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DOCÊNCIA EM

BIOQUÍMICA CLÍNICA
SAÚDE EM DIABETES E
RENAL
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Portal Educação

P842b Bioquímica clínica em diabetes e renal / Portal Educação. - Campo Grande:


Portal Educação, 2012.

104p. : il.

Inclui bibliografia
ISBN 978-85-8241-376-0

1. Bioquímica clínica. 2. Diabetes - Renal. I. Portal Educação. II. Título.

CDD 574.19285
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................4
2 CATEGORIAS DE DIABÉTICOS ...............................................................................................5
3 EXAMES LABORATORIAIS PARA O DIABETES ....................................................................6 2
3.1 Regulação da glicemia .............................................................................................................6
3.2 Métodos de determinação da glicemia ...................................................................................7
3.3 Métodos bioquímicos ...............................................................................................................8
3.4 Métodos de tiras reagentes .....................................................................................................9
3.5 Teste de tolerância à glicose ..................................................................................................10
3.6 Padronização do teste.............................................................................................................10
3.7 Fatores que afetam o teste de tolerância à glicose ..............................................................11
3.8 Teste de tolerância à glicose oral ( TTGO ) ...........................................................................12
3.9 Protocolo do NDDG para o teste ............................................................................................13
3.10 Teste de tolerância à glicose oral achatado ..........................................................................14
3.11 Interpretação do teste de tolerância à glicose oral ..............................................................14
3.12 Tolerância à glicose alterada ..................................................................................................15
3.13 Critérios do teste de tolerância à glicose oral em crianças .................................................16
4 DIABETES GESTACIONAL ............................................................................................................17
5 TESTES DE TRIAGEM PARA DIABETES ......................................................................................19
6 TOLERÂNCIA À GLICOSE EM OUTRAS DOENÇAS ....................................................................21
7 CONTROVÉRSIAS SOBRE A IMPORTÂNCIA CLÍNICA DO TESTE DE TOLERÂNCIA À
GLICOSE ORAL ..............................................................................................................................26
8 TESTE E TOLERÂNCIA À GLICOSE INTRAVENOSA ...................................................................27
9 DETERMINAÇÃO DA INSULINA NO PLASMA OU SORO ............................................................28
10 DOSAGEM DA HEMOGLOBINA GLICOSILADA ....................................................................29
11 MÉTODOS LABORATORIAIS ..................................................................................................31
12 DETERMINAÇÃO DA FRUTOSAMINA NO SORO ..................................................................33
13 AUTO-ANTICORPOS ASSOCIADOS AO DIABETES .............................................................34
14 GLICOSÚRIA ............................................................................................................................35
15 PROTEINÚRIA DIABÉTICA .....................................................................................................37
16 DIAGNÓSTICO DO COMA DIABÉTICO ..................................................................................40
17 HIPOGLICEMIA ........................................................................................................................42
17.1 Hipoglicemia de jejum .............................................................................................................42
18 RELAÇÃO INSULINA/GLICOSE CORRIGIDA PARA O DIAGNÓSTICO DE
INSULINOMA ...................................................................................................................................46
19 TESTE DE TOLERÂNCIA À TOLBUTAMIDA ..........................................................................47
20 DETERMINAÇÃO DA PRÓ-INSULINA ....................................................................................49 3
21 DETERMINAÇÃO DO PEPTÍDEO C NO SORO.......................................................................50
22 HIPOGLICEMIA PÓS-PRANDIAL ............................................................................................53
23 TESTES LABORATORIAIS ......................................................................................................55
24 HIPOGLICEMIA NEONATAL E DA INFÂNCIA ........................................................................57
25 FÉRIAS E FESTAS: O QUE FAZER? ......................................................................................60
26 ATIVIDADE FÍSICA E DIABETES NO BRASIL: NECESSIDADE X RISCOS ..........................63
27 EPIDEMIOLOGIA DO DIABETES TIPO 2 NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA .......................65
28 TRATAMENTO DO DIABETES TIPO II ....................................................................................67
29 NOVAS TERAPIAS NO DIABETES TIPO 2 .............................................................................74
30 PROVAS PREDOMINANTEMENTE DE FUNÇÃO GLOMERULAR ........................................77
31 PROVAS QUE REFLETEM LESAO GLOMERULAR GRAVE, LESAO TUBULAR OU
MBAS............ ...................................................................................................................................82
32 PROVAS DE FUNÇÃO PREDOMINANTEMENTE TUBULAR .................................................87
33 UREMIA (ELEVAÇÃO DO NÍVEL DE NITROGÊNIO URÉICO DO SANGUE) E
INSUFICIÊNCIA RENAL ..................................................................................................................94
34 O PROBLEMA DA PROTEINURIA...........................................................................................98
35 O PROBLEMA DA HEMATURIA .............................................................................................101
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................103
1 INTRODUÇÃO

Além de secretar enzimas digestivas exócrinas no duodeno, o pâncreas desempenha


funções endócrinas através das ilhotas de Langherans. Estas estruturas ocorrem principalmente
na cauda e no corpo do pâncreas, e os hormônios envolvidos consistem no glucagon e na
insulina, que são secretados diretamente na corrente sanguínea. O diabetes melito surge em 4
conseqüência de uma anormalidade na produção ou na utilização da insulina. A anormalidade na
produção afeta as células beta das ilhotas e pode ser de dois tipos: produção deficiente de
insulina pelas células beta ou síntese relativamente normal, porém com liberação anormal do
hormônio. Além desta anormalidade na produção, o diabetes pode ser produzido por certos
fatores extrapancreáticos, como disfunção dos receptores celulares nos tecidos periféricos, com
conseqüente resistência à ação celular da insulina, ou por anormalidades de hormônios não-
pancreáticos que afetam a secreção de insulina ou o metabolismo da glicose no sangue.
2 CATEGORIAS DE DIABÉTICOS

Os dois tipos de anormalidades idiopáticas da insulina das células das ilhotas estão
associados a duas das categorias clínicas mais importantes de diabéticos. A primeira categoria é
o tipo I ou insulino-dependente do National Diabetes Data Group (NDDG). Em geral, mas nem
sempre, o diabetes tipo I começa numa fase relativamente precoce da vida e exibe maior 5
gravidade. Os pacientes necessitam de insulina para o seu tratamento e apresentam grave
deficiência insulínica demonstrada pela determinação do hormônio no sangue. O segundo tipo
de diabetes melito é o tipo II do NDDG ou diabetes insulino-independente, que afeta cerca de
80% dos diabéticos. Em geral, mas nem sempre, o diabetes tipo II começa na meia-idade ou
depois, está quase sempre associado com obesidade e anormalidades menos graves da
glicemia e pode ser tratado através de dieta apenas, de medicação oral ou com pequenas doses
de insulina. Os indivíduos com diabetes tipo 2 apresentam uma produção normal ou
significativamente elevada de insulina de acordo com a determinação dos níveis sanguíneos do
hormônio, mas exibem uma redução na utilização da insulina pelo fígado e tecidos periféricos
(resistência à insulina). Outros apresentam graus variáveis de produção diminuída de insulina,
embora geralmente não tão grave quanto à deficiência de insulina descrita pelos livros no
diabetes tipo 1.

Existe um pequeno subgrupo de diabéticos adolescentes, cuja doença se assemelha ao


diabetes do adulto tipo II. Numa publicação recente, este subgrupo foi associado a uma mutação
no gene da glicoquinase. Há também alguns diabéticos adultos com doença tipo II que não são
obesos, bem como um pequeno subgrupo de diabéticos adultos cuja doença se assemelha ao
tipo I.

O NDDG reconhece duas outras categorias de diabéticos. O primeiro grupo está


associado a várias condições e síndromes não-idiopáticas (“diabetes secundário”) que destroem
o tecido pancreático (pancreatite, carcinoma pancreático, hemocromatose) ou que produzem
anormalidade na tolerância à glicose, devido a várias influências extrapancreáticas, como
hormônios, drogas e anormalidades dos receptores de insulina. A segunda categoria é o
diabetes gestacional, que surge durante a gravidez.
3 EXAMES LABORATORIAIS PARA O DIABETES

A maioria dos exames laboratoriais para o diabetes visa demonstrar uma disfunção das
células das ilhotas pancreáticas (produção deficiente ou liberação anormal de insulina), pela
determinação direta ou indireta dos níveis sanguíneos de insulina. Durante muitos anos, a
determinação direta da insulina no sangue era tecnicamente muito difícil para todos os
6
laboratórios, à exceção de alguns laboratórios de pesquisa. Por conseguinte, a medicina clínica
dava ênfase aos métodos indiretos, que geralmente demonstravam a ação da insulina sobre
uma substância relativamente acessível e de fácil determinação: a glicose do sangue. Na
atualidade, os métodos de imunoensaio para determinação da insulina são comercialmente
disponíveis. Todavia, na maioria dos casos, a dosagem direta da insulina não tem sido mais útil
do que a determinação da glicemia para o diagnóstico do diabetes, visto que, em geral, o
resultado quantitativo e o padrão dos valores da glicemia permitem separar com razoável grau
de precisão os diabéticos nos dois grupos principais: tipo I e tipo II. Além disso, a determinação
da glicemia é de tipo bem menor, facilmente acessível e, do ponto de vista técnico, menos
exigente do que os métodos atuais de imunoensaio.

Por motivos já assinalados, a determinação da glicemia continua sendo a base para o


diagnóstico do diabético. Infelizmente, existem certas falhas inerentes a todos os sistemas que
utilizam a glicose sanguínea para esta finalidade. Esses problemas surgem em qualquer técnica
que visa determinar uma substância particular ao monitorizar a sua ação sobre outra.
Idealmente, seria conveniente medir um substrato específico para a reação ou a enzima em
questão em condições de prova, capazes de eliminar os efeitos de quaisquer outros fatores
sobre sua utilização. O nível de glicemia não satisfaz a nenhum desses critérios.

3.1 Regulação da glicemia

O nível de glicemia depende primariamente do fígado, que exerce seus efeitos sobre a
homeostasia da glicose sanguínea através da conversão reversível da glicose pela glicogênese,
bem como através da gliconeogênese a partir da gordura e da proteína. Segue-se, por ordem de
importância, a utilização da glicose pelos tecidos, que é mediada pela insulina pancreática mas
afetada por numerosos outros fatores.

Os verdadeiros mecanismos envolvidos na regulação dos níveis de glicemia são


complexos e, em muitos casos, apenas parcialmente esclarecidos. Acredita-se que a insulina
seja capaz de aumentar o transporte de glicose para o interior das células da maioria dos tecidos
(à exceção de eritrócitos e, possivelmente, do cérebro e da mucosa intestinal), além de estimular 7
a oxidação da glicose e a síntese de gordura, glicogênio e proteína. Além disso, a insulina
exerce um efeito direto sobre o fígado ao suprimir a formação de glicose a partir do glicogênio
(glicogenólise).

O fígado é afetado por três hormônios importantes, pelo menos: adrenalina, glucagon e
hidrocortisona (cortisol). A adrenalina da medula supra-renal estimula a degradação do
glicogênio em glicose ao converter a fosforilase inativa da célula hepática em sua forma ativa,
que atua na conversão do glicogênio em glicose-1-fosfato. Além disso, há evidência de que a
gliconeogênese a partir do lactato seja intensificada pela ação da enzima adenosina-3,5-
monofosfato. O glucagon é o hormônio produzido pelas células alfa do pâncreas e liberado pelo
estímulo da hipoglicemia. Acredita-se que esse hormônio atue sobre o fígado de modo
semelhante à adrenalina. O cortisol, a cortisona e corticosteróides supra-renais 11-oxigenados
semelhantes também influenciam o fígado, porém de modo diferente. A via metabólica bem
documentada consiste na síntese aumentada de glicogênio a partir dos aminoácidos. Esta via
aumenta a reserva de carboidratos disponível para elevar os níveis de glicemia. Por conseguinte,
os esteróides semelhantes ao cortisol estimulam essencialmente a gliconeogênese. Ademais, a
deficiência de cortisol resulta em anorexia e também afeta a absorção de carboidratos pelo
intestino delgado.

3.2 Métodos de determinação da glicemia

A técnica de determinação da glicemia deve ser levada em consideração, visto que os


diferentes métodos disponíveis variam quanto à sua especificidade e sensibilidade para a
glicose. A própria amostra de sangue é importante: de acordo com vários registros, para cada
hora de permanência no sangue total diminuem de cerca de 10 mg/dL, a não ser que se adicione
um preservativo. O hematócrito, quando elevado, acentua a redução da glicose, devido à
atividade metabólica dos eritrócitos. O fluoreto continua sendo o preservativo mais
recomendado. O plasma e o soro são mais estáveis do que o sangue total. Quando o soro pode
ser separado das células antes de 2 horas, os valores da glicose sérica permanecem estáveis
por um período de até 24 horas em temperatura ambiente (apesar de alguns autores relatarem
diminuições ocasionais). A refrigeração ajuda esta preservação. Os valores séricos ou
8
plasmáticos são geralmente 10 a 15% superiores aos obtidos com sangue total. Todavia,
diversos estudos relataram uma considerável variação (de 3 a 47 %) nesta diferença durante
determinado período de tempo. A maioria dos equipamentos automáticos atuais utiliza soro.
Existem alguns analisadores portáteis ou de pequeno tamanho para consultório, na forma de
instrumentos destinados a um único teste, com cartuchos de reagentes ou na forma de fitas
reagentes. Habitualmente, utiliza-se sangue venoso par determinação da glicose. Os valores
com sangue capilar (arterial) são aproximadamente iguais aos do sangue venoso quando o
paciente está em jejum. Entretanto, os valores de sangue capilar quando o indivíduo não está
em jejum, são aproximadamente 30 mg/dL mais altos do que os obtidos com sangue venoso,
podendo esta diferença ser algumas vezes de até 100 mg/dL.

3.3 Métodos bioquímicos

Dispõe-se de um número considerável de métodos para a determinação de glicemia.


Estes métodos podem ser convenientemente classificados em: métodos não-específicos com
substâncias redutores, que fornecem valores significativamente acima dos verdadeiros valores
da glicose (método manual de Folin-Wu e método automático com neocruproína); métodos que
não são totalmente específicos para glicose, mas que proporcionam resultados bem próximos
aos da glicose verdadeira (ortotoluidina, ferricianeto ) e métodos específicos para glicose
verdadeira que utilizam enzimas (glicose-oxidade e hexoquinase). Existem certas diferenças
técnicas e interferências por certos medicamentos ou substâncias metabólicas que são
responsáveis pela falta de uniformidade da metodologia laboratorial e que, em alguns casos,
podem afetar a interpretação dos resultados. Os valores de referência mencionados aqui são
para o soro e a glicose verdadeira, a não ser que haja especificação em contrário.
3.4 Métodos de tiras reagentes

Outro teste para glicose consiste num rápido método quantitativo que utiliza tiras de
papel distribuídas por vários fabricantes. Parte da tira é impregnada com glicose-oxidade, uma
enzima específica da glicose, e com um reagente de cor. Coloca-se uma gota de sangue total,
de plasma ou soro sobre a área do reagente e compara-se a cor que aparece com uma tabela 9
de cores de referência. Existem pequenos medidores eletrônicos de leitura para várias das tiras
de papel comercializadas. Em geral, foi constatado que estes medidores resultam em melhora
significativa da precisão. As avaliações dos vários métodos de tiras de papel fornecem um
consenso segundo o qual, com a experiência do uso de um medidor de leitura, os experimentos
que utilizam material de controle de qualidade ou soluções de glicose geralmente estão de
acordo com os métodos laboratoriais padrões dentro de aproximadamente 5% para mais ou para
menos. Ao utilizar amostras de sangue capilar obtido de punção digital, os níveis situados entre
40 e 130 mg/dL geralmente estão de acordo dentro de aproximadamente 15% para mais ou para
menos com os valores obtidos através dos métodos laboratoriais padrões. As pessoas pouco
familiarizadas com a técnica podem obter resultados mais erráticos. Estes métodos com tira de
papel reagente têm sido utilizados com sangue venoso total ou com sangue obtido de punção
digital como maneira rápida de se fazer o diagnóstico da hipoglicemia e da hiperglicemia em
pacientes comatosos ou gravemente enfermos, bem como para orientar o auto-ajustamento da
dose de insulina apelo paciente em casa, o que é bem mais comum hoje em dia.

Alguns cuidados incluem possíveis diferenças entre os valores obtidos com sangue
capilar (punção digital) e sangue venoso, citadas anteriormente, e os efeitos do hematócrito
sobre os resultados, uma vez que o sangue com baixo hematócrito (menor que 35 %) produz
resultados mais elevados (de cerca de 10 a 15 %), enquanto o sangue com hematócrito alto
(maior que 55 %) produz resultados mais baixos. Isto cria um problema especial com o recém-
nascido que normalmente apresenta um alto valor de hematócrito em comparação com o do
adulto. Além disso, o controle de qualidade ou a avaliação dos diferentes produtos do fabricante
ao utilizar soluções de glicose podem não prever de modo acurado os resultados quando se
utilizam amostras de sangue do paciente. A presença de níveis séricos muito elevados de ácido
ascórbico (vitamina C) ou a ocorrência de lipemia visível podem interferir nos resultados. Os
pacientes com hiperglicemia hiperosmolar, com ou sem cetose, podem apresentar resultados
com tiras de papel reagentes inferiores aos valores verdadeiros. As amostras de sangue capilar
de áreas cianóticas ou de pacientes em estado de choque podem produzir resultados falsamente
baixos, já que pouco sangue há nesses locais. Em um estudo de pacientes em estado de
choque, 64% dos casos cujas amostras foram obtidas de punção digital apresentaram níveis de
mais de 20% abaixo daqueles observados com sangue venoso, e 32% apresentaram viveis de
mais de 50% a menos dos resultados obtidos com sangue venoso.
10

3.5 Teste de tolerância à glicose

O diagnóstico de diabetes é estabelecido pela demonstração de níveis anormalmente


elevados de glicemia em certas condições controladas. Se a deficiência de insulina for pequena,
a anormalidade é apenas observada quando o sistema se defronta com uma intensa sobrecarga
de carboidratos. Na deficiência de insulina não-compensada, a glicemia em jejum apresenta-se
anormal; na deficiência insulínica compensada, existe uma variedade de testes de tolerância aos
carboidratos para detectar o defeito. Entretanto, para utilizar e interpretar estes métodos, é
preciso compreender perfeitamente os vários fatores envolvidos.

Os testes de tolerância à glicose (TTG) são provas provocativas nas quais se administra
uma dose relativamente grande de glicose para estimular os mecanismos homeostáticos do
organismo. Se todas as demais variáveis estiverem normais, admite-se que a elevação e a
queda subseqüentes da glicemia sejam principalmente devidas à produção de insulina em
resposta à hiperglicemia, e que o grau de resposta à insulina seja refletido no comportamento da
glicemia. A alta de compreensão de que esta hipótese está baseada na normalidade de todas as
demais variáveis explica grande parte da confusão existente na literatura e na prática clínica.

