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RECREAÇÕES MATEMÁTICAS, CONHECIMENTO


MATEMÁTICO E EDUCAÇÃO MATEMÁTICA: UMA
INTERLIGAÇÃO HISTÓRICA
Josinalva Estacio Menezes1
Josivaldo de Souza Brito2
Pedro José Alvino Pereira dos Santos3

RESUMO

Neste artigo objetivamos fazer algumas reflexões histórico-práticas


sobre Recreações Matemáticas, conhecimento matemático e
Educação Matemática. Pretendemos com isto, estabelecer alguns
encaminhamentos relativos a estas três categorias na perspectiva da
inserção no ensino de matemática. Num momento, serão
estabelecidas as relações entre a produção do conhecimento
matemático, as noções de rigor no contexto da matemática e a
produção das recreações matemáticas, juntamente com as implicações
pedagógicas ao longo da história. Em outro momento, serão
apresentadas as perspectivas de inter-relações entre conhecimento
matemático e introdução de conceitos através de atividades com
recreações matemáticas em laboratórios. Finalmente, serão
apresentadas as perspectivas de inserção do uso das recreações
matemáticas na prática pedagógica através de atividades de
capacitação e oficinas de jogos associadas aos conteúdos
matemáticos.

Palavras-chave: recreações matemáticas, conhecimento matemático,


educação matemática.

INTRODUÇÃO
1
Professora Adjunta do Departamento de Educação da UFRPE/–
UFRPE/PPGEC/LACAPE/GETEEM
2e3
- UFRPE/PPGEC/LACAPE/GETEEM
3
2

Nossa experiência profissional e bibliográfica tem nos mostrado


várias evidências de ligações históricas profundas, no contexto da
matemática, entre recreações, ensino e conhecimento, incluindo as
noções de rigor e validade de uma teoria. Mais ainda, quando um
desses três elementos está em foco, freqüentemente os outros dois
emergem em algum momento.

Assim sendo, acreditamos que apesar das fortes resistências


apresentadas ainda hoje no contexto acadêmico da matemática,
principalmente por professores em todos os níveis, o lugar por
excelência das recreações é no contexto da matemática, seja na
produção do conhecimento matemático puro, seja no processo de
ensino e aprendizagem.

Portanto, objetivamos neste artigo, fazer algumas reflexões


sobre Recreações Matemáticas, conhecimento matemático e
Educação Matemática, intentando, com isto, estabelecer algumas
convergências e relações entre estas três categorias, o que engloba a
produção do conhecimento matemático, as noções de rigor no contexto
da matemática, a produção das recreações matemáticas, e as
implicações pedagógicas ao longo da história.

Acreditamos não haver dúvidas quanto às profundas ligações


2entre a história do jogo e a história do próprio homem. Isso porque
constatamos que jogo, civilização e cultura têm caminhado juntas na
maioria das fases históricas da existência humana.

Buscando relacionar jogo e cultura, HUIZINGA (1980), em sua


obra filosófica intitulada Homo ludens a qual objetivou integrar o
conceito de jogo no de cultura, procurando determinar até que ponto a
própria cultura possui caráter lúdico, buscou mostrar, do ponto de vista
filosófico – muito mais que psicológico ou antropológico – os elementos
lúdicos presentes nas principais atividades de uma sociedade,
inseridos na cultura. Suas idéias nos levaram à conclusão de que o
jogo está fortemente ligado ao conhecimento.

A relação do conhecimento com as características do jogo pode


ser identificada na seguinte argumentação: o conhecimento é para o
homem primitivo uma fonte de poder mágico, pois todo saber é saber
sagrado; esta sabedoria é esotérica capaz de fazer milagre, pois todo
conhecimento está ligado à ordem cósmica; esta ordem, decretada
pelos deuses e conservada pelo ritual de preservação da vida e
3

salvação do homem está salvaguardada no conhecimento das coisas


sagradas, seus nomes secretos e na origem do mundo.

Os desafios, enigmas, as adivinhações são elementos


fortemente presentes nos mais conhecidos e preciosos livros do
conhecimento. O conhecimento nesses casos dá uma posição de
superioridade ritual independente da condição social na cultura em
questão.

Desde a Antiguidade, em diversos jogos, a mobilização das


diversas habilidades matemáticas era essencial para o seu
desenvolvimento pleno, em atividades as quais chamamos recreações
matemáticas.

Assim, podemos chamar de recreações matemáticas em geral


as que necessitam essencialmente as habilidades matemáticas (lógica,
concentração, memória, raciocínio rápido, percepção de formas e
tamanho, etc.) e/ou cálculos matemáticos.

Como sabemos, as informações confiáveis mais antigas sobre o


surgimento da matemática das quais se tem notícia vêm da região dos
Rios Nilo, Eufrates e Tigre. Assim, os problemas recreativos existem
desde o documento matemático mais antigo conhecido, que é o Papiro
Rhind. Datado de 1650 aC, mas declaradamente ter sido copiado pelo
seu autor, o escriba Ahmes, de um documento 200 anos mais antigo, o
qual parece corresponder a um caderno de exercícios de um
estudante.

O problema de nº 77, que pode ser traduzido livremente assim:

Uma relação de bens consiste de sete casas, cada uma


das quais contém sete gatos, cada um dos quais matou
sete ratos, cada um dos quais comeu sete grãos de
trigo, cada um dos quais produz sete hekats4. Qual o
número de coisas contadas?

Ora, a solução apresentada no papiro consistia de calcular a


quantidade de coisas de cada tipo, e depois somar tudo.

Hoje, com a teoria das sucessões, esse problema seria resolvido


a partir de uma progressão geométrica de cinco termos, iniciando por

4
Antiga medida de capacidade.
4

sete, e tendo razão sete. Algumas versões desse problema têm


aparecido, com novas abordagens de solução.

Mais adiante, vemos o aparecimento de recreações em antigas


produções e manuscritos como a Antologia Grega de Metrodorus, a
qual consiste de um conjunto de epigramas sobre vários assuntos;
nesta constam cerca de 46 problemas de matemática, dentre eles o
famoso problema da idade de Diofanto.

Do século X, conhecemos o Jesuíta Alcuíno de York, religioso do


tempo do Imperador Carlos Magno; este religioso destacou-se pelo seu
trabalho pedagógico dedicado, o qual inclui a criação de um
documento que orientava a educação do jovem da época, e de uma
biblioteca contendo cópias e traduções feitas pelo mesmo de várias
obras importantes da época.

Em carta ao Imperador, Alcuíno anexou ao trabalho em questão


o Propositiones ad Acuendos Juvenes, que correspondia a 51
problemas matemáticos que serviam, segundo o mesmo, para
desenvolver a mente dos jovens. Entre eles, o famoso problema da
travessia do lobo, a ovelha e o feixe de capim, o qual teve várias
versões com várias abordagens matemáticas de solução até a
generalização.

A partir do século XIV, com a difusão da imprensa na Europa,


trabalhos manuscritos começaram a ser produzidos, em geral
manifestando o desejo de desenvolver as mentes mais jovens e tornar
o conhecimento matemático acessível a todos.

O primeiro trabalho em matemática de cunho lúdico conhecido é


o Nouvelle Arithmétique appliquée au commerce et a la marine mis en
vers. De L. CHAVIGNAUD, datado de 1484. Depois vem o trabalho
puramente sobre recreações matemáticas, a obra de GASPAR
BACHET DE MERIZIAC, intitulada Problémes plaisant et délectables
qui si font par les nombres.

Posteriormente, destaca-se a obra de Ozanam, ampliada por


Montucla, correspondendo a uma compilação do que havia sido feito
até então sobre recreações matemáticas, com diferentes versões e
comentários.

Matemáticos famosos a partir do século XV, e posteriormente as


criações das universidades e das sociedades matemáticas, produziram
5

vários e fecundos trabalhos foram Leibniz, Leonhard Euler, Pierre de


Fermat, Chrystian Huygens, Christopher Clavius, entre outros.

Estes têm sido citado em textos de História da Matemática com


dedicados ao estudo de alguns problemas recreativos como o
problema das pontes de Köenigsberg, as oito rainhas, a equação de
grau 45 resolvida por Viète, entre outros.

A busca de solução para várias das recreações propostas levou


ao surgimento e desenvolvimento de novas teorias matemáticas e
novos ramos, como a Topologia, a Teoria dos Grafos e a Criptografia.

Neste contexto, alguns problemas insolúveis em determinadas


épocas, passaram a ter solução ou ser comprovadamente insolúveis
(como os três clássicos da Antiguidade), alguns paradoxos levaram a
outras teorias ou vice-versa, e os padrões de rigor gerados no contexto
foram-se modificando até o estágio atual.

Em suma, as recreações matemáticas, os jogos matemáticos


foram feitos por matemáticos – ou estudiosos da matemática –
discutidos por matemáticos e para matemáticos ou não matemáticos.

O rigor da solução apresentada e os princípios de resolução


seguem os princípios vigentes no contexto matemático, no que
concerne à demonstração matemática. Assim, é no âmbito da
matemática que se inserem, por direito, as recreações, e defendidas
por tantos, matemáticos ou estudiosos de matemática, sempre
positivamente, tudo leva a um avanço de que é legítima, oportuna e
concernente o uso de jogos e recreações no ensino de matemática.

Mais ainda, com os trabalhos já existentes a respeito, o


professor de matemática já dispõe de elementos para começar a
desfrutar das diversas vantagens da utilização do jogo no seu dia a dia.

INTER-RELAÇÕES ENTRE CONHECIMENTO MATEMÁTICO E


INTRODUÇÃO DE CONCEITOS ATRAVÉS ATIVIDADES COM
RECREAÇÕES MATEMÁTICAS EM LABORATÓRIOS
"A Ciência é obra do espírito humano,
que é antes destinado a estudar do que conhecer,
a procurar a verdade, do que a achá-la"
EVARISTE GALOIS5

5
Matemático francês, morto em um duelo de pistolas, em 31 de maio de 1832, aos 21
anos.
6

Com o advento das naturais expectativas da sociedade com a


chegada do novo milênio, nesse momento histórico, vê-se com
entusiasmo a contínua reafirmação dos ideais construtivistas, e das
novas perspectivas do Ensino, como um todo.

Ocorre assim que se faz necessário continuar a reflexão sobre


alguns dos pontos de vista que, ainda hoje, permeiam quase todas as
discussões sobre Educação Matemática. Um desses pontos, com
muita propriedade, é justamente o que trata dos próprios objetivos do
estudo de Matemática; como ciência pura, como arte, como
entretenimento e como instrumento tecnológico.

No bojo dessa discussão, emergem, entre várias outras, as


idéias dos Centros de Ciência, ou Centros de Divulgação Científica,
como desejam alguns; dos Laboratórios Experimentais de Ciências e
Matemática, nas escolas em geral; e dos grandes eventos de
divulgação científica - SBPC-JOVEM, CIÊNCIA JOVEM, etc.

Observa-se, com satisfação, que às noções de Matemática


Discreta, que trata das estruturas algébricas em conjuntos não-
contínuos, algoritmos, recorrências, estruturas lógicas, e, entre outros
aspectos, das modelagens de Teoria dos Jogos; Matemática
Recreativa, na qual se estudam as relações lógico-matemáticas
presentes em atividades lúdicas formais e não-formais; e, com muito
mais especificidade, Jogos Lógicos, onde, grosso modo, a busca é
pela formalização matemática dos processos de elaboração de táticas
para obter vitória em Jogos de Estratégia, aliam-se as correntes
preocupadas com o estudo da Matemática Experimental como
instrumento didático, ao invés de simples elemento motivador, usado,
quando muito, para a verificação de casos particularíssimos da teoria.

Numa perspectiva de Matemática - e Educação Matemática -


mais ligada ao estruturamento lógico, que às tabelas; à busca de
algoritmos em vez de fórmulas - uma Matemática de mais construção,
mais experimentação e menos memorização - e buscando alternativas
para consolidar esta Nova Matemática como uma prática viva em
nosso meio letivo, poderíamos admitir alguns princípios básicos, e
citamos cinco deles:

Curiosidade: O ser humano é, por natureza, um animal


curioso.
Espontaneidade: Aprende-se melhor o que se quer aprender.
7

Ludicidade: O Homem gosta de jogar, de brincar, de


experimentar.

Lógica Implícita: A lógica científica (indutiva e dedutiva) está


presente no processo de elaboração de Algoritmos de Busca de
Estratégia Vitoriosa, em Jogos Lógicos; e de Observação-
teorização-verificação-reteorização em situações-problema
propostas em Experiências Científicas Direcionadas.

Interatividade: A reconstrução do conhecimento se dá na


interação entre os sujeitos da Ação Pedagógica (Professor e
Estudante)

Por outro lado, hajam vistas a necessidade crescente de incitar


ainda mais a disseminação dessa Nova Matemática, viva e dinâmica, e
a ânsia de nossos estudantes por procedimentos didáticos não-
ortodoxos, e dos professores em geral, por meios de entrar em contato
com essas metodologias; mais que bem vindos se fazem os
permanentes esforços de algumas de nossas escolas privadas, e do
Governo do Estado, em estimular os esforços de criação, e
preservação, de espaços pedagógicos onde se possam promover, e
estudar, atividades pedagógicas com jogos e experimentos científicos
em geral, e, mais especificamente, com Jogos de Estratégia.

De fato, segundo MENEZES (1996):

À medida em que, no âmbito da pedagogia, os estudiosos tomam


consciência gradual da função positiva do jogo no desenvolvimento
integral da criança, portanto da necessidade daquele na educação
infantil, cada vez mais se mostram convencidos da necessidade de
se criar as condições favoráveis às atividades lúdicas. Esse
fenômeno desencadeou a criação de uma nova instituição chamada
ludoteca. O termo é formado pelo latim ludos (jogo), e o grego theke
(caixa, cofre). A ludoteca é então definida como “uma instituição cuja
finalidade é pôr o jogo ao alcance do maior número possível de
crianças a fim de estimular suas atividades lúdicas, principalmente
no âmbiente familiar.” (Misurcová, 1995, p.549).

As ludotecas então parecem ser uma versão mais democrática e


atual dos antigos “quartos de brinquedo” das famílias nobres dos
séculos passados, os quais eram, no entanto, restritos a poucas
crianças. Já são ultrapassados em vinte e cinco anos o tempo de
pesquisa e documentação sobre ludotecas.
(...)
Quanto aos benefícios das ludotecas, caberiam ser citados o
despertar da criança para a responsabilidade e o respeito à
8

propriedade coletiva; iniciar a vida em sociedade; educar a criança


na família, fortalecendo os laços, enfim, uma instituição positiva para
a evolução da sociedade e a educação da criança.
(...)
Para Leif & Brunelle (1978), “as ludotecas deveriam destinar-se a
um belo desenvolvimento, e sua concepção deveria ser susceptível
de adaptar-se a diversas formas de necessidade condicionadas
pelos modos de habitat, pelos recursos da população e pelo meio
sócio-cultural.”(Leif & Brunelle, 1978, p. 154).

As ludotecas têm sido ultimamente reconhecidas como o espaço


que resgata nas crianças o direito de brincar, que lhe permite
interagir com outras crianças, construir conceitos, tomar decisões,
respeitar regras e solucionar problemas, atingindo o seu
desenvolvimento em toda a plenitude. Além disso, Fridmann (1992)
considera ser uma das funções mais importantes da ludoteca a de
ser o espaço que oferece a possibilidade de a criança brincar; enfim,
um espaço de recreação.

Longe de ter sua criação motivada pelo modismo, a ludoteca


necessita, portanto, ser vista como uma necessidade da criança do
nosso século, transformando-se então na realidade que já
começamos a constatar.

Ocorre, entretanto, que, se por um lado observamos hoje esta


bem recebida preocupação, por parte dos professores, coordenadores
e diretores de escolas, em pensar sobre o uso (ou o não uso) desses
Jogos de Estratégia em sala de aula (ou em um espaço paralelo, como
nas Ludotecas citadas acima), por outro, como, aliás, seria natural
esperar, surgem de alguns colegas, muitos deles profissionais sérios e
lúcidos, competentíssimos em suas práticas, indagações do tipo:

 Que é realmente isso?


 Como essas coisas podem ajudar efetivamente meu trabalho?
 Eu preciso mesmo disso?
 Essa estória de Jogos Lógicos não será só mais um “modismo
pedagógico”, um “fogo-de-palha”?
 Existe mesmo Matemática, Física, Química... Existe Ciência
por trás dessas idéias?
 Isso não torna o objeto de estudo ainda mais complicado?
 Será que os alunos entendem mesmo essas coisas?
 Por que usar isso, se os meus alunos aprendem do "jeito
normal" mesmo?

Aqui chegamos a um problema. Todo aquele que faz uma


pergunta deseja uma resposta; mas, infelizmente ou não, algumas
9

respostas não são tão fáceis de formular, como as perguntas que as


originam.

Por exemplo, algumas das perguntas acima podem não possuir


as respostas esclarecedoras que desejariam os questionadores, como
um “sim” ou um “não”. Algumas vezes, possivelmente - quem sabe - a
maioria, as respostas mais apropriadas são um “não se sabe ainda”;
ou um irritante “talvez”; ou, simplesmente, um muito bem sincero
“existem pesquisas estudando esse assunto”.

Questionar é, quase sempre, mais fácil que afirmar. O inquisidor


sempre pode chamar para si o manto protetor da ignorância,
expediente vetado ao que afirma algo. Que dizer, então, daquele que
busca responder indagações?

Sobre isso, talvez seja oportuno registrar que certa vez, o


famoso matemático pernambucano Israel Vainsencher, grande
algebrista, disse: “Toda pergunta tem, em sí, pelo menos, um embrião
de pretensa resposta; que, de fato, é, nada mais, nada menos a
afirmação que a origina [a pergunta!]”

No nosso caso, pensar nesse “embrião de resposta” poderia nos


fazer pensar no que estaria nas entrelinhas de algumas daquelas
indagações. Talvez, lá em cima, na verdade, o que se desejou afirmar
tenha sido:

 Meu trabalho não precisa dessas coisas!


 Essa conversa toda é só mais um “modismo pedagógico”, e,
daqui a pouco passa.
 Isso tudo tem muita conversa, mas Matemática, que é bom,
nada!
 Isso só complica mais as coisas (para os alunos!).

Algumas dessas afirmações poderiam até ser consideradas


relativamente verdadeiras. Por exemplo, dependendo da postura
didática assumida pelo professor, e do contrato didático vivenciado
pela sua sala, o uso de Jogos Lógicos, com certeza, pode confundir
seus estudantes, ou até mesmo atrapalhar consideravelmente o
desenvolvimento cognitivo deles.

Para o professor, não se trata de uma brincadeira, trata-se de


uma Aula! Existem objetivos educacionais, e mesmo instrucionais, que
devem estar bem claros.
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Vê-se, portanto, que há alguns pontos sobre os quais se fazem


imperativas reflexões mais aprofundadas e contundentes.

De fato, é bastante recomendável, àquele professor que deseja


fazer uma opção pelo trabalho com Jogos Lógicos - numa aula de
matemática, por exemplo - que esteja preparado, e disposto, a
conversar muito com os estudantes, pois, as perguntas que surgem
numa Sessão de Jogos Lógicos podem vir de quase todos os lugares
imagináveis.

Para conviver sem constrangimentos, com essas perguntas


voadoras, claramente se impõe a necessidade do conhecimento
teórico de matemática. Como já dissemos anteriormente: Trata-se de
uma aula de Matemática. É um fato que saber Matemática é condição
necessária e insubstituível para ensinar Matemática!

Entretanto, a despeito de algumas vozes em contrário, a


condição acima é necessária, mas não suficiente.

É ponto inconteste na Pedagogia atual que há uma palpável


distinção entre o Ensino de Matemática e o Ensino do Matemático.
Existe diferença grossa entre Aula e Exposição – ou Seminário,
Palestra, ou coisa que o valha!

Na primeira, o objetivo ululante é ensinar - mediar o processo


de construção do conhecimento de outrem. Isso não é simples. Impõe-
se a necessidade de preocupação com o tom de voz, dicção, clareza,
organização, humildade, enfim: numa Aula, todo mundo quer, e
precisa, entender o que está sendo exposto. Na segunda, o que o
expositor normalmente almeja é deixar claro que domina certo tema,
ou mostrar que algo existe. Isso também não é fácil e, quando bem
feita, pode ser uma experiência muito interessante. Mas não é uma
Aula. Nela, o conhecimento é construído na interação entre os sujeitos,
e é justamente isso que se espera que o trabalho com Jogos Lógicos
proporcione: Um elemento mediador prazeroso e bem estruturado, a
nível matemático e pedagógico.

O TRABALHO PEDAGÓGICO NA PERSPECTIVA DA ASSOCIAÇÃO


ENTRE MATEMÁTICA, JOGO E DIDÁTICA

Os jogos matemáticos têm sido historicamente utilizados como


material didático para ensino, propiciando a aquisição de habilidades, e
permitindo a capacidade criativa do aluno e mais, estar perfeitamente
localizado no processo que o leva do conhecimento primeiro ao
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conhecimento elaborado, com esta visão de levarmos estes conceitos


para serem desenvolvidos em sala de aula.

Com essa proposta, temos ministrado capacitações em escolas


públicas do Estado, tendo nos deparado com um quadro de
professores que, em sua maior parte, não tinham tido contato com
materiais lúdicos para trabalharem na sua prática pedagógica.

Ao introduzirmos estes materiais percebemos de imediato, a


mudança de postura dos professores, que a cada encontro mostravam-
se mais interessados, e buscando saber mais e de imediato aplicando
com seus alunos.

Hoje, com as novas tecnologias que buscam no homem mais


eficiência e pensamentos elaborados e estratégia de ação, somos
conduzidos para um ensino mais avançado, onde a lógica passou a ser
a estrutura do conhecimento moderno, e a construção tornou-se uma
peça fundamental na formação do indivíduo.

Temos o reforço desse argumento com duas idéias: para RENÉ


(1952), a eficácia dos métodos não está em seu mecanismo, mas no
principio lógico que os comanda; e para LUCIENNE (1960), a estrutura
das noções de base, sobre as quais está construída toda ciência
matemática, aparece, agora, como paralela à estrutura do
pensamento: as leis que governam estas estruturas são as próprias
leis do pensamento lógico.

O processo de ensino de matemática, os seus objetivos e


conteúdos têm avançado juntamente com os conhecimentos das leis
gerais que regem o convívio social, e têm nos conduzidos a algumas
perplexidades que dizem respeito a novas formas de abordagem do
processo de ensino e aprendizagem de matemática.

Partindo deste princípio foi que temos buscado na nossa prática


cotidiana agir na direção dessas perplexidades. No que diz respeito às
capacitações, buscamos mostrar aos professores a necessidade da
aplicação do material concreto nas salas de aulas, o uso dos jogos,
para fazer o aluno construir os seus próprios conceitos, partindo do
concreto até chegar na abstração dos conceitos matemáticos.

Para nós, ensinar matemática passa por ajuda a desenvolver o


raciocínio lógico, estimular o pensamento independente, a criatividade
e a capacidade de resolver problemas.
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Nós procuramos oferecer aos nossos professores algumas


alternativas para aumentar a motivação para a aprendizagem,
desenvolver a autoconfiança, a organização, raciocínio lógico e o
senso cooperativo, a socialização e aumento da integração do
indivíduo com as outras pessoas, e nas oficinas buscamos através das
matérias como: Origami, Kirigami, Tangram, e jogos matemáticos,
concretizarmos nossos objetivos com os demais professores, e
desenvolver o caráter lúdico, o desenvolvimento de técnicas
intelectuais e a formação de relações sociais.

Com respeito às atividades em sala de aula, em escolas onde


lecionamos, temos realizado aulas práticas na própria sala de aula,
onde os jogos e materiais concretos utilizados na atividade estão
associados ao conteúdo e na direção do alcance dos objetivos
propostos, segundo os roteiros pré-estabelecidos para as seqüências
didáticas. Além das experiência em capacitações e sala de aula, temos
ainda a realização de atividades extra classe a exemplo das
EXPOMATs, exposições de trabalhos que integram matemática e arte.

Vários estudiosos têm dado contribuições no sentido de orientar


a atividade pedagógica nessa perspectiva. Aqui citamos BORIN (1996:
09):

Outro motivo para a introdução de jogos nas aulas de matemática


é a possibilidade de diminuir bloqueios apresentados por muitos
de nossos alunos que temem a matemática e sentem-se
incapacitados de aprendê-la. Dentro da situação de jogo, onde é
impossível uma atitude passiva e a motivação é grande, notamos
que, ao mesmo tempo em que estes alunos falam matemática,
apresentam também um melhor desempenho e atitudes mais
positivas frente a seus processos de aprendizagem.

Para TAHAN (1968), para que os jogos produzam os efeitos


desejados devem ser, de certa maneira, dirigidos pelos educadores.
Partindo do princípio que as crianças pensam de maneira diferente dos
adultos e de que nosso objetivo não é ensiná-las a jogar, devemos
acompanhar a maneira como as crianças jogam, sendo observadores
atentos, interferindo para colocar questões interessantes (sem
perturbar a dinâmica dos grupos) para, a partir disso, auxiliá-las a
construir regras e a pensar de modo que elas entendam.

