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Ritchie, J.; Lewis, J. (Eds.

) Qualitative research practice: a guide

livros
for social science studentes and researchers.London: Sage Publications,
2003.

Ana Maria Canesqui1

Cresce a divulgação da literatura pesquisas estratégicas, interessadas


sobre metodologia da pesquisa em subsidiar as intervenções e a
qualitativa, ampliando adeptos e gestão, distinguindo-se dos estudos
interesses de usá-la nos vários campos de desenvolvimento das teorias.
do conhecimento das ciências sociais O livro é um guia para
e humanas e das áreas da Saúde pesquisadores e estudantes, passando
e Educação. Ritche, psicóloga, e pela discussão dos diferentes tipos
Jane Lewis, especialista na pesquisa de pesquisa qualitativa, seu papel,
qualitativa, formada em direito, usos, desenho, amostra, seleção
pertencem a uma organização de das informações e análise. No final
pesquisa independente inglesa - o de cada capítulo, está um resumo
Centro Nacional de Pesquisa Social - dos aspectos principais abordados e
criada em 1969, que abriu uma divisão dos conceitos-chave desenvolvidos
de pesquisa qualitativa em 1985. pelos autores, juntamente com uma
O livro, por elas organizado, bibliografia básica sobre o assunto,
traduz essa experiência em vários orientando didaticamente os leitores.
campos da pesquisa social e, O primeiro capítulo, assinado por
sobretudo, na política pública, Dawn Snape e Liz Spencer, reconhece
dominada durante longo tempo pelos a diversidade das concepções da
estudos quantitativos, objetivistas e pesquisa qualitativa e abraça a
modelos multicausais. Na coletânea clássica definição de Denzin e Lincoln,
reúnem-se membros daquela situando-a como um tipo de pesquisa
organização, especializados em naturalística, interpretativa, voltada à
aspectos dos métodos qualitativos, compreensão do significado atribuído
cujas qualificações abraçam: os que às ações, decisões, crenças e valores 1
Professora aposentada,
combinam estas metodologias com circundantes no mundo social. Os colaboradora do
os métodos quantitativos; os que autores abordam o desenvolvimento Departamento de
Medicina Preventiva
aplicam grupos focais; os interessados histórico da pesquisa qualitativa, e Social, Faculdade
na academia, assessorias e formação desde as posturas positivistas e de Ciências Médicas,
Universidade Estadual
de pesquisadores, assim como os empíricas, chegando às correntes de Campinas.
que fazem pesquisas qualitativas interpretativas, críticas, feministas e Caixa Postal 6111. Barão
Geraldo, Campinas,
aplicadas às organizações; à avaliação pós-modernas, que percorreram o SP, Brasil. 13.083-887.
de políticas públicas, enquanto século passado com posicionamentos anacanesqui@uol.com.br