3.6 Padronização do teste

O fator mais importante no TTG consiste na necessidade de uma cuidadosa


padronização do método. Sem essas precauções, qualquer tipo de TTG irá produzir resultados
tão variados a ponto de impedir a interpretação de uma resposta anormal. A ingestão prévia de
carboidratos é muito importante. Se a dieta teve baixo teor de calorias e de carboidratos durante
os três dias que antecedem o teste, a tolerância à glicose pode estar temporariamente
diminuída, e o TTG pode sofrer um desvio maior ou menor para níveis diabéticos. Este aspecto é
especialmente observado na inanição, porém a situação não precisa chegar a este extremo.
Mesmo uma dieta normal em calorias, porém com poucos carboidratos, pode influenciar a
resposta ao teste. Tem-se recomendado uma dieta preparatória que inclui cerca de 300 gramas
11
de carboidratos por dia, durante 3 dias antes do teste, embora outras autoridades acreditem ser
suficiente uma quantidade de 100 gramas por dia durante o mesmo período de tempo. A dieta
média dos americanos contém aproximadamente 100 a 150 gramas de carboidratos; em todos
os casos, é obviamente necessário certificar-se de que o paciente esteja realmente ingerindo
pelo menos 100 gramas de carboidratos por dia durante 3 dias para que o teste seja realizado a
contento.

3.7 Fatores que afetam o teste de tolerância à glicose

Foi observado que a inatividade exerce uma influência significativa sobre o TTG, com
tendência novamente para níveis diabéticos. Em um estudo, verificou-se quase 50% mais de
respostas diabéticas ao TTG em pacientes acamados, quando comparados com pacientes
ambulatoriais idênticos na maioria dos outros aspectos. O efeito da obesidade é um tanto quanto
controvertido. Alguns acreditam que a obesidade em si tenha pouca influência sobre o TTG.
Outros são de opinião que ela diminui a tolerância sobre o teste. Outros são de opinião que ela
diminui a tolerância aos carboidratos; observou-se diferenças significativas após a redução do
peso corporal, pelo menos em indivíduos obesos com diabetes leve. A febre tende a produzir
uma resposta de tipo diabético ao TTG; esta resposta é observada independentemente da
etiologia, porém é mais acentuada na presença de infecções. Registrou-se uma variação diurna
na tolerância à glicose, com diminuição significativa da tolerância aos carboidratos à tarde em
muitos indivíduos cujas curvas de TTG foram normais pela manhã. Isso indica que os testes para
o diagnóstico de diabetes devem ser efetuados pela manhã, o que já é feito em quase todos os
laboratórios, seja por conhecimento de causa ou pela tradição de se realizar as coletas sempre
de manhã. O estresse, quando intenso, resulta na liberação de vários hormônios (por exemplo,
adrenalina e, possivelmente, cortisol e glucagon), com conseqüente redução da tolerância à
glicose, o que afeta o teste. O infarto agudo do miocárdio, o traumatismo, as queimaduras e
outras condições quase sempre estão associados à hiperglicemia pós-prandial transitória e, em
certas ocasiões, a uma hiperglicemia leve em jejum. Este efeito pode persistir por algum tempo.
Recomendou-se que os testes laboratoriais definitivos para o diagnóstico do diabetes sejam
adiados por pelo menos seis semanas. Todavia, se a glicemia em jejum estiver
consideravelmente elevada, e se houver evidências clínicas significativas de diabetes, pode-se
12
estabelecer o diagnóstico sem demora.

Existe uma tendência bem conhecida à redução da tolerância aos carboidratos com a
idade avançada. Para cada década depois dos 30 anos de idade, a glicose em jejum aumenta de
1 a 2 mg/dL. Existem três tipos de opiniões no que concerne à interpretação deste fato. Um dos
grupos acredita que os efeitos do envelhecimento desmascaram o diabetes latente ou
representam um diabetes verdadeiro, devido ao comprometimento da função das células das
ilhotas, de modo análogo à diminuição da função renal subclínica em conseqüência de
arteriosclerose. Outro grupo aplica fórmulas de correção arbitrárias para reduzir o número de
anormalidades a um valor predeterminado, baseado em estimativas da incidência do diabetes na
população em questão. O terceiro grupo, de defende o ponto de vista mais amplamente aceito,
considera essas alterações mais como mecanismos fisiológicos do que patológicos. Para evitar
que muitos indivíduos idosos sem qualquer evidência de diabetes sejam considerados
diabéticos, alguns especialistas estendem deliberadamente os níveis superiores da faixa de
referência do TTG oral. Os critérios do NDDG discutidos adiante incorporam parte deste desvio
da faixa da referência.

Em certas ocasiões, surge o problema de estabelecer a normalidade dos valores da


glicose sérica quando o paciente está recebendo dextrose a 5% por via intravenosa. Em 20
pacientes de um estudo que não apresentaram qualquer evidência de doença capaz de afetar a
glicose sérica, os valores variaram de 86 a 232 mg/dL, com valor médio de 144 mg/dL. Os
valores ultrapassaram 186 mg/dL apenas um paciente.

3.8 teste de tolerância à glicose oral ( TTGO )


O TTGO é mais confiável quando o paciente é ambulatorial e não apresenta outras
doenças agudas ou crônicas graves. O teste deve ser precedido de uma dieta com teor
adequado de carboidratos durante, pelo menos, três dias e deve ser efetuado pela manhã após
o paciente ter permanecido em jejum por um período de 10 a 16 horas. O NDDG padronizou a
dose do teste em 75 gramas de glicose ou de dextrose para homens e mulheres não-grávidas e
100 mg para gestantes. A dose pode ser calculada com base no peso corporal. Pode-se utilizar
13
várias preparações comerciais prontas e a dose pode ser administrada em 300 mL de água,
geralmente com suco de limão, para mascarar o sabor desagradável. A dose deve ser ingerida
pelo paciente em 5 minutos. A prova é oficialmente iniciada quando o paciente começa a beber.
O NDDG recomenda que o paciente permaneça sentado durante o teste e que não fume. Além
disso, é preciso tomar cuidado com as medicações que podem afetar os resultados do teste,
como anticoncepcionais orais, esteróides, diuréticos e anticonvulsivantes.

3.9 Protocolo do NDDG para o teste

Colhem-se amostras de sangue em jejum e, a seguir, a cada 30 minutos durante 2 horas


após a ingestão de dextrose. Após ingerir a última dose, segue-se um período de latência depois
do qual a curva de glicemia se eleva acentuadamente até atingir um pico, geralmente em 15 a 60
minutos. Em um estudo 76 % dos pacientes apresentaram valores máximos em 30 minutos, e
17%, em 1 hora. Em seguida, a curva cai de modo uniforme, porém mais lentamente, atingindo
níveis normais em 2 horas. Estes níveis podem ser os próprios valores de glicose em jejum (GJ)
ou, simplesmente, valores situados dentro da faixa normal da glicemia.

Em certas ocasiões, após atingir o nível de jejum, pode haver uma depressão transitória,
abaixo deste nível, que não costuma ser acentuada e que, posteriormente, aumenta para os
valores de jejum. Acredita-se que esta fase hipoglicêmica relativa da curva (quando presente) se
deva a uma demora na capacidade do fígado de interromper a conversão da glicose em
glicogênio (em resposta à hiperglicemia anterior) e passar para a sua outra atividade de fornecer
glicose a partir do glicogênio. Em alguns casos, a presença de insulina residual também pode
constituir um fator considerável. Quando presente, esta “fase hipoglicêmica” ocorre geralmente
entre 2 e 4 horas. Vários estudos indicam que a denominada hipoglicemia terminal, que
representa uma forma um tanto exagerada desse fenômeno, ocorre numa percentagem bastante
grande de pacientes com resposta ao TTG sugestiva de diabetes leve. Acreditam que surge
quase sempre uma depressão hipoglicêmica anormalmente acentuada em indivíduos com
diabetes leve dentro de 3 a 5 horas após as refeições ou após uma dose de teste de
carboidratos, podendo constituir uma das primeiras manifestações clínicas da doença.

14

3.10 Teste de tolerância à glicose oral achatado

Trata-sede um TTGO cujo pico é variado, definido em menos de 40 mg, 25mg ou 20mg
/dL acima do valor da GJ. A definição mais comumente utilizada é de 25mg/mL. A situação
clínica mais freqüentemente associada a um TTGO achatado é a mal absorção de carboidratos a
nível do intestino delgado devido ao espru ou à doença celíaca, observando-se um menor
número de casos no mixedema e alguns casos na insuficiência hipofisária. O TTGO achatado
também pode ocorrer em indivíduos clinicamente normais. Quando foi utilizada a definição de 40
mg/dL, um estudo relatou a ocorrência de TTGO achatado em 90% dos pacientes com espru e
em até 40 % dos indivíduos clinicamente normais. Quando foi utilizada a definição de 25mg/dL,
outro estudo obteve um TTGO achatado em cerca de 60% dos pacientes com espru. Ao utilizar a
definição de 20 ou 25mg/dL, vários pesquisadores constataram um TTGO achatado em cerca de
20% dos indivíduos normais.

3.11 Interpretação do teste de tolerância à glicose oral

Os critérios para a interpretação da TTGO variaram amplamente no passado. Esta


situação decorre da ausência de uma divisão bem definida entre diabéticos e não-diabéticos, de
variações na metodologia e no ajustamento para as numerosas condições passíveis de afetar o
TTG em relação ao diabetes melito idiopático. Os critérios do NDDG estão substituindo
rapidamente os critérios anteriores como padrões mundialmente reconhecidos. Tais critérios são
apresentados adiante. Todos os valores a partir de agora serão expressos em miligramas por
decilitro utilizando os métodos de glicose verdadeira, a não ser que haja alguma especificação
diferente.

O NDDG permitiu o estabelecimento do diagnóstico de diabetes melito em qualquer uma


destas três situações diferentes:

 Sintomas clássicos suficientes do diabetes melito (por exemplo:


15
polidipsia, poliúria, cetonúria e perda de peso), juntamente com elevação inequívoca do
nível de glicemia em jejum ou elevação do nível de glicose sem jejum acima de 200
mg/dL.
 Elevação do nível de glicose em jejum acima de 140 mg/dL em mais de
uma ocasião (admitindo-se que não haja nenhuma condição capaz de aumentar
falsamente os valores da glicemia).
 Nível normal de glicose em jejum, porém com pico e valores de 2 horas
do TTGO superiores a 200 mg/dL em mais de uma ocasião.

Três considerações devem ser feitas. Em primeiro lugar, pode-se estabelecer o


diagnóstico de diabetes em homens e mulheres não-grávidas na presença de sintomas clínicos
típicos em associação a níveis séricos superiores a 200 mg/dL sem jejum. Em segundo lugar,
pode-se estabelecer o diagnóstico sem a necessidade de TTG se o nível de glicose em jejum
estiver suficientemente elevado. Por fim, quando o diagnóstico se baseia predominantemente na
determinação da glicemia através do nível de glicose em jejum ou do TTGO, o diagnóstico
requer uma anormalidade suficiente em dois dias diferentes, e não apenas em uma ocasião.

3.12 Tolerância à glicose alterada

O NDDG reconhece uma categoria de curva de TTGO que denominou tolerância à


glicose “alterada”, que é significativamente anormal, porém não o suficiente para estabelecer um
diagnóstico de diabetes. Isso envolve uma glicemia em jejum inferior a 140 mg/dL e um único
ponto na curva de TTGO em 200 mg/dL ou acima deste valor, isto é, o pico ou o valor de 2 horas
acima de 200 mg/dL, mas não ambos.
Existem áreas anormais no TTGO que incluem níveis de glicose em jejum entre 115 e
140 mg/dL e outros pontos acima da faixa de referência, porém inferiores a 200mg/dL, ou seja,
intermediários entre o TTGO normal e alterada. Estas alterações são denominadas
“anormalidades não-diagnósticas” pelo NDDG. Os critérios apresentados pela Organização
Mundial de Saúde (OMS) para o diagnóstico do diabetes melito e para o TTGO alterado são
idênticos aos do NDDG. Todavia, a OMS considera a categoria de “anormalidade não-
16
diagnósticas” do NDDG como normal, à exceção do valor de 2 horas situado entre o normal e
200 mg/dL que a OMS inclui dentro da categoria do TTGO alterado.

3.13 Critérios do teste de tolerância à glicose oral em crianças

Nas crianças, os critérios para o diagnóstico de diabetes melito são bastante


semelhantes aos de homens e mulheres não-grávidas; todavia, existem algumas diferenças
significativas. Em primeiro lugar, se a criança apresentar sintomas clássicos de diabetes, a
obtenção de um único valor randômico da glicose sérica sem jejum de 200 mg/dL ou acima
deste nível é suficiente para estabelecer o diagnóstico. Em segundo lugar, o limite superior da
faixa de referência da glicemia em jejum é fixado em 130 mg/dL, em lugar do limite superior de
110mg/dL para homens e mulheres não-grávidas. Todavia, os valores da glicemia em jejum
necessários para estabelecer o diagnóstico de diabetes são idênticos para crianças e adultos
(140mg/dL). Em segundo lugar, a dose de glicose para crianças é calculada numa base ponderal
(1,75 g/Kg de peso ideal até 75 gramas no máximo). Em terceiro lugar, a elevação isolada da GJ
não é suficiente em crianças. O nível de GJ deve ser superior a 140 mg/dL e o pico ou o valor de
1 hora devem estar acima de 200 mg/dL (se o nível de GJ estiver normal, tanto o pico quanto o
valor de 2 horas devem ser superiores a 200 mg/dL, que é a mesma exigência apresentada para
adultos).
4 DIABETES GESTACIONAL

A definição do diabetes gestacional pelo NDDG consiste em anormalidade da tolerância


à glicose, com início ou detecção durante a gravidez, mas não antes. Seis semanas ou mais
após o término da gravidez, a paciente deve ser reavaliada utilizando o TTGO padrão para
mulheres não-grávidas com os critérios padrões do NDDG e reclassificado em tolerância à
17
glicose anormal anterior (se o resultado do TTGO padrão para mulheres não-grávidas pós-parto
for normal), tolerância à glicose alterada (se o resultado do TTGO padrão para mulheres não-
grávidas for anormal, porém não o suficiente para preencher os critérios de diabetes do NDDG)
ou diabetes melito. A American Diabetes Association recomenda que as mulheres grávidas que
não apresentam comprovadamente tolerância à glicose anormal podem ser submetidas a um
teste de triagem especial entre 24 e 28 semanas de gestação; este teste consiste na
administração de uma dose-teste de 50 gramas de glicose oral (com ou sem jejum). A obtenção
de um único valor plasmático venoso de 1 hora de 140 mg/dL ou mais sugere a necessidade da
realização de um TTGO gestacional completo de acordo com os critérios do NDDG durante a
gravidez. O TTGO gestacional consiste na determinação da glicemia em amostras de 1, 2 e 3
horas após a administração de uma dose oral de 100 gramas de glicose.

Existe um consenso geral quanto à aceitabilidade do teste de triagem gestacional de 1


hora com uma dose de 50 gramas. Todavia, em um estudo, foram observados 11% a mais de
resultados anormais quando o teste de 50 gramas foi realizado com 20 semanas nas mesmas
pacientes; além disso, 8% a mais de resultados também foram anormais com 34 semanas do
que com 28 semanas. Existe muito mais controvérsia sobre o teste diagnóstico gestacional de 3
horas com uma dose de 100 gramas, de acordo com os critérios do NDDG. Em outro estudo,
17% das pacientes que apresentaram resultados inicialmente normais do teste de 3 horas do
NDDG tiveram um valor anormal quando o teste foi repetido dentro de uma a duas semanas, e
5% exibiram resultados inicialmente anormais que se tornaram normais quando o teste foi
repetido. Em síntese, parece que cerca de 25 % dos resultados iniciais do teste de 3 horas do
NDDG para diabetes gestacional sofrem alterações significativas quando o teste é repetido
posteriormente. Entretanto, o maior foco de controvérsia envolve os níveis de glicose
considerados como ponto de separação entre valores normais e anormais. Esta controvérsia
surgiu em decorrência da observação de vários pesquisadores de um número quase igual de
recém-nascidos com macrossomia (cerca de 30%)em mães que apresentaram um ponto
significativamente elevado no TTGO de 3 horas para diabetes gestacional do NDDG
(necessários para o diagnóstico do diabetes). Estes dados sugeriram que os critérios do NDDG
para diabetes gestacional eram muito conservadores. Diversas autoridades propuseram
mudanças nos critérios do TTGO de 3 horas do NDDG para diabetes gestacional. Em um estudo
recente, foi constatado que cerca da metade das pacientes com um ponto significativamente
elevado no TTGO de 3 horas do NDDG exibiram pontos significativamente elevados (e, portanto,
18
diagnósticos do diabetes ) ao serem utilizados os critérios de TTGO modificados por Carpenter;
foi observada a presença de macrossomia nos lactentes de cerca da metade dessas mães.
5 TESTES DE TRIAGEM PARA DIABETES

Os testes de triagem para diabetes tentam eliminar as múltiplas determinações da


glicemia necessárias para o TTG. O nível de GJ e o nível de glicemia pós-prandial de 2 horas
(isto é, dentro de duas horas após uma refeição) têm sido amplamente utilizados. Como eles
representam essencialmente segmentos isolados da curva de TTG, a interpretação dos 19
resultados deve levar em conta vários problemas além dos inerentes ao TTG.

Por exemplo, a observância de uma anormalidade da glicemia em jejum levanta a


questão da necessidade de um TTGO completo para confirmar o diabetes. A maioria das
autoridades, incluindo o painel do NDDG, acredita que, se o nível de glicose em jejum estiver
suficientemente elevado, não há necessidade de efetuar um TTG completo. Qualquer que seja a
etiologia da anormalidade observada nos níveis de GJ, o resultado do TTG também será
anormal. Como sabemos de antemão que o TTG será anormal, não se adquire nenhuma
informação adicional ao realizar o teste. A maioria das autoridades também concorda que a
obtenção de valores normais da GJ não é confiável para excluir a possibilidade de diabetes. Em
um estudo, 63% dos indivíduos com resultados diabéticos do TTG apresentaram valores normais
da GJ. Outros tiveram experiências semelhantes, embora talvez com números menos
significativos. A maioria dos pesquisadores acredita que dentre todos os valores pós-prandiais
do TTG, o nível de 2 horas seja o mais importante. Por conseguinte, este valor tem sido proposto
isoladamente como teste de triagem. Esta recomendação baseia-se no fato de que, na presença
de níveis normais de glicose em jejum, o diagnóstico de diabetes melito não pode ser
estabelecido com segurança baseando-se num pico anormal do nível de glicemia se este não for
acompanhado de um nível normal de duas horas no TTGO. A principal razão desta exigência
reside no efeito do esvaziamento gástrico sobre a absorção de glicose. Foi comprovado que o
esvaziamento gástrico normal não fornece uma dose de saturação ao duodeno. Por conseguinte,
o esvaziamento gástrico lento tende a produzir uma curva baixa ou achatada do TTG.

Por outro lado, o trânsito gástrico muito rápido ou o fornecimento de uma quantidade
total normal de glicose ao intestino delgado dentro de uma período de tempo acentuadamente
reduzido determinam a absorção de quantidades anormalmente grandes de glicose durante as
fases iniciais do teste de tolerância. Como os mecanismos homeostáticos não são instantâneos,
os valores máximos da curva de tolerância alcançam níveis anormalmente altos antes de a
hiperglicemia ser controlada. Verifica-se um exemplo extremo desta situação na síndrome pós-
gastrectomia produzida por gastrojejunostomia.

