo 686.017 Comprador é
2. O propósito recursal consiste em segurado em estado de insanidade indenizado por dano moral
decidir se é possível a exclusão da mental, de alcoolismo ou sob decorrente do atraso da
cobertura securitária nos contratos efeito de substâncias tóxicas, não entrega de obras de
de seguro de acidentes pessoais sob há como se afastar a cobertura infraestrutura de
o fundamento de que o segurado securitária ao segurado que, por loteamento urbano
teria agravado o risco contratado. motivos desconhecidos, ao conduzir
3. Devidamente analisadas e veículo em alta velocidade, invadiu Direito do Consumidor. Direito
discutidas as questões de mérito, a contramão e colidiu com terceiro, Processual Civil. Apelação Cível.
e suficientemente fundamentado ocasionando acidente que culminou Ação de rescisão de contrato
o acórdão recorrido, de modo a em sua morte. 8. Necessidade de cumulada com reparação por
esgotar a prestação jurisdicional, reforma do acórdão recorrido, que danos materiais e moral. Atraso na
não há falar em violação do art. decidiu em desconformidade com entrega da obra. Necessidade de
489, § 1º, do CPC⁄15. 4. O seguro de a jurisprudência desta Corte. 9. envio de notificação extrajudicial
acidente pessoal é modalidade de Declarado o direito à indenização para caracterizar a mora da
seguro de pessoas, diferenciando- securitária, deve o processo construtora. Desnecessidade.
se do seguro de vida em relação retornar ao Tribunal de origem Atraso na entrega das obras de
à natureza do risco contratado. para que seja arbitrado o montante infraestrutura de loteamento
A cobertura do primeiro abrange devido, em conformidade com urbano. Contrato de compra e
apenas os infortúnios causados as peculiaridades do contrato. venda omisso quanto ao prazo para
por acidentes, enquanto o segundo A certeza do valor devido, na conclusão da obra. Aplicação do
abarca as causas naturais e eventos hipótese, exige a interpretação prazo de 2 (dois) anos, previsto no
externos. Precedentes desta Corte. das cláusulas contratuais, bem decreto municipal. Documentação
5. A Segunda Seção desta Corte como o reexame do conjunto acostada que comprova o atraso.
reafirmou o entendimento no fático-probatório dos autos, o que Culpa da vendedora caracterizada.
sentido de que, “nos seguros de é vedado em sede de especial pela Impossibilidade de quaisquer
pessoas, é vedada a exclusão de incidência das Súmulas 5 e 7⁄STJ. sanções pela rescisão ao comprador.
cobertura na hipótese de sinistros 10. Recurso especial conhecido Restituição integral dos valores

170 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


EMENTÁRIO TITULADO

pagos. Taxa de fruição. Loteamento em grau recursal, observando, pelo princípio da causalidade –
não edificado. Fruição não conforme o caso, o disposto nos §§ afinal, quem segue ocupando o
verificada. Dano moral configurado. 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, imóvel é a própria parte executada
Aborrecimento que ultrapassa o no cômputo geral da fixação de ou quem com ela tenha relação
mero dissabor. Decisão judicial honorários devidos ao advogado do contratual (locação ou comodato) – ,
mantida. Honorários advocatícios vencedor, ultrapassar os respectivos não pode recair sobre o arrematante
sucumbenciais, em sede recursal. limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º a responsabilidade pelas cotas
Majoração quantitativa. para a fase de conhecimento” (§ 11, condominiais vencidas entre
Aplicabilidade do § 11, do art. 85, da do art. 85, da Lei n. 13.105/2015).5. a arrematação e a sua efetiva
lei n. 13.105/2015.1. Compromisso Recurso de apelação cível conhecido imissão na posse. Solução contrária
de compra e venda de lote urbano e, no mérito, não provido. exigiria onerar o arrematante – que
analisado sob as regras da Lei (TJPR – Ap. Cível n. 0027253- confiou na garantia do Judiciário
n. 8.078/90 (Código de Defesa do 90.2020.8.16.0017 – 17a. Câm. Cív. – Ac. – com um débito ao qual não deu
Consumidor). 2. Da análise do unânime – Rel.: Desa. Subst. em causa, obrigando-o a exigir do
contrato, verifica-se que não fora 2º Grau Dilmari Helena Kessler – executado, em ação de regresso, o
estipulado prazo para a entrega Fonte: DJ, 24.11.2023). ressarcimento de débito ao qual
do loteamento. Dessa forma, à este último deu causa, ao postergar
falta de disposição específica no DÉBITO CONDOMINIAL a imissão do arrematante na
contrato firmado entre as Partes, posse – providência que, ademais,
deve prevalecer o prazo estipulado 686.018 Arrematante não é encargo do próprio Judiciário.
no decreto municipal n. 867/2016.3. deve ser responsável pelas São inaplicáveis os precedentes
No vertente caso, entende-se que cotas condominiais vencidas que tratam de IPTU – pois aí se
o Apelado suportou abalo psíquico no período entre a tem terceiro credor (a Fazenda
que supera o mero aborrecimento, arrematação e a sua posse Pública), a quem não se pode
haja vista que foi frustrado em suas efetiva do imóvel imputar responsabilidade nem pela
expectativas de poder usufruir do mora judicial em providenciar a
bem imóvel adquirido, pelo atraso Agravo de Instrumento. Execução imissão do arrematante na posse,
de mais de dois anos na entrega de título extrajudicial. Débito nem pela recalcitrância do ex-
do lote. Em casos análogos, este condominial. Leilão. Cotas vencidas proprietário de o desocupar. É mais
egrégio Tribunal de Justiça do após a arrematação e antes da consentâneo com o princípio da
Estado do Paraná já decidiu pela imissão do arrematante na posse boa-fé objetiva, bem como com os
condenação da construtora em do imóvel. Responsabilidade do da razoável duração e efetividade
danos morais, ante o significativo executado. Sub-rogação no produto do processo, determinar desde logo
atraso na entrega do loteamento.4. do leilão. Seja porque do edital a sub-rogação, no produto do leilão,
“O tribunal, ao julgar recurso, constou expressa informação de daqueles débitos supervenientes
majorará os honorários fixados que o bem seria leiloado “livre e aos quais o próprio executado deu
anteriormente levando em conta desembaraçado dos créditos de causa. Precedentes. Provimento do
o trabalho adicional realizado natureza propter rem”, seja ainda recurso.

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REVISTA
REVIST
REVISTA BO
BONIJURIS
ONIJJURI
URIS
UR S I ANO
NO 36 EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024
36 I ED 171
IMOBILIÁRIO

(TJRJ – Ag. de Instrumento n. intimações para purgar a mora em ré, evidencia-se a relevância pública
0030873-75.2023.8.19.0000 – 11a. Câm. seu endereço comercial, conforme da prestação do serviço no combate
Dir. Priv. – Ac. unânime – Rel.: Des. expressamente indicado no de zoonoses, de sorte a atrair a
Marcos Alcino de Azevedo Torres – contrato de alienação fiduciária proteção legal contra rescisão
Fonte: DJ, 06.09.2023). de imóvel, induzindo os Correios a injustificada do contrato de locação
erro ao indicar possível mudança do imóvel (Lei 8.245/91, arts. 9º e 53).
de domicílio que nunca existiu, não 2. Indevida a pretensão do locador,
NOTA BONIJURIS: Sobre
há óbice à sua intimação por edital. que não adimpliu sua obrigação
o tema: “Direito Processual
2. Em se tratando de contrato com de concessão de nova área para
Civil. Agravo de instrumento.
garantia de alienação fiduciária de locação, de retirada da locatária do
Imóveis arrematados em leilão
imóvel, até 12⁄07⁄2017, quando entrou imóvel.
judicial. Débitos de condomínio em vigor a Lei 13.465⁄2017, não era (TJDFT – Ap. Cível n. 0706687-
entre a arrematação e a necessária a intimação do devedor 11.2022.8.07.0001 – 4a. T. – Ac.
imissão na posse. […] Agravo fiduciante da data da realização do unânime – Rel.: Des. Fernando
de instrumento interposto por leilão, haja vista que, no momento Habibe – Fonte: DJ, 09.11.2023).
um arrematante de decisão da realização do ato, o bem já
que determina a expedição de não mais pertencia ao devedor
mandado de pagamento em
MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS
fiduciante. 3. Apenas a partir da Lei
favor de outro para ressarcir 13.465⁄2017, tornou-se necessária a 686.021 É correta a decisão
débitos de condomínio e IPTU intimação do devedor fiduciante que determinou a suspensão
vencidos entre a arrematação da data do leilão, devido à expressa de CNH objetivando o
e a imissão na posse. 1. Não determinação legal. 4. No caso, adimplemento de contrato de
são de responsabilidade do como o procedimento de execução locação comercial
arrematante os débitos vencidos extrajudicial é anterior à data de
no período anterior à imissão na entrada em vigor da Lei 13.645⁄2017, Agravo de Instrumento. Execução
posse e não previstos no edital não há que se falar em nulidade de título extrajudicial. Contrato
de arrematação. […] 4. Recurso devido à falta de intimação dos de locação comercial inadimplido.
ao qual se dá provimento.” devedores da data de realização do Recurso manejado contra decisão
(TJRJ, Agravo de Instrumento leilão. 5. Recurso especial a que se que indeferiu a suspensão da
nº 0033087-10.2021.8.19.0000, nega provimento. carteira de motorista de um
Des. Fernando Foch de Lemos (STJ – Rec. Especial n. 1733777/ dos executados. Recurso das
Arigony da Silva, julg. 27/06/2022, SP – 4a. T. – Ac. unânime – Rel.: Min. exequentes que merece prosperar.
Terceira Câmara Cível). Maria Isabel Gallo�i – Fonte: DJ, Medidas executivas atípicas.
23.10.2023). Art. 139, IV do CPC. Consoante
entendimento do Supremo
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE IMÓVEL UTILIDADE PÚBLICA Tribunal Federal e do Superior
Tribunal de Justiça, a adoção de
686.019 Intimação do devedor 686.020 Empresa que utiliza medidas executivas atípicas são
fiduciante sobre data do área para realizar atividade constitucionais e dependem da
leilão só se tornou exclusiva e de relevância análise das particularidades do
obrigatória após 2017 pública possui em seu favor caso concreto. O art. 139, IV do
proteção contra rescisão CPC deve ser interpretado a partir
Recurso especial. Contrato de injustificada de contrato de dos princípios da razoabilidade e
financiamento com garantia de locação proporcionalidade, analisando-
alienação fiduciária de imóvel. Lei se o comportamento do devedor
nº 9.514⁄97. Intimação pessoal do Apelação Cível. Despejo. em relação à execução, sempre
devedor fiduciante para purgar a Laboratório veterinário. conciliados o interesse do credor e
mora frustrada. Recusa injustificada Diagnóstico de zoonoses. Serviço o princípio da menor onerosidade.
de receber intimação. Intimação por de utilidade pública. Retomada Ressalvados os casos de insolvência
edital que se justifica. Intimação do imóvel indevida. Lei 8.245/91. do devedor, a execução se realiza no
do devedor da data do leilão. Descumprimento de cláusula interesse do credor (art. 797, CPC), em
Desnecessidade. Demais violações a contratual. Exceção do contrato atenção ao princípio da efetividade,
dispositivos legais não configuradas. não cumprido. 1. Comprovada a sem perder de vista, contudo, a regra
1. Se o devedor fiduciante se escusa, realização exclusiva de exame de da menor onerosidade (art. 805,
por diversas vezes, de receber as brucelose, no DF, pelo laboratório da CPC), em observância ao princípio

172 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


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da dignidade da pessoa humana. conforme artigo 33 da Lei 9.099/95, danos – Nulidade reconhecida
Recurso a que se dá provimento por ser a prova documental – Mérito – Pleito de reforma da
para deferir a suspensão da CNH do suficiente para o julgamento da sentença para afastar a condenação
executado. causa. 2. Conforme admitido pela ao pagamento de indenização por
(TJRJ – Ag. de Instrumento n. própria Ré Recorrente, ela arrombou danos morais – Acolhimento –
0061271-05.2023.8.19.0000 – 6a. Câm. a sala locada pelo Autor e trocou Diferença no modelo e na metragem
Dir. Priv. – Ac. unânime – Rel.: Des. a fechadura, devendo indenizar da piscina instalada em condomínio
Fernando Fernandy Fernandes – o dano material referente à nova – Dano extrapatrimonial não
Fonte: DJ, 26.10.2023). troca de fechadura, conforme gasto comprovado – Hipótese que
comprovado pelo Autor. Se a Ré não envolve dano moral “in re
discordava da ocupação do Autor ipsa” – Frustração da expectativa
NOTA BONIJURIS: Sobre o no imóvel, deveria buscar os meios dos autores, ademais, que não
tema, as medidas executivas legais para a desocupação. 3. O Autor ultrapassa mero descontentamento
atípicas estão previstas no estava adimplindo regularmente o pessoal – Reparação indevida –
artigo 139, IV, do Código de valor da locação. A conduta da Ré Sentença reformada – Consequente
Processo Civil, que assim Recorrente de arrombar e trocar a improcedência dos pedidos iniciais
dispõe: “Art. 139. O juiz dirigirá fechadura da sala locada pelo Autor – Ônus sucumbenciais invertidos –
o processo conforme as Recorrido caracteriza danos morais, Recurso conhecido e provido.
disposições deste Código, pois ficou ele sem acesso à sala que (TJPR – Ap. Cível n. 0013159-
incumbindo-lhe: [...] IV – ocupava licitamente. A indenização 54.2021.8.16.0001 – 19a. Câm. Cív.
determinar todas as medidas de R$ 3.000,00 foi arbitrada de forma – Ac. unânime – Rel.: Des. José
indutivas, coercitivas, razoável, pelo que deve ser mantida. Hipólito Xavier da Silva – Fonte: DJ,
mandamentais ou sub- 4. Recurso conhecido e não provido. 14.11.2023).
rogatórias necessárias para Sentença mantida por seus próprios
assegurar o cumprimento de fundamentos. Recorrente vencida VÍCIO DE CONSTRUÇÃO
ordem judicial, inclusive nas condenada em custas e honorários
ações que tenham por objeto advocatícios, no valor de 20% (vinte 686.024 Síndico possui
prestação pecuniária; [...]. por cento) da condenação. Na forma legitimidade ativa para
do art. 46 da Lei n.º 9.099/1995, a ajuizar ação voltada à
ementa serve de acórdão. reparação de vícios de
SALA ALUGADA (TJDFT – Rec. Inominado n. construção nas partes
0723587-87.2023.8.07.0016 – 1a. T. Rec. comuns e em unidades
686.022 Substituição das – Ac. unânime – Rel.: Juíza Rita de autônomas
fechaduras em uma sala Cássia de Cerqueira Lima Rocha –
alugada em condomínio sem conv. – Fonte: DJ, 25.10.2023). Direito Civil e Processual. Agravo
aviso ou consentimento do Interno no Agravo em Recurso
inquilino constitui exercício MERO DESCONTENTAMENTO Especial. Responsabilidade
arbitrário das próprias civil por vício de construção.
razões 686.023 Discrepância entre Ação indenizatória ajuizada
modelo e metragem de piscina por condomínio. Legitimidade
Juizado Especial Cível. não gera indenização ao ad causam. Prazo decadencial
Indeferimento da oitiva de condomínio por danos morais (CDC, art. 26). Inaplicabilidade.
testemunhas. Prova documental Prescrição decenal (CC/2002, art.
suficiente. Troca de fechadura Recurso de Apelação Cível – 205). Agravo desprovido. 1. Nos
imotivada de sala alugada em Ação de obrigação de fazer c/c termos da jurisprudência firmada
condomínio. Danos morais (R$ indenização por danos materiais e pelo Superior Tribunal de Justiça,
3.000,00) 1. A ata da assembleia morais – Sentença de procedência “tem o condomínio, na pessoa do
geral de 09/05/2023 (ID 50286506) – Insurgência da requerida – síndico, legitimidade ativa para
comprova a dinâmica dos fatos, em Preliminar de nulidade da sentença, ação voltada à reparação de vícios
relação a ser comum a locação verbal por julgamento “extra petita” – de construção nas partes comuns
de salas pelos condôminos e a não Acolhimento – Juízo que reconheceu e em unidades autônomas” (AgRg
autorização do síndico para a troca a ilegitimidade dos autores em no REsp 1.344.196/SP, Rel. Ministro
da fechadura da sala locada pelo relação à obrigação de fazer e Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado
Autor. De tal forma, correta a decisão converteu o feito em perdas e danos em 16/03/2017, DJe de 30/03/2017).
do juízo de primeiro grau que – Ausência de pedido expresso 2. A pretensão de natureza
indeferiu a oitiva de testemunhas, para condenação em perdas e indenizatória do consumidor pelos

174 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


EMENTÁRIO TITULADO

prejuízos decorrente dos vícios do Auxílio-doença. Falsificação de suficientemente os fatos. 5. Exclusão


imóvel não se submete à incidência documentos. Materialidade e do valor fixado a título de reparação
de prazo decadencial, mas sim de autoria demonstradas. Dosimetria dos danos, por não haver pedido
prazo prescricional. Precedentes. parcialmente modificada. Redução expresso do Ministério Público
3. Esta Corte Superior entende que multa. Exclusão da agravante Federal nesse sentido. 6. Apelação a
“o prazo prescricional da ação para do art. 62, I, do CP. Exclusão que se dá parcial provimento.
obter, do construtor, indenização valor para reparação do dano. (TRF-1a. Reg. – Ap. Criminal n.
por defeito da obra na vigência do Apelação parcialmente provida. 0012332-48.2016.4.01.3500 – 3a. T. – Ac.
Código Civil de 2002 é de 10 anos” 1. No estelionato previdenciário unânime – Rel.: Des. Ney de Barros
(AgRg no AREsp 661.548/RJ, Rel. é necessário que esteja presente Bello Filho – Fonte: DJ, 31.10.2023).
Ministro Marco Aurélio Bellizze, o elemento subjetivo do tipo,
Terceira Turma, DJe de 10/6/2015). 4. qual seja, o dolo, consistente na VOLUNTARIEDADE DOS RECURSOS
Agravo interno desprovido. vontade do agente de se apropriar
(STJ – Ag. Interno no Agravo de vantagem ilícita pertencente 686.026 Em caso de conflito
em Rec. Especial n. 1775931/SP – 4a. a outrem, causando prejuízo, entre o acusado e seu
T. – Ac. unânime – Rel.: Min. Raul mediante artifício, ardil, ou defensor sobre a
Araújo – Fonte: DJ, 14.09.2023). qualquer outro meio fraudulento, interposição de recurso
aplicando-se a causa de aumento excepcional, a ponderação
do parágrafo 3º, quando o crime é feita pela defesa técnica
cometido contra entidade de direito prevalece
público. 2. A materialidade e autoria
do delito de estelionato (art. 171, § Agravo Regimental no Habeas
3º, do CP) imputado ao acusado, Corpus. Processual Penal. Recursos
ficaram devidamente comprovadas Especial ou Extraordinário
PENAL pelos documentos produzidos na
fase administrativa, bem como
não interpostos. Princípio da
voluntariedade recursal previsto
pelos depoimentos testemunhais, de no art. 574 do Código de Processo
ESTELIONATO MAJORADO maneira que a condenação constitui Penal. Conflito de vontades entre
medida necessária. 3. A pena-base réu e defensor. Prevalência da
686.025 Para a configuração deve ser mantida nos moldes da ponderação da defesa técnica.
do crime de estelionato sentença apelada. Redução da multa Inovação recursal nas razões do
previdenciário é necessária a para adequar-se proporcionalmente regimental. Impossibilidade de
constatação do dolo à pena privativa de liberdade. 4. esta corte examinar argumentação
Exclusão da agravante do art. 62, defensiva não deduzida
Penal e Processual Penal. I, do CP, já que esta circunstância anteriormente. Agravo parcialmente
Apelação criminal. Estelionato não foi descrita na denúncia e as conhecido e, nessa extensão,
majorado. Art. 171, § 3º, do CP. provas dos autos não esclarecem desprovido. 1. A não interposição

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EDIÇÃO
DIÇÃO FEV
EV/MA
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R 2024
2024 175
17
75
PENAL

de recursos extraordinários (ou os estabelecimentos detenção, de quinze dias a dois


respectivos agravos) pela Defesa qualificados como hotéis sem meses, ou multa, aquele que toma
Técnica não evidencia desídia, dispor de recursos refeição em restaurante, aloja-se
pois, com fundamento no princípio em hotel ou utiliza-se de meio de
da voluntariedade dos recursos, Juizados especiais criminais. Direito transporte sem dispor de recursos
previsto no art. 574, caput, do penal. Apelação criminal. Art. 176 para efetuar o pagamento. 5.
Código de Processo Penal, a ela do Código Penal. Hospedar-se A autoria e a materialidade do
cabe a análise da conveniência e em motel sem dispor dos devidos delito restaram devidamente
oportunidade a respeito do manejo recursos para efetuar o pagamento. comprovadas, por intermédio de
das referidas vias de impugnação. Atipicidade. Interpretação prova oral colhida na instrução
2. “O conflito de vontades entre extensiva. Presença da elementar do judicial sob o crivo do contraditório,
o acusado e o defensor, quanto à tipo penal. Autoria e materialidade inclusive a confirmação da denúncia
interposição de recurso, resolve- comprovada. Recurso conhecido pela ré, corroboradas pelos demais
se, de modo geral, em favor da e não provido. 1. Trata-se de elementos informativos obtidos
defesa técnica, seja porque tem apelação interposta pela parte ré com a persecução penal. 6. A
melhores condições de decidir contra a sentença que a condenou questão em debate cinge-se ao fato
da conveniência ou não de sua pela prática da conduta prevista de saber se o motel enquadra-se
apresentação, seja como forma mais no artigo 176 do CP, a pena de 15 ou não no delito descrito acima,
apropriada de garantir o exercício (quinze) dias de detenção, em uma vez que a lei fala somente
da ampla defesa” (STF, RE 188.703/ regime inicial aberto, substituída a em hotel, bem como se a ré teria
SC, Rel. Ministro FRANCISCO pena privativa de liberdade por uma agido com o dolo de se hospedar
REZEK, Segunda Turma, julgado restritiva de direitos, por ter, entre com a intenção de não realizar o
em 04/08/1995, DJ 13/10/1995). 3. 29/10/2021 às 15:44hs (Sexta-Feira) pagamento da conta. 7. Segundo
A inovação argumentativa nas e 30/10/2021 às 01:40hs (Sábado), o doutrinador Cleber Masson, na
razões do agravo regimental não no SPMN LT 1, SPMN BR 020, KM obra Código Penal Comentado,
é admitida. 4. Agravo regimental 0, LOTE 01, Motel Colorado, Epia 6ª Edição, Revista, Atualizada e
conhecido em parte e, nessa Norte, Lago Norte/DF, de forma Ampliada, 2018, p.819: “(...) O tipo
extensão, desprovido. livre e consciente, hospedando-se penal refere-se unicamente ao
(STJ – Ag. Regimental no Habeas na suíte presidencial do referido “hotel”, mas aqui também a lei deve
Corpus n. 839602/MG – 6a. T. – Ac. estabelecimento comercial, sem ser interpretada extensivamente,
unânime – Rel.: Min. Laurita Vaz – dispor de recursos para efetuar o alcançando os motéis, albergues,
Fonte: DJ, 10.10.2023). pagamento. 2. Recurso próprio e pensões etc. (...)”. 8. Não se pode
tempestivo. Hipótese de isenção considerar interpretação extensiva
de preparo nos termos do art. quando a própria denominação
NOTA BONIJURIS: Art. 574/ 30, I, do Regimento Interno das “hotel” possui significação ampla,
CPP: “Os recursos serão Turmas Recursais. Contrarrazões abarcando inclusive os “motéis”, que
voluntários, excetuando-se apresentadas. Parecer ministerial também são uma espécie de hotel,
os seguintes casos, em que pelo conhecimento e não localizados na beira das estradas,
deverão ser interpostos, de provimento do apelo. 3. Em seu com o fito de alugar quartos ou
ofício, pelo juiz: I – da sentença recurso a parte recorrente pugna apartamentos para estadia. 9.
que conceder habeas corpus; pela atipicidade da conduta, uma No mesmo sentido, ressalta-se o
II – da que absolver desde logo vez que o artigo 176 do CP descreve julgado da Segunda Turma Recursal
o réu com fundamento na hospedagem em hotel, e não motel, deste TJDFT: Acórdão 1234875,
existência de circunstância que motivo pela qual a conduta da ré 00012647120198070016, Relator: Almir
exclua o crime ou isente o réu seria atípica, não se enquadrando Andrade de Freitas, Segunda Turma
de pena, nos termos do art. 411.” nos comandos da lei que deve ser Recursal, data de julgamento:
clara e precisa, em obediência ao 11/3/2020, publicado no PJe:
princípio da Taxatividade. Sustenta 12/3/2020. 10. Restou incontroversa
HOSPEDAGEM EM MOTEL também a ausência do dolo da a presença elementar do tipo
agente, uma vez que sua conduta penal, uma vez que as provas
686.027 Hospedar-se em de não realizar o pagamento do produzidas em juízo, os elementos
motel sem dinheiro para o motel não teria sido intencional, já de informação e a confissão judicial
pagamento da estadia se que o cartão que iria usar estava da ré são harmônicos em comprovar
subsome ao crime de bloqueado. 4. O artigo 176 do CP que ela convidou as pessoas para
hospedagem em prevê que se sujeita à pena de o motel e assumiu o compromisso

176 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


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de pagar a conta, sem ter recursos mostraram suficientes para a Dantas, Quinta Turma, julgado em
para efetuar o pagamento. A tese de caracterização da falta como grave 15/5/2023, DJe de 22/5/2023). 7- Agravo
que não realizou o pagamento pois [...]. A Jurisprudência é pacífica no Regimental não provido.
o cartão foi bloqueado pela mãe não sentido de inexistir fundamento (STJ – Ag. Regimental no Habeas
encontra provas nos autos, restando o questionamento, a priori, das Corpus n. 860179/SC – 5a. T. – Ac.
isolada. 11. Recurso conhecido e não declarações de servidores públicos, unânime – Rel.: Min. Reynaldo
provido. Sentença mantida. Sem uma vez que suas palavras se Soares da Fonseca – Fonte: DJ,
custas e sem honorários. Súmula revestem, até prova em contrário, 27.10.2023).
do julgamento servirá de acórdão de presunção de veracidade e de
nos termos do artigo 82, §5º da Lei legitimidade, que é inerente aos ESTELIONATO
9.099/95. atos administrativos em geral (HC
(TJDFT – Ap. Criminal n. n. 391.170/SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, 686.029 Venda de bilhetes de
0757594-76.2021.8.07.0016 – 1a. julgado em 1º/8/2017, publicado em acesso ao transporte público
T. – Ac. unânime – Rel.: Juiz Luis 7/8/2017). 4 – A análise da tese de a terceiro, mediante uso
Eduardo Yatsuda Arima – Fonte: não configuração da falta grave, ou indevido de cartão de
DJ, 07.11.2023). de desclassificação para falta de vale-transporte, configura
natureza média, não se coaduna estelionato contra a
PRESUNÇÃO DE VERACIDADE com a via estreita do habeas administração pública
corpus, dada a necessidade, no
686.028 Posse de bateria de caso, de incursão na seara fático- Apelação criminal. Direito Penal
celular por apenado probatória, incabível nesta sede [...] e Processual Penal. Estelionato
constitui falta grave (HC n.º 259.028/SP, Quinta Turma, contra entidade de direito
Rel. Ministra. Laurita Vaz, DJe de público. Materialidade e autoria
Execução penal. Impugnação 7/3/2014). 5 – No caso, conforme bem comprovadas. Comercialização
defensiva. Falta grave disciplinar. fundamentou o Tribunal, o agente de créditos de cartão de vale
Posse de bateria de celular. Inversão penitenciário Fabiano Suares foi transporte. Fraude ao sistema
da ordem do depoimento policial categórico ao narrar que a bateria de transporte público do distrito
com a declaração do executado. de aparelho celular foi encontrada federal. Recurso conhecido e
Ausência de nulidade. PAD não com o apenado, ao ser revistado não provido. 1. Comprovada a
obedece rigorosamente as regras antes de entrar na cela, ocasião em comercialização ilícita dos créditos
do CPP. Falta de perícia técnica. que ele verificou que a bateria estava do cartão de vale transporte
Prescindibilidade. Insuficiência atrás do saco e entre as nádegas. E, pertencente a terceiro através
de provas. Inocorrência. 1 – [...] ainda, a justificativa apresentada das provas orais e documentais,
para a apuração de falta grave, pelo apenado (de que a bateria do além da confissão extrajudicial do
importante consignar que este celular não é de sua propriedade e réu, é incabível o acolhimento do
não obedece rigorosamente às nem estava em sua posse e que ele pedido de absolvição. 2. Eventual
regras do processo penal, [...] (HC está sendo perseguido na unidade consentimento da titular do cartão
648.297/RS, Rel. Ministro Felix prisional) não foi comprovada. de vale transporte não afasta a
Fischer, quinta turma, julgado 6 – Se as instâncias ordinárias, responsabilidade penal do apelante
em 18/05/2021, DJe 31/05/2021). 2 – motivadamente, concluíram sobre os fatos, porque induziu a
No caso, não cabe a alegação de que as provas são uníssonas em erro, mediante fraude, e causou
nulidade do PAD, por inversão da indicar a prática da falta grave prejuízo à entidade de direito
ordem do depoimento do agente cometida pelo apenado, não há público. 3. Recurso conhecido e não
penitenciário com a declaração do falar em ausência , sobretudo se provido.
executado. O PAD é procedimento a conduta foi individualizada, (TJDFT – Ap. Criminal n. 0702867-
administrativo, enquanto que o conforme depoimento das agentes 09.2021.8.07.0004 – 2a. T. Crim. – Ac.
processo penal é judicial, sendo penitenciárias, que gozam de unânime – Rel.: Des. Arnaldo Corrêa
eles independentes. Além disso, a presunção de veracidade.[...] A Silva – Fonte: DJ, 10.11.2023).
defesa sequer cuidou de comprovar jurisprudência do Superior Tribunal
a inversão, uma vez que não trouxe de Justiça consolidou-se no sentido QUEBRA DO SIGILO DE DADOS
nem a versão do apenado nem o de que é prescindível a perícia do
depoimento do policial. 3 – A prova aparelho celular apreendido para a 686.030 Policial que lê
oral produzida, consistente em configuração da falta disciplinar de mensagens na tela bloqueada
declarações coesas dos agentes natureza grave. [...] (AgRg no HC n. do celular do corréu viola
de segurança penitenciária se 811.101/SP, relator Ministro Ribeiro sigilo e torna provas ilícitas

178 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


EMENTÁRIO TITULADO

Penal. Agravo Regimental no esta abarcado pelo sigilo de dados.


Agravo em Recurso Especial. 4. Ademais, rever os fundamentos
Tráfico. Ilegalidade da prova pela utilizados pela Corte Estadual, para
quebra do sigilo de dados. Acesso decidir que não houve a violação
ao conteúdo da tela do celular. dos sigilos de dados, como requer a
Afastamento. Revolvimento de acusação, importa revolvimento de
matéria fático-probatória. Súmula matéria fático-probatória, vedado
7/STJ. Agravo regimental não em recurso especial, segundo
provido. 1. Segundo a jurisprudência óbice da Súmula 7/STJ. 5. Agravo
desta Corte Superior de Justiça, regimental não provido.
a devassa do aparelho celular (STJ – Ag. Regimental no Ag. em
do paciente durante o flagrante Rec. Especial n. 2340362/MG – 5a.
constitui situação não albergada T. – Rel.: Min. Reynaldo Soares da
pelo comando do art. 5º, inciso Fonseca – Fonte: DJ, 14.08.2023).
XII, da Constituição Federal, o
qual assegura a inviolabilidade LIBERDADE ANTECIPADA
das comunicações. Por outro
lado, os dados armazenados nos 686.031 Comportamento
aparelhos celulares decorrentes inadequado do apenado, que
de envio ou recebimento de dados incluiu fuga da prisão e a
via mensagens SMS, programas ou prática de outro crime em
aplicativos de troca de mensagens prisão domiciliar
(dentre eles o “WhatsApp”), estão monitorada, impede o
relacionados com a intimidade e livramento condicional
a vida privada do indivíduo, o que
os torna invioláveis, nos termos do Agravo em Execução. Pedido
art. 5°, X, da Carta de 1988 (AgRg de livramento condicional.
no HC n. 774.349/SC, de minha Improcedência. Artigo 83, inciso
relatoria, Quinta Turma, julgado III, do Código Penal. Lei nº
em 6/12/2022, DJe de 14/12/2022). 13.964/2019 (Lei Anticrime). Nova
2. No presente caso, o Ministério redação. Ausência do requisito
Público Federal, em seu parecer, subjetivo. Agravo conhecido e não
concluiu que, de acordo com a provido. 1. A legislação penal exige,
moldura fática traçada no acórdão para a concessão do livramento
recorrido, os policiais militares condicional, não só a ausência de
apenas visualizaram o conteúdo cometimento de faltas disciplinares
das notificações registradas na tela de natureza grave nos últimos 12
bloqueada do aparelho celular do meses – requisito objetivo – como,
corréu Luís, as quais correspondiam também, bom comportamento
a excertos de mensagens recebidas durante a execução da pena –
do recorrido Welisson (vulgo requisito subjetivo – (art. 83, III,
Two). Isto é, não houve acesso “a” e “b”, do CP, cuja redação foi
ao fluxo de comunicação entre introduzida pela Lei n. 13.964/2019,
os interlocutores, mas apenas às conhecida como Pacote Anticrime),
mensagens que eram visíveis sem inclusive quanto a fatos ocorridos
a necessidade de inserir a senha de antes da entrada em vigor da Lei
acesso (e-STJ fls. 647). Ora, houve a Anticrime. Precedentes do STJ. 2. A
leitura das mensagens do acusado, ausência de falta grave nos 12 (doze)
o que constitui violação de sigilo meses antecedentes ao livramento
dados. 3. Não haveria, tal violação condicional complementa a
quando há somente averiguação obrigação do apenado em ter
do próprio objeto do crime (art. 6º, uma postura certa e adequada
inciso III, do CP), como por exemplo, durante a execução da pena para
o IMEI, que é mera identificação do fazer jus à benesse. A alínea “b” do
aparelho celular e, portanto, não inciso III do art. 83 do CP reforça

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 179


PREVIDENCIÁRIO

o rigor para o almejo da liberdade prática de estelionatos anteriores. Processual Civil. Previdenciário.
antecipada, e não o abrandamento A natureza dos delitos e seu Ação rescisória. Benefício
dos outros requisitos descritos nas modus operandi sinalizam para previdenciário por incapacidade
demais alíneas. 3. Por ausência de a existência de vultoso esquema laboral. Improcedência em ação
previsão legal, a prática de falta criminoso, pelo qual se buscava dar anterior, transitada em julgado.
disciplinar pelo detento não pode aparência de licitude à aquisição Modificação da situação de fato.
constituir causa de interrupção de bens móveis obtidos com Agravamento das moléstias. Nova
do período aquisitivo necessário à recursos ilícitos provenientes de ação. Possibilidade. Necessidade
obtenção do livramento condicional delitos antecedentes. Evidenciado de respeitar a decisão anterior
(requisito objetivo). A propósito, o interesse do veículo ao processo, nos limites de sua abrangência e
essa é a disposição da Súmula 441 do nos termos do art. 118 do CPP, eficácia. Concessão do benefício
Superior Tribunal de Justiça STJ. No inviável sua restituição ao ora com termo inicial no dia seguinte
entanto, conforme entendimento recorrente, nem mesmo na forma ao trânsito em julgado da ação
jurisprudencial dominante, a falta de fiel depositário. No caso dos anterior. 1. As ações em que se
grave cometida pelo condenado presentes autos, havendo ação busca a concessão de benefício
é circunstância capaz de ilidir penal em andamento na qual o por incapacidade para o trabalho
o preenchimento do requisito indivíduo cujo nome consta no caracterizam-se por terem como
legal subjetivo, por demonstrar o Certificado de Propriedade, restou objeto relações continuativas
seu comportamento reprovável denunciado, não há possibilidade e, portanto, as sentenças nelas
durante o período de execução de ser provido o recurso. Apelo proferidas se vinculam aos
de pena. 4. Não tendo o agravante improvido. pressupostos de fato e de
apresentado bom comportamento (TJRS – Ap. Criminal n. 5019708- direito do tempo em que foram
durante o período de execução 91.2021.8.21.0021 – 5a. Câm. Crim. formuladas, sem, contudo, extinguir
da reprimenda, pois fugiu do – Ac. unânime – Rel.: Desa. Maria a própria relação jurídica, que
estabelecimento prisional e, ainda, de Lourdes Galvão Braccini de continua sujeita à variação de
cometeu outro delito quando estava Gonzalez – Fonte: DJ, 18.08.2023). seus elementos. Tais sentenças
em prisão domiciliar monitorada, contêm implícita a cláusula rebus
inviável a concessão do livramento sic stantibus, de forma que,
NOTA BONIJURIS: O artigo
condicional. 5. Agravo conhecido e modificadas as condições fáticas ou
118 do Código de Processo
não provido. jurídicas sobre as quais se formou a
Penal assim preceitua: “Art. 118.
(TJPA – Ag. em Execução Penal coisa julgada material, tem-se nova
Antes de transitar em julgado
n. 0813429-68.2022.8.14.0000 – 2a. causa de pedir próxima ou remota.
a sentença final, as coisas
T. – Ac. unânime – Rel.: Des. Rômulo 2. Em razão disso, a improcedência
apreendidas não poderão
José Ferreira Nunes – Fonte: DJ, de ação em que se pleiteou benefício
ser restituídas enquanto
07.10.2023). previdenciário por incapacidade,
interessarem ao processo.”
por decisão transitada em julgado,
VEÍCULO APREENDIDO não impede a propositura de
nova ação pleiteando o mesmo
686.032 Não possibilidade de (ou outro) benefício, desde que
restituição de veículo tenha ocorrido o agravamento das
apreendido por provável moléstias ou a superveniência
ocorrência de práticas de de nova doença incapacitante. 3.
estelionato, lavagem de Embora seja possível a propositura
dinheiro e organização de nova ação pleiteando o mesmo
criminosa PREVIDENCIÁRIO (ou diverso) benefício em razão
do agravamento das condições
Apelação crime. Pedido de de saúde do segurado, a decisão
MODIFICAÇÃO DA SITUAÇÃO DE FATO
restituição de veículo apreendido. proferida no segundo processo
Pedido indeferido na origem. O 686.033 Improcedência de não pode colidir ou contradizer a
veículo que a parte pretende a ação em que se pleiteou decisão anteriormente transitada
restituição interessa à investigação benefício previdenciário por em julgado. Isso significa dizer que
criminal e ao processo, haja incapacidade não obsta o o benefício que venha a ser deferido
vista que sua aquisição pode ter ajuizamento de ação na segunda ação não pode ter como
sido realizada como forma de semelhante quando ocorre o termo inicial a data do mesmo
lavar dinheiro obtido a partir da agravamento da doença requerimento administrativo