Segundo PIAGET (sd):


13

A inteligência é um sistema de operações, todas as matemáticas


são sistemas de operações. A operação não é outra coisa senão
uma ação; é uma ação real, mas interiorizada e tornada
reversível. Para que a criança chegue a combinar as operações,
quer se trate de operações, quer de operações espaciais, é
necessário que ela tenha manipulado, que tenha agido, que tenha
experimentado (...); estas ações se interiorizam e, ao se
interiorizarem, coordenam-se e tornam-se reversíveis,
transformando-se assim em operações.

Com relação ao trabalho de capacitação de professores, temos


feito, no conjunto dos encontros, atividades assim organizadas:
inicialmente, descrevemos a estrutura do jogo ou material a ser
utilizado, suas regras e objetivos, momento no exploramos os
conceitos matemáticos presentes no jogo ou material, apresentando
algumas alternativas de material de maior custo ou menor custo.

Depois sugerimos atividades com o material feito, propomos


problemas e discutimos em pequenos grupos e depois no grande
grupo a solução, incluindo as perspectivas de interdisciplinaridade do
material e reciclagem (educação ambiental) do mesmo; finalmente,
sugerimos roteiros de atividades para sala de aula. Finalmente,
fazemos uma avaliação com o grande grupo no sentido de verificar a
utilidade do trabalho com relação à inserção na prática do professor.

Os resultados obtidos vão desde os relatos de experiências


vividas pelos professores em salas de aula até os resultados
observados nos encontros. Assim, professores têm relatado a melhoria
do comportamento de alguns alunos, o desenvolvimento do sentido de
cooperação entre os participantes, o aumento da auto-estima de
alunos, as perspectivas de aplicação do professor na sua sala de aula,
a segurança de alunos e professores na exposição de suas idéias e
assim por diante, além da descoberta de novos talentos criativos,
incluindo novas habilidades.

Nesses mesmos professores, observamos um fenômeno


interessante no seu comportamento durante as atividades:
incorporaram o comportamento de seus alunos, pois agindo como os
mesmos, em alguns momentos a impressão era a de se estar numa
sala repleta de adolescentes, fazendo barulho com conversas
paralelas, copiando do colega quando não conseguiam realizar uma
tarefa, irritando-se quando não encontravam a solução.

Quando utilizamos o Kirigami a sala de aula ficou bastante cheia


de papel no chão; na confecção dos jogos cada uma pedia para o
colega ajudar ou fazer por ele; enfim, foram capacitações divertidas,
14

onde os professores no momento de avaliação final perceberam que


exigimos dos nossos alunos, mas quando estamos no lugar deles, nos
comportamos como eles.

Com relação a atividades práticas de ensino em sala de aula ou


em atividades extra classe, observamos que no momento da
preparação, ocorre um enorme entusiasmo por parte dos alunos
contagiando até os pais, que, se por um lado vêm se queixar na escola
que “não tem revista que chegue inteira, que meu filho rasga tudo para
fazer Kirigami”.

Por outro lado, querem participar das atividades; em sala de


aula, os alunos entregam-se à atividade com muito empenho, tendo
alguns deles chegado a criar jogos, e jogar entre eles nos intervalos
das aulas. Propõem e aceitam desafios entre si, levando várias horas
para realizar p trabalho.

Assim, os trabalhos com as capacitações têm se revelado serem


ótimas experiências, e percebemos a necessidade dos professores em
terem acessos a novos materiais a serem aplicados nas suas aulas,
pois ainda percebemos em parte deles certo despreparo quanto a
métodos e didática em salas de aulas, preferindo o método tradicional.

CONCLUSÃO

As reflexões feitas levam-nos a reafirmar nossa crença nas


profundas relações entre recreações matemáticas, conhecimento
matemático e Educação Matemática, sejam inseridas na sala de aula,
nos ambientes de pesquisa ou contextos que dizem respeito à
Matemática.

Mais ainda, reafirmamos o que foi dito quanto ao lugar por


excelência das recreações ser no contexto da matemática, seja na
produção do conhecimento matemático puro, seja no processo de
ensino e aprendizagem.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BORIN, Júlia. Jogos e resolução de problemas. São Paulo: IME-


USP, 1996.
15

FRIDMANN, A. Sugestões de atividades . In: Fridmann et alii. O


direito de brincar. São Paulo: Scritta, 1992.

HUIZINGA, J. Homo ludens: o jogo como elemento de cultura. São


Paulo: Perspectiva, 1980.

LEIF, J. & BRUNELLE, L. O Jogo pelo jogo: a atividade lúdica na


educação de crianças e adolescentes. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

LUCIENNE, Felix. Mathématiques modernes, enseignement


élémentaire. Paris, 1960.

MENEZES, Josinalva Estácio. A interação jogo matemático-aluno


em ambientes extra classe. Dissertação de Mestrado. Recife: UFPE-
CE, 1996.

MISURSCOVÁ, V. La ludoteca, um fenomeno nuevo. In: Conferência


de Belgrado. Belgrado: IPUB, 1986.

PIAGET, Piaget. Iniation au calcul – Cahier de Pédagogie moderne.

RENÉ, Hubert. Tratié de pédagogie générale. Paris, 1952.

TAHAN, Malba. Didática da matemática. São Paulo: Saraiva, 1968.


16

O MOVIMENTO DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA NO


BRASIL NOS ÚLTIMOS DOIS SÉCULOS: INFLUÊNCIAS
E DIRETRIZES

Josinalva Estacio Menezes6


Zacarias de Souza Leão Cavalcanti7

RESUMO

O ensino no Brasil tem sofrido várias influências desde os seus


primórdios. No caso da matemática encontram-se, lado a lado, o
tradicionalismo da academia e os grandes movimentos evolutivos dos
últimos séculos. Em nosso artigo objetivamos investigar as influências
que direcionaram o ensino de matemática no Brasil nos últimos dois
séculos a partir de obras encontradas sobre o tema neste período.
Iniciaremos fazendo algumas considerações gerais, depois
discutiremos as diretrizes básicas de cada corrente, finalizando com
algumas considerações para o ensino de matemática e o trabalho do
professor.

Palavras-chave: didática da matemática, diretrizes, ensino de


matemática.

INTRODUÇÃO
6
Professora Adjunta do Departamento de Educação da UFRPE/–
UFRPE/PPGEC/LACAPE/GETEEM
7
Voluntário do LACAPE
17

A Matemática tem sido freqüentemente eleita como a grande


causadora de “fobia escolar”. No seu resgate histórico observamos
conquistas brilhantes, quanto à natureza do conhecimento. Mas, ao
mesmo tempo, encontra-se embutida uma variedade de concepções
preconceituosas. A historicização da matemática tem sido relevante
não só pela descoberta do conhecimento ao longo do tempo, mas
também pela reflexão que este conhecimento gera na Educação
Matemática.

A História da Matemática no Brasil ao longo dos tradicionais


períodos político-administrativos caracteriza-se na “história serial’
(BURKE, 1992, p.29) pela disposição dos dados ao longo dos cinco
séculos. Esta história, por tomar como referência o próprio
conhecimento matemático, pode ser agrupada em quatro períodos: a
matemática jesuíta, a matemática militar; a matemática positivista e a
matemática institucionalizada.

Diferentemente daquela periodização que toma como marco


os eventos político-administrativos, a periodização do conhecimento
matemático é relativa no sentido de que os períodos não são rígidos na
sua delimitação. Assim, no período que nos propomos a discutir - os
últimos dois séculos – nossa preocupação está centrada nas formas
como se pensou ensinar esta matemática que era produzida e
divulgada.

A preocupação com o ensino da matemática é histórica. Na


Grécia antiga a matemática é ensinada na escola pitagórica, como um
conhecimento necessário para a formação dos filósofos e dos futuros
governantes. Caracterizava-se pela exclusão de todo o “vestígio da
experiência sensível” e teria o papel de definir os “espíritos mais
talentosos” (MIORIM, 1998, p.19).

Com Platão ocorre a implantação definitiva da disciplina


matemática, agora, estendida até ao nível das crianças. Para estas
deveria ser evitado ”(...) os exercícios puramente mecânicos, propor
problemas adequados à idade das crianças e ser desenvolvidos de
maneira lúdica, por meio de jogos. Além disso, os castigos corporais
não deveriam ser utilizados, pois a coação não seria a forma mais
adequada para resolver o problema da falta de interesse pelos
estudos” (Id. p.18).

As reuniões de profissionais vinculados ao conhecimento


matemático têm gerado reflexão sobre os currículos escolares, a ponto
18

de algumas expressarem que a matemática é desinteressante,


obsoleta e inútil. Outros, como Zoltan Dienes, Georges Papy e Caleb
Gattegno, têm buscado soluções para confrontar essas opiniões, a
partir do uso de materiais didáticos.

Como Movimento Internacional a Educação Matemática


consagrou-se com os Congressos Internacionais de Educação
Matemática – ICME e com a Comissão Inter-Americana de Educação
Matemática – CIAEM. Ambos refletem o pensamento dos
pesquisadores a nível internacional.

Em nossa pesquisa objetivamos investigar as influências que


direcionaram o ensino de matemática no Brasil nos últimos dois
séculos a partir de obras encontradas sobre o tema neste período.
Iniciaremos fazendo algumas considerações gerais, depois
discutiremos as diretrizes básicas de cada corrente, finalizando com
um quadro comparativo de tais influências.

A EDUCAÇÃO MATEMÁTICA NO BRASIL - OS ANTECEDENTES

Conforme vimos antes, a educação no Brasil foi fortemente


marcada pela escola francesa, de um país que é hoje considerado a
maior fonte de produção de conhecimento. No Brasil, no século XIX, as
idéias que se voltavam para a matemática versavam sobre que
influências a produção do conhecimento matemático exercia sobre o
intelecto humano (LACROIX, 1816).

Assim, a preocupação do ensino focava, principalmente, o


ensino básico, os conteúdos a serem ensinados e as formas de
examinar a apropriação desse conteúdo.

Quanto aos métodos pelos quais se produz a matemática, o


ensino buscava caracterizar a análise e a síntese em matemática, as
formas de escrever, os métodos de ensino e o currículo básico de uma
escola elementar.

Sendo os novos conhecimentos introduzidos na escola, tais


como o recente novo sistema métrico, havia uma preocupação em se
considerar os elementos da aritmética, da Álgebra e da Geometria
subjacentes a essa nova demanda, juntamente com as implicações
que advêm dela. No nível superior, a preocupação remetia aos tratos
com a trigonometria e as aplicações da Álgebra à Geometria,
juntamente com os elementos do cálculo diferencial e integral.
19

Desde o final do século XIX que, pessoas como o professor


Otto de Alencar e Silva, se empenhava em sintonizar o Brasil com o
que tinha de mais avançado na produção matemática. Mesmo nas
primeiras décadas do século XX prevalecia a influência positivista na
matemática.

A partir de Otto de Alencar, outros professores, como Manuel


Amoroso Costa, Theodoro Ramos, Lélio Gama e Felipe dos Santos
Reis, aderiram ao movimento “(...) em prol da implantação definitiva no
Brasil das novas teorias e técnicas matemáticas, bem como da ruptura
das estruturas arcaicas representadas pela ideologia positivista de
Comte, no que diz respeito às ciências exatas” (SILVA, p.109).

Tratava-se de um histórico período em que tinha inicio a


industrialização do Brasil; portanto, surgiram àqueles que vinculavam a
educação com o atendimento da exigência mercadológica, mão-de-
obra especializada.

No início do século XX a população urbana no Brasil começou


a crescer rapidamente e sem nenhum planejamento. O país carecia de
uma infra-estrutura básica e as cidades tinham aspecto de vilarejos da
época da colônia. Prevalecia à influência positivista no meio intelectual
e a referência dos bons costumes era denominada de Belle Époque.
Para a incipiente burguesia industrial os “males brasileiros” dependiam
da resolução dos problemas como o analfabetismo, a falta de
patriotismo e o internacionalismo.

Mas o advento da primeira guerra mundial gerou a


necessidade de mudanças na ciência e na educação. Em particular,
para os participantes da Semana de Arte Moderna, constitui uma
expressão de ruptura com as velhas fórmulas culturais.

Ainda na primeira metade do século XX, destacavam as


divergências sobre as possíveis mudanças na educação que atingiriam
diretamente o ensino da matemática. Inicialmente, destacamos alguns
professores na defesa de um ensino que beneficiasse a sociedade
como um todo.

Eugenio de Barros Raja Gabaglia, foi professor do Colégio


Pedro II e representou o Brasil no Congresso Internacional de
Matemáticos (1912). Foi o responsável pela mudança curricular, na
área de matemática, na Reforma Francisco Campos (1931), por
introduzir idéias renovadoras, que foram influenciadas essencialmente
por Felix Klein. “A proposta também trazia uma visão mais moderna
20

dos conteúdos matemáticos, sugerindo a eliminação de “assuntos de


interesse puramente formalístico”, de “processo de cálculo desprovido
de interesse didático” e introduzindo o conceito de função e noções de
cálculo infinitesimal” (MIORIM, 1998, p. 95).

Suas idéias, embora estivessem em sintonia com o que tinha


de mais avançado na época, não deixou de enfrentar resistência
naqueles que defendiam os interesses particulares. Enfrentou o
antagonismo da Igreja Católica, através co confronto de idéias com o
reitor e professor do Colégio Santo Inácio, Arlindo Vieira.

Mais adiante, destacamos Irene de Albuquerque,


contemporânea de Júlio César de Mello e Souza, que tinha idéias bem
definidas sobre o ensino de matemática.

Em sua concepção, as crianças são capazes de aprender, com


uma certa facilidade, as noções dos programas de Matemática da
escola primária; resolvendo com certa facilidade os problemas de
Matemática que a vida lhe apresenta, desde que as noções sejam
dadas umas antes de outras, por ser uma ciência lógica, a fim de que
os alunos possam jogar com elas até descobrir a regra e chegar a
enunciá-la então nunca mais será esquecida, dando a elas a satisfação
da descoberta.

Assim, sua metodologia baseia-se nessa ideologia


apresentada. Destacamos também nessa época Mello e Souza (1961,
1962), que Júlio César (1895-1974), foi professor do Colégio Pedro II e
um crítico severo da maneira como era trabalhada a matemática na
primeira metade século.

Para contrapor o ensino de sua época recorreu a História da


Matemática como recurso didático, explorou as atividades lúdicas e
defendeu um ensino baseado na resolução de problemas não-
mecânicos.

No tocante ao Ensino Superior, destaca-se a fundação da


Universidade de São Paulo – USP (1934), que influencia o surgimento
de novas universidades. Vinculada a USP, encontrava-se a Faculdade
de Filosofia, Ciência e Letras, onde foi criado o primeiro curso
destinado à formação de professores de matemática. Este curso
contou com a valiosa colaboração de matemáticos italianos, como
Luigi Fantappié e Giacomo Albanese (SILVA,1992, p. 83).
21

O fim da primeira metade do século XX caracteriza-se por


mudanças centralizadas, essencialmente no eixo Rio-São Paulo. No
restante do país caracteriza pela falta de uma estrutura básica que
proporcionasse o acompanhamento daquela situação do eixo Rio-São
Paulo.

Obviamente, que não somos partidários da concepção de que


nada existia. Na realidade já existia alguns expoente que produziam
seus livros e ministravam cursos de matemática. Esse foi o caso de
Estados como o Ceará, o Maranhão, o Pernambuco e o Paraná.

A SEGUNDA METADE DO SECULO XX

O início da década de 50 é marcado por profundas


transformações no cenário internacional. O pós-guerra é caracterizado
pelo confronto político e ideológico de duas grandes frentes que
passam a segregar todo o globo. De um lado encontrava o capitalismo
norte-americano e de outro o socialismo soviético. O Brasil, que tinha
uma definição neste confronto, vivia um período democrático e com
expansão econômica.

A matemática, como as demais disciplinas escolares, estava


em fase de estruturação, ou seja, definindo o que deveria ser
ministrado em cada curso. Prevalecia o ensino tradicional, a
rigorosidade, a memorização e o castigo. Os exames recorriam à
matemática como meio de segregação social.

Neste período ocorre a expansão das instituições que


trabalham com a matemática: Institutos de Pesquisas, as
Universidades, as Escolas e as Sociedades Científicas. Trata-se do
período da matemática institucionalizada.

Embora já existissem cursos superiores, é somente na


segunda metade do século que ocorre a expansão desses cursos.
Esse fato é extremamente relevante, visto que, é o período em que
ocorre a definição daquilo que deve ser trabalhado em cada curso e
acentua consideravelmente o intercambio com outros países como a
França, a Alemanha e os Estados Unidos.

Aqui, apesar de todas as deficiências existia, desde 1916, A


Academia Brasileira de Ciências (na sua fundação recebeu a
denominação de Sociedade Brasileira de Sciencias) que inicialmente
direcionava seus trabalhos para três grandes áreas: Ciências
Matemáticas, Ciências Físico-Químicas e Ciências Biológicas. Seu
22

principal objetivo era estimular a continuidade do trabalho científico dos


seus membros, o desenvolvimento da pesquisa brasileira e a difusão
da importância da ciência como fator fundamental do desenvolvimento
tecnológico do país.

Mais de trinta anos depois surge a Sociedade Brasileira para o


Progresso da Ciência - SBPC (1948). A sua primeira reunião
aconteceu no ano seguinte e a partir de 1951, por ocasião da terceira
reunião em Belo Horizonte, passou a agregar outras sociedades
científicas (incluindo as que tratam do conhecimento matemático). Um
aspecto relevante para todas as áreas do conhecimento científico
refere-se ao posicionamento da SBPC em defesa da pesquisa e da
Universidade Pública.

Oportunamente lembramos destas duas instituições, por que


acreditamos que as mudanças em qualquer segmento do
conhecimento contam e com a participação de instituições
comprometidas com a população brasileira. Ademais, resta destacar
que ambas têm espaço para a discussão sobre o ensino das ciências.
Ainda na década de 50, destacamos a perda, pelos
americanos, do início da corrida espacial para os soviéticos. Vigorava a
guerra fria, a necessidade de avanço tecnológico para fazer frente à
ameaça iminente de perigo materializada em forma de aparato
tecnológico soviético.

A partir daí, enormes quantias foram dispensadas pelas


associações científicas para levar adiante a empreitada, reunindo
especialistas de renome em educação, psicologia e diferentes campos
das ciências exatas e naturais.

Uma conseqüência especificamente ocorreu com a


matemática, quando uma organização de caráter econômico convocou
o Seminário de Royaumont (França), o qual objetivava discutir as
novas perspectivas para o ensino de matemática. Foi justamente esse
seminário que deu origem à chamada Matemática Moderna, a qual,
naturalmente, chegou ao nosso país.

Em 1955, por iniciativa da Professora Martha de Souza


Dantas, licenciada em Matemática pela Faculdade da Bahia,
aconteceu em Salvador o I Congresso de Professores de Matemática,
tendo a participação ativa de Omar Catunda, professor daquela
instituição. Com a preocupação básica de discutir conteúdos e
metodologias de ensino, foram realizados mais quatro Congressos de
Professores de Matemática.
23

Damos destaque para o último desses congressos realizado


em 1964. Neste, a necessidade era contrapor a ‘matemática moderna’;
tornava-se necessário reformar o ensino de matemática. O referido
congresso teve lugar em São José dos Campos e, como os outros três,
foi coordenado por Oswaldo Sangiorgi, e contou com a presença de
Georges Papy.

O início da década de 70 é caracterizado pela matemática


moderna, fruto do Movimento Internacional da Matemática Moderna.
Um aspecto marcante da manifestação prática deste movimento foi à
produção dos livros didáticos. Quanto ao conteúdo o marco foi a
simbologia da Teoria dos Conjuntos. Um acontecimento relevante foi à
criação dos grupos de Estudos de Ensino de Matemática com
destaque para o GEEM, Grupo de Estudos do Ensino de Matemática,
em 1965, São Paulo. Era liderado por Oswaldo Sangiorgi e Renata
Watanabe, cujo objetivo principal era preparar os professores para a
Matemática Moderna, com o apoio do Professor Jacy Monteiro da USP
quanto à formação estruralista do grupo. Uma produção que se
destacou na época, no âmbito da didática, foi à coleção “Gruema” de
autoria das professoras Manhúcia Liberman, Lucília Bechara e Anna
Averbach. Esse grupo foi desativado no final da década de 1970; o
GEEMPA, em Porto Alegre, 1970, tem a professora Ester Pilar Grossi
como a sua líder desde a sua criação até hoje. A idéia inicial era
atualizar professores com base nas idéias de Zoltan Paul Dienes.
Depois, passou a desenvolver estudos e pesquisas sobre alfabetização
em sentido amplo – inclusive de jovens e adultos – os quais são hoje
aplicados na rede pública de vários estados; O GEMEG, em 1970, no
Rio de Janeiro, então Estado da Guanabara. Este grupo seguia as
idéias básicas de Georges Papy e seus seguidores e, em vista do seu
presidente, Arago Backx ter estagiado na Bélgica, onde atuava Papy.
O grupo teve três tipos de dificuldades: a falta de infra estrutura
financeira, a forte oposição da comunidade matemática e a falta de
uma proposta independente. Tendo a Professora Maria Laura
Mouzinho Leite Lopes regressado da França, onde havia trabalhado no
IREM da Universidade Louis Pasteur de Estrasburgo, novo grupo
começou a ser articulado para criação e continuidade do trabalho do
GEMEG e o GEPEM, Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação
Matemática, novo grupo em substituição ao grupo acima, foi fundado
em 1976, numa assembléia Geral composta de 32 membros, sendo
eleita a Professora Maria Laura Mouzinho Leite Lopes para presidente.
A professora Maria Laura Continuou por oito anos e seus sucessores
foram: Moema de Sá Carvalho, José Carlos de Mello e Souza, Estela
Fainguelernt, Janete Frant e Rosana de Oliveira, a presidente atual. O
24

GEPEM teve como primeira atividade a organização do I Seminário


sobre o Ensino de Matemática, de 12 a 16 de abril de 1976,
patrocinado pela Academia Brasileira de Ciências e o PREMEN, cujos
objetivos foram: obter um panorama da situação do ensino da
matemática no Brasil e preparar para o III ICME. Tendo contado com a
presença de aproximadamente 200 professores de 20 Estados e em
todos os níveis de ensino. Desde a sua criação, o GEPEM publica o
seu boletim, em cujos dois primeiros foram publicadas as conclusões
do referido seminário. Outros feitos se seguiram. Em convênio com a
Universidade Santa Úrsula, o GEPEM realizou o primeiro curso de pós-
graduação latu senso em Educação Matemática para seus
professores. A partir dessa experiência, a referida universidade iniciou
em 1989 o curso de Mestrado em Educação Matemática no Rio de
Janeiro.

A década de 80 foi decisiva para a Educação Matemática no


Brasil, pois “as sementes plantadas”, anteriormente, começavam a
germinar. Essa conotação poética reflete o surgimento de cursos,
programas e pesquisas que surgiram posteriormente. Praticamente em
todo o país existem profissionais preocupados com o Ensino da
Matemática.

Nas Universidades, não é difícil encontrar uma produção


monográfica que faça consideração sobre a Educação Matemática. A
título de exemplo, citamos o programa de pós-graduação em Educação
Matemática na UNESP, Rio Claro, a Faculdade de Educação da
UNICAMP, a linha de pesquisa ‘Educação Matemática’ existente no
Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRN, o Programa de
Pós-Graduação em Psicologia da UFPE, etc. Acrescenta-se ainda o
SPEC (Subprograma Educação para a Ciência), da UFRJ.

A coroação dos esforços dos precursores do movimento da


Educação Matemática no Brasil no século XX foi concretizada através
da criação da SBEM – Sociedade Brasileira de Educação Matemática,
durante o II ENEM – Encontro Nacional de Educação Matemática, em
1988. A gênese da SBEM, segundo o professor Ubiratan D’Ambrosio
foi a 6ª Conferência Interamericana de Educação Matemática,
realizada em Guadalajara, México, em 1985.

A EDUCAÇÃO MATEMÁTICA NO CONTEXTO ATUAL


25

Atualmente, a formação para a cidadania, vigente na ordem


atual, prescinde de considerar o ensino de matemática como um
condicionamento à escrita e memorização de fórmulas e cálculos
desprovidos de significado. Necessário se faz capacitá-lo a decidir,
opinar, pensar por si, analisar critica e autonomamente. É preciso estar
constantemente experimentando e testando novas metodologias e
equipamentos que permitam ao indivíduo acompanhar todas as facetas
da evolução do seu tempo.

Junto com estes aspectos considerados, o acesso à


informação, via pesquisas e publicações, são de preciosa e
fundamental ajuda para o trabalho do professor de matemática. Ainda
com relação ao movimento da Matemática Moderna do Brasil,
podemos fazer um balanço de seus efeitos via os precursores
(EDUCAÇÃO MATÁTICA EM REVISTA, 1999 a 2001).