Se os intervalos das amostras anteriores não forem considerados confiáveis, é


pertinente indagar se o valor isolado de 2 horas é suficiente para estabelecer o diagnóstico de
diabetes. De acordo com os critérios do NDDG, o nível máximo e o nível de 2 horas devem ser
superiores a 200 mg/100mL, tornando necessária a realização de um TTG completo, embora 20
seja raro detectar um valor de 2 horas acima de 200 mg/100mL e um valor máximo de menos de
200 mg/100mL. A recomendação do NDDG pode basear-se nos relatórios segundo os quais
uma variante do TTGO normal cai de modo relativamente rápido para valores anormais em cerca
de uma hora e meia e, em seguida, sofre nova elevação acima de 140 mg/dL dentro de 2 horas.
Em um estudo, este fenômeno ocorreu em até 10% dos pacientes.
6 TOLERÂNCIA À GLICOSE EM OUTRAS DOENÇAS

Além dos fatores intrínsecos e extrínsecos que modificam a resposta a TTGO, outras
doenças além do diabetes melito produzem regularmente padrões ou curvas de tipo diabético no
TTG. Dentre estas doenças, destacam-se anormalidades dos hormônios supra-renais, tireóideos
e hipofisários, que influenciam a resposta do fígado ou dos tecidos aos níveis de glicemia. A 21
síndrome de Cushing é produzida pela hipersecreção de hidrocortisona. Como este hormônio
estimula a gliconeogênese, entre outras ações, 70-80% dos pacientes com síndrome de Cushing
exibem uma tolerância aos carboidratos, enquanto 25% apresentam diabetes manifesto. Em um
estudo, foi sugerido que as pacientes com diabetes gestacional que estão no terceiro trimestre
de gravidez apresentam níveis plasmáticos de cortisol em jejum mais elevados do que os
observados em mulheres não grávidas. Registrou-se que os feocromocitomas da medula supra-
renal (ou de outras regiões) produzem hiperglicemia em quase 60% dos pacientes afetados, bem
como glicosúria numa percentagem menor. Estes tumores produzem noradrenalina ou
adrenalina de modo contínuo ou intermitente. Os efeitos diabetogênicos da adrenalina foram
mencionados anteriormente, e foi constatado que os feocromocitomas secretores de
noradrenalina, mas não de adrenalina, não estão associados a anormalidades do metabolismo
dos carboidratos. O aldosteronismo primário resulta na superprodução de aldosterona, o
principal hormônio córtico-supra-renal que regula os eletrólitos. Por conseguinte, verifica-se um
aumento na excreção tubular renal de potássio, com retenção de sódio. Os pacientes com
aldosteronismo primário quase sempre desenvolvem uma tolerância diminuída aos carboidratos.
De acordo com Conn, este efeito é mais provavelmente devido à depleção de potássio que, de
algum modo, afeta adversamente a capacidade das células beta do pâncreas de responder
normalmente a um estímulo hiperglicêmico. Além disso, pode haver certa analogia nos relatos
segundo os quais os diuréticos clorotiazídicos podem provocar uma redução adicional da
tolerância aos carboidratos. Algumas autoridades afirmam que este efeito não existe na ausência
de certo grau de anormalidade preexistente da tolerância à glicose, enquanto outras sustentam
que ele pode ocorrer em alguns indivíduos clinicamente normais. As clorotiazidas quase sempre
provocam depleção de potássio como efeito colateral; de fato, em um estudo, foi constatado que
o uso de suplementos de potássio reverte o efeito diabetogênico. Todavia, foram postulados
outros mecanismos.
O hormônio tireoideano possui vários efeitos sobre o metabolismo dos carboidratos. Em
primeiro lugar, a tiroxina atua de alguma maneira sobre as células da mucosa do intestino
delgado, aumentando a adsorção de hexoses. No fígado, a tiroxina produz aumento da
gliconeogênese a partir das proteínas, bem como degradação aumentada do glicogênio em
glicose. A taxa metabólica dos tecidos periféricos apresenta-se aumentada, resultando em maior
velocidade na utilização da glicose. Ocorre depleção do glicogênio nos tecidos periféricos.
22
Todavia, o efeito do hipertireoidismo sobre o TTG é variável. Aparentemente, a curva
hipertireóidea característica é aquela cujo pico atinge um valor extremamente alto, por vezes
com glicosúria, mas que retorna à sua faixa normal dentro de 2 horas. Todavia, em um estudo
extenso, verificou-se que até 7% dos pacientes hipertireóideos apresentam curvas diabéticas,
enquanto 2% possuem diabetes melito. Surpreendentemente, o tipo de curva observada em
todos os pacientes não estava relacionado com a gravidade do hipertireoidismo. No mixedema, é
comum a obtenção de uma curva achatada no TTGO (definida como uma elevação máxima
menor que 25mg/dL acima do valor da GJ). Todavia, como os defeitos de absorção variam
quanto à sua intensidade e são compensados com a diminuição do metabolismo tecidual, foi
relatado que 50% dos pacientes hipotireóideos avaliados apresentaram uma curva de tipo
diabético no TTGO, com valor da GJ geralmente normal.

A acromegalia produz elevação dos níveis de GJ em 25% dos casos e curva diabética
no TTGO em 50% dos casos. Acredita-se que o hormônio do crescimento (somatotropina) seja
capaz de estimular a gliconeogênese de modo independente. Na verdade, a influência da
hipófise sobre o metabolismo dos carboidratos tem sido principalmente estudado em condições
de hipofunção hipofisária. No hipopituitarismo, verificou-se que o defeito da gliconeogênese era
devido mais a uma combinação de deficiência de hormônios tireoideanos e
adrenocorticosteróides do que a uma deficiência isolada de um destes hormônios.

Na pancreatite aguda, talvez 25-50% dos pacientes possam exibir hiperglicemia


transitória. Na pancreatite crônica, a tolerância anormal à glicose ou o diabetes melito franco são
extremamente comuns.

Uma variedade de distúrbios não-endócrinos podem produzir efeitos diabetogênicos


sobre a tolerância aos carboidratos. A doença renal crônica com azotemia quase sempre produz
uma curva diabética de grau variável, atingindo, algumas vezes, o ponto de hiperglicemia de
jejum. A razão deste efeito não está definitivamente elucidada. Algumas vezes, ocorre
hiperglicemia com ou sem glicosúria em pacientes com lesões cerebrais, incluindo tumores,
fraturas do crânio, infarto cerebral, hemorragia intracerebral e encefalite.

Desconhece-se o mecanismo envolvido, porém as evidências experimentais sugerem


algum tipo de centro com influência reguladora sobre o metabolismo da glicose, localizado no
bulbo e no hipotálamo e, talvez, em outro local. Pode-se seguir um raciocínio semelhante para a
hiperglicemia transitória, algumas vezes acompanhada de glicosúria, observada na intoxicação 23
grave por monóxido de carbono. Aparentemente, ocorre em 50% desses pacientes e parece ser
devida a um efeito tóxico direto sobre os centros cerebrais responsáveis pelo metabolismo dos
carboidratos. A hipoproteinemia tipo IV está quase sempre associada a certo grau de diminuição
da tolerância aos carboidratos, podendo incluir algumas vezes hiperglicemia de jejum.

As neoplasias malignas de vários tipos produzem redução da tolerância aos carboidratos


numa percentagem variável de pacientes; todavia, é difícil estabelecer a verdadeira incidência,
bem como o mecanismo envolvido devido à presença de outros fatores diabetogênicos, como
febre, caquexia, disfunção hepática e inatividade. Além disso, há inúmeros tipos de câncer, cada
qual com suas características.

A hepatopatia afeta quase sempre a resposta ao TTGO. Este efeito não é surpreendente
considerando-se a importância do fígado na hemostasia dos carboidratos. Com mais freqüência,
ocorrem anormalidades na cirrose, cujo grau exibe uma correlação geral (ainda que não exata)
com o grau de lesão hepática. Na cirrose bem estabelecida, o nível de glicemia pós-prandial de 2
horas é habitualmente anormal. O nível de GJ mostra-se variável, porém está mais
freqüentemente normal. O fígado gorduroso pode produzir uma anormalidade no TTG
semelhante àquela observada na cirrose. Na hepatite viral, a anormalidade observada é menor
que a da cirrose; os resultados tornam-se normais durante a convalescença e podem ser
normais durante todo o curso da doença leve.

Foi demonstrado que o infarto agudo do miocárdio precipita a hiperglicemia temporária,


glicosúria ou redução da tolerância aos carboidratos. Em um estudo representativo, 75% dos
pacientes tiveram respostas anormais ao TTG durante a fase aguda do infarto, observando-se
curvas francamente diabéticas em 50% desses casos. O acompanhamento desses pacientes
revelou a persistência das curvas anormais em cerca de um terço. Além da incidência
aumentada e bem conhecida de aterosclerose (que predispõe ao infarto) no diabetes manifesto
ou latente, os fatores emocionais numa situação de estresse e a hipotensão ou congestão
hepática passiva com lesão hepática podem contribuir.

A hiperglicemia emocional é considerada uma entidade bem estabelecida, que


presumivelmente está relacionada com o efeito da adrenalina.

As respostas ao TTGO durante a gravidez já foram discutidas. Alguns pesquisadores


24
acreditam que a curva do TTGO em gestantes não difere daquela observada em nulíparas, de
modo que qualquer anormalidade detectada na curva indica a presença de diabetes latente.
Outros acreditam que a própria gravidez, sobretudo no último trimestre, tende a exercer uma
influência diabetogênica definitiva (a controvérsia aqui diz respeito à magnitude da mudança
considerada “normal”). Este ponto de vista é reforçado pelas observações de que as
combinações de estrogênio-progesterona sintéticos originalmente utilizada para contracepção
(que apresentam maior conteúdo de estrogênio do que a maioria das preparações habituais)
quase sempre imitam os efeitos diabetogênicos da gravidez. Este efeito ocorreu em 18-46% das
pacientes, e, como na gravidez, os níveis de glicose em jejum estavam mais freqüentemente
normais. O mecanismo exato ainda não foi esclarecido, e alguns sugerem uma alteração na
absorção intestinal.

A superdosagem de salicilatos em crianças quase sempre produz uma situação clínica


que se assemelha estreitamente à acidose diabética. O salicilato em grandes quantidades
exerce efeito tóxico sobre o fígado, com conseqüente diminuição na formação de glicogênio e
aumento de sua degradação em glicose. Por conseguinte, pode ocorrer elevação leve a
moderada do nível de glicemia, acompanhada de cetonúria. Os resultados da determinação
plasmática das cetonas podem ser positivos, embora geralmente sejam de grau leve. Os
metabólitos do ácido salicílico fornecem resultados positivos nos testes de substâncias
redutoras, de modo que os resultados destes testes sugerem falsamente a ocorrência de
glicosúria. Além disso, o salicilato estimula o centro respiratório do sistema nervoso central nas
fases iniciais da superdosagem, de modo que a respiração aumentada pode sugerir a respiração
de Kussmaul da acidose diabética. O teor de dióxido de carbono (CO 2 ou pressão parcial de
CO2) está diminuído. A seguir, verifica-se o desenvolvimento de acidose metabólica.

A diferenciação da acidose diabética pode ser efetuada através de exames simples para
salicilato no plasma ou na urina. O teste com tiras reagentes é muito útil para finalidades de
triagem. A obtenção de uma reação positiva para o salicilato plasmático constitui uma boa
evidência de intoxicação por esta droga. Os resultados positivos na urina não são concludentes,
visto que este método detecta a presença de níveis urinários não-tóxicos de salicilato, enquanto
os resultados negativos constituem uma forte evidência contra o diagnóstico. Existem provas
químicas quantitativas ou semiquantitativas definitivas para a determinação dos níveis
sanguíneos de salicilato. É importante obter uma história de medicamentos administrados ao
25
paciente, ou considerar a possibilidade de ingestão acidental em crianças com sintomas clínicos
suspeitos.

A intoxicação por salicilatos não é freqüente em adultos. Quando ela ocorre, há menor
tendência ao desenvolvimento de uma síndrome de acidose pseudodiabética. Com efeito, nos
adultos, o salicilato em doses não tóxicas produz algumas vezes hipoglicemia, que tende a surgir
dentro de 2 a 4 horas pós-prandiais.

Registrou-se que a fenitoína diminui a tolerância à glicose; em certas ocasiões, a sua


superdosagem provoca um tipo de coma hiperglicêmico não-cetótico.

A hiperglicemia pós-hipoglicemia (também conhecida como fenômeno de Somogyi)


refere-se à hiperglicemia de jejum produzida por resposta anormal (adrenalina, catecolaminas,
hormônio do crescimento) à hipoglicemia anterior induzida pela administração de quantidades
excessivas de insulina. Este quadro pode produzir a falsa aparência de fracasso terapêutico
devido à administração insuficiente de insulina.

O fenômeno do amanhecer refere-se a uma elevação circadiana dos níveis plasmáticos


de insulina entre 3 e 7 horas da manhã. Este fenômeno ocorre em resposta ao aumento do nível
plasmático de glicose produzido pelo aumento circadiano da secreção hipofisária de hormônio do
crescimento. Em indivíduos não diabéticos, o nível plasmático de glicose permanece normal em
resposta à insulina. Por outro lado, nos diabéticos, incluindo os que apresentam diabetes
insulino-dependente e alguns que apresentam diabetes insulino-independente, a redução da
tolerância à glicose permite a ocorrência de certo grau de elevação dos níveis plasmáticos de
glicose acima dos valores basais durante este período. Em alguns pacientes, o nível de glicose
em jejum de 6 ou 7 horas da manhã torna-se suficientemente elevado para simular a
necessidade de doses maiores de insulina diariamente, enquanto o organismo necessita de mais
insulina apenas durante este período limitado de tempo.
7 CONTROVÉRSIAS SOBRE A IMPORTÂNCIA CLÍNICA DO TESTE DE TOLERÂNCIA À
GLICOSE ORAL

A discussão completa do TTGO deve incluir referências de vários estudos que criticam a
utilidade clínica do método. Consistem em relatórios de grandes séries de indivíduos normais
que apresentam 20% de resultados do TTG com curva achatada, estudos que revelam 26
diferentes curvas em determinações repetidas depois de um certo intervalo de tempo, bem como
outros em que foram obtidos vários tipos de curvas em exames repetidos no mesmo indivíduo.
Com base nos critérios utilizados antes das recomendações do NDDG, alguns pesquisadores
acreditam que há evidências inadequadas relativas ao fato de as anormalidades do TTG
indicarem realmente a presença de diabetes melito verdadeiro, visto que muitos indivíduos com
resposta anormal à TTG não progridem para o diabetes clínico, e a incidência de diabetes na
população é menor que a prevista pela triagem com TTG. Como os critérios do NDDG exigem
um grau um tanto maior de anormalidade do que os critérios anteriores para o estabelecimento
do diagnóstico de diabetes melito, esses problemas foram parcialmente solucionados. Mesmo
assim, nem todas as desvantagens do TTGO foram resolvidas no que diz respeito à
sensibilidade, especificidade, reprodutibilidade e relevância clínica, mesmo quando o teste é
efetuado em condições ótimas. Todavia, no momento atual, o TTG continua sendo o teste
padrão de tolerância aos carboidratos, bem como a base laboratorial para o diagnóstico de
diabetes melito.
8 TESTE E TOLERÂNCIA À GLICOSE INTRAVENOSA

O teste de tolerância à glicose intravenosa (TTGIV) foi planejado para eliminar algumas
das objeções feitas contra o TTGO. O método padrão do TTGIV é o seguinte: o paciente é
submetido a uma dieta preparatória de três dias, rica em carboidratos. Após a determinação do
nível de glicose em jejum, injeta-se uma solução padrão de glicose a 50% por via intravenosa, 27
durante um período de 3 a 4 minutos, 0,33g/kg de peso corporal. São obtidas amostras de
sangue dentro de 30 minutos, 1, 2 e 3 horas, embora pareça ser mais conveniente omitir a
amostra de 30 minutos e substituí-la por uma de uma hora e meia. A curva atinge um pico
imediatamente após a injeção (300 a 400 mg/dL, acompanhada de glicosúria) e, a seguir, cai
uniformemente, mas não de modo linear, para os níveis de jejum.

Os critérios utilizados para interpretação não são uniformes. Todavia, a maioria acredita
que uma resposta normal seja indicada pelo retorno a níveis de jejum dentro de 60 a 80 minutos.
A altura da curva não é importante. A maioria das autoridades é de opinião que a resposta do
TTGIV seja adequadamente reproduzível. No diabetes, não há retorno aos níveis de jejum em
duas horas e, freqüentemente, estes retorno tampouco é observado dentro de 3 horas. Na
hepatopatia, a curva normaliza-se tipicamente em 80 a 120 minutos; todavia, alguns pacientes
com cirrose exibem uma curva de tipo diabético. Muitos dos mesmos fatores que exercem efeito
diabetogênico sobre o TTGO também o fazem no TTGIV; incluem privação de carboidrato,
inatividade, idade avançada, febre, uremia, estresse, neoplasias e várias doenças endócrinas
produtoras de esteróides. Todavia, existem várias diferenças em relação ao TTGO. Os
problemas alimentares são eliminados. Admite-se que o TTGIV seja normal durante a gravidez,
bem como no hipertireoidismo, embora tenha sido registrada alguma anormalidade ocasional na
tireotoxicose. O TTGIV é considerado um pouco menos sensível do que o TTGO, embora seja
um pouco mais específico, conforme assinalado antes.
9 DETERMINAÇÃO DA INSULINA NO PLASMA OU SORO

A insulina foi o primeiro hormônio a ser determinado com êxito através de imunoensaio
radioisotópico. Na atualidade, a determinação da insulina é efetuada na maioria dos laboratórios
de referência de porte relativamente grande. A insulina é excretada primariamente pelos rins. Em
geral, o diabetes juvenil apresenta baixos níveis de insulina em jejum, e o TTGO que utiliza as
28
determinações de insulina produz, em geral, uma curva achatada. Os pacientes com diabetes
leve apresentam níveis normais de insulina em jejum, bem como uma curva de TTG que exibe
elevação tardia numa altura normal, ou, inclusive, para nível moderadamente acima do normal;
em ambos os casos, a curva sofre posteriormente um declínio normal. A redução da tolerância
produzida por numerosas outras condições resulta em curvas semelhantes; o TTGO com
insulina não tem sido mais eficiente do que o TTGO da glicemia para a detecção de diabetes
subclínico.

Algumas autoridades sustentam que a relação entre os valores da insulina e da glicose,


obtida na mesma amostra durante o TTGO, seja mais confiável do que os níveis isolados de
insulina. Atualmente, a maioria dos pesquisadores acredita que não se deva utilizar os níveis
plasmáticos de insulina para estabelecer o diagnóstico de diabetes melito.

Foi constatado que o plasma anticoagulado com ácido etilenodiaminotetracético (EDTA)


produz níveis plasmáticos de insulina iguais aos do soro; todavia, afirma-se que a heparina está
associada a valores da insulina plasmática superiores aos do soro.

Os pacientes tratados com insulina quase sempre desenvolvem anticorpos antiinsulina


depois de cerca de seis semanas. Esses anticorpos interferem na determinação da insulina por
RIA ao competir com anticorpos antiinsulina utilizados na prova. A obtenção de valores
falsamente elevados ou diminuídos irá depender do método empregado. Os anticorpos
endógenos não interferem nos testes de tolerância, visto que a sua quantidade permanece
inalterada durante todo o teste; apenas o valor basal é afetado.
10 DOSAGEM DA HEMOGLOBINA GLICOSILADA

Nos adultos, a hemoglobina a constitui cerca de 97 a 98 % da hemoglobina normal; o


restante inclui cerca de 2,5 % de hemoglobina A2 e cerca de 0,5 % de hemoglobina F. Cerca de
6 a 7 % da hemoglobina A consiste em moléculas que foram parcialmente modificadas em
conseqüência da fixação de uma molécula de glicose ao aminoácido terminal valina da cadeia 29
beta. Este processo é denominado glicosilação, e a hemoglobina glicosilada é denominada
hemoglobina A1. Embora a hemoglobina A1 compreenda a grande maioria da hemoglobina
glicosilada em condições habituais, pode ocorrer certo grau de glicosilação em outros sítios da
cadeia de globina, bem como em outras hemoglobinas além da hemoglobina A. A soma das
várias atividades de glicosilação que ocorrem em todas as hemoglobinas, normais ou anormais,
no paciente é conhecida como hemoglobina glicosilada total.