180 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


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PREVIDENCIÁRIO

que já foi analisado em decisão BENEFÍCIO especiais representativos


anterior de improcedência da controvérsia. Tema 1.018/
transitada em julgado, ou a data 686.034 Cabe ao segurado STJ. REsp 1.767.789/PR e
da perícia realizada na primeira optar pelo benefício mais REsp 1.803.154/rs. Regime
ação, pois a eficácia da primeira vantajoso concedido geral de previdência social.
decisão abrange esses marcos administrativamente Aposentadoria concedida
temporais. Se é possível nova ação quando no curso de ação judicialmente. Concessão
em decorrência do agravamento judicial foi reconhecido administrativa de aposentadoria
das moléstias, o agravamento a ser benefício menos vantajoso no curso da ação. Direito de
considerado deve ser posterior à opção. Benefício mais vantajoso.
época da sentença (ou acórdão, se Previdenciário. Agravo de Possibilidade de execução
existente) da primeira ação, onde instrumento. Opção pelo benefício das parcelas do benefício
foi analisada, até aquela data, a mais vantajoso. Tema 1018 do E. concedido judicialmente.
capacidade laborativa do autor. 4. STJ. Reforma do acórdão pela Corte Identificação e delimitação da
Por outro lado, este Tribunal possui Superior. Reexame. Recurso não controvérsia. 1. O tema ora em
firme posição no sentido de que, provido. Impositiva a obrigatoriedade discussão (1.018/STJ) consiste
tendo sido concedido, em decisão de adoção pelos demais órgãos em estabelecer a “possibilidade
ou sentença, um determinado do Poder Judiciário, da tese acima de, em fase de cumprimento de
benefício previdenciário por fixada, nos termos dos artigos 927, sentença, o segurado do Regime
incapacidade, não pode o INSS, III e 1.040, ambos do CPC, sendo que, Geral de Previdência Social
administrativamente, sponte sua, uma vez firmada a tese, os processos receber parcelas pretéritas
cancelar este benefício antes do sobrestados voltarão ao regular de aposentadoria concedida
trânsito em julgado dessa sentença. processamento para julgamento judicialmente até a data inicial
Posteriormente poderá fazê-lo (se com a aplicação da tese fixada pela de aposentadoria concedida
comprovada administrativamente Corte Superior. Sendo assim, de administrativamente pelo INSS
a recuperação do segurado), acordo com o decidido pelo Colendo enquanto pendente a mesma
mas não antes, salvo se requerer STJ, no julgamento do Tema 1018, o ação judicial, com implantação
expressamente ao juiz ou tribunal, segurado tem direito de opção pelo administrativa definitiva
mediante novas provas. 5. Assim, benefício mais vantajoso concedido dessa última por ser mais
por simetria – e voltando ao administrativamente, no curso de vantajosa, sob o enfoque do
tema objeto desta ação – pode-se ação judicial em que se reconheceu artigo 18, § 2º, da Lei 8.213/1991”.
considerar como inserido no âmbito benefício menos vantajoso. Panorama jurisprudencial 2.
temporal da eficácia da sentença/ Em cumprimento de sentença, A matéria não é pacífica no
acórdão da primeira ação (de possui o direito à manutenção do STJ: a Primeira Turma entende
improcedência) o período entre o benefício previdenciário concedido ser possível o recebimento
requerimento administrativo do administrativamente no curso da das duas aposentadorias,
benefício e o trânsito em julgado ação judicial e, concomitantemente, enquanto a Segunda Turma,
da decisão, com o que o benefício à execução das parcelas do benefício majoritariamente, considera
deferido na segunda ação não pode reconhecido na via judicial, limitadas inviável a percepção de ambas,
ter, de regra, como termo inicial, à data de implantação daquele mas atribui ao segurado a
data anterior àquele trânsito. 6. conferido na via administrativa. opção de escolher uma delas.
Reafirmando a orientação declinada Recurso submetido a reexame e não 3. Considerando a definição
acima é de rigor o reconhecimento provido. do tema no STJ com o
da res judicata até a data do (TRF-3a. Reg. – Ag. de presente julgamento, propõe-
trânsito em julgado da sentença Instrumento n. 5012873- se reflexão aprofundada
prolatada na primeira ação, 92.2018.4.03.0000 – 9a. T. – Ac. sobre essa questão, à luz dos
devendo a data de início do auxílio unânime – Rel.: Desa. Cristina precedentes da Corte Superior
por incapacidade temporária Nascimento de Melo – Fonte: DJ, e sua frequente reiteração da
concedido à segurada no feito 29.11.2023). demanda no Poder Judiciário.
rescindendo, por conseguinte, ser 4. A estabilidade, integralidade
estabelecida a partir de então. e coerência da jurisprudência
NOTA BONIJURIS: Destaca-
(TRF-4a. Reg. – Ação Rescisória das Cortes Superiores, para
se jurisprudência no mesmo
n. 5023041-24.2021.4.04.0000/RS – 3a. além de vetor de orientação
sentido: “Processual Civil
S. – Ac. por maioria – Rel.: Des. Celso para os tribunais e magistrados,
e Previdenciário. Recursos
Kipper – Fonte: DJ, 15.09.2023). propicia a indispensável

182 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


EMENTÁRIO TITULADO

segurança jurídica a todos CONCUBINATO


os jurisdicionados. Uma
jurisprudência previsível é fator 686.035 Indeferida a pensão
de estabilidade social, devendo por morte requerida por
ser escopo a ser perseguido por concubina
todo o sistema jurisdicional.
Posicionamento do STJ 5. O Processual civil. Servidor público.
segurado que tenha acionado Pensão por morte. Concubinato. Re
o Poder Judiciário em busca 883168/SC (tema 526). Repercussão
do reconhecimento do seu geral. Não cabimento de divisão
direito à concessão de benefício da pensão entre concubina e
previdenciário faz jus a viúva. Apelação não provida.
executar os valores decorrentes 1. A concessão de pensão por
da respectiva condenação, ainda morte rege-se pelo princípio do
que, no curso da ação, o INSS tempus regit actum, isto é, pela lei
tenha-lhe concedido benefício vigente na data de falecimento do
mais vantajoso. 6. Com efeito, instituidor. 2. Em sede de recurso
remanesce o interesse em repetitivo, no julgamento do
receber as parcelas relativas RE 883168/SC, ao se pronunciar
ao período compreendido sobre o Tema 526, o STJ firmou
entre o termo inicial fixado
entendimento de que o concubinato
em juízo e a data em que
não se equipara, para fins de
o INSS procedeu à efetiva
proteção estatal, às uniões afetivas
implantação do benefício
resultantes do casamento e da
deferido administrativamente,
união estável. 3. No caso dos autos,
o que não configura hipótese
há comprovação, mediante o
de desaposentação. Definição
contexto fático e as provas juntadas,
da tese repetitiva 7. Proponho
de que, ao tempo em que convivia
a fixação da seguinte tese
com J. O. D. S., era o instituidor
repetitiva para o Tema 1.018/
casado com M. D. D. D. M. G. Assim,
STJ: “O Segurado tem direito
não há como reconhecer o direito à
de opção pelo benefício
pensão para a autora, uma vez que
mais vantajoso concedido
administrativamente, no curso há comprovação nos autos que sua
de ação judicial em que se relação com o instituidor da pensão
reconheceu benefício menos era de concubinato e não de união
vantajoso. Em cumprimento estável. 4. Apelação da parte autora
de sentença, o segurado desprovida.
possui o direito à manutenção (TRF-1a. Reg. – Ap. Cível n.
do benefício previdenciário 1004064-80.2019.4.01.3306 – 1a. T. –
concedido administrativamente Ac. unânime – Rel.: Des. Morais da
no curso da ação judicial e, Rocha – Fonte: DJ, 04.04.2023).
concomitantemente, à execução
das parcelas do benefício ILEGALIDADE DA DECISÃO
reconhecido na via judicial,
limitadas à data de implantação 686.036 Hipóteses de
daquele conferido na via descontos de valores de
administrativa”. CONCLUSÃO benefício previdenciário
8. Recurso Especial não provido, dependem da existência de
sob o rito dos arts. 1.036 e requisitos que estão
seguintes do CPC/2015. (REsp previstos na legislação
n. 1.767.789/PR, relator Ministro específica
Herman Benjamin, Primeira
Seção, julgado em 8/6/2022, DJe Mandado de Segurança. Decisão
de 1/7/2022.) judicial. Juízo estadual. Competência.
Desconto de benefício previdenciário.

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 183


PREVIDENCIÁRIO

Não caracterização das hipóteses âmbito da seguridade social ou de que o procedimento flagrantemente
legais. Ilegalidade da decisão. outro regime e iii) miserabilidade abusivo ou ilegal praticado pela
Concessão da ordem. 1. Reconhece- (Tema 27/STF). 2. Laudo Médico Administração, aliado a condição
se a competência desta Corte para Pericial atesta que a parte autora de fragilidade do segurado,
o julgamento deste mandado de possui HIV. O expert conclui que independente de outras provas.
segurança, isto em razão da regra a requerente não demonstrou 2. “Sem equilíbrio e bom senso, ou
constitucional prevista no art. 109 ao exame físico alterações ou seja, sem razoabilidade, o processo
combinada com aquela insculpida complicações relacionadas à doença administrativo de concessão de
no art. 108, ‘c’, também da Lei Maior, ou que impeça de participar plena benefícios previdenciários torna-se
aplicável esta última por simetria, e efetivamente da sociedade em uma armadilha para os segurados e
haja vista tratar-se a autoridade igualdade de condições. 3. Embora dependentes e ainda pode acarretar
coatora de juiz estadual. 2. Ato coator laudo social indique vulnerabilidade abalo na esfera moral desses
compreendido em decisão judicial econômica e social, comprovada a indivíduos, sujeito à reparação pela
que requisitou ao INSS o desconto situação de pobreza, notório que entidade causadora” (CAMPOS,
mensal de parcela de benefício tal conclusão está em dissonância Wânia Alice Ferreira Lima. Dano
previdenciário para depósito em com os fatos apresentado. A própria Moral no Direito Previdenciário.
favor do credor de dívida civil, fora assistente social indica que, entre os Curitiba: Juruá, 2010, p. 99-100). 3.
das hipóteses legais de competência gastos mensais do núcleo familiar, No caso sub examine, era flagrante
da autarquia previdenciária. 3. Ainda encontra-se mensalidade curso que o segurado, que necessita de
que a decisão do juízo estadual possa superior de Nutrição/ Faculdade FSP uso de cadeiras de rodas, jamais
ser alvo de questionamento pelo no valor de R$ 480,00 (quatrocentos e poderia retornar ao labor após
executado acerca da possibilidade oitenta reais), o que sugere ausência estar aposentado por incapacidade
de penhora de seu benefício de situação de miserabilidade. Além permanente, vendo-se privado de
previdenciário, sob a ótica do ora disso, pela leitura do documento sua subsistência pela absoluta
impetrante revela-se desarrazoada e, é possível perceber que a autora indiferença do perito do Instituto
em última instância, ilegal na medida recebe uma pensão por morte e o Previdenciário ora recorrente,
em que determina a realização de art. 20, § 4º, da LOAS informa que tornando presumido o dano moral
tarefa não compreendida dentre as o BPC não pode ser acumulado em caos desta natureza. 4. Os danos
competências previstas em lei ao com qualquer outro no âmbito morais devem assim ser arbitrados
INSS. da seguridade social ou de outro levando-se em consideração as
(TRF-4a. Reg. – Mandado regime. 4. Apelação não provida. circunstâncias do fato, bem como
de Segurança n. 5030049- (TRF-1a. Reg. – Ap. Cível n. a condição socioeconômica do
81.2023.4.04.0000 – 4a. T. – Ac. 1013670-93.2023.4.01.9999 – 1a. T. – ofendido e do ofensor, orientando-
unânime – Rel.: Des. Marcos Ac. unânime – Rel.: Des. Marcelo se a fixação da indenização pelos
Roberto Araújo dos Santos – Fonte: Albernaz – Fonte: DJ, 06.10.2023). princípios da razoabilidade e da
DJ, 23.10.2023). proporcionalidade. Logo, no caso em
INDIFERENÇA DO PERITO tela, deve ser fixado em R$ 15.0000
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL À PESSOA (quinze mil reais), revelando-
COM DEFICIÊNCIA 686.038 Má conduta do perito se adequado e suficiente para
do INSS gera indenização por compensar os prejuízos morais
686.037 BPC-LOAS não pode dano moral a que foi submetida em razão da
ser cumulado com pensão longa espera.
por morte Previdenciário. Dano moral. (TRF-4a. Reg. – Ap. Cível n.
Critérios para reconhecimento. 5007180-03.2023.4.04.9999/SC – 9a.
Previdenciário. Benefício de Hipótese de flagrante indiferença do T. – Ac. por maioria – Rel.: Des.
amparo social à pessoa portadora perito do INSS. Indenização devida. Sebastião Ogê Muniz – Fonte: DJ,
de deficiência e ao idoso. Art. 203, Julgamento na forma do art. 942 03.08.2023).
V, CF/88. Lei 8.742/93. HIV. Apelação do CPC. 1. O mero indeferimento
não provida 1. Os requisitos para a de benefício previdenciário, PRECEDÊNCIA
concessão do benefício de prestação ou mesmo o cancelamento da
continuada estão estabelecidos no prestação por parte do INSS não 686.039 Dependentes
art. 20 da Lei n. 8.742/93. São eles: i) se prestam, em princípio, para habilitados possuem
o requerente deve ser portador de caracterizar dano moral, consoante preferência para ganhar os
deficiência ou ser idoso com 65 anos jurisprudência pacificada deste valores não recebidos em
ou mais; ii) não receber benefício no Regional. Contudo, há situações em vida pelo segurado falecido

184 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


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Agravo de Instrumento. 2. A Terceira Seção desta Apelação desprovida. 1. Para a


Previdenciário. Cumprimento de Corte, em julgamento de concessão da aposentadoria por
sentença. Dependente habilitado Incidente de Assunção de invalidez ou do auxílio-doença, o
à pensão por morte. Precedência Competência, firmou posição beneficiário do INSS deve comprovar,
sobre demais herdeiros. pela aplicabilidade do art. 112 concomitantemente, a sua qualidade
Inclusão de todos os sucessores. da Lei nº 8.213/91, considerando de segurado, a carência exigida
Desnecessidade. 1. O dependente que esta permite flexibilização por lei para cada benefício e a sua
habilitado à pensão por morte das exigências processuais a correspondente incapacidade para o
é parte legítima para postular propósito da representação do trabalho (art. 42 e 59 da Lei 8.213/1999).
a revisão da aposentadoria de espólio, afastando o rigorismo Permanente para a aposentadoria
segurado falecido, nos termos das normas processuais civis, e temporária para o auxílio. 2. No
do artigo 112 da Lei n. 8.213/91. 2. cuja observância demandaria caso em exame, a apelação busca
Desnecessária a inclusão de todos a abertura de inventário com infirmar apenas a incapacidade
os sucessores, tendo em vista que os a nomeação de inventariante laboral da parte autora. 3. O laudo
dependentes habilitados à pensão de maneira a torná-lo apto a médico pericial judicial (Id 255133026
por morte têm precedência sobre representar a sucessão ou a - fls. 100/101) concluiu que as
os demais herdeiros, na forma da vinda de todos os sucessores enfermidades identificadas (Doença
lei civil, para receber os valores não aos autos. 3. Caso em que não osteoarticular crônica do joelho DI,
recebidos em vida pelo segurado há dependente habilitado gonoartrose e espondilodiscopatia
falecido. 3. Ocorrendo o óbito da à pensão por morte, o que lombar CID; M17.0 e M54.3. Associada
única pensionista do titular da possibilita a habilitação de a insuficiência vascular venosa)
ação, já habilitada nos autos, com todos os herdeiros da “de incapacitam o beneficiário de
transmissão, desde logo, aos seus cujus” no cumprimento de forma permanente e parcial para o
sucessores, dos direitos decorrentes sentença, independentemente trabalho. 4. Nesses casos, “ainda que
da presente demanda, incorporados de abertura de inventário ou o laudo pericial tenha concluído pela
à herança, a regularização arrolamento. 4. Agravo de incapacidade parcial para o trabalho,
da representação processual, instrumento provido. (TRF4, pode o magistrado considerar
considerando que o art. 112 não AG 5041170-77.2021.4.04.0000, outros aspectos relevantes, tais
se aplica ao óbito do pensionista, quinta turma, Relator Roger como, a condição socioeconômica,
deve se dar mediante a habilitação Raupp Rios, juntado aos autos profissional e cultural do segurado,
apenas destes e não dos herdeiros para a concessão da aposentadoria
em 05/04/2022).
do primeiro titular da ação. por invalidez” (AgRg no AREsp
(TRF-4a. Reg. – Ag. de 308.378/RS, Rel. Ministro SÉRGIO
Instrumento n. 5027911- KUKINA, PRIMEIRA TURMA,
44.2023.4.04.0000/RS – 6a. T. – Ac. INCAPACIDADE PARA O TRABALHO julgado em 16/05/2013, DJe 21/05/2013).
unânime – Rel.: Desa. Tais Schilling (AgInt no AREsp n. 2.036.962/
Ferraz – Fonte: DJ, 01.09.2023). 686.040 Para a concessão de GO, relator Ministro Gurgel de
aposentadoria por invalidez, Faria, Primeira Turma, julgado
o laudo pericial que atesta em 5/9/2022, DJe de 9/9/2022.). 5.
NOTA BONIJURIS: Nesse
incapacidade parcial para o Aplicável, portando, a Súmula 47
sentido, precedente do
trabalho deve ser analisado da TNU, segundo a qual uma vez
TRF/4a. Reg.: “Previdenciário.
em conjunto com as reconhecida a incapacidade parcial
Habilitação. Herdeiros.
condições pessoais e sociais para o trabalho, o juiz deve analisar
Artigo 112 da Lei nº 8.213/91.
do segurado as condições pessoais e sociais
Aplicabilidade. Inventário.
do segurado para a concessão de
Desnecessidade. 1. Conforme
Previdenciário. Apelação cível. aposentadoria por invalidez, de modo
o art. 112 da Lei nº 8.213/91, o
Aposentadoria por invalidez. que, considerando a idade avançada
valor não recebido em vida
Incapacidade parcial e definitiva. da parte autora (mais de 62 anos),
pelo segurado será pago aos
Condições pessoais. Súmula 47 o baixo nível escolar e econômico,
seus dependentes habilitados à
da TNU. Concessão do benefício. atividades exercidas de motorista e
pensão por morte, ou, na falta
Possibilidade. Juros de mora pedreiro, bem como a dificuldade de
deles, aos seus sucessores
e correção monetária fixados reinserção ao mercado de trabalho,
na forma da lei civil,
conforme o manual de cálculos da deve ser mantida a sentença que
independentemente de
justiça federal. Correta a sentença. concedeu a aposentadoria por
inventário ou arrolamento.
Honorários recursais. Incidência. invalidez. 6. Atualização monetária

186 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


EMENTÁRIO TITULADO

e juros moratórios devem incidir valor ocorrera quase duas horas após
nos termos do Manual de Cálculos o protocolo do recurso. Necessidade
da Justiça Federal, atendendo-se de intimação da apelante para
aos parâmetros estabelecidos no recolhimento em dobro do valor, nos
julgamento do RE 870.947 (Tema 810/ termos do que dispõe o art. 1.007, §
STF) e REsp 1.492.221 (Tema 905/STJ). 4º, do CPC/2015. Comparecimento
Correta a sentença. 7. Publicada a espontâneo que não supre a
sentença na vigência do atual CPC necessidade de intimação. Acórdão
(a partir de 18/03/2016, inclusive) e reformado. Recurso parcialmente

redes sociais
desprovido o recurso de apelação, conhecido e, nessa extensão,
deve-se aplicar o disposto no art. provido. 1. O Tribunal de origem não
85, § 11, do CPC, para majorar os conheceu do recurso de apelação, em
honorários arbitrados na origem em razão da deserção reconhecida, razão
1% (um por cento). 8. Apelação do pela qual não se manifestou acerca
INSS desprovida. das matérias suscitadas no apelo.
(TRF-1a. Reg. – Ap. Cível n. Logo, não há como conhecer do
1024629-60.2022.4.01.9999 – 1a. T. – Ac. presente recurso especial em relação
unânime – Rel.: Des. Luis Gustavo a essas questões, tendo em vista a
Soares Amorim de Sousa – Fonte: falta de prequestionamento (Súmula
DJ, 17.10.2023). 211/STJ). 2. Não cabe a esta Corte
Superior analisar eventual violação
do art. 5°, incisos LV e LVI, da
Constituição Federal, ao argumento
de que o acórdão recorrido teria
afrontado os princípios do devido
processo legal, do contraditório
e da ampla defesa, sob pena de
usurpação da competência do
PROCESSO CIVIL Supremo Tribunal Federal. 3. O
recorrente deve comprovar, no
ato de interposição do recurso, o
DESERÇÃO recolhimento do respectivo preparo,
que corresponde às custas judiciais
686.041 Recolhimento
e ao porte de remessa e de retorno,
espontâneo de preparo
sob pena de não conhecimento
atrasado e insuficiente não
do recurso em razão da deserção
autoriza deserção sem
(CPC/2015, art. 1.007). 4. Os §§ 2º e 4º
prévia intimação da parte
do art. 1.007 do CPC/2015, no entanto,
estabelecem que, caso o recorrente,
Recurso Especial. Ação de
no momento da interposição
indenização por danos materiais.
do recurso, não comprove o
Sentença de procedência. Apelação.
recolhimento do preparo ou efetue Acesse pelo
Não conhecimento. Deserção. QR Code
o pagamento de valor insuficiente,
Questões suscitadas no apelo que
terá o direito de ser intimado, antes
não foram examinadas pelo tribunal
do reconhecimento da deserção, para
local. Falta de prequestionamento.
recolher em dobro o respectivo valor
Súmula 211/STJ. Alegação de violação
ou para complementá-lo, a depender
a dispositivo constitucional.
do caso. 5. Assim, o fato de a apelante
Impossibilidade de análise pelo ter juntado, espontaneamente, o fb.com/revistabonijuris
superior tribunal de justiça. comprovante do preparo recursal
Competência do STF. Apelante após a interposição da apelação, @revistabonijuris
que juntou cópia do comprovante ainda que em valor insuficiente, não
de preparo referente ao processo tem o condão de suprir a necessidade
conexo. Juntada posterior do de intimação para regularização do
comprovante correto, o qual vício, que constitui direito da parte,
demonstrou que o recolhimento do o qual não deve ficar submetido

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 187


PROCESSO CIVIL

a juízo de discricionariedade do sendo, assim, concernente ao executivo, nos termos do art.


magistrado. 6. Com efeito, o juiz tem contrato celebrado entre as partes, 919, § 1º, do Código de Processo
o dever de provocar a parte para a o que enseja o reconhecimento da Civil. 4. Recurso Especial não
regularização do preparo - indicando, competência do juízo arbitral para a provido.” (REsp 2032426/DF,
inclusive, qual o equívoco deverá ação incidental que tem a natureza Rel. Ministro Moura Ribeiro,
ser sanado, em consonância com o de ação de conhecimento. Extinção terceira turma, julgado em
princípio da cooperação (CPC, art. dos embargos de devedor, nos 11/04/2023, DJe 17/05/2023).
6º) – , iniciativa processual que se termos do artigo 485, inciso VII do
tornou condição indispensável ao CPC, impondo-se ao Embargante, ora
reconhecimento da deserção, sem a Agravado, os ônus de sucumbência,
qual o escopo da lei, de possibilitar devendo a sua repercussão na AUTENTICIDADE DE DOCUMENTO
à parte a regularização do preparo execução por título extrajudicial
recursal, não será atingido. 7. Recurso ser objeto de análise naqueles 686.043 Parte contrária que
especial parcialmente conhecido e, autos. Provimento do agravo de contesta a autenticidade de
nessa extensão, provido. instrumento. uma assinatura em um
(STJ – Rec. Especial n. 1818661/ (TJRJ – Ag. de Instrumento n. documento particular deve
PE – 3a. T. – Ac. unânime – Rel.: Min. 0023078-18.2023.8.19.0000 – 17a. Câm. provar que a assinatura é
Marco Aurélio Bellizze – Fonte: DJ, – Ac. unânime – Rel.: Desa. Ana falsa
25.05.2023). Maria Pereira de Oliveira – Fonte:
DJ, 27.07.2023). Apelação cível – Ação declaratória
de nulidade de negócio jurídico
COMPROMISSO ARBITRAL c/c dano moral – Preliminar de
NOTA BONIJURIS: Nesse ofício – Nulidade da sentença
686.042 É cabível o
sentido é o entendimento do – Contrato de cartão de crédito
ajuizamento de ação de
Superior Tribunal de Justiça. consignado – Impugnação de
execução embasada em
instrumento particular, Confira-se: “Civil e Processual assinatura – Ônus do credor que
ainda que em tal título Civil. Recurso especial. Agravo apresentou o documento – Ausência
executivo extrajudicial de instrumento. Embargos à de fase probatória – Julgamento de
conste expressa cláusula execução. Título extrajudicial. improcedente – Cerceamento de
Contrato. Cláusula de defesa – Configuração – Sentença
compromissória arbitral
arbitragem. Juízo estatal. cassada. I – Quando a assinatura
Força coercitiva. Higidez do aposta em um documento particular
Agravo de instrumento contra
título. Jurisdição arbitral. é contestada pela parte contrária, o
decisão que, em sede de embargos
1. A jurisprudência do STJ ônus de provar sua autenticidade
à execução, afastou a preliminar de
sedimentou o entendimento de desloca-se, automaticamente, para
convenção de arbitragem suscitada
que é possível a execução, no aquele que apresentou o documento,
pelo Agravado, objetivando a
Poder Judiciário, de contrato por força do disposto nos arts. 429,
extinção da execução, e procedeu
II c/c 428, I do CPC/15. II – Mostra-
ao saneamento do feito. Contrato que contenha cláusula de
se descabido negar às partes o
de intermediação com cláusula de arbitragem, pois o juízo arbitral
direito de produzirem provas a fim
compromisso arbitral. Pretensão é desprovido de poderes
de confirmarem suas alegações
do Agravante de que os embargos coercitivos. Precedentes. 2.
e depois concluir, na sentença,
à execução sejam extintos, diante Nos embargos à execução
pela improcedência dos pedidos
da incompetência do Juízo estatal. de contrato com cláusula
iniciais com base em contratação
Inexistência de controvérsia compromissória, a cognição do que teria sido celebrada mediante
quanto à validade da cláusula juízo estatal está limitada aos fraude. III – Considerando que é a
compromissória, cuja presença no temas relativos ao processo assinatura que dá autenticidade ao
título não impede a propositura do executivo em si, sendo que as documento, e que, caso afastada
feito executivo perante o Judiciário, questões relativas à higidez do a regularidade da contratação
por não ser permitida ao árbitro a título devem ser submetidas que deu origem aos descontos ora
prática de atos executivos, sendo que à arbitragem, na linha do que questionados, o contrato em questão
os embargos do devedor versando dispõe o art. 8º, parágrafo único, será considerado nulo de pleno
sobre questões atinentes ao título da Lei nº 9.307/1996. Precedente. direito, nos termos dos arts. 104 e 166,
devem ser submetidos ao juízo 3. Havendo necessidade de V, do Código Civil (por ausência de
arbitral. Precedentes do STJ. Questão instauração do procedimento assinatura da parte contratante), tem-
discutida nos embargos de devedor arbitral, o executado poderá se que a ausência de oportunidade
que envolve excesso de execução,
pleitear a suspensão do feito para produção da prova grafotécnica

188 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


PROCESSO CIVIL

viola o devido processo legal e Processual Civil. Recurso direito ao julgamento colegiado. 6. Na
representa cerceamento de defesa, Especial. Ação de exigir contas. espécie, a Corte de origem consignou
já que inviabiliza a comprovação Prequestionamento parcial. a irrecorribilidade da decisão do
da autenticidade da documentação Gratuidade de justiça requerida em relator que indefere a gratuidade de
apresentada. V.V. – Nos termos do art. recurso. Indeferimento pelo relator. justiça e não conheceu da apelação
370 do CPC/2015 (correspondente Decisão interlocutória. Possibilidade por deserção. Tal proceder violou os
ao art. 130 do CPC/73), ao juiz de impugnação via agravo interno. arts. 1.003, § 5º e 1.021 do CPC⁄2015.
compete verificar a necessidade da Preparo inexigível antes do 7. Recurso especial parcialmente
produção de provas e determinar pronunciamento colegiado. 1. Ação de conhecido e, nessa parte, provido.
sua realização, indeferindo as que exigir contas ajuizada em 15⁄12⁄2021, da (STJ – Rec. Especial n. 2.087.484/
entender inúteis ou protelatórias. qual foi extraído o presente recurso SP – 3a. T. – Ac. unânime – Rel.:
– Não constitui cerceamento de especial interposto em 30⁄09⁄2022 e Min. Nancy Andrighi – Fonte: DJ,
defesa o julgamento antecipado, concluso ao gabinete em 02⁄08⁄2023. 09.10.2023).
quando convencido o julgador de 2. O propósito recursal consiste em
que as provas constantes dos autos decidir se o pronunciamento do
NOTA BONIJURIS: Concluiu
são suficientes para formar o seu relator que indefere a gratuidade de
a ministra relatora: “Essa
convencimento. justiça é recorrível por agravo interno
solução é a que melhor atende
(TJMG – Ap. Cível n. 5010571- e se o recolhimento do preparo
41.2020.8.13.0701 (1) – 18a. Câm. Cív. – o direito fundamental de acesso
é exigível antes do julgamento
Ac. unânime – Rel.: Des. João Cancio à justiça aos economicamente
desse recurso. 3. A ausência de
– Fonte: DJ, 29.11.2023). hipossuficientes, assegurando-
manifestação do Tribunal de
se ao jurisdicionado o direito de
origem, no acordão recorrido,
realizar o preparo somente após
MANDADO DE SEGURANÇA acerca do direito da recorrente ao
pronunciamento colegiado.
benefício da gratuidade de justiça,
Essa exegese, inclusive, guarda
686.044 Reconhecida a obsta o conhecimento do recurso
harmonia com o princípio da
decadência em razão da especial nesse ponto, por ausência
primazia do mérito”.
decorrência de mais de 120 de prequestionamento (Súmula
dias entre o ato impugnado e 282⁄STF). 4. O pronunciamento do
a impetração relator que defere ou indefere a
gratuidade de justiça requerida ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA
Apelação Cível. Direito Tributário. em sede recursal tem natureza 686.046 Valor do maior
Mandado de Segurança. ICMS. de decisão interlocutória, uma benefício do RGPS é o limite
Substituição tributária “para vez que soluciona uma questão de rendimento que admite a
frente”. Decadência reconhecida. incidente, não se tratando de concessão de assistência
Artigo 23, Lei nº 12.016/09. Sentença mero ato que visa a impulsionar o judiciária gratuita
confirmada. – Nos termos do artigo andamento do processo. Em razão
23, Lei nº 12.016/09, configurada a disso, é impugnável via agravo Processual Civil. Agravo de
decadência do direito de impetração interno (art. 1.021 do CPC⁄2015). 5. Instrumento. Assistência judiciária
do mandado de segurança quando Interposto agravo interno contra gratuita. Hipossuficiência. Presunção
transcorridos mais de 120 (cento e a decisão que indefere o benefício juris tantum. Renda mensal limitada
vinte) dias entre o ato impugnado da gratuidade de justiça, o preparo ao teto previdenciário. Rendimentos
e a impetração do mandado de não é exigível enquanto não líquidos. A Corte Especial deste TRF,
segurança. Apelo desprovido. confirmado o indeferimento pelo por ampla maioria, definiu que faz
(TJRS – Ap. Cível n. 5175807- órgão colegiado. Não há lógica em jus à gratuidade de justiça o litigante
18.2022.8.21.0001 – 22a. Câm. Cív. – Ac. se exigir que o recorrente primeiro cujo rendimento mensal não
unânime – Rel.: Desa. Marilene pague o que afirma não poder pagar ultrapasse o valor do maior benefício
Bonzanini – Fonte: DJ, 14.09.2023). para só depois a Corte decidir se do Regime Geral de Previdência
ele realmente precisa ou não do Social, sendo suficiente, nessa
JUSTIÇA GRATUITA benefício. Essa solução é a que hipótese, a presunção de veracidade
melhor se coaduna com o disposto da declaração de insuficiência de
686.045 Decisão monocrática no art. 101, § 2º, do CPC⁄2015 e com recursos, que pode ser afastada pela
do relator que indefere o direito fundamental de acesso parte contrária mediante elementos
pedido de gratuidade de à justiça aos economicamente que demonstrem a capacidade
justiça na apelação é hipossuficientes (art. 5º, XXXV e, da econômica do requerente.
impugnável pela via do CF⁄88), o princípio da primazia do (TRF-4a. Reg. – Ag. de Instrumento
agravo interno mérito (arts. 4º e 6º do CPC⁄2015) e o n. 5030204-84.2023.4.04.0000/RS – 4a.

190 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


EMENTÁRIO TITULADO

T. – Ac. unânime – Rel.: Des. Luís ofício às concessionárias de serviços


Alberto D’Azevedo Aurvalle – Fonte: públicos, para fins de localização
DJ, 23.10.2023). do réu, antes de se autorizar a
citação por edital. 2. A citação por
ERRO GROSSEIRO edital é uma modalidade de citação
ficta, tratando-se, portanto, de
686.047 Agravo interno não é ato excepcionalíssimo, somente
meio cabível para impugnar sendo admitida nas hipóteses
decisão que inadmitiu o expressamente previstas no art.
recurso especial por 256 do Código de Processo Civil de
ausência das razões 2015, isto é, quando (i) desconhecido
recursais ou incerto o citando; (ii) quando
ignorado, incerto ou inacessível o
Agravo interno. Decisão lugar em que se encontrar o citando;
monocrática que inadmitiu o e (iii) nos demais casos expressos
recurso especial. Meio processual em lei. 3. Nos termos do § 3º do
inadequado. Recurso desprovido. art. 256 do CPC/2015, “O réu será
1. O manejo de agravo interno para considerado em local ignorado ou
impugnar decisão que inadmitiu incerto se infrutíferas as tentativas
o recurso especial, por ausência de sua localização, inclusive
das razões recursais, configura mediante requisição pelo juízo de
erro a implicar preclusão, sendo informações sobre seu endereço
inviável a aplicação do princípio da nos cadastros de órgãos públicos
fungibilidade. Precedente do STJ. ou de concessionárias de serviços
(TJES – Ag. Interno n. 0004898- públicos”. 4. O referido dispositivo
84.2016.8.08.0038 – T.P. – Ac. unânime legal deve ser interpretado no
– Rel.: Des. Guilherme Gonçalves sentido de que o Juízo tem o dever de
Strenger – Fonte: DJ, 15.06.2023). buscar todos os meios possíveis de
localização do réu, para se proceder à
LOCALIZAÇÃO DA RÉ respectiva citação pessoal, devendo
requisitar informações sobre seu
686.048 É válida a citação por endereço nos cadastros de órgãos
edital sem consulta prévia às públicos ou de concessionárias
concessionárias de serviços de serviços públicos, antes de
públicos determinar a citação por edital.
5. No entanto, a requisição de
Recurso Especial. Execução de informações às concessionárias de
título extrajudicial. Executada serviços públicos consiste em uma
não encontrada para citação após alternativa dada ao Juízo, e não uma
diligências em 7 (sete) endereços imposição legal, não se podendo
distintos, obtidos por meio de olvidar que a análise, para verificar
pesquisa aos sistemas Bacenjud, se houve ou não o esgotamento de
Renajud, Infojud e Siel. Citação todas as possibilidades de localização
por edital. Ausência de nulidade. do réu, a fim de viabilizar a citação
Esgotamento das possibilidades por edital, deve ser casuística,
de localização da ré. Obediência observando-se as particularidades
ao art. 256, § 3º, do CPC/2015. do caso concreto. 6. Na hipótese, o
Requisição de informações às Tribunal de origem consignou que,
concessionárias de serviços públicos “antes de deferir a citação por edital
que consiste em uma alternativa, e da parte executada, o Juízo de origem
não uma imposição legal. Acórdão diligenciou perante 7 (sete) endereços
recorrido mantido. Recurso distintos”, ressaltando, ainda, que
especial desprovido. 1. O propósito “houve a consulta do endereço da
recursal consiste em definir se é parte ré aos sistemas informatizados
obrigatória a prévia expedição de à disposição do Juízo que acessam

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 191


TRABALHISTA

cadastros de órgãos públicos”. Logo, as atividades extraclasse. Este ESTABILIDADE


embora não tenha havido requisição Colegiado se curva à orientação
de informações às concessionárias contida na Súmula nº 80 deste 686.050 Dispensa de gestante
de serviços públicos, houve a Regional para reconhecer que não gera dano moral
pesquisa de endereços nos cadastros o simples desatendimento da
de órgãos públicos, por meio dos proporcionalidade de 2/3 de horas- Dispensa de empregada gestante.
sistemas informatizados à disposição aula para 1/3 de horas-atividade Danos morais não configurados.
do Juízo (Bacenjud, Renajud, Infojud gera direito ao pagamento de horas A dispensa da empregada grávida
e Siel), como determina o § 3º do art. extras. Recurso da parte autora não configura violação da honra
256 do CPC/2015, não havendo que ao qual se dá provimento. Férias. subjetiva do empregado, mas
se falar, portanto, em nulidade da Pagamento fora do prazo legal. dano material, já reparado com
citação por edital. 7. Recurso especial Súmula nº 450 do TST. ADPF nº 501 a condenação no pagamento das
desprovido. do STF. O entendimento desta E. verbas rescisórias e da indenização
(STJ – Rec. Especial n. 1971968/ Turma era de que o desrespeito ao do período de estabilidade. Recurso
DF – 3a. T. – Ac. unânime – Rel.: Min. prazo para o pagamento das férias ordinário provido neste ponto,
Marco Aurélio Bellizze – Fonte: DJ, e do abono, ou seja, dois dias antes para excluir da condenação a
26.06.2023). do início da fruição das férias (art. indenização por danos morais.
145 da CLT), ensejava o pagamento (TRT-2a. Reg. – Rec. Ordinário n.
das férias de forma simples, a fim 1001247-03.2021.5.02.0383 – 3a. T. – Ac.
de completar a dobra prevista no por maioria – Rel.: Desa. Mércia
artigo 137, da CLT, nos termos da Tomazinho – Fonte: DJ, 10.05.2023).
Súmula nº 450 do TST. Ocorre que,
por meio da ADPF nº 501, o E. STF,
por maioria, em decisão publicada
NORMA COLETIVA
no dia 18/08/2022, julgou procedente 686.051 São nulas as cláusulas
a arguição de descumprimento de de acordo coletivo que
TRABALHista preceito fundamental, declarando a condiciona a concessão de
inconstitucionalidade da Súmula nº benefícios custeados pelo
450 do Tribunal Superior do Trabalho empregador à sindicalização
HORA-ATIVIDADE e invalidando as decisões judiciais do empregado
não transitadas em julgado que,
686.049 Não cumprimento da amparadas no texto sumular, tenham Recurso de Revista interposto
proporção de 1/3 da carga aplicado a sanção de pagamento pelo Ministério Público do
horária destinada a em dobro com base no art. 137 da Trabalho. Lei nº 13.467/2017. Norma
atividades extraclasse CLT. Desse modo, não há se falar coletiva. Benefício custeado
confere o direito ao em pagamento em dobro das férias pelo empregador exclusivo aos
recebimento de horas extras pagas fora do prazo do art. 145 da empregados sindicalizados.
CLT. Recurso da parte autora ao qual Nulidade. Transcendência
Hora atividade. Diferenças se nega provimento, no particular. econômica constatada. Em relação
devidas. Lei Federal nº 11.738/2008. (TRT-9a. Reg. – Rec. Ordinário à transcendência econômica, esta
Necessidade de observância da n. 0000872-13.2021.5.09.0322 – 1a. T. Turma estabeleceu como referência,
proporção de 1/3 da carga horária – Ac. unânime – Rel.: Des. Edmilson
para o recurso do empregado/parte
para atividades extraclasse. A Lei Antonio de Lima – Fonte: DJ,
autora, o valor fixado no artigo
Federal nº 11.738/2008, que dispõe 15.09.2023).
852-A da CLT e, na hipótese dos
sobre o piso salarial do magistério
autos, há elementos a respaldar
público, estabelece no art. 2º, § 4º
NOTA BONIJURIS: Súmula a conclusão de que os pedidos
que: “Na composição da jornada
80/TRT-9a.Reg. “Horas extras rejeitados e devolvidos à apreciação
de trabalho, observar-se-á o limite
decorrentes do desatendimento desta Corte ultrapassam o valor
máximo de 2/3 (dois terços) da
da proporção do tempo de 40 salários-mínimos. Deste
carga horária para o desempenho mínimo de 1/3 de jornada modo, considera-se alcançado o
das atividades de interação com extraclasse prevista na Lei patamar da transcendência. No
os educandos”. Conclui-se, assim 11.738/08. O desatendimento da ordenamento jurídico brasileiro,
que, nos termos da Lei Federal nº proporcionalidade de 2/3 de a negociação coletiva restrita aos
11.738/2008, há um limite máximo horas-aula para 1/3 de horas- filiados/contribuintes do sindicato
de 2/3 da jornada para atividades atividade, por si só, gera direito fere o disposto no artigo 8º, caput
em sala de aula e, por conseguinte, a horas extras”. e incisos III e V, da Constituição
um limite mínimo de 1/3 para