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ontológico e epistemológico deste tipo de pesquisa, sendo assinado por Jane Ritchie,
investigação, que aposta na capacidade criativa Jane Lewis e Gillian Elam. O capitulo 5, de
e interpretativa dos sujeitos em ação no mundo. autoria de Sue Arthur e James Nazroo, enfoca o
Os autores descartam a neutralidade desenho das estratégias do trabalho de campo
da investigação, endossando a posição e a obtenção de informações. Traz exemplos
ontológica da dependência do mundo social dos vários tipos de pesquisas e suas técnicas:
do entendimento subjetivo dos sujeitos, histórias de vida, entrevistas em profundidade;
compreendendo e admitindo ser multifacetada discussões em grupos focais, assim como a
a captura da realidade. Associam o confecção de roteiros de entrevista, de acordo
interpretavismo ao pragmatismo, ao contexto com os propósitos, tipos de investigação e
e às circunstâncias vividas pelos informantes, requerimentos da obtenção das informações.
aceitando a combinação dos métodos O capítulo 6, de Robin Legard, Jill Keegan
qualitativos e quantitativos. e Kil Ward, é bastante extenso e dedicado
O segundo capítulo, de Jane Ritche, somente à entrevista em profundidade, seus
aborda a aplicação dos métodos qualitativos, tipos, e a importância das habilidades dos
chamando a atenção para o fato de este tipo pesquisadores em perguntar, ouvir e estabelecer
de pesquisa ter-se ligado, anteriormente, um relacionamento empático com os sujeitos da
à produção do conhecimento, e não aos pesquisa, convocando o uso da sensibilidade às
assuntos voltados às políticas públicas. Ela reações dos entrevistados. Os autores exploram
descreve os tipos de estudos - contextuais; detalhadamente a técnica de grupo focal em
explanatórios ou associativos; avaliativos; todas as suas etapas: as discussões, fases,
de efetividade; generativos - e os tipos de tamanho, organização; condução; a participação
abordagens utilizadas, como: a observação e de observadores e o uso de equipamentos
observação participante; a análise documental, de gravação. Ressaltam o caráter interativo
de conversação e de discurso, juntamente e participativo desta técnica e a importância
com a geração das informações. Estas são de o pesquisador assumir o papel de guia das
obtidas pelos métodos biográficos; entrevistas discussões.
individuais, temáticas ou grupais; entrevistas O capítulo 8, assinado por Liz Spencer,
em profundidade, narrativas e grupos focais, ou Jane Ritchie e Willian O`Connor, dedica-se
pela combinação destes procedimentos. Adverte ao processo, princípio e prática da análise,
a autora sobre a subordinação e dependência como uma etapa que requer criatividade,
das diferentes técnicas aos propósitos do estudo. sistematização, inspiração e diligência do
O terceiro capítulo, assinado por Jane Lewis, pesquisador. É o momento de se testarem as
dedica-se ao desenho dos estudos, mostrando teorias iniciais e, se necessário, reformulá-las,
a importância da flexibilidade da pesquisa para se alcançarem os resultados da pesquisa.
qualitativa, sempre aberta ao desconhecido, Os autores observam, pertinentemente, o
aos imprevistos e à permanente revisão dos desprezo da literatura sobre este assunto
seus pressupostos iniciais e abordagens. A no século passado, cobrindo-o de mistérios,
autora fornece um roteiro bastante didático dos segredos e obscuridade. Enfatizam as
passos a serem percorridos na elaboração de diferentes abordagens, tradições e estrutura da
um projeto de pesquisa; dos relacionamentos análise; os recursos e métodos disponíveis e a
preliminares necessários; da escolha da potencialidade da análise reflexiva.
população; dos contatos com os participantes; O capítulo 9, de autoria destes últimos
do desenho dos instrumentos utilizados e autores, continua e detalha as análises das
preparo da ida ao campo. Ressente-se a informações qualitativas, incluindo algumas
ausência de discussão dos aspectos éticos das técnicas, como: a análise temática; descritiva; de
pesquisas, que estão dentre os passos a serem conteúdo; explanatória; de padrões associativos;
observados pelos pesquisadores. a construção de índices e de tipologias, assim
Os capítulos seguintes são contínuos e como os apoios necessários. Cada tipo é
nucleares da coletânea, nela ocupando grande sintetizado em caixas, expondo os principais
espaço. O capítulo 4 centra-se no desenho; conceitos e procedimentos. É em torno de um
seleção da amostra e implementação da conjunto de assuntos, não exclusivamente

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relacionadas às políticas, que exemplificam

livros
os tipos de análise e sínteses das informações
obtidas sobre temas como: os sem-teto; a
sexualidade; gays e lésbicas.
O capítulo 10, de Jane Lewis e Jane Ritcher,
discute a generalização da pesquisa qualitativa,
seu caráter contextual e particular, sua validade
e relação com a generalização, apontando
um importante princípio a ser seguido: o uso
das bases de evidências; a explicitação das
rotas analíticas e dos níveis de interpretação; a
checagem do desenho da pesquisa e da conduta
do pesquisador, e a validação das interferências.
Finalmente, no capítulo 11, Clarissa White,
Kandy Woodfiel e Jane Ritcher discutem a
apresentação das informações, apontando o
caráter inacabado do relatório final exposto,
nas suas palavras, à “continuidade da jornada
da interpretação e classificação das informações
que requerem contínua exploração, futuras
interrogações, padrões de associação, detalhes
das interpretações e exploração”. Assim,
não se admite a existência da voz única e
onipotente do pesquisador, mas de múltiplas,
incluindo os leitores que podem fornecer novas
interpretações ao texto. Portanto, este tipo de
análise detém o caráter inacabado e provisório.
São explorados, ainda, os diferentes
estilos de apresentação do relatório final e
suas possíveis combinações, como: descritivo;
complexo; diagramático; tipológico; ilustrativo;
associativo; explanatório das evidências ou dos
conceitos. O texto, finalmente, traz orientações
à apresentação oral das informações, que
geralmente costumam ser relegadas, na
academia, ao autodidatismo dos expositores.
Não se trata apenas de mais um livro sobre a
pesquisa qualitativa, mas sua didática, discussões
conceituais e práticas, amplamente fundadas na
teoria e na experiência dos autores neste tipo
de pesquisa, tornam o texto acessível e útil,
tanto aos pesquisadores iniciantes quanto aos
experientes, que procuram se aperfeiçoar neste
tipo de metodologia. Resta alguma frustração em
relação às expectativas iniciais, geradas no leitor,
de maior detalhamento e análise qualitativa,
de natureza avaliativa, das políticas públicas,
que poderiam ter sido mais contempladas nos
exemplos usados pelos autores.

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