Para o professor Scipioni de Pierro Neto, nesse contexto, é


lamentável o estado de inércia observável na maior parte das
Secretarias Estaduais de Educação, e a ausência de cursos
experimentais em educação básica, além da escassez de colégios de
aplicação. O Brasil carece de grupos de estudos e pesquisas que vão
prestar valiosa ajuda quanto à renovação desses métodos e conteúdos
de ensino, visando melhor adequação às demandas que passam a
surgir.

Cabe aqui falar numa modalidade de ensino muito em voga – o


ensino à distância. Por um lado, com um território tão grande como o
que tem o nosso país e com tais desigualdades de todos os tipos –
sociais, geográficas, econômicas, climáticas, políticas, etc, o ensino à
distância poderia dar uma boa parcela de contribuição na busca da
diminuição dessas desigualdades; por outro lado, ainda é muito ruim a
qualidade dos cursos à distância, principalmente na área de Educação,
vigentes no Brasil. Nesse aspecto temos uma vasta área de atuação e
potencial de trabalho para a Educação Matemática.

Já o Educador Matemático Eduardo Sebastiani, interessado


principalmente na Etnomatemática, em especial a matemática
indígena, e a História da Matemática, hoje enfatiza o saber fazer, o
respeito ao individualismo social do aprendiz, independentemente do
meio onde a escola está inserida, salvaguardando as condições
necessárias para tal.

Esse saber fazer, traduzido por situações-problema


contextualizadas, deve levar o aluno a construir as habilidades que os
26

ajudem a adquirir as competências necessárias para encontrar a


solução dos problemas, situação na qual a matemática pode dar
enorme parcela de contribuição. Nesse sentido, o professor é chamado
a retomada de sua condição de “sábio e data”, formado pesquisador,
na escola e na literatura especializada, e em novos conhecimentos e
tecnologias, participar ativamente no processo, como um dos principais
atores.

Nessa direção, a boa formação desse é tarefa primordial dos


cursos de licenciatura, promovendo ainda cursos de aperfeiçoamento e
extensão. Neste ponto, Sebastiani concorda com D’Ambrósio quanto
ao papel da SBEM de divulgadora das idéias que vão surgindo, e
promovedora do intercâmbio entre os professores, qualquer que seja a
instância.

Finalmente, no final do século XX para o início do século XXI,


vemos voltar a forte influência da didática da matemática francesa no
Brasil.

Com foco nas três dimensões básicas que são os valores, os


conceitos e as questões metodológicas, esta didática baseia-se na
teoria das situações didáticas de Brousseau, os campos conceituais de
Vergnaud, o contrato didático, a engenharia didática de Michel Artigue
e os efeitos do ensino, além das idéias de outros pesquisadores como
Régine Douady (PAIS, 2002). Segundo essa tendência, o ensino existe
apoiado num tripé: conhecimento, professor e aluno, interagindo e
infuenciando-se na construção e re-construção do conhecimento.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

O ensino da matemática caracteriza-se, hoje, pela


heterogeneidade de formação, concepção política e prática pedagógica
distinta. A participação de Euclides Roxo demonstra a necessidade de
uma efetiva atuação dos atuais professores de matemática na
elaboração de propostas educacionais. Obviamente que, a exemplo do
que ocorreu com a promulgação da Lei 9394/96, a imposição é tão viva
como a necessidade de difundir os avanços na área de Educação
Matemática.

O próprio Estatuto da SBEM contempla a atuação desta na


definição de uma política educacional que contemple os avanços na
Educação Matemática, o que ainda não é consolidado. Efetivamente
ainda carecemos de meios para obter informações sobre os
acontecimentos relativos à Educação Matemática.
27

Vivemos em um território tão imenso e tão diversificado que,


ao comparamos com a história serial da matemática, é possível
encontrar brasileiros que ainda recorrem as pedrinhas para quantificar
seus objetos. Em contrapartida, alguns recorrem aos sofisticados
software para expandir seus conhecimentos. É no meio deste turbilhão
que os professores tentam realizar sua prática.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BURKE, P. A Escrita da história: novas perspectivas. São Paulo:


Editora UNESP, 1992.

EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA. São Paulo: SBEM Ano 6,


n. 7, jul de 1999.

EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA. São Paulo: SBEM, Ano 7,


n. 8, Jun 2000.

EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA. São Paulo: SBEM, Ano 8,


n. 9/10, Abr 2001.

EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA. São Paulo: SBEM, Ano 8,


n. 11, Dez 2001.

MIORIM, Maria Ângela. Introdução à história da educação


matemática. São Paulo: Atual, 1998.

LACROIX, S. E. Essais sur l’enseignement em général, et sur celui


des mathématiques em particular. Paris: Chez Mme. Vê. Courcier,
1816.

PAIS, Luis Carlos. Didática da matemática: uma análise da influência


francesa. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
28

O PIONEIRISMO DAS PESQUISAS MATEMÁTICAS NO


BRASIL, NOS TRABALHOS DE JOAQUIM GOMES DE
SOUZA (1829-1864).

Cícero Monteiro de Souza

RESUMO

Joaquim Gomes de Souza, primeiro matemático brasileiro a


desenvolver pesquisas matemáticas no Brasil. Autodidata, recebeu,
sem cursar, o título de bacharel em Ciências Físicas e Matemáticas, e
logo após, defendeu a primeira tese de doutorado em matemática no
Brasil. Professor da Escola Militar do Rio de Janeiro começou, a partir
de 1849, a pesquisar e publicar trabalhos inéditos da mais alta
matemática da época. Seus trabalhos foram apresentados na Europa e
publicados na Alemanha.
Palavras-chave: Joaquim Gomes de Souza, história da matemática no
Brasil.

Abstract:
Joaquim Gomes de Souza, first Brazilian mathematician to develop
mathematical researches in Brazil. Autodidactic, it received, without
traveling, bachelor's title in physical sciences and Mathematics, and
soon after, it defended the first doctorate thesis in mathematics in
Brazil. Teacher of the Military School of Rio de Janeiro began, starting
from 1849, to research and to publish original works of the more
discharge mathematics of the time. His works were presented in
Europe and published in Germany.

Words-key: Joaquim Gomes de Souza, history of mathematics in


Brazil

INTRODUÇÃO

Professor Adjunto do Departamento de Física e Matemática da UFRPE.
29

Joaquim Gomes de Souza8 nasceu na província do Maranhão,


em 1829. Seus pais pretendiam que estudasse Direito, e por isso, o
enviaram para estudar em Olinda – PE. Após ter estudado um ano de
Humanidades no Seminário Jesuíta daquela cidade, retorna a São
Luís, em 1842. Mas, no final de 1843 já se encontrava no Rio de
Janeiro, onde se matricula na Escola Militar. Após receber o grau de
bacharel em Ciências Físicas e Matemáticas, e defender tese de
doutorado, começa a partir de 1849 a pesquisar e a publicar os
resultados de suas pesquisas, caracterizados como trabalhos originais,
abordando temas dos mais atuais. No final de 1854, vai para a Europa,
onde apresenta seus trabalhos nas academias de ciências da França e
da Inglaterra. Faleceu em 1864, com apenas 35 anos de idade, sem o
reconhecimento do seu próprio país.

OS ESTUDOS DE MATEMÁTICA NA ESCOLA MILITAR DO RIO DE


JANEIRO

No final de 1843, Joaquim Gomes de Souza, com apenas 14


anos de idade, embarca para o Rio de Janeiro, e, lá chegando
matricula-se na Escola Militar. Após o primeiro ano de estudo, sem
ainda despertar para a matemática, doente, e sentindo o rigor da vida
militar, abandona aquela escola e se matricula na Faculdade de
Medicina. No terceiro ano do curso, em março de 1847, incentivado por
alguns colegas e por um professor, resolveu solicitar à Congregação
da Escola Militar9, permissão para fazer um exame dos três últimos
anos, e concluir o Curso de Matemática, que havia abandonado. Este
requerimento causou de imediato uma reação de espanto, inicialmente
não queriam se quer levar em consideração aquele estranho pedido
(SOUZA, 2000, p. 21). Entretanto, após muito batalhar e envolver
pessoas importantes da corte, inclusive o Ministro da Guerra,
conseguiu fazer os exames que pretendia.

Entre novembro de 1847 e junho de 1848, Gomes de Souza foi


testado por uma comissão de três professores que lhe aplicaram testes
orais e escritos. E, em 10 de junho daquele ano, a Congregação da
Escola Militar resolveu lhe conceder o grau de Bacharel em Ciências
Físicas e Matemática. Logo em seguida, envia outro requerimento
solicitando, desta vez, o direito de defender uma tese pública para a
obtenção do grau de doutor. O documento foi analisado, e quatro
8
Joaquim Gomes de Souza, também é conhecido no meio acadêmico pelo nome de
Gomes de Souza, ou simplesmente Souzinha. Neste trabalho utilizamos a forma Gomes
de Souza.
9
Arquivo da Escola Nacional de Engenharia – Rio de Janeiro.
30

meses depois, em 14 de outubro de 1848, defendeu a tese intitulada


“Dissertação sobre o modo de indagar novos astros sem o auxílio das
observações diretas” (SOUZA,1848,). Esta foi a primeira tese de
doutorado em matemática, defendida em uma instituição brasileira.
Neste mesmo ano torna-se professor da Escola Militar.

A tese defendida por Gomes de Souza é considerado o


primeiro trabalho de pesquisa em matemática realizado no Brasil. É um
trabalho original de Matemática aplicada à Astronomia fundamentado
nas teorias de P. S. Laplace (1749-1827), contidas em sua obra
"Mecânica Celeste" e as descobertas astronômicas que estavam
ocorrendo na Europa, na década de 1840, mais precisamente, na
descoberta do planeta Netuno (1846).

No final de 1848, sentindo-se esgotado, física e mentalmente,


resolve então regressar ao Maranhão, sua terra natal, em busca de
descanso.

O PRIMEIRO PROFESSOR/PESQUISADOR DA ESCOLA MILITAR.

Em julho de 1849, de volta ao Rio de Janeiro, assume suas


atividades de magistério. Neste mesmo ano começa produzir trabalhos
de matemática, como professor da Escola Militar. Entre o final de 1849
e início de 1850, escreve “memórias sobre a integração das equações
parciais” e “Memória sobre a teoria do som”, nesta última, de 80
páginas manuscritas, anuncia seu primeiro teorema “A propagação do
som nos meios elásticos não depende de modo algum das forças que
solicitam as moléculas do meio”. Estas memórias, segundo ele, “...
teriam sido apresentadas à congregação dos lentes da Escola Militar,
sob proposta deles mandadas imprimir na tipografia do governo"
(SOUZA, 1882, p. 262).

A exemplo do que acontecia com a Astronomia, Gomes de


Souza começa a batalhar por uma revista científica, onde ele e os
outros professores da escola pudessem divulgar suas pesquisas; mas,
não foi ouvido. Então, resolve procurar outras alternativas. Nesta
época, circulava no Rio de Janeiro uma revista literária intitulada de
Revista Guanabara, e foi nesta revista que começou a mostrar ao
público os seus trabalhos.

Em 1850, publica no nº 5 da Revista Guanabara, "Resolução


das equações Numéricas". Na introdução deste trabalho Gomes de
31

Souza justifica os motivos que o levaram a escrever sobre esse tema.


Começa explicando que os principais problemas da resolução de uma
equação numérica eram a separação das raízes e os da aproximação,
ambos resolvidos teoricamente, mas não na prática. O problema da
aproximação pelo método das substituições sucessivas ou de
Lagrange era completo, tanto na teoria, quanto na prática devido o
rigor empregado e a lei dos polinômios derivados facilitava o seu
emprego. Mas, a formação da equação dos quadrados das diferenças
das raízes era impraticável aos graus mais elevados, e, todos os
métodos propostos até aquele momento eram bastante trabalhosos,
mesmo os de Cauchy. A necessidade de se resolver equações
numéricas e as dificuldades que os métodos existentes apresentavam,
pelos grandes cálculos que se tinha que processar, o teria levado a
procurar um método mais simples, método este que, segundo ele, era
independente do grau da equação. Após a explicação, em detalhes, do
método de Lagrange, apresenta o seu, “... para que os leitores
pudessem comparar os dois” (SOUZA, 1850, p. 183). Este é o único
trabalho de matemática escrito por Gomes de Souza, que não foi
incluído no "Mélanges de Calcul Intégral10".

Entre 1851 e 1854 publica, em partes, mais dois artigos. No


primeiro, intitulado "Primeira memória sobre métodos gerais de
integração11", publicada a partir de 1851, em três partes. Na primeira
parte ele inicia com a seguinte justificativa: "As tentativas infrutuosas
de Fontaine e Condorcet fizeram com que muitos geômetras se
persuadissem que seria impossível achar métodos gerais de
integração...” (SOUZA, 1851, p. 15).

Por outro lado, segundo ele, o próprio Lagrange supunha que


este era um problema sem solução. Suas palavras nos revelam de
maneira clara que o cálculo diferencial e integral ainda estava para ser
concluído e que sua tarefa era apresentar o seu método, a exemplo do
que buscavam os matemáticos da época. Continuando sua introdução,
afirma que muitas tentativas vinham sendo feitas, mas que nenhuma
delas satisfazia plenamente. É a partir deste ponto que expõe o seu
método, que consistia em dividir as equações em classes:
“... chamarei método geral o que conduz a integração
de cada uma dessas vastas classes. Seria sem dúvida
melhor que todas elas se reduzissem a uma única,

10
Após falecimento de Gomes de Souza, o governo brasileiro custeou a publicação, em
Leipzig-Alemanha, em 1882, de uma obra póstuma intitulada “Mélanges de Calcul
Integral”. Esta obra contém, com exceção de “Resolução das Equações Numéricas”,
toda sua obra, conhecida, no que se diz respeito à matemática
11
Ver bibliografia.
32

porém isto parece impossível a querer-se conseguir


alguma coisa: pelo contrário a divisão em 6, 8 ou 10
classes permite muito melhor que se chegue a solução
do problema”. (SOUZA, 1851, p. 16 -19)

Desta “primeira memória sobre métodos gerais de integração”,


somente seriam publicadas integralmente duas partes12, a terceira
parte ficou pela metade, sem continuação e, embora tenha afirmado
que continuaria, não o fez. Em nenhum momento posterior, Gomes de
Souza teceu alguma explicação sobre o porquê de ter deixado o artigo
incompleto. Mesmo sem ter concluído o trabalho anterior, volta a
publicar na mesma revista o seu segundo artigo intitulado de "Extrato
muito sucinto de uma memória sobre a integração das equações
diferenciais parciais13. A abordagem deste tema era o cumprimento da
promessa de estudar as equações diferenciais que prometera no artigo
anterior.

Este extrato que segundo ele já estava escrito há muito tempo,


começa com sua justificativa de que resolveu estudar estas equações
a partir da necessidade de resolver “...o problema da propagação do
som, no caso da gravidade constante" (SOUZA,1854, p. 36). Assim
sendo, debruçado sobre o que ele chamou de belo "teorema de
Fourier" (sem o citar) deduz uma integral da equação diferencial para
resolver o problema; entretanto, este teorema14 de Fourier, segundo
ele, nada representava, o que o levou a abandoná-lo e elaborar o seu
próprio teorema, criando em conseqüência o seu método. Neste ponto,
Gomes de Souza comete dois erros imperdoáveis: o fato de não
especificar qual o teorema de Fourier a que se referia, e o enunciado
do seu teorema sem a devida demonstração. A única justificativa que
lhe restou foi o pequeno espaço dado pelos redatores da revista.

Após apresentar o seu método, que em sua opinião era bem


simples, e que, segundo ele, oferecia muitas vantagens sobre o
processo de Monge, finaliza a primeira parte do extrato, dizendo:

"O maior inconveniente do nosso método é exigir que se


conheça uma integral particular da equação proposta, o
que não acontece com o método de Monge”. (SOUZA,
1854, p. 255-256).

12
Revista Guanabara, 1851,tomo II, p.15-24, 61-64, 93-95.
13
Revista Guanabara, 1851, tomo II, p.251-256, 339-354.
14
Juntamente com este Teorema , Gomes de Souza afirma que naquele momento não
pode dar a demonstração, deixando a dúvida: se devido ao espaço dado pela revista ou
a complexidade da demonstração.
33

No número subseqüente da mesma revista, publica a segunda


parte do extrato anterior; porém, na introdução deixa claro que a
revista estaria para sair de circulação, o que lamenta, como também
que os trabalhos por ele escrito e nela publicados não são os únicos e
sua pretensão era de escrever outros mais, deixando transparecer, que
seus estudos eram bem mais completos do que esses, já publicados.
Ao finalizar a exposição do seu método, explica ser esta a
conseqüência menos importante que deduziu do teorema enunciado
anteriormente, e a parte também menos importante das suas
indagações. Sugere em seguida a apresentação de outro método
muito mais fecundo e simples de se integrar por integrais definidas que
seria objeto especial de uma memória que ainda não tivera tempo de
redigir. Faz referências as integrais obtidas pelos métodos de Laplace,
Poisson e Parseval, sem citá-las mais uma vez, e diz que seu método
é muito mais apropriado, simples, e incomparavelmente mais geral do
que os deles, mesmo que para isto tenha justificado que por enquanto
estava apenas passando uma idéia, sem muitos detalhes e que para
simplificar sua exposição tomaria um exemplo particular. É desta
forma, que se desculpa. Esta é mais uma das gravíssimas falhas
cometidas em seus primeiros trabalhos; outrossim, não se pode
pretender generalizar todo um método tomando um exemplo particular.
Mesmo assim, do ponto de vista histórico, ainda que ele quisesse não
poderia ter encontrado um método geral sobre a integração das
equações diferenciais parciais, como pretendia, sem o conhecimento
das séries, que nesta época era um tema bastante polêmico, e ainda
não havia sido concluído. Mesmo Cauchy, o sistematizador do cálculo
diferencial e integral, tal qual conhecemos hoje, cometeu gravíssimos
erros no que se dizia respeito ao uso das séries divergentes.(SOUZA,
1987, p.139).

Concluiu este artigo, anunciando que no número seguinte faria


uma exposição abreviada das conseqüências fecundas que havia
deduzido do seu teorema sobre as funções arbitrárias, para a física
matemática e mecânica, e prometeu para ocasiões posteriores
trabalhos extensos sobre o cálculo integral das diferenciais totais,
cálculo inverso das diferenças e cálculo das diferenças mistas e outros
sobre "ramos novos da análise" (SOUZA, 1854, p. 354). Todavia, não
pode cumprir esta promessa; pois, isto teria sido dito no final de 1854,
bem próximo de sua partida para a Europa.

Sentindo as limitações científicas no Brasil, solicita ao governo


permissão para estudar na Europa. Na França, tomou acento na
Academia Francesa de Ciências, onde apresentou esses trabalhos
escritos no Brasil. Mas, discriminado pelos matemáticos franceses,
34

inclusive Cauchy, seus trabalhos não tiveram a recepção que esperava


e foram arquivados. Na Inglaterra, em 12 de junho de 1856, o físico
Stokes, apresentou à Real Sociedade de Ciências de Londres, dentre
outros, sua “Memória sobre o som”. Na Alemanha, em Leipzig, em
1857, antes de retornar ao Brasil, entregou a editora F. A Brockhaus,
uma obra intitulada, "Requeil de Memóires d'Analyse e Physique
Mathemátiques" (SOUZA, 1998, p. 82) que além de seus trabalhos de
matemática, continha outros de filosofia da matemática, que serviriam
de base para a publicação da obra póstuma, “Mélanges de Calcul
Intégral”, em 1882.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BASSECHES, Bruno. Achegas para uma bio-bibliografia de


Joaquim Gomes de Sousa. In Anuário da Sociedade Paranaense de
Matemática, 2(1955), 18-25.

SILVA, Clóvis Pereira da. Uma história social do desenvolvimento


da matemática superior no Brasil, de 1810 a 1920. Faculdade de
filosofia, letras e ciências humanas da USP, 1989. (tese de doutorado).

SOUZA, Cícero Monteiro de. A história da publicação do “mélanges


de calcul intégral” de Joaquim Gomes de Souza. In Anais do
Semiário Nacional de História da Matemática. Recife, 1998.

SOUZA, Cícero Monteiro de. Joaquim Gomes de Souza: discursos


parlamentares de um matemático do Império. 2 ed. Recife,
Imprensa Universitária da UFRPE, 2000.

LEAL, Antônio Henriques. Pantheon Maranhense; Ensaios


biográficos dos maranhenses ilustrados já falecidos. Lisboa,
Imprensa Nacional, 1873-5.

SOUZA, Joaquim Gomes de. Dissertação sobre o modo de indagar


novos astros sem auxílio das observações diretas. Rio de Janeiro,
Typografia de Teixeira & Cia., 1848, ii + 53 p. Tese de doutorado.

SOUZA, Joaquim Gomes de. Primeira memória sobre métodos


gerais de integração. Rio de Janeiro. In Revista Guanabara, II (15-24,
61-64, 93-95, 251-256, 339-354), 1851-4.
35

SOUZA, Joaquim Gomes de. Resolução das equações numéricas.


Rio de Janeiro. In Revista Guanabara, I(183 -190,229), 1850.

SOUZA, Joaquim Gomes de. Mélanges de Calcul intégral. Leipzig, F.


A. Brockhaus, 1882.
36

AS CONTROVÉRSIAS NO CONTEXTO DO CÁLCULO:


DAS DISPUTAS PELA PRIMAZIA ÀS DIFICULDADES
ACADÊMICAS

Josinalva Estacio Menezes15


Valdir Bezerra dos Santos Júnior16

RESUMO

Este artigo tem como objetivo geral refletir sobre as controvérsias que
envolveram historicamente uma área da Matemática tão importante
quanto é o Cálculo. Apresentamos algumas considerações históricas
sobre o seu surgimento, a “disputa” de Newton e Leibniz pela primazia
da descoberta, os impactos do surgimento do Cálculo na produção do
conhecimento matemático e sua inserção no meio acadêmico.
Concluímos com uma pesquisa realizada durante os dois últimos anos
acerca de um problema que vem preocupando também os professores
da atualidade, que é o alto índice de reprovação na disciplina Cálculo I,
disciplina vista no início da maioria dos cursos da área de Ciências
Exatas. Esta última intentou investigar as dificuldades do processo
ensino-aprendizagem de Cálculo I nos cursos de graduação da
UFRPE, e foi realizada através tanto de pesquisa bibliográfica, para
embasamento teórico, quanto de pesquisa empírica, com a análise de
questionários aplicados junto a professores e alunos, comparando as
opiniões de acordo com o método clínico, em quatro semestres letivos,
de 2004.2 a 2006.1.

Palavras-chave: ensino superior, educação matemática, ensino-


aprendizagem.

15
Professora Adjunta do Departamento de Educação da UFRPE/LACAPE/GETEM
16
Aluno do Curso de Matemática da UFRPE/Voluntário do PIC/CNPq/LACAPE
37

INTRODUÇÃO: O CONTEXTO

O cálculo é uma das áreas da matemática que mais causou


impacto no mundo acadêmico. Hoje, a disciplina cálculo faz parte da
matriz curricular de grande parte dos cursos de graduação das
universidades, tanto no nível de licenciatura quanto no de bacharelado,
além de compor grades de cursos abrangendo todas as áreas das
ciências.

No século XVII, houve progressos notáveis em cinco áreas da


matemática, que deram origem à matemática moderna: “a geometria
analítica de Fermat (1629) e Descartes (1637); o cálculo diferencial e
integral de Newton (1666,1684) e Leibniz (1673,1675); a análise
combinatória (1654) e, em particular, uma teoria matemática das
probabilidades de Fermat e de Pascal; a matemática superior (até
1630-1665) de Fermat; a dinâmica de Galileu (1591,1612) e de Newton
(1666, 1684) e a teoria da gravitação universal de Newton (1666, 1684-
7)” (BELL, 2003, p. 142).

No início, havia uma forte hostilidade à ciência que culminou


com a condenação de Galileu à Inquisição, enquanto Descartes
apresentava sua obra-prima em segurança, na Holanda. Na contramão
dessa corrente, eram fundadas as sociedades científicas por toda a
Europa, sendo três as mais influentes: A Sociedade Real de Londres,
em 1662, tendo Newton como presidente de 1703 até 1727; a
Academia Francesa de Ciências, que cristalizou em 1666 as reuniões
informais de Mersenne, Descartes e Mydorge, todos matemáticos, e a
Academia de Berlin, ou Societät der Wissenchaften, fundada em 1700,
estimulada por Leibniz, tendo sido este seu primeiro presidente. Estas
duas últimas juntas deram maior contribuição à matemática pura, tendo
sido sobre elas afirmado que, durante os séculos 17 e 18 “juntas,
fizeram mais por uma ciência o que nenhuma universidade fez, por ser
as publicações das investigações de seus membros uma de suas
principais funções” (BELL, 2003, p. 143). Isso porque representavam
um exemplo enquanto núcleo de homens inteligentes e influentes,
produzindo em meio a uma sociedade intimidada por prejuízos
religiosos e intolerância científica.

