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Tal crise, portanto, já se assinalava nas últimas décadas do século XIII, devido
tanto ao inchaço provocado pela própria dinâmica interna do feudalismo, como pelas
mudanças climáticas que já se assinalavam (bom lembrar que as várias crises
instaladas estão todas interligadas). Como já relatado, o Período de Aquecimento
Medieval (800-1200) em muito favoreceu a agropecuária, o artesanato e o comércio,
além de desencadear um crescimento demográfico devido a melhora na qualidade devida
da população. Mas, a partir do século XIV, tem início a chamada Pequena Era do Gelo
(1300-1900), com temperaturas caindo drasticamente e ficando abaixo das atuais,
arrasando colheitas e arruinando parte da economia feudal agrária.
Por sinal, nesse mesmo século XIV assinala-se a volta das epidemias, principalmente
a chamada Peste Negra (1347-1352), o início da Guerra dos Cem Anos (1337-1453), e,
também nesse mesmo século, verifica-se com mais visibilidade o início de alguns
movimentos e fenômenos que se desenrolaram nos séculos seguintes: a chamada
Renascença (científica, filosófica, artística, teológica), a ascensão do
Mercantilismo (XV-XVI) e o início do que serão as Revoluções Burguesas (XVII-
XVIII). O século XIV, como você pode ver, não foi nada fácil para a medievalidade.
A fome, provocada pela mudança drástica na alimentação, cedeu espaço também para as
epidemias e doenças, aumentando a mortandade. Ainda, como gastava-se mais em
alimentos que produtos, o comércio artesanal foi encolhendo. Além disso, a extração
de minérios também encontrava seus limites, pois o que sobrara ficava em
profundidades no solo que a tecnologia da época não permitia explorar. Tal fenômeno
provocou também uma desvalorização da moeda, já que diminuiu a quantidade de prata
e ouro nas mesmas.
Com tudo isso, a densidade demográfica cai, o que já se fazia sentir no século
XIII, mas, com a crise agrícola de 1315-1317, a fome, subnutrição e doenças vieram
rápido. Em algumas regiões europeias, cerca de 10% da população morreu em questão
de poucos meses (Bélgica). Quando veio a Peste Negra, entre 1347-1353, como já
vimos na aula anterior, encontrou um vasto campo de proliferação, contribuindo para
a desagregação do feudalismo, dizimando tanto o campesinato, que servia como mão-
de-obra, como também parte da aristocracia feudal, fazendo com que, nas regiões
atingidas, a ausência do poder feudal e local voltasse para a jurisdição do Rei,
como há século não acontecia.
O contexto de fome e penúria, como relatado acima, gerou também uma série de
revoltas populares urbanas e camponesas na Inglaterra, França e Itália. Nas
cidades, os aprendizes e os assalariados que trabalhavam em oficinas, lojas e
armazéns, por um salário miserável, fizeram grandes levantes urbanos. Um deles
ocorreu na cidade de Florença, entre 1378 e 1382, poucas décadas depois do flagelo
da Peste Negra, e ameaçou a burguesia local. Outras revoltas, desta vez camponesas,
ocorreram perto de Paris, em 1358, contando com cerca de cem mil pessoas, e na
Inglaterra, em 1381, com cerca de dez mil pessoas. Em ambas, exigiam o fim da
servidão e a diminuição dos impostos, e ambas também terminaram com uma violenta
repressão.
Além destas várias revoltas, uma grande guerra eclodiu entre Inglaterra e França, a
chamada Guerra dos Cem Anos (1337-1453), a qual, claro, agravou em muito o quadro
relatado acima, aumentando a fome, a destruição dos campos, e as revoltas
camponesas e urbanas. É bom lembrar que, apenas dez anos iniciada a guerra, veio a
Peste Negra, interrompendo as batalhas, mas matando muito mais do que a guerra
mataria em seus 116 anos.
A Guerra dos Cem Anos ainda provocou um efeito curioso para o fim da Idade Média e
o feudalismo, alterando os rumos da Europa e da humanidade. O conflito atingiu as
rotas comerciais europeias e enfraqueceu a economia de muitos reinos, mas também
fez com que novas potências surgissem. Portugal foi muito favorecida, pois
genoveses e venezianos tiveram que sair do Mediterrâneo, passando pelo porto de
Lisboa, para chegar até o Mar do Norte e os portos holandeses. Com isso, os
portugueses passaram a incentivar e desenvolver sua esquadra naval e mercantil,
tornando-se a maior potência naval de seu tempo ao iniciar sua expansão comercial
marítima em 1415, tomando a posse de várias ilhas e arquipélagos do Atlântico,
atingindo vários Reinos da costa da África até então inacessíveis e atingindo a
Índia e a América do Sul até o final do século XV.
Foi no século XIV, portanto, com as lutas nacionalistas, que o intuito da guerra
passou a ser destruir o inimigo, e não o aprisionar como nos combates feudais. É
quando o arco e flecha volta a ser usado com mais frequência, precisão e
letalidade, uma arma que atinge à distância, sem combate corpo a corpo, bem
diferente da cavalaria feudal. Esta ficou totalmente ultrapassada e obsoleta com o
surgimento e uso das armas de fogo (canhões), usadas pela primeira vez num combate
em 1324 e ao longo de toda a Guerra dos Cem Anos. Com isso, o cavaleiro, nobre e
senhor de terras, símbolo do feudalismo, perdia sua importância, prestígio e poder.