192 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


EMENTÁRIO TITULADO

Federal, pois fere os princípios também comprometeu, ainda que consiste em qualquer prática que,
da representatividade sindical, por via oblíqua, o desenvolvimento de forma indevida, de busca de
da unicidade e da liberdade da categoria do sindicato que influência ou manipulação do
de sindicalização. No âmbito os representa, em virtude da exercício do direito de voto e da
internacional, a Convenção nº possibilidade de comprometer uma orientação política dos cidadãos,
87 da OIT, igualmente, consagra das mais importantes garantias não pressupõe, necessariamente,
os princípios da liberdade para o exercício da atividade que a conduta praticada se
sindical e proteção ao direito de sindical em cumprir seu dever enquadre em algum tipo penal.
sindicalização. A Convenção nº de representação da categoria, a No caso, ficou comprovado que
98 da OIT, também, em seu artigo partir da pressão para que haja a reclamada cometeu ilícito ao
2º considera ato reprovável de sindicalização, bem como da constranger e tentou influenciar
ingerência “promover a constituição discriminação com aqueles que os empregados a seguirem a
de organizações de trabalhadores não o fazem. Precedentes da SDC. orientação político-partidária
dominadas por organizações Recurso de revista conhecido e escolhida pela empresa. Com
de empregadores ou manter provido. Agravo de Instrumento em isso, foram violados os direitos de
organizações de trabalhadores recurso de revista interposto pelo liberdade de escolha e consciência
com recursos financeiros ou de ministério público do trabalho. Lei eleitoral dos trabalhadores, a
outra espécie, com o objetivo de nº 13.467/2017. Em decorrência do conduta da instituição ou estimulou
sujeitar essas organizações ao provimento do recurso de revista do o preconceito e a discriminação
controle de empregadores ou de MPT, resulta prejudicada a análise dentro do ambiente de trabalho,
organizações de empregadores”. do seu AIRR, cuja insurgência é a provocando um movimento de
Portanto, não é demais concluir mesma discutida no RR. violência psicológica daqueles
que o benefício previsto em norma (TST – Rec. de Revista n.
que não apoiam a mesma
coletiva exclusivo aos filiados gera 10590-53.2020.5.18.0052 – 7a. T. –
orientação política da empresa , em
discriminação nas relações de Ac. unânime – Rel.: Min. Cláudio
violação inequívoca aos preceitos
trabalho, o que ofende o princípio Mascarenhas Brandão – Fonte: DJ,
constitucionais e diretrizes
da igualdade previsto no artigo 5º, 06.10.2023).
inseridas nas normas do direito
I, da Constituição Federal. Ademais,
internacional (art. 1º, III, IV e V, art.
é importante ressaltar que a ASSÉDIO ELEITORAL 3º, I e IV, art. 5º, XLI, art. 7º, XXX,
conduta praticada pelo Sindicato
art. 14, da CRFB/88 e as Convenções
dos trabalhadores e pela ré, ao 686.052 Empresa é condenada nº 111 e nº 190 da OIT). O ato ilícito
estabelecer cláusulas em norma a indenizar uma funcionária praticado tem o potencial de causar
coletiva com benefícios exclusivos a demitida em retaliação por danos morais aos trabalhadores
empregados sindicalizados, traduz sua posição política atingidos e gera dano moral “in
“conduta antissindical”, e não
re ipsa”, isto é, que independe
apenas violou o direito fundamental Assédio eleitoral caracterizado.
de comprovação material, uma
dos trabalhadores à liberdade de Indenização por danos morais
vez que o direito de liberdade de
associação e sindicalização como devida. O assédio eleitoral
escolha e consciência constitui

A BO
REVISTA
REVIST
REV STA BONIJ
BONIJURIS
ONIJ
NIJU
NIJURI
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RIS I ANO
RI NO 36
36 I ED
EDIÇÃO
EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024
686 193
TRABALHISTA

suporte indispensável de um estado Claudia Cristina Pereira – Fonte: vencimentos não se aplica aos casos
democrático de direito que coloca DJ, 16.11.2023). em que a constrição seja para fins de
a dignidade da pessoa humana pagamento de prestação alimentícia
como elemento central de todo “independentemente de sua origem”
NOTA BONIJURIS: Dispõe a
o ordenamento jurídico. Negar à (art. 833, IV, e § 2º, do CPC), como é o
Resolução n. 355, de 28 de abril
pessoa o direito de escolha é negar caso das verbas de natureza salarial
de 2023 do CSJT sobre a prática
sua própria existência como ser devidas ao empregado. Precedentes.
de assédio eleitoral nas relações
racional dotado de sentimentos Agravo a que se nega provimento.
e propósitos de vida. Interferir de trabalho, in verbis: “Art. 2º
(TST – Ag. de Instrumento
indevidamente no processo de Para fins da presente Resolução,
em Rec. de Revista n. 10359-
escolha dos representantes que considera-se assédio eleitoral
76.2013.5.01.0009 – 3a. T. – Ac.
regerão o país é violentar a essência toda forma de distinção,
unânime – Rel.: Min. Alberto Bastos
da democracia. Indenização por exclusão ou preferência
Balazeiro – Fonte: DJ, 27.10.2023).
danos morais mantidos, não fundada em ocultação ou
particulares. Dispensa por justa opinião política no âmbito das
relações de trabalho, inclusive LEGISLAÇÃO ESTRANGEIRA
causa abusiva. Indenização por
danos morais devida. Considerando no processo de admissão.
686.054 Negada a aplicação
que a justa causa foi aplicada ao Parágrafo único. Configure,
igualmente, assédio eleitoral a
da legislação brasileira a
autor como medida retaliativa à contrato de trabalho
posição política da obreira, apoiada prática de coação, intimidação,
ameaça, humilhação ou
celebrado por meio
à orientação que os governantes eletrônico e executado em
impingir aos empregados, o ato se constrangimento, na intenção
de influência ou manipulação
navio estrangeiro
reveste de gravidade suficiente para
causar danos morais. Destaca-se do voto, apoio, orientação
Contrato de trabalho internacional.
que no presente caso o prejuízo ou manifestação política de
Meio eletrônico. A internet
imaterial não decorre unicamente trabalhadores e trabalhadores
no local de trabalho ou situações transformou a maneira tradicional
da reversão da justa causa, mas
relacionadas ao trabalho.” de contratação empregatícia.
do uso indevido desse direito
Entrevistas online e assinatura
pela reclamada, pelo abuso no
de contrato de trabalho via email,
exercício do poder disciplinar, por se
estando no Brasil, não importam
aproveitar da posição privilegiada PENHORA PARCIAL em contratação em solo brasileiro e
de empregadora e do poder diretivo
686.053 Administrador terá aplicação da legislação respectiva.
para fins espúrias, contrárias ao
parte da aposentadoria Recurso das reclamadas a que se dá
direito e violadoras da liberdade
penhorada para pagar dívida provimento.
individual, da honra e da dignidade
trabalhista (TRT-2a. Reg. – Embs.
do reclamante como trabalhadora
de Declaração n. 1000759-
e como cidade. Deve-se atentar
Agravo. Agravo de Instrumento em 61.2021.5.02.0314 – 18a. T. – Ac.
que a reclamação, através de seu
Recurso de Revista. Leis 13.015/2014 unânime – Rel.: Desa. Ivete
Presidente, praticou atos que
e 13.467/2017. Execução. Rito Bernardes Vieira de Souza – Fonte:
institucionalizam a discriminação
sumaríssimo. Expedição de ofícios. DJe, 13.09.2023).
eleitoral dentro da empresa,
gerando um ambiente de trabalho Bloqueio e penhora em conta salário
hostil e altamente prejudicial à e/ou benefícios previdenciários dos PRESCINDIBILIDADE DE CONCORDÂNCIA
saúde psicológica dos trabalhadores sócios executados. Incidência do art.
que possuem posição política 833, § 2°, do CPC/15. Inaplicabilidade 686.055 Renúncia à
diversa dos funcionários pelos da orientação jurisprudencial 153 responsabilização da
empregadores. Nessas condições, da SBDI-II do TST. Transcendência reclamada pode ser
a dispensa por justa causa assume política reconhecida. Esta Corte formulada a qualquer
um caráter discriminatório que passou a admitir a penhora parcial momento, desde que o
exige a reposição por dano moral, sobre salários, vencimentos e processo não esteja
nos termos do art. 4º, da Lei n. proventos de aposentadoria do encerrado
9.029/1995. Indenização por danos executado, desde que observado
morais mantidos, não particulares. o limite de 50% (cinquenta por Renúncia à responsabilização
(TRT-9a. Reg. – Rec. Ordinário cento) previsto no § 3º do art. 529 da reclamada. Formulação em
n. 0000019-23.2023.5.09.0002 – 2a. do CPC de 2015, tendo em vista grau recursal. Prescindibilidade
T. – Ac. por maioria – Rel.: Desa. que a impenhorabilidade dos de concordância. Art. 487, III, “C”,

194 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


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TRIBUTÁRIO

do CPC. Extinção do processo


com resolução de mérito. A NOTA BONIJURIS:
renúncia quanto a pedido de Transcrevemos o artigo 195,
responsabilização solidária/ parágrafo único, do CTN:
subsidiária, assim como a demais “Os livros obrigatórios de
escrituração comercial e
pedidos, em face de uma das
reclamadas, se trata de ato
TRIBUTÁRIO fiscal e os comprovantes dos
unilateral, sendo prescindível a lançamentos neles efetuados
manifestação da parte contrária. COMPENSAÇÃO DO ISS serão conservados até que
Pode ser formulado o pleito a ocorra a prescrição dos créditos
qualquer momento, ainda que 686.057 Regularização de tributários decorrentes das
em grau de recurso, desde que o crédito com intuito de obter operações a que se refiram.”
processo não esteja encerrado. compensação tributária está
Destarte, homologa-se a renúncia do sujeita à comprovação
autor e afasta-se a responsabilidade documental da existência IPTU
da 2ª ré, OI S.A, extinguindo o perante a Fazenda Pública
processo com relação à referida 686.058 Espólio pode ser
empresa, com resolução de mérito, Mandado de Segurança. Direito parte em execução fiscal
nos termos do art. 487, III, “c”, do tributário. ISS. Compensação.
CPC, restando, por conseguinte, Ausência de escrituração. Obrigação Apelação Cível – Direito tributário
prejudicada a análise do recurso por acessória. Artigo 195, parágrafo – Execução fiscal – Imposto
ela interposto. único, CTN. Regularização após o predial territorial urbano – Fato
(TRT-9a. Reg. – Rec. Ordinário transcurso do prazo prescricional. gerador ocorrido após a morte do
n. 0000375-80.2021.5.09.0004 – 1a. Segurança denegada. 1. A proprietário do imóvel e antes da
T. – Ac. unânime – Rel.: Desa. Nair jurisprudência deste Tribunal tem expedição do formal de partilha
Maria Lunardelli Ramos – Fonte: admitido a compensação do ISS, – Legitimidade do espólio para
DJ, 15.09.2023). quando preenchidos os requisitos figurar no polo passivo da execução
legais, nos termos do artigo 156, – Reconhecimento – Anulação da
PENHORA DE “PONTOS” II, do Código Tributário Nacional. sentença que considerou ser o
2. No entanto, no presente caso, espólio parte ilegítima para figurar
686.056 É possível a penhora o apelante deixou de apresentar no polo passivo da execução –
de milhagem acumulada em a documentação necessária para Necessidade – Recurso provido.
cartões de crédito para a requisição da compensação, 1. O espólio será, na qualidade de
quitação de débitos responsável, encarregado de arcar
conforme informação fornecida
trabalhistas com os tributos devidos pelo autor
ao contribuinte quando da
comunicação de compensação do da herança até a data da abertura
Programas de ‘milhagem’ e
ISS. 3. A documentação solicitada da sucessão e, será considerado
possibilidade de penhora: A
não é mera formalidade, mas contribuinte dos créditos tributários
milhagem acumulada em cartões de
encontra amparo no artigo 195, cujos fatos geradores ocorrerem
crédito é negociável por inúmeras
parágrafo único, do CTN, em razão até a partilha dos bens. Inteligência
plataformas, de modo que detém
da atribuição da Fazenda Pública de do artigo 131 do Código Tributário
natureza econômica passível de
avaliar a existência e a regularidade Nacional. 2. Ocorrendo o fato
constrição judicial. Diante do seu
dos alegados créditos para subsidiar gerador do tributo (IPTU) após a
irrefutável valor monetário, os
a pleiteada compensação. 4. O morte do proprietário do imóvel,
‘pontos’ são passíveis de penhora,
pedido de restituição regular se deu porém antes da expedição do
com fulcro no artigo 831 do CPC,
enquadrando-se como ‘outros após cinco anos da data da extinção formal de partilha, reconhece-se
direitos’, conforme disposto no do crédito tributário, de forma que a a capacidade do espólio para ser
artigo 835, XIII do CPC. Agravo de pretensão está prescrita, nos termos parte na execução, pois, contribuinte
petição do trabalhador provido pelo do artigo 168, I, do CTN. 5. Recurso do imposto. 3. Sendo contribuinte
Colegiado Julgador. conhecido e não provido. do imposto, deve ser anulada a
(TRT-2a. Reg. – Ag. de Petição (TJDFT – Mandado de Segurança sentença que extinguiu o processo
n. 0000323-52.2011.5.02.0482 – 11a. n. 0710951-20.2022.8.07.0018 – 6a. T. por ausência de constituição e
T. – Ac. unânime – Rel.: Des. Ricardo – Ac. unânime – Rel.: Desa. Soníria de desenvolvimento válido, por
Verta Luduvice – Fonte: DJ, Rocha Campos D’Assunção – Fonte: considerar a ilegitimidade do
26.04.2023). DJ, 08.11.2023). espólio para figurar no polo passivo

196 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


EMENTÁRIO TITULADO

da execução. 4. Recurso provido. Estadual. Impossibilidade.


Sentença anulada. Aplicação de multa. Art. 1.021, §
(TJMG – Ap. Cível n. 5010837- 4º, do código de processo civil de
15.2022.8.13.0521 (1) – 6a. Câm. Cív. – 2015. Inadequada ao caso concreto.
Ac. unânime – Rel.: Des. Júlio Cezar I – Consoante o decidido pelo
Gu�ierrez – Fonte: DJ, 20.10.2023). Plenário desta Corte na sessão
realizada em 09.03.2016, o regime
I.R. recursal será determinado pela
data da publicação do provimento
686.059 Não se aplica a jurisdicional impugnado. In casu,
isenção do imposto de renda aplica-se o Código de Processo Civil
aos rendimentos de portador de 2015. II – A partir da vigência da
de moléstia grave que se Lei Complementar 116/2003, à vista
encontre no exercício de do veto presidencial referente ao
atividade item 13.01, não mais existe previsão
legal que ampare a incidência do
Tributário. Mandado de segurança. ISS sobre a atividade de produção,
Embargos de declaração com efeitos gravação e distribuição de filmes,
infringentes. Acolhimento. Servidor seja destinada ao comércio em geral
público estadual ocupante do cargo ou ao atendimento de encomenda
de analista judiciário. Pretensa específica de terceiro. O item 13.03
isenção do recolhimento do da lista anexa à apontada norma
imposto de renda e da contribuição não autoriza a tributação pelo
previdenciária. Impetrante no ISSQN do serviço de produção
exercício da atividade laboral. de filmes/vídeos por encomenda,
Enfermidade relacionada ao art. porquanto essa atividade não
6° da Lei 7.713/1988. Tema 1.037/ se equipara aos serviços de
STJ julgado sob o rito dos recursos cinematografia. Precedentes. III –
repetitivos. Recurso paradigma Em regra, descabe a imposição da
Resp 1.814.919/DF. Tese firmada multa, prevista no art. 1.021, § 4º, do
contrária à pretensão deduzida no Código de Processo Civil de 2015,
mandamus. Adequação da decisão em razão do mero improvimento
colegiada ao acórdão paradigma. do Agravo Interno em votação
Observância ao art. 1.040, II e III, unânime, sendo necessária
do CPC. Aclaratórios conhecidos e a configuração da manifesta
acolhidos, com efeitos infringentes inadmissibilidade ou improcedência
e modulação dos efeitos. do recurso a autorizar sua aplicação,
(TJRN – Mandado de Segurança o que não ocorreu no caso. IV –
n. 0801695-60.2019.8.20.0000 – T. Agravo Interno improvido.
P. – Ac. unânime – Rel.: Des. Gilson (STJ – Ag. Interno no Rec.
Barbosa – Fonte: DJ, 26.04.2023). Especial n. 1994233/SP – 1a. T. – Ac.
unânime – Rel.: Min. Regina Helena
PRODUÇÃO DE FILMES Costa – Fonte: DJ, 22.06.2022).

686.060 Não incide ISS sobre IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS


produção de vídeos por
encomenda 686.061 Cobrança do ISS é
realizada pela
Tributário. Processual Civil. municipalidade onde o
Agravo Interno no Recurso estabelecimento prestador
Especial. Código de Processo de serviços está localizado
Civil de 2015. Aplicabilidade.
ISSQN. Produção de filmes Apelação Cível. Constitucional.
por encomenda. Interpretação Tributário. ISSQN. Dupla tributação.
extensiva pela Fazenda Pública Contribuinte que possui unidade

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 197


TRIBUTÁRIO

econômica para prestação de serviços na Lei Federal n.º 6.858, de estende em relação ao IPVA e
no município de Parauapebas. Sede 24/11/80, independentemente do ICMS
no município de Belém. Ilegalidade reconhecimento previsto no artigo
da cobrança no município de Belém. 29, desta Lei;” 4. Norma que não faz Agravo de Instrumento – Mandado
Direito líquido e certo demonstrado. distinção entre previdência pública de segurança – Isenção de IPVA
1. A municipalidade competente ou privada. Isenção de ITCMD, que e ICMS – Portador de surdez
para realizar a cobrança do ISS não resulta de critério subjetivo, congênita bilateral – Laudo oficial
é a do local do estabelecimento mas de imposição legal. Provimento emitido pela Receita Federal para
prestador dos serviços. Considera- do recurso. fins de isenção do IPI – Deficiência
se como tal a localidade em que (TJRJ – Ag. de Instrumento n. comprovada – Recurso provido –
há uma unidade econômica ou 0062470-96.2022.8.19.0000 – 13a. Concessão da segurança. – Tendo
profissional, isto é, onde a atividade Câm. Cív. – Ac. unânime – Rel.: em vista os princípios da isonomia
é desenvolvida, independentemente Desa. Mônica Sardas – Fonte: DJ, e da dignidade da pessoa humana,
de ser formalmente considerada 22.08.2023). os referidos documentos são
como sede ou filial da pessoa jurídica. aptos a possibilitar a concessão
2. Contribuinte que demonstra o ISS da isenção tributária pleiteada
recolhimento do tributo tanto no pelo impetrante. – Comprovado
Município de Parauapebas quanto 686.063 É legal a dedução do que o requerente é portador
no Município de Belém, de modo a custo dos materiais de deficiência física, a qual foi
caracterizar o direito líquido e certo empregados na construção expressamente reconhecida pela
à compensação tributária em sede de civil da base de cálculo do Receita Federal ao conceder a
mandado de segurança. 3. Apelação imposto sobre serviços isenção em relação ao IPI, deve ser
desprovida. estendido o benefício tributário em
(TJPA – Ap. Cível n. 0048171- Tributário e Processual Civil. relação ao IPVA e ICMS.
06.2014.8.14.0301 – 1a. T. – Ac. Apelações cíveis. Cobrança de ISS. (TJMG – Ag. de Instrumento n.
unânime – Rel.: Desa. Ezilda Possibilidade de dedução dos gastos 0965691-93.2023.8.13.0000 (1) – 5a.
Pastana Mutran – Fonte: DJ, com materiais empregados na Câm. Cív. – Ac. unânime – Rel.:
18.10.2023). construção civil. Reconhecimento Des. Rogério Medeiros – Fonte: DJ,
pelo Supremo Tribunal Federal 03.08.2023).
INVENTÁRIO em sede de recurso repetitivo.
Subsunção do caso à decisão
686.062 Previdência privada paradigma. Precedentes do STJ NOTA BONIJURIS: A
está isenta do ITCMD e desta corte de justiça. Direito propósito, outro acórdão do
à dedução. Reconhecimento. Tribunal de Justiça de Minas
Agravo de instrumento. Inventário. Extinção do feito, sem resolução Gerais: “Apelação Cível – Ação
Valores oriundos de previdência do mérito, em relação a uma das ordinária – Deficiente físico
privada. ITCMD. Descabimento. partes, por reconhecimento de – Portador de deficiência
Reforma da decisão. 1. Cinge-se sua ilegitimidade para figurar no auditiva – Prova – Veículo
a controvérsia à incidência do polo passivo da lide. Honorários – Isenção de IPVA e ICMS –
imposto de transmissão causa advocatícios. Cabimento. Princípio Pedido julgado procedente
mortis sobre valores de previdência da sucumbência e da causalidade. – Sentença confirmada. 1.
privada. 2. Crédito oriundo de Aplicação. Art. 85 do CPC. Sentença Demonstrado que a parte
benefício relativo à pensão por que não carece de reforma. autora é portadora de
morte, junto ao Instituto de Conhecimento e desprovimento dos deficiência física, impõe-se a
Previdência Complementar AERUS, recursos. concessão da isenção de ICMS e
não recebido em vida pelo de cujus. (TJRN – Ap. Cível n. 0804868- IPVA incidentes sobre o veículo
3. Art. 3º da Lei Estadual 1.427/89 95.2017.8.20.5001 – 3a. Câm. Cív. por ela adquirido. 2. Recurso
(redação alterada pela Lei 5440/09): – Ac. unânime – Rel.: Des. Vivaldo não provido. (TJMG – Apelação
“Art. 3º - Estão isentas do imposto: Pinheiro – Fonte: DJ, 31.05.2023). Cível 1.0000.17.070512-3/002,
(...) VII - transmissão causa mortis Relator: Des. Júlio Cezar
de valores não recebidos em vida Gu�ierrez, 6ª Câmara Cível,
ISENÇÃO TRIBUTÁRIA
pelo de cujus, correspondentes julgamento em 22/06/2021,
a remuneração, rendimentos de 686.064 Benefício ao publicação da súmula em
aposentadoria e pensão, honorários, portador de surdez 28/06/2021).
PIS, PASEP, FGTS, mencionados congênita bilateral se

198 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


ACÓRDÃOS EM DESTAQUE

preservação permanente na região em


que está inserido o imóvel.
Administrativo Quanto ao mérito, sustenta que a
sua residência está inserida em área
de ocupação urbana plenamente con-
FORNECIMENTO DE ÁGUA POTÁVEL solidada, afigurando-se desarrazoada,
nesse contexto, a negativa de forneci-
mento de água (Evento 26 – Eproc/PG).
686.201IMPOSSIBILIDADE DE FORNECIMENTO DO Houve contrarrazões (Evento 30 –

SERVIÇO PÚBLICO EM IMÓVEL INSERIDO EM ÁREA Eproc/PG).


A Procuradoria-Geral de Justiça, em

DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE E DESPROVIDO DE parecer do Procurador de Justiça Carlos


Alberto de Carvalho Rosa, manifestou-

LICENÇA AMBIENTAL -se pelo conhecimento e desprovimento


do recurso (Evento 15 – Eproc/SG).
É o relatório.
Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina
Apelação Cível n. 5020734-18.2022.8.24.0018 VOTO
Órgão Julgador: 3a. Câmara de Direito Público 1. Da admissibilidade O reclamo com-
Fonte: DJ, 29.08.2023 porta conhecimento, uma vez que pre-
Relator: Desembargador Sandro José Neis enchidos os pressupostos de admissi-
bilidade.
2. Do cerceamento de defesa O Au-
EMENTA tor aponta a ocorrência de cerceamen-
Apelação Cível. Ação de obrigação de fazer. Fornecimento de to de defesa, por entender necessária
água potável. Sentença de improcedência. Insurgência do autor. 1) a produção de prova pericial, a fim de
comprovar se a APP no local dos fatos
Aventada a preliminar de cerceamento de defesa. Pleito de realiza-
não está completamente descaracte-
ção de perícia. Tese afastada. Princípio da persuasão racional. Art. rizada das funções previstas no art.
370 e 371 do CPC. Matéria essencialmente de direito. Prova pericial 3º, inciso II, da Lei n. 12.651/2012. Nesse
que se mostra desnecessária. Prejuízo não demonstrado. Prefa- ponto, registra-se que a sentença foi
cial afastada. 2) Alegado direito ao fornecimento de água, por es- proferida a partir da prova documen-
tar o imóvel inserido em área urbana consolidada. Tese afastada. tal trazida ao feito, motivo pelo qual a
prefacial não merece prosperar.
Imóvel inserido em área de preservação permanente e desprovido
É cediço que, dentro do princípio
de licença ambiental. Impossibilidade de fornecimento do serviço da persuasão racional adotada pelos
público. Lei complementar municipal que veda o fornecimento do artigos 370 e 371 do Código de Proces-
serviço público. Sentença mantida. Honorários recursais arbitra- so Civil, cabe ao Magistrado, como
dos. Recurso de apelação conhecido e desprovido. presidente da instrução processual,
a apreciação da conveniência e/ou
necessidade, ou não, de realização de
ACÓRDÃO Catarinense de Águas e Saneamento – provas no feito, inexistindo, pois, obri-
Vistos e relatados estes autos em CASAN, objetivando o fornecimento de gação de sempre ordenar a produção
que são partes as acima indicadas, a água no imóvel em que reside. daquelas postuladas pela parte, espe-
Egrégia 3ª Câmara de Direito Público Após o regular processamento do cialmente quando claramente inútil ao
do Tribunal de Justiça do Estado de feito, o Magistrado singular julgou deslinde da questão, como é o caso dos
Santa Catarina decidiu, por unanimi- improcedentes os pedidos da exordial autos, circunstância que lhe transfere
dade, conhecer do recurso e negar-lhe (Evento 20 – Eproc/PG). o poder discricionário de dispensar as
provimento, nos termos do relatório, Inconformou, o Autor interpôs demais provas, por desnecessárias ou,
votos e notas de julgamento que ficam Apelação Cível, na qual argumenta, em ainda, quando puderem ser substituí-
fazendo parte integrante do presente preliminar, que houve cerceamento de das por outros elementos probatórios
julgado. defesa, em decorrência do julgamento (art. 464 do Código de Processo Civil).
Florianópolis, 29 de agosto de 2023. antecipado da lide, sem que lhe fosse Sobre o assunto, aliás, leciona Mo-
oportunizado demonstrar, por meio acyr Amaral Santos: “Ao juiz é concedi-
RELATÓRIO de ampla instrução probatória e, em do o poder de formar livremente a sua
Trata-se de Ação de Obrigação de Fazer especial, por meio de perícia técnica, a convicção quanto à verdade emergente
ajuiza por F. de A. contra a Companhia perda da função ecológica da área de dos fatos constantes dos autos. Quer di-

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ACÓRDÃOS EM DESTAQUE

zer que o juiz apreciará e avaliará a pro- tenham Alvará de Licença para Cons-
va dos fatos e formará a sua convicção trução ou Habite-se no Município de
livremente quanto à verdade dos mes- Chapecó, assim dispõe:
mos. A convicção, que deverá ser moti- Art. 1º As concessionárias e/ou pres-
vada, terá que se assentar na prova dos tadoras de serviços públicos de água e
fatos constantes dos autos e não poderá energia elétrica do município de Cha-
desprezar as regras legais, porventura pecó estão autorizadas a promover as
existentes, e as máximas de experiência” respectivas ligações dos seus serviços
(Primeiras Linhas de Direito Processual de distribuição em edificações residen-
Civil, vol. 2, Editora Saraiva, 1997, p.78). ciais unifamiliares, independentemen-
Neste sentido, “o STJ tem pacificado o te da existência de Alvará de Licença
entendimento no sentido de que não há para Construção e/ou Habite-se, nos ca-
‘falar em cerceamento de defesa quando sos previstos nesta Lei Complementar.
o conjunto probatório já existente nos Art. 2º A autorização que trata o ar-
autos se faz suficiente para o conven- tigo anterior se dará mediante a apre-
cimento do magistrado.’ (REsp 1641349/ sentação, pelo interessado, da Certidão
RJ, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚ- de Existência de Imóvel às concessio-
NIOR, SEXTA TURMA, DJe 15/03/2017)” nárias e/ou prestadoras de serviços
(STJ, AgInt no MS 19.977/DF, Relator: públicos de água e energia elétrica. Pa-
Min. Sérgio Kukina, 1ª Seção, j. 13/12/2017). rágrafo único. A Certidão de Existência
Destarte, tendo em vista que o plei- de Imóvel será expedida pelo Municí-
to de realização de prova pericial não pio de Chapecó através da Secretaria
teria o condão de influenciar na solu- de Desenvolvimento Urbano, nos ter-
ção dada ao feito, uma vez que a prova mos desta Lei Complementar.
já produzida foi considerada suficiente Art. 3º Será concedida a Certidão de
pelo Magistrado sentenciante e por ser Existência de Imóvel, que trata esta Lei
a matéria discutida essencialmente de Complementar, para as edificações re-
direito, a preliminar de cerceamento de sidenciais unifamiliares nos seguintes
defesa há de ser afastada. casos:
Portanto, com amparo na funda- I – Edificações erigidas em imóveis
mentação acima, rejeita-se a prelimi- urbanos, oriundos de parcelamentos
nar de cerceamento de defesa. de solos regulares, anteriores a 22 de
3. Do mérito como visto, o Apelante dezembro de 2014, data da publicação
almeja obter o fornecimento de água po- da Lei Complementar Municipal nº
tável no imóvel em que reside. Pois bem. 546, 22 de dezembro de 2014 – Código de
É sabido que o fornecimento de Obras do Município de Chapecó;
água seja considerado serviço essencial II – Edificações erigidas em imóveis
(artigo 22 do Código de Defesa do Con- urbanos, oriundos de parcelamentos
sumidor), afeto, portanto, ao princípio de solos irregulares, caracterizados
da dignidade da pessoa humana e que como núcleos urbanos informais con-
pode ser mitigado em prol do direito solidados, anteriores a 22 de dezembro
coletivo ao meio ambiente ecologica- de 2016, conforme disposto no §2º do
mente equilibrado, ou seja, a jurispru- art. 9º, da Lei Federal nº 13.465, de 11 de
dência é assente sobre o assunto, no Julho de 2017 – Lei da Regularização
sentido de que, verificado que o imóvel Fundiária Urbana e Rural;
está localizado em área de preservação III – Edificações erigidas em imóveis
permanente, a concessionária pode ne- rurais sem fins de urbanização, confor-
gar a prestação do serviço. me definição constante no inciso I do
Desse modo, cumpre ressaltar que a art. 4º, da Lei Federal nº 4.504, de 30 de
residência do Apelante é desprovida de novembro de 1964 – Estatuto da Terra,
alvará de licença para construção, além independente do tempo de construção.
de estar localizada em área de preser- [...]
vação permanente. Art. 7º Não estão abrangidas pela
Em acréscimo, a Lei Complemen- presente Lei Complementar as edifica-
tar Municipal n. 659/2019, a qual dis- ções indicadas nos incisos do caput do
põe sobre a autorização para ligações art. 3º desta Lei que se encontrem erigi-
dos serviços de distribuição de água e das em: I – Área de Preservação Perma-
energia elétrica em edificações que não nente (APP); II – logradouros públicos;

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 201


CIVIL

III – áreas classificadas pela Defesa Ci- e desprovido. (TJSC, Apelação Cível n. fulcro no art. 932 do CPC e no art. 132
vil como de risco alto, risco muito alto 0301188-46.2016.8.24.0067, rel. José Mau- do Regimento Interno do Tribunal de
ou de exclusão. rício Lisboa, Primeira Câmara de En- Justiça, conheço do recurso e nego-lhe
No caso concreto, contudo, o Mu- frentamento de Acervos, j, 31/10/2018). provimento; honorários recursais arbi-
nicípio de Chapecó informou que o Desse modo, “não comprovada a re- trados nos termos da fundamentação.
imóvel em questão encontra-se loca- gularidade da ocupação, não se pode No mais, a existência de outras uni-
lizado em área de preservação perma- compelir a concessionária dos serviços dades abastecidas pelos serviços de
nente, ante a presença de curso hídrico de água e esgoto e a de fornecimento água e de energia elétrica na mesma
a menos de 30 metros, o que motivou de energia elétrica, a realizar a ligação localidade não infirma o posiciona-
a negativa de expedição da certidão de da rede em edificação clandestina. A mento ora sustentado, mesmo porque,
existência do imóvel (Evento 1 – Anexo existência de outras edificações em conforme entendimento sumular n. 613
5 – Eproc/PG. situação semelhante e destinatárias do Superior Tribunal de Justiça, segun-
Desse modo, não se observa ilegali- do serviço não é argumento idôneo do o qual “não se admite a aplicação da
dade na negativa de fornecimento de para tolerar a irregularidade da cons- teoria do fato consumado em tema de
água potável, conforme já decidiu este trução, pois os abusos e as violações Direito Ambiental”.
Tribunal de Justiça: da lei devem ser coibidos, não imita- Aliás, não se ignora que o abasteci-
Apelação cível. Ação de obrigação dos. [...]”. (Agravo de Instrumento n. mento de água seja serviço público re-
de fazer cumulada com pedido de tu- 0010885-74.2016.8.24.0000, rel. Des. Pau- conhecidamente essencial, no entanto
tela antecipada. Pretensa instalação e lo Henrique Moritz Martins da Silva, não pode ser prestado em contrarie-
fornecimento de água em residência, Primeira Câmara de Direito Público, j. dade aos requisitos previstos na legis-
ante a negativa da concessionária. em 1º.08.17). Aliás, não se ignora que o lação vigente, sob pena de incorrer em
Sentença de improcedência. Insur- abastecimento de água potável é ser- desobediência a outros direitos indis-
gência da autora. Alegação de que a viço público reconhecidamente essen- poníveis, tais como a ordem urbanísti-
manutenção do decisum objurgado cial, no entanto não pode ser prestado ca e o meio ambiente equilibrado.
representaria conflito entre os princí- em contrariedade aos requisitos pre- Exposto isso, tem-se que a sentença
pios da dignidade da pessoa humana vistos na legislação vigente, sob pena prescinde reparos.
e da legalidade. Almejada prevalência de incorrer em desobediência a outros E, por fim, diante do desprovimento
da eficácia dos direitos fundamentais direitos indisponíveis, tais como a or- do Recurso, e em observância às dire-
e da função social da propriedade, a dem urbanística e o meio ambiente trizes previstas no art. 85, § 11, do CPC,
justificar o acolhimento da demanda, equilibrado. E, por fim, diante do des- majora-se em 2% os honorários estipu-
sob a assertiva de que se trata de ser- provimento do Recurso, e em obser- lados na origem, cuja exigibilidade está
viço essencial à vida. Inacolhimento vância às diretrizes previstas no art. 85, suspensa, em razão da concessão do
na espécie. Negativa da Casan que § 11, do CPC, estipulam-se honorários benefício da justiça gratuita na origem
se operou em razão do imóvel se en- recursais no montante de R$ 200,00 (Evento 4 – Eproc/PG).
contrar em área de risco, conforme (duzentos reais), cuja cobrança fica sus- Ante o exposto, voto no sentido de
diagnóstico ambiental amparado pela pensa em razão do benefício da gratui- conhecer do Recurso e negar-lhe provi-
lei municipal n. 2.780/2015. Local pen- dade processual. Ante o exposto, com mento. 
dente de regularização fundiária que,
a toda evidência, impede que a conces-
sionária de serviços de água e esgoto
seja compelida a realizar a ligação da
respectiva rede, sob pena de afron- Civil
ta à norma inserta no art. 182, § 2º, da
constituição federal. Sentença escor-
reita. Não comprovada a regularidade PRAZO DE GUARDA
da ocupação, não se pode compelir a
concessionária dos serviços de água e
esgoto a realizar a ligação da rede em 686.202 GUARDA DE REGISTROS DE TV DEVE
edificação clandestina. A existência
de outras edificações em situação se- SEGUIR PRAZOS DO CÓDIGO CIVIL PARA PRETENSÃO
melhante e destinatárias do serviço
não é argumento idôneo para tolerar INDENIZATÓRIA
a irregularidade da construção, pois os
abusos e as violações da lei devem ser
Superior Tribunal de Justiça
coibidos, não imitados” (Agravo de Ins-
Recurso Especial n. 1602692/SP
trumento n. 4001651-29.2018.8.24.0000,
Órgão Julgador: 3a. Turma
de Tubarão. Relator: Des. Pedro Manoel
Fonte: DJ, 06.10.2023
Abreu, j. 19.09.2018). Recurso conhecido
Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva

202 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


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CIVIL

obrigada a apresentar o documento


EMENTA requerido pelo autor após o transcurso
Recurso Especial. Civil e Processual Civil. Ação cautelar de exi- desse prazo.
Apresentadas as contrarrazões (e-
bição de documentos. Conteúdo televisionado. Prazo de guarda.
-STJ fls. 117-127), e inadmitido o recurso
Legislação específica. Inexistência. Art. 1.194 do Código Civil. Apli- na origem, determinou-se a reautuação
cação analógica. Possibilidade. 1. A controvérsia dos autos resu- do agravo (AREsp nº 896.011/SP) como
me-se à definição do prazo de guarda de registros televisivos em recurso especial para melhor exame da
arquivo, pela respectiva emissora, com vistas a fomentar eventu- matéria.
al ação de responsabilidade civil. 2. De acordo com o princípio da É o relatório.