O SURGIMENTO

No final do século, Isaac Newton (1642-1727) e Gottfried


Wilhelm Leibniz (1646-1716) contribuíram para a criação do cálculo. Ao
contrário do que hoje é ensinado, o cálculo se desenvolveu
historicamente partindo do cálculo integral para depois vir o cálculo
38

diferencial. As idéias que inspiraram seus estudos parecem remontar


ao método da exaustão grego de Antífon, o Sofista que viveu cerca de
430 AC. Tal método foi considerado uma resposta da escola platônica
aos paradoxos de Zenão. O método do equilíbrio de Arquimedes
também contribuiu para o desenvolvimento das idéias do cálculo,
seguidas pelo já citado Stevin e Luca Valério (1552-1618). Em 1635,
Buonaventura Cavalieri (1598-1647) publicou o Geometria
Indivisibilibus, onde apresenta seu método dos indivisíveis, cujos
resultados principais foram os conhecidos Princípios de Cavalieri. A
diferenciação teria iniciado com as idéias de Fermat, obtendo algum
avanço com os estudos de Kepler, e tendo como predecessores para o
cálculo John Wallis (1616-1703) e Isaac Barrow (1630-1677).

Segundo Courant & Robbins (2000), é muito simplista a atribuir


a apenas dois homens, Newton e Leibniz, a criação do Cálculo.
Historicamente, o cálculo é conseqüência de uma trajetória longa de
trabalho matemático, na qual a participação dos dois foi decisiva. Na
época, na Europa, posteriormente aos trabalhos de Galileu e Kepler,
considerados como precursores do cálculo, era dada a continuidade
por um grupo muito fecundo e ativo de estudiosos, que se
comunicavam entre si via cartas. Os problemas centrais do trabalho
eram dois: o problema das tangentes, segundo o qual dever-se-ia
determinar uma reta tangente a uma curva dada, considerado o
problema fundamental do cálculo diferencial, e o problema da
quadratura, onde deveria se determinar, dentro de uma curva, a área a
área,o que era considerado o problema fundamental do calculo
integral. Os homens centrais da história tiveram o mérito de perceber
como estes dois problemas estavam associados. Assim, a partir
desses métodos unificados, a ciência tomou novo impulso, devendo-se
a Leibniz a notação simbólica. Newton teria bebido nas fontes dos
trabalhos de Barrow (1630-1677), seu professor e predecessor em
Cambridge e, Leibniz, nas idéias de Huygens, culminando o trabalho
deste último com os resultados que continham o núcleo do cálculo
moderno.

Neste contexto, a aquisição considerada a mais profícua foi,


sem dúvida, o cálculo, pela sua possibilidade de atuação por
geômetras que usavam seus métodos para estudar curvas e
superfícies à luz de seus métodos, para descobrir pontos excepcionais
como máximos e inflexões, que não são intuitivamente evidentes
quando se estuda a sua equação.

Sobre o cálculo, Leibniz alardeava, em 1691 que “meu novo


cálculo (e de Newton) ... permite averiguar as verdades mediante uma
39

espécie de análise, e sem nenhum esforço de imaginação, coisa que


antes sucedia só por acidente; e nos dá sobre Arquimedes as mesmas
ventanas que Viète e Descartes no deram sobre Apolônio.” (apud
BELL, 2003, p. 144).

A DISPUTA PELA PRIMAZIA

Newton foi considerado uma das mentes mais notáveis da


matemática. Além de ser considerado o criador do cálculo, estudou
sobre ótica com a teoria corpuscular da luz, Mecânica Celeste,
química, alquimia, filosofia natural e teologia. Suas obras eram
publicadas na maioria das vezes depois de muitas pressões de amigos
e muito tempo depois de produzidas; delas, a mais importante foi a
Philosophiae naturalis principia mathematica em 1687. Após 1694,
passou a resolver problemas desafios que lhe eram submetidos e
outros não o faziam. Seu rival na invenção do cálculo, Leibniz foi
considerado o grande gênio universal do século XVII, desenvolveu o
trabalho sobre o tema entre 1673 e 1676, quando teria descoberto o
Teorema Fundamental do Cálculo. Em vida, criou várias sociedades
matemáticas e publicações, como a revista Acta eruditorum com Otto
Mencke, a Academia de Ciências de Berlim e semelhantes em
Dresden, Viena e S. Petesburgo. Escreveu também uma teoria da
lógica matemática no Characteristica Generalis, teria criado a teoria
dos determinantes, e a generalização do teorema binomial para o
teorema multibinomial. Foi, porém, o Marquês de l’Hospital (1661-
1704), quem publicou o primeiro texto de cálculo, no qual aparece a
famosa regra de l’Hospital para determinar o limite de uma função em
que o numerador e o denominador tendem para zero.

Newton era considerado tímido nos meios científicos, era


conhecido como aquele que não gostava de expor suas descobertas,
chegou a grande parte dos resultados do Principia através do cálculo,
mas preferiu apresenta-los ao estilo da Geometria Clássica, só mais
tarde publicando o método dos fluxões. A disputa pela primazia da
descoberta ocorreu entre os seus admiradores, não eles, sendo
Leibniz acusado de plágio. A evolução do pensamento matemático
juntamente a acontecimentos sociais históricos marcantes como a
Revolução Francesa é que permitiu que o cálculo chegasse até nós
sem mistério e impregnado de rigor.

OS IMPACTOS

O cálculo de Newton e de Leibniz proporcionou finalmente o


método buscado durante um tempo tão longo para investigar a
40

continuidade em todas as suas manifestações, na ciência ou na


matemática pura. Toda troca contínua, como na dinâmica ou na
transmissão do calor e da eletricidade se pode abordar na atualidade
matematicamente apenas graças ao cálculo e seu aperfeiçoamento
moderno. A partir do cálculo do século XVII, as equações mais
importantes da mecânica, da astronomia e das ciências físicas,
passam a ser equações diferenciais e integrais.

A história do cálculo de Newton, a tentação de ver nas obras


de seus contemporâneos como se anteciparam estes e seus
predecessores imediatos é talvez maior do que qualquer outro
progresso importante da matemática.

Entre os que deram continuidade ao seu desenvolvimento


estão alguns dos doze matemáticos da família Bernoulli, Jakob (1654-
1705) com as coordenadas polares e Johann (1667-1748) com
trajetórias ortogonais. Abraham de Moivre (1667-1754) destacou-se na
teoria das probabilidades, séries recorrentes e trigonometria analítica.
As teorias das probabilidades seguintes foram apresentadas pro
Georges Louis Leclerc, Conde de Buffon (1707-1788) e Antoine-
Nicholas Caritat, Marquês de Condorcet (1743-1794). Brooke Taylor
(1685-1731) e Colin Maclaurin (1698-1746) estudaram expansão de
funções em séries de potências, tendo chegado até nós as fórmulas
que levam seus nomes.

Muito da matemática que foi produzida até então é ensinada


hoje em escolas de ensino básico e em cursos de graduação. Porém a
partir do século XVIII começou a ficar cada vez mais difícil acompanhar
a matemática que foi produzida, considerando que até então apenas
17 periódicos publicavam sobre matemática, passando a 210 no século
XVIII e 950 no século XIX, beirando, no século XX, os 2.600. Além
disso, estima-se que metade da matemática hoje existente foi
produzida durante os últimos 60 anos e metade dos matemáticos de
todos os tempos estão vivos. Foi no século XVIII que começou também
a preocupação com o rigor matemático que não era observado nas
publicações, fazendo-se necessário rever as bases da análise para
dar-lhes tal fundamentação lógica rigorosa. Nesse sentido, gastou-se
boa parte do tempo explorando os novos e poderosos métodos do
cálculo. É neste contexto que os cursos de Cálculo nas universidades
acontecem hoje.

Uma pesquisa atual sobre as dificuldades do ensino-


aprendizagem do Cálculo I: O caso dos cursos de graduação da
UFRPE
41

A Universidade Federal Rural de Pernambuco - UFRPE -


oferece atualmente (17) dezessete cursos de graduação, (11) onze dos
quais contêm, em sua grade curricular, a disciplina Cálculo I ou
equivalente. Esta disciplina tem como pré-requisitos básicos o estudo
de Funções, limites e derivadas, sendo pré-requisito para uma série de
outras disciplinas nos referidos cursos.

Assim sendo, disciplina Cálculo I é considerada de grande


importância nos currículos dos cursos de graduação da UFRPE, sendo
pré-requisito para outras, e tendo diversas aplicações. Apesar de
tantas possibilidades, a citada disciplina parece continuar sendo
considerada como uma das que mais provoca evasão e repetência nos
cursos que a contêm no seu currículo, e são apresentadas, tanto por
professores como por alunos algumas razões que nos permitem
categorizar para consideração.

Na universidade, mais especificamente nos cursos onde existe


a obrigatoriedade da disciplina Cálculo I, a situação não parece diferir
deste panorama; também se constata semelhanças em relação à
situação geral, fenômeno ocorrente em outras instituições de ensino
superior que oferecem estes cursos e outros que também contêm a
disciplina em questão, com alguns encaminhamentos para tentar
reverter o quadro que se configurou. Levando-se em consideração
todos estes dados, realizamos uma pesquisa sobre os obstáculos de
efetivação no processo ensino-aprendizagem da disciplina Cálculo I.

Atualmente, já existem diversos livros texto de Cálculo I que


promovem interdisciplinaridade e/ou aplicabilidade, tais como Munem
& Foulis (1994), Swokowski (1996), e os que aplicam cálculo às
ciências agrárias, a exemplo de Ferreira (1999). Mais ainda, existem
textos que incorporam a informática nas suas páginas, a exemplo de
Simmons (1987). No caso da UFRPE, o livro utilizado atualmente, é o
de Stewart (2000), sendo adotado indiscriminadamente entre todos os
cursos.

Apesar de existirem objetivos diferentes na formação dos


profissionais em cada curso, existem convergências no que se refere
ao desenvolvimento do raciocínio e da reflexão, bem como do
desenvolvimento de habilidades que capacitem o profissional a tomar
iniciativas que levem a solução de problemas na medida em que eles
aparecem. Assim, por um lado, existe uma gama de conteúdos
teóricos correspondentes às idéias fundamentais da disciplina; por
outro, cada curso tem suas peculiaridades, portanto, aplicações que
42

lhe são intrínsecas na sua essência. É conhecida, ainda, a existência


de uma enorme gama de “softwares” voltados para os mais diversos
temas, mostrados, inclusive, em eventos de divulgação científica,
embora não sejam utilizados na universidade.

Em conversas informais com professores de outras instituições


de ensino notamos a ocorrência de situação semelhante; dificuldades
no processo ensino-aprendizagem do Cálculo I, traduzida em um
índice inquietante de evasão e repetência. Quais são as causas da
ocorrência de tão desanimador fenômeno? Indubitavelmente, alunos e
professores concordam com a ausência, nos primeiros, da maioria dos
conteúdos que servem de pré-requisito para a melhor compreensão
dos conteúdos do Cálculo I. Outras razões apresentadas remontam à
consciência acadêmica traduzida nos hábitos de estudos dos alunos, e
também na forma como a disciplina é ministrada.

Desconhecendo pesquisas similares sobre o tema, e


preocupados com a situação, realizamos a pesquisa, cujo objetivo
geral foi investigar quais são os atuais obstáculos no processo ensino-
aprendizagem da disciplina Cálculo I nos cursos de graduação da
UFRPE no período atual. Essa pesquisa não só permitiria traçar um
panorama atualizado dos entraves no processo ensino-aprendizagem
da disciplina Cálculo I, como ter elementos para realizar uma ação
preventiva, no que diz respeito à situação vigente nos diversos cursos
de Graduação e Pós-Graduação da UFRPE.

A ESTRUTURA DA PESQUISA

Nossa pesquisa foi desenvolvida em quatro grandes etapas,


correspondendo uma a cada semestre. No primeiro semestre da
pesquisa, fizemos a opção de entrevistar todos os alunos que já
cursaram a disciplina em algum período (aprovados ou não no final do
período), e nos semestres seguintes, os que tivessem cursado no
período anterior. Em cada etapa, deveríamos fazer o levantamento
parcial dos obstáculos discutidos, e no final fazer a síntese dos quatro
semestres. A pesquisa foi sendo realizada através de questionários
com questões objetivas e semi-objetivas, que foram ser aplicados junto
a professores e alunos da disciplina, cujo modelo está em anexo. Para
aplicarmos os questionários junto aos professores, agendamos datas
com os mesmos após o início das aulas. Quanto aos alunos,
deveríamos aplicar, nessa primeira etapa, o questionário junto a todos
os estudantes dos cursos supracitados que já haviam se matriculado
na disciplina durante o curso. Usamos, para analisar os dados, as
orientações de D’Allones (1989).
43

RESULTADOS

Vamos dividir a análise dos dados em quatro etapas. As duas


primeiras, uma referente a cada ano dos dois que a pesquisa durou,
começando pelo primeiro ano. A terceira etapa corresponde à análise
das respostas dos professores e a última etapa é uma comparação
entre resultados de docentes e discentes. Optamos por analisar o
conjunto dos questionários porque não tínhamos intenção de
considerar como variável possíveis elementos advindos da prática do
professor ou das características inerentes a cada curso, mas
verificarmos a situação da universidade como um todo. Iniciaremos
pelos resultados coletados no primeiro ano junto aos alunos.

ANÁLISE DOS DADOS DO PRIMEIRO ANO

Na primeira fase, analisamos 923 questonários de alunos dos


onze cursos. O modelo do questionário está em anexo. Vamos
apresentar os resultados mais significativos.

Inicialmente, constatamos que a disciplina é oferecida, na


maioria dos cursos, no primeiro semestre, já impondo um impacto
inicial de conteúdos que, embora ligados ao ensino médio, passam por
uma abordagem bem diferente, mais abstrata e densa. Nas respostas
aos dados iniciais, constatamos que cerca de 70% dos alunos já foram
reprovados alguma vez na disciplina, o que é preocupante, pela
possibilidade de atrasar o tempo de conclusão do curso, já que essa
disciplina costuma ser pré-requisito de outras. Além disso, alguns
cursos são seriados, o que pode complicar mais ainda a vida
acadêmica dos alunos. Outro fato digno de nota é que houve
desencontros significativos nas respostas sobre o que deveria ser pré-
requisito para a disciplina, muitos tendo perguntados aos inquiridores
sobre o tema. Isso leva à falta de informação para esses alunos,
informação esta que poderia ajudá-los a preparar-se para a disciplina
se eles já soubessem que conteúdos deveriam conhecer antes de
cursá-la. Considerando as deficiências relativas ao ensino básico que
comumente os alunos trazem para a universidade, consideramos de
fundamental importância que esses alunos estejam conscientes da
necessidade de buscar esses conhecimentos anteriores. Neste
sentido, o professor poderia ser de grande ajuda.

Na próxima questão, 0,02% cursaram os pré-requisitos, 39%


não, e 0,97% dos alunos não responderam. Poucos dos alunos
declararam ter cursado os pré-requisitos depois de terem entrado na
44

universidade, o que sugere que estes não estão bem conscientes


dessa necessidade. Cabe aqui lembrar que parte dos cursos tem a
disciplina no primeiro semestre, período em que os alunos acabaram
de sair de um nível de escolaridade (ensino médio) no qual a dinâmica
é totalmente diferente da universidade, no sentido que nesta última,
cada aluno é responsável por seu próprio ritmo de trabalho acadêmico,
e no primeiro, existe um direcionamento para o aluno. No entanto,
alguns cursos têm disciplinas anteriores que já trazem os conteúdos
necessários para cursar Cálculo I, o que pode ajudá-los a ter menos
dificuldades futuras. Quanto às dificuldades em entender as aulas,
27,5% assinalaram “Não, nunca”; 55,79% marcaram “Sim, algumas
vezes”; 20,69% optaram por “Sim, na maior parte do tempo”; 0,75%
não responderam. Atribuímos o não entendimento da maioria à falta de
conhecimento dos pré-requisitos e à metodologia utilizada pelo
professor nas aulas. Aqui inferimos que alunos e professores poderiam
iniciar fazendo um esforço conjunto no sentido de melhorar a relação
dos primeiros com a disciplina, estes na direção da busca dos pré-
requisitos e aqueles na direção de diversificar sua metodologia de
trabalho em sala de aula.

A maioria tem dificuldade em aprender os conteúdos de


cálculo, sendo os resultados são muito semelhantes aos da questão
anterior, o que sugere que as dúvidas e dificuldades que os alunos
enfrentam na presença do professor tendem a não ser elucidadas em
outros momentos. Sabemos que não existe monitores para os cursos
em atividades sem a presença do professor, de modo que, no que
concerne à resolução de exercícios, os alunos têm apenas este último
para contar. A outra das duas questões seguinte versava sobre as
causas das dificuldades dos alunos terem aprendido os conteúdos de
Cálculo I, apresentando (08) oito opções, tendo-se podido assinalar
mais de uma. Verificamos que: 165 alunos assinalaram “O livro-texto
era difícil de compreender”; 267 assinalaram a alternativa “As aulas
eram difíceis de assimilar”; 187 marcaram a terceira alternativa “Você
não tinha uma pessoa por perto para tirar suas dúvidas imediatas”; 257
deles escolheram a opção por “Você tinha pouco tempo para estudar
os conteúdos necessários”; 76 deles escolheram “Você não gostava da
disciplina”; 67 optaram por “Você considera a disciplina pouco
relevante para o seu curso”; 315 marcaram a alternativa “A
metodologia utilizada pelo professor não era adequada”; 65 deles
alegaram “outras razões”. Observamos aqui que as alternativas nas
quais houve maior número de ocorrência referem-se à metodologia do
professor ou à falta de tempo para estudar. Quanto a esta última,
inferimos mais uma vez a insistência em que o aluno deva tomar
consciência da necessidade de dedicação acadêmica ao estudo dos
45

conteúdos das diversas disciplinas do seu curso. Uma vez que


solicitamos explicitar que razões eram essas, as alegações eram
concernentes à: falta de tempo para se dedicar à disciplina; terem
ficado muito tempo sem professor; falta de base, entre outras.

Na penúltima questão, que foi aberta, o enunciado foi o


transcrito a seguir: “Em sua opinião, o que seria necessário para você
melhorar o seu rendimento/aprendizagem desta disciplina (Cálculo I)?”
As respostas referem-se, em boa parte, a críticas sobre os
encaminhamentos metodológicos do professor e á necessidade de
aplicações à área na qual vão atuar, referindo-se ao curso. Algumas
respostas, em menor ocorrência, referem-se a problemas particulares,
e outras poucas, a críticas à sua formação no ensino médio, o que
sinalizou-nos uma consciência deste aluno quanto aos pré-requisitos
da disciplina. A última questão é aberta, tendo o seguinte enunciado:
“Se julgar necessário, utilize esse espaço para comentários e
sugestões”. Observamos que os comentários mais freqüentes dizem
respeito à necessidade de se mostrar aplicações da disciplina ao curso
que estudavam; ser preciso dinamizar a aula; outros comentários
foram pedagógico-acadêmicos específicos do tipo: um professor da
disciplina Cálculo I em outros cursos que não de áreas específicas
como Matemática, Física, etc., deveria ter algum conhecimento
específico daquele curso. Por exemplo: em um curso de Agronomia, o
professor de Cálculo I deveria ter conhecimento na área para fazer
aplicações às Ciências Agrárias.

ANÁLISE DOS DADOS DO SEGUNDO ANO

Nesta parte, em vista de quase todos os alunos participantes


da primeira pesquisa terem feito perguntas a respeito, nos
questionários aplicados listamos os pré-requisitos, que são os
seguintes: Funções, conjuntos, logaritmos, trigonometria, limites e
derivadas. Além disso, os respondentes correspondem, em sua
maioria, àqueles que cursaram cálculo no máximo duas vezes (caso
houvessem sido reprovados no ano da pesquisa). Os outros seriam os
que não responderam, por algum motivo, na primeira etapa. Obtivemos
resultados um tanto semelhantes aos do primeiro ano, embora os
resultados concirnam a menos cursos. Na segunda parte, 419 alunos
responderam ao questionário por sete dos onze cursos. O modelo do
questionário foi o mesmo, excetuando-se os pré-requisitos. Já
esperávamos uma diminuição significativa do número de respondentes
em vista de a maioria já ter respondido no ano anterior, restando
aqueles já citados. Passamos a analisar as respostas às diversas
46

questões. Não repetiremos os enunciados das questões, pois são as


mesmas da outra etapa.

As dificuldades apresentadas nessa etapa são parecidas com


as da primeira. As razões atribuídas ao não entendimento e
aprendizagem da disciplina são semelhantes: referem-se à falta de
conhecimento dos pré-requisitos e à metodologia utilizada pelo
professor nas aulas. Aqui inferimos que alunos e professores poderiam
iniciar fazendo um esforço conjunto no sentido de melhorar a relação
dos primeiros com a disciplina, estes na direção da busca dos pré-
requisitos e aqueles na direção de diversificar sua metodologia de
trabalho em sala de aula. Os comentários também foram parecidos.
Atentamos em uma crítica numa resposta livre, para o ensino
desconectado da realidade onde a universidade está inserida. Este
comentário preocupa principalmente por vir de um aluno de
Licenciatura, o que vai atuar numa realidade muito próxima e inerente
à realidade social contemporânea, que é o contexto do ensino básico.
Observamos que os comentários mais freqüentes dizem respeito à
necessidade de se mostrar aplicações da disciplina ao curso que
estudavam; ser preciso dinamizar a aula; outros comentários foram
pedagógico-acadêmicos específicos do tipo: um professor da disciplina
Cálculo I em outros cursos que não de áreas específicas como
Matemática, Física, etc., deveria ter algum conhecimento específico
daquele curso. Por exemplo: em um curso de Agronomia, o professor
de Cálculo I deveria ter conhecimento na área para fazer aplicações às
Ciências Agrárias.

ANÁLISE DOS DADOS DO PROFESSORES

Cerca de dez (10) professores ensinou Cálculo I ou disciplina


equivalente nos onze cursos de graduação da UFRPE, de modo que
contamos com um total de quatro (04) professores. Passaremos a
analisar as respostas.

Como os professores lecionaram em seis dos onze cursos,


consideramos que esse grupo pode se constituir em amostra
representativa por mais duas razões: a primeira delas é que ensinaram
tanto em cursos noturnos – licenciaturas, como em cursos diurnos –
não licenciaturas e a segunda é que ensinaram em mais da metade
dos cursos, de modo que vamos considerar esses quatro professores
para análise. Além do mais, já faz tempo que tentávamos contatar o
grupo todo sem sucesso.
47

Três professores já lecionaram a disciplina cinco vezes e o


outro, duas vezes. Existem diferenças entre o que os professores
consideram pré-requisitos para a disciplina, de modo que o professor A
respondeu “funções – conceitos e aplicações, trigonometria,
desenvoltura algébrica e aritmética”; o prof. B, conhecimentos básicos
de álgebra e geometria, o prof. C não respondeu, e o prof. D afirmou
que não há. Observamos aqui um pequeno descompasso entre as
respostas, tanto entre os pares (os professores) quanto entre os tipos
de atores (professores e alunos). Não acreditamos, no entanto, em
conseqüências significativas para o bom andamento da disciplina. Na
questão seguinte, “Seus alunos cursaram todos os conteúdos
constantes nos pré-requisitos necessários à disciplina Cálculo I ?”, um
professor não respondeu, um respondeu sim e os outros dois não.Aqui
podemos inferir que a resposta dos professores converge com as dos
alunos, ou seja, para a maioria dos respondentes e a maioria dos
alunos os pré-requisitos não foram cursados. Isso sinaliza
positivamente, pois dá ao professor já alguns encaminhamentos sobre
conscientizar os alunos para a necessidade de suprir as deficiências
sem o que, dificilmente, poderão ter sucesso. Quanto ao que não
cursaram, apenas dois professores souberam responder:
trigonometria, álgebra e aritmética, funções, construções de gráficos,
expressões algébricas. Assim, somente a metade dos professores
parece se inteirar do que acontece na turma no que concerne ao
conteúdo com o qual trabalha no que concerne a esse item. Isso pode
comprometer boa parte do sucesso dos alunos uma vez que, trazendo
deficiências em conhecimentos tão fundamentais para o curso, não
poderão aprender os conteúdos da disciplina e, conseqüentemente,
não poderão ter sucesso em disciplinas seguintes. Quanto aos alunos
apresentarem dificuldades em entender as aulas de Cálculo I,
observamos uma convergência geral entre as respostas de docentes e
respostas de discentes, o que mostra ser um bom sinal, já que o
professor tem noção das dificuldades dos alunos e, assim, fazer um
trabalho mais voltado para ajudá-los na superação dessas dificuldades.
Indagando se os alunos desses professores tinham dificuldade para
aprender os conteúdos da disciplina, podemos fazer a mesma
observação que na questão anterior, embora observemos que esses
conteúdos estão diretamente relacionados aos pré-requisitos. As
respostas dos alunos também combinam com essas na sua maior
parte. Isso lhes dá mais uma chance de encarar as dificuldades dos
alunos e trabalhar na direção de superá-las. As razões para o não
aprendizado, correspondem ao “costume em receber uma “matemática
de fórmulas e memória” (prof A); “por ser conteúdos novos, nunca
vistos pela grande parte deles e por falta de tempo para exercitá-los,
visto que precisam primeiro vencer pequenas deficiências de
48

matemática básica.” (prof. B); “não revisam os conteúdos após as


aulas, usam a “falta de tempo” como desculpa.” e “dificuldades em
dominar gráficos simples, em abstrair conceitos”. (Profs C e D).
Observemos mais uma vez um descompasso entre respostas de
professores e de alunos. É necessário um entendimento para uma
melhoria do trabalho do docente, e uma melhoria de rendimento do
discente. Passamos á próxima questão: “Para você, quais os requisitos
fundamentais para alunos de Cálculo I saírem-se bem na disciplina?
Qual é a sua contribuição para esse sucesso?” Prof. A: Abordagem
histórica e menos arrogante. cálculo é difícil! prá todo mundo!; Prof. B:
Os requisitos são: ter domínio em álgebra básica, ter habilidade em
resolver cálculos aritméticos e interpretação. minha contribuição é a de
estar sempre revisando conteúdos de matemática à medida que noto
essa deficiência; Prof. C: “revisar alguns conceitos vistos no ensino
médio. dedicar algum tempo à prática”; Prof. D: “Saber trabalhar com
polinômios, fazer gráficos simples (translações de gráficos). Minha
contribuição é iniciar o curso com uma revisão dos tópicos citados.”