A glicosilação da hemoglobina ocorre durante a exposição dos eritrócitos à glicose


plasmática; a hemoglobina e a glicose podem formar uma ligação inicialmente lábil, mas que
pode se tornar estável. Uma vez ocorrida a ligação estável, ela é pouco e lentamente reversível.
Na hemoglobina A1, a ligação lábil constitui normalmente cerca de 10 % da glicose total ligada. A
formação da hemoglobina A1 ocorre muito lentamente durante toda a sobrevida de 120 dias do
eritrócito, e o número de moléculas de hemoglobina A afetadas pela glicosilação depende do
grau e da duração da exposição dos eritrócitos à glicose. Na verdade, a hemoglobina A 1 é
constituída de três hemoglobinas: A1a, A1b e A1c. Destas, a hemoglobina A1c é cerca de 70 %
glicosilada, enquanto as outras duas têm uma glicosilação de menos de 20 %. Além disso, a
hemoglobina A1c constitui cerca de 60 a 70 % da hemoglobina A 1. Como a hemoglobina A1
constitui a maior parte da fração da hemoglobina glicosilada, a hemoglobina A1c, em condições
habituais, representa a maior parte da hemoglobina glicosilada. Devido a esta relação, o termo
hemoglobina glicosilada (ou hemoglobina glicada) tem sido utilizado tanto para A 1 quanto para o
seu principal componente A1c, criando algumas vezes uma certa confusão. Existe uma forte
correlação entre todos os três parâmetros, e, na maioria das circunstâncias, qualquer um deles
pode fornecer informações clinicamente úteis. Todavia, existem diferenças, de modo que, em
alguns casos, uma delas é mais vantajosa.

Pode ocorrer aumento na quantidade de hemoglobina glicosilada em conseqüência de


elevação muito acentuada e a curto prazo da glicemia (em que a ligação lábil está primariamente
afetada), embora seja mais amiúde causado por um aumento relativamente contínuo da glicemia
ou por elevações intermitentes e freqüentes o necessário para produzir níveis médios
anormalmente altos de glicose (em ambos os casos, a glicosilação estável está primariamente
afetada). Surge um aumento da hemoglobina glicosilada (estável) dentro de cerca de duas a três
semanas (faixa de uma a quatro semanas, de acordo com a literatura) após uma elevação
persistente no nível médio de glicemia; são necessárias pelo menos quatro semanas para que
30
este nível comece a diminuir após a redução do valor médio da glicemia. A determinação da
hemoglobina glicada representa os níveis médios de glicemia durante os dois a três meses
anteriores (faixa de um a quatro meses, de acordo com a literatura). Em contraste, as elevações
ou reduções da glicemia de grau moderado (100 mg/dL) que ocorre dentro de três dias antes da
determinação da hemoglobina A1 contribuem com um componente lábil suficiente a ponto de
constituir até 15 % (faixa de 12 a 19 %) do valor da hemoglobina glicada.

Este grau de redução súbita e espontânea da glicemia não é comum, de modo que, na
maioria das circunstâncias, a obtenção de um nível normal de hemoglobina glicosilada constitui
uma boa indicação de glicemia média relativamente normal nas quatro semanas anteriores. A
maioria dos problemas clínicos com o componente de ligação lábil ocorre quando produz falsas
elevações nos níveis de hemoglobina glicada. Em síntese, a elevação do nível de hemoglobina
glicosilada é devia mais freqüentemente a um aumento médio e prolongado da glicemia nos dois
a três meses anteriores; todavia, existe a possibilidade de que a elevação seja devia a um
aumento pronunciado e a curto prazo da glicemia, mesmo quando se utiliza um método de
determinação inespecífico para a ligação estável.

A determinação da hemoglobina glicada tem sido utilizada para monitorizar a eficácia da


terapia diabética e a monitorização da aderência do paciente. A determinação da hemoglobina
glicosilada também tem sido utilizada para diagnosticar o diabetes melito, embora esta aplicação
seja muito controversa.
11 MÉTODOS LABORATORIAIS

Conforme assinalamos anteriormente, a hemoglobina glicada pode ser determinada


como hemoglobina glicosilada total, A1 ou A1c (visto que a maior parte da hemoglobina glicada
consiste em hemoglobina A1, e a maior parte desta é constituída por A1c). A maioria dos kits
31
comercialmente disponíveis mede a hemoglobina A1, e fornecem os resultados na forma de
percentagem de hemoglobina total. Existe uma variedade de métodos de dosagem. Na
atualidade, a maioria dos kits comerciais para dosagem de A 1 ou A1c utilizam algum método de
resina trocadora de íons. Menos de 20 % empregam eletroforese em ágar ou cromatografia
líquida de alta resolução. A hemoglobina glicada total é determinada por uma resina especial de
ácido borônico, que só reage com a fração glicosilada estável, não exigindo nenhum pré-
tratamento. Surpreendentemente, foram efetuadas poucas avaliações dos diferentes kits de
hemoglobina glicosilada. Em alguns, é difícil especificar o que eles estão medindo, com
variações significativas na reprodutibilidade e precisão.

Os kits baseados em resina trocadora de íons não diferenciam, em sua maioria, entre
ligação da glicose lábil e estável à hemoglobina. Existem certas técnicas que permitem eliminar a
fração lábil antes de testar o soro do paciente. Muitas hemoglobinas podem formar, em certo
grau, hemoglobina glicada. Todavia, com alguns métodos de resina trocadora de íons para A 1 ou
A1c, as hemoglobinas não-A de carga positiva não sofrem eluição da resina com hemoglobina A1
ou A1c, porém permanecem sobre a resina com a hemoglobina A não glicosilada. Estas
hemoglobinas (como hemoglobinas S e C) podem produzir valores da hemoglobina glicada que
são inferiores aos verdadeiros níveis, visto que estas hemoglobinas anormais possuem um
componente glicosilado que não é medido juntamente com a A1. Por conseguinte, o aumento
dos níveis de hemoglobina F ou a presença de hemoglobina H podem aumentar falsamente os
valores da A1 ou A1c, uma vez que estão incluídas na determinação da A 1. O nível de
hemoglobina F pode estar aumentado em lactentes de pouca idade, em até 17 % das mulheres
grávidas e em pacientes com algumas das hemoglobinopatias. Portanto, pode ser vantajoso
utilizar um método, como a hemoglobina glicada total por afinidade com ácido borônico, quando
existem números significativos de pacientes que não descendem de europeus setentrionais.
Alguns métodos que utilizam resina são afetados por mudanças de temperatura, e, em alguns,
foi constatado que a insuficiência renal crônica produz resultados falsamente elevados. Alguns
registros descreveram a ocorrência de aumentos falsos com aspirina, alcoolismo e intoxicação
por chumbo. É necessário detectar as situações que irão falsamente aumentar ou diminuir
qualquer método de dosagem de A1 ou A1c. A determinação da hemoglobina glicada total por
cromatografia por ácido borônico inclui os resultados da glicosilação da hemoglobina anormal,
bem como a da hemoglobina A, não sendo afetada por insuficiência renal, aspirina ou mudanças
da temperatura. A anemia hemolítica pode produzir valores falsamente baixos da hemoglobina
32
glicosilada com qualquer método, uma vez que a hemólise resulta em sobrevida diminuída dos
eritrócitos que, dessa maneira, não são tão expostos à glicose quanto os eritrócitos normais.
Este quadro é acentuado pela resposta reticulocitária da medula óssea, uma vez que os
reticulócitos são células jovens que não foram expostas à glicose. A ocorrência de episódios
freqüentes de hipoglicemia pode diminuir ligeiramente os níveis de hemoglobina glicada. Por fim,
há certa dificuldade na calibração dos kits, devido à falta de disponibilidade de padrões primários
(ou seja, material com valores conhecidos com absoluta certeza).
12 DETERMINAÇÃO DA FRUTOSAMINA NO SORO

Além da hemoglobina A, a albumina e várias globulinas podem sofrer glicosilação não


enzimática. Em contraste com a hemoglobina, cuja meia-vida no soro é de cerca de 60 dias, a
albumina apresenta uma meia-vida de cerca de 17 a 20 dias, enquanto as proteínas totais (cerca
de metade constituída de albumina e metade de globulinas) exibem meia-vida de cerca de 30 33
dias. Tanto a albumina glicosilada quanto as proteínas totais glicosiladas podem ser
determinadas; todavia, a maioria dos laboratórios efetua a determinação das proteínas totais ao
utilizarem o método da frutosamina. Este método, que não envolve o açúcar frutose, baseia-se
na reação bioquímica com a glicose ligada à proteína através de uma ligação cetoamina,
utilizando mais freqüentemente o nitro azul de tetrazólio como reagente. Os resultados da
determinação da frutosamina no soro indicam a glicosilação média no decorrer de duas semanas
anteriores (faixa de uma a três semanas). Este período de tempo é consideravelmente menor
que o da hemoglobina glicada, porém significativamente mais prolongado que o da glicosilação
lábil a hemoglobina. As desvantagens da determinação da frutosamina incluem alterações nos
níveis séricos devido mais a alterações na albumina do que na glicemia. De acordo com um
estudo, as alterações da albumina só afetam significativamente os níveis de frutosamina se os
valores diminuídos da albumina forem devidos a um aumento do catabolismo (meia-vida
diminuída) ou da perda de albumina, mas não quando existe uma diminuição do metabolismo
protéico. As substâncias redutoras no soro podem interferir na dosagem com alguns métodos.
13 AUTO-ANTICORPOS ASSOCIADOS AO DIABETES

Cerca de 60 a 90 % dos pacientes com diabetes tipo I (insulino-dependente) apresentam


anticorpos dirigidos contra a glicoproteína citoplasmática das células das ilhotas por ocasião do
diagnóstico, e muitos dos que inicialmente não apresentam este anticorpo o desenvolvem numa
fase posterior. Este anticorpo desaparece dentro de dois anos após o seu aparecimento em 85 a 34
90 % dos pacientes com diabetes tipo I. A sua presença também foi relatada em cerca de 20 %
dos pacientes com diabetes tipo II em cerca de 10 % dos casos de diabetes gestacional pó
ocasião do diagnóstico.

Cerca de 30 a 50 % das crianças apresentam auto-anticorpos contra a insulina na época


do diagnóstico, antes de iniciar a insulinoterapia, e algumas (bem menos do que antigamente) o
desenvolvem após o uso de insulina terapêutica. Alguns pacientes apresentam auto-anticorpos
contra o antígeno de superfície da células beta. Mais de 95 % dos pacientes com diabetes tipo I
possuem o antígeno linfocítico humano (HLA) DR3 ou DR4. Todavia, na atualidade, esses auto-
anticorpos e HLA não estão sendo amplamente utilizados em medicina clínica ou no diagnóstico.
14 GLICOSÚRIA

Além da determinação da glicemia ou da tolerância aos carboidratos, outros métodos


também são amplamente utilizados ou sugeridos para a detecção do diabetes melito. Há muito
tempo que a presença de glicose na urina vem sendo utilizada para detecção e também como
parâmetro de tratamento. Como orientação do diagnóstico, a glicose na urina depende de a
35
hiperglicemia ultrapassar o limiar tubular renal para a glicose. Este limiar é mais freqüentemente
considerado como um valor de 180 mg/dL da glicose plasmática verdadeira (todavia, existe uma
faixa na literatura de 150 a 200 mg/dL). No que diz respeito ao conceito do limiar em diabéticos,
é interessante assinalar que alguns diabéticos (sobretudo indivíduos idosos) possuem limiares
excepcionalmente altos (de até 300 mg/dL).

Além disso, foi demonstrado que os níveis de glicemia no sangue arterial estão mais
bem relacionados com a glicosúria que a glicemia do sangue venoso. Todavia, o exame de urina
de rotina constitui um método utilizado para a prevenção da cetoacidose, bem como para a
monitorização ambulatorial contínua da terapia. Este aspecto fornece outro argumento para o
maior uso rotineiro do TTG completo, visto que a glicosúria pode estar correlacionada com o
grau de hiperglicemia. A propósito, numerosos pacientes diabéticos e muitos dos que foram
submetidos a exames de triagem fazem a determinação da glicose urinária antes do desjejum,
que é o momento menos provável de ocorrer glicosúria.

O problema relativo às causas da hiperglicemia, além do diabetes melito, foi discutido


anteriormente. O limiar renal adquire importância devido ao distúrbio conhecido como glicosúria
renal, que pode ser congênita ou adquirida. A forma adquirida pode ser idiopática ou secundária
a certas doenças, como síndrome de Fanconi, necrose tubular aguda ou raquitismo renal. Em
todos estes distúrbios, ocorre glicosúria com níveis de glicemia inferiores aos valores normais do
limiar renal. Algumas autoridades relataram que um número significativo de pacientes com
glicosúria renal do tipo idiopático não-familiar desenvolve eventualmente diabetes melito franco,
embora outros pesquisadores discordem desses dados.
A glicosúria da gravidez ocorre no último trimestre. A incidência registrada depende da
sensibilidade dos métodos empregados, variando de 5 a 35 % ou, inclusive, 70 %. A etiologia
parece consistir numa combinação de aumento da taxa de filtração glomerular e redução
temporária do limiar renal. A lactosúria é ainda mais comum. Ocorre glicosúria sem hiperglicemia
em 20 % dos pacientes com intoxicação pelo chumbo. Esta glicosúria decorre de um efeito
tóxico direto sobre as células tubulares renais. Foi constatada a ocorrência de glicosúria de
natureza transitória em 24 % dos recém-nascidos normais. Um estudo que utilizou a
cromatografia em papel verificou que a galactosúria era ainda mais comum, geralmente em
quantidades muito pequenas para serem detectadas por técnicas de rotina.

Para finalizar, serão mencionados aqui apenas dois tipos principais de testes de glicose 36
urinária: os testes de sulfato de cobre para substâncias redutoras e os papéis com enzima
glicose-oxidase.
15 PROTEINÚRIA DIABÉTICA

A primeira evidência de doença renal diabética consiste em anormalidade da membrana


basal glomerular detectada em amostras de biópsia renal utilizando corantes especiais ou
microscopia eletrônica. Esta anormalidade é observada em quase todos os pacientes com
diabetes tipo I dentro de dois a cinco anos após o início da doença. Inicialmente, as alterações 37
estruturais produzem aumento da permeabilidade glomerular que, por sua vez, resulta em
excreção urinária aumentada de certas moléculas, como albumina e imunoglobulina G, que são
filtradas pelos glomérulos.

A princípio, o grau de anormalidade é muito pequeno, de modo que a albumina urinária


permanece dentro da faixa de referência durante pelo menos cinco anos após o diagnóstico
inicial de diabetes tipo I. Posteriormente, no decorrer de um número variável de anos, cerca de
30 % dos pacientes (faixa de 12 a 43 %) exibem um aumento na excreção urinária de albumina
acima da faixa de referência, porém abaixo do limiar de detecção (200 a 300 mg/L) pelos testes
laboratoriais padrões de exame de urina com tiras reagentes. Este estado subclínico de taxa de
excreção da albumina seletivamente elevada é denominado microalbuminúria. Esta seqüência
de eventos também é observada numa percentagem significativa de pacientes com diabetes tipo
II (cerca de 30 % , faixa de 13 a 50 %). Depois de um número variável de anos, cerca de 70 %
(faixa de 14 a 100 %) dos pacientes com diabetes tipo I exibem aumento gradual da excreção de
albumina até a sua manifestação, isto é, até que se torne detectável por métodos de triagem
laboratoriais de rotina com tiras reagentes para proteínas. A excreção manifesta de albumina
ocorre eventualmente em pelo menos 35 a 40 % (faixa de 2 a 60 %) de todos os pacientes com
diabetes tipo I, embora cerca de 40 % nunca apresentem albuminúria manifesta. Ocorre
progressão da microalbuminúria para a albuminúria franca em cerca de 20 a 25 % dos pacientes
com diabetes tipo II, e cerca de 25 % (faixa de 3 a 40 %) de todos os pacientes com diabetes
tipo II atingem este estágio.

Quando ocorre albuminúria manifesta, a maioria dos pacientes com diabetes tipo I
progride eventualmente para a insuficiência renal (65 a 75 %, faixa de 50 a 100 %), a não ser
que ocorra morte por coronariopatia ou por alguma outra causa. Verifica-se o desenvolvimento
de insuficiência renal em cerca de 30 % (faixa de 22 a 40 %) de todos os pacientes com diabetes
tipo I. De modo global, em 1987, os diabéticos representavam 30 % de todos os pacientes com
doença renal terminal; dentre ao diabéticos, foram constatados números iguais de pacientes com
diabetes tipo I e tipo II (o tipo I tem maior tendência a progredir para a insuficiência renal;
todavia, o tipo II é quase 10 vezes mais freqüente do que o tipo I). Todas essas estatísticas por
vezes divergentes são influenciadas por numerosos fatores, como idade do paciente na época
do diagnóstico, número de anos de acompanhamento, tipo de método utilizado para
determinação da microalbumina e grupo racial dos pacientes. Os negros, os americanos nativos
38
e hispânicos apresentam maiores taxas de doença renal diabética progressiva do que os
europeus. A base racional para a detecção de microalbuminúria consiste em detectar a doença
num estágio em que certas terapias são capazes de retardar ou até mesmo impedir qualquer
comprometimento adicional. No momento em que se desenvolve a albuminúria franca, não
existe nenhuma maneira de evitar a sua progressão.

A microalbuminúria foi definida de diversas maneiras, e não há opinião unânime sobre


os melhor método de triagem ou método padrão. Com base na Consensus Conference realizada
em 1989, as seguintes definições parecem ser mais amplamente aceitas: taxa de excreção de
30 a 300 mg/24 horas; relação de excreção albumina/creatinina de 20 a 200 mg de albumina /
grama de creatinina. Há também controvérsias sobre o uso de amostras obtidas durante uma
noite, amostras de 24 horas, amostras de urina pela manhã ou amostras randômicas. Em geral,
as amostras de 24 horas são consideradas padrões; todavia, como a excreção de albumina
aumenta na posição ereta e durante o exercício, e existe o problema de colheita incompleta de
24 horas, muitos pesquisadores preferem a colheita durante a noite como valor basal. Em geral,
acredita-se que as colheitas cronometradas sejam mais exatas do que as que não são
cronometradas, e alguns estudos obtiveram resultados mais exatos e reprodutíveis ao utilizar a
relação albumina/creatinina, que permite uma correção parcial das diferenças no volume e
concentração de urina.

Por fim, alguns pesquisadores recomendam uma amostra obtida pela manhã para
finalidades de triagem (microalbuminúria na faixa de 20 a 30 mg/L). A despeito de todas essas
técnicas, verifica-se uma alta percentagem de variabilidade (30 a 45 %) na excreção diária de
albumina em diabéticos, com ou sem microalbuminúria. Existe também uma variação técnica
significativa que pode atingir 20 a 40 %, dependendo do método analítico, da quantidade de
albumina e do laboratório. Por conseguinte, recomenda-se fortemente que pelo menos duas de
três amostras no decorrer de um período de seis meses sejam anormais para se estabelecer o
diagnóstico de microalbuminúria.