especialidade, havendo disciplina legal específica, esta deve pre-


VOTO
ponderar em relação à norma de caráter geral. 3. O art. 71, § 3º, do A irresignação não merece prosperar.
Código Brasileiro de Telecomunicações integra o Capítulo VII do Na origem, P. H. G. Q. ajuizou ação
referido diploma legal, destinado a disciplinar as infrações e as de exibição de documentos contra a
respectivas penalidades aplicáveis aos que praticarem abusos no ora recorrente, alegando que teve o seu
nome e a sua imagem veiculados no
exercício da liberdade de radiodifusão. A partir de uma interpre-
programa televisivo “Boletim de Ocor-
tação sistemática e teleológica, conclui-se que o prazo de guarda rência”, exibido no dia 15/11/2010, em
ali estabelecido tem a finalidade única de assegurar a aplicação uma reportagem a respeito de maus-
das penalidades cabíveis às emissoras de rádio e televisão, tanto -tratos infantis.
no âmbito administrativo quanto criminal, não tendo nenhuma Aduziu que esse fato poderia tra-
zer-lhe muitos transtornos, sobretudo
relação com eventual transgressão do direito de terceiros. 4. À
por ser pai e deter a guarda definitiva
míngua de lei fixando um prazo específico para a guarda de con- de sua filha menor de idade, fazendo-se
teúdos televisionados, ao menos em relação ao direito de tercei- necessária a presente ação a fim de que
ros, deve incidir, por analogia, a disposição contida no art. 1.194 do o acesso aos registros e às imagens do
Código Civil, que obriga a guarda, pela sociedade empresária, de programa permita, eventualmente, a
adoção das medidas judiciais cabíveis.
todos os documentos concernentes à sua atividade enquanto não
Ao final, pugnou pela procedência
ocorrer a prescrição ou decadência do direito correspondente aos da presente demanda,
atos neles consignados. 5. Recurso especial não provido.
“(...) com a necessária exibição do
programa Boletim de Ocorrência,
ACÓRDÃO “Medida Cautelar – Exibição de veiculado no dia 15 de novembro
Vistos e relatados estes autos em que arquivo de reportagem transmiti- de 2010, na emissora, ora requerida,
são partes as acima indicadas, acor- da em TV – Procedência decretada bem como pelo fornecimento dos
dam os Ministros da Terceira Turma, – Insurgência da emissora – A ma- dados do jornalista responsável
por unanimidade, negar provimento nutenção do arquivo pela emissora pela reportagem sobre o requeren-
ao recurso especial, nos termos do voto deve se dar pelo mesmo prazo es- te” (e-STJ fl. 6).
do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Minis- tabelecido pelo Código Civil para a
tros Moura Ribeiro, Nancy Andrighi e prescrição da pretensão indeniza- O magistrado de primeiro grau de
Humberto Martins votaram com o Sr. tória – Precedentes da Corte – Ma- jurisdição julgou procedente o pedido
Ministro Relator. Ausente, justificada- téria publicada apta a gerar dano e formulado na ação para determinar
mente, o Sr. Ministro Marco Aurélio correspondente indenização – Sen- ao réu que promovesse a exibição das
Bellizze. tença incensurável – Recurso des- fitas e do registro do programa descri-
Brasília, 03 de outubro de 2023. provido” (e-STJ fl. 87). to na inicial, no prazo de 5 (cinco) dias
Ministro RICARDO VILLAS BÔAS contados de sua intimação pessoal,
CUEVA Relator Em suas razões recursais (e-STJ fls. sem prejuízo da determinação oportu-
93-103), a recorrente aponta, além de na de busca e apreensão.
RELATÓRIO divergência jurisprudencial, violação Entendeu, na oportunidade, que
Trata-se de recurso especial interposto dos arts. 71, § 3º, do Código Brasileiro o prazo de manutenção dos registros
por TVSBT CANAL 4 DE SÃO PAULO de Telecomunicações e 632 do Código televisivos em arquivo não poderia
S.A., com fundamento no art. 105, III, “a” de Processo Civil de 1973, alegando, em ser diverso do prazo prescricional da
e “c”, da Constituição Federal, contra o síntese, que a obrigação de conservar correspondente ação de responsabili-
acórdão do Tribunal de Justiça do Esta- as gravações transmitidas exaure-se dade civil, sob pena de lesão à garantia
do de São Paulo assim ementado: em 30 (trinta) dias, não podendo ser prevista no art. 5º, V, da Constituição

204 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


ACÓRDÃOS EM DESTAQUE

Federal, expressamente elencado no especial que discute os limites da sárias à identificação do usuário
parágrafo primeiro do art. 220 da mes- responsabilidade dos provedores devem ser armazenadas pelo pro-
ma Carta Constitucional. de hospedagem de blogs pela ma- vedor de conteúdo por um prazo
Em grau de apelação, a sentença foi nutenção de dados de seus usuá- mínimo de 03 anos, a contar do dia
integralmente mantida ao fundamento rios. 3. Ao oferecer um serviço por em que o usuário cancela o serviço.
de que meio do qual se possibilita que os 6. Recurso especial a que se nega
usuários divulguem livremente provimento.” (REsp 1.417.641/RJ,
“(...) o prazo para manutenção do suas opiniões, deve o provedor de Rel. Ministra Nancy Andrighi, Ter-
arquivo de matérias/reportagens conteúdo ter o cuidado de propiciar ceira Turma, julgado em 25/2/2014,
pela emissora é o mesmo estabeleci- meios para que se possa identificar DJe de 10/3/2014 – grifou-se). “Ci-
do no Código Civil para a prescrição cada um desses usuários, coibindo vil e Consumidor. Internet. Rela-
da pretensão indenizatória, ou seja, o anonimato e atribuindo a cada ção de consumo. CDC. Incidência.
três anos, pois o conteúdo destina- imagem uma autoria certa e deter- Provedor de conteúdo. Usuários.
-se à instrução da ação de reparação minada. Sob a ótica da diligência Identificação. Dever. Guarda dos
civil (Art. 206, 3º, V)” (e-STJ fl. 89). média que se espera do provedor, do dados. Obrigação. Prazo. 03 anos
dever de informação e do princípio após cancelamento do serviço. Ob-
Em hipóteses juridicamente asse- da transparência, deve este adotar tenção de dados frente a terceiros.
melhadas, mas envolvendo o dever de as providências que, conforme as Descabimento. Dispositivos legais
guarda de dados por provedores de circunstâncias específicas de cada analisados: arts. 5º, IV, da CF/88; 6º,
conteúdo na rede mundial de compu- caso, estiverem ao seu alcance para III, e 17 do CDC; 206, §3º, V, e 1.194 do
tadores, esta Corte já teve a oportuni- a individualização dos usuários do CC/02; e 358, I, do CPC. 1. Ação ajui-
dade de decidir que tais informações site, sob pena de responsabilização zada em 17.05.2010. Recurso especial
deveriam ser armazenadas por um subjetiva por culpa in omi�endo. concluso ao gabinete da Relatora
tempo mínimo equivalente ao prazo de Precedentes. 4. Uma vez ciente do em 25.09.2013. 2. Recurso especial
prescrição de eventuais ações relacio- ajuizamento da ação e da preten- que discute a responsabilidade dos
nadas com os documentos cuja exibi- são nela contida – de obtenção dos gerenciadores de fóruns de discus-
ção se busca. dados de um determinado usuário são virtual pelo fornecimento dos
A propósito: – estando a questão sub judice, o dados dos respectivos usuários. 3.
mínimo de bom senso e prudência A exploração comercial da Internet
“Civil e Consumidor. Internet. sugerem a iniciativa do provedor sujeita as relações de consumo daí
Provedor de conteúdo. Usuários. de conteúdo no sentido de evitar advindas à Lei nº 8.078/90. Prece-
Identificação. Dever. Guarda dos que essas informações se percam. dentes. 4. O gerenciador de fóruns
dados. Obrigação. Prazo. Disposi- Essa providência é condizente com de discussão virtual constitui uma
tivos legais analisados: arts. 4º, III, a boa-fé que se espera não apenas espécie do gênero provedor de con-
do CDC; 206, §3º, V, 248, 422 e 1.194 dos fornecedores e contratantes em teúdo, pois esses sites se limitam
do CC/02; e 14 e 461, § 1º do CPC. 1. geral, mas também da parte de um a abrigar e oferecer ferramentas
Ação ajuizada em 30.07.2009. Recur- processo judicial, nos termos dos para edição dos fóruns criados e
so especial concluso ao gabinete da arts. 4º, III, do CDC, 422 do CC/02 e mantidos por terceiros, semexercer
Relatora em 04.11.2013. 2. Recurso 14 do CPC. 5. As informações neces- nenhum controle editorial sobre as

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36 I EDI
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EDIÇÃO
DIÇÃO
ÇÃO 686 I FEV/MAR
686 FEV/MA
FEV/M R 2
2024
024 205
CIVIL

mensagens postadas pelos usuários. a conservar em boa guarda toda clamar os valores depositados. Isso
5. Ao oferecer um serviço por meio a escrituração, correspondência e porque, em verdade, durante o con-
do qual se possibilita que os usuários mais papéis concernentes à sua ati- trato de depósito e antes que os va-
divulguem livremente suas opiniões, vidade, enquanto não ocorrer pres- lores sejam efetivamente pleiteados
deve o provedor de conteúdo ter o crição ou decadência no tocante aos pelo depositante, não há obrigação
cuidado de propiciar meios para que atos neles consignados.” vencida, aplicando-se o que dispõe
se possa identificar cada um desses o art. 199, inciso II. 4. Porém, situ-
usuários, coibindo o anonimato e O mesmo entendimento também foi ação particular ocorre no caso de
atribuindo a cada imagem uma auto- adotado em outras situações nas quais depósito bancário – salvo os popu-
ria certa e determinada. Sob a ótica não havia regramento específico, com lares – , pois há regra própria para o
da diligência média que se espera do força de lei, estabelecendo prazo obri- depositante reclamar os valores de-
provedor, do dever de informação e gatório de guarda de documentos, con- positados. O art. 2º da Lei n. 2.313/54
do princípio da transparência, deve soante os julgados a seguir elencados: prevê o prazo de 25 (vinte e cinco)
este adotar as providências que, anos para a permanência de valo-
conforme as circunstâncias especí- “Direito Civil. Recurso Especial. res em depósitos bancários, após o
ficas de cada caso, estiverem ao seu Contratos bancários. Depósitos qual, se não forem reclamados ou
alcance para a individualização dos que teriam sido realizados no final se não houver movimentação da
usuários do site, sob pena de respon- da década de 70. Ausência de movi- respectiva conta, serão recolhidos
sabilização subjetiva por culpa in mentação da conta. Ação de exibi- ao Tesouro Nacional, momento a
omi�endo. 6. As informações neces- ção de documentos. Prazo. Contrato partir do qual o depositante terá 5
sárias à identificação do usuário de- formalmente vigente. Inexistência (cinco) anos para reaver os valores
vem ser armazenadas pelo provedor de prescrição. Aplicação da lei n. recolhidos aos cofres públicos. 5.
de conteúdo por um prazo mínimo de 2.313/54. Incidência do art. 168, in- No caso, a ação foi ajuizada em 5
03 anos, a contar do dia em que o usu- ciso V, do CC/16. 1. A existência de de junho de 2002, data em que o
ário cancela o serviço. 7. Não há como prazo para pleitear a exibição de do- contrato de depósito não havia sido
exigir do provedor de conteúdo que cumentos prende-se à possibilidade atingido pelo prazo legal previsto
diligencie junto a terceiros para ob- de ajuizarem-se ações relacionadas no mencionado diploma – prazo de
ter os dados que inadvertidamente aos ditos documentos cuja exibição extinção legal do contrato de de-
tenha apagado dos seus arquivos, se busca. Cabe à sociedade empre- pósito. Assim, aplica-se o entendi-
não apenas pelo fato dessa medida sária (ou comerciante, pela nomen- mento segundo o qual, na vigência
não estar inserida nas providências clatura adotada pelo Código Co- do contrato de depósito, não corre
cabíveis em sede ação de exibição de mercial) preservar os documentos prescrição contra o depositante,
documentos, mas sobretudo porque em relação aos quais ainda se possa nos termos do que dispunha o art.
a empresa não dispõe de poder de ajuizar alguma ação, nos termos 168, inciso V, do Código Civil de 1916.
polícia para exigir o repasse dessas do que dispunha o revogado art. 10, 6. Como consectário, havendo prazo
informações. Por se tratar de medi- alínea ‘3’, do Código Comercial (re- para o ajuizamento de ações relati-
da cautelar de natureza meramente petido, em essência, pelo art. 1.194 do vas aos mencionados depósitos, era
satisfativa, não há outro caminho Código Civil de 2002). 2. Com efeito, obrigação da instituição depositá-
senão reconhecer a impossibilida- a investigação acerca do prazo para ria ‘conservar em boa guarda toda
de de exibição do documento, sem a exibição de documentos relativos a escrituração, correspondências
prejuízo, porém, do direito da parte à existência de contrato de depósi- e mais papéis pertencentes ao giro
de buscar a reparação dos prejuízos to bancário passa necessariamente do seu comércio’ (art. 10, alínea ‘3’,
decorrentes da conduta desidiosa. pela prescrição/decadência do pró- do Código Comercial), não podendo,
8. Recurso especial parcialmente prio direito de reclamar os valores assim, opor prescrição à pretensão
provido.” (REsp 1.398.985/MG, Rel. depositados na instituição finan- do autor, que foi deduzida oportu-
Ministra Nancy Andrighi, Terceira ceira. 3. De regra, em um contrato namente. 7. Recurso especial não
Turma, julgado em 19/11/2013, DJe de de depósito, durante sua vigência, provido.” (REsp 995.375/SP, Rel. Mi-
26/11/2013 – grifou-se) o direito de resgatar o bem depo- nistro Luis Felipe Salomão, Quarta
sitado pode ser exercido pelo seu Turma, julgado em 4/9/2012, DJe de
Em todos esses julgados, anteriores titular como decorrência lógica do 1º/10/2012 – grifou-se).
à vigência do Marco Civil da Internet pacto, mostrando-se tal providên- “Agravo Regimental. Processual
(Lei nº 12.965/2014), foi aplicada a nor- cia uma parte ínsita do sinalagma Civil. Violação dos arts. 458 e 535
ma genérica do art. 1.194 do Código Ci- subjacente à avença. Assim, mesmo do CPC. Não-ocorrência. Exibição
vil, que assim dispõe: na atual disciplina do Código Civil de documentos. Ônus da prova.
de 2002, na vigência de um contra- Inversão. Súmula 7 do STJ. Recusa.
“Art. 1.194. O empresário e a so- to de depósito, há de se proclamar a Inadmissão. (...) 3. Não se admite a
ciedade empresária são obrigados imprescritibilidade da ação para re- recusa de exibição de documento

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ACÓRDÃOS EM DESTAQUE

comum às partes, notadamente Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Inter-


quando a instituição recorrente tem net), passou a entender que o dever de
a obrigação de mantê-lo enquanto guarda imposto aos provedores de apli-
não prescrita eventual ação sobre cações de internet subsiste pelo prazo
ele. 4. Agravo regimental desprovi- estabelecido na lei específica, confor-
do.” (AgRg no Ag 1.094.156/GO, Rel. me decidido nos seguintes julgados.
Ministro João Otávio de Noronha,
Quarta Turma, julgado em 7/5/2009, “Recurso Especial. Civil. Inter-
DJe de 18/5/2009 – grifou-se). net. Dever de Guarda de Registros
“Processual Civil – de Aplicação. Prequestionamento.
Agravo Regimental no Agravo de Ausente em Parte. Fotos divulgadas
Instrumento – Ação de cobran- ilicitamente. Números IPs de usu-
ça – Sociedade de economia mista ários que acessaram perfil em rede
– Dever de exibição de documen- social. Fornecimento. Possibilidade.
tos – Prazo prescricional – 20 anos Indícios de ilicitude e utilidade da
– Súmula 39 do STJ. I – Conforme ordem judicial. Reexame de matéria
assente jurisprudência desta Corte, fática. Prazo de guarda. termo a ser
tratando-se de documento comum considerado. decisão liminar de 1º
às partes, não se admite a recusa grau de jurisdição. 1. Agravo de ins-
de exibi-lo, notadamente quando a trumento interposto em 22/08/2017,
instituição recorrente tem a obri- recurso especial interposto em
gação de mantê-lo enquanto não 07/02/2018 e atribuído a este gabi-
prescrita eventual ação sobre ele. nete em 05/06/2018. 2. O propósito
Precedentes. (...) Agravo regimental consiste em determinar: (i) a pos-
improvido.” (AgRg no Ag 902.034/ sibilidade jurídica de obrigação ao
RS, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Ter- fornecimento de IPs e dados ca-
ceira Turma, julgado em 16/9/2008, dastrais solicitados, referentes aos
DJe de 17/12/2008 –- grifou-se). usuários que acessaram dado perfil
“Civil e Processual. Agravo Regi- de rede social num período tempo
mental em Agravo de Instrumento. determinado; (ii) se, na hipótese,
Cautelar de exibição de documen- há indício de ato ilícito suficiente
tos. Contrato de financiamento para fundamentar a ordem judicial
de eletrificação rural. Acórdão es- de fornecimento de informações
tadual. Vícios de fundamentação. (art. 22, parágrafo único, I, do MCI);
Inexistência. Reexame de provas. (iii) se, na hipótese, há utilidade na
Interpretação de cláusula contra- ordem judicial para identificação
tual. Impossibilidade. Súmulas n. 5 de eventuais infratores (art. 22, pa-
e 7/STJ. Agravo regimental improvi- rágrafo único, II, do MCI); e (iv) se
do. (...) II. Tratando-se de documen- as informações requeridas na hi-
to comum às partes, não se admite pótese estão dentro do prazo legal
a recusa de exibi-lo, notadamente de obrigatoriedade de guarda pelos
quando a instituição recorrente tem provedores de aplicação (art. 15 do
a obrigação de mantê-lo enquanto MCI). 3. A ausência de decisão acer-
não prescrita eventual ação so- ca dos dispositivos legais indicados
bre ele. Precedentes. (...) IV. Agravo como violados, não obstante a inter-
regimental improvido.” (AgRg no posição de embargos de declaração,
Ag 986.153/RS, Rel. Ministro Aldir impede o conhecimento do recur-
Passarinho Junior, Quarta Tur- so especial. 4. Diante da obrigação
ma, julgado em 19/6/2008, DJe de legal de guarda de registros de
18/8/2008). acesso a aplicações de internet e o
dever de escrituração reconhecido
No entanto, de acordo com o prin- por este STJ, não há como afastar a
cípio da especialidade, havendo disci- possibilidade jurídica de obrigar os
plina legal específica, esta deve prepon- provedores de aplicação ao forneci-
derar em relação à norma de caráter mento da informação em discussão
geral. Bem por isso é que o Superior – quais usuários acessaram um per-
Tribunal de Justiça, após a vigência da fil na rede social num período – por

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CIVIL

se tratar de mero desdobramento lidades que podem ser acessadas art. 15 da Lei nº 12.965/2014, mas desde
dessas obrigações. 5. Não está em por meio de um terminal conectado que seja formulada tal pretensão den-
discussão a possibilidade técnica à internet. Por sua vez, os registros tro do prazo de guarda definido na lei.
ou fática de tal fornecimento na de acesso a aplicações são definidos Seguindo o mesmo raciocínio, esta
hipótese em julgamento. Qualquer como o conjunto de informações Corte já decidiu que a ação cautelar
alegação nesse sentido, deve ser referentes à data e hora de uso de visando à exibição de documento em
devidamente comprovada no Juízo uma determinada aplicação de in- posse de órgão integrante do Sistema
de origem, o que necessita de dila- ternet a partir de um determinado Nacional de Trânsito (SNT) deve ser
ção probatória e exame de matérias endereço IP. 5. O registro repre- ajuizada dentro do prazo de guarda
de fato, discussões que descabem a senta um fato ocorrido e a análise estabelecido na legislação de regência
este STJ. 6. Rever o entendimento do seu conteúdo pode conduzir o (Código Brasileiro de Trânsito).
do Tribunal de origem acerca da examinador a uma determinada Confira-se:
presença de indícios de ilicitude e pessoa. Está, assim, intimamente li-
sobre a utilidade da ordem judicial gado à esfera privada do indivíduo, “Direito Processual Civil. Ação
necessitaria, obrigatoriamente, no de modo que o seu armazenamento cautelar de exibição de documen-
reexame do acervo fático proba- representa um risco à privacidade tos. Registro e licenciamento de
tório, o que é vedado pela Súmula dos usuários. 6. Como forma de con- veículo. Interesse de agir configu-
7 do STJ. 7. O art. 15 do Marco Civil ferir efetiva proteção aos registros rado, dada a recusa do Detran em
da Internet obriga a guarda dos de acesso a aplicações, o art. 15 da apresentar os documentos. Ação,
registros de aplicação apenas por Lei 12.965/2014 determina que eles todavia, aforada após o prazo a
6 (seis) meses. Na hipótese, o termo sejam armazenados pelo período de que se refere o art. 325 do Código
a ser contabilizado é a data de no- apenas 06 (seis) meses. A definição de Trânsito. Ausência do dever da
tificação da recorrente da decisão de um prazo de guarda demonstra autarquia de preservar o documen-
judicial de 1º grau de jurisdição que to por treze anos. I – O art. 325 do
determinou a entrega das informa-
ções requeridas pelos recorridos.
Registros de acesso a Código de Trânsito estatui que ‘as
repartições de trânsito conservarão
8. Recurso especial parcialmente aplicações são o conjunto por cinco anos os documentos rela-
conhecido e, nessa parte, provido de informações referentes tivos à habilitação de condutores e
em parte.” (REsp 1.738.651/MS, Rel. ao registro e licenciamento de veí-
Ministra Nancy Andrighi, Terceira à data e hora de uso culos, podendo ser microfilmados
Turma, julgado em 25/8/2020, DJe de uma determinada ou armazenados em meio magné-
de 28/8/2020 – grifou-se). tico ou óptico para todos os efeitos
“Civil. Recurso especial. Ação de
aplicação de internet legais’. Nestes termos, não se pode
obrigação de fazer. Fornecimento exigir que o Detran-RS apresente
de registros de acesso a aplicações. a preocupação do legislador em cópia ou microfilmagem referente
Marco civil da internet. Preques- proteger a intimidade do usuário a documento cujo prazo legal de
tionamento. Ausência em parte. e assegurar o sigilo dos dados. 7. A guarda expirou treze anos antes do
Prazo de guarda dos registros. Re- quebra do sigilo dos registros de protocolo do pedido administrativo
querimento intempestivo. Quebra acesso a aplicações de internet so- de exibição. II – Ao contrário do que
de sigilo. Necessidade de preenchi- mente pode ocorrer por determina- entendido pelo Tribunal de origem,
mento dos requisitos legais. 1. Ação ção judicial e, para que seja possível o julgador de primeira instância,
de obrigação de fazer ajuizada em ao juiz determinar o fornecimen- ao reconhecer como ultrapassado
10/01/2017, da qual foi extraído o to desses dados, é necessário que, o prazo a que se refere o art. 325
presente recurso especial, interpos- além dos requisitos exigidos pela do Código de Trânsito Brasileiro,
to em 12/06/2019 e atribuído ao ga- legislação processual, estejam satis- não declarou de ofício a ocorrência
binete em 19/08/2020. 2. O propósito feitos os pressupostos elencados no de prescrição, apenas reconheceu
recursal é definir se, na hipótese art. 22 do Marco Civil da Internet. a ausência de dever do Detran de
dos autos, as recorridas podem ser 8. Recurso especial parcialmente ainda ter consigo os documentos a
obrigadas a fornecer os dados de conhecido e, nessa extensão, des- que se refere aquele dispositivo. III
registros de acesso solicitados pela provido.” (REsp 1.850.875/SP, Rel. – Recurso especial provido.” (REsp
recorrente. 3. A ausência de deci- Ministra Nancy Andrighi, Terceira 721.905/RS, Rel. Ministro Francisco
são acerca dos dispositivos legais Turma, julgado em 23/2/2021, DJe de Falcão, Primeira Turma, julgado em
indicados como violados impede o 1º/3/2021). 6/12/2005, DJ de 6/3/2006).
conhecimento do recurso especial.
4. Caracteriza-se provedor de apli- Vale lembrar que esse prazo até A partir de tais premissas, deve o
cação de internet todo aquele que pode ser estendido por determinação julgador verificar se há, na legislação
oferece um conjunto de funciona- judicial, conforme previsão do § 2º do de regência, a definição de prazo espe-

208 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


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cífico para a guarda e a manutenção de


sons e imagens televisionadas.
Nas razões do recurso especial, a Imobiliário
recorrente indica como violado o art.
71, § 3º, do Código Brasileiro de Teleco-
municações, sustentando a tese de que
APLICATIVO DE HOSPEDAGEM
a obrigação de manter em arquivo as
gravações transmitidas exaure-se em
30 (trinta) dias.
É preciso observar, no entanto, que
686.203UNIDADES AUTÔNOMAS EM CONDOMÍNIO
o preceito legal mencionado integra o COM FINALIDADE EXCLUSIVAMENTE RESIDENCIAL
Capítulo VII do Código Brasileiro de Te-
lecomunicações, destinado a disciplinar NÃO DEVEM SER UTILIZADAS PARA ALUGUEL POR
as infrações e as respectivas penalidades
aplicáveis aos que praticarem abusos no CURTOS PERÍODOS
exercício da liberdade de radiodifusão,
a se concluir, a partir de uma interpre-
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
tação sistemática e teleológica, que o
Apelação Cível n. 5005005-09.2021.8.21.0005/RS
prazo de guarda ali estabelecido tem a
Órgão Julgador: 19a. Câmara Cível
finalidade única de assegurar a aplica-
Fonte: DJ, 30.11.2023
ção das penalidades cabíveis, tanto no
Relator: Desembargador Antônio Maria Rodrigues de Freitas Iserhard
âmbito administrativo quanto criminal,
não tendo nenhuma relação com even-
tual transgressão do direito de terceiros. EMENTA
Entende-se, desse modo, que, à mín- Apelação cível. Condomínio. Ação de obrigação de não fazer. Lo-
gua de lei fixando um prazo específico
cação por curto prazo por aplicativo AIRBNB ou similares. Con-
para a guarda de conteúdos televisio-
nados, ao menos em relação ao direito venção condominial. Contrato atípico de hospedagem. Deve pre-
de terceiros, deve incidir, por analogia, valecer o disposto na convenção de condomínio que disciplina a
a disposição contida no art. 1.194 do Có- finalidade exclusivamente residencial do edifício, o que impede a
digo Civil, que obriga a guarda, pela so- possibilidade de exploração econômica de unidades autônomas
ciedade empresária, de todos os docu-
mediante locação por curto ou curtíssimo prazo. Artigos 1.332 a
mentos concernentes à sua atividade
enquanto não ocorrer a prescrição ou
1.336 do Código Civil. A alta rotatividade de pessoas estranhas e
decadência do direito correspondente sem compromisso duradouro com a comunidade na qual estão
aos atos neles consignados. temporariamente inseridas afeta o sossego, a salubridade e a se-
Ante o exposto, nego provimento ao gurança do condomínio. Interesse da entidade condominial. Ju-
recurso especial. Por se tratar de recur-
risprudência do STJ. REsp n. 1.819.075/RS e REsp n. 1.884.483/PR.
so interposto anteriormente à vigência
do CPC/2015, deixo de majorar os hono-
Apelação desprovida. Unânime.
rários advocatícios.
É o voto.
ACÓRDÃO procedente a ação de obrigação de não
CERTIDÃO Vistos e relatados estes autos em que fazer movida pelo CONDOMÍNIO EDI-
Certifico que a egrégia TERCEIRA são partes as acima indicadas, a Egré- FÍCIO RINALDI PARK cujo dispositivo
TURMA, ao apreciar o processo em epí- gia 19ª Câmara Cível do Tribunal de constou da seguinte forma ao evento
grafe na sessão realizada nesta data, Justiça do Estado do Rio Grande do Sul 54, SENT1:
proferiu a seguinte decisão: decidiu, por unanimidade, negar provi-
A Terceira Turma, por unanimida- mento à apelação, nos termos do rela- III – DISPOSITIVO:
de, negou provimento ao recurso espe- tório, votos e notas de julgamento que Isso posto, JULGO PROCEDENTE o
cial, nos termos do voto do Sr. Ministro integram o presente julgado. pedido formulado por CONDOMÍNIO
Relator. Porto Alegre, 24 de novembro de EDIFÍCIO RINALDI PARK I e, por con-
Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, 2023. seguinte, CONDENO o demandado I. Z.
Nancy Andrighi e Humberto Martins à OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER, consis-
votaram com o Sr. Ministro Relator. RELATÓRIO tente em NÃO REALIZAR locações de
Ausente, justificadamente, o Sr. Mi- Trata-se de apelação interposta pelo sua unidade condominial para hospe-
nistro Marco Aurélio Bellizze.  réu, I. Z., contra a sentença que julgou daria diária por meio de aplicativo AIR-

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ACÓRDÃOS EM DESTAQUE

BNB ou similar, sob pena de MULTA Contrarrazões apresentadas pelo Os artigos 1.332 a 1.336 do Código
para eventual descumprimento, para Condomínio ao evento 63, CONTRA- Civil1 reconhecem ao proprietário o di-
cada fato que configure descumpri- ZAP1. reito constitucionalmente2 previsto de
mento, no valor de R$ 5.000,00, fulcro Vieram os autos conclusos. usar, fruir e dispor livremente de sua
no art. 537 do CPC. É o relatório. unidade e, de outra banda, impõem ao
CONDENO o demandado ao paga- mesmo o dever de observar sua desti-
mento das custas processuais/despe- VOTO nação e usá-la de maneira não abusiva,
sas/Taxa Judiciária Única e honorários Eminentes Colegas. com respeito à Convenção Condomi-
advocatícios, que fixo em 15% sobre o Trata-se na origem de ação de obri- nial e suas regras. Ademais, nas dispo-
valor atualizado da causa, pelo IGP-M, gação de não fazer proposta pelo Con- sições do mesmo Código, o artigo 1.2773
fulcro no art. 85, § 1º, do CPC, cuja exigi- domínio em face do condômino, bus- refere que os proprietários de outras
bilidade suspendo na forma do art. 98, cando que este se abstenha de locar e unidades autônomas têm o direito de
§ 3º, do CPC, porquanto a parte deman- anunciar o seu imóvel para hospedaria fazer cessar as interferências prejudi-
dada conta com AJG. diária por meio do aplicativo “AIRBNB” ciais à segurança, ao sossego e à saúde
Dil. ou outro similar, de modo a respeitar a dos que o habitam, provocadas pela
Em suas razões recursais, ao evento expressa disposição da Convenção de utilização desvirtuada de propriedade
59, APELAÇÃO1, pugna pela reforma Condomínio. vizinha.
da sentença. Afirma que o entendi- Sobre o tema, transcrevo excerto
mento adotado pela referida decisão
final de mérito atenta contra as dispo-
Muito embora seja nítido da fundamentação do Ministro Raul
Araújo no julgamento do Recurso Es-
sições constitucionais da propriedade. o avanço tecnológico, pecial nº. 1.819.075/RS:
Defende que o direito à propriedade [o condômino] não está “Assim, o direito do proprietário
não pode ser limitado pela Convenção, condômino usar, gozar e dispor livre-
nem pelo Regimento Interno do Con- isento de atentar para a mente do seu bem imóvel, nos termos
domínio. Menciona os artigos 1.228 e convenção do condomínio dos arts. 1.228 e 1.335 do Código Civil de
1.335 do Código Civil, relativos às prer- 2002 e 19 da Lei 4.591/64, deve harmoni-
rogativas dos proprietários de bens
e seu regimento interno zar-se com os direitos relativos à segu-
imóveis. Sustenta que o tipo de locação rança, ao sossego e à saúde das demais
realizada tem natureza de aluguel por Muito embora seja nítido o avanço múltiplas propriedades abrangidas no
temporada e não de hotelaria/hospe- tecnológico das relações comerciais, Condomínio, de acordo com as razoá-
dagem, e, conforme disposição da Lei isso não faz com que o condômino es- veis limitações aprovadas pela maioria
nº. 8.245/1991, as locações por tempo- teja isento de atentar para a Conven- de condôminos, pois são limitações
rada pelo período de até 90 dias têm ção do Condomínio e seu Regimento concernentes à natureza da proprieda-
natureza residencial. Refere a violação Interno, de modo que ele deve se su- de privada em regime de condomínio
do direito de propriedade previsto pela jeitar ao seu regramento, sob pena de edilício.”
Constituição Federal no artigo 5º, in- aplicação das penalidades previstas Dessa forma, é inegável a afetação
ciso XXII, reiterando o seu direito de nos referidos instrumentos normati- do sossego e da segurança causada pela
fruição do bem. Requer a reforma da vos, em caso de descumprimento das alta rotatividade de pessoas estranhas
sentença. disposições. e sem compromisso duradouro com a

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REVISTA B
BONIJURIS
N JU
NIJURI
NIJURIIS I ANO
UR ANO 36
6 I ED
EDIÇÃO 686 I FEV/MAR
686 FEV
EV/M
/MA
M R22024
024 211
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comunidade na qual estão tempora- jogos eletrônicos, Inclusive de aces- mínio prevaleçam e assim, manter a
riamente inseridas através da locação so à Internet, igrejas, comércio de sentença hígida em seus termos.
de curta duração. Acrescento também animais vivos, bares, restaurantes Assim orientam os seguintes prece-
que reconhecer o direito do proprietá- e similares, atividades noturnas, dentes do Superior Tribunal de Justiça:
rio sem levar em consideração as dispo- oficinas mecânicas, e, ainda todas
sições da convenção condominial pode aquelas ilícitas e aquelas que uma CONVENÇÃO. DESTINAÇÃO
levar a alteração da essência do prédio, forma ou outra possam interferir EXCLUSIVAMENTE RESIDENCIAL.
levando um condomínio edilício de fins no bom nome da edificação, no sos- PREVISÃO. LOCAÇÃO. PRAZO IN-
residenciais a fins comerciais. sego, na tranquilidade e segurança FERIOR A 90 (NOVENTA) DIAS.
Observo que a convenção é a lei das unidades residenciais que re- PROIBIÇÃO. POSSIBILIDADE.
maior na hierarquia das normas regu- presentam a maioria. PARÁGRAFO FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIE-
ladoras do condomínio, devendo esta 3: As atividades não previstas, como DADE. ART. 1.336, IV, DO CÓDIGO
ser seguida por todos os condôminos, permitidas ou excetuadas, deverão CIVIL. USO DE PLATAFORMAS DI-
sem exceções. ser objeto de avaliação, antes da ins- GITAIS. ASPECTO IRRELEVANTE.
Pontuo ainda que a Convenção de talação, por parte dos condóminos 1. Recurso especial interposto
Condomínio trazida aos autos no even- em Assembleia Geral, PARÁGRAFO contra acórdão publicado na vigên-
to 1, OUT3 disciplina a finalidade exclu- 4°: Os estacionamentos destinam-se cia do Código de Processo Civil de
sivamente residencial do condomínio exclusivamente para a guarda de ve- 2015 (Enunciados Administrativos
edilício em questão, nos termos do seu ículos de condôminos moradores ou nºs 2 e 3/STJ).
artigo 5º, que transcrevo: estabelecidos no conjunto, não po- 2. Delimitação da controvérsia:
dendo ser vendidos, locados ou pedi- saber se os condomínios residen-
(...) indistintamente a todos os dos a terceiros que não residam ou ciais podem ou não fixar tempo
condôminos e economias do Edi- não estejam estabelecidos no prédio, mínimo de locação das unidades
fício. CAPÍTULO V – DA UTILIZA- ARTIGO 6: Aplicam-se aos (...) autônomas ou até mesmo impedir
ÇÃO: ARTIGO 5°: Os condôminos a utilização de determinado meio
usarão e fruirão com exclusividade
Os estacionamentos para tal finalidade, a exemplo das
das unidades autónomas, segundo plataformas digitais de hospeda-
suas conveniências e interesses, destinam-se exclusivamente gem.
condicionadas umas as outras is para a guarda de 3. A disponibilização de espaços
normas de boa vizinhança, poden- ociosos para uso de terceiros, seja
do usar das partes e coisas de uso veículos de condôminos de um imóvel inteiro ou de um úni-
comum de maneira a não causar moradores, não podendo co cômodo, pode ocorrer das mais
danos ou incómodos aos demais variadas formas: por meio de pla-
moradores, nem Impedir o bom uso
ser vendidos ou locados taformas digitais, por intermédio de
das mesmas partes por todos. PARÁ- imobiliárias, por simples panfletos
GRAFO 1: As unidades autónomas A situação dos autos não permite afixados nas portarias dos edifícios,
residenciais destinam-se exclusi- inferir que se trata de uma hospeda- anúncios em classificados etc.
vamente a moradia de familias, E, gem típica da Lei nº. 11.771/2008 ou de 4. A forma por meio da qual de-
como tal, não será permitido o uso um aluguel por temporada previsto terminado imóvel é disponibilizado
de qualquer destas economias para pela Lei nº. 8.245/1991, haja vista que para uso de terceiros não é o fator
outros fins, como hospedarias, si- essa nova modalidade de hospedagem decisivo para que tal atividade seja
milaridade hoteleira, ofertados por não encontra, ainda, clara definição enquadrada em um ou outro regra-
aplicativos por diárias para turis- doutrinária ou mesmo legislação regu- mento legal.
mo ou não, repúblicas, enfermarias, ladora, uma vez que o Legislador, por 5. A disponibilização de imóveis
cultos religiosos, para encontros obviedade, não consegue acompanhar para uso de terceiros por meio de
fortuitos ou quaisquer outros fins a velocidade das mudanças nas rela- plataformas digitais de hospeda-
considerados não residenciais, bem ções comerciais da vida real. gem, a depender do caso concreto,
como os que confrontem com a ma- Feitas essas considerações, a juris- pode ser enquadrada nas mais va-
nutenção da decência, do respeito, prudência classifica hoje essa explora- riadas hipóteses existentes no or-
da moralidade, da segurança e da ção econômica de unidades autônomas denamento jurídico, sobretudo em
boa ordem PARÁGRAFO 2: Da mes- mediante locação por curto ou curtíssi- função da constante expansão das
ma forma, as unidades comerciais mo prazo, caracterizadas pela eventua- atividades desenvolvidas por em-
devem ser destinadas ao bom co- lidade e pela transitoriedade, como um presas do gênero.
mércio ou a atividade de prestação contrato atípico de hospedagem. 6. Somente a partir dos elemen-
de serviços de empresas ou escri- Portanto, é caso de negar provimen- tos fáticos delineados em cada
tórios profissionais, excetuando-se to ao recurso de apelação para que as hipótese submetida à apreciação
as atividades de açougue, pelxarias, disposições da Convenção de Condo- judicial – considerados aspectos re-