Aqui vemos mais convergências entre as respostas, embora


não devamos levar em consideração as proporções. A próxima
questão concerne especialmente ao trabalho do docente:

Na questão seguinte, sobre a metodologia usada no trabalho,


opinaram que (Prof. A): “Abordagem histórica e resolução de
problemas. acho que gostam.”; Prof. B: Aula expositiva, buscando
sempre a participação dos alunos. eles, na grande maioria das vezes,
aceitam bem.”; Prof. C: “Aulas expositivas. aulas de exercícios,
trabalhos em grupos. Não avaliei a aceitação.”; Prof. D: Aulas
expositivas e interativas. Não encontramos um comentário que
contribua significativamente para o processo de ensino-aprendizagem,
ou encaminhamento pertinente. Finalmente, “Na sua opinião, o que
seria necessário para melhorar/otimizar o rendimento dos alunos na
disciplina Cálculo I? “ PROF. A: “Maior carga horária e reavaliação do
programa, objetivos e metodologia.”; Prof. B: “Fazer uma sondagem
com esses alunos, antes de se iniciar a disciplina e, de acordo com a
necessidade, oferecer um curso básico para os que se interessarem.”
PROF. C: “Conscientizar os alunos da importância da disciplina.
atualizar a bibliografia. Laboratórios para aulas práticas.”; Prof. D:
“Maior embasamento em matemática durante o ensino fundamental e
médio.”

Aqui, docentes e discentes harmonizam-se na intenção


expressa de melhorar a situação na qual o ensino-aprendizagem de
Cálculo I se encontra, buscando contribuir para minimizar o quadro da
49

disciplina na UFRPE. Passamos à penúltima questão: “Você costuma


passar exercícios para fazer em casa/classe? Em caso afirmativo, que
percentual aproximado dos alunos resolve (correta ou erradamente)?
Você corrige os exercícios que apresenta o gabarito? Por que?” PROF.
A: SIM. 70%. Sim, normalmente de maneira coletiva. faz parte da
minha linha metodológica. Prof. B: SIM. Aproximadamente 60%. faço
lista de exercícios com o gabarito e resolvo todos os exercícios
necessários (principalmente os que eles não conseguem resolver
sozinhos). Prof. C: “Sempre faço listas de exercícios. resolvemos
alguns em sala. acredito que aproximadamente 25% tentam fazê-lo”;
Prof. D: “Passo exercícios para fazer em casa e na classe. muitos
resolvem errado, outros não o resolvem. um pequeno percentual dos
alunos resolve de maneira correta.”

A última questão é aberta, solicitando comentários livres: Só


dois professores comentaram: PROF. B: “um fato real que observei em
todos esses cursos é a falta de tempo, em alguns casos também a
falta de dedicação por parte dos alunos a essa disciplina, que é básica
para o desenvolvimento do seu curso. Muitos já chegam desmotivados
e com medo, pois sabem que é uma disciplina que reprova muito.
Minha sugestão é a de que os alunos antes de cursarem cálculo I,
possam ter a oportunidade de cursar uma disciplina (que deveria ser
inserida na sua grade curricular) de matemática básica, ou mesmo um
pré-cálculo. Talvez isso pudesse dar uma melhor suporte a esses
alunos e eles assim, chegassem ao cálculo I com uma melhor base”; O
professor C criticou a falta de laboratórios.

As observações dos professores são interessantes. O primeiro


mostra a preocupação com a situação dos alunos e uma preocupação
com a aprendizagem dos mesmos em relação à disciplina. O segundo
mostra estar sintonizado com as demandas referentes à evolução
tecnológica contemporânea. Consideramos interessante verificar as
concepções dos professores sobre elementos intrinsecamente
concernentes à Matemática em geral e ao Cálculo I em particular.
Pedimos a definição de teorema, lema, proposição, corolário, axioma e
postulado. As respostas foram completamente dessintonizadas, não
apresentaram definições formais, apenas um foi objetivo, um não
respondendo.

Finalmente, pedimos ao professor para corrigir a resolução ao


problema: “Prove que a é irracional, onde “p” é um número primo.”,
apresentando uma resolução. As correções também foram
diversificadas, não havendo dois deles concordando. O professor D
não respondeu.
50

CONCLUSÃO

Os dados analisados para esta fase sugeriram alguns


encaminhamentos.

O primeiro deles é a necessidade de um trabalho de


conscientizar os alunos da necessidade de buscar os conhecimentos
anteriores necessários para cursar a disciplina com o melhor
aproveitamento possível. Neste sentido pode-se incluir uma reflexão de
como se poderia fazer um trabalho na perspectiva de um pré-cálculo
para minimizar os desníveis de conhecimentos a serem mobilizados.
Outro trabalho útil poderia ser uma série de discussões e reflexões
com os alunos no sentido de eles mesmos formarem grupos de
discussões sobre o tema. Finalmente, outra sugestão apresentada é
uma revisão dos procedimentos metodológicos do professor no
andamento de suas aulas, na tentativa de melhorar os níveis de
compreensão do aluno. O processo educacional, enquanto inserido
num processo vigente no contexto social evolui paralelamente à
evolução nesse próprio contexto. Assim sendo, um acompanhamento
das tendências ocorridas neste último influi decisivamente nos rumos
do primeiro. Portanto, o redirecionamento constante do processo
educativo está condicionado fortemente ao acompanhamento da
evolução social o que inclui os avanços pedagógicos/tecnológicos.
Neste sentido, acreditamos na validade deste trabalho, no contexto
escolhido.

Nessa pesquisa, verificamos que as primeiras dificuldades


apresentadas pelos alunos evidenciadas no questionário dizem
respeito à função que a disciplina tem no curso que é ministrada; é
necessária uma aplicabilidade da disciplina ao curso, além de parte
dos alunos trazerem uma deficiência de conteúdo anterior à
universidade. Na questão sobre as causas das dificuldades dos alunos
aprenderem cálculo, as alternativas mais assinaladas pelos alunos
remetem à metodologia do professor ensinar a disciplina, dificuldade
de asssimilação dos conteúdos na exposição e falta de tempo para
estudar esses conteúdos. Podemos inferir que a prática do professor é
fator decisivo para os obstáculos de aprendizagem, e uma
conscientização para a necessidade de organizar as atividades
acadêmicas no sentido de estudar a disciplina, a qual não parecem
considerar relevante para a formação profissional. Professores e
alunos precisam estar mais sintonizados em torno de um tema comum
que é a formação de profissionais de nível superior incluindo
professores de matemática em geral, e o aprofundamento do
51

pensamento matemático incluindo o ensino-aprendizagem do Cálculo I


em particular.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AYRES Jr, Frank. Cálculo Diferencial e Integral. São Paulo: McCrow-


Hill do Brasil, 1976. Col. Shaun. Trad. de J. R. de Carvalho.

BELL, E. T. Historia de las Matemáticas. México: Fondo de Cultura


Econômica, 2003. Tradução de R. Ortiz.

BOYER, Carl. História da Matemática. São Paulo: Edgar Klucher,


1968.

COURANT, R & ROBBINS, Herbert. O que é matemática? Rio de


Janeiro: Ciência Moderna, 2000. Trad. de Adalberto da Silva Brito.

FALEIROS, Antônio Cândido. Aritmética, Cálculo e Álgebra com o


Mathematica.

FERREIRA, Rosangela Sviercoski. Matemática aplicada às ciências


agrárias. Viçosa: Editora da UFV, 1999.

FULKS, Watson. Cálculo Avançado. México: Limusa, 1976.

GRANVILLE, J. M. SMITH, P. P. & LONGLEY, W. R. Elementos de


cálculo diferencial e integral. Rio de Janeiro: Científica, 1961.

KONGUETSOF, Leônidas. Cálculo diferencial e integral. São Paulo:


McGrow-Hill do Brasil Ltda., 1974.

LINTZ, Rubens G. História da Matemática, vol I. Blumenau: Editora


da FURB, 1999.

MERINO, Pablo Miguel &. Curso de cálculo integral. Cuba: Cultural


S/A, 1942.

MUNEM, Mustafá A. & FOULIS, David J. Cálculo. Rio de Janeiro:


Guanabara-Koogan, 1978.

REVAULT D’ALLONES, C. La demarche clinique en Sciences


Humaines. Paris: Dunod, 1989.
52

SILVA, Benedito Antônio da et alii. Educação Matemática: a prática


educativa sob o olhar do professor de cálculo. Belo Horizonte:
FUMARC, 2001.

SIMMONS, George F. Cálculo com Geometria Analítica. São Paulo:


McGraw-Hill, 1987.

STEWART, J. Cálculo. Rio de Janeiro: Makron Books, 2000.

SWOKOWSKI, Earl W. Cálculo com Geometria Analítica. Rio de


Janeiro: Makron Books, 1996, vol. 1 (2ª ed.).

TAYLOR, Angus. Advanced Calculus. New York: Ginn and Co, 1952.
53

Anexo I – Modelo de questionário para os alunos


MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DOS DESPORTOS
UFRPE - DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO
PESQUISA: Os Obstáculos no Processo Ensino-Aprendizagem da
Disciplina Cálculo I nos Cursos de Graduação da UFRPE
QUESTIONÁRIO PARA OS ALUNOS

Visando compreender as dificuldades enfrentadas para


aprender a disciplina Cálculo I ou de nome equivalente no seu curso de
graduação, para futuros encaminhamentos, solicitamos a gentileza de
responder a este questionário e devolvê-lo em seguida. Não precisa se
identificar. Agradecemos-lhe por responder.

Curso: _______________________________________________
Semestre atual: ____ Período: ____ Período em que foi aprovado em
Cálculo I: ___ Nº reprovações: _______
Período da disciplina na sua grade curricular:_____________________
Pré- requisitos para a disciplina________________________________

Você cursou todos os conteúdos constantes nos pré-requisitos


necessários à disciplina Cálculo I ? Sim ( ) Não ( )
Em caso negativo, quais conteúdos não cursou?

Em caso afirmativo, quantos semestres antes de cursar Cálculo I pela


primeira vez?

Você teve dificuldades em entender as aulas de Cálculo I?


( ) Não, nunca
( ) Sim, algumas vezes
( ) Sim, na maior parte do tempo
Em caso afirmativo, a que razões você atribui o seu não
entendimento?

Você teve dificuldades em aprender os conteúdos do Cálculo I ?


( ) Não, nunca
( ) Sim, algumas vezes
( ) Sim, na maior parte do tempo
Em caso afirmativo, quais?

Quais as razões de você não ter aprendido estes conteúdos?


( ) O livro-texto era difícil de compreender
( ) As aulas eram difíceis de assimilar
54

( ) Você não tinha uma pessoa por perto para tirar suas dúvidas
imediatas
( ) Você tinha pouco tempo para estudar os conteúdos necessários
( ) Você não gostava da disciplina
( ) Você considera a disciplina pouco relevante para o seu curso
( ) A metodologia utilizada pelo professor não era adequada
( ) Outras razões (Quais?)

Na sua opinião, o que seria necessário para você melhorar o seu


rendimento/aprendizagem desta disciplina (Cálculo I)?

Se julgar necessário, utilize este espaço para comentários e


sugestões.
55

Anexo II – Modelo de questionário para os professores


MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DOS DESPORTOS
UFRPE - DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO
PESQUISA: Os Obstáculos no Processo Ensino-Aprendizagem da
Disciplina Cálculo I nos Cursos de Graduação da UFRPE
QUESTIONÁRIO PARA OS PROFESSORES

Visando compreender os possíveis obstáculos no processo


ensino-aprendizagem da disciplina Cálculo I ou de nome equivalente
nos cursos de graduação, para futuros encaminhamentos, solicitamos
a gentileza de responder a este questionário e devolvê-lo em seguida.
Não precisa se identificar. Agradecemos-lhe por responder.

Curso(s) no qual leciona a disciplina: ___________________________


_________________________________________________________
Semestre atual: ____

Seus alunos cursaram todos os conteúdos constantes nos pré-


requisitos necessários à disciplina Cálculo I? Sim ( ) Não ( )
Não sabe ( )

Em caso negativo, quais conteúdos não cursaram na maioria?

Em caso afirmativo, quantos semestres antes de cursarem Cálculo I


pela primeira vez?

Seus alunos apresentam dificuldades em entender as aulas de Cálculo


I?
( ) Não, nunca
( ) Sim, algumas vezes
( ) Sim, na maior parte do tempo
Em caso afirmativo, a que razões você atribui o seu não
entendimento?

Seus alunos têm dificuldades em aprender os conteúdos do Cálculo I ?


( ) Não, nunca
( ) Sim, algumas vezes
( ) Sim, na maior parte do tempo
Em caso afirmativo, quais?

Para você, quais as razões de seus alunos não terem aprendido estes
conteúdos?
56

Para você, quais os requisitos fundamentais para alunos de Cálculo I


saírem-se bem na disciplina?
Qual é a sua contribuição para esse sucesso?

Que metodologia de trabalho você desenvolve? Como acha que os


alunos a recebem?

Na sua opinião, o que seria necessário para otimizar o rendimento dos


alunos na disciplina Cálculo I?

Se julgar pertinente, utilize este espaço para comentários e sugestões.


57

O LAZER NO CONTEXTO MATEMÁTICO: DAS


RECREAÇÕES MATEMÁTICAS AOS HOBBIES
COMUNS.
Josinalva Estacio Menezes17

RESUMO

Neste artigo buscamos discutir as formas de lazer utilizadas pelos


matemáticos desde a antiguidade, com base no trabalho filosófico de
Huizinga, até os dias de hoje, a partir de pesquisa empírica feita com
professores de universidades brasileiras. Para a revisão de literatura,
examinamos também obras sobre literatura matemática. Para a
pesquisa empírica, entrevistamos dez professores de cinco
universidades de três regiões do Brasil. Os resultados obtidos levavam
a concluir que as formas de lazer, embora muitas vezes comuns aos
outros indivíduos, estão imbuídas do trabalho, quando às atividades
sugeridas para estes momentos, remetem a conteúdos matemáticos,
apresentados de forma recreativa.

PALAVRAS-CHAVE: lazer, jogos matemáticos, filosofia.

INTRODUÇÃO
17
Professora Adjunta do Departamento de Educação da
UFRPE/LACAPE/GETEM
58

De modo geral, quando mencionamos a palavra matemática


e a personagem a ela diretamente relacionada – o matemático, parece
existir um senso comum que se manifesta imediatamente
apresentando, para a figura citada, conotações de sisudez, excessiva
abstração, permanente tensão pela busca da produção do
conhecimento perfeito, alienação, enfim, algo fora da realidade dos
“outros mortais”.

Quando examinamos, porém, as relações entre os


matemáticos nas atividades sociais e a cultura, perpassadas pelos
aspectos inerentes ao jogo e ao lúdico, o que se observa é que,
transferidas para o contexto apropriado, as formas de lazer dos
matemáticos, desde a antiguidade, estão em consonância com as
formas de lazer dos outros seres sociais, uma vez que os matemáticos
estão inseridos em alguma sociedade, portanto recebe influência direta
da cultura da mesma.

O LAZER E A CULTURA NA ANTIGÜIDADE

Em seu estudo Homo ludens – o jogo como elemento de


cultura, Huizinga (1996) faz uma análise profunda sobre a integração
do conceito de jogo no de cultura, procurando determinar até que
ponto a própria cultura possui um caráter lúdico. Nele, Huizinga busca
mostrar, do ponto de vista filosófico – muito mais que psicológico ou
antropológico – os elementos lúdicos presentes nas principais
atividades de uma sociedade, inseridos na cultura, sendo o ser
humano essencialmente “brincante”.

Esse pensamento está bem expresso no trecho abaixo


transcrito:

Em época mais otimista que a atual, nossa espécie recebeu a


designação de Homo Sapiens. Com o passar do tempo, acabamos
por compreender que afinal de contas não somos tão racionais
quanto a ingenuidade e o culto da razão do século XVIII nos fizeram
supor, e passou a ser de moda designar nossa espécie como Homo
faber. Embora faber não seja uma definição do ser humano tão
inadequada como sapiens, ela é, contudo, ainda menos apropriada
do que esta, visto poder servir para designar grande número de
animais. Mas existe uma terceira função, que se verifica tanto na
vida humana como na animal, e é tão importante como o raciocínio
e o fabrico de objetos: o jogo. Creio que, depois de Homo faber, e
talvez ao mesmo nível de Homo sapiens, a expressão Homo ludens
59

merece um lugar em nossa nomenclatura. (Huizinga, em prefácio do


livro Homo ludens: o jogo como elemento de cultura, 1996, 4ª ed..)

O que buscaremos verificar no contexto da matemática, é que


desde a antiguidade, passando pela época do racionalismo, com a
produção e publicação das recreações matemáticas, até os dias de
hoje, com o desenvolvimento dos jogos matemáticos pedagógicos, os
elementos lúdicos discutidos por Huizinga nesta atividade específica,
inserida nas culturas em questão também estão presentes.

As marcas do jogo estão presentes em todas as grandes


atividades arquetípicas da sociedade humana. Uma delas é a
linguagem, o que permite ao homem comunicar, ensinar, comandar,
distinguir as coisas, defini-las e constatá-las, designá-las e elevá-las
ao domínio do espírito, o qual salta entre matéria e coisas pensadas.
Segundo Huizinga, “Por detrás de toda expressão abstrata se oculta
uma metáfora, e toda metáfora é um jogo de palavras.” (p. 7).

DEFINIÇÕES DE JOGO E SUA INSERÇÃO NA CULTURA

Outra atividade é o mito enquanto transformação ou


imaginação do mundo exterior, em processo mais elaborado. “Em
todas as caprichosas invenções da mitologia, há um espírito
fantasista que joga no extremo limite entre a brincadeira e a
seriedade. Os cultos aos mitos são feitos de um espírito de puro
jogo.”(p. 7)

Olhando as características do jogo, temos que é


fundamentalmente uma atividade voluntária. Não sendo imposto,
costuma ser praticado nas horas de ócio, tornando-se uma
necessidade na medida em que o efeito provocado por ele o
transforma numa necessidade, e tornando-se um dever quando
constitui uma função cultural reconhecida, como o culto e o ritual.

O jogo é desinteressado, pois como não pertence à vida


comum, situa-se fora do mecanismo de satisfação imediata de
necessidades e desejos. O jogo é temporário, limitado no tempo. A
quarta característica do jogo é a ordem, já que nele reina uma ordem
específica e absoluta; a menor desobediência a esta ordem “estraga”
o jogo.
O jogo é tenso. E este elemento de tensão e solução, é que
confere ao jogo um certo valor ético, na medida em que são postas
em prova as qualidades do jogador, permeia principalmente os jogos
de destreza e estratégia, esse último nosso alvo de interesse.
60

O jogo é regrado. Todo jogo tem suas regras, as quais são


absolutas e não permitem discussão. Quanto a essa última
característica, curiosamente observa-se mais tolerância com o
trapaceiro, que finge jogar seriamente, do que com o desmancha-
prazeres, o que abandona o jogo por incapacidade ou imposição
alheia, o qual não é tolerado, sendo banido do grupo.

Na cultura, a observação dessas características é imposição


tão séria, que pode segundo algumas culturas, alterar o curso natural
dos fenômenos e impedir o sucesso dos resultados das atividades a
ela inerentes, como o resultado de uma colheita condicionada a uma
dança executada fielmente por competições sagradas em uma cultura
chinesa.

De acordo com a definição de Huizinga, que nos parece ser a


mais adequada, em vista da abrangência que ela possui,

[...] o jogo é uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro


de certos e determinados limites de tempo e de espaço, segundo
regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias,
dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento
de tensão e de alegria e de uma consciência de ser diferente da
“vida quotidiana”.(p. 33).

Dizer que a cultura surge na concepção de Huizinga, desde


seus primeiros passos, sob forma de jogo, significa dizer que em suas
fases mais primitivas a cultura possui um caráter lúdico, ou seja, que
ela se processa segundo as formas e o ambiente do jogo, embora
não seja fácil delimitar em que ponto a cultura emerge dele. Essa
relação se torna mais evidente nas formas mais elevadas dos jogos
sociais, competitivos, pois os jogos solitários dificilmente criam
cultura.

Por seu caráter antitético, agonístico, se faz constantemente


presente na civilização, permitindo que a cultura se desenvolva como
jogo e no jogo. O caráter lúdico da competição se faz notar nas
características presentes nesta que remontam às do jogo, tais como a
tensão, o respeito às regras, a satisfação que a vitória traz.

A COMPETIÇÃO E OS DESAFIOS NOS MATEMÁTICOS


61

Várias referências à competição transmitidas pelas tradições


ligadas à religião, aos rituais, às guerras, mostram, em suas diversas
formas, que a importância dela se deve ao seu caráter lúdico. Mais
ainda, a competição sugere, em alguns povos, formas tão puras que
parece superior a outros, mesmo de civilização mais avançada, o que
nos permite reconhecer, nas raízes dos rituais sagrados, a
imperecível necessidade humana de se viver em beleza, somente
satisfeita pelo jogo. Seja em forma de luta, de demonstração de
superioridade econômica ou pessoal, estão presentes nas mais
diversas formas e nas mais diversas e longínquas.

No contexto matemático, a competição com este sentido


também se faz presente.

Em Garbi (1997), é relatada uma série de casos de


competição entre matemáticos de várias épocas, choque entre
talentos no âmbito das equações algébricas. Estes episódios mostram
que os “grandes gênios” também têm suas qualidades, defeitos,
paixões, fraquezas e espírito competitivo no sentido de demonstrar a
superioridade intelectual sobre seus colegas de interesse, “cujas
essências eram as vaidades e outros sentimentos menos elevados”
(p. 30).

É conhecido o episódio sobre Cardano e Tartaglia sobre as


equações do terceiro grau, valendo resumi-lo aqui. Girolamo Cardano
(Pavia, 1501 – Roma – 1576) era excepcional cientista, também
dedicado à astrologia. Protegido do Papa Gregório XIII, teria sido
acusado de heresia por haver divulgado o horóscopo de Jesus Cristo;
como astrólogo do Vaticano, escreveu um livro louvando a Nero, o
grande perseguidor de cristãos do Império Romano.

Foi no trabalho intitulado “Líber de ludo Aleae” que introduziu


a idéia de probabilidade que se usa modernamente, onde também
ensinou como trapacear nos jogos. Definiu-se como desbocado,
espião, melancólico, traidor, invejoso, solitário, obsceno,
incomparavelmente vicioso e total desprezador da religião. Seu
trabalho considerado como o maior legado à álgebra na época foi o
ARS MAGNA (Nurenberg-Alemanha, 1545). Esta obra introduziu o
conceito de número negativo, no contexto da contabilidade usual da
época.

Seu oponente, Nicoló Fontana, apelidado Tartaglia – gago


(Bréscia,1500 – 1557), teve vida desventurada, pobre, difícil e
62

áspera. Tendo demonstrado seu talento desde a tenra idade, não


pode freqüentar a escola normalmente e estudou por conta própria,
tornando-se professor de ciência em Verona, Vicenza, Bréscia e
Veneza. Foi o primeiro, cem anos antes de Galileu, a realizar cálculos
na técnica da artilharia.