Os métodos de dosagem para microalbuminúria incluem imunoensaio quantitativo


(ELISA) ou métodos de aglutinação de partículas utilizando a nefelometria; imunoensaio de
aglutinação "sim-não" qualitativa em lâmina utilizando anticorpos antialbumina e métodos
químicos. As dosagens quantitativas têm a vantagem de estabelecer um valor basal e revelar o 39
agravamento da doença quando ocorre. Com qualquer método disponível é possível obter
resultados falso-positivos se a amostra de urina for contaminada com sangue. A amostra deve
ser examinada dentro de doze horas; se não for possível, ela deve ser refrigerada por até sete
dias, ou deve ser adicionada em preservativo adequado. Existem registros divergentes. Há o fato
de o congelamento baixar o nível de albumina. Uma certa quantidade de albumina pode aderir
às paredes dos frascos de vidro.

Por fim, é preciso lembrar que várias condições além do diabetes (como por exemplo:
aterosclerose, hipertensão, infecção, doenças do colágeno e glomerulonefrite) podem aumentar
a albumina urinária como componente da proteinúria induzida por lesão renal aguda ou crônica,
focal ou difusa. Teoricamente, estas condições produzem proteinúria detectável em provas de
triagem para proteínas com tiras reagentes.

A American Diabetes Association recomenda que a microalbumina urinária seja


determinada anualmente em todos os pacientes com diabetes tipo II e anualmente dentro de
cinco anos após o diagnóstico em todos os pacientes com diabetes tipo I (a não ser que o
paciente tenha nefropatia progressiva diabética).
16 DIAGNÓSTICO DO COMA DIABÉTICO

Pode ocorrer coma diabético sem história clínica de diabetes ou em circunstâncias nas
quais não se pode obter nenhuma história clínica. Outras etiologias importantes do coma devem
ser consideradas, incluindo hipoglicemia insulínica, meningite ou acidente vascular cerebral,
40
choque, uremia e superdosagem de barbitúricos. É possível estabelecer rapidamente um
diagnóstico definitivo de coma diabético através de um teste para cetonas plasmáticas. Obtém-
se uma amostra de sangue sem anticoagulante; parte desta amostra é centrifugada durante dois
a três minutos, sendo o plasma testado para a presença de cetonas. A acidose diabética
suficientemente grave para produzir coma é definitivamente positiva (à exceção dos raros casos
de acidose láctica ou de coma hiperosmolar). As demais etiologias do coma são negativas, visto
que raramente produzem o grau de acidose observado no coma diabético. O achado de
glicosúria e de cetonúria sugere fortemente a presença de diabetes, embora possam ocorrer em
outras situações. Estes achados não excluem por completo a possibilidade de superdosagem de
insulina (que deve ser sempre considerada no diabético), visto que a urina pode ter sido
produzida entes da superdosagem. A observação de níveis elevados de glicemia também
constitui uma forte evidência de coma diabético, sobretudo se o grau de elevação for
pronunciado.

Outras condições que poderiam associar coma com hiperglicemia (acidente vascular
cerebral, infarto agudo do miocárdio) só apresentam hiperglicemia leve ou moderada nos casos
em que esta última ocorre. Além da determinação da glicemia, uma prova empírica simples para
excluir a presença de hiperglicemia consiste em injetar uma solução de glicose por via
intravenosa. A possibilidade de lesão cerebral é investigada através do exame do líquido
cefalorraquidiano ou de tomografia computadorizada. A uremia é determinada através do nível
de uréia no sangue, embora outras etiologias do coma, além da doença renal primária, possam
estar associadas a níveis elevados de uréia no sangue. Estabelece-se a ingestão de drogas
através de uma cuidadosa história clínica, análise do conteúdo gástrico e identificação da droga
em amostras de sangue ou de urina. O diagnóstico de choque é estabelecido com base na
pressão arterial; outros exames laboratoriais irão depender da provável etiologia.
O coma hiperosmolar não-cetótico é raro, embora seja registrado com crescente
freqüência. O critério utilizado para o seu diagnóstico consiste em níveis muito altos de glicemia (
geralmente superiores a 500 mg/dL ) na ausência de cetonas no plasma ou na urina. Em geral,
os pacientes tornam-se gravemente desidratados. A osmolaridade plasmática apresenta-se
elevada devido à desidratação e hiperglicemia. Indivíduos com diabetes leve de inicio na
maturidade são a maioria dos pacientes, embora indivíduos não-diabéticos possam ser afetados.
41
Os fatores precipitantes associados incluem infecções, queimaduras graves, corticoterapia em
altas doses e diálise renal. Foram registrados casos ocasionais provocados pela fenitoína e pela
administração de glicose durante a hipotermia.

A síndrome da acidose láctica é rara e pode apresentar várias etiologias. Com mais
freqüência, a sua presença é observada durante a terapia do diabético com fenformina, embora
atualmente ocorra como forma não cetótica da acidose diabética. A causa mais comum da
elevação dos níveis sanguíneos de lactato consiste na hipóxia tecidual do choque. Afirma-se que
o sangue arterial é mais confiável do que o venoso para a determinação do ácido lático. É
preciso evitar a estagnação do sangue produzida pelo uso do torniquete, e a amostra deve ser
mantida em gelo até ser analisada.
17 HIPOGLICEMIA

A hipoglicemia é um assunto que tem ocasionado muita confusão. Apesar de o termo se


referir à “glicemia baixa”, o diagnóstico de hipoglicemia é controvertido, em virtude de ser
algumas vezes definido estritamente com base num nível arbitrário de glicemia (hipoglicemia
química), algumas vezes em termos dos sintomas apresentados (hipoglicemia clínica) e, por
42
vezes, como uma associação dos níveis de glicemia e da sintomatologia. O aspecto mais
amplamente aceito de hipoglicemia consiste na sua divisão em duas categorias clínicas: uma
forma cujos sintomas aparecem após o jejum (hipoglicemia de jejum) e outra cuja sintomatologia
ocorre após a ingestão de alimentos (hipoglicemia pós-prandial). Quando o nível de glicemia cai
rapidamente, os sintomas tendem a assemelhar-se aos associados com a liberação de
adrenalina e consistem em ansiedade, sudorese, palpitação tremor e fome. Se a hipoglicemia
persistir, verifica-se a ocorrência de provação de glicose do SNC (neuroglicopenia), e os
sintomas assemelham-se aos da hipóxia cerebral, incluindo letargia, cefaléia, confusão,
comportamento bizarro, distúrbios visuais, síncope, convulsões e coma. Os sintomas associados
à hipoglicemia de jejum tendem a ser adrenérgicos. Todavia, existe uma certa sobreposição
entre dos dois grupos de sintomatologia. Em geral, há hipoglicemia de jejum, verifica-se uma
incidência muito maior de distúrbios visuais, comportamento bizarro ou alteração da
personalidade, convulsões e perda da consciência, sobretudo perda prolongada. A hiperglicemia
pós-prandial tende a apresentar um início mais abrupto e costuma ser autolimitada.

17.1 Hipoglicemia de jejum

Das duas categorias clínicas, a hipoglicemia de jejum é, sem dúvida alguma, a de menor
complexidade. Os dois mecanismos principais envolvidos consistem no excesso de insulina
(quer absoluto ou relativo) e nos efeitos da privação de carboidratos. As condições que atuam
através desses mecanismos incluem:

 A etilologia mais conhecida do excesso de insulina é o tumor das células


beta das ilhotas pancreáticas produtor de insulina (insulinoma). Cerca de
80% destes tumores consistem em adenomas solitários, enquanto cerca
de 10% são adenomas múltiplos, e cerca de 10 %, carcinomas.
Aproximadamente 10 % dos pacientes com insulinoma também
apresentam a síndrome de NEM tipo II e, dentre esses pacientes, cerca
de 80 % possuem insulinomas múltiplos. Embora o insulinoma esteja
tipicamente associado com hipoglicemia de jejum, um estudo relatou que
quase 50 % dos seus portadores desenvolveram sintomas dentro de um
período de menos de seis horas pós-prandial, sugerindo clinicamente uma 43
etiologia pós-prandial relativa.
 Como o paciente diabético pode ser encontrado em estado de coma sem
qualquer história clínica disponível, deve-se considerar a possibilidade de
superdosagem de insulina em todo paciente comatoso na sala de
emergência.
 A hipoglicemia pode estar associada à deficiência de hormônios que
normalmente contrabalançam o efeito hipoglicêmico da insulina. Este
grupo inclui a insuficiência hipofisária (deficiência de hormônio do
crescimento e de cortisol) e a insuficiência supra-renal (cortisol). O
glucagon e a tiroxina também possuem efeito hiperglicemiante, porém a
hipoglicemia decorrente da deficiência desses hormônios é rara.
 A privação prolongada de carboidratos, mesmo quando a quantidade total
de calorias está relativamente adequada, tem sido registrada como fator
que predispõe à hipoglicemia. Alguns pacientes com hepatopatia grave
desenvolvem hipoglicemia, embora esta situação seja pouco freqüente.
 Em certas ocasiões, foi relatado que certos tumores não pancreáticos
provocam hipoglicemia, presumivelmente através da utilização de glicose
ou da produção de uma substância semelhante à insulina. A grande
maioria consiste em neoplasias de grande tamanho, descritas como
fibrossarcomas ou sarcomas de células fusiformes, geralmente
localizadas no abdômen (em um estudo, cerca de dois terços ocorreram
no abdômen e um terço no tórax). Segue-se o hepatoma por ordem de
freqüência.
 Pode ocorrer hipoglicemia alcoólica em alcoólatras crônicos ou em
indivíduos que ocasionalmente consomem álcool. A desnutrição, seja
crônica ou temporária, constitui um importante fator predisponente. Nos
indivíduos que desenvolvem hipoglicemia, a ingestão de álcool é
precedida de um jejum de doze a vinte e quatro hora. Os sintomas podem
surgir imediatamente; todavia, com mais freqüência ocorrem dentro de 6 a
34 horas. Por conseguinte, a hipoglicemia relacionada com o álcool é
mais freqüentemente uma hipoglicemia de jejum, embora possa parecer
reativa em certas ocasiões.

44

EXAMES LABORATORIAIS

Nesses pacientes, a principal conduta consiste em detectar ou em excluir a possibilidade


de tumor de células das ilhotas pancreáticas. É importante estabelecer o diagnóstico de tumor
das células das ilhotas, porquanto o distúrbio é passível de correção cirúrgica; todavia, é
necessário estabelecer um diagnóstico exato a fim de evitar uma cirurgia desnecessária.

A tríade de Whipple continua sendo o método básico de triagem para o insulinoma:

 Sintomas compatíveis com hipoglicemia enquanto o indivíduo está em


jejum.
 Nível de glicose em jejum de 10 mg/dL ou mais abaixo dos limites
inferiores normais. Este valor é mais confiável quando a amostra é
obtida enquanto o paciente está apresentando sintomas.
 Alívio dos sintomas com a glicose.

Além disso, a maioria dos endocrinologistas exige a observação de níveis séricos elevados
de insulina durante a hipoglicemia.

Nos insulinomas funcionantes, é de esperar a presença de níveis séricos elevados de


insulina. Em alguns pacientes com glicose sérica dentro da faixa de referência, o nível de
insulina pode estar elevado não apenas na presença de insulinoma, mas também em casos de
síndrome de Cushing, insuficiência renal crônica, superprodução de hormônio do crescimento,
esteróides do tipo cortisol, obesidade e estrogenioterapia. Por outro lado, foi relatado que cerca
de 10 % dos pacientes com insulinoma apresentam níveis séricos de insulina na porção superior
de 75 % da faixa de referência durante a hipoglicemia. Todavia, alguns desses pacientes com
níveis aparentemente normais de insulina podem exibir valores de insulina
desproporcionalmente elevados em relação ao nível de glicose. Por conseguinte, alguns
pesquisadores consideram a relação entre insulina imunorreativa e glicose mais sensível e
confiável do que os níveis sangüíneos de glicose ou de insulina isoladamente. Em condições
normais, tal relação deve ser inferior a 0,3 (a insulina imunorreativa é expressa em
45
microunidades por mililitro, e a glicose, em miligramas por decilitro). A relação apresenta-se
anormal quando é superior a 0,3 em indivíduos não obesos e em obesos com níveis séricos de
glicose inferiores a 60 mg/dL. O hiperinsulinismo provocado por insulinoma resulta em níveis
séricos de insulina inadequadamente altos em relação aos baixos níveis séricos de glicose. Em
alguns centros, utiliza-se a relação inversa.
18 RELAÇÃO INSULINA/GLICOSE CORRIGIDA PARA O DIAGNÓSTICO DE INSULINOMA

Alguns pesquisadores propuseram variantes da relação acima mencionada para aumentar a


sensibilidade ou a especificidade da prova para o insulinoma. A variante mais comumente
utilizada da é a “relação corrigida” de Turner, cuja fórmula é o nível sérico de insulina
46
multiplicado por cem, divido pela glicose sérica subtraída em 30 mg/dL (sendo a insulina sérica é
expressa em mcU/mL e a glicose sérica em mg/dL). A obtenção de uma relação de mais de 50
sugere insulinoma, enquanto uma relação inferior a 50 constitui uma evidência contra o
insulinoma. Os níveis séricos de glicose e de insulina são determinados após o jejum, que pode
ser prolongado. Foi relatado que a relação insulina imunorreativa e glicose corrigida é um pouco
mais sensível do que a relação padrão; todavia, em outros estudos, foram obtidos 20 a 35 % de
resultados falso-negativos ou não-diagnósticos em pacientes com insulinoma.

Uma percentagem considerável de pacientes não exibe sintomas, nem evidências


laboratoriais de insulinoma após uma noite de jejum. Nessas circunstâncias, o método mais útil
consiste num jejum prolongado até 72 horas de duração, com determinações periódicas da
insulina e da glicose, ou determinações de ambas se houver desenvolvimento de sintomas.
Depois de uma noite de jejum, cerca de 50 % dos insulinomas são detectados através do nível
de glicose isoladamente, e cerca de 66 % através da relação insulina imunorreativa e glicose.
Depois de um jejum de 48 horas de duração, o valor da glicemia revela cerca de 66 % dos
tumores, e a relação anterior apresenta-se anormal em mais de 95 % dos casos. Na série da
Clínica Mayo, a tríade de Whipple foi observada dentro de 24 horas em 71 % dos pacientes com
insulinoma, dentro de 36 horas em 79 %, dentro de 48 horas em 92 % e dentro de um período de
72 horas em 98 %. A determinação isolada dos níveis séricos de insulina revela
aproximadamente a mesma percentagem de pacientes com valores elevados, da mesma forma
que a glicemia com valores baixos.
19 TESTE DE TOLERÂNCIA À TOLBUTAMIDA

A tolbutamida é uma sulfoniluréia que tem a capacidade de estimular a produção de insulina


pelas células das ilhotas pancreáticas. A droga tem sido utilizada no tratamento de diabéticos
que não produzem insulina em quantidades suficientes. No teste da tolbutamida, administra-se
47
por via intravenosa, uma forma hidrossolúvel especial de tolbutamida. Nos indivíduos normais,
verifica-se uma queda imediata dos níveis de glicemia para um valor mínimo dentro de 30 a 45
minutos, seguida de normalização dos valores entre uma hora e meia e três horas. Nos
pacientes portadores de insulinoma, a queda da glicemia é maior do que a observada na maioria
dos indivíduos normais, diminuindo para 40 a 65 % dos valores basais, ao passo que, nos
indivíduos normais, a queda não costuma ser de mais de 50 % do valor basal. Os critérios
recentes registram uma sensibilidade e especificidade de 95 % quando o valor médio das
amostras de glicose plasmática de 120, 150 e 180 minutos é inferior a 55 mg/dL nos indivíduos
magros e 62 mg/dl nos indivíduos obesos.

Devido à superposição ocasional entre indivíduos normais e pacientes com insulinoma, a


persistência da hipoglicemia por mais de 3 horas causada por insulinoma é de maior significado,
ao passo que, na maioria dos indivíduos normais, o nível de glicemia retorna aos valores de
jejum dentro de 3 horas. Em alguns indivíduos normais em pacientes com hipoglicemia funcional,
os valores atingem pelo menos 80 % dos níveis de glicose em jejum em 3 horas. Na insuficiência
supra-renal, verifica-se também um retorno de pelo menos 80 % dos níveis de glicose em jejum
em 3 horas, embora o declino inicial possa ser tão acentuado quanto aquele observado no
insulinoma. Alguns pacientes portadores de hepatopatia grave exibem curvas semelhante às
observadas no tumor produtor de insulina. Todavia, esta semelhança na é freqüente e, em geral,
na constitui em verdadeiro problema diagnóstico. O teste da tolbutamida é definitivamente mais
sensível do que o TTGO para o diagnóstico de tumor das células das ilhotas, porém tem a
desvantagem de ser impossível demonstrar as respostas típicas da hipoglicemia diabética ou
alimentar ao TTGO.

A principal desvantagem do teste da tolbutamida consiste na necessidade de interrompê-lo


prematuramente em alguns pacientes, devido ao aparecimento de sintomas hipoglicêmico
graves. Os pacientes devem ser rigorosamente observados durante o teste. A sensibilidade do
teste para o insulinoma parece ser de aproximadamente 80 a 85 % utilizando o período de 3
horas. Uma das principais vantagens do teste é o curto intervalo de tempo necessário para obter
uma resposta. Em geral, o teste da tolbutamida não é efetuado quando o nível de glicose em
jejum já se encontra na faixa hipoglicêmica.

48
20 DETERMINAÇÃO DA PRÓ-INSULINA

A insulina deriva de um precursor denominado pró-insulina, a qual é sintetizada no pâncreas,


metabolicamente inativa e de maior tamanho (“insulina grande”). A pró-insulina consiste numa
cadeia alfa e numa cadeia beta ligadas por uma área denominada de peptídeo de conexão
(peptídeo C). A pró-insulina é enzimaticamente clivada no interior das células beta em 49
quantidades iguais de insulina e peptídeo C. A determinação da insulina por radioimunoensaio
inclui tanto a pró-insulina quanto a insulina regular. Em condições normais, cerca de 5 a 15 % da
insulina imunorreativa consistem em pró-insulina. Em muitos pacientes com insulinomas, mas
não em todos, a quantidade de pró-insulina circulante apresenta-se aumentada em relação à
insulina total. Nos diabéticos com deficiência de insulina a que estão sendo tratados com
insulina, a fração de pró-insulina dos valores de insulina imunorreativa pode estar aumentada. A
determinação da pró-insulina exige técnicas especiais, como a cromatografia em coluna de
Sephadex, não sendo portanto amplamente disponível. A sensibilidade da determinação da pró-
insulina para a detecção de insulinoma atinge 80 %.
21 DETERMINAÇÃO DO PEPTÍDEO C NO SORO

Conforme assinalado anteriormente, o peptídeo C é um subproduto da produção de insulina.


Apesar de o peptídeo C ser liberado em quantidades iguais às da insulina, seus níveis séricos
não se mostram exatamente paralelos aos da insulina devido a diferenças na meia-vida sérica e
50
na velocidade do catabolismo. Todavia, os níveis de peptídeo C correlacionam-se
adequadamente com os valores de insulina quanto à situação de cada um em relação à sua
própria faixa normal (isto é, se um deles estiver diminuído, é provável que o outro esteja também
reduzido). Por conseguinte, pode-se utilizar o peptídeo C como indicador da secreção de
insulina.