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lativos ao tempo de hospedagem, ao recompor as energias gastas ao lon- de pessoas, sem vínculo entre si,
grau de profissionalismo da ativida- go do dia. em ambientes físicos de estrutura
de, à destinação exclusiva do imóvel 12. Recurso especial não provido. típica residencial familiar, exercida
ao ocupante ou o seu compartilha- (REsp n. 1.884.483/PR, relator sem inerente profissionalismo por
mento com o proprietário, à desti- Ministro Ricardo Villas Bôas Cue- aquele que atua na produção desse
nação da área em que ele está inse- va, Terceira Turma, julgado em serviço para os interessados, sendo
rido (se residencial ou comercial), à 23/11/2021, REPDJe de 02/02/2022, a atividade comumente anunciada
prestação ou não de outros serviços DJe de 16/12/2021.) por meio de plataformas digitais
periféricos, entre outros – é que se DIREITO CIVIL. RECURSO ES- variadas. As ofertas são feitas por
afigura possível enquadrar deter- PECIAL. CONDOMÍNIO EDILÍCIO proprietários ou possuidores de
minada atividade em alguma das RESIDENCIAL. AÇÃO DE OBRIGA- imóveis de padrão residencial, do-
hipóteses legais, se isso se mostrar ÇÃO DE NÃO FAZER. LOCAÇÃO tados de espaços ociosos, aptos ou
relevante para a solução do litígio. FRACIONADA DE IMÓVEL PARA adaptados para acomodar, com cer-
7. O enquadramento legal da ati- PESSOAS SEM VÍNCULO ENTRE ta privacidade e limitado conforto, o
vidade somente se mostra relevante SI, POR CURTOS PERÍODOS. CON- interessado, atendendo, geralmen-
quando se contrapõem em juízo os TRATAÇÕES CONCOMITANTES, te, à demanda de pessoas menos
interesses do locador e do locatário, INDEPENDENTES E INFORMAIS, exigentes, como jovens estudantes
do hospedeiro e do hóspede, enfim, POR PRAZOS VARIADOS. OFERTA ou viajantes, estes por motivação
daquele que disponibiliza o imóvel POR MEIO DE PLATAFORMAS DI- turística ou laboral, atraídos pelos
para uso e do terceiro que o utiliza, GITAIS ESPECIALIZADAS DIVER- baixos preços cobrados.
visando, com isso, definir o regra- SAS. HOSPEDAGEM ATÍPICA. USO 4. Embora aparentemente líci-
mento legal aplicável à relação jurí- NÃO RESIDENCIAL DA UNIDADE ta, essa peculiar recente forma de
dica firmada entre eles. CONDOMINIAL. ALTA ROTATIVI- hospedagem não encontra, ainda,
8. Diversa é a hipótese em que DADE, COM POTENCIAL AMEAÇA clara definição doutrinária, nem
o conflito se verifica na relação en- À SEGURANÇA, AO SOSSEGO E À tem legislação reguladora no Brasil,
tre o proprietário do imóvel que o SAÚDE DOS CONDÔMINOS. CON- e, registre-se, não se confunde com
disponibiliza para uso de terceiros TRARIEDADE À CONVENÇÃO DE aquelas espécies tradicionais de lo-
e o próprio condomínio no qual o CONDOMÍNIO QUE PREVÊ DESTI- cação, regidas pela Lei 8.245/91, nem
imóvel está inserido, atingindo di- NAÇÃO RESIDENCIAL. RECURSO mesmo com aquela menos antiga,
retamente os interesses dos demais IMPROVIDO. genericamente denominada de alu-
condôminos. 1. Os conceitos de domicílio e guel por temporada (art. 48 da Lei
9. A exploração econômica de residência (CC/2002, arts. 70 a 78), de Locações).
unidades autônomas mediante centrados na ideia de permanência 5. Diferentemente do caso sob
locação por curto ou curtíssimo e habitualidade, não se coadunam exame, a locação por temporada
prazo, caracterizada pela eventuali- com as características de transito- não prevê aluguel informal e fra-
dade e pela transitoriedade, não se riedade, eventualidade e tempora- cionado de quartos existentes num
compatibiliza com a destinação ex- riedade efêmera, presentes na hos- imóvel para hospedagem de distin-
clusivamente residencial atribuída pedagem, particularmente naqueles tas pessoas estranhas entre si, mas
ao condomínio. moldes anunciados por meio de pla- sim a locação plena e formalizada
10. A afetação do sossego, da sa- taformas digitais de hospedagem. de imóvel adequado a servir de
lubridade e da segurança, causada 2. Na hipótese, tem-se um con- residência temporária para deter-
pela alta rotatividade de pessoas trato atípico de hospedagem, que se minado locatário e, por óbvio, seus
estranhas e sem compromisso du- equipara à nova modalidade surgi- familiares ou amigos, por prazo não
radouro com a comunidade na qual da nos dias atuais, marcados pelos superior a noventa dias.
estão temporariamente inseridas, é influxos da avançada tecnologia e 6. Tampouco a nova modalidade
o que confere razoabilidade a even- pelas facilidades de comunicação de hospedagem se enquadra den-
tuais restrições impostas com fun- e acesso proporcionadas pela rede tre os usuais tipos de hospedagem
damento na destinação prevista na mundial da internet, e que se vem ofertados, de modo formal e profis-
convenção condominial. tornando bastante popular, de um sionalizado, por hotéis, pousadas,
11. O direito de propriedade, as- lado, como forma de incremento hospedarias, motéis e outros esta-
segurado constitucionalmente, não ou complementação de renda de belecimentos da rede tradicional
é só de quem explora economica- senhorios, e, de outro, de obtenção, provisora de alojamento, conforto e
mente o seu imóvel, mas sobretudo por viajantes e outros interessados, variados serviços à clientela, regida
daquele que faz dele a sua moradia de acolhida e abrigo de reduzido pela Lei 11.771/2008.
e que nele almeja encontrar, além de custo. 7. O direito de o proprietário
um lugar seguro para a sua família, 3. Trata-se de modalidade sin- condômino usar, gozar e dispor li-
a paz e o sossego necessários para gela e inovadora de hospedagem vremente do seu bem imóvel, nos

214 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


ACÓRDÃOS EM DESTAQUE

termos dos arts. 1.228 e 1.335 do Có- LIMINAR CONTRARRECURSAL. confirmada. Não se desconhece o
digo Civil de 2002 e 19 da Lei 4.591/64, ILEGITIMIDADE ATIVA REJEIÇÃO. direito de propriedade dos deman-
deve harmonizar-se com os direitos MÉRITO. DESRESPEITO À CLÁU- dantes, mas, no momento em que
relativos à segurança, ao sossego e SULA DE QUÓRUM. INOVAÇÃO escolheram viver em condomínio,
à saúde das demais múltiplas pro- RECURSAL. NÃO CONHECIMEN- aceitaram ser regidos pela respec-
priedades abrangidas no Condo- TO DO RECURSO NESTE TÓPICO. tiva convenção, a qual visa aos
mínio, de acordo com as razoáveis PROIBIÇÃO DE ALUGUEL DE UM
interesses de toda a entidade con-
limitações aprovadas pela maioria DOS QUARTOS DO APARTAMEN-
dominial, e não o interesse privado
de condôminos, pois são limitações TO DA COAUTORA VIA AIRBNB.
de cada condômino. No caso, a con-
concernentes à natureza da pro- SOBERANIA DAS DECISÕES TO-
venção do condomínio demandado
priedade privada em regime de con- MADAS EM ASSEMBLEIA. SEN-
veda expressamente o uso dos apar-
domínio edilício. TENÇA INTEGRALMENTE MAN-
8. O Código Civil, em seus arts. TIDA. Legitimidade ativa. Autor tamentos para qualquer fim que
1.333 e 1.334, concede autonomia e (David) é legítimo para figurar no não seja a “moradia de famílias”,
força normativa à convenção de polo ativo da lide, uma vez que alu- impossibilitado a utilização para
condomínio regularmente apro- ga um dos quartos da residência “quaisquer outros fins considerados
vada e registrada no Cartório de da coautora (Silvana). Nesta toa- não residenciais”. Assim, a utiliza-
Registro de Imóveis competente. da, recorrente é o titular do direito ção do imóvel dos autores para usu-
Portanto, existindo na Convenção buscado na lide, ou seja, retornar a ários da plataforma AIRBNB confi-
de Condomínio regra impondo des- condição de locatário, bem como de gura violação à convenção, diante
tinação residencial, mostra-se inde- se ver indenizado moralmente pela da intensa rotatividade de pessoas
vido o uso de unidades particulares situação vivenciada. Preliminar que passam pelo bem. Confirma-se,
que, por sua natureza, implique o contrarrecursal rejeitada. Do méri- assim, o desacolhimento dos pedi-
desvirtuamento daquela finalidade to. Inovação Recursal. Não conheci- dos iniciais. Recurso desprovido à
(CC/2002, arts. 1.332, III, e 1.336, IV). mento da alegação de desrespeito a
unanimidade. (Apelação Cível, Nº
9. Não obstante, ressalva-se a cláusula de quórum, pois flagrante
50018711320178210005, Décima Séti-
possibilidade de os próprios condô- a inovação recursal dos autores, eis
ma Câmara Cível, Tribunal de Jus-
minos de um condomínio edilício que tal tópico não foi abordado na
tiça do RS, Relator: Liege Puricelli
de fim residencial deliberarem em petição inicial. Proibição de aluguel
assembleia, por maioria qualificada de um dos quartos do apartamento Pires, Julgado em: 31-03-2022)
(de dois terços das frações ideais), da coautora via airbnb. Soberania
permitir a utilização das unidades das decisões tomadas em assem- Majoro para o patamar de 17% sobre
condominiais para fins de hospe- bleia. As decisões tomadas em as- o valor atualizado da causa os honorá-
dagem atípica, por intermédio de sembleia geral são soberanas, na rios advocatícios a serem suportadas
plataformas digitais ou outra mo- medida em que obrigam todos os pelo apelante, com fulcro no artigo 85,
dalidade de oferta, ampliando o uso condôminos, sobretudo quando § 11, do Código de Processo Civil4, con-
para além do estritamente residen- não afrontam a lei ou a anterior tudo, exibilidade suspensa, pois a parte
cial e, posteriormente, querendo, minuta de convenção do condomí- demandada conta com o benefício da
incorporarem essa modificação à no. Sentença mantida na sua inte- gratuidade da justiça.
Convenção do Condomínio. gralidade. Rejeitaram a preliminar Ante o exposto, voto por negar pro-
10. Recurso especial desprovido. contrarrecursal e conheceram em vimento à apelação, nos termos da fun-
(REsp n. 1.819.075/RS, relator parte do recurso de apelação e nes- damentação.
Ministro Luis Felipe Salomão, re- ta negaram provimento. Unânime.
lator para acórdão Ministro Raul (Apelação Cível, Nº 70080920614, Dé-
EXTRATO DE ATA
Araújo, Quarta Turma, julgado em cima Sétima Câmara Cível, Tribunal
Certifico que este processo foi inclu-
20/4/2021, DJe de 27/5/2021.) de Justiça do RS, Relator: Giovanni
ído na Pauta da Sessão Virtual do dia
Conti, Julgado em: 23-05-2019)
24/11/2023, na sequência 71, disponibili-
Muito embora a discussão seja ex- Apelação cível. Condomínio pre-
tremamente recente, esta Egrégia Cor- tensão cominatória, anulatória e in- zada no DE de 14/11/2023.
te vem ratificando o entendimento fir- denizatória. Utilização da unidade Certifico que a 19ª Câmara Cível, ao
mado pela Corte Superior nos julgados condominial para fins de aluguel na apreciar os autos do processo em epí-
acima da seguinte maneira: plataforma AIRBNB. Impossibilida- grafe, proferiu a seguinte decisão:
de, no caso. Convenção de condomí- A 19ª Câmara Cível decidiu, por
APELAÇÃO CÍVEL. CONDO- nio que prevê possibilidade de uso unanimidade, negar provimento à ape-
MÍNIO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE das unidades apenas para fins de lação.
FAZER CUMULADA COM INDENI- moradia familiar. Ratificação dis- Verusca Ardissone Rizzardo
ZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRE- so em assembleia. Improcedência Secretária 

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 215


PENAL

ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que
Penal são partes as acima indicadas, acordam
os Ministros da Sexta Turma, por una-
nimidade, negar provimento ao agravo
ANPP regimental, nos termos do voto do Sr.
Ministro Relator.

686.204 LEI NÃO PREVÊ INTIMAÇÃO DO INVESTIGADO A Sra. Ministra Laurita Vaz e os Srs.
Ministros Sebastião Reis Júnior, Rogerio

PARA JUSTIFICAR DESCUMPRIMENTO DO ACORDO DE Schie�i Cruz e Antonio Saldanha Palhei-


ro votaram com o Sr. Ministro Relator.
NÃO PERSECUÇÃO PENAL Brasília, 17 de outubro de 2023.
Ministro Jesuíno Rissato (Desem-
bargador Convocado do TJDFT)
Superior Tribunal de Justiça Relator
Agravo Regimental no Habeas Corpus n. 809639/GO
Órgão Julgador: 6a. Turma RELATÓRIO
Fonte: DJ, 20.10.2023 Trata-se de agravo regimental inter-
Relator: Desembargador convocado do TJDFT Jesuíno Rissato posto pela Defensoria Pública do Es-
tado de Goiás contra a decisão de fls.
226-229, que denegou o habeas corpus.
EMENTA
Sustenta a defesa que, embora o ha-
Agravo Regimental no Habeas Corpus. Acordo de não persecução
beas corpus tenha sido impetrado em
penal. Descumprimento das condições impostas. Inexistência de substituição a recurso próprio, vê-se
previsão legal para que o investigado seja intimado para justificação que “a matéria veiculada neste remédio
do descumprimento das condições que ele aceitou em audiência. constitucional trata de direitos huma-
Agravo improvido. 1. O agravante foi devidamente cientificado dos nos fundamentais, podendo, portanto,
termos e condições do acordo de não persecução penal e posterior- ser conhecida de ofício a qualquer mo-
mento, ante a teratologia do acórdão
mente foi feita a tentativa de intimação no endereço fornecido, a
do Tribunal goiano. Ora, tratando-se de
fim de que fosse dado início ao cumprimento da avença firmada. 2. matéria passível de ser conhecida de ofí-
Tem-se que foram realizadas duas diligências, em endereços diferen- cio, o Poder Judiciário não deve declinar
tes, no intuito de efetivar a comunicação, nas datas de “23/03/2022 e ou se recusar a apreciar lesão ou amea-
04/08/2022, sendo que, por duas vezes, o meirinho foi atendido por ça a direito, nos termos da inafastabili-
familiares de Luciano, os quais informaram que o agravante não re- dade da jurisdição constitucionalmente
prevista (art. 5º, XXXV, da CF)” (fl. 241).
sidia no local, bem assim que desconheciam o paradeiro dele”. Desta-
Assevera que, no caso em análise,
cou-se ainda a tentativa de intimação via telefone, que foi infrutífera. “sequer foram empreendidos esforços
Por fim, a defesa do agravante, intimada para apresentar o endereço, de intimação do paciente pelo mesmo
sob pena de rescisão do acordo, manifestou-se pela intimação edita- meio eletrônico utilizado para o “acei-
lícia. 3. Conforme consignado pelo Tribunal de origem, “Luciano foi te” do Acordo de Não Persecução Penal,
devidamente cientificado a respeito não só da obrigação assumida ou seja, via aplicativo de mensagens,
WhatsApp” (fl. 242).
e das consequências do seu descumprimento, mas também, de que
Destaca que “nem ao menos seria
era seu dever informar ao juízo qualquer alteração no seu endereço/ possível afirmar que o paciente des-
telefone”. 4. Prevê o §10 do art. 28-A do Código de Processo Penal que cumpriu as condições impostas no
o descumprimento das condições impostas no acordo de não perse- acordo, vez que não houve tentativa de
cução penal implica a revogação do benefício, devendo o Ministério intimação pelo meio eletrônico ante-
Público comunicar o fato ao juízo, para fins de sua rescisão e poste- riormente utilizado para comunicação
com o paciente” (fl. 242).
rior oferecimento de denúncia, não havendo previsão legal para que
Nessas premissas pede a reconside-
o investigado seja intimado, mesmo que por edital, para justificar o ração da decisão agravada ou a submis-
descumprimento das condições pactuadas, tampouco sendo o caso são do feito à Turma. É o relatório.
de aplicação analógica do art. 118, §2º, da Lei de Execuções Penais, vis-
to que o paciente não se encontra em situação de execução de pena VOTO
privativa de liberdade. Precedente. 5. Agravo regimental improvido. A decisão agravada está assim funda-
mentada (fls. 226-229):

216 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


ACÓRDÃOS EM DESTAQUE

Trata-se de habeas corpus, com do paciente, ao menos, pelo mesmo


pedido liminar, impetrado contra meio eletrônico utilizado anterior-
acórdão assim ementado (fl. 155): mente.” (fl. 7).
EMENTA: AGRAVO EM EXE- Afirma que a jurisprudência pá-
CUÇÃO PENAL. ACORDO DE tria possui entendimento no senti-
NÃO PERSECUÇÃO PENAL. DES- do da necessidade de “esgotamento
CUMPRIMENTO. INTIMAÇÃO dos meios necessários à intimação
POR EDITAL. IMPOSSIBILIDA- para convocação de condenados,
DE. Verificado nos autos que o durante o cumprimento de pena,
acusado foi devidamente cientifi- nos termos do art. 118, § 2º, da LEP”
cado a respeito das condições do (fl. 8), sendo imprescindível o exer-
acordo de não persecução penal, cício do contraditório pelo paciente,
bem como das consequências de a fim de se justificar pelo ocorrido,
seu descumprimento, não há se antes do envio dos autos à origem,
falar em intimação por edital, por mesmo porque sequer é condenado
ausência de previsão legal, má- pela Justiça.
xime se frustrada sua intimação Requer, liminarmente e no mé-
pessoal, por três oportunidades rito, a suspensão dos efeitos da de-
(duas via oficial de justiça e outra cisão que determinou o retorno dos
por telefone). Agravo conhecido e autos ao Juízo de origem, com a de-
desprovido. terminação do prévio esgotamento
Consta dos autos que o pa- dos meios de intimação do paciente,
ciente, no contexto da prática do inclusive via edital.
crime previsto no art. 12 da Lei O pedido liminar foi indeferido.
10.826/2003, teve oferecido em seu As informações foram prestadas.
favor acordo de não persecução O Ministério Público Federal
penal, diante do preenchimento manifestou-se pelo não conheci-
dos requisitos previstos no art. mento do writ.
28-A do CPP. O Tribunal de origem negou pro-
A defesa informa que foram ex- vimento ao agravo em execução nos
pedidos mandados de intimação seguintes termos (fls. 164-166):
para que o beneficiário pudesse dar [...] Presentes os pressupostos
início ao cumprimento do ANPP. de admissibilidade, conheço do pre-
No entanto, pontua que as tenta- sente agravo em execução. É cediço
tivas de intimação não lograram que o acordo de não persecução pe-
êxito, motivo pelo qual o Ministério nal, previsto no artigo 28-A do Códi-
Público Estadual requereu ao Juízo go de Processo Penal, com redação
das execuções a remessa do feito dada pela Lei n. 13.964/2019, repre-
para o Juízo de origem. senta importante medida despena-
Sustenta a defesa que o pacien- lizadora, por meio da qual o titular
te não foi localizado no endereço da ação penal, verificado o preen-
fornecido quando da homologação chimento dos requisitos insertos
do referido acordo. Afirma que de- no referido artigo, deixa de oferecer
veria ter sido intimado por edital, a denúncia, propondo ao acusado
ao entendimento de que não houve a restrição de direitos por meio do
o prévio esgotamento dos meios de ANPP. No caso dos autos, obser-
comunicação do paciente. vo que ao agravante foi imposto o
Aduz que “Conforme é possível cumprimento de prestação de ser-
extrair da petição trazida pelo Mi- viços à comunidade, pelo período
nistério Público, o “aceite” do Acor- de 04 meses, em razão da proposta
do de Não Persecução Penal feito de Acordo de Não Persecução Penal,
pelo beneficiário foi via aplicativo nos termos do artigo 28-A do Código
de mensagens Whatsapp (evento 01, de Processo Penal, a qual foi homo-
arquivo 02, página 8, dos autos do logada aos 11/11/2021 (mov. 01, arq. 02,
agravo em execução). fs. 10/11). Registro que L. A. C. foi de-
Logo, deveria o juízo ter empre- vidamente cientificado dos termos
endido esforços para a intimação e condições do acordo. Encaminha-

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 217


PENAL

do o acordo à vara de execução de os fatos. [...] Portanto, não tendo o Assim, constata-se que foi acer-
penas e medidas alternativas (autos acusado cumprido as condições es- tada a conclusão adotada pelas ins-
SEEU n. 7002567-65.2021.8.09.0051), tabelecidas no ANPP, concluo que tâncias de origem pois, consoante
foi feita a tentativa de intimação o ato judicial atacado está devida- disposição expressão do §10 do art.
do agravante no endereço forneci- mente motivado e merece ser man- 28-A, do Código de Processo Penal, o
do por ele, a fim de que desse início tido. Ante o exposto, acolho o pare- descumprimento das condições im-
ao seu cumprimento. Ressalto, que cer ministerial de cúpula, conheço postas no acordo de não persecução
foram realizadas duas diligências, do agravo em execução penal e lhe penal implica a revogação do bene-
em endereços diversos, para tenta- nego provimento. fício, verbis:
tiva de intimação do agravante, nas É como voto. Art. 28-A. Não sendo caso de ar-
datas de 23/03/2022 e 04/08/2022, Como visto, o Tribunal de origem quivamento e tendo o investigado
sendo que, por duas vezes, o meiri- consignou que o paciente foi devida- confessado formal e circunstan-
nho foi atendido por familiares de mente cientificado dos termos e con- cialmente a prática de infração
Luciano, os quais informaram que o dições do acordo de não persecução penal sem violência ou grave ame-
agravante não residia no local, bem penal. Pontuou que, “Encaminhado aça e com pena mínima inferior a 4
assim que desconheciam o paradei- o acordo à vara de execução de pe- (quatro) anos, o Ministério Público
ro dele (mov. 01, arq. 02, fs. 27 e 66). nas e medidas alternativas (autos poderá propor acordo de não per-
Acrescento, ademais, que houve a SEEU n. 7002567- 65.2021.8.09.0051), secução penal, desde que neces-
tentativa de intimação, via telefone, foi feita a tentativa de intimação do sário e suficiente para reprovação
a qual, também, restou infrutífera agravante no endereço fornecido e prevenção do crime, mediante
(mov. 01, arq. 03, f. 82). A defesa do por ele, a fim de que desse início ao as seguintes condições ajustadas
agravante, intimada para apresen- seu cumprimento” (fl. 164). cumulativa e alternativamente: [...]
tar o endereço de Luciano, sob pena § 10. Descumpridas quaisquer das
de rescisão do acordo, manifestou-
-se pela intimação editalícia (mov.
O Ministério Público condições estipuladas no acordo de
não persecução penal, o Ministério
01, arq. 03, f. 75). Diante do caso, o poderá propor acordo de Público deverá comunicar ao juízo,
magistrado primevo indeferiu o pe- não persecução penal, para fins de sua rescisão e posterior
dido de intimação por edital (mov. oferecimento de denúncia.
01, fl.111/113). Apresentados os fatos, desde que necessário e Ademais, apesar do pedido de
tenho por acertada a decisão pro- suciente para reprovação intimação editalícia, entendeu o
ferida pelo Juízo da Execução Pe- Tribunal de origem que, “sequer
nal, porquanto o descumprimento
e prevenção do crime existe previsão legal para que o im-
das condições impostas no acordo putado seja previamente intimado
de não persecução penal implica a Ainda, foram realizadas duas para justificar o descumprimento
revogação do benefício, consoan- diligências, em endereços diferen- das condições impostas pelo Minis-
te disposição expressa do §10º do tes para tentar intimar o paciente, tério Público e por ele aceitas em
artigo 28-A do Código de Processo em “23/03/2022 e 04/08/2022, sendo audiência. Isso porque, Luciano foi
Penal. Destaco que, não obstante que, por duas vezes, o meirinho devidamente cientificado a respeito
o entendimento da defesa, sequer foi atendido por familiares de Lu- não só da obrigação assumida e das
existe previsão legal para que o im- ciano, os quais informaram que o consequências do seu descumpri-
putado seja previamente intimado agravante não residia no local, bem mento, mas também, de que era seu
para justificar o descumprimento assim que desconheciam o paradei- dever informar ao juízo qualquer
das condições impostas pelo Minis- ro dele (mov. 01, arq. 02, fs. 27 e 66). alteração no seu endereço/telefone”
tério Público e por ele aceitas em Acrescento, ademais, que houve a (fl. 165).
audiência. Isso porque, Luciano foi tentativa de intimação, via telefone, Nesses termos, resta eviden-
devidamente cientificado a respeito a qual, também, restou infrutífera ciado o descumprimento do acor-
não só da obrigação assumida e das (mov. 01, arq. 03, f. 82). A defesa do do de não persecução penal, não
consequências do seu descumpri- agravante, intimada para apresen- havendo qualquer ilegalidade no
mento, mas também, de que era seu tar o endereço de Luciano, sob pena indeferimento da intimação edita-
dever informar ao juízo qualquer de rescisão do acordo, manifestou- lícia, não se constatando ofensa à
alteração no seu endereço/telefo- -se pela intimação editalícia (mov. garantia da ampla defesa e do con-
ne. Nesse sentido, o indeferimen- 01, arq. 03, f. 75)” (fl. 164). Na hipótese, traditório, mesmo porque a defesa
to da intimação por edital, como configurou-se o descumprimento manifestou-se previamente sobre
requerido, não ofende a garantia das condições impostas no acordo os fatos.
constitucional da ampla defesa e do de não persecução penal, notada- Registre-se que no §9º do art. 28-A
contraditório, até porque a defesa mente a de comunicar mudança de do Código de Processo Penal há pre-
se manifestou previamente sobre endereço ou telefone. visão somente de que a vítima será

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ACÓRDÃOS EM DESTAQUE

intimada da homologação do acordo postas no ANPP implica a revogação Público, in verbis: “[...] § 9º A vítima será
de não persecução, bem como de seu do benefício: intimada da homologação do acordo de
descumprimento, verbis: não persecução penal e de seu descum-
[...] § 9º A vítima será intimada Art. 28-A. Não sendo caso de ar- primento.”
da homologação do acordo de não quivamento e tendo o investigado Sendo evidenciado, assim, o des-
persecução penal e de seu descum- confessado formal e circunstan- cumprimento do acordo de não per-
primento; cialmente a prática de infração secução penal, e inexistindo qualquer
Nesses termos, não se constata penal sem violência ou grave ame- ilegalidade no indeferimento da inti-
qualquer ilegalidade a ser sanada, aça e com pena mínima inferior a 4 mação editalícia, tampouco sendo caso
constatando-se que houve descum- (quatro) anos, o Ministério Público de aplicação analógica do art. 118, §2º,
primento das condições impostas poderá propor acordo de não per- da Lei de Execuções Penais (visto que
no Acordo de Não Persecução Penal secução penal, desde que neces- o paciente não se encontra em situação
– ANPP, não havendo, ainda, previ- sário e suficiente para reprovação de execução de pena privativa de liber-
são legal de intimação por edital do e prevenção do crime, mediante dade), não se constata ofensa à garan-
ora paciente. as seguintes condições ajustadas tia da ampla defesa e do contraditório,
Ante o exposto, denego o habeas cumulativa e alternativamente: [...] mesmo porque a defesa manifestou-se
corpus. § 10. Descumpridas quaisquer das previamente sobre os fatos. No mesmo
condições estipuladas no acordo de sentido:
Como se vê, a Corte de origem não persecução penal, o Ministério Penal e processual penal. Agra-
consignou que o agravante foi devida- Público deverá comunicar ao juízo, vo regimental no habeas corpus.
mente cientificado dos termos e con- para fins de sua rescisão e posterior Acordo de não persecução penal.
dições do acordo de não persecução oferecimento de denúncia. Beneficiado que deixou de ser in-
penal, pontuando que “Encaminhado timado no endereço informado.
o acordo à vara de execução de penas
e medidas alternativas (autos SEEU n.
O § 9º do art. 28-A do Descumprimento das condições.
Não comunicação de alteração de
7002567-65.2021.8.09.0051), foi feita a Códigobde Processo endereço. Pleito de intimação via
tentativa de intimação do agravante Penal prevê apenas que edital. Descabimento. Ausência de
no endereço fornecido por ele, a fim de determinação legal quanto ao es-
que desse início ao seu cumprimento” a vítima será intimada gotamento dos meios de intimação.
(fl. 164). da homologação do Agravo regimental desprovido. 1.
Destacou ainda que foram reali- O agravante deixou de ser intima-
zadas duas diligências, em endereços
acordo, bem como de do para o início do cumprimento
diferentes, para tentar intimar o ora seu descumprimento do acordo celebrado porque não
recorrente, em “23/03/2022 e 04/08/2022, foi encontrado no local informado
sendo que, por duas vezes, o meirinho Ademais, apesar do pedido de inti- como seu endereço. Tal circunstân-
foi atendido por familiares de Luciano, mação editalícia, entendeu o Tribunal cia denota, inegavelmente, descum-
os quais informaram que o agravante de origem que “sequer existe previsão primento das condições impostas
não residia no local, bem assim que legal para que o imputado seja pre- no acordo de não persecução penal,
desconheciam o paradeiro dele (mov. viamente intimado para justificar o notadamente a de comunicar mu-
01, arq. 02, fs. 27 e 66)” (fl. 164). descumprimento das condições im- danças de endereço ou telefone. 2.
Ademais, houve a tentativa de inti- postas pelo Ministério Público e por O descumprimento das condições
mação por telefone, a qual, igualmente, ele aceitas em audiência. Isso porque, impostas no acordo de não perse-
foi infrutífera. De todo modo, tendo Luciano foi devidamente cientifica- cução penal implica na revogação
sido intimada a defesa do agravante do a respeito não só da obrigação as- do benefício, consoante disposição
para apresentar o endereço de Luciano, sumida e das consequências do seu expressa do §10, do artigo 28-A do
sob pena de rescisão do acordo, mani- descumprimento, mas também, de Código de Processo Penal. Cabe
festou-se pela intimação editalícia. que era seu dever informar ao juízo ressaltar que não há previsão legal
Assim, configurou-se o descum- qualquer alteração no seu endereço/ para que o acusado seja previa-
primento das condições impostas telefone” (fl. 165). mente intimado para justificar o
no acordo de não persecução penal Nesse sentido, o §9º do art. 28-A do descumprimento das condições im-
(ANPP), notadamente na obrigação de Código de Processo Penal prevê apenas postas no acordo e por ele aceitas
comunicar mudança de endereço ou que a vítima será intimada da homo- em audiência, até mesmo porque
telefone. Nesses termos, acertada a logação do acordo, bem como de seu quando realizada a audiência para
conclusão adotada pelas instâncias de descumprimento, sem a determinação homologação do acordo o benefi-
origem pois, conforme prevê o §10 do de que o investigado seja intimado ciário sai devidamente intimado
art. 28-A do Código de Processo Penal, para justificar o descumprimento das a respeito não só das obrigações
o descumprimento das condições im- condições impostas pelo Ministério assumidas e das consequências do

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 219


PREVIDENCIÁRIO

seu descumprimento, como tam- (AgRg no HC n. 806.291/GO, relator ACÓRDÃO


bém de seu dever informar ao juízo Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Vistos e relatados estes autos em que
qualquer alteração no seu endereço Turma, julgado em 14/8/2023, DJe de são partes as acima indicadas, a Egré-
ou telefone. 3. Evidenciado o des- 16/8/2023.) gia 10ª Turma do Tribunal Regional Fe-
cumprimento do acordo, o indeferi- deral da 4ª Região decidiu, por unani-
mento da intimação por edital não Não tendo sido aditado pela defe- midade, negar provimento à apelação,
se reveste de ilegalidade, não ha- sa fato novo e/ou relevante, a fim de nos termos do relatório, votos e notas
vendo se falar em ofensa à garantia reformar o entendimento adotado na de julgamento que ficam fazendo parte
constitucional da ampla defesa e do decisão agravada, esta deve ser man- integrante do presente julgado.
contraditório. 4. O art. 28-A do Có- tida. Curitiba, 14 de novembro de 2023.
digo de Processo Penal, ao estabe- Ante o exposto, nego provimento ao
lecer as regras atinentes ao acordo agravo regimental. RELATÓRIO
de não persecução penal, prevê que É o voto Trata-se de ação de procedimento co-
somente a vítima será intimada da mum em que é postulado o restabele-
homologação do acordo de não per- CERTIDÃO cimento do benefício assistencial (NB
secução penal e de seu descumpri- Certifico que a egrégia SEXTA TURMA, 141.194.943-6) que foi cessado pelo INSS
mento (§ 9º). 5. O pleito relativo à in- ao apreciar o processo em epígrafe na em razão de constatação de supera-
timação do agravante por telefone, sessão realizada nesta data, proferiu a ção da renda per capita familiar, bem
via Whatsapp, sequer foi abordado seguinte decisão: como a declaração de inexigibilidade
pelas instâncias ordinárias, tendo A Sexta Turma, por unanimidade, do débito apurado pelo INSS relativo
a defesa se limitado a pleitear a in- negou provimento ao agravo regimen- às parcelas recebidas pela autora no
timação editalícia, tratando-se de tal, nos termos do voto do Sr. Ministro período de 01/09/2016 a 31/10/2016 e de
inovação recursal. Ademais, não Relator. 01/02/2017 até a cessação do benefício
há qualquer prova pré-constituída A Sra. Ministra Laurita Vaz e os Srs. (01/12/2021).
de que eventual intimação via tele- Ministros Sebastião Reis Júnior, Roge- Processado o feito, sobreveio sen-
fone não tenha sido tentada ou de rio Schie�i Cruz e Antonio Saldanha tença (Evento 25, SENT1), cujo disposi-
que, se efetivada, teria sido exitosa. Palheiro votaram com o Sr. Ministro tivo tem o seguinte teor:
6. Agravo regimental desprovido. Relator. 
Ante o exposto, JULGO PROCE-
DENTE EM PARTE o pedido, nos
termos do artigo 487, inciso I, do Có-
Previdenciário digo de Processo Civil, para declarar
a nulidade do crédito de R$ 68.774,96
em face da parte autora, referente
IRREPETIBILIDADE às parcelas de benefício assistencial
do período de 01/09/2016 a 31/10/2016
e de 01/02/2017 a 01/12/2021 (NB
686.205 BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO RECEBIDO DE 141.194.943-6).