SAIBA MAIS.
Joana D´Arc (1412- 1431) nasceu em Domrémy (França), ainda jovem, desenvolveu uma
religiosidade intensa. Era uma época díficil, em função da Guerra dos Cem Anos
contra a Inglaterra que se prolongava desde 1337. O conflito trazia destruição, a
terra destruída produzia menos; uma produção reduzida causava fome e a fome
enfraquecia uma população paupérrima, trazendo-lhe doenças.
Ela alegava que tinha visões e ouvia as vozes dos anjos e santas, sendo orientada a
tomar parte na guerra contra os ingleses para expulsá-los da França, garantindo a
coroação de Carlos VII como rei da França. Após uma reunião com o monarca, que
autorizou sua participação direta na guerra. Entretanto, existe existe dúvida da
sua real participação no campo de batalha, ou se era utilizada apenas como figura
motivacional. Joana D´Arc foi presa e entregue aos ingleses, que a julgaram
por bruxaria, sendo condenada à morte na fogueira, cuja execução aconteceu no dia
30 de maio de 1431, em praça pública, na cidade de Rouen.
Podemos sugerir dois filmes sobre a temática: "Joana d'Arc" de Luc Besson é
um filme francês de 1999, do gênero drama biográfico. Outra película interessante é
"Joana d'Arc" dirigido por Christian Duguay (EUA\Canadá) também foi produzido em
1999, como gênero drama biográfico.
O clero, que no auge do período feudal tinha seus membros oriundos da aristocracia,
agora admitia, para não se encolherem também, membros das camadas camponesas e
pobres, muitos deles órfãos. Mesmo a aristocracia, para não minguar de todo, passou
a casar seus filhos e filhas com membros da burguesia que ainda se mantinham
financeiramente, ou de um campesinato mais abastado, no entanto, todos plebeus.
Muito menos a Igreja escapou da crise generalizada que pôs fim à Idade Média.
Justamente ela, que legou boa parte da mentalidade medieval, tendo um papel central
no estabelecimento, fortalecimento e auge do feudalismo, com o Papa pretendendo-se
representante de Cristo e herdeiro do imperador romano. A Igreja, no entanto,
precisava de um Estado forte que a protegesse, mas que fosse fraco o suficiente
para não a dominar.
Também as heresias, desde o século XII, passaram a minar aos poucos os dogmas
católicos, através de movimentos de contestação social, ou seja, usando a própria
retórica bíblica e religiosa para se confrontar com a Igreja e as formas de
opressão de seu tempo. Porém, o Concílio católico de 1413 foi o ponto de origem do
movimento reformista dos hussitas.
SAIBA MAIS.
João Huss era um padre tcheco que propunha reformas na Igreja, inspirado por
Wycliff (primeira pessoa a traduzir a Bíblia para a língua inglesa no século XIV),
rejeitando a hierarquia da Igreja, defendendo a imposição do voto de pobreza ao
clero, sendo o Papa merecedor de seu cargo pelas suas ações, não pelos votos
comprados. Huss foi preso e condenado por heresia, sendo queimado vivo em 1415.
Muitas das teses defendidas por Lutero, por exemplo, só foram possíveis pelo acesso
a documentos antigos e originais, escritos em grego, hebraico e aramaico antigos,
possibilitando perceber os erros de tradução de passagens bíblicas para o latim que
pervertiam o sentido de algumas passagens. Isto sem falar que seu movimento se
espalhou com muita rapidez e aceitação devido a uma invenção técnica: a prensa de
Gutemberg. A divulgação de textos impressos às centenas, com muita rapidez, sem
necessidade de manuscritos, possibilitou toda uma revolução na leitura, na
alfabetização e no acesso a textos e livros antes muito restritos e inéditos ao
público.
Em função da Peste Negra e da Guerra dos Cem Anos ocorreu uma diminuição da
produção agrícola, que ocasionou a falta de alimentos e consequente a fome. Com
essa situação, os senhores feudais aumentaram os impostos e isso estimulou o
descontentamento, que culminou com as revoltas camponesas.
Quer saber mais? Leia o livro de Georges Duby - "Idade Média na França: De Hugo
Capeto a Joana D´Arc".
Ilustração da Batalha de Crécy, que ocorreu na Guerra dos 100 anos, mostrando o uso
das bestas e flechas para matar à distância.
Fonte: Wikimidia Commons
"A History of Graphic Design. John Wiley & Sons, Inc. 1998. (pg. 64)". A prensa de
Gutemberg e a revolução na confecção de livros impressos, divulgação de textos e
difusor da leitura.
Fonte: Jost Amman, Public domain, via Wikimedia Commons
DUBY, Georges. Idade Média na França de Hugo Capeto a Joana D´Arc. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 1992.
HUIZINGA, Johan. O outono da Idade Média. São Paulo: Cosac & Naify, 2010.
LE GOFF, Jacques & SCHMITT, J.C. (dir.). Dicionário temático do Ocidente Medieval.
Bauru: EDUSC, 2006.
MACEDO, Jose Rivair. Movimentos populares na Idade Média. São Paulo: Moderna,
1990.
SILVA, Marcelo Cândido da. História Medieval. São Paulo: Contexto, 2019. E-book.