A insulina deriva do pâncreas de animais (todavia, existe uma insulina humana sintética,
embora esta forma ainda não seja amplamente utilizada). O uso do hormônio estranho pode
resultar na produção de anticorpos antiinsulina. A insulina de porco é menos antigênica do que a
bovina. Os anticorpos antiinsulina provocam elevação falsa dos valores de insulina na maioria
dos kits comerciais (embora os valores estejam diminuídos em alguns sistemas). Os kits para
determinação do peptídeo C na reagem com insulina de origem animal e, por conseguinte, só
refletem a verdadeira produção de insulina do paciente, não sendo afetados pela presença de
anticorpos antiinsulina.

A determinação do peptídeo C tem sido utilizada de diversas maneiras:

 Com mais freqüência, para detectar ou comprovar a presença de hipoglicemia


factícia induzida por insulina.
 Para detectar a existência de insulinoma em diabéticos que necessitam de
insulinoterapia.
 Para avaliar o estado de pancreatectomia.
 Para avaliar a reserva ou a produção de insulina em diabéticos que tomaram ou
que estão tomando este hormônio.
Em certas ocasiões, os pacientes tornam-se hipoglicêmicos em conseqüência da auto-
administração de insulina. Como a determinação da insulina é incapaz de diferenciar entre
insulina exógena e aquela produzida por insulinoma, deve-se efetuar a determinação do
peptídeo C na mesma amostra que apresentou níveis elevados de insulina. No hiperinsulinismo
decorrente de tumor de células das ilhotas, os níveis de peptídeo C apresentam-se elevados; na
forma produzida por insulina exógena, os níveis de peptídeo C estão baixos. Outra causa
responsável pela presença de baixos níveis de peptídeo C consiste no diabetes tipo I que não
pode produzir insulina; todavia, neste caso, os valores do hormônio estão baixos. A elevação do
nível de peptídeo C sugere classicamente a presença de insulinoma, embora também possa ser
51
observada após a ingestão de agentes hipoglicemiantes orais, uma vez que estes agentes
estimulam a produção de insulina.

A determinação do peptídeo de conexão tem sido utilizada após pancreatectomia para


avaliar a possibilidade de tecido residual das ilhotas pancreáticas.

Alguns pesquisadores têm utilizado a determinação do peptídeo C em diabéticos


previamente tratados com insulina produzida. Os que exibem uma capacidade significativa de
sintetizar o hormônio são tratados de modo diferente daqueles que não apresentam esta
capacidade. O método pode ajudar a diagnosticar a síndrome de insulino-resistência periférica.
Além disso, se o diabético for capaz de produzir insulina, a ocorrência de episódios freqüentes e
graves de cetoacidose diabética pode sugerir algum fator diferente da deficiência de insulina.
Continua havendo controvérsia sobre os critérios e divisão dos diabéticos em tipo I e tipo II com
base na determinação da insulina ou do peptídeo C.

No passado o teste de tolerância à glicose oral de 5 horas após uma noite de jejum era
amplamente utilizado para a detecção de insulinoma. Tipicamente, os pacientes apresentavam
níveis baixos ou normais baixos de glicose em jejum e elevação aguda, porém, normal após a
administração de glicose (com valor máximo dentro dos limites normais do TTGO); a seguir,
verificava-se uma queda mais lenta para níveis hipoglicêmicos que não retornavam rapidamente
à faixa de referência. Todavia, o TTGO foi praticamente abandonado para o diagnóstico de
insulinoma, visto que uma minoria considerável de insulinomas apresenta uma curva achatada
ou, algumas vezes, uma curva de tipo diabético ou até mesmo uma curva normal. Entretanto, o
TTGO de 5 horas é algumas vezes utilizado em pacientes com hipoglicemia do tipo pós-prandial.
Foram descritos testes provocativos com leucina e glucagon para o insulinoma. Todavia, são
raramente utilizados, porquanto são ligeiramente menos sensíveis do que o teste da tolbutamida
e acentuadamente menos sensíveis do que a relação insulina imunorreativa e glicose após jejum
prolongado.
Na atualidade, a maioria dos pesquisadores utiliza a tríade de Whipple e o jejum prolongado
(com determinação da insulina ou da relação insulina imunorreativa e glicose) como principais
testes de triagem para o insulinoma, recorrendo ao teste de tolbutamida nos casos equívocos ou
problemáticos. O diagnóstico diferencial de níveis diminuídos de glicose e níveis elevados de
insulina inclui insulinoma, hipoglicemia factícia e a presença de anticorpos antiinsulina estão
associadas a níveis normais ou diminuídos de peptídeo C.
52
22 HIPOGLICEMIA PÓS-PRANDIAL

A seguir, são apresentadas algumas das etiologias mais comuns da hipoglicemia pós-
prandial (também conhecida como hipoglicemia reativa).

 Alimentar. Com mais freqüência, a hipoglicemia pós-prandial de origem gastrintestinal (algumas 53


vezes denominada síndrome do dumping) ocorre após cirurgia gástrica e decorre do
esvaziamento gástrico excessivamente rápido ou completo dos carboidratos ingeridos no
duodeno, produzindo níveis anormalmente altos de glicemia e hipoglicemia temporária após a
insulina produzida ter superado a hiperglicemia inicial. A elevação inicial da glicemia é
definitivamente maior que a do indivíduo normal.
 Diabética. Alguns indivíduos com diabetes melito subclínico ou inicial do tipo II de acordo com o
NDDG (não insulino dependente) podem desenvolver hipoglicemia leve e transitória dentro de 3
a 5 horas após a ingestão de alimentos. Esta resposta parece desaparecer à medida que
progride. A incidência exata nos diabéticos é incerta, mas é provavelmente baixa. Todavia,
devido ao grande número de diabéticos, pode constituir uma causa relativamente freqüente de
hipoglicemia pós-prandial. A elevação inicial dos níveis de glicemia pode ou não ser maior que a
dos indivíduos normais; todavia, o valor pós-prandial de 2 horas apresenta-se elevado. O
aumento da insulina plasmática após a ingestão de alimentos tende a ser tardio, e o pico de
insulina (quando finalmente atingido) pode estar ligeiramente elevado.
Em alguns casos, os sintomas podem estar correlacionados com níveis de glicemia
aceitavelmente baixos, de modo que alguns médicos estabelecem o diagnóstico de hipoglicemia
funcional (embora haja certa controvérsia sobre este aspecto, que será discutido posteriormente
com o TTGO de 5 horas). Em outras circunstâncias, que provavelmente representam a maioria
dos casos, os sintomas não podem ser adequadamente correlacionados com valores
aceitavelmente baixos de glicemia. O nível de glicose sérica no TTGO apresenta-se baixo, mas
não ocorre nenhum sintoma, ou, com menos freqüência, aparecem sintomas com níveis
relativamente normais de glicose. Nestes casos, alguns têm estabelecido o diagnóstico de
“síndrome pós-prandial idiopática”. Talvez o termo “pseudo-hipoglicemia” seja mais apropriado. A
elevação máxima da hipoglicemia após a ingestão de alimentos não é tão alta quanto a
observada no indivíduo normal, porém, o valor de 2 horas também está normal.
Alguns pacientes com insulinoma ou alcoolismo podem desenvolver hipoglicemia pós-
prandial, embora a hipoglicemia de jejum seja muito mais comum.

54
23 TESTES LABORATORIAIS

A primeira conduta consiste em excluir a possibilidade de hipoglicemia de jejum, sobretudo


quando os sintomas hipoglicêmicos surgem dentro de várias horas após a ingestão de alimentos.
A auto-administração de agentes hipoglicemiantes também é possível, embora, por alguma
razão, esta situação quase sempre não é mencionada quando associada a sintomas pós- 55
prandiais. O melhor teste seria a determinação da glicemia efetuada ao mesmo tempo em que
surgem os sintomas. Como, na vida diária, os sintomas geralmente aparecem em momentos em
que não se pode obter uma amostra de sangue, o método laboratorial tradicional na hipoglicemia
pós-prandial tem sido o TTGO de 5 horas. Na hipoglicemia alimentar, o padrão clássico do
TTGO consiste no valor máximo de 1 hora superior aos limites de referência do TTGO, seguido
de uma rápida queda para níveis hipoglicêmicos, em geral, dentro de 1 a 3 horas após a glicose.
Na hipoglicemia diabética, verifica-se uma elevação do valor pós-prandial de 2 horas, seguida de
hipoglicemia durante o intervalo de tempo pós-glicose de 3 a 5 horas. Na hipoglicemia funcional,
o pico e o nível de duas horas do TTGO apresentam-se normais, com hipoglicemia durante o
intervalo de tempo pós-glicose de 2 a 4 horas.

Infelizmente, o diagnóstico não é tão simples quanto sugerem os achados clássicos do


TTGO antes mencionados. Muitos pesquisadores constataram uma variabilidade nas curvas do
TTGO, que quase sempre se modificam quando se repete o teste depois de certo período de
tempo e que podem modificar-se quando se efetua o teste diariamente. Em alguns casos, esta
variabilidade está relacionada com fatores que influenciam reconhecidamente o TTGO, como
preparação inadequada com carboidratos; todavia, em outras circunstâncias, não há nenhuma
causa evidente para as discrepâncias observadas no TTGO. Outro problema básico reside na
opinião divergente no que concerne aos valores pós-prandiais de glicemia aceitos como
indicadores de hipoglicemia. A maioria dos pesquisadores utiliza o valor de 5m mg/dL da glicose
plasmática como limite divisório. Entretanto, há consideráveis controvérsias sobre este assunto
na literatura. Em alguns casos, não se sabe ao certo se a determinação foi feita no soro ou no
sangue total, pois os valores de referência para o sangue total são 15 % inferiores aos do soro
ou plasma. Outro problema diz respeito ao conceito de hipoglicemia química versus hipoglicemia
clínica. Diversos estudos demonstraram que uma certa percentagem de indivíduos clinicamente
normais podem apresentar curvas de TTGO compatíveis com hipoglicemia funcional, sem
contudo desenvolver qualquer sintoma. Em algumas situações, foram observados níveis séricos
assintomáticos abaixo de 30 mg/dL. Além disso, em alguns estudos, sistemas de monitorização
contínua da glicemia revelaram depressões hipoglicêmicas não evidentes no TTGO padrão. Por
outro lado, alguns indivíduos com sintomas compatíveis com hipoglicemia não apresentam
valores do TTGO inferiores aos limites de referência. Para confundir ainda mais a situação,
alguns estudos indicaram que, quando o TTGO de 5 horas foi repetido após ter revelado
56
inicialmente uma depressão hipoglicêmica, um número significativo de resultados tornou-se
normal ( cerca de 65 % dos casos em um estudo ). Por fim, diversos estudos revelaram que a
hipoglicemia observada durante o TTGO geralmente desaparece quando a dose de carboidratos
é substituída por uma refeição comum. Como os pacientes não costumam ingerir refeições puras
de carboidratos, este aspecto lança certa dúvida quanto à confiabilidade e utilidade do TTGO no
diagnóstico da hipoglicemia funcional. Em um estudo, foi constatado que os pacientes com
sintomas de hipoglicemia funcional apresentam aumento dos níveis plasmáticos de adrenalina
de pelo menos 250 pg/ml acima dos valores basais no momento da ocorrência do menor nível da
glicose sérica no TTGO, independentemente de seu verdadeiro valor, enquanto os que não
apresentaram sintomas tiveram um aumento da adrenalina no momento em que o nível mínimo
de glicose foi inferior a 250 pg/mL.

Em síntese, o diagnóstico de hipoglicemia pós-prandial é cheio de controvérsias, sobretudo


a categoria da hipoglicemia funcional. Provavelmente, o diagnóstico menos contestável seja
aquele estabelecido por níveis séricos de glicose inferiores a 50 mg/dL, obtidos dentro de menos
de 5 horas após uma refeição regular, quando o paciente está apresentando sintomas
hipoglicêmicos. O TTGO de 5 horas pode ser efetuado com uma refeição regular em lugar da
administração de uma dose de glicose pura. Isso também ajudaria a excluir as etiologias
alimentar ou diabética.
24 HIPOGLICEMIA NEONATAL E DA INFÂNCIA

A hipoglicemia neonatal e a hipoglicemia da infância serão consideradas em conjunto,

embora algumas sejam do tipo em jejum e outras pós-prandiais.

Foi relatado que até 10 % de todos os recém-nascidos apresentam pelo menos um valor 57
baixo de glicemia. Os níveis de referência no período neonatal são inferiores à faixa de
referência para adultos, e existe certa divergência quanto ao nível considerado hipoglicêmico. Os
valores considerados hipoglicêmicos na literatura situam-se na faixa de 20 a 40 mg/dL. O valor
de referência mais amplamente aceito para limites inferiores é de 20 mg/dL para prematuros ou
recém-nascidos a termo com peso normal durante o primeiro dia de vida. Esses valores foram
originalmente derivados de determinações efetuadas em amostras de sangue total. A conversão
para valores da glicose no soro ou no plasma eleva o limite inferior em amostras de soro para
cerca de 25 mg/dL no prematuro e para cerca de 35 mg/dL no lactente a termo. A outra faixa de
referência freqüentemente utilizada consiste num limite inferior de 30 mg/dL para prematuros em
amostra de soro e de 40 mg/dL para lactentes a termo durante o primeiro dia de vida. O uso
destes valores de referência resulta em pelo menos 10 % a mais de diagnóstico de hipoglicemia
em comparação com o uso de limites de referência mais baixos. Como um número significativo
desses lactentes é assintomático, os valores mais baixos são utilizados com mais freqüência.
Em ambos os sistemas, o limite inferior da glicose sérica depois do primeiro dia de vida é de 40
mg/dL. A hipoglicemia neonatal idiopática é mais comum em lactentes do sexo masculino com
baixo peso ao nascer e em prematuros. Em alguns casos, a condição é agravada por um atraso
no aleitamento. Os sintomas clínicos, que surgem dentro de 72 horas após o nascimento,
incluem alguma combinação de tremores, contrações musculares, cianose, dificuldade
respiratória, choro de timbre agudo ou fraco, recusa em se alimentar, fraqueza, apnéia e
convulsões. Estes sintomas não são específicos e podem ser devidos a uma grande variedade
de doenças neonatais graves ou potencialmente fatais.

Acredita-se que a hipoglicemia neonatal seja causada, pelo menos em parte, por baixos
níveis de glicogênio hepático. A condição é habitualmente transitória e tratada com leite e glicose
oral ( quando leve ) ou glicose parenteral ( quando grave ). Se o lactente não apresentar nenhum
problema clínico até o início da alimentação Láctea, e se o problema prosseguir, deve-se
considerar a possibilidade de sensibilidade à leucina.

Em geral, os sintomas de sensibilidade à leucina surgem nos primeiros dois anos de vida e
desaparecem espontaneamente aos cinco ou seis anos de idade. A ingestão de alimentos ricos
no aminoácido leucina ( por exemplo, leite de vaca ) estimula aparentemente a superprodução
de insulina pelas células beta do pâncreas, em vez de se mostrar semelhante ao efeito da
tolbutamida. Tipicamente, os pacientes apresentam baixos níveis de glicose em jejum e exibem 58
acentuada hipoglicemia após a administração de leucina. O diagnóstico é estabelecido através
de um teste de tolerância à leucina, semelhante ao TTGO, mas que utiliza leucina por via oral.
Como a leucina também estimula 50 a 70 % dos insulinomas, é preciso considerar também a
possibilidade de tumor produtor de insulina ou nesidioblastose.

Em certas ocasiões, as crianças com hipoglicemia apresentam hiperplasia difusa das células
das ilhotas pancreáticas, conhecida como nesidioblastose. Além disso, ocorre insulinoma,
embora esta situação seja rara. O diagnóstico é o mesmo daquele para o insulinoma e baseia-se
na demonstração de uma elevação inapropriada da insulina quando os níveis de glicemia estão
baixos.

A galactosemia é um erro inato do metabolismo produzido pela deficiência de enzima


necessária para metabolizar a galactose em glicose. A galactose é produzida através do
metabolismo da lactose, presente no leite. Alguns desses pacientes desenvolvem episódios
hipoglicêmicos presumivelmente devido a produção hepática anormal de glicose a partir do
glicogênio.

A cetose é considerada a etiologia mais comum da hipoglicemia na infância. Em geral, o


início é observado entre um ano e meio e cinco anos de idade, e o distúrbio costuma
desaparecer aos dez anos. É mais comum em crianças do sexo masculino com peso ao
nascimento inferior ao normal. Os episódios de hipoglicemia tendem a ser precipitados pela falta
prolongada de alimentação ou por uma dieta com baixo teor de carboidratos e calorias. Acredita-
se que a cetose seja, pelo menos parcialmente, causada pela depleção de glicogênio hepático. A
criança apresenta-se normal entre os episódios. Em geral, as crises hipoglicêmicas estão
associadas a corpos cetônicos facilmente detectáveis no plasma e, com freqüência, a cetonúria
urinária. Os níveis de glicemia e a insulina plasmática apresentam-se baixos.

A hipoglicemia pode estar associada com toxemia da gravidez, diabetes melito mal
controlado, hipóxia neonatal grave ou infecção neonatal. O diagnóstico baseia-se na
identificação dessas condições.

59
25 FÉRIAS E FESTAS: O QUE FAZER?

Uma das grandes preocupações dos pais e dos pacientes com diabetes mellitus tipo 1
60
(DM1) refere-se às questões relacionadas com as modificações decorrentes de viagens, festas e
férias. O que fazer: modificar a dosagem de insulina? Diminuir ou aumentar o número de testes
de glicemia? Aumentar o número de aplicações durante a viagem ou suprimir a insulina NPH?
Como conservar a insulina? É necessário algum cuidado especial no seu transporte? Aonde
deve ser transportada a insulina? E se viajar para o exterior como fazer com o fuso horário?
São perguntas complexas e que podem gerar um certo embaraço aos clientes e aos
profissionais de saúde.
Com o controle intensivo (bomba de infusão ou esquema de múltiplas doses), todas
estas questões foram facilitadas. A auto-monitorização facilitou imensamente as mudanças
relacionadas às viagens e ao fuso horário. É importante lembrar que um maior número de testes
de glicemia capilar será fundamental.
A primeira conduta é realizar exame clínico e laboratorial antes das viagens, para
assegurar uma maior tranqüilidade devendo consultar o seu médico e nutricionista previamente.
0 ideal é que o paciente sempre carregue uma quantidade maior de tiras de teste, devido às
possíveis eventualidades.
É muito importante recolher informações acerca do local para onde se pretende ir antes
de planejar a viagem, principalmente quanto às precauções em relação a baixos níveis de
glicemia! Levar sempre uma declaração com atestado médico. Este documento
preferencialmente em idioma inglês, e se possível traduzido para o idioma do país visitado, deve
conter: duração do diabetes e atestar para a necessidade de transportar sistemas de
administração de insulina, tipo e dose de insulina utilizados, equipamento de teste de glicemia,
etc., facilitando a passagem na alfândega. Além disso o atestado garante igualmente a
aprovação médica para viajar, para efeitos de seguros de viagem.
Durante uma viagem os padrões de esforço físico e hábitos de alimentação podem variar
bastante em relação aos hábitos do dia a dia. Poderá ser necessário testar a glicemia com maior
freqüência de modo a ajustar corretamente a dose de insulina. É particularmente importante
testar a glicemia ao deitar, minimizando os riscos de hipoglicemia noturna. Informar os
companheiros de viagem sobre sintomas e cuidados com a hipoglicemia.
Quanto aos alimentos, serão provavelmente bastante diferentes da dieta habitual. O
horário das refeições também tende a ser modificado. O paciente deve procurar agir com
precaução e sempre que tiver dúvidas, proceder ao teste da glicemia capilar. Embora possa ser
difícil encontrar alimentos sem açúcar em alguns países (diet), na maioria das vezes, não é
necessário levar alimentos durante as viagens. No entanto, uma medida benéfica é levar uma 61
quantidade suplementar de lanches prontos, pois poderá necessitar deles no avião, durante um
passeio ou excursão ou em caso de atrasos. O aviso à empresa aérea previamente, também
diminui o índice de complicações agudas.
A insulina degrada-se por ação do gelo, temperaturas superiores a 25º C, ou por
agitação. Deve ser transportada em um saco térmico, firmemente embalada. Nunca coloque a
sua insulina em locais quentes como, por exemplo, o porta luvas do carro. Uma quantidade
adicional de insulina é necessária e deve ser embalada em diferentes sacos ou malas para
prevenir o caso da perda ou roubo de alguma das malas. Quando viajar de avião transporte a
insulina na sua bagagem de mão. Lembre-se de que, em outros países, a insulina pode ser de
diferentes tipos e dosagens da que está habituado(a). Não tente encontrar a insulina de uso
rotineiro em outro país. É importante portar sempre o glucagon (kit de injeção de glucagon)
quando viajar, que deve ser armazenado junto com a insulina. O glucagon tem uma validade até
18 meses.
As rotinas relacionadas com o diabetes podem ser confusas quando se atravessam
fusos horários diferentes. A solução mais simples quando se viaja para leste ou oeste é esperar
para acertar o relógio (e os horários das refeições e das injeções de insulina) até chegar ao
destino. Nessa altura poderá ser necessário administrar insulina suplementar ou realizar um
lanche. Faça o teste da glicemia capilar para o confirmar. Se viajar para o exterior por um
período superior a seis meses, é interessante obter informações sobre associações de
diabéticos e indústrias farmacêuticas produtoras de insulina, que poderão auxiliar na obtenção e
fornecimento da medicação. O seguro saúde internacional é importantíssimo.
0 estresse pode alterar a glicemia. Quanto maior a quantidade de problemas que
conseguir prever e resolver antes de partir, mais fácil será a sua viagem. Procure levar dinheiro a
mais para a viagem, cartão de crédito internacional, ‘traveller’s cheques’ e dólar americano, pois
são bastante úteis para cobrir uma despesa inesperada.
Em relação às festas, nunca aplique a insulina rápida ou ultra-rápida antes de chegar ao
local do evento. O atraso ou qualquer outro imprevisto pode ocasionar reações indesejáveis,
como hipoglicemias graves. Os usuários de bomba de insulina também devem levar a insulina
em caneta, para situações de emergência. Antes de sair de casa, o nível glicêmico deverá estar
em torno de 120 mg / dl. Já o teste e a administração da insulina rápida devem ser feitos após o
início dos serviços de ‘bufê’.