BOA-FÉ NÃO DEVE SER RESTITUÍDO Pela sucumbência, condeno a


parte autora ao pagamento das
custas processuais, das despesas
(honorários do perito) e honorários
Tribunal Regional Federal da 4a. Região
advocatícios, os quais, sopesados os
Apelação Cível n. 5000164-06.2022.4.04.7033/PR
critérios legais (CPC, art. 85, §§ 2, 3º
Órgão Julgador: 10a. Turma
e 4º), arbitro em 10% do valor atribu-
Fonte: DJ, 25.10.2023
ído à causa.
Relatora: Desembargadora Cláudia Cristina Cristofani
Em razão do benefício da justi-
ça gratuita deferido (evento nº 4),
EMENTA a exigibilidade dessas verbas resta
Previdenciário. Benefício assistencial. Lei nº 8.742/93. Portador de suspensa e condicionada ao dispos-
to no art. 98, §3º, do CPC.
deficiência. Irrepetibilidade de valores recebidos de boa-fé. Su-
Sentença registrada e publicada
cumbência. Honorários advocatícios. 1. Tendo o beneficiário rece-
eletronicamente. Intimem-se.
bido os valores de boa-fé, fica afastada a obrigação de restituir Havendo interposição de recur-
os valores à Autarquia Previdenciária. 2. Sentença mantida. Sem so de apelação, intime-se a parte
majoração dos honorários advocatícios. apelada para, querendo, oferecer
contrarrazões em 15 dias (art. 1010, §

220 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


ACÓRDÃOS EM DESTAQUE

1º, do CPC de 2015). Sendo a apelada síntese, concluiu-se que, se recebidas


a Fazenda Pública, o prazo para o de boa-fé, incabível o ressarcimento.
oferecimento de contrarrazões será Referida premissa não difere do
de 30 dias (art. 183 do CPC de 2015). entendimento jurisprudencial já firma-
Em seguida, remetam-se os autos do, no sentido da irrepetibilidade dos
ao Tribunal Regional Federal da 4ª valores recebidos a título de benefício
Região. previdenciário, na ausência de prova
Transitada em julgado, arqui- de má-fé do segurado, considerando-se
vem-se os autos. que a má-fé deve ser provada, enquan-
to a boa-fé pode ser presumida.
O INSS apela (Evento 31, APELA- Nesse sentido:
ÇÃO1), alegando, em síntese, que o
Princípio Geral de Direito veda o enri- PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍ-
quecimento sem causa, e que é dever do CIO. RECEBIMENTO INDEVIDO.
INSS buscar o ressarcimento dos valo- ERRO ADMINISTRATIVO. BOA-FÉ.
res pagos indevidamente à parte auto- IRREPETIBILIDADE. Não haven-
ra. Pede, nesse sentido, a reforma da do prova de má-fé do segurado no
sentença para o fim de ser declarada a recebimento indevido de benefício
legalidade da cobrança administrativa. na via administrativa, decorrente
Com contrarrazões (Evento 34, de má aplicação de norma jurídi-
PET1), vieram os autos a este Tribunal. ca, interpretação equivocada ou
O Ministério Público Federal mani- erro da Administração, não cabe
festou-se pela não intervenção no feito a devolução dos valores, conside-
(Evento 4, PROMO_MPF1). rando a natureza alimentar e o
É o relatório. recebimento de boa-fé. (TRF4, AC
5006070-37.2017.4.04.7005, TURMA
VOTO REGIONAL SUPLEMENTAR DO
RESSARCIMENTO DOS VALORES RE- PR, Relator MÁRCIO ANTÔNIO
CEBIDOS ROCHA, juntado aos autos em
Discute-se se os valores que, segun- 19/08/2021)
do apuração feita pelo INSS, teriam PREVIDENCIÁRIO. APOSENTA-
sido pagos irregularmente a título de DORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-
benefício assistencial devem ser devol- -DOENÇA. REQUISITOS. LAUDO
vidos pela parte autora. TÉCNICO. INCAPACIDADE. DOEN-
De início, vale dizer que o caso não ÇA PREEXISTENTE. NÃO CONFI-
trata de pagamento indevido decor- GURAÇÃO. MÁ-FÉ NÃO COMPRO-
rente de erro administrativo (material VADA. (...) 4. Ao contrário da boa-fé,
ou operacional), não embasado em a má-fé não se presume. 5. (...) (TRF4,
interpretação errônea ou equivocada AC 5014793-16.2019.4.04.9999, QUIN-
da lei pela Administração. Por isso, TA TURMA, Relator ALTAIR ANTO-
não é caso de aplicação do Tema 979, NIO GREGÓRIO, 30/09/2020)
em que, recentemente, o STJ julgou o PREVIDENCIÁRIO. PROCES-
REsp 1381734/RN, sob a sistemática dos SUAL CIVIL. COMPETÊNCIA DE-
recursos repetitivos, sob a relatoria do LEGADA DA JUSTIÇA ESTADUAL.
Ministro Benedito Gonçalves, debateu- ART. 109, § 3º, DA CF. FORO DE DO-
-se sobre a irrepetibilidade das verbas MICÍLIO DA PARTE AUTORA. MÁ-
alimentares. -FÉ. NÃO PRESUMIDA. PRESUN-
Ainda que não aplicável diretamen- ÇÃO IURIS TANTUM DE BOA FÉ.
te, considera-se importante a premis- (...) 2. Em nosso ordenamento jurí-
sa que se extrai do referido julgado dico, a má-fé, inclusive a processual,
referente à necessidade de aferição da não se presume, devendo sempre ser
boa-fé ou da má-fé, como pressuposto cabalmente provada, não bastando
para decidir sobre repetibilidade dos ilações com base em meros indícios
valores recebidos (TRF4, AC n. 5001148- para afastar a boa-fé das informa-
07.2018.4.04.7008/PR, Turma Regional ções prestadas pelas partes, essa sim
suplementar do Paraná, Rel. Márcio objeto de presunção iuris tantum.
Antônio Rocha, julg. em 10/08/2021). Em (TRF4 5016289-70.2020.4.04.0000,

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 221


PREVIDENCIÁRIO

TERCEIRA SEÇÃO, Relator PAULO TERPRETAÇÃO ERRÔNEA DA LEI, (Evento 12, LAUDO_SOC_ECON1), co-
AFONSO BRUM VAZ, 26/06/2020) ERRO MATERIAL OU OPERACIO- lhe-se que a família vive em condições
NAL DO INSS. BOA-FÉ. IRREPETI- simples, não se tratando de uso de ardil
Veja-se que, na esteira da Súmula BILIDADE. 1. Na devolução de va- com a finalidade de obter o benefício
375 (O reconhecimento da fraude à exe- lores para o INSS: (i) o pagamento ou de família de confortável condição
cução depende do registro da penhora decorrente de interpretação errô- financeira. Ao contrário, a situação da
do bem alienado ou da prova de má-fé nea da lei não é suscetível de repeti- família é compatível com os quadros
do terceiro adquirente), o STJ tem adi- ção; (ii) o pagamento decorrente de comumente analisados para benefício
tado o entendimento de que a boa-fé erro material ou operacional é sus- assistencial.
se presume e a má-fé se prova. Ou seja, cetível de repetição, salvo compro- Assim, não há prova de má-fé da
indispensável que seja demonstrada a vada boa-fé do segurado; (iii) a exi- parte autora, impondo-se seja mantida
má-fé do beneficiário ou, no revés, que gência de comprovação da boa-fé a sentença.
seja afastada a boa-fé da pessoa que vale para os processos distribuídos
alegadamente recebeu de forma inde- a partir de 23 de abril de 2021; (iv) a HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS –
vida determinado benefício previden- repetição, quando admitida, permi- SUCUMBÊNCIA RECURSAL
ciário para fins de afastar o transcurso te o desconto do percentual de até A partir da jurisprudência do STJ (em
do prazo decadencial. 30% do valor do benefício do segu- especial do AgInt nos EREsp 1539725/
Esta identificação é fundamental rado (Tema 979, STJ). 2. Na aferição DF, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira,
para autorizar a administração a ado- da boa-fé, é preciso avaliar a apti- Segunda Seção, julgado em 09/08/2017,
tar medidas para fazer cessar a ilici- dão do segurado “para compreen- DJe 19/10/2017), para que haja a majo-
tude, independentemente do tempo der, de forma inequívoca, a irregu- ração dos honorários em decorrência
transcorrido desde a concessão, bem laridade do pagamento” (STJ, REsp da sucumbência recursal, é preciso o
como buscar a via judicial para obter 1381734/RN, Rel. Ministro Benedito preenchimento dos seguintes requi-
a restituição de verba indevidamente Gonçalves, Primeira Seção, julga- sitos simultaneamente: (a) sentença
paga, quando os benefícios previden- do em 10/03/2021, DJe 23/04/2021, publicada a partir de 18/03/2016 (após a
ciários são obtidos, comprovadamente, p. 31). 3. Em matéria previdenciá- vigência do CPC/2015); (b) recurso não
mediante fraude, dolo e má-fé e, em ria, a prova da boa-fé também se conhecido integralmente ou impro-
caso contrário, preservar a condição dá a partir das condições pessoais vido; (c) existência de condenação da
do beneficiário que agiu de boa-fé, hi- de cada segurado, tais como ida- parte recorrente no primeiro grau; e (d)
pótese em que o erro se imputa ao ente de, grau de instrução, contexto de não ter ocorrido a prévia fixação dos
público. fragilidade social e possibilidade honorários advocatícios nos limites
De acordo com a temática firmada concreta de conhecer e entender máximos previstos nos §§2º e 3º do ar-
no julgado representativo da contro- a extensão das prestações previ- tigo 85 do CPC (impossibilidade de ex-
vérsia, o segurado não terá agido com denciárias. 4. Conjunto probatório trapolação). Acrescente-se a isso que a
boa-fé objetiva, acaso devidamente insuficiente para se concluir pela majoração independe da apresentação
comprovado que ele tinha condições má-fé. Demonstrada no caso con- de contrarrazões.
de compreender que o valor não lhe creto a boa-fé, não há que se falar Na espécie, diante da ausência de
era devido e que ele poderia ter adota- em devolução de valores. (TRF4, condenação do INSS em honorários
do um posicionamento diverso, diante AC 5001864-77.2017.4.04.7102, SEXTA advocatícios, incabível a majoração por
do seu dever de lealdade para com a TURMA, Relator JOÃO BATISTA sucumbência recursal.
administração previdenciária. Ou seja, PINTO SILVEIRA, juntado aos au-
na espécie, deveria ter condições de tos em 21/07/2021) PREQUESTIONAMENTO
saber que os valores não poderiam ser Objetivando possibilitar o acesso das
acumulados. Na espécie, o benefício assistencial partes às instâncias superiores, con-
A jurisprudência tem manifestado foi concedido e pago regularmente, sidero prequestionadas as matérias
a orientação de seria preciso avaliar a sem a utilização de meios fraudulen- constitucionais e/ou legais suscitadas,
aptidão do segurado “para compreen- tos. O complemento negativo decorreu conquanto não referidos expressamen-
der, de forma inequívoca, a irregulari- da verificação da superação da renda te os respectivos artigos na fundamen-
dade do pagamento”, tal como decidiu por determinado período, questão que tação do voto.
o Ministro Benedito Gonçalves, no é debatida nesta ação, por entender o
julgamento do REsp 1381734/RN, Rel. beneficiário que sempre esteve enqua- CONCLUSÃO
Primeira Seção, julgado em 10/03/2021, drado no requisito de vulnerabilidade. Apelo do INSS: improvido.
DJe 23/04/2021. O benefício foi recebido apesar da
Aliás: renda per capita familiar ser um pouco DISPOSITIVO
superior ao critério legal de 1/4 do sa- Ante o exposto, voto por negar provi-
PREVIDENCIÁRIO. RESSARCI- lário mínimo, tendo o autor percebido mento à apelação, nos termos da fun-
MENTO. VALORES PAGOS POR IN- o benefício de boa-fé. Do laudo social damentação. 

222 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


ACÓRDÃOS EM DESTAQUE

Consoante registrado no julgado


agravado, o recurso especial se origina de
Processo Civil embargos de terceiro em que a parte au-
tora objetivava o cancelamento da cons-
trição judicial incidente sobre imóvel.
ALIENAÇÃO O juízo de primeiro grau julgou
procedente o pedido (e-STJ fls. 159/165),

686.206 DOAÇÃO DO BEM DE FAMÍLIA PARA FILHO afastando a constrição do imóvel, sob o
fundamento de que, “ainda que citado
NÃO É FRAUDE À EXECUÇÃO FISCAL o executado antes de transferir o bem
a seu filho, restou comprovada a impe-
nhorabilidade legal do bem”. Em sede
Superior Tribunal de Justiça de apelação, o Tribunal regional deu
Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial n. 2174427/RJ provimento ao recurso do ente público
Órgão Julgador: 1a. Turma para julgar improcedente a ação, nos
Fonte: DJ, 20.09.2023 seguintes termos (e-STJ fls. 252/253):
Relator: Ministro Gurgel de Faria
Cuida-se, como visto, de apelação
EMENTA interposta pela UNIÃO FEDERAL/
FAZENDA NACIONAL (e-fls 134-143),
Processual Civil e Tributário. Execução fiscal. Bem de família.
objetivando a reforma da sentença
Alienação após constituição do crédito tributário. Impenhorabi- que julgou procedentes os Embar-
lidade. Manutenção. Fraude. Inexistência. 1. Ambas as Turmas da gos de Terceiro (e-fls. 122-128), para
Primeira Seção desta Corte Superior adotam a orientação segun- afastar a constrição sobre imóvel
do a qual a alienação de imóvel que sirva de residência do execu- realizada nos autos da execução
fiscal n° 0525184-92.2001.4.02.5101,
tado e de sua família após a constituição do crédito tributário não
acolhendo a tese de impenhorabili-
afasta a cláusula de impenhorabilidade do bem, razão pela qual
dade do bem de família. Não houve
resta descaracterizada a fraude à execução fiscal. Precedentes. condenação em honorários advo-
2. Hipótese em que o tribunal regional, ao consignar que estaria catícios. Os embargos de terceiro
configurada a fraude à execução com a alienação do bem imóvel foram opostos objetivando afastar
após a constituição do crédito tributário, ante a desconstituição constrição sobre imóvel situado na
Rua Miguel Angelo, bloco ..., aparta-
da proteção legal dada ao bem de família, posiciona-se de forma
mento ..., Cachambi/RJ, em sede de
contrária a esse entendimento. 3. Agravo interno desprovido.
execução fiscal (processo n° 0525184-
92.2001.4.02.5101), em face de “Sea For-
necedora Marítima Ltda.” e outros
ACÓRDÃO cisão por mim proferida às e-STJ fls. (J.A. M., F. da S. C. e S. M. B. C.). A sen-
Vistos e relatados estes autos em que 433/438, em que conheci do agravo da tença afastou a constrição do imóvel
são partes as acima indicadas, acordam parte contribuinte para dar provimen- ao argumento de que “ainda que cita-
os Ministros da PRIMEIRA TURMA do to ao recurso especial, restabelecendo do o executado antes de transferir o
Superior Tribunal de Justiça, em ses- a sentença que reconheceu a impenho- bem a seu filho”, restou comprovada
são virtual de 12/09/2023 a 18/09/2023, rabilidade do imóvel constrito, por ser a impenhorabilidade legal do bem.
por unanimidade, negar provimento bem de família. Pois bem. Passo ao exame do apelo.
ao recurso, nos termos do voto do Sr. A parte agravante defende, em resu- Como cediço, o reconhecimento da
Ministro Relator. Os Srs. Ministros mo, o afastamento da súmula 83 do STJ, fraude à execução foi objeto de di-
Benedito Gonçalves, Sérgio Kukina, já que “a Segunda Seção do STJ possui ferentes interpretações ao longo do
Regina Helena Costa e Paulo Sérgio entendimento diametralmente distin- tempo, de acordo com a legislação de
Domingues votaram com o Sr. Minis- to, uma vez que, ao reconhecer a fraude regência. Num primeiro momento,
tro Relator. Presidiu o julgamento o Sr. à execução, afasta a impenhorabilida- considerava-se absoluta a presun-
Ministro Paulo Sérgio Domingues. Bra- de do bem de família” (e-STJ fl. 444). ção de fraude à execução nos casos
sília, 18 de setembro de 2023 Contraminuta apresentada (e-STJ em que a alienação do bem ocorria
Ministro GURGEL DE FARIA Relator fls. 452/456). É o relatório. posteriormente à citação do alienan-
te, nos autos da ação fiscal contra ele
RELATÓRIO VOTO movida. Posteriormente, a jurispru-
Trata-se de agravo interno interposto A irresignação recursal não merece dência caminhou no sentido de que,
pela FAZENDA NACIONAL contra de- prosperar. para se admitir a hipótese de fraude

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 223


PROCESSO CIVIL

à execução, era necessário que, antes mediante a doação gratuita de seus em ter a venda considerada ineficaz.
da alienação, houvesse o registro da bens para seu descendente, com ob- 2. O Tribunal de origem registrou a
penhora no competente cartório, de jetivo de fraudar a execução. ausência de má-fé do recorrido, es-
modo a garantir a publicidade da clarecendo que a venda do bem de
constrição a terceiros de boa-fé. Com Pois bem. família se deu para fazer frente à
o tempo, a jurisprudência passou a De início, cumpre destacar que, ao necessidade de tratamento da pró-
diferenciar a denominada “fraude contrário do que afirma a agravante, pria saúde, de modo que a altera-
civil” da “fraude fiscal”, negando- não houve aplicação do óbice da Súmu- ção de tal entendimento, na forma
-se às execuções fiscais, inclusive, a la 83 do STJ no caso concreto, mas sim apresentada, demandaria, necessa-
aplicação da Súmula n. 375/STJ, que provimento do recurso do particular riamente, a revisão do acervo fático-
previa: “O reconhecimento da fraude com amparo na jurisprudência de am- -probatório dos autos, o que esbarra
à execução depende do registro da bos os colegiados componentes da Pri- no óbice contido na Súmula 7/STJ. 3.
penhora do bem alienado ou da pro- meira Seção, a qual integrada por esta Agravo Interno da Fazenda Nacional
va da má-fé do terceiro adquirente”. colenda Primeira Turma. Assim, nesse a que se nega provimento. (AgInt
Finalmente, com o advento da LC n. particular aspecto, o argumento recur- no AREsp 1.190.588/RS, Rel. Ministro
118/2005, que conferiu nova redação sal não guarda pertinência com o que Napoleão Nunes Maia Filho, primei-
ao art. 185 do CTN, convencionou-se foi decidido na decisão agravada. ra turma, julgado em 18/03/2019, dje
que a simples alienação de bens pelo Além disso, eventual existência de 26/03/2019). Processual Civil e Tri-
contribuinte devedor de tributos precedentes das Turmas que compõem a butário. Agravo Interno no Recurso
regularmente inscritos em dívida Segunda Seção em sentido contrário não Especial. Fraude à execução fiscal.
ativa, sem a reserva de meios para tem o condão de desconstituir a decisão Bem de família. alienação de bem
a satisfação dos respectivos débitos agravada, cabendo à agravante utilizar- imóvel. manutenção da cláusula de
tributários, pressupõe a existência -se dos meios processuais disponíveis impenhorabilidade. 1. Mesmo quan-
de fraude à execução, em face da para buscar a uniformização da juris- do o devedor aliena o imóvel que lhe
primazia do interesse público na prudência do STJ em relação ao tema. sirva de residência, deve ser manti-
arrecadação dos recursos para o uso No mais, conforme assentado na da a cláusula de impenhorabilidade
da coletividade (STJ, REsp 1.352.486/ decisão ora impugnada, as Turmas in- porque imune aos efeitos da execu-
SP, Segunda Turma, Relator Minis- tegrantes da Primeira Seção firmaram a ção; caso reconhecida a invalidade
tro OG FERNANDES, julgado em tese segundo a qual, mesmo que o deve- do negócio, o imóvel voltaria à esfera
03.02.2015, DJe 12.02.2015; STJ, Segun- dor aliene imóvel que sirva de residên- patrimonial do devedor ainda como
da Turma, Relatora Ministra ELIA- cia sua e de sua família, deve ser man- bem de família. 2. Agravo interno a
NA CALMON, julgado em 17.12.2013, tida a cláusula de impenhorabilidade, que se nega provimento. (AgInt no
DJe 07.02.2014). É dizer que o art. 185 porque o imóvel em questão seria imu- REsp 1.719.551/RS, Rel. Ministro Og
do CTN, seja em sua redação origi- ne aos efeitos da execução, não havendo Fernandes, Segunda Turma, julgado
nal, seja na redação dada pela LC n° falar em fraude à execução na espécie. em 21/05/2019, DJe 30/05/2019). Tri-
118/05, presume a ocorrência de frau- Nesse sentido: butário e Processual Civil. Alienação
de à execução quando, no primeiro de Bem de Família. Execução Fiscal
caso, a alienação se dá após a citação Processual Civil e Tributário. em Curso. Fraude. Não ocorrência. 1.
do devedor na execução fiscal e, no Agravo Interno no Agravo em Recur- Não gera prejuízo para o Fisco o afas-
segundo caso, a presunção ocorre so Especial. Fraude à execução fiscal. tamento da fraude à execução em re-
quando a alienação é posterior à ins- Bem de família. Alienação de bem lação a imóvel considerado bem de
crição do débito tributário em dívida imóvel. Manutenção da cláusula de família, impenhorável por força de
ativa. No caso sub judice, o imóvel foi impenhorabilidade. Agravo interno lei. Caso se anulasse a venda a tercei-
doado em 24.02.2003 (e-fls. 23) poste- da Fazenda Nacional a que se nega ro, a conseqüência seria o retorno do
riormente à citação do executado/J. provimento. 1. O acórdão objurgado bem ao patrimônio do devedor. Inte-
A. M. (pai do embargante), em está em consonância com o enten- ligência do artigo 3º da Lei 8.009/90.
14.08.2001, na qualidade de represen- dimento desta Corte de que, em se 2. Recurso especial improvido. (REsp
tante legal da empresa (e-fls. 18-20 da tratando de único bem de família, o 846.897/RS, Rel. Ministro CASTRO
EF), e já na condição de responsável imóvel familiar é revestido de impe- MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado
tributário em 26.07.2002 (e-fls. 42-43 nhorabilidade absoluta, consoante a em 15/03/2007, DJ 23/03/2007, p. 397).
da EF), o que configura fraude à exe- Lei 8.009/1990, tendo em vista a pro-
cução. Nesse contexto, a despeito da teção à moradia conferida pela CF, Como relatado, o Tribunal a quo
importância da proteção contida na e de que não há fraude à execução posicionou-se de forma contrária a
Lei n° 8.009/90, deve ser afastada a na alienação de bem impenhorável, este entendimento, motivo por que se
impenhorabilidade do imóvel, pois tendo em vista que o bem de família revela correto o provimento do recurso
não se justifica tal proteção quando jamais será expropriado para satis- especial do ora agravado.
o doador procura blindar seu pa- fazer a execução, não tendo o exe- Embora não merecedor de acolhi-
trimônio dentro da própria família quente qualquer interesse jurídico mento, o agravo interno, no caso, não

224 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


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16 3617 8511 • 16 981250971
TRABALHISTA

se revela manifestamente inadmissível 12/09/2023 a 18/09 /2023, por unanimi- ACÓRDÃO


ou improcedente, razão pela qual não dade, decidiu negar provimento ao re- Vistos, relatados e discutidos estes au-
deve ser aplicada a multa do § 4º do art. curso, nos termos do voto do Sr. Minis- tos de Recurso de Revista com Agravo
1.021 do CPC/2015. tro Relator. Os Srs. Ministros Benedito nº TST-RRAg-20233-69.2018.5.04.0351,
Ante o exposto, NEGO PROVIMEN- Gonçalves, Sérgio Kukina, Regina He- em que é Agravante e Recorrente PO-
TO ao agravo interno. lena Costa e Paulo Sérgio Domingues LIMIX CONCRETO LTDA. e é Agrava-
É como voto. votaram com o Sr. Ministro Relator. do e Recorrido SIND DOS TRAB NAS
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro IND DA CONSTRUÇÃO E DO MOB DE
TERMO Paulo Sérgio Domingues. GRAMADO.
A PRIMEIRA TURMA do Superior Tri- Brasília, 19 de setembro de 2023  A reclamada interpõe agravo de ins-
bunal de Justiça, em sessão virtual de trumento às fls. 825/832 contra a decisão
de fls. 818/820 do TRT da 4ª Região, por
meio da qual foi admitido parcialmente
seu recurso de revista, apenas em rela-
Trabalhista ção ao tema “contribuição assistencial”.
Contraminuta apresentada às fls.
840/847.
Dispensada a remessa dos autos ao
CONTRIBUIÇÕES ASSISTENCIAIS
Ministério Público do Trabalho, nos
termos do Regimento Interno do TST.
686.207 EMPRESA NÃO É OBRIGADA A REPASSAR É o relatório.

CONTRIBUIÇÃO ASSISTENCIAL SE AO TRABALHADOR VOTO


I – AGRAVO DE INSTRUMENTO
NÃO FOI ASSEGURADO O DIREITO DE OPOSIÇÃO AO
1 – CONHECIMENTO
DESCONTO Conheço do agravo de instrumento
porque foram atendidos os pressupos-
tos legais de admissibilidade, entre os
Tribunal Superior do Trabalho
quais a tempestividade às fls. 848/849; a
Agravo de Instrumento em Recurso de Revista n. 20233-69.2018.5.04.0351
representação processual às fls. 737; e o
Órgão Julgador: 8a. Turma
preparo às fls. 813/816.
Fonte: DJ, 30.10.2023
Relator: Ministro Sergio Pinto Martins
2 – MÉRITO
PRAZO PRESCRICIONAL APLICÁVEL
EMENTA ÀS CONTRIBUIÇÕES ASSISTENCIAIS
I – Agravo de Instrumento em Recurso de Revista regido pela lei O Tribunal Regional denegou segui-
mento ao recurso de revista com fulcro
nº 13.467/17 – Prazo prescricional aplicável às contribuições as-
nas alíneas “a” e “c” do art. 896 da CLT.
sistenciais. § 9º do art. 896 da CLT e Súmula 442 do TST. Nega-se A reclamada insurge-se contra a
provimento ao agravo de instrumento quando não demonstrada decisão denegatória e sustenta que o
a viabilidade do processamento do recurso de revista. Agravo de prazo prescricional aplicável à preten-
instrumento a que se nega provimento. II – Recurso de Revista – são de recolhimento das contribuições
assistenciais é de cinco anos, devendo
Contribuição assistencial patronal. Empresa não associada. Au-
ser declaradas prescritas as contri-
sência de previsão do direito de oposição. Tema 935 da tabela de buições anteriores a 4/6/2013. Indica
repercussão geral. Nos termos do tema 935 da tabela de repercus- afronta aos arts. 8º da CLT, 205 do CC,
são geral do STF, “É constitucional a instituição, por acordo ou con- 487, II, e 1.013, § 1º, do CPC e 7º, XXIX,
venção coletivos, de contribuições assistenciais a serem impostas da Constituição da República, além de
contrariedade à Súmula 308, I, do TST.
a todos os empregados da categoria, ainda que não sindicalizados,
Traz arestos para o cotejo de teses.
desde que assegurado o direito de oposição”. No presente caso não
Não tem razão, contudo.
foi assegurado à reclamada o direito de oposição à cobrança das Em sede de embargos de declara-
contribuições assistenciais, o que fere a sua liberdade de associa- ção, o TRT assim se manifestou:
ção e sindicalização (arts. 5º, XX, e 8º, V, da Constituição da Repúbli-
ca). Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. “A demandada alega omissão no
Acórdão, sob o fundamento de que

226 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


ACÓRDÃOS EM DESTAQUE

deveria ser examinada a arguição com juros de mora e correção mone- a) Conhecimento
de prescrição quinquenal formula- tária conforme critérios a serem de- Contribuição assistencial patronal.
da em contestação, diante do provi- finidos em liquidação de sentença;”, Empresa não associada. Ausência de
mento do apelo do autor. não deveria este Colegiado apreciar previsão do direito de oposição. Tema
Ao contrário do sustentado pelo a arguição de prescrição quinquenal 935 da tabela de repercussão geral
réu, a prescrição arguida em contes- feita em contestação, porquanto já A reclamada sustenta que a cobran-
tação foi examinada em sentença, havia manifestação do Juízo, contra ça de contribuição confederativa e as-
nos seguintes termos (Id a6b74d5 a qual o réu não se voltou. sociativa de empregados não sindicali-
– Pág. 2): Assim, não há omissão a ser sa- zados fere a liberdade de associação e
nada e, por tais fundamentos, RE- sindicalização. Indica afronta aos arts.
DA PRESCRIÇÃO JEITO os embargos de declaração 5º, XX, e 8º, V, da Constituição da Repú-
No que tange às contribuições da ré.” (fls. 792/794) blica, além de contrariedade à OJ 17 da
assistenciais previstas em Conven- SDC do TST e ao Precedente Normati-
ção Coletiva de Trabalho, embora Trata-se de recurso de revista inter- vo 119 do TST. Traz arestos para o cotejo
tenham como suporte fático a exis- posto no rito sumaríssimo, que possui de teses.
tência do contrato de trabalho, são estrita via de conhecimento, nos ter- Reconheço a existência de trans-
obrigações de natureza civil. mos do § 9º do art. 896 da CLT e Súmula cendência política no tema na forma
Assim, o prazo prescricional a 442 do TST. Dessa forma, a análise do do inciso II do § 1º do art. 896-A da CLT,
ser aplicado é o estabelecido no art. apelo restringir-se-á às alegações de considerando a possível violação de en-
205 do Código Civil c/c art. 8º da contrariedade à Súmula 308, I, do TST tendimento vinculante do STF.
CLT, tendo em vista não haver prazo e violação do inciso XXIX do art. 7º da Tem razão.
de prescrição específico para a ma- Constituição. O Tribunal Regional, quanto ao
téria. Logo, a prescrição dos referi- E tais preceitos não dispõem espe- tema, assentou os seguintes funda-
dos créditos é de 10 anos. cificamente sobre o fundamento ado- mentos:
Considerando que o pedido é re- tado pelo Regional para não acolher a
ferente às contribuições devidas a insurgência da recorrente, no sentido “Conforme tenho decidido (v.g.,
partir de 2012, não há prescrição a de que incide a preclusão na análise da RO nº 0020131-94.2014.5.04.0122, jul-
ser pronunciada. matéria, diante da ausência de recurso gado em 03/02/2016, por mim rela-
Ainda, o Magistrado fez constar ordinário questionando a prescrição. tado), a jurisprudência brasileira
expressamente do dispositivo: “II – Ausente a transcendência da maté- inclina-se para a restrição de con-
PREJUDICIALMENTE, não pronun- ria, em quaisquer de suas modalidades. tribuições do gênero, intituladas de
ciar a prescrição;” Nego provimento. “contribuição assistencial”, “taxa as-
Destarte, ao ser provido o recurso sistencial” ou similares, cujo nomen
do autor para “condenar a ré no pa- II – RECURSO DE REVISTA juris não importa, mas que, na sua
gamento de: a) contribuições assis- Presentes os pressupostos extrínsecos motivação, visam apenas subsidiar
tenciais dos exercícios 2012, 2013, 2014, de admissibilidade do apelo, entre os a atuação sindical. Neste sentido, o
2015, 2016 e 2017, além das multas con- quais a tempestividade às fls. 817 e 849; Precedente Normativo 119 do TST:
vencionais correspondentes (obser- a representação processual às fls. 737; e “Contribuições sindicais – Ino-
vada a limitação do art. 412 do CC), o preparo às fls. 813/816. bservância de preceitos constitu-

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DIÇÃO 86 I FEV
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TRABALHISTA

cionais – A Constituição da Re- ratificada pelo Brasil através do De- subsidiar a atuação classista obrei-
pública, em seus arts. 5º, XX e 8º, creto Legislativo 49/1952, acerca da ra, ou patronal, com instrumentos
V, assegura o direito de livre asso- aplicação dos princípios do direito que respaldem as justas reivindi-
ciação e sindicalização. É ofensiva de sindicalização e de negociação cações das categorias em todos os
a essa modalidade de liberdade coletiva, com o seguinte aporte sentidos, como a contribuição ne-
cláusula constante de acordo, complementar à liberdade sindical: gocial dos instrumentos coletivos
convenção coletiva ou sentença “– proteção contra despedida de trabalho para fazer frente aos
normativa estabelecendo contri- e atos discriminatórios relativos gastos com o processo de negocia-
buição em favor de entidade sindi- à livre filiação às entidades sindi- ção coletiva.
cal a título de taxa para custeio do cais; Explico: embora a Constituição
sistema confederativo, assisten- – proteção contra a despedida de 1988 preconize a liberdade sin-
cial, revigoramento ou fortaleci- e atos discriminatórios originados dical, ao mesmo tempo, mantém o
mento sindical e outras da mesma da participação em atividades sin- sindicalismo brasileiro atrelado à
espécie, obrigando trabalhadores dicais; unicidade sindical, por meio da qual
não sindicalizados. Sendo nulas – proteção contra atos de inge- o trabalhador, bem como a empre-
as estipulações que inobservem rência das empresas e de sindica- sa, tem a liberdade limitada de se
tal restrição, tornam-se passíveis tos antagônicos na constituição, associar ou não ao sindicato único
de devolução os valores irregular- funcionamento e administração da categoria – o sindicato oficial.
mente descontados.” sindical da entidade de classe.” Historicamente tem se revelado
Identicamente, a Súm. 666 do um sistema deficiente para a defesa
STF preconiza: “a contribuição con- Mais contundentes, os arts. 3º dos direitos sociais, com honrosas
federativa de que trata o art. 8º, IV, e 4º da Convenção 98 dispõem que exceções, já que nem sempre os
da Constituição, só é exigível dos fi- “mecanismos apropriados às condi- processos eletivos e as práticas de
liados ao sindicato respectivo”. ções nacionais serão criados, se ne- algumas entidades primam pela
Este Relator, contudo, entende cessário, para assegurar o respeito democracia e combatividade nas
que, se a legislação social estabele- conquistas da classe.
ce as condições mínimas de traba-
A Súmula 666 do STF Neste norte, não há dúvida de
lho e direitos e garantias mínimas que uma contribuição negocial, ad-
advindas das relações de trabalho, preconiza: “a contribuição vinda do árduo processo de institui-
claro está que é justo que os ganhos confederativa de que trata ção de um instrumento coletivo de
negociados pela entidade sindical, trabalho que venha refletir impor-
seja para o trabalhador, seja para a artigo da Constituição só tantes conquistas para a categoria,
classe econômica, possam ser legiti- é exigível dos liados ao seja um mecanismo interessante,
mamente cobrados de associados e senão indispensável, para garantia
não associados, uma vez que o ins-
sindicato respectivo” ampla do direito de sindicalização
trumento coletivo de trabalho es- e de negociação coletiva, podendo
praia seus efeitos e benefícios para do direito de sindicalização definido ser instituído a associados ou não
toda a categoria. nos artigos anteriores” e “medidas associados, pois o êxito será com-
Isto não agride a liberdade sindi- apropriadas às condições nacionais partilhado por todos.
cal, pelo contrário, a reafirma como serão tomadas, se necessário, para Caso o instrumento coletivo
garantia de uma negociação cole- estimular e promover o pleno desen- obtenha resultado ínfimo, como
tiva equilibrada e justa, na medida volvimento e utilização de mecanis- consequência, a administração do
em que a arrecadação advinda do mos de negociação voluntária entre sindicato quedará desacreditada
instrumento coletivo negociado empregadores ou organizações de pela categoria, com reflexos diretos
subsidiará a do próximo e assim por empregadores e organizações de na baixa adesão associativa da enti-
diante, refletindo ganhos em escala trabalhadores, com o objetivo de dade, colocando em xeque sua legi-
crescente ou estagnados consoante regular, mediante acordos coletivos, timidade enquanto não promover
o êxito ou não do processo e o mérito termos e condições de emprego”. a combatividade necessária para a
da gestão sindical no emprego des- O cruzamento e a interpretação tutela dos interesses da classe eco-
tes recursos, o que é avaliado a todo sistêmica da liberdade sindical com nômica. A cobrança de uma contri-
momento pela classe através da ade- o direito de sindicalização e de ne- buição negocial, nestas condições,
são sindical (filiação) – mais conquis- gociação coletiva, adaptados à rea- resultará em desastre político para
tas, mais adesão, e vice-versa, como lidade brasileira, pressupõem o for- a gestão sindical, e ainda sujeita os
também nas eleições sindicais (ava- talecimento da estrutura sindical, atores à investigação do Ministério
liação meritória da administração). nacionalmente ainda incipiente, o Público, o que, por si só, não des-
Ainda, é necessário buscar os que pode ser feito mediante a per- merece o instituto da contribuição
elementos da Convenção 98 da OIT, missão de fontes de custeio aptas a negocial senão revela a mera pos-

228 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


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TRABALHISTA

sibilidade de seu mau uso, como de no âmbito de representação das normativa é devida por todos os
qualquer outra instituição humana, entidades convenentes, às relações integrantes da categoria, sejam
comportamento para o qual o sis- individuais de trabalho de todos os eles associados ou não do sindi-
tema já contempla as medidas cor- integrantes da categoria profissio- cato respectivo”. Apelo não provi-
retivas necessárias (anulação, im- nal, independentemente de serem do. (TRT da 4ª Região, 2ª Turma,
probidade administrativa sindical, estes associados ou não ao sindi- 0020721-96.2016.5.04.0382 RO, em
restituição de valores descontados, cato (art. 611, CLT)”, tendo em vista 03/08/2018, Desembargador Ale-
etc.). que “o suporte financeiro resultante xandre Correa da Cruz)
Obviamente, uma negociação da contribuição associativa tem es- Recurso do sindicato autor.
coletiva bem embasada, com sub- treita vinculação com as próprias Contribuição assistencial. Ado-
sídios técnicos às reivindicações, é conquistas normativas decorrentes tada a Súmula 86 deste Regional,
cara e tem de ter fonte de custeio da negociação coletiva e que benefi- enquanto não revogada, ainda
própria, caso contrário, a alocação cia toda a categoria profissional ou que conhecido o recente enten-
de recursos da atuação sindical, que econômica.” dimento assumido pelo STF, que
não se esgota, de maneira alguma, Assim, entendo que não existe veda cobrança de contribuição
na negociação, pode inviabilizar ou qualquer atentado à liberdade in- assistencial a trabalhadores não
comprometer seriamente a gestão dividual de associação (art. 5º, XX, sindicalizados, conforme ARE
sindical em seu sentido mais amplo, da Constituição da República) no 1018459, com repercussão geral re-
que compreende, por exemplo, a as- instituto ora analisado, pois não se conhecida, a qual não tem trânsi-
sistência judicial e nas rescisões de trata de obrigação à filiação a sin- to em julgado, até esta data. (TRT
contratos. dicato ou à contribuição regular da 4ª Região, 2ª Turma, 0020293-
Neste sentido, dadas as peculia- para seu sustento econômico, mas 21.2017.5.04.0531 RO, em 02/03/2018,
ridades e deficiências do sistema tão somente do dever de coopera- Desembargadora Tania Rosa Ma-
sindical brasileiro, a resposta à in- ção no sustento de uma parcela das ciel de Oliveira)
dagação relativa à possibilidade de despesas suportadas pelo sindicato, Contribuição assistencial. Nos
livre instituição de contribuições em função da negociação coletiva, termos da Súmula 86 deste Tribu-
para associados e não associados retribuindo assim, ainda que mini- nal Regional, a contribuição assis-
nos instrumentos coletivos de tra- mamente, os benefícios auferidos tencial prevista em normas coleti-
balho como componente integrante pela atuação sindical. vas é devida independentemente
dos postulados previstos nas Con- Entendo, portanto, devida pelo de filiação sindical do empregado,
venções 87 e 98 da OIT, é positiva. empregado a contribuição assis- no intuito de fomentar o fortale-
Portanto, entendo que os precei- tencial, sempre que houver norma cimento das entidades sindicais,
tos internacionais relativos à liber- coletiva que a institua. desde que não formalizada oposi-
dade sindical e negociação coletiva No caso, a questão restou pa- ção do empregado ao referido des-
autorizam a conclusão de que é cificada no âmbito deste Tribunal conto. (TRT da 4ª Região, 2ª Tur-
legítima a livre instituição de con- após julgamento do Incidente de ma, 0021483-24.2017.5.04.0012 RO,
tribuição negocial para associados Uniformização de Jurisprudência em 03/08/2018, Desembargadora
e não associados, observada a razo- nº 0002993-58.2015.5.04.0000, a par- Tânia Regina Silva Reckziegel)
abilidade desta fonte de custeio. tir do qual foi editada a Súmula 86 Desta forma, restando com-
Com efeito, o direito do sindica- desta Corte, que fixou o seguinte provada a legitimação do sindica-
to impor contribuição assistencial entendimento: to autor para instituir o desconto
a todos os integrantes da categoria Contribuição assistencial. Des- da contribuição assistencial nos
profissional ou econômica encontra contos. Não filiado. A contribuição moldes do previstos na norma
fundamento legal no art. 513, “e”, da assistencial prevista em acordo, coletiva (por exemplo, cl. 64ª da
CLT, e advém da obrigatoriedade convenção coletiva ou sentença CCT 2014/2015, Id f5fc72f – Pág.
imposta pela Constituição da Repú- normativa é devida por todos os 25), merece provimento o recurso.
blica à participação das entidades integrantes da categoria, sejam eles Relativamente às multas prevista
sindicais na negociação coletiva associados ou não do sindicato res- nas normas coletivas, o valor da
(art. 7º, XXVI e 8º, VI, da Constitui- pectivo. cominação não poderá exceder o
ção da República). Nesse sentido, colaciono a juris- da obrigação principal, em razão
Como apontado pelo eminente prudência desta Corte: de sua natureza acessória, confor-
Relator no voto supra citado, tal ne- Contribuição assistencial sin- me a Orientação Jurisprudencial
gociação, traduzida em convenções dical. 54 da SDI-1 do TST:
coletivas e de caráter normativo, Nos termos da súmula 86 Multa. Cláusula penal. Valor
insere-se “na esfera da autonomia deste tribunal, a “contribuição superior ao principal. O valor da
coletiva dos sindicatos e estipulam assistencial prevista em acordo, multa estipulada em cláusula pe-
condições de trabalho aplicáveis, convenção coletiva ou sentença nal, ainda que diária, não poderá

230 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


ACÓRDÃOS EM DESTAQUE

ser superior à obrigação principal dicalizados, desde que assegurado o


corrigida, em virtude da aplicação direito de oposição” (g.n.)
do artigo 412 do Código Civil de
2002 (art. 920 do Código Civil de No presente caso, estão sendo co-
1916). bradas contribuições assistenciais de
Registro que não há na petição empresa não associada ao sindicato-
inicial o pedido de aplicação de -autor sem o direito de oposição, o que
multa do art. 600 da CLT, restrin- fere a liberdade de associação e sindi-
gindo-se o pedido às multas nor- calização.
mativas. Indefiro o pedido, com Portanto, conheço do recurso de re-
relação às prestações vincendas, vista por afronta aos arts. 5º, XX, e 8º, V,
na medida em que a imposição de da Constituição da República.
contribuição assistencial decorre
de negociação coletiva. b) Mérito
Por fim, destaco que não há pe- Contribuição assistencial patronal.
dido do sindicato autor para que Empresa não associada. Ausência de
sejam recolhidas contribuições previsão do direito de oposição. Tema
assistenciais de trabalhadores 935 da tabela de repercussão geral.
pertencentes à categoria profis- Conhecido o recurso de revista
sional diferenciada (motoristas), por violação dos arts. 5º, XX, e 8º, V, da
como refere a demandada em con- Constituição da República, a consequ-
trarrazões (Id b62a85b), razão pela ência lógica é o seu provimento para
qual deixa-se de apreciar o pedido se indeferir as contribuições assisten-
de exclusão, no aspecto. ciais e multas pleiteadas, julgando-se
Isto considerado, dou provi- totalmente improcedente a ação de
mento ao recurso ordinário do cobrança.
sindicato autor, para condenar a Na forma do item III da Súmula
ré no pagamento das contribui- 219 do TST, condena-se o autor no pa-
ções assistenciais dos exercícios gamento de honorários advocatícios
2012, 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017, no percentual de 15% sobre o valor da
além das multas convencionais causa.
correspondentes (observada a li- Custas de R$ 545,80, calculadas
mitação do art. 412 do CC), com ju- sobre o valor atribuído à causa, R$
ros de mora e correção monetária 27.289,59, a cargo do sindicato-autor.
conforme critérios a serem defini-
dos em liquidação de sentença.” ISTO POSTO
(fls. 777/781) ACORDAM os Ministros da Oitava Tur-
ma do Tribunal Superior do Trabalho,
O Supremo Tribunal Federal, no jul- por unanimidade: I – negar provimento
gamento dos embargos de declaração ao agravo de instrumento; e II – conhe-
opostos no ARE 1.018.459, decidiu, por cer do recurso de revista por violação
maioria, acolher o recurso com efeitos dos arts. 5º, XX, e 8º, V, da Constituição
infringentes, para admitir a cobrança e, no mérito, dar-lhe provimento para
da contribuição assistencial prevista indeferir as contribuições assistenciais
no art. 513 da Consolidação das Leis do e multas pleiteadas, julgando total-
Trabalho, inclusive aos não filiados ao mente improcedente a ação de cobran-
sistema sindical, assegurando ao traba- ça e condenando o autor no pagamento
lhador o direito de oposição. de honorários advocatícios no percen-
A tese aprovada para o tema 935 da tual de 15% sobre o valor da causa e de
tabela de repercussão geral ficou esta- custas processuais de R$ 545,80, calcu-
belecida da seguinte forma: ladas sobre o valor atribuído à causa,
de R$ 27.289,59.
“É constitucional a instituição, Brasília, 25 de outubro de 2023.
por acordo ou convenção coletivos, Firmado por assinatura digital (MP
de contribuições assistenciais a se- 2.200-2/2001)
rem impostas a todos os emprega- SERGIO PINTO MARTINS
dos da categoria, ainda que não sin- Ministro Relator 

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 231


TRIBUTÁRIO

utilidade pública do bem es-


Tributário tiver em vigor, pedido que foi
julgado procedente. A mera
edição de decreto de declara-
DESAPROPRIAÇÃO
ção de utilidade pública sobre
bem imóvel não implica em
686.208 DECRETO QUE DECLARA UM BEM DE automática restrição ao direi-
UTILIDADE PÚBLICA NÃO IMPÕE RESTRIÇÕES to de propriedade, por não re-
tirar do proprietário do bem o
IMEDIATAS AO DIREITO DE PROPRIEDADE; ASSIM, O direito de usar, gozar e dispor

PROPRIETÁRIO DEVE CONTINUAR PAGANDO O IPTU do mesmo, até o ajuizamento


da ação de desapropriação,
com a imissão na posse pela
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios
Administração Pública. Pre-
Apelação Cível n. 0719561-74.2022.8.07.0018
Órgão Julgador: 7a. Turma cedentes do c. STJ. Na hipó-
Fonte: DJ, 25.10.2023 tese, a proprietária do bem
Relatora: Desembargadora Sandra Reves somente esteve privada dos
seus direitos no período em
EMENTA que o Poder Público esteve na
Apelação. Tributário. Prejudicial de prescrição parcial. Acolhida. posse direta do imóvel, entre
Ação declaratória de inexistência de relação jurídico-tributária. 19/3/2018 e 10/8/2020, sendo
Restituição de valores pagos a título de IPTU/TLP. Decreto de de- indevida, portanto, a cobran-
claração de utilidade pública. Limitação ao direito de proprieda- ça do tributo dos respectivos
de. Inocorrência. Desapropriação. Imissão na posse. Tributo inde- exercícios. Considerando que
vido. Restituição. Atualização do débito. Juros de mora a partir do o fato gerador do tributo em
trânsito em julgado. Selic. Cumulação. Impossibilidade. Recurso questão ocorre em 1º de ja-
conhecido e provido. Ajuizada a ação em 30/12/2022, todos os cré- neiro de cada ano, são indevi-
ditos pagos antes de 30/12/2017 estão fulminados pela prescrição dos, ou seja, somente devem
quinquenal. Logo, não podem ser objeto de cobrança/restituição ser restituídos os tributos
os valores pagos em 12/6/2017 pelo apelado, referentes ao exercí- referentes aos exercícios de
cio de 2017. Preliminar acolhida para declarar a prescrição parcial 2019 e 2020, ocasião em que
do débito cobrado. Trata-se, na origem, de ação declaratória de a própria Administração Pú-
inexistência de relação jurídico-tributária e restituição de valores blica figurava na condição de
pagos a título de IPTU/TLP. A parte autora apelada é proprietária contribuinte, nos termos do
do bem imóvel gerador do tributo cobrado desde o ano de 2012. art. 34 do CTN. Fixada a inci-
Em 8/9/2017, o Governo do Distrito Federal publicou o Decreto n. dência da taxa Selic sobre o
38.396 declarando a utilidade pública do bem para efeito de de- débito a partir da vigência da
sapropriação, designando a Terracap para que promovesse o res- Lei Complementar Distrital
pectivo processo com recursos próprios. Colhe-se dos autos que n. 943/2018, ante a impossibili-
a Terracap ajuizou ação de desapropriação por interesse público dade de cumulação com qual-
(Processo n. 0702390-46.2018.8.07.0018) em 19/3/2018, obtendo de- quer outro índice, afigura-se
cisão para imissão na posse do bem no mesmo dia. Em 13/7/2020, inviável, na hipótese, a esti-
a parte pediu desistência da ação de desapropriação, o que foi pulação de juros de mora a
homologado pelo Juízo em 10/8/2020. A autora apelada, então, partir do trânsito em julgado
aduziu a limitação ao seu direito de propriedade e pleiteou a res- da ação. Recurso conhecido e
tituição dos valores pagos pelo IPTU/TLP enquanto o decreto de provido.

