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Formula

Clínico
Formulação de Caso Clínico na Terapia de Aceitação e Compromisso
Uma perspectiva da Análise Funcional Baseada em Processos
Tiago Ferreira

Exercícios Aplicados
Aula 01
Formulação da Queixa
Eventos Clinicamente Relevantes

Vamos acompanhar o “Caso Marta” e construir uma Formulação de Caso ACT. Para iniciar, veja
um relato dos primeiros momentos da primeira sessão clínica e tente identificar quando (ou se):

(1) A paciente relata eventos clinicamente relevantes


(2) A paciente relata qualificações ou diagnósticos

Em seguida, pense que tipo de perguntas ou outras atividades você poderia fazer para evocar
relatos sobre eventos clinicamente relevantes.

O Caso Marta

Marta é aluna do segundo semestre do curso de Psicologia da Universidade Federal da Bahia e


procurou o Serviço de Psicologia para saber se poderia ter atendimento psicológico, pois estava
passando por “alguns problemas”. Quando procurou o Serviço, Marta estava muito mobilizada,
chorando e tremendo, dizendo que estava com “falta de ar”. Tendo recebido um acolhimento
inicial, Marta relata que está com muito medo de abandonar o curso e ter que voltar para sua
cidade, porque está se sentindo quase “surtando”. Além disso, disse que começou a estudar sobre
Esquizofrenia, porque achava que podia estar “descolando da realidade”.

Na próxima folha, você vai ver um relato completo das duas primeiras sessões da Marta. Estas
sessões serão a base dos próximos exercícios.

Letícia Vitória Alves de Souza - psileticiasouzr@gmail.com - IP: 177.37.149.97


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Aula 02
Formulação da Queixa
Análise Funcional Baseada em Processos

Vamos acompanhar um relato completo das duas primeiras sessões da Marta. A partir disso,
elabore uma Análise Funcional (AF) do que ocorreu com a Marta no 1º semestre (1º parágrafo da
segunda sessão).

Lembre-se, a AF não precisa ser exaustiva. Se você conseguir tecer algumas relações entre eventos
psicológicos e ambientais, bem como entre os próprios eventos psicológicos, já estamos em um
bom caminho. Como toda nova habilidade, uma AF precisa de treino para ser construída.

Caso Marta

Marta é aluna do segundo semestre do curso de Psicologia da Universidade Federal da Bahia


e procurou o Serviço de Psicologia para saber se poderia ter atendimento psicológico, pois estava
passando por “alguns problemas”. Quando procurou o Serviço, Marta estava muito mobilizada,
chorando e tremendo, dizendo que estava com “falta de ar”. Tendo recebido um acolhimento
inicial, Marta relata que está com muito medo de abandonar o curso e ter que voltar para sua
cidade, porque está se sentindo quase “surtando”. Além disso, disse que começou a estudar sobre
Esquizofrenia, porque achava que podia estar “descolando da realidade”.
A estagiária que fez o acolhimento perguntou o que ela estava sentindo e ela disse que não
consegue dormir, que fica com um “bolo na garganta” o dia inteiro, que não consegue ter atenção
nas aulas e que frequentemente tem que sair no meio das atividades em classe porque tem uma
sensação de “morte” e vontade de sair gritando. Marta, então, começa a falar que “não quer ficar
louca”, que “todo mundo de Tijuaçu apostou em mim e eu enganei todo mundo!” até não
conseguir mais falar e continuar com alguns soluços de choro.
A estagiária perguntou que lugar é Tijuaçu e Marta respondeu que é o povoado em que
nasceu, perto de Senhor do Bonfim-BA. Que ela é a única da família que os pais conseguiram
mandar para Salvador para estudar, porque viam que ela tinha “gosto para os estudos”. Quando
começa a falar dos pais o choro aumenta. Ela diz que ainda se lembra do dia em que saiu de casa e
que o pai disse: “minha filha, essa vitória [ter passado para Psicologia na UFBA] não é só sua, é de
Tijuaçu inteira; você sabe que preta e pobre tem que ser melhor! Estude muito porque ninguém vai
fazer a sua vida fácil por lá!”. Sua mãe também a incentivava muito e dizia que ela precisava
estudar para “ser independente e não depender de homem nenhum”. Marta disse que quando
lembra disso tem muita vontade de morrer, porque não tem conseguido ser forte. Diz que as
colegas já sugeriram que ela pode ter um TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com
Hiperatividade) e que precisa de um tratamento para resolver as “suas questões”.