Consta que cerca de 1510 Scipione del Ferro encontrou uma


forma geral de resolver equações do tipo x3 + px + q = 0, tendo
morrido sem publicar sua descoberta. Fior desafiou Tartaglia, o qual
aceitou o desafio, sabendo que aquele tinha posse do método do
falecido Scipione del Ferro. Não só achou a solução da equação
proposta, como ainda achou uma fórmula geral para as equações do
tipo x3 + px2 + q = 0, desconhecida por Fior. Assim, Tartaglia resolveu
os problemas propostos por Fior, e ainda propôs problemas para o
mesmo, o qual não resolveu nenhum deles.
Como nesta época Cardano, que estava escrevendo a Pratica
Arithmeticae, soube que Tartaglia achara a solução geral para a
equação do 3º grau; havia desistido de incluir tal solução no seu
trabalho por ter sabido que um certo Luca Paccioli haveria dito não
haver tal solução, pediu-a a Tartaglia para publicar no seu trabalho.
Este, alegando pretender publicá-la negou, e foi duramente ofendido
por Cardano. Posteriormente, usando de artimanhas e jurando não
divulgar, Cardano convenceu Tartaglia a fazer a antes negada
revelação, e publicou em 1545, na Ars Magna, tendo sido denunciado
pela sua vítima. Outros desafios teriam ocorrido, mas a fórmula ficou
conhecida como sendo de Cardano.

Neste contexto, a alegria, satisfação e emoção de Tartaglia


deve ter sido enorme, dadas lembranças de sofrimento e fome
passadas na infância, a agressão sofrida pelos inimigos franceses, os
esforços para estudar sozinho, as humilhações pelos defeitos físicos,
o prazer de ter vencido onde tantos tinham fracassado.

Outra contenda citada por Garbi ocorreu entre Ludovico


Ferrari (Bolonha, 1522-1560) discípulo de Cardano, e Zuanne de
Tonini da Coi .Discípulo de Cardano, oriundo de condições humildes,
foi ensinar por conta própria em Milão, e via proteção do Cardeal de
Mântova, galgou boas posições, incluindo a de professor de
Matemática na Universidade de Bolonha. Zuanne submeteu a
Cardano uma questão que envolvia a equação x4 + 6x2 – 60x + 36 =
0, Ferrari encontrou, junto com a solução para o problema, a solução
geral para as equações de quarto grau, método que Cardano também
publicou na Ars Magna, em continuidade à solução de Tartaglia.
63

O jogo está fortemente ligado ao conhecimento. É no domínio


do próprio espírito humano – o do conhecimento e da sabedoria – que
encontramos semelhanças nos costumes agonísticos entre as culturas
de forma mais impressionante.

AS RECREAÇÕES MATEMÁTICAS: O “DESCANSO” DA


PRODUÇÃO DAS TEORIAS

A relação do conhecimento com as características do jogo


pode ser identificada na seguinte argumentação: O conhecimento é
para o homem primitivo uma fonte de poder mágico, pois todo saber é
saber sagrado; esta sabedoria é esotérica capaz de fazer milagre, pois
todo conhecimento está ligado à ordem cósmica; esta ordem,
decretada pelos deuses e conservada pelo ritual de preservação da
vida e salvação do homem está salvaguardada no conhecimento das
coisas sagradas, seus nomes secretos e na origem do mundo.

Os desafios, enigmas, as adivinhações são elementos


fortemente presentes nos mais conhecidos e preciosos livros do
conhecimento. Em algumas culturas, existem concursos de enigmas
onde a vida é posta em jogo, como tema principal da mitologia.

No caso de uma pergunta enigmática, sua resposta não está


necessariamente no uso da reflexão ou do raciocínio lógico. Em
princípio, só há uma resposta certa, a qual será encontrada quando se
conhecem as regras do jogo, as quais são de ordem gramatical,
poética ou ritualística, daí a necessidade de se conhecer essa
linguagem especial.

Aos enigmas e adivinhações são atribuídos efeitos mágicos


importantes das relações sociais. O conhecimento nesses casos dá
uma posição de superioridade ritual independente da condição social
na cultura em questão, e todas essas formas de expressão das
questões do conhecimento remontam à matemática.

Aí entram as infinitas recreações matemáticas. Sob diversas


formas, várias obras têm sido publicadas a partir do século XVII, com
Gaspar de Blachet, Sieur de Mériziac (1612), essas recreações, como
o próprio nome sugere, eram problemas do âmbito matemático, cujo
objetivo era descansar do trabalho matemático, visando o relaxamento,
a diversão. As formas do enunciado e as situações abordadas
sugeriam lazer para estes, e eram repassados para os demais
indivíduos chegando até nós nos dias de hoje.
64

Poesia e arte também encerram seus elementos lúdicos.


Desde a Antiga Grécia, nos âmbitos da competição sagrada, do
conhecimento, da sabedoria, dos desafios, existe uma ligação entre a
expressão religiosa e filosófica e a expressão poética. A poesia da
antiguidade é enigma, divertimento, arte, invenção de enigmas,
doutrina, persuasão, profecia, feitiçaria, adivinhação, competição. Nas
principais obras religiosas, seus ensinamentos, contos, epopéias e
escritas em geral, sua expressão mais pura se apresenta na forma
poética.

Enquanto função original de fator das culturas primitivas, a


poesia nasceu durante o jogo e enquanto jogo (sagrado, mas nos
limites da extravagância, da alegria e do divertimento). A poesia de
caráter religioso se manifesta no Vates desde a Antiga Grécia até o
próprio jogo de perguntas-respostas em forma de verso, que pode
funcionar como armazenamento de conhecimentos úteis. As relações
entre poesia, mito e jogo, mostram que a função vital da poesia com
seu pleno valor, só é desempenhada plenamente na atividade lúdica
da comunidade.

Quanto à arte, em suas diversas manifestações, são


identificadas apenas algumas características do jogo. Como esta
identificação não é tão claramente delineada quanto as outras formas
de atividade, isto é, não é claro até que ponto música, artesanato,
artes plásticas, dança, arquitetura identificam o seu caráter lúdico,
não nos deteremos neste aspecto.

MATEMÁTICOS E ARTE

Encontramos, de tempos em tempos, manifestações artísticas


concernentes ao âmbito da matemática. Tais manifestações são
expressas sob as mais diversas formas de arte, incluindo esculturas,
pinturas, quadros com técnicas não manuais, poesias, acrósticos, etc.

Uma poesia antiga conhecida, tendo na sua composição


diversos termos e expressões matemáticas, foi publicada no início da
segunda metade do século passado, cujo texto reproduziremos aqui.

POESIA MATEMÁTICA

Às folhas tantas
65

do livro matemático
um quociente apaixonou-se
Um dia
doidamente
Por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
e viu-a do ápice à base
uma figura ímpar;
Olhos rombóides, boca trapezóide
Corpo retangular, seios esferóides.
Fez de sua vida
paralela à dela
até que se encontraram
no infinito
“Quem és tu?”, indagou ele
em ânsia radical.
“Sou a soma do quadrado dos catetos.
mas pode me chamar de Hipotenusa.”18
E de falarem descobriram que eram
(o que em aritmética corresponde
a almas irmãs
primos entre si.)
E assim se amaram
ao quadrado da velocidade da luz
numa sexta potenciação
traçando
ao sabor do momento
e da paixão
retas, curvas, círculos e linhas sinoidais
nos jardins da quarta dimensão.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidianas
E os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E, enfim, resolveram se casar
constituir um lar,
mais que um lar,
um perpendicular.
Convidaram para padrinhos
o Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações, diagramas para o futuro
sonhando com uma felicidade
18
Aqui consideramo-nos no dever de corrigir o significado do texto, no qual o autor
incorreu em erro, pois a soma do quadrado dos catetos corresponde ao quadrado da
hipotenusa (em medidas), e não a hipotenusa.
66

Integral e diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
muito engraçadinhos.
E foram felizes
até aquele dia
em que tudo vira afinal
Monotonia.
Foi então que surgiu
o Máximo Divisor Comum
freqüentador de círculos concêntricos,
viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
Uma grandeza absoluta
E reduziu-a a um denominador comum.
Ele, Quociente, percebeu
Que com ela não formava mais um todo,
Uma unidade.
Era o triângulo,
Tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era uma fração,
A mais ordinária.
Mas foi então que Einstenin descobriu a Relatividade
e tudo que era espúrio passou a ser
moralidade
como aliás em qualquer
Sociedade.
Millôr Fernandes
Texto extraído do livro “Tempo e Contratempo”, Edições O
Cruzeiro – Rio de Janeiro, 1954, pág. S/N, publicado sob o pseudônimo de
Vão Gogo.

A FILOSOFIA E O LÚDICO

Finalmente, chegamos ao contexto da Filosofia. Na busca das


formas lúdicas neste aspecto da cultura, encontramos no centro do
círculo desta concepção de jogo a figura do sofista grego 19. O sofista,
um prolongamento da figura central da vida cultural da época arcaica,
tomou formas de feiticeiro, profeta, vidente, traumaturgo e poeta,
melhor designado como Vates.

Suas duas funções mais importantes em comum com o


antigo chefe cultural foram a de exibir seus conhecimentos
19
O sofista é aquele que argumenta com sofismas, sendo sofisma um argumento falso
ou raciocínio defeituoso intencionalmente feito para induzir em erro.
67

excepcionais, os mistérios de sua arte, e simultaneamente derrotar


seus rivais nas competições públicas. A mitologia e a história da
Grécia Antiga estão fartamente recheadas de exemplos e
personagens que se vangloriam dos maiores e mais valorosos feitos
pela humanidade, sendo o mais freqüente a capacidade de responder
a qualquer pergunta. O nome dados às proezas dos sofistas é
epideixis, que significa exibição, e por cujos ensinamentos recebem
honorários. Era considerado um verdadeiro jogo apanhar o adversário
num conjunto de argumentos, ou então aplicar-lhe um devastador
golpe.
Apresentar perguntas em forma de dilemas cujas respostas
só podiam ser erradas se constituía em ponto de honra, e o caráter
lúdico da arte dos sofistas era conhecido deles próprios, a exemplo de
Górgias para quem seu Elogio de Helena um jogo, e seu tratado Da
Natureza era um estudo lúdico.

Foram os sofistas os criadores do meio em que se formou a


concepção helênica da educação e da cultura, embora a sabedoria e
a ciência dos gregos não eram aprendidas nem produzidas na escola.
Após algumas reflexões mais, somos levados ao pensamento de que
a Filosofia, como forma de conhecimento polêmica, e como toda
forma de conhecimento desse tipo, só pode ser compreendida em
termos agonísticos, o que a remete ao jogo.

AS FORMAS DE EXPRESSÃO DO LAZER NOS MATEMÁTICOS

Voltamos a lembrar que os matemáticos, enquanto


integrantes de alguma sociedade, faziam parte do dia a dia e da
cultura da mesma. Portanto, as situações relatadas até o momento,
desde a Antigüidade passando pelas recreações, as formas de lazer
dos matemáticos, por um lado, são comuns aos outros seres sociais
em vista do que já foi comentado; por outro lado, têm seus “apartes”
quando apresentam as formas próprias de expressar suas criações.
Resta-nos saber do lazer dos matemáticos de hoje.

Entrevistando dez matemáticos de cinco estados de três


diferentes regiões do país, indagamos sobre as formas de lazer
utilizadas pelos mesmos e de seus colegas de universo de
trabalho/comunidade, buscamos saber a semelhança com as formas
de lazer mais comuns conhecidas.

Os sujeitos eram de ambos os sexos, com faixa etária dos 25


aos 50 anos, trabalhando em universidades ou escolas de ensino
básico.
68

Nos dias de hoje, em especial no contexto do ensino no


Brasil, dadas as condições sócio-econômicas em geral, e do
profissional do ensino em particular, os professores são obrigados a
empreender longas e duras jornadas diárias de trabalho, restando
poucas horas para o lazer.

Assim, pelo que foi analisado, não ocorre atividades


freqüentes que envolvam matemática no escasso tempo de lazer dos
matemáticos; os argumentos costumam girar em torno do fato que já
lidam tanto tempo com a matemática, durante o dia/semana no
trabalho, que nos momentos de lazer, e reuniões com amigos, de
trabalho ou não, o assunto sobre o qual menos interessa falar é
matemática.

Portanto, nas horas de lazer os matemáticos vão a campo de


futebol, lêem livros sobre literatura nacional ou estrangeira, fazem
programas com os familiares, visitam shoppings, vão a shows,
recebem os amigos em casa, promovem almoços ou recepções de
aniversário, em casa de um dos componentes do grupo ou em um
restaurante/barzinho, jogam xadrez ou outros jogos grupais, e assim
por diante. Em outras palavras, são atividades comuns da sociedade
atual.

Essa atitude é razoável, em vista das conseqüências


desagradáveis que o não desligamento do trabalho pode trazer em
termos de prejuízo para a saúde.

CONCLUSÃO

Do ponto de vista social, estes resultados levam a crer que


os matemáticos não parecem se distinguir dos outros profissionais e
indivíduos, no que se refere às opções de atividade para as horas de
descanso. Em outras palavras, acreditamos que os humanos
costumamos escolher nossas atividades para lazer em função da
própria vivência, o que faz com que atividades em ambos os
contextos tenham traços em comum, fazendo dos matemáticos seres
tão mortais quanto os não matemáticos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AABOE, A. Episódios antigos da história da matemática. Rio de


Janeiro: SBM, 1984.
69

BALL, Rouse. Récréations mathématiques et problèmes des temps


anciens et modernes. Paris: Librairie Scientifique A Hermann, 1907,
vol. I, II, III.

BLANCHET DE MERIZIAC, G. Problémes plaisant et délictables qui


si font par les nombres. Paris: 1612.

BOLT, Brian. Divertimentos matemáticos. Barcelona: Labra, 1974.


BOUCHENY, Gaston. Curiosités et recreations mathématiques. Paris:
Librairie Larrousse, 1939.

COSTELLO, Matthew J. The greatest games of all time. New York:


John Wiley & Soons Inc.

GARBI, Gilberto Geraldo. O romance das equações algébricas. São


Paulo: Makron Books do Brasil, 1997.

GUY, Richard K. & WOODRAW, Robert E. The lighter side of


mathematics. Proceedings of the Eugene Strems Memorial
Conference of Recreational Mathematics and His History. The
MAA, 1994.

HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento de cultura.


São Paulo: Perspectiva, 1996, 4ª ed. (1ª Edição em 1938).

VÁRIOS AUTORES. Os melhores Jogos do mundo. São Paulo:


Editora Abril Cultural, 1979.
70

OS 500 ANOS DO NASCIMENTO DE PEDRO NUNES


(1502 –1578)

Cícero Monteiro de Souza


Silvana L. Pereira Cardoso

RESUMO

Pedro Nunes (1502 – 1578) foi o mais eminente matemático português


do século XVI. Durante toda a sua vida esteve a serviço dos reis
portugueses, ensinando a arte de navegar aos pilotos, que saíam
pelos misteriosos mares desconhecidos em busca de riquezas e
novas terras. Para melhor desempenhar esta função, buscou recursos
na matemática, para criar novos instrumentos náuticos e resolver
questões até então sem solução. Acabou por publicar em 1567, Libro
de Algebra en Arithmetica y Geometría, que daria a base para a
Álgebra Moderna.

Palavras – chave: Pedro Nunes; História da matemática em Portugal.

ABSTRACT

Pedro Nunes (1502 – 1578), was the most eminent mathematician


Portuguese of the century XVI. During all your life it was to the
Portuguese kings' service, teaching the art of navigating the pilots, that
left for the mysterious seas ignored in search of wealth and new lands.
For best to carry out this function, it looked for resources in the
mathematics, to create new nautical instruments and to solve subjects
until then without solution. He ended for publishing in 1567, Libro of
Algebra en Arithmetica y Geometría, that would be the base for the
construction of a Modern Algebra.

Words – Key: Pedro Nunes; history of mathematics in Portugal.

INTRODUÇÃO

Professor Adjunto do Departamento de Matemática da UFRPE.

Licenciada em Matemática (Portugal)
71

Pedro Nunes Salaciense nasceu em 1502, na vila portuguesa


de Alcácer do Sal (CUNHA, 1929, p. 18) distrito de Setúbal - sul de
Portugal, próximo a Lisboa, foi o mais célebre matemático português
do seu tempo. Iniciou seus estudos, ainda muito jovem, na
Universidade de Lisboa, onde estudou línguas, filosofia e recebeu o
grau de Doutor em Medicina. Por volta de 1520, seguiu para a
Espanha onde estudou nas universidades de Salamanca e Alcalá de
Henares.

Retornando a Portugal, em 1525, foi nomeado Cosmógrafo do


Reino. Em 1529, assumiu a cadeira de Filosofia Moral, e no ano
seguinte a cadeira de Lógica e depois Metafísica. Em 1531, foi
convidado pelo Rei D. João III para ser mestre de seus irmãos, os
infantes D. Luís e D. Henrique (TEIXEIRA, 1934, p. 188). Mais tarde,
também seria encarregado de ensinar a D. Sebastião, D. Antônio, D.
Duarte e suas filhas, as infantas D. Maria, princesa de Parma e, D.
Catarina, duquesa de Bragança. Tornou-se, assim, mestre de toda
uma geração de príncipes e aristocratas do reino. Em 1548 tornou-se
Cavaleiro do Hábito de Nosso Senhor Jesus Cristo, e, em 1555,
juntamente com o licenciado Baltazar de Faria, recebeu a missão de
reformar os Estatutos Universitários.

Sua produção científica, somente se inicia aos 35 anos, com a


publicação, em 1 de dezembro
, de 1537, do Tratado da Sphera, obra
escrita em português, onde ele reúne trabalhos originais e traduções,
com a seguinte composição: 1) Tratado sobre certas dúvidas da
navegação; 2) Tratado em defensam da carta de marear com o
regimento da altura; 3) Tradução do Tratado da Esfera de Sacrobosco,
e 4) Tradução do 1º livro de Geografia de Cláudio Ptolomeu. Em
janeiro de 1542, publica sua mais importante e famosa obra De
Crepusculis, que lhe concedeu maior reputação nos meios científicos.
Estas duas obras conjuntamente com o tratado De arte atque ratione
navegandi, também de sua autoria, voltaram a ser reeditadas em
1566, na Basiléia, em um único texto, sob o título de Petri Nonii
Salaciensis Opera.

Em 1567, publica, na cidade de Anvers, o seu Libro de


Algebra en Arithmetica y Geometría, obra em que se antecipa a
François Viète (1540 – 1630), no sentido de introduzir a linguagem
sincopada da Álgebra.

Por toda a sua contribuição para o desenvolvimento científico


em Portugal, Pedro Nunes sempre foi bem recompensado. Recebeu
72

vários títulos de nobreza, prêmios e aposentadorias, que permitiram,


não somente a ele, mas a toda a sua família viver confortavelmente
durante toda a sua vida.

O reconhecimento maior de seu trabalho veio, em 1577, com o


convite do Papa Gregório XIII, para se pronunciar sobre um projeto de
reforma do calendário, esta, tarefa somente seria concluída por seu ex-
aluno, o jesuíta, Christopher Clavius, em 1581.

Carregado de honras e riquezas, faleceu em 11 de agosto de


1578 (CUNHA, 1929, p. 19), pouco depois da sombria derrota de D.
Sebastião nos areais de Alcácer-Quibir20, fato que também marcaria o
período de declínio da matemática em Portugal.

Pedro Nunes entrou para a história da matemática, como o


maior matemático de seu tempo, não só de Portugal, mas de toda a
Península Ibérica.

AS CONTRIBUIÇÕES À ÁLGEBRA
,
Pode-se dizer, observando o desenvolvimento da Álgebra, que
ela teve ao longo da história, três fases: a primeira, caracterizada pelo
uso da geometria como forma de expressão; a segunda, que durou
séculos, pela utilização de uma linguagem numérica; e, a terceira, a
partir do século XVI, caracterizando-se fundamentalmente por uma
linguagem sincopada. François Viète, um jurista francês, que a serviço
dos reis Henrique III (1551 – 1589) e Henrique IV (1553 – 1610), havia
se tornado conhecido por decifrar mensagens em códigos dos
inimigos espanhóis, começou a introduzir uma convenção que
consistia em usar vogal para representar uma grandeza conhecida.
Esta nova forma algébrica, base da Álgebra moderna, tal como a
conhecemos hoje, foram registradas em seu livro No artem analyticam
isagoge (1591). Daí, se atribuir a Viète, a criação da linguagem
algébrica moderna (BOYER, 1974, p. 222-30)

Entretanto, quando Viète nasceu, Pedro Nunes já estava no


auge de sua carreira e não teve a oportunidade de conhecer a obra
desse matemático. Mesmo assim, o mestre português, desenvolveu
20
Batalha travada em 4 de agosto de 1578, na qual veio falecer o rei D. Sebastião. O trono ainda
seria ocupado pelo cardeal D. Henrique, até sua morte em 1580, quando Portugal passou a ser
dominado por Filipe II (1527-1598) e anexado a Espanha
73

uma álgebra metódica, contendo inúmeros exercícios, o que era raro


no século XVI. É considerada por muitos como a didaticamente mais
clara daquele século. Fundamentada, predominantemente, na álgebra
árabe, era na prática, demonstrada geométrica e numericamente,
sofrendo, por outro lado, influência grega no que se dizia respeito à
rejeição aos números negativos. Mas, suas idéias não se limitaram à
escola heleno-arábe, mas também de matemáticos italianos como os
algebristas Gerônimo Cardano (1501–1576) (Prática de
Arithmetica,1539) e Nicolo Tartaglia (1500–1557) (Quesiti et inventioni
diverse,1546). (BOYER, 1974, p. 196 – 210)

Sua principal obra de Álgebra foi o Libro de Algebra en


Arithmetica y Geometria, publicada em português e espanhol, e na
qual ele apresenta 110 problemas resolvidos de aritmética e 77 de
geometria em seus dois últimos capítulos; obtendo desta forma, uma
posição de destaque tanto na matemática portuguesa quanto na
espanhola. Esta obra é composta de três partes: na primeira,
apresenta a resolução das equações de 1º e 2º graus a uma só
incógnita; na segunda, trata do cálculo algébrico, do cálculo dos
radicais e a teoria das proporções e, na terceira parte, a mais extensa
e importante, desenvolve a teoria das equações. Pedro Nunes a
considerava esta a sua mais importante contribuição para a
matemática, e por isso, dedicou-a ao cardeal D. Henrique (1512-
1580).

A LINGUAGEM ALGÉBRICA EM PEDRO NUNES.

Em sua álgebra, já se observa o uso de letras para


representar as operações; por exemplo, a letra “p” como abreviação
de plus (mais), a subtração pela letra “m” como abreviação de minus
(menor) e para raízes a letra R. Já para a igualdade e multiplicação
não empregou sinal. As letras também aparecem para designar
números arbitrários, mas em questões em que a álgebra é
generalização da aritmética, como as de radicais, proporções, etc. Nas
equações algébricas seguiu os algebristas italianos; uma vez que
considerava as equações com coeficientes de incógnitas numéricas,
ao invés de considerar equações com coeficientes literais. Em seu
Libro de Algebra en Arithmetica y Geometria, Pedro Nunes usou para
representar a incógnita de uma equação a notação “co” (coisa), para a
segunda potência “ce” (censo), para a terceira, “cu” (cubo) e, para
determinar o termo independente da incógnita, a notação “nu”
(número). Vejamos a simbologia usada por ele nas equações a seguir:
“-12. Cu. P. 18.ce.p.27.co.p.17, para representar: 12x3 + 18x² + 27x +
17”;
74

“-110.p.2.co.m.3.ce.m.5.cu, para: 110 + 2x – 3x² - 5x3”;


“-2R.3, ou simplesmente R3, para 3”;
“-2R. 2 cu, para: 2x3”.

Uma das inconveniências desta simbologia estava no caso em


que era necessário utilizar duas ou mais incógnitas, pois, sendo a
primeira designada por “co”, as outras seriam, por exemplo, o segundo
(número), o terceiro, etc.; ou seja, alternava a linguagem simbólica
com a linguagem corrente.

A rigorosidade nas demonstrações, o levou a não admitir a


existência de números negativos como soluções de equações.
Entretanto, é curioso observar, que em sua obra, admitiu, sem dar
explicações, que algumas raízes quadradas, de algumas expressões
algébricas, tinham dois valores com sinais contrários. Este problema
somente seria esclarecido, definitivamente, no século XIX.

Em alguns momentos, observa-se que Pedro Nunes


pressentiu a necessidade do uso do 0 (zero). Em De Crepusculis, na
Proposição VI, ele promoveu demonstrações para as diversas
posições que as estrelas ocupam, por exemplo, para uma estrela
situada no Equador, disse que ela “não tem declinação”, o que hoje
diríamos que ela tem declinação igual a zero. Ainda nesta proposição
surge outra situação semelhante: a determinação do valor da
declinação de uma estrela, deduzida da sua latitude e longitude,
necessita do conhecimento do complemento da diferença de dois
arcos. Quando estes dois arcos são iguais, não há diferença, e,
portanto, não há complemento. Nesta questão, Pedro Nunes dá um
grande avanço quando inclui este caso como sendo de exceção à
regra, afirmando que o arco de 90º que aparece no lugar do
complemento que falta pode ser chamado de complemento da
diferença desses arcos iguais, ou seja, zero.