232 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


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TRIBUTÁRIO

ACÓRDÃO por cento) sobre o valor atualizado da aplicar a taxa Selic a partir de 1/6/2018,
Acordam os Senhores Desembargado- causa, nos termos do art. 85, §2º, do não cabendo a cumulação com juros de
res do(a) 7ª Turma Cível do Tribunal de CPC. mora.
Justiça do Distrito Federal e dos Ter- Opostos embargos de declaração Assim, pugna pelo acolhimento
ritórios, SANDRA REVES – Relatora, pelo réu (ID 50584533), estes foram da prejudicial de prescrição dos valo-
MAURICIO SILVA MIRANDA – 1º Vogal rejeitados pelo Juízo de origem (ID res referentes ao período anterior a
e FABRÍCIO FONTOURA BEZERRA – 50584534). 30/12/2017. No mérito, requer o conhe-
2º Vogal, sob a Presidência do Senhor Em suas razões recursais (ID cimento e o provimento do recurso
Desembargador ROBSON BARBOSA 50584536), o apelante suscita prejudi- para reformar parcialmente a r. Sen-
DE AZEVEDO, em proferir a seguin- cial de prescrição para restituição do tença a fim de julgar improcedente
te decisão: CONHECIDO. PROVIDO. crédito tributário relativo ao período o pedido ou, sucessivamente, para
UNÂNIME., de acordo com a ata do jul- anterior a 30/12/2017, ante o decurso do afastar a exigência do tributo apenas
gamento e notas taquigráficas. prazo de 5 (cinco) anos. com relação ao período em que houve
Brasília (DF), 11 de outubro de 2023 No mérito, aduz a legalidade da co- imissão na posse por decorrência do
Desembargadora SANDRA REVES brança do imposto, em razão da supos- processo de desapropriação, compre-
Relatora ta ocorrência do fato gerador previsto endendo os exercícios de 2019 e 2020,
nas normas que regem a matéria. Sobre devendo incidir sobre o débito apenas
RELATÓRIO esse aspecto, ressalta que a autora seria a taxa Selic.
Trata-se de recurso de apelação inter- a proprietária do imóvel desde o ano de Sem preparo, diante da isenção legal.
posto pelo Distrito Federalcontra sen- 2012. Contrarrazões ao ID 50584539 pug-
ten ça proferida pelo Juízo da nando pelo desprovimento do recurso.
3ª Vara Cível da Fazenda Pública do É o relatório.
DF(ID 50584531) que, nos autos da ação A edição de decreto de
de declaração de inexistência de rela-
declaração de utilidade VOTOS
ção jurídico-tributária e restituição de A Senhora Desembargadora SANDRA
indébito ajuizada por Solider Constru- pública sobre bem REVES – Relatora
ção e Incorporação Ltda., julgou proce- imóvel não implica em Presentes os pressupostos de ad-
dentes os pedidos iniciais para: missibilidade, conheço do recurso.
a) DECLARAR a inexistência de
automática restrição ao Da prejudicial de mérito de pres-
relação jurídico-tributária entre a direito de propriedade crição
autora e o Distrito Federal relativa Conforme anotado, o apelante sus-
ao IPTU/TLP do imóvel situado no cita prejudicial de prescrição para res-
Lote n. 35 da Quadra SCL/SUL 207 Sul, Assevera que a suspensão caute- tituição do crédito tributário relativo
durante a vigência do Decreto Dis- lar do alvará de construção não altera ao período anterior a 30/12/2017, ante o
trital n. 38.396/2017; b) CONDENAR o o fato gerador ou o contribuinte do decurso do prazo de 5 (cinco) anos.
requerido à devolução à requerente IPTU/TLP. Na hipótese, não controvertem as
dos valores de IPTU/TLP pagos no pe- Salienta que o decreto que declarou partes quanto ao prazo prescricional
ríodo compreendido entre 2017 e 2023 o bem como de interesse público para aplicável à pretensão de restituição de
e; c) AUTORIZAR o levantamento do o fim de desapropriação não limitou o indébito ser de 5 (cinco) anos. A des-
valor depositado pela requerente em direito de propriedade da autora. peito, importa esclarecer o termo ini-
Juízo, atualizado, após o trânsito em Destaca somente ter sido iniciado o cial para a contagem do referido lapso
julgado. processo para desapropriação do imóvel prescricional.
Deverão incidir juros de mora de no ano de 2018, tendo havido posterior Quanto ao ponto, é certo que o pra-
1% ao mês desde a data de trânsito em desistência, com homologação e trânsi- zo em questão, relativo à pretensão
julgado. Já a correção monetária deve to em julgado no ano de 2021. Nesse sen- de ressarcimento de valores pagos a
ocorrer da seguinte maneira: a) de tido, argumenta que, ainda que se enten- título de IPTU/TLP, inicia-se a partir
14/2/2017 a 31/05/2018, utiliza-se o INPC, da que com a imissão na posse ocorreu do respectivo pagamento, nos termos
desde que a soma desse índice com os a limitação do direito de propriedade da do art. 168, I, do Código Tributário Na-
juros de 1% a.m. não exceda o valor da autora, tal fato somente abrangeria o pe- cional[1].
taxa aplicável aos tributos federais (Se- ríodo de 21/3/2018 a 10/8/2020, de modo Nesse sentido, é o entendimento
lic) e; b) a partir de 1º/6/2018 (data da en- que ainda seria obrigação da autora, na perfilhado por esse e. Tribunal, confira-
trada em vigor da LC n. 943/2018) deve condição de contribuinte do imposto, o -se:
incidir a Taxa Selic. recolhimento do IPTU dos anos de 2017, Apelação cível. Tributário. Restitui-
Ante a sucumbência, o réu foi con- 2018, e de 2021 em diante. ção. Tributo pago em valor maior que
denado ao pagamento de honorários Quanto à atualização do valor de- o devido. Prazo quinquenal. Termo
advocatícios, estes fixados em 10% (dez vido, assevera somente ser possível inicial. Prescrição. Ocorrência. Inexis-

234 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


ACÓRDÃOS EM DESTAQUE

tência de hipótese de interrupção do sentido de que nos tributos em que há


prazo prescricional. Recurso despro- o lançamento direto, ou de ofício, como
vido. 1. A hipótese trata da fixação do o IPTU e outras taxas municipais, o
termo inicial para a contagem do prazo prazo prescricional para se pleitear a
quinquenal da prescrição no caso de repetição do indébito é de cinco anos,
pretensão de restituição do montante contados a partir da data em que se
do tributo pago em valor maior que o deu o pagamento do tributo, nos ter-
devido. 2. Em caso de tributo pago em mos do art. 168, I, do CTN. (...). (AgRg
valor maior que o devido, o início da no Ag n. 1.409.513/RS, relator Ministro
contagem do prazo prescricional quin- Mauro Campbell Marques, Segunda
quenal para o exercício da pretensão Turma, julgado em 18/10/2011, DJe de
à restituição do valor do indébito é a 24/10/2011.)
data da extinção do crédito tributário No caso em apreço, a ação foi ajui-
pelo pagamento (art. 165, I e 168, I, am- zada em 30/12/2022. Assim, todos os
bos do CTN). 3. No caso em deslinde créditos pagos antes de 30/12/2017 es-
a sentença que extinguiu a execução tão fulminados pela prescrição quin-
fiscal em razão do pagamento do tri- quenal. Logo, não podem ser objeto
buto no âmbito de restituição os
do programa de
O imposto sobre a valores pagos pelo
regularização fis- apelado antes do
cal “RECUPERA/ propriedade predial termo a quoreferi-
DF” transitou em e territorial urbana do, como é o caso
julgado aos 25 de do IPTU/TLP do
março de 2015,
tem como fato gerador exercício de 2017,
tendo sido propos- a propriedade, o pago em 12/6/2017
ta a demanda cujo
domínio útil ou a posse (ID 50584500).
objeto consiste na Diante do ex-
restituição do va- de bem imóvel posto, acolho a pre-
lor pago a maior judicial de mérito
somente aos 30 de setembro de 2020. para declarar a prescrição dos créditos
Inexistência de hipótese de interrup- pagos antes de 30/12/2017, insuscetíveis
ção do prazo prescricional. 4. Recur- de restituição.
so conhecido e desprovido. (Acórdão
1355734, 07064603820208070018, Rela- Mérito
tor: ALVARO CIARLINI, 2ª Turma No mérito, o apelante aduz a legalida-
Cível, data de julgamento: 14/7/2021, de da cobrança do imposto, por ser a
publicado no DJE: 5/8/2021. Pág.: Sem apelada a legitimada para recolhê-
Página Cadastrada.) -lo, por constar como proprietária do
Registre-se que tal entendimento imóvel na época em que ocorreram os
está alinhado ao posicionamento do c. fatos geradores da cobrança. Suces-
STJ sobre a matéria, consoante prece- sivamente, pleiteia o afastamento da
dente a seguir colacionado: exigência do tributo apenas com rela-
Processual civil. Agravos regimen- ção ao período em que houve imissão
tais. IPTU. Ação anulatória de lança- na posse por decorrência do processo
mento fiscal. Cumulada com repetição de desapropriação, compreendendo
de indébito. Prescrição. Termo a quo. os exercícios de 2019 e 2020, devendo
Prescrição quinquenal. Data do paga- incidir sobre o débito apenas a taxa
mento do tributo. Taxa de lixo. Área Selic.
do imóvel. Matéria de cunho consti- Nos termos do art. 32 do CTN, o fato
tucional. Inviabilidade de apreciação gerador do IPTU é a propriedade, o do-
nesta via recursal. Repercussão geral mínio útil ou a posse do bem imóvel,
reconhecida pelo stf no re 602.347/ confira-se:
MG. Sobrestamento do julgamento do Art. 32. O imposto, de competência
recurso especial. Descabimento. Au- dos Municípios, sobre a propriedade
sência de interesse recursal. (...) 2. A ju- predial e territorial urbana tem como
risprudência desta Corte Superior é no fato gerador a propriedade, o domí-

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 235


TRIBUTÁRIO

nio útil ou a posse de bem imóvel por Art. 6o Este Decreto entra em vigor são da propriedade por terceiros. De-
natureza ou por acessão física, como na data de sua publicacao. sapropriação. Imissão na posse pelo
definido na lei civil, localizado na zona Colhe-se dos autos que a Terracap poder público após o fato gerador. Ar-
urbana do Município. ajuizou ação de desapropriação por tigo 34 do CTN. Exação indevida. Pos-
Na espécie, o bem imóvel gerador interesse público (Processo n. 0702390- se do município expropriante exercida
do crédito tributário em discussão foi 46.2018.8.07.0018) em 19/3/2018, obtendo antes da autorização judicial de imis-
adquirido pela apelada em 29/8/2012, decisão para imissão na posse do bem são provisória. Loteamento e benfei-
conforme cópia da escritura pública no mesmo dia. Em 13/7/2020, a par- torias na área. Animus apropriandi.
anexada ao ID 50584499. te autora pediu desistência da ação, 1. Hipótese em que o município alega,
Em 8/9/2017, o Governo do Distrito o que foi homologado pelo Juízo em além da violação do art. 535, II, do CPC,
Federal publicou o Decreto n. 38.396 10/8/2020. seja reconhecido ao proprietário do
declarando a utilidade pública do bem Firmadas essas premissas, na estei- imóvel a legitimidade de figurar como
imóvel para efeito de desapropriação, ra do entendimento assentado pelo c. sujeito passivo do tributo (IPTU – ano
designando a Terracap para que pro- STJ, entende-se que a mera edição de de 1991), não obstante a propriedade
movesse o respectivo processo com decreto de declaração de utilidade pú- ter sido invadida por terceiros e, por
recursos próprios: blica sobre bem imóvel não implica em fim, desapropriada pelo próprio ente
O GOVERNADOR DO DISTRITO automática restrição ao direito de pro- público. 2. A Corte de origem manifes-
FEDERAL, no uso das atribuicoes que priedade, por não retirar do proprie- tou-se sobre todas as questões indis-
lhe confere o artigo 100, inciso VII, da tário do bem o direito de usar, gozar e pensáveis ao deslinde da controvérsia,
Lei Organica do Distrito Federal, e ten- dispor do mesmo, até o ajuizamento da motivo pelo qual não há falar em vio-
do em vista o disposto nos artigos 2o e ação de desapropriação, com a imissão lação ao art. 535, II, do CPC. 3. O artigo
5o, alineas “i” e “k” e artigo 6o, todos do na posse pela Administração Pública. 34 do CTN dispõe que: “Contribuinte
Decreto-Lei no 3.365, de 21 de junho de Nesse sentido, colham-se precedentes do imposto é o proprietário do imó-
1941, DECRETA: da Corte Cidadã: vel, o titular do seu domínio útil, ou o
Art. 1o Fica declarada a utilidade seu possuidor a qualquer título”. 4. “Ao
publica, para fins de desapropriacao, do O CTN dispõe que legislador municipal cabe eleger o su-
lote 35 (sem edificacao) da Quadra 207, jeito passivo do tributo, contemplando
do SCL/SUL RUV (Restaurante Unida-
“contribuinte do imposto qualquer das situações previstas no
de de Vizinhanca), Brasilia, Distrito Fe- é o proprietário do imóvel, CTN. Definindo a lei como contribuin-
deral, matricula no 96.421, do Cartorio
o titular do seu domínio te o proprietário, o titular do domínio
do 1o Oficio do Registro de Imoveis do útil, ou o possuidor a qualquer títu-
Distrito Federal, de propriedade de So- útil, ou o seu possuidor lo, pode a autoridade administrativa
lider Construcao Incorporacao e Em- a qualquer título” optar por um ou por outro visando
preendimentos Ltda, inscrita no CNPJ/ a facilitar o procedimento de arre-
MF sob o no 05.543.961/0001-66. cadação” (REsp 475.078/SP, Rel. Min.
Art. 2o A desapropriacao objetiva a Administrativo e tributário – Desa- Teori Albino Zavascki, DJ 27.9.2004).
manutencao, conservacao e melhora- propriação – Declaração de utilidade 5. “A simples declaração de utilidade
mento das vias de pedestres, ciclovia e pública – IPTU – Responsabilidade – pública, para fins de desapropriação,
dos logradouros publicos contiguos ao Proprietário do imóvel. A simples de- não retira do proprietário do imóvel o
imovel, a preservacao da flora nativa e claração de utilidade pública, para fins direito de usar, gozar e dispor do seu
da paisagem consolidada do local. de desapropriação, não retira do pro- bem, podendo até aliená-lo. Enquan-
Art. 3o Cabe a Companhia Imobi- prietário do imóvel o direito de usar, to não deferida e efetivada a imissão
liaria de Brasilia – TERRACAP, na for- gozar e dispor do seu bem, podendo de posse provisória, o proprietário do
ma do artigo 3°, VI, da Lei n° 5.861/72, até aliená-lo. Enquanto não deferida e imóvel continua responsável pelos im-
promover com recursos proprios a de- efetivada a imissão de posse provisó- postos a ele relativos” (REsp 239.687/
sapropriacao de que trata o presente ria, o proprietário do imóvel continua SP, Primeira Turma, Rel. Min. Garcia
Decreto. responsável pelos impostos a ele rela- Vieira, DJ de 20.3.2000). 6. Não obs-
Art. 4o Ficam as autoridades distri- tivos. Recurso parcialmente provido. tante a posse legal da municipalidade
tais autorizadas a penetrar no imovel (REsp n. 239.687/SP, relator Ministro tenha ocorrido somente em 1992 com
objeto da declaracao, na forma prevista Garcia Vieira, Primeira Turma, julgado o autorização judicial para imissão na
no art. 7o do Decreto-Lei no 3.365, de 21 em 17/2/2000, DJ de 20/3/2000, p. 51.) posse, o que lhe garantiria o direito de
de junho de 1941. Processual civil. Administrativo. cobrança da exação referente ao ano
Art. 5o E declarada a urgencia da Tributário. Embargos à execução fis- anterior do proprietário, o fato é que
desapropriacao, para os fins do dispos- cal. Art. 535, II, do CPC. Omissão. Não ela já havia ingressado na área antes,
to no artigo 15 do Decreto-Lei no 3.365, ocorrência. IPTU. Cobrança. Sujeito loteando-a e implementando melhora-
de 21 de junho de 1941. passivo. Proprietário do imóvel. Inva- mentos como asfalto, energia elétrica

236 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


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entre outros, o que lhe retira o direito fixação da aplicação da taxa Selic para se destina. (STF. Plenário. RE 870947/
de cobrar a exação do proprietário. 7. atualização do débito a partir da en- SE, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em
Não se pode exigir do proprietário o trada em vigor da Lei Complementar 20/9/2017)
pagamento do IPTU quando sofreu Distrital n. 943/2018, importa tecer as O Superior Tribunal de Justiça, por
invasão de sua propriedade por tercei- seguintes considerações. seu turno, no julgamento do REsp Re-
ros, defendeu-se através dos meios ju- O Supremo Tribunal Federal, no petitivo n. 1.495.146/MG, além de con-
rídicos apropriados e foi expropriado julgamento do RE n. 870.947/SE, sob a firmar a inaplicabilidade do art. 1º-F da
pela municipalidade, sendo que esta, sistemática da repercussão geral, de- Lei n. 9.494/97 (com redação dada pela
antes de receber a autorização judicial finiu as seguintes teses a respeito dos Lei n. 11.960/2009) para fins de corre-
para imissão provisória, ingressou na índices de correção monetária e juros ção monetária, especificou os critérios
área com o ânimo de desapropriante. aplicáveis em condenações contra a Fa- aplicáveis nas diferentes hipóteses de
8. Recurso especial não provido. (REsp zenda Pública: condenações contra a Fazenda Pública.
n. 1.111.364/SP, relator Ministro Benedi- 1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com Para as condenações judiciais de
to Gonçalves, Primeira Turma, julgado a redação dada pela Lei nº 11.960/09, natureza tributária, a Corte Superior
em 25/8/2009, DJe de 3/9/2009.) na parte em que disciplina os juros estabeleceu o seguinte:
De igual modo, não se depreende moratórios aplicáveis a condenações Processual civil. Recurso especial.
que a suspensão de alvará de constru- da Fazenda Pública, é inconstitucional Submissão à regra prevista no enun-
ção pelo GDF, aludida pela apelada, ao incidir sobre débitos oriundos de ciado administrativo 02/STJ. Discus-
constituía limitação ao direito de pro- relação jurídico-tributária, aos quais são sobre a aplicação do art. 1º-f da lei
priedade da autora, mormente quando devem ser aplicados os mesmos juros 9.494/97 (com redação dada pela lei
não juntado aos autos qualquer docu- de mora pelos quais a Fazenda Pública 11.960/2009) às condenações impostas
mentação sobre esse aspecto, a fim de remunera seu crédito tributário, em à fazenda pública. Caso concreto que
se aferir os reais motivos para revoga- respeito ao princípio constitucional da é relativo a indébito tributário. Teses
ção/suspensão do alvará de construção jurídicas fixadas. [...] 3.3
anteriormente deferido.
A taxa de juros incidente Condenações judiciais de nature-
Assim, não se depreende do acervo za tributária. A correção monetária e
probatório que a Administração Públi- na repetição de indébito a taxa de juros de mora incidentes na
ca tenha efetivamente limitado o direi- tributário deve repetição de indébitos tributários de-
to de propriedade da apelada quanto ao vem corresponder às utilizadas na co-
bem em comento em momento anterior
corresponder à utilizada brança de tributo pago em atraso. Não
à imissão na posse decorrente da deci- na cobrança de tributo havendo disposição legal específica, os
são judicial na ação de desapropriação,
pago em atraso juros de mora são calculados à taxa de
bem como em momento posterior à ho- 1% ao mês (art. 161, § 1º, do CTN). Ob-
mologação do pedido de desistência da servada a regra isonômica e havendo
referida ação, impedindo o uso, gozo e isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto previsão na legislação da entidade
fruição pela real proprietária. às condenações oriundas de relação tributante, é legítima a utilização da
Desse contexto, vislumbra-se que jurídica não-tributária, a fixação dos taxa Selic, sendo vedada sua cumula-
a proprietária do bem somente esteve juros moratórios segundo o índice de ção com quaisquer outros índices. [...]
privada dos seus direitos no período remuneração da caderneta de pou- (REsp 1.495.146/MG 2014/0275922-0. Re-
em que o Poder Público esteve na pos- pança é constitucional, permanecen- lator: Ministro Mauro Campbell Mar-
se direta do imóvel, entre 19/3/2018 e do hígido, nesta extensão, o disposto ques. Data de Julgamento: 22/2/2018.
10/8/2020, sendo indevida, portanto, a no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a DJe: 2/3/2018)
cobrança do tributo dos respectivos redação dada pela Lei nº 11.960/09; e A propósito, em 22/4/2015, o STJ já
exercícios. 2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a havia aprovado o enunciado de súmula
Considerando que o fato gerador redação dada pela Lei nº 11.960/09, na n. 523 do STJ, que assim dispõe: “A taxa
do tributo em questão ocorre em 1º de parte em que disciplina a atualização de juros de mora incidente na repetição
janeiro de cada ano, são indevidos, ou monetária das condenações impostas de indébito de tributos estaduais deve
seja, somente devem ser restituídos os à Fazenda Pública segundo a remu- corresponder à taxa utilizada para co-
tributos referentes aos exercícios de neração oficial da caderneta de pou- brança do tributo pago em atraso, sen-
2019 e 2020, ocasião em que o próprio pança, revela-se inconstitucional ao do legítima a incidência da Selic, em
Poder Público estava na posse direta impor restrição desproporcional ao ambas as hipóteses, quando prevista
do bem e, portanto, figurava na condi- direito de propriedade (CRFB, art. 5º, na legislação local, vedada sua cumula-
ção de contribuinte, nos termos do art. XXII), uma vez que não se qualifica ção com quaisquer outros índices”.
34 do CTN. como medida adequada a capturar a Ademais, de acordo com o verbete
Quanto à incidência de juros a par- variação de preços da economia, sen- de súmula n. 162 da Corte de Cidadania,
tir do trânsito em julgado, a despeito da do inidônea a promover os fins a que na repetição de indébito tributário, a

238 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


ACÓRDÃOS EM DESTAQUE

correção monetária incide a partir do preços, que reflita a variação de preços malizadas em processo administrativo
pagamento indevido. ao consumidor. próprio.
No âmbito do Distrito Federal, o art. § 3º A multa de mora prevista no O referido dispositivo legal foi
2º da Lei Complementar n. 435/2001 tra- inciso II deste artigo será de 5% (cinco objeto de exame no Incidente de Ar-
tava sobre a incidência de atualização por cento) quando efetuado o paga- guição de Inconstitucionalidade n.
monetária, multa e juros sobre os tri- mento até 30 (trinta) dias corridos após 2016.00.2.031555-3, julgado pelo Conse-
butos da competência distrital: a data do respectivo vencimento. lho Especial deste Tribunal de Justiça
Art. 2º Sobre os tributos da compe- § 4º Na hipótese do parágrafo an- do Distrito Federal e Territórios.
tência do Distrito Federal, vencidos e terior, finalizado o prazo de 30 (trinta) Por meio da técnica da declaração
não extintos ou excluídos, parcelados dias em dia não útil, a multa de mora de inconstitucionalidade parcial sem
ou não, inscritos ou não na dívida ativa, de cinco por cento será aplicada até o redução do texto, o artigo foi conside-
inclusive aqueles em fase de execução primeiro dia útil subsequente. rado incompatível com a Constituição
fiscal, assim como sobre os valores re- § 5º Aplicar-se-á a atualização pre- Federal na situação em que os fatores
lativos a multas e acréscimos de natu- vista no inciso I deste artigo para as hi- de atualização monetária nele ado-
reza tributária, incidirá: póteses de repetição do indébito fiscal tados excedam o valor do índice de
– atualização monetária mensal cal- correção dos tributos federais (Selic) –
culada pela variação mensal do INPC; Acórdão n. 1001884, 20160020315553AIL,
– multa de mora de 10% (dez por cen-
Nos termos do art. 167 do Relator: Waldir Leôncio Lopes Júnior,
to), calculada sobre o valor atualizado Conselho Especial, Data de Julga-
monetariamente, ressalvadas as multas CTN, a restituição vence mento: 14/2/2017, Publicado no DJE:
específicas previstas na legislação; juros não capitalizáveis, 15/3/2017. Pág.: 196-198.
– juros de Mora equivalente a 1% A decisão começou a produzir
(um por cento) ao mês ou fração de
a partir do trânsito efeitos na data de julgamento da ar-
mês, aplicados por capitalização sim- em julgado da decisão guição de inconstitucionalidade, ou
ples, a partir do mês subsequente ao do
denitiva que a determina seja, em 14/2/2017 (Acórdão n. 1053121,
vencimento. 20160020315553AIL, Relator: Humberto
§ 1º No primeiro dia útil de cada mês Ulhôa, Conselho Especial, Data de Jul-
o Secretário de Fazenda e Planejamen- ou de compensação de tributos, a par- gamento: 10/10/2017, Publicado no DJE:
to do Distrito Federal divulgará o valor tir do mês do pagamento indevido, ou 13/10/2017. Pág.: 72).
do INPC para aquele mês de referência a maior, até o segundo mês anterior ao Em 1/6/2018, a Lei Complementar
de cálculo, que deverá refletir a varia- da publicação da decisão administrati- Distrital n. 943/2018 entrou em vigor e
ção do INPC do segundo mês anterior va concedente do direito de restituição alterou o art. 2º do ato normativo aci-
ao de referência do cálculo. ou compensação. ma mencionado, que passou a ter a se-
§ 2º Na ausência do INPC o Secre- § 6º A Atualização prevista no pa- guinte redação:
tário de Fazenda e Planejamento do rágrafo anterior somente se aplica às Art. 2º Sobre os tributos da com-
Distrito Federal deverá promover a sua hipóteses de repetição do indébito fis- petência do Distrito Federal vencidos
substituição por outro índice oficial de cal ou de compensação de tributos for- incide multa de mora de 10%, que será

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ANO 36
AN 6 I EDI
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EDIÇÃO
ÇÃO 686 I FEV/MAR
686 FEV 2
2024
024 239
TRIBUTÁRIO

reduzida para 5% quando o pagamento Nesse sentido, colha-se precedente STJ, a fim de que a atualização dos va-
for efetuado até 30 dias corridos após a desse e. Tribunal: lores do indébito tributário anteriores
data do respectivo vencimento. Processo civil. Tributário. Rejul- à 1º/6/2018 ocorra pela correção da va-
§ 1º Finalizado em dia não útil o pra- gamento. Comando da presidência. riação mensal do INPC a partir da data
zo de 30 dias a que se refere o caput, a Observância do artigo 1.040, inciso II, do pagamento indevido (LC nº 435/01,
multa de mora de 5% é aplicada até o do cpc. Aplicação de precedente vincu- em redação anterior), não havendo
primeiro dia útil subsequente. lante. Tema 905/STJ. Débito tributário. incidência de juros moratórios no per-
§ 2º Sobre o montante a que se re- Repetição de indébito. Atualização dos centual de 1% (um por cento) ao mês,
fere o caput incidem juros de mora valores devidos. Juros moratórios e porquanto devidos somente a partir
equivalentes à taxa referencial do correção monetária. Correspondên- do trânsito em julgado, reservada a
Sistema Especial de Liquidação e Cus- cia com o débito em atraso. Previsão aplicação exclusiva da Taxa Selic de
tódia – SELIC, para títulos federais, de aplicação da selic. Possibilidade. junho de 2018 emdiante, sem a cumu-
acumulada mensalmente, calculados Impossibilidade de cumulação com lação com juros moratórios ou outros
a partir do primeiro dia do mês sub- outros índices. Enquadramento do índices. 4. Recurso conhecido e par-
sequente ao vencimento do prazo até acórdão ao tema 905. 1. Cuida-se de co- cialmente provido. (Acórdão 1717714,
o último dia do mês anterior ao do mando de rejulgamento determinado 07388334520218070000, Relator: MA-
pagamento, e juros de 1% no mês do pela Egrégia Presidência desta Corte RIA DE LOURDES ABREU, 3ª Turma
pagamento. de Justiça nos termos do artigo 1.040, Cível, data de julgamento: 15/6/2023,
§ 3º Na falta da taxa SELIC, os juros inciso II, do Código de Processo Civil, publicado no DJE: 4/7/2023. Pág.: Sem
de mora são calculados nos termos da le- em razão de suposta divergência do Página Cadastrada.)
gislação aplicável aos tributos federais. acórdão prolatado por ocasião do jul- Com essas considerações, conheço
§ 4º Na hipótese de restituição de gamento de agravo de instrumento e o do recurso e dou-lhe provimento para
tributos em moeda corrente ou me- Tema 905 do Superior Tribunal de Jus- reformar parcialmente a r. sentença
diante compensação, nas modalidades a fim de determinar a restituição do
de estorno contábil ou compensação De acordo com a Súmula IPTU/TLP indevidamente recolhido
financeira, aplicam-se juros equiva- correspondente aos exercícios de 2019 e
lentes à taxa SELIC, acumulada men-
162 da Corte de Cidadania, 2020, afastando a incidência de juros de
salmente, a partir do primeiro dia do na repetição de indébito mora, ante a impossibilidade de cumu-
mês subsequente ao do recolhimento
tributário a correção lação com a taxa Selic.
indevido ou a maior, e juros de 1% no Diante do provimento do recurso,
mês em que ocorra a restituição ou a monetária incide a partir verifica-se a ocorrência de sucumbên-
compensação. do pagamento indevido cia recíproca e proporcional, de modo
Nesse contexto, conclui-se que: que os honorários advocatícios devem
a) até 13/2/17, a atualização mone- tiça. 2. O acórdão reexaminado recla- ser rateados em partes iguais entre os
tária deve ter como base o INPC; b) ma enquadramento para se adequar litigantes e devem incidir na fração de
de 14/2/17 a 31/5/18, a correção é pelo aos termos do precedente vinculante 10% (dez por cento) sobre o valor da
INPC, desde que a soma desse índice estampado no Tema 905/STJ (artigo condenação, nos termos do art. 85, § 3º,
com juros não exceda o valor da taxa 927, inciso III, do Código de Processo I, do CPC, cumulado com o art. 86 do
aplicável aos tributos federais (Selic); Civil), onde se definiu que, nas conde- mesmo Código.
e c) a partir de 1º/6/18, deve incidir a nações judiciais de natureza tributá- É como voto.
Taxa Selic, vedada sua cumulação com ria, “[a]correção monetária e a taxa de [1]Art. 168. O direito de pleitear a res-
outros índices. juros de mora incidentes na repetição tituição extingue-se com o decurso do
Nos termos do art. 167, parágrafo de indébitos tributários devem corres- prazo de 5 (cinco) anos, contados:
único, do CTN: “a restituição vence ju- ponder às utilizadas na cobrança de I – nas hipótese dos incisos I e II do
ros não capitalizáveis, a partir do trân- tributo pago em atraso. Não havendo artigo 165, da data da extinção do crédi-
sito em julgado da decisão definitiva disposição legal específica, os juros de to tributário; (Vide art 3 da LCp nº 118,
que a determinar”. mora são calculados à taxa de 1% ao de 2005)
Na hipótese, considerando que o mês (art. 161, § 1º, do CTN). Observada O Senhor Desembargador MAURI-
trânsito em julgado ainda não ocorreu a regra isonômica e havendo previsão CIO SILVA MIRANDA – 1º Vogal
e que não há verbas a serem restituí- na legislação da entidade tributante, é Com o relator
das referentes a período anterior a legítima a utilização da taxa Selic, sen- O Senhor Desembargador FABRÍ-
1/6/2018, já não se vislumbra viável a do vedada sua cumulação com quais- CIO FONTOURA BEZERRA – 2º Vogal
fixação de juros de mora sobre o débi- quer outros índices. (REsp n. 1.495.146/ Com o relator
to, ante a incidência da Selic e a impos- MG, relator Ministro Mauro Campbell
sibilidade de cumulação com qualquer Marques, DJe de 2/3/2018)”. 3. Na espé- DECISÃO
outro índice. cie, é cogente a aplicação do Tema 905/ Conhecido. Provido. Unânime. 