62
26 ATIVIDADE FÍSICA E DIABETES NO BRASIL: NECESSIDADE X RISCOS

Desde o século dezoito, o exercício vem sendo defendido como instrumento benéfico no
tratamento de pacientes com diabetes mellitus. Como ocorre em indivíduos sem diabetes,
pacientes com diabetes mellitus apresentam um aumento na utilização periférica da glicose
associado com um aumento na sensibilidade periférica a ação da insulina que persiste por 12 63
horas ou mais após o final do exercício. Em pacientes com diabetes mellitus tipo 1, um programa
de exercício pode melhorar a sensibilidade à insulina. Alguns estudos porém, não demonstram
uma melhora no controle glicêmico nestes pacientes. Entretanto é bem claro o efeito benéfico do
exercício na performance cardiovascular e no perfil lipídico, aumentando HDL colesterol e
reduzindo triglicérides, tornando valioso o seu efeito sobre a morbi-mortalidade em pacientes
com diabetes mellitus tipo 1 e 2.
No paciente tipo 2, a ocorrência freqüente de resistência à insulina, obesidade,
anormalidade no perfil lipídico e doença cardiovascular, tornam o exercício um potente
coadjuvante aliado na terapêutica e com baixo risco de hipoglicemia. No paciente com DM tipo 1,
o risco de hipoglicemia ou de piora da hiperglicemia e cetose conseqüentes ao exercício
merecem uma abordagem mais cautelosa.
Todos os pacientes diabéticos que iniciarão um programa de exercícios físicos devem
ser previamente avaliados. Se o controle glicêmico é pobre, deverá ser equilibrado antes do
início do exercício. Como regra geral a glicemia deveria ser inferior a 250mg/dl e sem cetose.
Retinopatia severa contra-indica exercício intenso pelo risco de hemorragia. Exercícios
envolvendo membros inferiores em pacientes com neuropatia periférica requerem observação
cuidadosa de lesões nos pés e pode mesmo ser contra-indicado. Para pacientes com neuropatia
pode ser necessário selecionar atividades que não coloque em risco o trauma de membros
inferiores, como por exemplo nadar.
Os diabéticos, reconhecem a atividade física como um elemento importante no controle
metabólico. Porém, em raros casos recebem um suporte e apoio técnico adequados para fazê-
la. Muitas vezes os pacientes diabéticos são orientados pelos endocrinologistas a fazerem uma
atividade física, porém não sabem como começar, qual atividade fazer e como reajustar seu
controle; ao se inscreverem numa academia, em geral, os pacientes se deparam com
profissionais sem nenhuma noção sobre atividade física em diabéticos.
Após o início da atividade física, faz-se necessário a realização testes de glicemias
capilares antes, durante (para treinos com duração maior de 1 hora) e depois da atividade. Com
esses registros de glicemia capilar é possível o ajuste da dose de insulina que em geral é
reduzida com a atividade física.

64
27 EPIDEMIOLOGIA DO DIABETES TIPO 2 NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

Logo no começo do século XX foi observado que alguns casos de diabetes em crianças
tinham um curso clínico diferente apesar de apresentarem no diagnóstico os mesmos sintomas
das crianças com diabetes clássico, denominado na época diabetes infanto juvenil. Essas
crianças raramente desenvolviam cetoacidose e o uso de insulina não era necessário para a 65
sobrevida. Em 1960 foi descrito um tipo de diabetes de herança dominante de início na infância
que foi denominado diabetes da maturidade no jovem (MODY). Durante alguns anos esses dois
tipos de diabetes eram considerados entidades semelhantes. Atualmente reconhece-se a
existência do diabetes tipo 2 (DM2) em crianças e adolescentes como um tipo de diabetes
distinto do diabetes tipo 1 e MODY.
O DM2 da criança e adolescente responde hoje por até 20% dos casos de diabetes
nesta faixa etária nos Estados Unidos da América, ocorrendo principalmente nas minorias
raciais, isto é, negros e hispano-americanos. De acordo com a Federação Internacional de
Diabetes as alterações do estilo de vida, principalmente a ingestão de alimentos de alto valor
calórico e teor de gordura com diminuição dos exercícios físicos, tiveram como conseqüência a
obesidade que hoje constitui um dos mais importantes fatores de risco para o diabetes tipo2. O
aumento da prevalência da obesidade nas diferentes faixas etárias é um fato constatado na
maioria dos países desenvolvidos e em desenvolvimento, sendo de até 54% em crianças e
adolescentes americanos principalmente nos últimos anos desta década, enfatizando-se o
surgimento freqüente da obesidade mórbida que era rara nesta fase precoce de vida. A
obesidade não seria um fator de risco somente para a intolerância a glicose e/ou diabetes, mas
também para outras alterações metabólicas e clínicas como a dislipidemia, hiperuricemia e
hipertensão arterial como recentemente foi demonstrado.
Os estudos epidemiológicos sobre DM2 em crianças e adolescentes ainda são
escassos, com pouca representatividade mundial. No Canadá, pesquisas demonstram que em
Manitoba a prevalência de DM2 nos índios nativos triplicou nos últimos 5 anos, já atingindo 20%.
No Japão, entre 1976 e 1995, a incidência do DM2 aumentou de 0.2 para 7.3 /100.000, sendo
hoje quatro vezes maior que a do DM1. Em Cincinati, a incidência de DM2 em adolescentes
aumentou de 0.7 para 7.2 /100.000 de 1982 a 1994, atingindo 16% dos casos até 19 anos e 33%
dos casos de 10 a 19 anos. Na Califórnia, 31 % dos pacientes jovens com diabetes com idade
inferior a 17 anos são de DM2. Nos índios Pima esta mesma tendência foi observada com um
aumento da prevalência de 1967-1976 para 1987-1996 de zero até 5.31% entre 10 e 14 anos.
Na maioria destes estudos a maior incidência é verificada na adolescência entre 10 e 15 anos, e
em algumas séries no sexo feminino com presença de acanthosis nigricans em mais de 50% dos
casos. No diagnóstico do diabetes os sintomas podem estar presentes acompanhados de cetose
sendo necessário o uso de insulina que posteriormente pode ser descontinuado e substituído por
hipoglicemiantes orais. Os antecedentes familiares de DM2, em geral maternos, estão presentes
em mais de 50% dos pacientes. No momento atual o ambiente intra-uterino diabetogênico e o 66
peso no nascimento menor que 2.5 kg e maior que 4.5kg têm sido descrito como importantes
fatores de risco. A prevenção da obesidade na criança e adolescente, através de mudanças
comportamentais, através de um trabalho conjunto entre profissionais de saúde, escola e
familiares é opção terapêutica mais eficaz a longo prazo.
28 TRATAMENTO DO DIABETES TIPO II

 GLIBENCLAMIDA

67
1. Mecanismo de ação: reduz o nível sangüíneo de glicose inicialmente
pela estimulação da liberação de insulina pelo pâncreas.
2. Posologia: deve ser administrado junto às refeições e iniciado com uma
dose baixa, que deve ser aumentada gradualmente, objetivando-se evitar a
ocorrência de hipoglicemia recomenda-se a dose inicial de um comprimido de 5
mg ao dia junto com uma refeição. Pode-se aumentar a dose para um
comprimido após o almoço e outro após o jantar. Os aumentos de dose devem
ser feitos com intervalos de 2 semanas até atingir o controle da glicose, até a
dose máxima de 20 mg por dia.
3. Reações adversas: diarréia, dor abdominal, náusea, vômitos,
dispepsia, flatulência e paladar metálico. Podem ocorrer também sintomas de
hipoglicemia: obnubilação, tremor, sudorese e sensação de fome incomum.
Podem ainda ocorrer cefaléia e reações dermatológicas de hipersensibilidade
(prurido, exantemas). Reações de hipersensibilidade generalizada são raras.

 METFORMINA

1. Mecanismo de ação: melhora a tolerância à glicose em pacientes com


diabetes tipo 2, reduzindo tanto a glicose plasmática em jejum quanto a glicose
plasmática pós-prandial. O cloridrato de metformina reduz a produção de glicose
hepática, reduz a absorção intestinal de glicose e melhora a sensibilidade à
insulina, aumentando a captação e utilização periférica da glicose.
2. Posologia: deve ser individualizada, tomando como bases a eficácia e a
tolerância ao produto. Não deve ser excedida a dose máxima recomendada que
é de 2.550 mg. O produto deve ser administrado de forma fracionada, junto com
as refeições, iniciando-se o tratamento com doses pequenas gradualmente
aumentadas.
3. Reações adversas: Alterações gastrintestinais, do tipo náuseas,
vômitos e diarréia, que ocorrem mais no início do tratamento e desaparecem
espontaneamente na maioria dos casos. Para reduzir a ocorrência de alterações
digestivas, recomenda-se administrar a metformina em duas tomadas diárias, 68
durante ou ao término de refeições.

 CLORPROPAMIDA

1. Mecanismo de ação: acredita-se que se dê através do estímulo da


síntese e liberação da insulina endógena, efeito dependente do funcionamento
das células beta no pâncreas.
2. Posologia: hipoglicemia, reações do trato gastrintestinal, retenção
hídrica, pancitopenia em graus variados e reações alérgicas.
3. Reações adversas: não existe um regime posológico fixo, porém pode-
se iniciar o tratamento com 125 mg ao dia até o máximo de 500 mg por dia.

 GLIMEPIRIDA

1. Mecanismo de ação: por estimulação da secreção de insulina pelas


células beta do pâncreas. Este efeito está baseado predominantemente no
aumento da resposta das células beta do pâncreas ao estímulo fisiológico da
glicose
2. Posologia: A dose inicial usual é de 1 mg diariamente. Se necessário,
esta dose diária poderá ser aumentada. Recomenda-se que tal aumento se faça
em intervalos de 1 a 2 semanas, de acordo com as seguintes etapas: 1 mg, 2
mg, 3 mg, 4 mg, 6 mg. A dose inicial usual para pacientes com diabetes bem
controlado é de 1 a 4 mg ao dia. Doses diárias superiores a 6 mg (até 8 mg)
somente são eficazes para uma minoria de pacientes. Recomenda-se
administrar imediatamente antes da primeira refeição substancial ou da primeira
refeição principal. É muito importante alimentar-se bem após a administração da
medicação.
3. Reações adversas: hipoglicemia, alterações visuais, sintomas 69
gastrintestinais. Raramente mielodepressão e reações alérgicas.

 GLICLAZIDA

1. Mecanismo de ação: por estimulação da secreção de insulina pelas


células beta do pâncreas
2. Posologia: A dose diária pode variar de 30 a 120 mg em uma única
tomada oral. Recomenda-se a tomada do medicamento juntamente com o café
da manhã. Os ajustes posológicos, quando necessários, serão feitos em escalas
de 30 mg.
3. Reações adversas: Hipoglicemia, reações alérgicas, pruridos, eritemas
e urticárias.

 NATEGLINIDA

1. Mecanismo de ação: secreção precoce de insulina, resultando numa


redução da glicemia pós-prandial e da HbA1c.
2. Posologia: Normalmente é tomado imediatamente (1 minuto) antes de
uma refeição, mas pode ser tomado até 30 minutos antes das refeições.
Monoterapia: A dose usual é de 120 mg antes das refeições. Os ajustes de dose
3.
devem basear-se em determinações periódicas da hemoglobina glicosilada
(HbA1c).
4. Reações adversas: hipoglicemia, alteração das enzimas hepáticas,
sintomas gastrintestinais e alérgicos.

70
 GLIPIZIDA

1. Mecanismo de ação: secreção precoce de insulina, resultando numa


redução da glicemia pós-prandial e da HbA1c.
2. Posologia: Normalmente é tomado imediatamente (1 minuto) antes de
uma refeição, mas pode ser tomado até 30 minutos antes das refeições.
Monoterapia: A dose usual é de 120 mg antes das refeições. Os ajustes de dose
devem basear-se em determinações periódicas da hemoglobina glicosilada
(HbA1c).
3. Reações adversas: hipoglicemia, alteração das enzimas hepáticas,
sintomas gastrintestinais e alérgicos.

 ACARBOSE

1. Mecanismo de ação: secreção precoce de insulina, resultando numa


redução da glicemia pós-prandial e da HbA1c.
2. Posologia: Normalmente é tomado imediatamente (1 minuto) antes de
uma refeição, mas pode ser tomado até 30 minutos antes das refeições. Os
ajustes de dose devem basear-se em determinações periódicas da hemoglobina
glicosilada (HbA1c). A dose média para adultos é de 300mg a 400mg diários. A
dose pode ser aumentada até 900mg diários.
3. Reações adversas: Distúrbios gastrintestinais, especialmente
flatulência ou meteorismo, devido aos gases presentes no cólon derivados dos
carboidratos não absorvidos. Estes efeitos podem evidenciar-se em maior grau
se não for respeitada a dieta ou não se aumentar a dose de maneira gradual.

 PIOGLITAZONA

71

1. Mecanismo de ação: atua aumentando a sensibilidade à ação da


insulina no tecido muscular, hepático e adiposo. Desta forma, favorece o
consumo de glicose pelos tecidos periféricos (muscular e adiposo) e diminuem a
produção hepática de glicose.
2. Reações Adversas: infecção do trato respiratório superior, cefaléia,
sinusite, mialgia, alterações dentárias, diabetes mellitus agravado, faringite.
Hipoglicemia leve a moderada foi relatada durante a terapia combinada com
sulfoniluréia ou insulina. Em estudos de monoterapia, o edema foi registrado em
4,8%. Na combinação com insulina, o edema ocorreu em 15,3% dos pacientes.
3. Posologia: um comprimido de 15 mg uma vez ao dia,
independentemente das refeições. A dose pode ser aumentada até 45 mg por
dia.

 ROSIGLITAZONA

1. Mecanismo de ação: atua aumentando a sensibilidade à ação da


insulina no tecido muscular, hepático e adiposo. Desta forma, favorece o
consumo de glicose pelos tecidos periféricos (muscular e adiposo) e diminuem a
produção hepática de glicose.
2. Reações adversas: infecção do trato respiratório superior, cefaléia,
sinusite, mialgia, alterações dentárias, diabetes mellitus agravado, faringite.
Hipoglicemia leve a moderada foi relatada durante a terapia combinada com
3.
sulfoniluréia ou insulina. Em estudos de monoterapia, o edema foi registrado em
4,8%. Na combinação com insulina, o edema ocorreu em 15,3% dos pacientes.
4. Posologia: pode-se começar o tratamento com uma a duas tomadas
diárias, com doses de 4mg. A dose máxima por dia é de 16 mg.

72
 REPAGLINIDA

1. Mecanismo de ação: estimula a secreção de insulina na presença de


glicose.
2. Reações adversas: aumento de peso e reações hipoglicêmicas
clássicas
3. Posologia: de uma a três doses diariamente, antes das refeições.
Pode-se iniciar o tratamento com doses de 0,5 mg, porém, a dose máxima diária
não pode ultrapassar 6 mg.