Nos casos de resoluções das equações do primeiro e do


segundo graus; as operações relativas a monômios; as
transformações das equações com denominadores ou radicais, para
as reduzir à forma inteira; a redução ao segundo grau de algumas
equações de grau superior, trabalhou com uma forma algébrica muito
parecida com a atual.
Em toda a sua obra, no que se diz respeito à Álgebra, Pedro
Nunes, teve a preocupação de apresentá-la de forma clara e metódica
nas exposições, rigorosa nos raciocínios e original em algumas
demonstrações e nos métodos empregados para a resolução de
75

problemas numéricos e geométricos. Resolvia com habilidade,


simplicidade e rigor de exposição às equações do primeiro grau à
duas ou três incógnitas sem introduzir notações especiais para cada
incógnita. Apesar de preso às demonstrações geométricas e a uma
linguagem sincopada, foi de certa forma o matemático que mais se
aproximou da Álgebra Modera, até o final do século XVI.

Usou processos algébricos para encontrar soluções


geométricas e vice-versa. Usou também aplicações algébricas na
trigonometria, para mostrar com mais clareza as proposições do
matemático italiano, Frei Luca de Burgo, na demonstração da
determinação da área do triângulo em função dos seus lados [S=
p(p-a) (p-b) (p-c)] e, na demonstração de que a área do triângulo é
igual à metade do produto do perímetro pelo raio do círculo inscrito.

A teoria da proporcionalidade também esteve presente em sua


obra. Seus conhecimentos acerca dos Elementos de Euclides lhe
permitiriam esclarecer ou mesmo criticar determinados pontos,
utilizando para isso, conjuntamente, a proporcionalidade geométrica e
a proporcionalidade numérica. De suas reflexões sobre a tangente à
circunferência, na proposição de Euclides, Pedro Nunes considerou
ser possível o ângulo da reta tangente com a circunferência diferente
de zero (conhecido como ângulo de contato); e que o ângulo não pode
formar razão com um ângulo finito e, portanto, não aplicável à
proporcionalidade. Este fato só veio realmente ser esclarecido, depois
da noção de infinitamente pequeno como limite de uma quantidade
variável. Em um dado momento, define com precisão o que para ele
era a Razão e a Proporcionalidade, ao afirmar que:

“... é a comparação que há entre duas quantidades da


mesma natureza, quando são comparadas na
quantidade, sendo quantidades da mesma natureza
quando a menor multiplicada pode exceder a outra”
(NUNES, 1567, p.18).

E ainda, que a proporção entre duas quantidades deve


obedecer a duas condições necessárias: a) “Que a maior das
quantidades seja excedida pelo produto da menor por um número”.
Equivalente ao postulado de Arquimedes e que é uma interpretação
da proposição de Euclides (V-4); b) “Que a diferença das duas
76

quantidades, sendo multiplicada, possa exceder a menor”. (NUNES,


1567, p. 19).

Quando soube da descoberta da resolução da equação do


terceiro grau na Itália, procurou divulgá-la na Península Ibérica.
Analisou, cuidadosamente, a regra de Nicolo Tartaglia para a
resolução destas equações e apresentou exemplos de utilização desta
regra para se obter soluções racionais, e também algumas equações
com raízes racionais, que Nicolo Tartaglia não tratou.

Pedro Nunes não teve, em Portugal, seguidores à sua altura,


que pudessem divulgar e ensinar suas teorias, além disso, como já
vimos, logo após o seu falecimento Portugal foi anexado à Espanha,
até 1640, quando os portugueses recomeçam a construir um novo
reino. Com o mundo europeu em pleno desenvolvimento científico,
seria muito difícil que a obra de um matemático português tivesse seu
valor reconhecido, em detrimento daqueles cuja nação impunha seu
pensamento. Prevaleceram, desta forma, as idéias de Viète, expostas
na obra No artem analyticam isagoge, como marco do inicio da
Álgebra Moderna. Fora de Portugal, a obra de Pedro Nunes caiu no
esquecimento, mas para nós ele é, não só o precursor da Álgebra
Moderna, mas também um dos maiores matemáticos de sua época.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARON, Margaret E,. Curso de História da Matemática: origens e


desenvolvimento do cálculo. Trad. de José Raimundo Braga
Coelho, Rudolf Maier e Maria José M. M. Mendes. Brasília. Editora
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99.
78

AS TRÊS ÚLTIMAS TENTATIVAS DA DUPLICAÇÃO DO


CUBO.

Cícero Monteiro de Souza21


Marny Pessoa Silva de Araújo22
Vladimir Lira Veras Xavier de Andrade23

RESUMO
Este trabalho é originário de uma pesquisa com alunos do Curso de
Matemática da UFRPE, sobre os três problemas gregos clássicos. As
curiosidades em torno do problema da duplicação do cubo e as
tentativas históricas de uma solução geométrica com régua e
compasso. As três últimas tentativas de solucionar esse problema
dados pelos italianos Gaetano Buonafalce, Giuseppe Vargiù e Gaetano
Boccali, no final do século XIX, levam a vários questionamentos a
respeito do tema. A exposição constante nesse artigo é uma
interpretação própria dos autores, uma vez que não foram encontradas
as soluções dadas por eles, mas apenas um texto traduzido e de difícil
interpretação.

Palavras-Chaves: Duplicação do Cubo; Curiosidades Matemáticas.

INTRODUÇÃO

21
Professor Adjunto do Departamento de Matemática da UFRPE
22 e 23
Professores Assistentes do Departamento de Matemática da UFRPE.
23
79

Os três problemas gregos tiveram suas origens ainda no


século V a.C. e as tentativas de solucioná-los com régua e compasso
se prolongaram por mais de 2.000 anos. Este trabalho tenta mostrar as
três últimas tentativas de solucionar apenas um deles: a duplicação do
cubo. As soluções apresentadas por Gaetano Buonafalce, Giuseppe
Vargiù e Gaetano Boccali no final do século XIX, são bastante curiosas
do ponto de vista do erro encontrado, podendo estes métodos levar a
outros questionamentos matemáticos. As soluções e demonstrações
constantes nesse trabalho não foram encontradas em nenhuma obra e,
portanto, são interpretações dos próprios autores. Assim sendo, a
partir de cada enunciado nos detivemos em mostrar a solução com
régua e compasso e em seguida a prova matemática.

EMBASAMENTO TEÓRICO

O problema da duplicação do cubo teve início no século V na


Grécia. Esse é também o mais artigo dos três problemas clássicos
gregos24 sem solução com régua e compasso.

O problema tem sua origem veiculada a peste que teria


dizimado um quarto de população grega, o que teria feito uma
delegação consultar o oráculo de Apolo em Delos para perguntar de
que maneira se poderia acabar com a epidemia. Em resposta, o
oráculo teria respondido que se duplicassem o altar cúbico de Apolo, o
problema seria sanado (BOYER, 1994, p. 48). Os atenienses dobraram
a aresta do altar achando que haviam satisfeito a vontade do deus.
Puro engano; tinham multiplicado seu volume por oito.

Outra fonte que fala da origem do problema deliano é a carta


enviada por Eratóstenes ao rei do Egito, Pitolomeu III. Nela,
Eratóstenes narra que o rei Mirros ao verificar as dimensões do túmulo
que mandara fazer para seu filho Glauco, teria dito: “Pequeno espaço
para sepulcro de um rei! Dupliquem-no, conservando-lhe a forma”. E
Glauco foi sepultado num túmulo de volume oito vezes maior.
(FONTES, 1967, p. 83).

O primeiro matemático a apresentar uma solução foi


Hipócrates de Chios (Séc. V a.C.). No entanto, ao sugerir que a
solução seria encontrada com a introdução de duas médias
proporcionais x e y entre os segmentos dados a e b, teria transformado
um problema em outro (HEATH, 1963).

24
Os outros são a trissecção do ângulo e a quadratura do círculo.
80

Ainda no século V a.C. Arquitas de Tarento apresenta uma


solução “que consiste na intersecção de um cone, um cilindro e um
toco, o que dá origem a uma quártica, e que constitui o primeiro
exemplo de uma curva reversa” (STRUIK, 1989. p. 71-74).

No século IV a.C., Menaécmos a partir de solução dada por


Hipócrates de Chios, apresentou mais duas soluções (FONTES, 1967,
p. 94).

A partir do século VII o problema é retomado por outros


matemáticos como, René Descartes (1596-1650), Grégoire de Saint –
Vincent (1584-1667), Isaac Newton (1643-1727), Gomes Teixeira
(1851-1933), dentre outros.

AS SOLUÇÕES APRESENTADAS POR BUONAFALCE, VARGIÙ E


BOCCALI.

No final do século XIX, três matemáticos italianos


apresentaram soluções bastante curiosas que, se não solucionaram
definitivamente, pelo menos dão boas aproximações.

O MÉTODO DE GAETANO BUONAFALCE

Gaetano Buonafalce é o que apresenta uma solução mais


simples. Para ele:

Se tirarmos da aresta de um cubo a sexta parte da


diagonal da face, o segmento desta face que liga o
vértice oposto a esse ponto é a aresta do cubo de
volume duplo com erro inferior a 0,002 (FONTES, 1967.
p. 104).

A primeira vista, é até difícil interpretar o que esse matemático


está sugerindo; entretanto, com um pouco de persistência, logo se
consegue demonstrar que ele tinha razão:

Seja um cubo de aresta igual . (fig. 1)

Demonstração 1:
81

H1 G1

H G
E1 F1

E F
1
2
3 a1 a1
4
d a D1 C1
5 C
6
a1

A d/6 P B A1 B1

Figura 1 - Cubo de aresta e Figura 2 - Cubo de volume duplo de


aresta e

Na figura 1, se a aresta do
cubo é , a sua diagonal da face é
. Portanto, a sexta parte da diagonal é, pois, . Observa-se
ainda que, sobre a aresta marcou-se o segmento de reta igual
a sexta parte da diagonal, ou seja, .

No triângulo retângulo , a medida do cateto é igual à


aresta do cubo, ou seja, . A medida do cateto é igual à
medida da aresta menos a sexta parte da diagonal, ou seja,

Como:

Comparando os resultados, observa-se que, se ,


v  1un 
3
. Se dobrarmos o seu volume a sua aresta será
. Na solução de Buonafalce (figura 2), com régua e
82

compasso, , logo o erro encontrado é:


, inferior a 0,002.

A SOLUÇÃO DE GIUSEPPE VARGIÙ

Giuseppe Vargiù apresenta um método baseado na média


geométrica ou média proporcional entre duas grandezas, que é
solucionada com régua e compasso através da construção do arco
capaz de um ângulo de 90º. Segundo Vargiù, seu método consiste em:

...calcular a média proporcional entre a aresta e a


diagonal da face. Em seguida, entre a diagonal e a
média encontrada; depois, entre a primeira e a segunda
média, e assim, sucessivamente. A sétima média
calculada por esse processo dá a aresta do cubo duplo
com erro inferior a 0,002 (FONTES, 1967, p. 104)

Demonstração 2:

Para essa demonstração utilizaremos o mesmo cubo da Figura


1.
O

M a P d N

Figura 3 - Média proporcional entre a diagonal da face do cubo da fig. 1

Na figura 3, o triângulo é retângulo e sendo ,a


altura desse triângulo, então , e daí, .
83

O'

x1

M' d P' x N'

Figura 4 - Cálculo da média proporcional entre a média (figura 3) e a diagonal


da face do cubo.

Calculando-se agora a média proporcional entre a diagonal


e a média encontrada , temos:

Na figura 4, o triângulo é retângulo e


, portanto, é a

média proporcional entre a média encontrada anteriormente e a


diagonal da face do cubo.

Calculando-se agora a média proporcional entre a aresta do


cubo e a média anteriormente encontrada, temos:
O"

x2

M" a P" x1 N"

Figura 5 - cálculo da média proporcional entre a média (figura 4) e a


aresta do cubo.
84

Na figura 5, o triângulo é triângulo


retângulo e e, portanto, é a média
proporcional entre a média e a aresta do cubo.

Segundo Vargiù, se repetirmos esse processo sete vezes


encontraremos a aresta do cubo duplo com erro inferior a 0,002.

Como vimos anteriormente nas figuras 3, 4 e 5, é possível


determinar com régua e compasso as médias .

Vejamos agora o cálculo algébrico dessas médias. É lógico


que o cubo pode ter aresta qualquer, entretanto, como foi dito no início,
vamos considerar a aresta e, portanto, a diagonal da face será
. Então:

1)

2)

3)

4)

5)

6)

7)

8)

Comparando-se os valores da aresta do cubo e com a


aresta do cubo de volume duplo obtemos um erro inferior a 0,002,
como afirmou Vargiù:
85

Entretanto, fica a pergunta, porque Vargiù não prosseguiu


extraindo as médias e diminuindo o erro? Vejamos o que acontece
quando prosseguimos com este processo.

9)

Para o erro é .

Se prosseguirmos calculando com régua e


compasso, em o ? Se esta afirmação for verdadeira, Giuseppe
Vargiù resolveu o problema da duplicação do cubo com régua e
compasso?

A SOLUÇÃO DE GAETANO BOCCALI

A solução apresentada por Gaetano Boccali, consiste em:

Construir um triângulo retângulo de hipotenusa igual ao


lado do decágono regular estrelado, inscrito num círculo
de raio igual à aresta do cubo, tendo a projeção de um
dos catetos sobre a hipotenusa medida igual a essa
aresta. Os dois terços da soma do cateto considerado
com a projeção do outro cateto dão a aresta do cubo
duplo com erro inferior a 0,0001. (FONTES, 1967, p.
104-5)

Consideremos o cubo da figura 1, onde a aresta e


traçemos uma circunferência de raio igual à aresta do cubo.
86

a
R

M O Q

Figura 6 - Divisão de circunferência em 10 partes com régua e compasso.

Por um processo geométrico, figura 6, dividimos a


circunferência em 5 partes iguais e em seguida em 10 partes iguais,
através da bissetriz do ângulo central do pentágono regular. Assim,
da circunferência de centro .

Construamos agora o decágono regular estrelado, conforme


propõe Boccali, a partir da circunferência da figura 6.
1

10 2

9 3

8 4

7 5

Figura 7 - Decágono regular estrelado construído com régua e compasso.


87

Construamos agora o triângulo retângulo de hipotenusa igual


ao lado do decágono da figura 7.

A B
a=r P

Figura 8 - construção do triângulo retângulo de Boccali.

E 1 F 2 G

1'
2'
3'

Figura 9 - Divisão do segmento em três partes iguais usando o teorema


de Talles.

No triângulo retângulo da figura 8, , que é igual à


projeção do cateto e é a projeção do cateto .

Na figura 9, e e , que é a
aresta do cubo duplo com o erro inferior a 0,0001.

Demonstração 3:

O lado do decágono estrelado é igual a corda da circunferência


cujo ângulo central correspondente mede 108º (3x36º).
88

10 2

9 M 3
54o

54o
O

8 S

7 5

Figura 10 - é a altura do triângulo .

, logo .

Observe que na figura 8, e , e


sendo o lado do decágono regular estrelado .

Logo, .

Observe ainda, que o ponto P da figura 8 divide o segmento


em uma razão áurea.
O cateto .
A medida de
.

Comparando-se os valores encontrados temos:

CONCLUSÃO

As tentativas de solucionar o problema da duplicação do cubo


com régua e compasso apresentadas pelos matemáticos italianos
89

Gaetano Buonafalce, Giuseppe Vargiù e Gaetano Boccali são bastante


curiosas do ponto de vista da história da matemática e levam a
questionamentos do ponto de vista da validade de erros tão pequenos.
Por outro lado, a solução de Giuseppe Vargiù nos apresenta uma série
de resultados em que o erro se torna infinitamente pequeno, tendendo
para zero. Teria Vergiù solucionado o problema da duplicação do
cubo? Esta pergunta ainda ficará em aberto.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Bhücher, 1974.

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1963.

STRUIK, Dirk J.. História Concisa das Matemáticas. Lisboa: Gradiva,


1989.
90

DIDÁTICA DA MATEMÁTICA:
TRANSFORMAÇÕES NO OLHAR PARA A SALA
DE AULA

Vladimir Lira Veras Xavier de Andrade25

O saber pedagógico, ao longo do tempo, sofre mudanças que


conduzem ao aperfeiçoamento de antigas práticas de ensino. No
campo da educação matemática, surgem diversas correntes teóricas,
como por exemplo: a didática da matemática, a etnomatemática, a
psicologia cognitiva da matemática, a modelagem matemática; a
história da matemática (PAIS, 2001). Desta forma, a didática da
matemática26 surge como uma corrente teórica dentre outras correntes
que fazem parte da educação matemática. Esta não deve ser
confundida com ensino de matemática que, apesar de seu foco
comum, este último é de cunho mais geral do que a didática da
matemática, nem tampouco como a aplicação da disciplina pedagógica
didática com ênfase ao ensino de matemática. Pais (2001, p.11)
apresenta uma definição que nos dá uma idéia do que seja este campo
da educação matemática:

A didática da matemática é uma das tendências da


grande área de educação matemática, cujo objeto de
estudo é a elaboração de conceitos e teorias que sejam
compatíveis com a especificidade educacional do saber
escolar matemático, procurando manter fortes vínculos
com a formação de conceitos matemáticos, tanto em
nível experimental da prática pedagógica, como no
território teórico da pesquisa acadêmica.

Ao longo do tempo ocorrem mudanças na forma como se


concebia o processo de ensino-aprendizagem de matemática. Estas
mudanças foram organizadas por Chevallard, Bosch e Gascón (2001)
em três momentos. No primeiro, quando se tem uma visão ingênua
segundo a qual ensinar matemática era uma arte, dependendo apenas
do conhecimento do professor desta disciplina e do desejo do aluno de
ser moldado pelo artista. Com o desenvolvimento da didática da
matemática surge, em oposição à visão anterior, uma perspectiva de
ensino da matemática chamada de clássica. Nela, destaca-se a
25
Professor Assistente do departamento de Matemática da UFRPE
26
Neste texto, nos deteremos à didática da matemática de influência francesa,
conhecida como didática fundamental.
91

“necessidade de analisar os processos envolvidos na aprendizagem de


matemática para poder incidir sobre o rendimento dos alunos” (ibid., p.
73). Essa noção de didática da matemática possuía algumas
limitações, como não incluir como objeto de estudo as noções de
“ensinar matemática” e “aprender matemática”. A fim de superar essas
limitações, surge uma nova concepção na qual o conhecimento
matemático passa a ser considerado como objeto de estudo da
didática da matemática e não como noções transparentes (não-
questionáveis). Esse novo paradigma da didática da matemática tem
início quando o pesquisador francês Guy Brousseau:

Vislumbrou, pela primeira vez (no início dos anos 70) a


necessidade de a didática utilizar um modelo próprio da
atividade matemática, visto que os modelos
epistemológicos usuais não haviam sido construídos para
responder aos mesmos problemas que a didática coloca.
Corresponde, historicamente, às primeiras formulações da
Teoria das Situações27 (CHEVALLARD, BOSCH e
GASCÓN, 2001, p.77)

Este novo paradigma foi chamado de didática fundamental


(CHEVALLARD, BOSCH e GASCÓN, 2001). Na figura 1, temos uma
síntese desta forma de apresentação das mudanças da didática da
Matemática. Dentre os vários teóricos que influenciaram o trabalho de
Brousseau destacamos Jean Piaget. Para a construção da teoria das
situações didáticas, Brousseau utiliza a idéia de aprendizagem por
adaptação, tomando como referência os esquemas de assimilação e
acomodação propostos por Piaget. Podemos observar isso quando
Brousseau (1986, p.48-49, tradução livre) afirma que:

Os alunos aprendem a se adaptar a um meio que é


fator de contradição, de dificuldade, de desequilíbrio,
um pouco como faz a sociedade humana. Esse saber,
fruto da adaptação do aluno, se manifesta pelas
respostas novas que são a prova da aprendizagem [...]
Esse processo psicogenético piagetiano é o oposto do
dogmatismo escolástico.

27
Teoria das situações didáticas
92

Figura 1 – Mudanças na didática da Matemática (CHEVALLARD,


BOSCH e GASCÓN, 2001).

Muitos dos teóricos de influência Piagetiana se debruçam


sobre o conhecimento como construção do aluno. Desta forma, deixa-
se de direcionar o olhar para a natureza do saber, as suas
características e de que forma ele se conecta com o professor e o
aluno. Apesar da influência de Piaget em sua obra (ANDRADE, 2005)
Brousseau incorpora o saber como um elemento fundamental na
relação professor-aluno. Desta forma, surge uma nova estrutura
formada por três elementos: o professor, o aluno e o saber, formando o
que Brousseau chama de “triângulo das situações didáticas” (figura 2).
Conforme ressalta Brito Menezes, esta concepção representou “um
avanço em relação ao que era enfocado pela Pedagogia e Psicologia
da segunda metade do século XX” (2005, p. 10). O foco nas pesquisas
nesta época era na relação professor-aluno ou ainda a dimensão
social.

Como destacado, ao tratarmos da didática da matemática


fundamental, um importante elemento são as situações didáticas.
Nelas estão presentes o professor, o aluno e o saber. Também, nesta
concepção a noção do que é “ensinar” e “aprender” passam a ter um
novo significado, como veremos adiante.
93

Figura 2 – Da didática Clássica a Didática Fundamental

SITUAÇÕES DIDÁTICAS

Uma situação didática estabelece diferentes relações entre o


professor, o aluno e o saber. Essas relações envolvem vários
conceitos como o de transposição didática, contrato didático,
obstáculos epistemológicos. Para que ocorra uma situação didática,
devem estar presentes o professor, o aluno e o saber. Porém, eles são
insuficientes para englobar todo o “fenômeno cognitivo”, sendo
necessário o estabelecimento de “outros elementos do sistema
didático: objetivos, métodos, posições teóricas, recursos didáticos,
entre outros” (PAIS, 2001, p. 66).

Na teoria das situações didáticas, Brousseau procura


estabelecer relações entre o matemático, o aluno e o professor. O
matemático, para comunicar a sua descoberta, utiliza uma linguagem
que não corresponde ao caminho trilhado para chegar ao novo
conhecimento. Essa forma de apresentar é justificável, tendo em vista
a necessidade de validar o seu conhecimento. Nesse processo, o
pesquisador deve:

suprimir todas as reflexões inúteis, os traços dos erros


cobrados e os encaminhamentos errados. Deve-se
esconder as razões que se tem conduzido dentro dessa
direção e as condições pessoais que tem presidido
esse resultado, problematizar habilmente mesmo as
lembranças um pouco banais, mas evitar as
94

trivialidades... Deve-se ainda procurar as teorias mais


gerais dentre as quais os resultados ficam válidos...
Assim, o produtor do saber despersonaliza,
descontextualiza e destemporaliza o mais possível seus
resultados (BROUSSEAU, 1986, p.36,
tradução livre).

O trabalho do aluno, em alguns momentos, deve ser


comparado ao do cientista. Ele não deve simplesmente aplicar as
definições e os teoremas. Tal como o cientista, o aluno deve encontrar
boas questões, de modo a formular modelos, linguagens, conceitos e
trocar essas experiências com outros, conduzindo à descoberta. Nesse
processo, ele deve “reconhecer os que estão de acordo com a cultura,
os que o ajudam, os que lhe são úteis” (BROUSSEAU, 1986, p.37,
tradução livre). O professor deve “imaginar e propor aos alunos
situações que eles possam viver e que dentre as quais os
conhecimentos vão aparecer como a solução ótima e revelável aos
problemas postos” (idem). Por fim, o aluno deve ser conduzido a
redescontextualizar e redespersonalizar seu saber, de modo a
identificar a sua produção com o saber científico e cultural da sua
época (idem).

Na teoria das situações didáticas, uma das atividades


principais do professor é a devolução e a institucionalização. Na
devolução, o professor deve fazer uma escolha adequada de
problemas, de tal forma que o aluno os aceite como seus e que
possam conduzi-lo a agir, falar, refletir a partir da sua interação com o
problema. Brousseau classifica esses momentos como situações
adidáticas, uma vez que neles o “mestre se recusa a intervir como
aquele que propõe os conhecimentos que ele quer ver aparecer”
(1986, p.49, tradução livre). Na institucionalização, o professor procura
relacionar esse conhecimento produzido pelo aluno com “o saber
cultural ou científico e com o projeto didático, dá uma leitura dessas
atividades e lhe dá um status” (p.88). Um outro conceito utilizado por
Brousseau é o de situação matemática.

Para ensinar um novo conhecimento, o professor deve criar


condições para a construção do conhecimento pelo aluno sem que o
novo conhecimento seja inicialmente apresentado. Desta forma, o
professor deve propor problemas em que, para a sua solução, será
necessário mobilizar uma estratégia em que o conhecimento
matemático que se deseja construir, corresponda à maneira mais
eficiente para solução do problema. Chevallard, Bosch e Gascón
(2001) apresentam como exemplo de situação matemática um jogo
denominado “A corrida até o 20”, desse jogo, participam dois
95

jogadores. Ele inicia com um jogador dizendo um número x menor que


20. O seu adversário, então, deve dizer outro número com 1 ou 2
unidades maiores que x (x + m com m < 3). O vencedor será aquele
que disser 20 primeiro. Nesse jogo, o conhecimento matemático que
deve aparecer é a divisão euclidiana. A estratégia é achar números
que deixem o mesmo resto que 20 na divisão por três. Assim, teríamos
como estratégia vencedora escolher os números: 17, 14, 11, 8, 5, 2.
Todos esses números e o número 20 têm, na divisão por 3, 2 como
resto.