240 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


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Marcus Roberto da Silva ADVOGADO ESPECIALISTA EM DIREITO IMOBILIÁRIO

HIPERCOMPLEXIDADE DOS
CONTRATOS DE INCORPORAÇÃO

A
s incorporações imobiliárias podem ser 1.1: antes: necessário o registro da incorpo-
encontradas em nosso dia a dia, nas ração, com a referência à exigência de prazo de
pequenas e grandes cidades, através de carência (art. 32). Só após o registro, o incorpo-
edifícios e condomínios residenciais e rador estará legalmente habilitado a oferecer o
comerciais. empreendimento no mercado. Se ele fizer o lan-
A incorporação imobiliária tem tipicidade na çamento antes do registro, comete contraven-
Lei 4.591/64, com regência em todo o território ção contra a economia popular (art. 65);
nacional. Consoante se preceitua no seu art. 1.2: durante: é obrigatória a assinatura do con-
28, parágrafo único, “para efeito desta Lei, con- trato, que mencionará: o número do registro da
sidera-se incorporação imobiliária a atividade incorporação (art. 30, § 2º), o nome dos responsá-
exercida com o intuito de promover e realizar veis pelo custeio da construção, a existência de
a construção para alienação total ou parcial de ônus real ou fiscal (art. 37), o modo de pagamen-
edificações ou conjunto de edificações compos- to do preço da construção, o custo da fração ide-
tas por unidades autônomas”. al do terreno, e dar andamento regular às obras
Já o art. 29, caput, define o incorporador se o imóvel está ocupado e a que título, e quais
como sendo a pessoa (física ou jurídica) que, as condições de desocupação (art. 38), e outras
embora não efetue a construção, compromisse previstas nos arts. 32 e seguintes da Lei 4.591/64;
ou efetive a venda de frações ideais do terreno 1.3: depois: averbar a construção (art. 44), elabo-
objetivamente a vinculação das frações às uni- rar o instrumento de instituição do condomínio,
dades autônomas futuras em edificações sob especificando e discriminando as frações ideais
regime condominial. do terreno, as partes de propriedade exclusiva e
Para que o incorporador construa e transfira comum. No que se refere à averbação, é obrigação
a propriedade da unidade autônoma e para que do incorporador obter o “habite-se” junto à auto-
os futuros adquirentes tenham segurança jurí- ridade competente. Ressalta-se que o construtor
dica no negócio jurídico entabulado haverão de é solidariamente responsável (art. 44, § 1º, da Lei
ser formalizados, em todas as etapas da incor- 4.591/64) se o incorporador não promover o ato.
poração imobiliária, diversos contratos típicos 2º) As contratuais, que envolvem a transfe-
e atípicos, haja vista que a obrigação do incor- rência como vendedor ou procurador do dono do
porador é de resultado. terreno, da fração ideal vendida: firmar a escritura
Desta forma, os contratos de incorporação definitiva de compra e venda da fração ideal do
imobiliária ficam submetidos às obrigações de terreno; firmar a escritura definitiva de venda da
duas espécies: fração ideal do terreno, transmitindo a proprie-
1º) As legais, que dizem respeito ao empreen- dade, se houver prometido a venda, ou se for pro-
dimento, antes, durante e após sua conclusão: mitente permutante; promover a construção do

242 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


Marcus Roberto da Silva PRÁTICA JURÍDICA

Para que o incorporador construa e transra a propriedade da unidade autônoma


e para que os futuros adquirentes tenham segurança jurídica no negócio
entabulado haverão de ser formalizados diversos contratos típicos e atípicos

edifício dividido em unidades autônomas, estabe- e) Típico: é considerado um contrato típico,


lecendo o plano de obras e, eventualmente, as con- porque é regido por uma legislação específica,
dições da construção; entregar aos adquirentes as ou seja, pela Lei 4.591/64.
unidades autônomas devidamente averbadas. f) De execução continuada: em razão da exe-
Desse modo, os contratos de incorporação cução da obra não se efetivar de imediato, sen-
imobiliária são hipercomplexos, possuindo ca- do que, normalmente, o pagamento se faz em
racterísticas específicas, vejamos: prestações sucessivas, enquanto o erguimento
a) Bilateral ou sinalagmático: porque decor- da construção segue um ritmo de etapas, até
re de obrigação assumida de ambas as partes, ou chegar a sua conclusão final.
seja, o incorporador administrando a construção g) Solene: tem que exigir, para a sua validade
até a entrega das unidades autônomas, vincula- e imposição, a formalização através de vários
das a uma fração ideal do terreno, e os adquiren- requisitos, como a celebração por meio de um
tes se obrigando ao pagamento do preço ajustado; instrumento escrito, devendo levar a termo
b) Oneroso: porque ambas as partes perse- o arquivamento de uma série de documentos,
guem vantagens, havendo sacrifício recíproco. estando estes relacionados no art. 32 da Lei
O adquirente paga o preço para receber a unida- 4.591/64, com a formalização do registro imobi-
de autônoma, enquanto o incorporador busca a liário e o seu deferimento.
remuneração pelo serviço que presta e que con- Essas são as características do contrato de
segue pela concretização do empreendimento; incorporação imobiliária que o tornam hiper-
c) Comutativo: as prestações de um lado de- complexo, devendo o operador do direito se
vem manter correspondência ou equivalência atentar a todas essas características quando da
exata, evitando desproporções injustas ou van- sua elaboração e análise. 
tagens exageradas para um dos contratantes;
d) Consensual: é consensual porque é esta-
Marcus Roberto da Silva. Advogado espe-
belecido em conformidade com as declarações
cialista em Direito Imobiliário e Condomi-
de vontade das partes contratantes, através de
nial. Administrador de Empresas. Professor
um instrumento escrito, não podendo ser im-
Universitário.
posto unilateralmente;

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R
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URI NO 36
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686 243
ALÉM DO DIREITO

“O advogado é indispensável à administração


BROCARDOS da justiça, sendo inviolável por seus
Avocatus non ladrum.
(Advogado não é ladrão.) atos e manifestações no exercício da
prossão, nos limites da lei”
Quis custodiet custodes?
(Quem guarda os guardas?) Artigo 133 da Constituição da República
Parce sepulto.
(Poupe a quem está
sepultado.)
PEQUENAS HISTÓRIAS
Tollitur quaestio.

M
(Acabou-se a discussão.) inha tia é advogada. Cer- há uma reunião marcada com a
ta vez, ela ajudou um Amazon “com objetivo de fechar
Hereditas viventis non
senhor mineiro que veio uma parceria”.
datur.
(Não há herança de pessoa morar no mesmo bairro que Comentários no Instagram
viva.) nós. O trabalho dela foi resol- do @memesjuridicosbr:
ver alguns problemas burocrá- “O que a maçã ganhou com
In cauda venenum. ticos, coisa administrativa. Ela a Apple?”
(Na cauda está o veneno.) não cobrou nada. No outro dia, “Uberlândia já pode proces-
Verba volant scripta ele levou a ela dois cachos de sar o Uber”.
manent. banana, 30 ovos e dois queijos “A loja Pernambucanas
(As palavras voam, os imensos. (Felippe Regazio) também terá que indenizar o
escritos permanecem.) estado de Pernambuco”.
*** “Espírito Santo, deus quer
marcar uma reunião com
E essa? O governador
você”.
do Amazonas, Wilson Lima
TRÊS CITAÇÕES (União Brasil), parte para Du-
***
bai, nos Emirados Árabes Uni-
VENENOSAS dos, onde ocorre a Conferência Casal de namorados foi pre-
Quando se quer mudar os das Nações Unidas sobre as so por tráfico. A mulher culpou
costumes e as maneiras, Mudanças Climáticas (COP) o parceiro e exigiu que, depois
não se deve mudá-las 28, com uma missão: cobrar a do ocorrido, eles se casassem.
pelas leis. Amazon, de Jeff Bezos, pelo Como era a primeira passagem
(Montesquieu) uso do nome. de ambos pela polícia, o advo-
“A Amazon usa o nome do gado disse que, provavelmente,
s Amazonas, usa o nome da Ama-
zônia. Quanto é que a gente ga-
os dois seriam postos em liber-
dade na audiência de custódia.
As leis abundam nos nha por isso? A gente quer saber. Eis que o preso, um filósofo, diz
Estados mais corruptos. Esse é um dos questionamentos ao defensor:
(Tácito) que a gente vai fazer lá na COP”, “Doutor, às vezes o alvará
disse o governador a jornalistas de soltura é um mandado de
s antes de viajar. Segundo Lima, prisão invertido.”
Constituição brasileira.
Artigo único. Todo
brasileiro fica obrigado a “Um advogado sem livros é como um
ter vergonha na cara.
trabalhador sem ferramentas”
(Capistrano de Abreu)
(Thomas Jefferson)

244 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


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ALÉM DO DIREITO

JURISPRUDENCIAIS
GUARDA COMPARTILHADA dimentos em unidades de das vagas disponíveis.” (STF,
saúde públicas ou privadas, ADI 7483-MC, j. 21/11/2023)
“A guarda compartilhada é
o direito de fazer-se acom-
a regra, mas pode ser afas-
tada em razão de animo-
panhar por pessoa maior BEIJO FORÇADO
de idade, durante todo o
sidade existente entre os “O beijo lascivo integra o rol
período de atendimento, in-
pais que torne inviável a de atos libidinosos e confi-
dependentemente de notifi-
sua adoção.” (REsp 1888868 gura o crime de estupro se
cação prévia.”
– 04/12/2023). obtido mediante emprego
de força física do agressor
SURRA DE CINTO
MULHER GRÁVIDA contra vítima.” (STJ, RHC
“Desferir golpes com cinto 93906)
“Médico não pode acionar ou ‘cintadas’ não pode ser
polícia para investigar pa- considerado ‘ato socialmen-
ciente que praticou aborto.”
SHOW CANCELADO
te aceitável’ quando realiza-
(STJ, HC 783927). do pelos pais, inclusive sob “O cancelamento de evento
o pretexto de correição tra- musical por falha na pres-
ACABOU A FESTA dicional, pois o legislador tação do serviço gera dano
pátrio optou por proteger moral a ser indenizado.”
“OAB não pode cobrar anui-
a vida e a incolumidade de (STJ, AgRg no AREsp 98590)
dade de escritórios de advo-
crianças e adolescentes.”
cacia. Para o STJ, a anuidade
(REsp 1324976)
se destina apenas aos advo-
gados e estagiários.” (STJ,
REsp 2.015.612).
INDENIZAÇÃO
“Toda mulher vítima de
violência doméstica sofre
automaticamente dano mo-
ral a ser indenizado.” (STJ,
REsp 1643051) MENOR EM UNIÃO ESTÁVEL
“O fato de a vítima menor
100% DAS VAGAS de idade viver em união es-
“É inconstitucional a restri- tável com o réu apenas re-
DIREITO A ACOMPANHANTE ção de gênero de 10% das força o contexto da sexua-
“Entrou em vigor a Lei vagas para ingresso na po- lização precoce e não serve
14.737/2023, que confere a lícia militar às candidatas para afastar a ocorrência do
toda mulher, ao realizar mulheres. Mulheres devem crime de estupro de vulne-
consultas, exames e proce- concorrer entre a totalidade rável.” (REsp 1.979.739).

246 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


ALÉM DO DIREITO

VOCÊ É CONTRA OU A FAVOR DA EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA?

A
educação à distância tem Cursos na área da saúde que Das 2.595 instituições de ensi-
sido amplamente discu- requerem momentos de ati- no superior do Brasil, apenas
tida nos últimos meses. vidades práticas, presenciais, 312 são instituições públicas,
Isso porque houve uma decla- têm infraestrutura para aten- o que reflete a necessidade de
ração pública do ministro da der adequadamente seus manutenção do trabalho pri-
educação de que não há como alunos. Além disso, essas ati- vado na área de educação.
se formar um professor sem vidades práticas não se res- A educação à distância não
ter a experiência prática de tringem à área da saúde. Elas é nova como se apregoa. A
sala de aula; não há como se estão presentes em cursos de trajetória, devidamente docu-
ofertar um curso superior na design e engenharia, entre ou- mentada, remonta ao dia 20 de
área da saúde na modalidade tros, nos quais os alunos têm março de 1728, quando o jornal
à distância. diferentes ferramentas para a “Gazeta de Boston” publicou,
Essa declaração requer realização de suas aulas prá- em nome do professor de ta-
uma análise profunda de vá- ticas, que vão desde laborató- quigrafia Caleb Phillips, que
rios itens. O primeiro erro rios virtuais, laboratórios físi- “toda pessoa da região, desejo-
parte do próprio Ministério cos que recebem em casa e os sa de aprender esta arte, pode
da Educação (MEC) em achar laboratórios físicos existentes receber em sua casa várias li-
que no país só há um curso su- nos polos de apoio presencial ções semanalmente e ser per-
perior 100% presencial, ou um das instituições que ofertam feitamente instruída”. Lá se
curso superior 100% à distân- cursos na denominada EaD. vão três séculos de educação
cia. Não observa que, naqueles O Brasil tem 5.569 municí- à distância que somente ago-
cursos em que há a necessida- pios, mais o Distrito Federal ra está sendo questionada. A
de de atividades práticas, elas e mais o Distrito Estadual de EaD permitiu a capilarização
ocorrem inclusive quando um Fernando de Noronha. Desses, e a democratização do ensino
aluno está matriculado em somente 3.009 possuem al- no país, levando cultura onde
um curso à distância. gum curso superior, sendo que não há interesse político para
O que está faltando é o 1.904 possuem somente cursos fazer grandes investimentos.
MEC aceitar que há uma ter- na modalidade à distância. Fica então uma pergunta para
ceira modalidade amplamen- Em outras palavras, milhares o leitor: a quem interessa aca-
te utilizada pelas instituições de municípios brasileiros não bar com a educação à distân-
de ensino superior brasileiras, têm ensino superior 100% pre- cia no Brasil e, em consequ-
que é a modalidade híbrida. sencial e dificilmente terão, ência, impedir que brasileiros
Está faltando, também, uma por falta de recursos finan- que residem nos municípios
fiscalização profunda. Nesse ceiros para levar a educação em que não há faculdade pre-
caso, presencial e não à dis- aos locais mais longínquos do sencial permaneçam sem es-
tância, da infraestrutura das nosso território nacional. tudar? 
instituições de ensino supe- Em 2022 tivemos 85% das
rior que ofertam cursos nas matrículas nos cursos supe- (Nelson Pereira Castanheira –
áreas em que as atividades riores concentradas em 663 doutor em Engenharia de Pro-
práticas são exigidas. municípios com oferta pre- dução, professor e pró-reitor
O ensino híbrido já é uma sencial, ou seja, em menos de do Centro Universitário Inter-
realidade há muito tempo. 12% dos municípios do país. nacional UNINTER)

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 247


ALÉM DO DIREITO

“A constituição é uma muralha de papel”


(Napoleão Bonaparte)

COISAS DO DIREITO
KIT ADVOGADO RAIZ APRENDIZADO
Broche da OAB no terno; Um poder que a faculdade
gravata vermelha e cami- me deu foi o de escrever
sa preta; anel rubi; carteira com convicção sobre um
da OAB em brochura (não assunto que eu não tenho
usa PJE); pasta exclusiva de convicção nenhuma.
couro; sapato marrom.
ME PERDOA
ORA, ORA, OS HONORÁRIOS Eu menti para você. Não
E aquele cliente não havia tenho Netflix. Nós vamos
conseguido se aposentar. revisar as condenações do
Tentou de tudo, mas sozi- Brasil na Corte Interameri-
nho, sem auxílio jurídico. cana de Direitos Humanos.
Então contratou nosso es-
critório. Conseguimos su-
OUÇA O BOM CONSELHO
cesso porque trabalho e es-
tudo para saber o que fazer. Minha mãe falava coisas que
Agora que a aposentadoria eu achava um absurdo. Mas
saiu, ele não quer pagar os hoje entendo: 1) Não tenha
honorários. Achou caro. conta conjunta; 2) Case em
Não é fácil a vida de advo- comunhão parcial de bens;
gado. 3) Nunca diga o quanto ga-
nha a ninguém; 4) Não more
em terreno de parentes; 5)
VIDA DURA Não venda terreno que te-
De que adianta terapia, nha água; e 6) Não coloque
exercício físico, boa alimen- amiguinhos em sua casa.
tação, meditação, purifica-
ção das más energias cole-
tivas, se todo dia eu acordo
advogada?

“A advocacia é a prossão das esperanças.”


(Raul Haidar)

248 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


ALÉM DO DIREITO

“Não é preciso defender ‘bonito’.


É preciso defender ‘útil’.”
(Evandro Lins e Silva)

VACILOS JURÍDICOS
Juiz: O senhor possui ou- Aula de direito interna-
tros processos? cional público, 9º período.
Réu: Excelentíssimo, até A aluna pergunta: “Pro-
tenho, mas isso não vem ao fessor, onde fica o estado
caso. Foca nesse crime de laico?”
agora.
***
*** Um terço do que você
Cliente: Boa tarde, dou- aprendeu no direito já foi
tora. Quero saber se tenho revogado, outra parte foi
direito a uma herança da reformada e o resto está
minha tia-avó. Pode res- em vias de revogação ou
ponder? mudança. Ou seja, somos o
Advogada: Você quer coiote e o direito é o papa-
um conselho ou uma con- -léguas.
sulta?
Cliente: Qual a diferença? ***
Advogada: O conselho é Cinderela não precisa de
grátis e a consulta é paga. príncipe, precisa de advo-
Cliente: Quero o conselho. gado. Pai e mãe já morre-
Advogada: Aconselho vo- ram, aquela casa é dela.
cê a marcar uma consulta
para conhecer seu direito. ***
A juíza perguntou o esta-
*** do civil da testemunha, e ele
respondeu todo orgulhoso:
“Casado há quarenta anos e
ainda apaixonado”. O amor
é lindo.

***
Cliente: “Eu quero encer-
rar esse processo”. Advoga-
do: “Mas o senhor é o réu”. 

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 249


NÃO TROPECE NA LÍNGUA

Maria Tereza de Queiroz Piacentini


LICENCIADA EM LETRAS E MESTRE EM EDUCAÇÃO PELA UFSC.
REVISORA DA CONSTITUIÇÃO DE SANTA CATARINA DE 1989
linguabrasil@linguabrasil.com.br

Perguntas e respostas: mulheres Envio junto os dois relatórios. [em anexo


membras e juntas ou juntamente com este]
Tenho dúvidas em relação ao uso de “junto, Mandou a receita junto com as instruções.
juntos, junta, juntas”. Havia muitas mulheres Falem junto comigo. [ao mesmo tempo que
junto ou juntas? eu]
A palavra “junto” pertence a duas classes
morfológicas: pode ser adjetivo ou advérbio. Com o significado de “ao lado, perto”, usa-se a
locução prepositiva:
Como ADJETIVO, em função adnominal (1)
ou predicativa (2) e com o sentido de “posto Elas moravam junto de uma floresta.
em contato físico com; disposto de modo A loja que procurávamos ficava junto da
contíguo; em companhia de; reunido, unido”, igreja.
junto flexiona, isto é, tem feminino e plural: Dormem junto ao viaduto.
(1) Oremos de mãos juntas. Todos juntos! Construíram sua mansão junto à praia.
Três pés juntos foram fotografados.
Quero os dois arquivos juntos. Sendo assim, a rigor se usa o adjetivo nesta
Atirei duas pedras juntas. E juntas as frase: “Havia muitas mulheres juntas”. Ou seja,
encontrei. mulheres na companhia umas das outras. O
problema é somente a eufonia; não estamos
(2) As propriedades são juntas.
acostumados à flexão no feminino e por isso
Jerusa e Marlon estão juntos há anos.
ela nos parece estranha.
A turma estava junta para sair em
excursão. ***
O adjetivo junto com função predicativa pode Quando nos referimos a um grupo de
também aparecer ao lado de um verbo que mulheres que fazem parte de um determinado
não é de ligação, em sintaxe que conhecemos grupo, dizemos que elas são membros ou
por “predicado verbo-nominal”: membras?
Elas viviam juntas. [compare: “Elas viviam Acho melhor dizer que uma mulher é membro
felizes”] (efetivo, fundador ou outro adjetivo, quando
Moram juntas. [moram em companhia uma for o caso) do que membra (efetiva, fundadora
da outra] etc.).

Pais e filhos rezam juntos. Usar membra estaria de acordo com a


gramática, pois membro é substantivo
Crescem juntos com o Brasil. = Juntos
masculino terminado em o, e por isso,
crescem com o Brasil.
no sentido de pessoa que integra uma
Como ADVÉRBIO, portanto invariável, corporação, pode ter essa flexão no feminino.
o significado de junto é: “juntamente (o O dicionário Houaiss é o único que explicita o
contrário de separadamente), acompanhado fem. membra, anotando contudo que é pouco
de (em anexo); ao mesmo tempo”: usado. Então, no plural a forma preferencial
ou mais usada fica assim: “Elas são membros
“Junto dás as graças e os sentidos” [graças de um grupo de estudos”. 
e sentidos a uma só vez]

250 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


250 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024
AGENDA DE EVENTOS

FEVEREIRO IX Congresso Brasileiro de


Direito Penal
12ª ICC MENA Conference on DIAS 17 E 18.05
International Arbitration Fortaleza/CE
DIAS 26 E 27.02
Dubai – Emirados Árabes Unidos XV Simpósio Nacional de
Direito Constitucional
DIAS 30 A 01.06
MARÇO Curitiba/PR
8º ICC European Conference
on International Arbitration
DIAS 18 A 20.03
Paris – França
JUNHO
29ª Jornada Internacional de
Direito
Congresso Brasileiro de Direito
do Agronegócio DIAS 14 E 15.06
Gramado/RS
DIA 19.03
São Paulo/SP

AGOSTO
ABRIL III Congresso de Direito
Previdenciário da AAPREV
X Congresso Internacional de
Direito Tributário do Paraná DIAS 15 A 17.08
Recife/PE
DIAS 03 A 05.04
Curitiba/PR

2º ICC Tokyo Arbitration Day OUTUBRO


DIA 23.04 XVIII Congresso Brasileiro de
Direito Previdenciário
Tóquio – Japão
DIAS 25 A 30.10
Congresso Baiano de Direito Salvador/BA
das Famílias e das Sucessões
DIAS 25 A 27.04
Salvador/BA NOVEMBRO
XII Congresso Intercontinental

MAIO
de Direito Civil
DIAS 14 E 15
XVIII Conferência de Coimbra – Portugal 
Arbitragem Internacional do
Rio de Janeiro
DIA 14.05
Rio de Janeiro/RJ

252 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


ÍNDICE REMISSIVO

Temático-Onomástico

A ANTÔNIO DE FREITAS ISERHARD CLÁUDIO DE MELLO TAVARES


Locação por curto prazo por Contratação de músicos/ementa,
Abalo à autoestima/ementa, 166 aplicativo/acórdãos, 210 159
Abalo psíquico/ementa, 170 A respeito do médico empresário CLÁUDIO MASCARENHAS
Ações afirmativas/legislação, 154 individual/doutrina, 64 BRANDÃO
Acompanhamento à mulher/ ARNALDO CORRÊA SILVA Norma coletiva/ementa, 193
legislação, 152 Estelionato/ementa, 178 Compensação do ISS/ementa, 196
Acordo de não persecução nos crimes Assédio eleitoral/ementa, 193 Compromisso arbitral/ementa, 188
funcionais/tribuna livre, 20 Assistência judiciária gratuita/ Concubinato/ementa, 183
Adicional de insalubridade/súmula, ementa, 190 Contagem do prazo recursal/
157 Atleta profissional de futebol/ súmula, 157
AGOSTINHO TEIXEIRA súmula, 157 Contratação de músicos/ementa,
Indenização/ementa, 167 Atrasos do STF geram dívida 159
Agravamento intencional do risco/ bilionária/tribuna livre, 11 Contratação substitutiva de
ementa, 170 Autenticidade de documento/ empregado/súmula, 157
A instrumentalidade da ementa, 188 Cotas condominiais/súmula, 156
investigação penal/doutrina, 80 Auxílio-alimentação/súmula, 156 Cotas/legislação, 152
AISTON HENRIQUE DE SOUSA Crimes de trânsito/súmula, 156
Discurso de ódio/ementa, 168 B CRISTINA NASCIMENTO DE
ALBERTO BASTOS BALAZEIRO MELO
Penhora parcial/ementa, 194 Benefício assistencial à pessoa com Benefício/ementa, 182
Alienação do bem de família para o deficiência/ementa, 184
filho/acórdão, 223 Benefício/ementa, 182 D
Alienação fiduciária de imóvel/
ementa, 172 C Da prisão arbitrária ao projeto
Alienação fiduciária/legislação, 154 existencial/seleção do editor,
Alteração do valor da gratificação CAROLINE DE ANDRADE 132
especial/súmula, 157 STJ equilibra a balança entre Débito condominial/ementa, 171
ALUER BAPTISTA FREIRE JÚNIOR o credor fiduciário e o Decisão do STJ põe ordem em
A respeito do médico empresário condomínio/capa, 38 disputa de dívida condominial/
individual/doutrina, 64 CÉLIA PINHEIRO capa, 28
ALVARO CIARLINI Formalidade exacerbada/ementa, Decisão interlocutória e coisa
Desatenção a norma do SUS/ 160 julgada/doutrina, 102
ementa, 160 CELSO KIPPER Decisões relevantes do STF na área
ÁLVARO PALMA DE JORGE Modificação da situação de fato/ trabalhista/tribuna livre, 10
O que o Supremo impôs foi ementa, 182 Desatenção a norma do SUS/
o dever de checagem da CELSO SILVA FILHO ementa, 160
informação/entrevista, 22 Abalo à autoestima/ementa, 166 Descaracterização da mora/súmula,
Análise da crise da hermenêutica CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI 156
jurídica/doutrina, 122 Irrepetibilidade de valores Descarga elétrica em quadra
ANA MARIA DE OLIVEIRA recebidos de boa-fé/acórdão, 220 esportiva/ementa, 163
Compromisso arbitral/ementa, 188 CLAUDIA CRISTINA PEREIRA Deserção/ementa, 187
ANDRÉ TALLAREK DE QUEIROZ Assédio eleitoral/ementa, 194 DILMARI HELENA KESSLER
Decisão do STJ põe ordem em CLAUDIA DE LUCCA MANO Abalo psíquico/ementa, 171
disputa de dívida condominial/ Uso medicinal da cannabis em Direito à pensão/súmula, 156
capa, 28 animais/ponto final, 258

254 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


ÍNDICE REMISSIVO

Direito de crédito como fundamento GUARACI DE CAMPOS VIANNA


constitucional/doutrina, 46 Negligência do estabelecimento/
Direito de oposição à cobrança das ementa, 164
contribuições assistenciais/ Guarda compartilhada/legislação,
acórdãos, 226 153
Discurso de ódio/ementa, 168 GUILHERME BORSATTO
Dispensa do licenciamento Decisões relevantes do STF na área
urbanístico/súmula, 156 trabalhista/tribuna livre, 10
GUILHERME GONÇALVES
E STRENGER
Erro grosseiro/ementa, 191
EDMILSON ANTONIO DE LIMA
GURGEL DE FARIA
Hora-atividade/ementa, 192
Alienação do bem de família para
EDUARDO DE BRITO NETO
o filho/acórdão, 223
Responsabilidade civil do Estado/
Pessoa com deficiência/ementa, 158
ementa, 164
Entrega de mercadorias/súmula, 157
Erro grosseiro/ementa, 191
H
Estabilidade/ementa, 192 HIDEMBERG ALVES DA FROTA
Estelionato/ementa, 178 Da prisão arbitrária ao projeto
Estelionato majorado/ementa, 175 existencial/seleção do editor,
EZILDA PASTANA MUTRAN 132
Imposto sobre serviços/ementa, Hipercomplexidade dos contratos
198 de incorporação/prática jurídica,
242
F Hora-atividade/ementa, 192
FELIPE AMORIM BIESEMEYER Hospedagem em motel sem
Súmula 211 do STJ e limitações ao recursos para pagamento/
acesso à justiça/tribuna livre, 16 ementa, 176
Feminicídio/legislação, 153
FERNANDO BRAVIN RUY I
Movimentações financeiras/
Ilegalidade da decisão/ementa, 183
ementa, 167
Imposto sobre serviços/ementa, 197
FERNANDO FERNANDY
Incapacidade para o trabalho/
FERNANDES
ementa, 186
Medidas executivas atípicas/
Indenização/ementa, 167
ementa, 174
Indiferença do perito/ementa, 184
FERNANDO HABIBE
Infrações administrativas/ementa,
Utilidade pública/ementa, 172
162
Formalidade exacerbada/ementa, 159
Intimação do executado para que
Fornecimento de serviço público em
justifique o descumprimento do
área de preservação/acórdão, 200
ANPP/acórdão, 216
Fraude perpetrada por terceiro/
Inventário/ementa, 198
ementa, 164
Investigação penal, 80
IPI/súmula, 156
G
IPTU/ementa, 196
GELSON AMARO DE SOUZA I.R./ementa, 197
Decisão interlocutória e coisa Irrepetibilidade de valores
julgada/doutrina, 102 recebidos de boa-fé/acórdão, 220
GILSON BARBOSA Isenção tributária/ementa, 198
I.R./ementa, 197 ISS/ementa, 198
Gravidez e puerpério/legislação, 153 IVETE VIEIRA DE SOUZA
Legislaçãoestrangeira/ementa, 194

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 255


ÍNDICE REMISSIVO

J LUIS YATSUDA ARIMA MÔNICA SARDAS


Hospedagem em motel sem Inventário/ementa, 198
JAIRO MONTEIRO DIAS FILHO recursos para o pagamento/ MORAIS DA ROCHA
Análise da crise da hermenêutica ementa, 178 Concubinato/ementa, 183
jurídica/doutrina, 122 Movimentações financeiras/
JAMES EDUARDO OLIVEIRA M ementa, 166
Descarga elétrica em quadra
esportiva/ementa, 163 Mandado de Segurança/ementa, 190 N
JESUÍNO RISSATO MARCELO ALBERNAZ
Intimação do executado para que Benefício assistencial à pessoa Nações Unidas/legislação, 154
justifique o descumprimento com deficiência/ementa, 184 NAIR LUNARDELLI RAMOS
do ANPP/acórdão, 216 MARCO AURÉLIO BELIZZE Prescindibilidade de
JOÃO CANCIO Deserção/ementa, 188 concordância/ementa, 196
Autenticidade de documento/ Localização da ré/ementa, 192 NANCY ANDRIGHI
ementa, 190 MARCO LIMA Agravamento intencional do risco/
JOSÉ JÁCOMO GIMENES Decisões relevantes do STF na área ementa, 170
Atrasos do STF geram dívida trabalhista/tribuna livre, 10 Fraude perpetrada por terceiro/
bilionária/tribuna livre, 11 MARCOS ARAÚJO DOS SANTOS ementa, 166
JOSÉ XAVIER DA SILVA Ilegalidade da decisão/ementa, 184 Justiça gratuita/ementa, 190
Mero descontentamento/ementa, MARCOS DE AZEVEDO TORRES Processo transexualizador/
174 Débito condominial/ementa, 172 ementa, 168
JÚLIO CEZAR GUTTIERREZ MARCUS GOMES NASSER AHMAD ALLAN
IPTU/ementa, 197 Decisão do STJ põe ordem em Seis anos da reforma trabalhista
Justiça gratuita/ementa, 190 disputa de dívida condominial/ promessas não cumpridas/
capa, 28 tribuna livre, 18
K MARCUS ROBERTO DA SILVA Negligência do estabelecimento/
Hipercomplexidade dos contratos ementa, 164
KAUE DA CRUZ OLIVEIRA de incorporação/prática NELSON PEREIRA CASTANHEIRA
Direito de crédito como Você é contra ou a favor da
jurídica, 242
fundamento constitucional/ educação à distância/além do
MARIA DE LOURDES DE GONZALEZ
doutrina, 46 direito, 247
Veículo apreendido/ementa, 180
KELLY DURAZZO NEY BELLO FILHO
MARIA ISABEL GALLOTTI
STJ equilibra a balança entre Estelionato majorado/ementa, 175
Alienação fiduciária de imóvel/
o credor fiduciário e o Nomeação/súmula, 156
ementa, 172
condomínio/capa, 38 Norma coletiva/ementa, 192
MARIA ISABEL SOUZA
Infrações administrativas/ Norma coletiva/súmula, 157
L ementa, 162
LAURITA VAZ MARIA TEREZA PIACENTINI O
Voluntariedade dos recursos/ Perguntas e respostas
O que o Supremo impôs foi o dever
ementa, 176 mulheres membras e juntas, 250
de checagem da informação/
Legislação estrangeira/ementa, 194 MARILENE BONZANINI
entrevista, 22
Liberdade antecipada/ementa, 179 Mandado de Segurança/ementa,
190
Locação por curto prazo por
Medidas executivas atípicas/
P
aplicativo/acórdãos, 210
Localização da ré/ementa, 191 ementa, 172 Pagamento do IPTU após o decreto
LORRAINNE ANDRADE BATISTA MÉRCIA TOMAZINHO de utilidade pública do bem/
A respeito do médico empresário Estabilidade/ementa, 192 acórdão, 232
individual/doutrina, 64 Mero descontentamento/ementa, 174 PAULO SÉRGIO DOMINGUES
LUÍS ALBERTO AURVALLE MILENA SAMPAIO SOARES Sistema de cotas/ementa, 162
Assistência judiciária gratuita/ Momento da modificação do ônus PEDRO RAFAEL THOMÉ PACHECO
ementa, 191 da prova/tribuna livre, 14 Momento da modificação do ônus
LUIS AMORIM DE SOUSA Modificação da situação de fato/ da prova/tribuna livre, 14
Incapacidade para o trabalho/ ementa, 180 Penhora de pontos/ementa, 196
ementa, 187 Momento da modificação do ônus Penhora parcial/ementa, 194
da prova/tribuna livre, 14 Pessoa com deficiência/ementa, 158

256 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024


ÍNDICE REMISSIVO

Pessoas com hanseníase/legislação, S


152
Polícia Civil/legislação, 152 Sala alugada/ementa, 174
Prazo para guarda de registros de SANDRA REVES
TV/acórdão, 204 Pagamento do IPTU após o
Precedência/ementa, 186 decreto de utilidade pública do
Prescindibilidade de concordância/ bem/acórdão, 232
ementa, 194 SANDRO JOSÉ NEIS
Presídio federal/súmula, 156 Fornecimento de serviço público

redes sociais
Presunção de veracidade e de em área de preservação/
legitimidade/ementa, 178 acórdão, 200
Prevenção/súmula, 156 SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Previdência privada/súmula, 157 Indiferença do perito/ementa, 184
Processo transexualizador/ementa, Seis anos da reforma trabalhista
167
promessas não cumpridas/
Produção de filmes/ementa, 197
tribuna livre, 18
Sentença coletiva/súmula, 157
Q SERGIO PINTO MARTINS
Quebra do sigilo de dados/ementa, Direito de oposição à
179 cobrança das contribuições
assistenciais/acórdãos, 226
R Sistema de cotas/ementa, 160
SONÍRIA CAMPOS D’ASSUNÇÃO
RAUL ARAÚJO
Compensação do ISS/ementa, 196
Vício de construção/ementa, 175
REBECA LEAL STJ equilibra a balança entre
STJ equilibra a balança entre o credor fiduciário e o
o credor fiduciário e o condomínio/capa, 38
condomínio/capa, 38 Súmula 211 do STJ e limitações ao
Regime prisional/súmula, 156 acesso à justiça/tribuna livre, 16
REGINA HELENA COSTA
Produção de filmes/ementa, 197 T
Registro de débito/súmula, 156
RENEE DO Ó SOUZA TAIS SCHILLING FERRAZ
Acordo de não persecução nos Precedência/ementa, 186
crimes funcionais/tribuna THIAGO FERREIRA
livre, 20 A instrumentalidade da
Responsabilidade Civil do Estado/ investigação penal/doutrina,
ementa, 163 80
REYNALDO SOARES DA FONSECA Transplante/legislação, 153
Presunção de veracidade e de Acesse pelo
legitimidade/ementa, 178 U QR Code
Quebra do sigilo de dados/ementa,
179 Uso medicinal da cannabis em
RICARDO VERTA LUDUVICE animais/ponto final, 258
Penhora de pontos/ementa, 196 Utilidade pública/ementa, 172
RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
Prazo para guarda de registros de V fb.com/revistabonijuris
TV/acórdão, 204
RITA DE CÁSSIA ROCHA Veículo apreendido/ementa, 180 @revistabonijuris
Sala alugada/ementa, 174 Vício de construção/ementa, 174
ROGÉRIO MEDEIROS VIVALDO PINHEIRO
Isenção tributária/ementa, 198 ISS/ementa, 198
RÔMULO FERREIRA NUNES Voluntariedade dos recursos/
Liberdade antecipada/ementa, 180 ementa, 175 n

REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024 257


PONTO FINAL

Claudia de Lucca Mano ADVOGADA E CONSULTORA EMPRESARIAL

Arte: Giovana Tows


USO MEDICINAL DA CANNABIS EM ANIMAIS

A
cannabis medicinal tam- sil, cabe ao Ministério da Agri- terinária ou odontológica para
bém é uma alternativa cultura e Pecuária (Mapa) re- insumos sob controle especial.
para o cuidado com a gulamentar os produtos de uso O Conselho Federal de Medi-
saúde de pets. Cães, gatos veterinário, e à Agência Nacio- cina Veterinária (cfmv) afirma
e outros animais de estimação nal de Vigilância Sanitária (An- que os médicos veterinários se
possuem um sistema endoca- visa), vinculada ao Ministério encontram em condição de in-
nabinoide em seus corpos, o que da Saúde, regular os produtos certeza jurídica nesses casos e
permite que a medicação tenha de uso humano. Na rdc 327/19 pede que os profissionais não
efeitos semelhantes aos obser- da Anvisa está disposto que a receitem medicamentos à base
vados em pacientes humanos. cannabis se destina apenas ao de cannabis, indicando que, para
A cannabis medicinal pode uso humano e que a prescrição maior segurança do prescritor, é
ser usada para tratar doenças é exclusiva de médicos habilita- recomendado até mesmo judi-
neurológicas, dores crônicas, do- dos pelo Conselho de Medicina. cializar o pedido. Já o Conselho
enças autoimunes e até mesmo A Anvisa é o órgão respon- Regional de Medicina Veteriná-
câncer em animais. No entanto, sável por organizar e atualizar ria de São Paulo (crmvsp) possui
é fundamental consultar um ve- as listas de insumos sob con- um grupo de trabalho desde
terinário especializado antes de trole especial liberados para 2022 sobre o uso da cannabis
iniciar qualquer tratamento. uso, através da Portaria 344/98. medicinal para animais.
Não se deve administrar Cabe a ela, por exemplo, a ges- Certo é que inúmeros profis-
cannabis medicinal de forma tão do Sistema Nacional de sionais veterinários já prescre-
indiscriminada, pois o orga- Gerenciamento de Produtos vem a cannabis veterinária, e os
nismo dos animais é sensível Controlados, onde são escri- tutores costumam se socorrer
e reage de maneira diferente. turadas as movimentações de em farmácias de manipulação
Doses excessivas podem cau- substâncias de uso humano e que possuem autorização judi-
sar problemas de coordena- veterinário. Em 2023, a Anvisa cial, em associações de cultivo e
ção, sonolência e alterações no e o Mapa divulgaram esforços plantio que atuam na extração
sistema nervoso. Além disso, conjuntos para revisar a lis- do óleo, ou mesmo realizando
a metabolização ocorre no fí- ta de adendos da Portaria 344 a importação direta, mediante
gado, o que exige atenção em para incluir o uso veterinário autorização excepcional da An-
relação a possíveis interações de cannabis de forma mais cla- visa, com base na rdc 660/22.
medicamentosas. Em geral, o ra na regulamentação. Portanto, a cannabis medi-
tratamento é realizado por via O canabidiol (cbd) já consta cinal para pets é uma alterna-
oral, utilizando óleos à base na lista de insumos autoriza- tiva real, mas deve ser usada
de cannabis. A dose e a dura- dos da Portaria 344, de modo com responsabilidade e sob a
ção do tratamento variam de que médicos veterinários esta- orientação de um veterinário
acordo com as necessidades do riam automaticamente autori- experiente. Cada animal é úni-
animal. zados a prescrever a cannabis co, e seu tratamento deve ser
A regulamentação do uso ve- para uso veterinário, por força personalizado para garantir o
terinário da substância ainda da própria portaria, que esta- bem-estar e a saúde do compa-
provoca controvérsia. No Bra- belece prescrição médica, ve- nheiro de quatro patas. 

258 REVISTA BONIJURIS I ANO 36 I EDIÇÃO 686 I FEV/MAR 2024

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