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A estagiária perguntou quando estas experiências ruins começaram, ao que Marta


respondeu que desde a metade do primeiro semestre quando percebeu que sempre que estava no
ônibus para São Lázaro (FFCH-UFBA) o coração começava “a disparar” e a sensação de falta de
ar também aumentava. Nessa hora, ela tentava se distrair olhando para as ruas, mas o bolo na
garganta aumentava muito, dando enjoo e vontade de vomitar. Não foram poucas vezes que Marta
deixou de assistir as primeiras aulas para se esconder no Campus, sentindo uma sensação de
morte, fraqueza nas pernas, “vendo tudo borrado”, dentre outras coisas. Nesses momentos, disse
Marta, as imagens do pai dizendo que ela tinha que ser forte e da mãe dizendo que ela precisava
ser independente aparecia e ela ficava cheia de angústia e vontade de morrer.
A procura de Marta pela Serviço de Psicologia, em suas próprias palavras, era sua última
tentativa. “Se eu conseguir consertar a minha cabeça, eu continuo! Mas se não der jeito, também
não volto pra Tijuaçu, porque vai ser muita vergonha pra minha família”.

Sessão 2

Marta chegou mais tranquila para a sessão, dizendo que as aulas online (em função da
Pandemia) têm deixado “sua vida mais fácil”. Quando tentei entender mais, ela me disse que deixa
a câmera desligada e que aí “ninguém fica olhando para ela”. Perguntei quando “os olhares”
começaram a ficar difíceis. Ela disse que chegou muito animada para o 1º semestre, mas logo
percebeu que “todo mundo tinha alguma coisa para dizer” durante as aulas e ela ficava agoniada
tentando pensar algo para falar (que fosse inteligente), mas alguém sempre falava antes. Disse que
algumas colegas até a incentivavam perguntando o que ela achava, mas que ela só conseguia falar
umas “besteirazinhas” e depois passava o dia inteiro revendo a cena em sua própria cabeça. O pior
foi perceber que ela já nem conseguia mais ouvir o que as professoras falavam, porque ficava
tentando pensar em algo para levantar a mão e falar. Ela riu um pouco e disse que, em casa, ficava
anotando partes dos textos para fazer perguntas em sala, mas as vezes ficava com raiva de uma
colega que sempre falava antes dela e estragava “o plano” que havia feito.
Perguntei se os “planos” haviam sido a primeira forma dela lidar com essa situação. Ela
disse que sim, mas que passo-a-passo percebeu que não dava certo. Além disso, começou a pensar
que talvez estivesse com depressão, porque estava com alguns momentos de choro “sem aviso”
durante o dia e sem vontade de comer ou de conversar com as colegas. Disse também que a
“agonia” na hora de falar estava ficando tão grande que, nos seminários, ela estava pedindo às
colegas de grupo para que ela (Marta) ficasse responsável por fazer a maior parte escrita e falar
menos. Mas que, até mesmo escrever estava ficando difícil. Eu perguntei se ela havia falado sobre
isso com alguém e ela disse que falou para algumas colegas que estava preocupada sobre estar
“com alguma coisa”, porque não estava conseguindo estudar. As colegas foram muito acolhedoras,
dizendo que ela poderia ficar com a parte escrita e que elas poderiam ajudar com algum conteúdo
que ela não entendesse. Marta disse que nessa hora ficou com muita raiva porque sentiu que as
colegas estavam achando que ela era “burra” e não conseguia entender as coisas, mas não disse
nada para as amigas porque sabia que ela “era a errada” por não estar conseguindo resolver sua
vida.