Figura 3 – Tela da atividade 1 do Tabulae (Andrade, 2005)

Um outro exemplo de situação matemática foi utilizado por


Andrade (2005) para o ensino de homotetia. Na figura 3, temos a tela
do Tabulae, um software de geometria dinâmica, utilizado nesta
situação matemática. Nesta tela, podemos observar dois grupos de
figuras. O primeiro grupo foi construído utilizando a homotetia e no
segundo grupo não se aplicou esta transformação. Para o primeiro
grupo as características das transformações são preservada durante a
movimentação das figuras, uma vez que o software limita os
movimentos, do primeiro grupo, a posições em que as propriedades 28

28
Algumas propriedades como o paralelismo dos lados correspondentes, a proporção entre os
lados, a interseção das retas definidos pelos pontos homólogos (correspondentes) para um único
ponto (centro de homotetia) foram identificadas por parte das duplas que participara da seqüência
didática organizada por Andrade (2005). Estas atividades faziam parte de um conjunto maior de
atividades, que conduziu os alunos a identificarem as principais características desta
transformação.
96

da transformação sejam mantidas29. Nesta atividade, Andrade (2005)


perguntava aos alunos quais as propriedades do primeiro grupo que o
diferenciam do segundo grupo. Ao movimentar as figuras, os alunos
poderão observar que o paralelismo, a proporção e outras
propriedades da figura transformada serão preservadas. Estas
características fazem parte de uma transformação por homotetia. Na
figura 4 e 5, temos duas posições distintas das figuras, obtidas após a
interação de duas duplas com o programa. Nestas duas figuras,
podemos observar que as duplas desenharam os raios homoteticos
(retas que ligam os pontos correspondentes) e uma das duplas indicou
o centro de homotetia que identificou pela letra P (figura 5). Além
destes várias observações foram feitas pelas duplas sobre
propriedades das transformações apenas através da manipulação na
tela do programa.

Figura 4 – Tabela do Tabuale após a manipulação realizada pela AC.

29
Trata-se de uma das características dos softwares de geometria dinâmica a
preservação das propriedades utilizadas na construção das figuras.
97

Figura 4 – Tela com a situação após a manipulação da dupla UF.

Em uma situação matemática, uma situação específica de um


conhecimento concreto, em que por si mesma, e sem utilizar razões
didáticas e na ausência de toda indicação intencional conduza o
jogador a mudanças de estratégias é chamada de situação adidática.
Essas mudanças de estratégia devem possuir uma certa estabilidade
em relação ao tempo e às variáveis da situação. O fracasso de certas
estratégias espontâneas é necessário, para que o aluno possa
desenvolver estratégias mais elaboradas e eficientes em que o
conhecimento matemático que se pretende ensinar apareça. Este
aparentemente fracasso inicial é decorrente de algumas características
da situação adidática (CHEVALLARD, BOSCH E GASCÓN, 2001).

Em uma situação adidática, intervém a noção de variável. A


variável de uma situação matemática corresponde aos elementos que
podem assumir diferentes valores. Nessa mudança de valor, eles
provocam variações na estratégia vencedora. Tomando como exemplo
o jogo “A corrida até o 20”, Chevallard, Bosch e Gascón (2001)
apresentam como exemplo de variação na estratégia vencedora a
mudança no valor final (N) e no valor máximo (m - 1) que cada
adversário pode dizer. Desse modo, considerando:

 N = 20 e m < 3, a estratégia vencedora é dizer um dos


números: 2, 5, 8 , 11, 14 17 e 20, que são números cujo resto
na divisão por 3 (m) é igual a 2;
98

 N = 45 e m < 7, a estratégia vencedora é dizer um dos


números: 3, 10, 17, 24, 31, 38 e 45, que são números cujo
resto na divisão por 7 (m) é igual a 3;
 N = 100 e m =12, a estratégica vencedora é dizer um dos
números 4, 16, 28, 40, 52, 64, 76, 88 e 100.

Essas variáveis em uma situação adidática são chamadas de


variáveis didáticas quando os seus valores podem ser alterados pelo
professor. Partindo de um conhecimento concreto e de uma situação
adidática específica desse conhecimento, as mudanças dos valores
das variáveis didáticas dessa situação adidática possibilitam a
produção de um tipo de problema que corresponde a diferentes
técnicas ou estratégias de solução (CHEVALLARD, BOSCH E
GASCÓN, 2001).

No caso da atividade para construção do conceito de


homotetia, as variáveis didáticas utilizadas nas três primeiras
atividades da sessão da seqüência didática aplicada por Andrade
(2005) se traduziam em mudanças nas formas em que se aplicava o
conceito de homotetia. Nas figura 6 e 7, apresentamos variações
didáticas da figura 3. Através destas mudanças, procura-se levar o
aluno a identificar que ao manipular com outras figuras transformadas
por homotetia certas propriedades como o paralelismo, a congruência
dos ângulos e a proporção dos lados são preservados.

Para a construção de um conhecimento matemático, é


necessário que o aluno possa adaptar-se a uma situação adidática
específica desse conhecimento. Nesse processo, o aluno passa por
mudanças de estratégias que o conduzem a colocar em prática a
estratégia vencedora de maneira estável no tempo, conseguindo desta
forma, resolver problemas com diferentes valores ou variáveis
didáticas da situação adidática. Um conhecimento matemático, nesse
caso, é caracterizado por uma ou mais situações adidáticas que dão
significado a esse conhecimento. As referidas situações devem estar
ao alcance do aluno. Partindo do conhecimento dos alunos, o
professor seleciona situações adidáticas adequadas que possam fazer
emergir o conhecimento matemático a ser estudado. Essas situações
adidáticas adaptadas aos fins didáticos dão significado não apenas ao
conhecimento ensinado em um determinado momento, como também
ao sentido particular que esse conhecimento terá na instituição escolar
(CHEVALLARD, BOSCH E GASCÓN, 2001).
99

Figura 5 – Atividade 2 – sessão 01 (ANDRADE, 2005)

Figura 6 – Atividade 3 – sessão 1 (ANDRADE, 2005).


100

Conforme descrito, a situação adidática é importante no


ensino, uma vez que o meio que vivemos é adidático. Esse meio é
adidático, uma vez que no mundo fora da escola todos convivemos
com situações concretas em que precisamos tomar decisões, fazer
escolhas, resolver problemas sem que haja a presença do professor e
de um ambiente voltado ao aprendizado de um dado conceito. Porém,
as situações adidáticas com o objetivo didático estão inseridas dentro
das instituições de ensino, em um conjunto complexo de relações que
incluem instrumentos, objetos e o professor com o objetivo de criar
condições para que ocorra a aprendizagem. Nesse ambiente de
aprendizagem, está incluída a noção de meio matemático,
correspondente aos objetos matemáticos que os alunos conhecem,
utilizam com segurança e cujas propriedades são inquestionáveis para
eles. No ambiente escolar, também se incluem diferentes dispositivos
para o estudo, como a “aula de matemática” e o “livro didático”. Na
situação didática, temos a intervenção do professor sobre os alunos
em interação em um ambiente cujo objetivo é fazer com que as
situações adidáticas funcionem promovendo a aprendizagem. As
situações adidáticas, portanto, fazem parte de uma situação mais
ampla, que é a situação didática. Dessa forma, não podemos
considerar, na construção do conhecimento, apenas as situações
adidáticas. Chevallard, Bosch e Gascón (2001, p.216) esclarecem que:

Embora Brousseau tenha aceito inicialmente a idéia de


Piaget de que a construção do conhecimento é realizada
mediante uma adaptação pessoal (feita de assimilações e
acomodações) ao meio, demonstrou, posteriormente que
a teoria de Piaget, ao supervalorizar a aprendizagem
“natural” ou “espontânea”, corre o risco de fazer recair no
professor toda a responsabilidade didática e cair em um
novo tipo de empirismo.

Nas situações didáticas, cabe ao professor, no lugar de


comunicar um conhecimento, fazer a devolução de um bom problema.
Se o aluno aceita as regras do “jogo” tomando para si a
responsabilidade sobre a resolução desse problema, essa devolução
se opera, ocorrendo a aprendizagem. Nesse jogo, tanto o professor
quanto o aluno possuem responsabilidades, cabe ao aluno aceitar o
desafio e ao professor criar condições adequadas para a devolução do
problema. E se o aluno se recusa a resolver o problema ou não
consegue resolvê-lo? O professor terá como obrigação auxiliar o aluno
e se justificar por ter colocado-o em uma situação mais difícil.
Brousseau (1986, p.51, tradução livre) esclarece que “este sistema de
obrigações recíprocas lembra um contrato”. A parte desse contrato que
é específica do conteúdo é chamada por Brousseau de contrato
101

didático. Ele possui características que o impedem de se configurar


como um verdadeiro contrato. Entre essas características, Chevallard,
Bosch e Gascón (2001) enumeram algumas, como:

 Ele não pode tornar-se totalmente explícito, uma vez que se


refere ao resultado do ensino de um dado conhecimento
matemático e, como tal, as cláusulas de rupturas e realização
do contrato não podem ser definidas antecipadamente;

 Um contrato em que fossem definidas regras imutáveis de


comportamento entre o professor e o aluno estaria fadado ao
fracasso. Tomemos um exemplo: se uma das regras fosse que
o professor “ensinasse” para o aluno os resultados (o
conhecimento a ser adquirido). Nesse caso, o aluno não
chegou aos resultados por si mesmo e, portanto não aprendeu
matemática;

 O professor e o aluno aceitam responsabilidades que não


podem controlar indicando uma “irresponsabilidade jurídica”. O
professor aceita a responsabilidade de organizar situações
adequadas, a construção de um dado conhecimento, e o
aluno, de resolver os problemas que fazem parte dessas
situações e para os quais qual não lhe foi dada a solução.

Essas condições para que não se possa chamar o contrato


didático de um verdadeiro contrato conduzem a rupturas. O aluno, ao
não conseguir resolver um dado problema, sente surpresa e revolta. O
professor considera que os seus serviços foram adequadamente
prestados. Essas rupturas conduzem à renegociação e a busca de um
novo contrato em função dos novos conhecimentos adquiridos ou
apontados. Brousseau (1986, p. 52, tradução livre) esclarece que “o
conhecimento será justamente o que resolverá as crises resultantes
dessas rupturas”.

Como vimos, as situações adidáticas são necessárias na


construção do conhecimento. Uma das contribuições mais importantes
da teoria das situações didáticas foi o de propor um método para
estudar estas situações adidáticas do ponto de vista teórico e “em
estreita relação com as diversas formas dos conhecimentos
matemáticos e os correspondentes modos de funcionamento desses
conhecimentos” (CHEVALLARD, BOSCH E GASCÓN, 2001, p.220).
Brousseau propõe três tipos de situações adidáticas: situação de ação,
situação de formulação e validação.
102

SITUAÇÕES ADIDÁTICAS DE AÇÃO

As situações de ação são aquelas em que ocorrem as


mudanças de informações não codificadas. Nessa fase, o aluno atua
sobre o problema de forma mais experimental e intuitiva do que
teórica. Brousseau (1986, p.95, tradução livre) assinala que, nesse tipo
de situação, ocorrem “as mudanças de informação não codificadas ou
sem linguagem: as ações e as decisões que agem diretamente sobre
outro protagonista”. O aluno deve atuar sobre o problema sem ter que
se preocupar em apresentar argumentos. Nessa situação:

Existem interações em que o jogador exprime suas


escolhas e decisões sem algum código lingüístico, pelas
ações sobre o meio. Nós assimilaremos a esta classe de
interações aquelas em que aparecem as mensagens de
um código tão fácil para relacionar à ação que ele não
jogará regra alguma dentro do jogo. Até mesmo aquelas
em que existem as mudanças de mensagens, mas sem
relação com a solução do problema. Por exemplo, o
jogador exprime ou entretém uma conversação pouco
importante com um terceiro sem esperar uma retroação
(BROUSSEAU, 1986, P.95, tradução livre).

PAIS (2001, p. 72) esclarece que, nesse tipo de situação, “o


aluno fornece a solução correta de um certo problema, mas não sabe
explicitar os argumentos por ele utilizados na sua elaboração”. PAIS
(2001) acredita que, na situação de ação, do ponto de vista
pedagógico, o aluno deve ser colocado diante de um problema sobre o
qual possa agir diretamente, sem ter de explicitar argumentos. Nesse
tipo de situação, prevalece o aspecto experimental.

Voltando ao jogo “a corrida até o 20”, Chevallard, Bosch e


Gascón (2001) assinalam que, na fase correspondente à ação, “cada
jogador produz unicamente uma série de decisões, não tem nenhum
interesse em indicar suas estratégias. Começa o jogo em um certo
estado e o deixa em outro”.

No caso das situações propostas por Andrade (2005) para


construção do conceito de homotetia, as situações de ação ocorrem no
momento em que os alunos movimentam as figuras, observando os
efeitos da movimentação, sem inicialmente propor estratégias. Esta
ação sobre o objeto, posteriormente conduzirá às situações adidáticas
de formulação.
103

SITUAÇÕES ADIDÁTICAS DE FORMULAÇÃO

Nas situações de formulação, o aluno passa a utilizar um


raciocínio mais elaborado, uma estrutura de natureza mais teórica na
resolução do problema. Brousseau (1996, p.95, tradução livre)
esclarece que, nesse caso, temos “as mudanças de informação
codificadas em uma linguagem”. Ele acrescenta, que nesse tipo de
situação:

Existem as interações em que o jogador se preocupa


em emitir uma mensagem à intenção do meio
antagonista, sem que essa mensagem signifique a
intenção de emitir um julgamento. Ele não quer
somente classificar em certa categoria as ordens, as
questões, etc., mas também todas as informações.
Certamente, a maior parte dessas informações é
implicitamente acompanhada de uma afirmação de
validade. Mas, à medida que o emissor não indica
explicitamente essa validade, se ele não espera ser
contradito ou chamado a verificar sua informação, se o
contexto não lhe dá uma certa importância à questão de
saber se a informação é verdadeira, como e por que, ou
se essa validade é suscetível de ser estabelecida sem
dificuldade, então a mensagem será classificada,
simplesmente, como informativa. A informação, assim,
dada é suposta mudar ao menos a incerteza do meio e
em geral seu estado.

Como observamos em Brousseau, o aluno diante do problema


procura emitir uma resposta. Nesse processo, ocorre a troca de
informações com um ou mais alunos. O aluno formula justificativas
para a solução encontrada do problema sem, contudo, esperar ser
contradito.

Chevallard, Bosch e Gascón (2001, p. 222), para exemplificar a


situação de formulação, utilizam a “a corrida até 20”. Nesta segunda
fase:

Os alunos são agrupados em duas equipes que


competem uma contra a outra. O professor chama os
alunos com a letra nominada para disputar uma partida no
quadro. O restante dos alunos não tem o direito de intervir
nem de falar. É concedido um ponto à equipe do jogador
ganhador: entre as partidas, os alunos da mesma equipe
discutem entre si as melhores estratégias. O êxito de cada
equipe depende da ação e da compreensão que cada
jogador manifesta sobre as estratégias discutidas.

A seqüência didática organizada por Andrade (2005) foi


realizada em duplas. Durante esta seqüência, as situações de
104

formulação ocorreram quando os alunos apresentaram as suas


observações sobre as propriedades da homotetia, identificadas durante
a manipulação, para a sua dupla. Estas justificativas não traziam uma
estrutura mais elaborada justificando as observações apresentadas.
Esta preocupação surge na próxima etapa (validação).

SITUAÇÕES DE VALIDAÇÃO

No terceiro tipo de situação, ocorre uma mudança de juízo.


Nesse caso, o aluno possui estruturas de prova e o conhecimento
apresenta uma natureza mais teórica. Brousseau (1986, p.96, tradução
livre) esclarece que, nesse tipo, “as mensagens mudadas com o meio
são as asserções, os teoremas, as demonstrações, emitidas e
recebidas como tais”.

Sobre esse tipo de situação, Pais (2001) esclarece que ela


está relacionada com a questão da justificativa de um conhecimento,
ou seja, com a veracidade do conhecimento. Observa-se
historicamente que é praticamente impossível assegurar a
universalidade do conhecimento. Uma solução histórica foi limitar essa
argumentação a paradigmas internos restritos a territórios
especializados. No caso específico da escola, o que se observa é um
território de natureza distinta das comunidades científicas. Nesse
território, é importante fomentar no aluno o desafio da validação, ainda
que limitado pelas características do ambiente escolar, que por sua
vez, é delimitado pelo contrato didático. Para Pais (2001, p. 73), “O
trabalho intelectual do aluno não se refere somente a informações
sobre o saber, mas envolve também afirmações, elaborações,
declarações a propósito da validade do saber”.

Para melhor definir essas situações de validação, Balacheff


(1990 apud PAIS, 2001) propõe uma distinção entre explicação, prova
e demonstração. A explicação de uma validade se limita ao campo
individual. Na prova, temos uma justificativa restrita a um contexto
social limitado como a sala de aula. Na demonstração, esse contexto
social se amplia, sendo a validação submetida a uma comunidade
científica. Na presente pesquisa, os alunos se limitaram ao campo de
validação da explicação e da prova. Para exemplificar uma situação de
validação, tomemos mais uma vez Chevallard, Bosch e Gascón. (2001,
p. 223). Ele propõe que, nesta fase, o professor mude o jogo:

Cada equipe, após a discussão, pode propor uma


explicação ou método para ganhar; pode criticar uma
explicação da outra equipe e tentar provar que é falsa e,
105

por último, pode obrigá-la a jogar uma partida utilizando


o método que propôs. Nessa última fase, os alunos
aprendem, sem intervenção do professor: a enunciar
“teoremas” (como, por exemplo, “é necessário enunciar
17”), a discutir sua validade (“eu enunciei 17 e perdi”), e
a produzir demonstrações (“se ele enunciar 17, eu só
posso dizer 18 ou 19, nos dois casos poderá dizer 20”).

Na pesquisa realizada por Andrade (2005) a situação de


validação ocorre quando se propõe que entre as duplas se procure
justificar as afirmações feitas. Neste caso, surgiram alguns “teoremas”
como, por exemplo, “neste tipo de transformação o paralelismo é
preservado”. É questionamentos como, por exemplo, “como você pode
afirmar isso?” o que produzirá demonstrações do tipo “utilizando as
ferramentas do programa podemos observar que ao movimentarmos o
triângulo A1B1C1 os ângulos entre os raios homotéticos e os lados
correspondentes permanecem congruentes, logo estes lados são
paralelos”. Na figura 8, temos a tela do programa com a atividade 4. Na
figura 9, temos a tela do programa após a manipulação e aplicação de
algumas ferramentas do programa como “ângulo” (que informa a
medida de um ângulo) pela dupla de alunos DW. Após a aplicação da
ferramenta “ângulo”, a dupla observou que ao manipular os triângulos,
o ângulo poderia mudar de medida, mas conservava o mesmo valor
entre os lados correspondentes e os raios homoteticos30.

Figura 7 – Tela inicial da atividade 4 – sessão 1 (ANDRADE, 2005)

30
Na figura 8 podemos observar que a medida do ângulo SAB é igual a SA1B1, a medida do
ângulo SCB é igual a medida do ângulo SC1B1. Caso fosse medido, o mesmo ocorreria para os
ângulos SAC e SA1C1.
106

Figura 8 – Tela da atividade 4 após a manipulação da dupla DW (ANDRADE, 2005).

Brousseau (1986) faz uma comparação dessas situações


adidáticas, conduzidas na sala de aula com o desenvolvimento
histórico da matemática. Neste cotejo, ele mostra a mudança no
estatuto de determinados conhecimentos matemáticos ao longo do
tempo. Determinadas afirmações que apesar de aparentar uma certa
coerência, não tinham uma estrutura mais elaborada de demonstração
em uma determinada época, em outro momento, ganhavam um novo
“status”, sendo demonstrada e aceita como válida. Essa separação
que ele apresenta, pode ser mais visível do ponto de vista histórico.
Contudo, na sala de aula, ela é mais sutil, conforme esclarece Pais
(2001, p. 74): “na classificação das situações didáticas é preciso
destacar que elas, quase sempre, encontram-se fortemente
entrelaçadas entre si. A separação proposta serve para operacionalizar
uma análise didática e não para induzir uma separação nítida”. Após a
validação, Brousseau apresenta uma nova fase: a Institucionalização.

INSTITUCIONALIZAÇÃO

Na institucionalização, o saber passa para o aluno de um nível


subjetivo para o status de conhecimento e, nesse caso, adquire uma
dimensão histórica e cultural. Para Pais (2001, p.74), essa situação se
justifica: “pela exigência de fixar, por uma convenção, o estatuto de um
saber, pois certas situações exigem o reconhecimento externo, capaz
de lhe conferir uma validade social, mesmo que seja no espaço da sala
de aula”.
107

Na pesquisa realizada por Andrade (2005), a institucio-


nalização ocorreu no final de cada sessão, quando cada dupla
apresentou para a sala de aula as observações feitas, os “teoremas”
formulados e as demonstrações do mesmo. Nessa etapa, o professor
fez uma comparação entre conceitos divergentes, levando ao debate,
e, por fim, conduziu a perceber as relações entre os conhecimentos
construídos com o saber socialmente aceito.

A DEVOLUÇÃO E A INSTITUCIONALIZAÇÃO

Figura 9 – A devolução e institucionalização.

Na figura 10, temos uma síntese das situações de devolução e


institucionalização. Como foi visto, duas atividades principais do
professor são a devolução e a institucionalização. Na devolução de
uma situação adidática, o professor deve não apenas apresentar as
regras do jogo, mas também conduzir o aluno a se responsabilizar pelo
resultado que deseja atingir. Isso implica no cumprimento de uma parte
essencial do contrato didático. Chevallard, Bosch e Gascón (2001, p.
218) esclarecem que:

Tradicionalmente, a problemática que engloba a


devolução foi analisada em termos de motivação do
aluno; as soluções preconizadas são de natureza
psicológica, psicoafetiva ou pedagógica. Brousseau
propõe que a análise parta, ao contrário, da situação
adidática e do conhecimento especifico C que a
situação caracteriza.

Conforme destacado, as situações adidáticas dependem do


conhecimento que pretende construir. Para cada conhecimento C,
teremos um conjunto de situações específicas que constituem uma
situação fundamental do conhecimento C. Isto remete à necessidade
108

de pesquisas sobre seqüências didáticas adequadas à construção dos


conhecimentos que se pretende ensinar. A evolução nestas pesquisas,
proporcionará um rico material a ser utilizado no ensino de um dado
conteúdo. Convêm, contudo, assinalar que cada sala de aula é única,
corresponde a um determinado grupo social com características
específicas, fazendo-se sempre necessário adaptar essas pesquisas
aos diferentes meios.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste texto, apresentamos uma breve introdução a didática da


matemática Fundamental. Ela constitui um avanço nas pesquisas
nesta área conduzindo a inúmeros estudos que tem como propósito o
avanço nas reflexões sobre o ensino de matemática. Questões como
deficiências no ensino de matemática, baixos índices de
aproveitamento escolar, falta de motivação na sala de aula passam por
mudanças na forma como se ensina matemática, nas relações que se
estabelece entre os elementos do triângulo das situações (professor,
aluno e saber) e na forma como ocorre a transposição dos saberes.
Apesar das pesquisas na didática fundamental terem como foco o
ensino de matemática, podemos ampliar este olhar para outras
disciplinas procurando aperfeiçoar o ensino delas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE, Vladimir L. V. X. Avaliação dos efeitos de uma


seqüência didática na concepção de ensino-aprendizagem e na
construção do conceito de homotetia em licenciandos de
Matemática. Recife: Universidade Federal Rural de Pernambuco,
2005. 149 f. (Dissertação de Mestrado em Ensino das Ciências, área
de concentração: Ensino de Ciências e Matemática).

BRITO MENEZES, A. P. A. Contrato didático e transposição


didática: inter-relações entre os fenômenos didáticos na iniciação à
álgebra na 6ª série do Ensino Fundamental. 2006. Tese (Doutorado em
Educação) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2006.

BROUSSEAU, G. Fondements et méthodes de la didactique des


mathématiques. Recherches en Didactiques des Mathématiques.
v.7, nº2, pp.33-116. Grenoble, 1986.
109

CHEVALLARD, Yves, BOSCH, Marianna, GASCÓN, Josep. Estudar


Matemáticas: o elo perdido entre o ensino e a aprendizagem.
Tradução: Daisy Vaz de Moraes. Porto Alegre: Artmed, 2001. 336 p.

PAIS, Luiz Carlos. Didática da Matemática: uma análise da influência


francesa. 2ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. 128 p. (Coleção
Tendências em Educação Matemática, 3).

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