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Marta então disse para o terapeuta que a mãe dela sempre dizia que uma mulher não
pode depender de ninguém porque senão a pessoa depois vai “jogar na cara” tudo que fez. Ela
disse que, em Tijuaçu, isso se chama “alegar”, e riu um pouco. Ela disse que não lembra muito da
infância. Mas que lembra bem que os irmãos sempre a chamavam de “Hermione” por causa do
filme de Harry Potter. Nós rimos um pouco juntos e eu perguntei por que eles davam esse apelido.
Marta disse que era porque ela gostava de estudar enquanto eles gostavam de jogar bola e tocar na
banda da igreja. Perguntei se outras pessoas também a viam da mesma forma e ela disse que na
igreja ela sempre ficava responsável por ensinar os mais novos e na escola as professoras sempre a
citavam como exemplo para os “bagunceiros” da sala. Perguntei se os pais costumavam valorizar
isso e ela disse que eles já “estavam acostumados” e que não faziam muita “festinha” com as
notas, porque eram sempre boas. Mas que a mãe sempre dizia que ela não podia ficar “se achando”
porque senão o “tombo” poderia ser grande. Tentei entender mais e ela disse que a mãe é uma
mulher muito sofrida, que já trabalhou na roça, que teve que aprender a se defender sozinha, e que
sempre disse para ela não confiar em ninguém, porque “quando as pessoas veem que você está
sangrando, é aí que elas batem mais”.
Fiquei meio sem fôlego com essa regra da mãe e não soube o que responder. Marta
então começou a me dizer que eu deveria ficar tranquilo, porque ela sabe que não pode levar isso a
“ferro e fogo”, mas que também a ajudou a se virar sozinha. Marta então fez uma expressão de
sorriso leve, visivelmente tentando me tranquilizar. Eu fiquei sem saber o que fazer e disse
continuaríamos na próxima sessão.

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Aula 03
Histórico da Queixa

Para observarmos a re(ocorrência) dos padrões que identificamos na AF, precisamos procurar
eventos “do mesmo tipo”. Ou seja, eventos que até possuem topografias diferentes, mas que
possuem a mesma função.

Para ajudar nessa identificação, vamos pensar na AF que realizamos no exercício da aula anterior
(aula 02). Qual o tipo de contexto que mobilizou os pensamentos, sentimentos e comportamentos
da Marta? Como podemos perguntar sobre a ocorrência de contextos semelhantes na história da
paciente?

Para ajudar na investigação histórica, que nomeação mais abrangente podemos dar para tipos de
eventos psicológicos como aqueles descritos no exercício? Por exemplo, “pânico e vontade de
morrer” podem ser investigados como “ansiedade”, porque esta nomeação facilita o encontro de
topografias diferentes ao longo da história, mesmo quando o sentimento não for exatamente uma
“vontade de morrer”.

Aula 04
Padrão Matricial

Para identificarmos os padrões matriciais da Marta, tenha uma atenção especial à segunda sessão e
identifique:

- Na metáfora das cadeiras, qual o lugar da Marta? Tente diferenciar Ambiente Matricial de Padrão
Matricial no caso Marta.
- O quanto este “papel” aprendido em casa se generalizou para outros contextos? Ele está presente
hoje?
- O que acontece com alguém que, tendo desenvolvido um padrão matricial como o da Marta,
precisa lidar com os desafios atuais relacionados à universidade? Tente fazer hipóteses sobre
sentimentos, pensamentos e comportamentos difíceis que podem emergir deste encontro entre o
Padrão Matricial e o contexto atual.
- O padrão matricial da Marta apareceu na relação terapêutica? Explique.

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