 NATEGLINIDA

1. Mecanismo de ação: estimula a secreção de insulina na presença de


glicose
2. Reações adversas: hipoglicemia, ganho de peso e reações alérgicas.
3. Posologia: de uma a três doses diariamente, imediatamente antes das
refeições. A dose pode ser, inicialmente, 25 mg até um máximo diário de 150
mg.
 GLIPIZIDA

1. Mecanismo de ação: estimula a secreção de insulina pelas células


beta das ilhotas de Langherans, com conseqüente aumento dos níveis
plasmáticos de insulina.
2. Reações adversas: náusea, vômito, diarréia, constipação e gastralgia 73
que parecem ser relacionados à dose e geralmente desaparecem com divisão
ou redução da dose; hipoglicemia; Reações alérgicas da pele incluindo eritema,
reações maculopapular ou morbiliforme, urticária, exantema, prurido e eczema;
confusão, tontura, sonolência, dor de cabeça, tremores e distúrbios visuais.
3. Posologia: um comprimido ao dia, antes da primeira refeição, até o
máximo de 3 comprimidos.
29 NOVAS TERAPIAS NO DIABETES TIPO 2

Diferentes estudos tem demonstrado a relação entre a magnitude e tempo de


hiperglicemia e o aparecimento de complicações crônicas do diabetes. Além disso, a
manutenção do bom controle glicêmico tem se mostrado efetivo tanto no diabetes tipo 1 como no
74
tipo 2, reduzindo ou retardando o desenvolvimento destas complicações, permitindo assim, uma
maior longevidade e qualidade de vida para o pacientes diabéticos. No diabetes mellitus tipo 2 as
estratégias terapêuticas diferem do tipo 1 em função das características fisiopatológicas
específicas do diabetes mellitus tipo 2:
 A deficiência secretória da célula pancreática é usualmente parcial e
gradativa, variado com o tempo de doença;
 Uma menor sensibilidade tecidual hepática e periférica à ação da
insulina (resistência à insulina);
 Um aumento da secreção hepática de glicose. Portanto, no diabetes tipo
2 diversos agentes farmacológicos orais, além do tratamento substitutivo com a insulina
endógena, podem ser utilizados:
1. Sensibilizadores da insulina.
São agentes que diminuem a resistência à insulina e melhoram a ação da insulina no
metabolismo da glicose. Diferentes drogas, com mecanismos de ação diversos, podem melhorar
a ação da insulina. A metformina tem como seu principal efeito estimular a maior captação de
glicose no músculo e em outros tecidos periféricos. Outros de seus efeitos são: redução da
produção hepática de glicose e uma discreta ação anorética. Suas principais vantagens: baixo
custo, menor risco de hipoglicemias e não promoção do ganho de peso. São efeitos
indesejáveis: o risco de desenvolver acidose láctica e alterações gastrintestinais (flatulência e
diarréia). As tiazolinodinedionas, rosiglitazonas e pioglitazonas constituem uma nova classe de
sensibilizadores de insulina que melhoram a ação da insulina no metabolismo da glicose. Estas
drogas são ligantes para os receptores do peroxisoma proliferador-ativado (PPAR), que é uma
família de receptores nucleares que agem em fatores de transcrição para regular a expressão
gênica, promovendo o transporte de lípides e aumento da ação da insulina. Seus efeitos
indesejáveis se relacionam ao aumento da deposição gordurosa subcutânea e discreto edema,
observado em alguns pacientes. Seu custo é elevado. Novos agonistas que agem também nos
sub-tipos do PPAR, que apresentam uma maior potência de sensibilizar a insulina e que também
permitem corrigir a dislipidemia, estão sendo avaliados.
2. Modificadores da absorção da glicose no aparelho digestivo.
Os inibidores da alfa-glicosidases, acarbose e miglitol interferem com a digestão de
carboidratos complexos e reduzem a taxa de absorção do monosacárides. O retardo da
absorção dos carboidratos resultam na diminuição das incursões glicêmicas pós alimentares que 75
indiretamente podem melhorar as glicemias no jejum. Exige várias tomadas antes das refeições
e seu principal efeito colateral são a diarréia e a flatulência.
3. Secretagogos da insulina.
As drogas disponíveis agem pela sua interação às sub-unidades SUR1 dos receptores
de potássio ATP dependentes (KATP), localizados na membrana plasmática das células beta
pancreáticas. A ativação da sub-unidade SUR1 (rSUR1) induz o fechamento dos canais (KATP),
aumentando as concentrações de potássio e despolarizando a membrana celular. Como
conseqüência ocorre a abertura dos canais de cálcio na membrana, aumentando o transporte de
cálcio para o interior da célula e provocando a secreção de insulina. Diferenças farmacológicas
entre os secretagogos são atribuídas às propriedades farmacocinéticas e as diferenças na
afinidade de cada produto ao rSUR1. As sulfuniluréias são os secretagogos mais utilizados. Tem
o seu início de ação mais lento e efeito mais prolongado na ação da insulina. As sulfuniluréias,
utilizadas há várias décadas, tem-se mostrado eficazes e seguras para o uso clínico e seu custo
é baixo. Seus principais efeitos indesejáveis são: a hipoglicemia e o ganho de peso.
Outros secretagogos utilizados são a repaglinidas e a nateglinidas, que também
estimulam a secreção de insulina ao se ligarem a diferentes locais do rSUR 1. Diferem das
sulfuniluréias pelo seu efeito estimulatório mais rápido da secreção de insulina e duração de sua
ação mais curta, permitindo desta forma a melhor correção das incursões glicemicas pós-
prandiais e evitando os episódios hipoglicêmicos no período pós-absortivo.
O emprego de cada uma destas drogas pode ser feito como monoterapia ou como
terapia combinada com dois ou mais agentes orais ou em combinação com insulina. Estudos
clínicos, utilizando monoterapia, têm demonstrado uma pequena variabilidade de eficácia. Na
maioria dos estudos observou-se uma redução dos níveis de HBA1c, que variaram entre 0.5 e
2.0 pontos percentuais. A indicação de cada destes agentes deverá, portanto, levar em conta o
tempo de doença e características fisiopatológicas individuais. Pacientes que já apresentem um
deficiência acentuada de sua capacidade secretória pancreática de insulina deverão tratados
com insulina exógena.

As provas de função renal e as provas de função hepática apresentam muitos problemas


em comum. Tanto no rim quanto no fígado, verifica-se a coexistência de uma multiplicidade de
sistemas enzimáticos e de transporte — alguns relacionados e outros separados do ponto de
vista espacial e fisiológico. Os processos que ocorrem em uma parte do néfron podem ou não 76
afetar diretamente os de outros segmentos. A exemplo do fígado, o rim não desempenha um
único papel, mas exerce inúmeras funções, que podem ou não ser afetadas num determinado
processo patológico. Ao avaliar a capacidade de executar essas funções individuais, consegue-
se obter informações anatômicas e fisiológicas. lnfelizmente, as provas disponíveis no laboratório
clínico são poucas e grosseiras quando comparadas com a delicada rede de sistemas em ação.
Com freqüência, é difícil isolar funções individuais sem recorrer a uma série complicada de
pesquisas, sendo ainda mais difícil diferenciar entre lesão localizada e generalizada, entre
disfunção temporária e permanente e, por fim, entre distúrbios primários e secundários. Só
podemos medir aquilo que passa pelo rim e aquilo que sai dele. Os processos que ocorrem no
seu interior são também importantes, porém devem ser deduzidos através de meios indiretos.
Um dos grandes problemas decorrentes desta situação consiste na incapacidade das provas de
função de revelar a etiologia do distúrbio. De fato, a única informação obtida é a presença ou
ausência de certo grau de disfunção, com estimativa aproximada de sua gravidade. Por
conseguinte, só podemos obter informações úteis através do conhecimento da base fisiológica
de cada prova e através de uma cuidadosa correlação com outros dados clínicos e laboratoriais.
As provas de função renal são divididas em três categorias gerais: (1) provas
predominantemente de função glomerular, (2) provas que refletem lesão glomerular ou tubular
grave (ou ambas) e (3) provas de função predominantemente tubular.
30 PROVAS PREDOMINANTEMENTE DE FUNÇÃO GLOMERULAR

Provas de Depuração

A depuração (clearance) é um conceito teórico, definido como o volume de plasma a


partir do qual uma determinada quantidade de substância pode ser totalmente eliminada 77
(depurada) na urina por unidade de tempo. Este processo depende da concentração plasmática
e da taxa excretória que, por sua vez, envolvem a taxa de filtração glomerular (TFG) e o fluxo
plasmático renal (FPR). Em geral, as provas de depuração constituem o melhor método
disponível para estimar a presença de lesão glomerular difusa de grau leve a moderado (por
exemplo, glomerulonefrite aguda [GNA]). Os níveis séricos de uréia ou de creatinina só
respondem a presença de doença renal extensa. A depuração renal é estimada pela formula
UV/P, onde U é a concentração urinária da substância depurada (em mg/100 ml); V, a taxa de
fluxo urinária (em ml/minuto); e P, a concentração plasmática ou sérica da substância depurada
(em mg/100 ml). Cada uma dessas três variáveis na equação pode ser influenciada, individual ou
coletivamente, por condições extra- e intra-renais, com conseqüente alteração do resultado da
depuração (discutido adiante com mais detalhes).

Depuração da uréia

A uréia é um produto de degradação contendo nitrogênio, proveniente do metabolismo


das proteínas, formada no fígado a partir da amônia (derivada predominantemente do
metabolismo das proteínas pelas bactérias intestinais) e a partir de vários aminoácidos dos quais
o mais importante é alanina. A uréia é filtrada no glomérulo, porém cerca de 40% são
reabsorvidos nos túbulos por difusão retrógrada passiva. Por conseguinte, em condições
normais, os valores de depuração da uréia mostram-se paralelos a TFG verdadeira,
correspondendo a cerca de 60% desta última. Todavia, esta situação pode ser adversamente
influenciada por dois fatores. Em primeiro lugar, a prova depende da velocidade do fluxo urinário.
Na presença de fluxo urinário baixo (<2 ml/min), os valores são muito imprecisos, mesmo
quando são utilizadas certas fórmulas de correção. Em segundo lugar. Os níveis sangüíneos de
uréia modificam-se em certo grau durante o dia e variam de acordo com a dieta e outras
condições.
Depuração da creatinina

A creatinina é um produto metabólico da fosforilação da creatinafosfato no músculo. A


sua produção é relativamente (ainda que não totalmente) constante de hora em hora e
diariamente, e os níveis sangüíneos são muito estáveis. A excreção é feita através de uma
combinação de filtração glomerular (70-80%) e secreção tubular. Em geral, exibe paralelismo de
±10% com a TFG verdadeira (todavia, pode ultrapassar em 10-40% os valores de depuração da 78
insulina, mesmo em indivíduos normais). Na presença de baixas taxas de filtração (<30% do
normal) os valores de depuração da creatinina tornam-se cada vez mais imprecisos, uma vez
que a fração tubular secretada constitui uma maior proporção da creatinina urinária total
(representando, por vezes, até 60% da creatinina urinária na insuficiência renal grave). A
depuração da creatinina tem uma vantagem sobre a da uréia, em virtude de a taxa de produção
de creatinina ser mais constante do que a da uréia. Como o valor sérico faz parte da fórmula de
depuração, a ocorrência de menor flutuação no nível sérico permite colheitas de urina a
intervalos maiores, além de fornecer resultados mais reproduzíveis. Além disso, verifica-se uma
menor alteração da excreção de creatinina do que de uréia. Considerações teóricas e clínicas
mostraram que a depuração da creatinina constitui uma melhor estimativa da TFG do que a
depuração da uréia. Por conseguinte, a depuração da creatinina substituiu a da uréia na maioria
dos laboratórios.
A depuração da creatinina apresenta certas desvantagens. Os limites de referência (90-
120 ml/min) foram estabelecidos para adultos jovens. Foi constatado que a TFG diminui com a
idade, um registro indica a ocorrência de uma redução de quatro ml/min para cada década
depois dos 20 anos de idade. Diversos estudos constataram uma depuração de creatinina baixa
da ordem de 50 ml/min, em pessoas idosas clinicamente sadias, enquanto um estudo forneceu
valores situados entre 40 e 70% do normal. A produção e a excreção de creatinina também
diminuem com a idade, embora o nível sérico geralmente permaneça dentro dos limites de
referência da população. A aplicação de valores normais relacionados com a idade depende de
estas alterações serem consideradas fisiológicas (devido a sua ocorrência freqüente na
população) ou patológicas (por serem mais provavelmente devidas a nefrosclerose arteriolar
renal). A depuração de creatinina é influenciada por diversos fatores não-renais. Todas as
provas de depuração apresentam um grande problema em comum: a necessidade de colheitas
de urina exatamente cronometradas, sem nenhuma perda de urina durante o período de
colheita. A colheita de urina incompleta geralmente resulta em falsa diminuição dos valores
aparentes de depuração. Outro fator a ser considerado é a origem muscular da creatinina sérica
e, por conseguinte, a dependência da massa muscular, que pode variar de modo considerável
em diferentes indivíduos. A reduçäo da muscular (com a que se observa no indivíduo idoso, em
pacientes com insuficiência renal crônica ou em pessoas desnutridas) pode resultar em
diminuição dos valores aparentes de depuração. Este processo exagera qualquer diminuição
devida a uma redução da filtração glomerular. Por outro lado, a ingestão de carne em quantidade
suficientemente grande pode aumentar potencialmente o nível sérico de creatinina e diminuir a 79
sua depuração. Por fim, existem variáveis laboratoriais. Certas substâncias (como, por exemplo,
cetonas) podem interferir no ensaio bioquímico de Jaffe amplamente utilizado para a creatinina.
Os métodos cinéticos de picrato alcalino (utilizados em muitos instrumentos químicos
automáticos) e os métodos enzimáticos para determinação da creatinina produzem níveis
séricos de creatinina cerca de 2,0 mg/100 ml (176,8 umol/l) inferiores ao método de Jaffe mais
inespecífico. Nos indivíduos normais, o usa desses métodos de ensaio resulta em valores de
depuração 20-30 ml/min maiores do que as obtidos quando se utiliza o método de ensaio da
creatinina de Jaffe. Qualquer que seja o método utilizado, a variação diária na dosagem da
mesma amostra de creatinina produz, na maioria dos laboratórios, diferenças de 15-20% nos
resultados (representando ± 2 desvio padrão do valor médio). A variação na determinação
repetida da depuração de creatinina é de cerca de 20-25% (faixa: 20-34%). Além disso, quando
a depuração da creatinina cai para valores muito baixos (por exemplo, inferiores a 20 ml/min), os
valores tomam-se inexatos, de modo que a interpretação torna-se muito difícil. Para concluir, a
depuração da creatinina fornece uma estimativa útil da TFG, embora existam problemas na
colheita, na sua determinação e na fisiologia corporal (normal ou induzida por doença), podendo
produzir resultados inexatos.
O tempo de colheita padrão da urina para a depuração da creatinina é de 24 h. Vários
registros indicam que um período de colheita de 2h fornece resultados que se correlacionam
razoavelmente com os obtidos utilizando a colheita de 24 h. A colheita de 2 h deve ser efetuada
nas primeiras horas da manhã, com o paciente em jejum, devido a um aumento pós-prandial de
10-40% nos níveis sangüíneos e urinários de creatinina.
Alguns investigadores acreditam que os resultados da depuração de creatinina são mais
exatos se o peso, a área superficial e a idade do paciente ou alguma combinação dessas
variáveis forem incluídos na computação dos dados de depuração. A seguir, apresentamos urna
formula de correção quase sempre utilizada:
Depuração de creatinina corrigida = Depuração da creatinina medida x 1,73 : área
superficial do paciente (em metros quadrados)
Foram publicados vários nomogramas e fórmulas baseando-se apenas nos níveis
séricos de creatinina e em algumas das variáveis supracitadas, a fim de prever a depuração da
creatinina sem a necessidade de colheita de urina. Todavia, todas estas formulas supõem que a
função renal do paciente esteja estável. Nenhuma delas foi amplamente aceita ate o presente
momento. A fórmula de Gault e Cockcroft parece ser razoavelmente simples e bastante segura: 80
Depuração de creatinina (ml/min) para homens = (140 — idade [em anos]) x (peso [kg]) :
72 x creatinina sérica (mg/100 ml)
Os valores de depuração para mulheres, quando determinados com esta fórmula, são de
90% dos valores obtidos para homens. Todas as fórmulas de previsão fornecem alguns resulta-
dos que divergem dos valores das depurações medidas.
A depuração da creatinina tem sido considerada uma das provas mais sensíveis
disponíveis para indicar a presença de insuficiência renal, devido a rápida queda da depuração
para valores baixos. Todavia, muitas condições também produzem uma queda da depuração da
creatinina, e, se a depuração já estiver diminuída, será difícil interpretar qualquer redução
adicional dos valores. Poderíamos obter informações mais úteis se soubéssemos que a
depuração estava normal ou quase normal antes da realização do teste. Uma das principais
desvantagens da falta de especificidade da diminuição dos valores de depuração, que não pode
ser utilizada para diferenciar as etiologias envolvidas.
As determinações da depuração de creatinina são mais comumente utilizadas em três
situações: (1) na GNA, para acompanhar a evolução clínica e como parâmetro da resposta
terapêutica; (2) para demonstrar a presença de doença estritamente glomerular aguda, em
contraste com lesões estruturais crônicas mais difusas; e (3) como medida do comprometimento
funcional g1obal dos rins. Na GNA, verifica-se quase sempre uma redução da TFG em
conseqüência de comprometimento glomerular primário. Nesta situação, os testes de depuração
têm sido utilizados para avaliar o tempo durante o qual é necessário o repouso ao leito, bem
como a administração de outra terapia. Todavia, a velocidade de hemossedimentação (VHS)
fornece a mesma informação de uma maneira menos dispendiosa, mais simples e,
provavelmente, mais sensível. Por conseguinte, a VHS parece constituir o método preferível na
maioria dos casos. Quanto a segunda categoria, não é tão fácil demonstrar a presença de
doença estritamente glomerular, visto que muitas doenças reduzem o fluxo sangüíneo renal e,
portanto, a TFG. Além disso, alguns pacientes com GNA podem apresentar certo grau de lesão
tubular. Uma situação em que os testes de depuração da creatinina podem ser utilizados de
modo satisfatório para o diagnóstico consiste no raro caso de urna pessoa jovem com hematúria
macroscópica súbita, na ausência de dados laboratoriais ou clínicos convincentes de GNA.
Como se espera obter um valor normal de depuração no indivíduo jovem, a observação de urna
taxa reduzida de depuração da creatinina pode constituir uma certa evidência a favor da nefrite.

81
31 PROVAS QUE REFLETEM LESAO GLOMERULAR GRAVE, LESAO TUBULAR OU
AMBAS

Nitrogênio Uréico do Sangue

82
O nitrogênio uréico do sangue (uremia) é, na realidade, determinado mais no soro do
que no sangue total e pode ser dosado na urina. A uréia pode ser dosada através de métodos
bioquímicos ou enzimáticos (com a enzima específica urease). Poucas substâncias interferem
significativamente com ambos os métodos.
Conforme assinalado anteriormente, a uréia é produzida no fígado e excretada pelos
rins. Quando o rim é incapaz de depurar suficientemente a uréia, ela se acumula no sangue. Por
conseguinte, na presença de função hepática razoável, a determinação da uréia fornece uma
estimativa da função renal. A elevação dos níveis de uréia é também conhecida como uremia.
Todavia, os níveis elevados de uréia não são específicos de doença renal intrínseca. Podem
ocorrer níveis sangüíneos elevados de uréia devido a quantidades excessivas de uréia
apresentadas aos rins; diminuição do fluxo sangüíneo renal, impedindo a filtração glomerular
adequada; presença de doença renal intrínseca, que afeta a função glomerular ou tubular;
obstrução urinária, que resulta na interferência da remoção da uréia devido a pressão
retrógrada. Por conseguinte, em alguns tipos de uremia, o rim não está estruturalmente afetado,
e a uremia 6 transitória. Em outros pacientes com uremia, a lesão do parênquima renal constitui
a causa primária; nesta situação, a reversibilidade do aumento da uréia ira depender da
capacidade do rim de recuperar um grau suficiente de função. Os níveis de uréia podem estar
diminuídos abaixo dos níveis esperados na hepatopatia grave (produção insuficiente) e, por
vezes, no final da gravidez.

A seguir, apresentamos urna classificação da uremia base a da na etiologia. A uremia é


subdividida em uremia primariamente devida a níveis aumentados de urdia ou a uma redução do
fluxo sangüíneo (pré-renal), doença renal intrínseca ou obstrução pós-renal.
UREMIA PRÉ-RENAL

1. Choque traumático (lesão craniana hipotensão pós-cirúrgica)


2. Choque hemorrágico (varizes, úlcera, hemorragia pós-parto etc.)
3. Desidratação grave ou perda de eletrólitos (vômitos intensos, diarréia, acidose
diabética, doença de Addison)
4. Descompensação cardíaca aguda (sobretudo após infarto do miocárdio extenso) 83
5. Infecções maciças ou toxemia
6. Ingestão excessiva de proteínas ou degradação protéica extensa (em geral,
outros fatores também estão envolvidos, como perda funcional subclínica em conseqüência
da velhice)

UREMIA RENAL

1. Doença renal bilateral difusa e crônica ou lesão renal bilateral grave (por
exemplo, glomerulonefrite crônica ou pielonefrite bilateral crônica)
2. Necrose tubular aguda (lesão glomerular ou tubular [ou ambas], devido a
hipotensão ou choque, com insuficiência renal aguda, rabdomiólise traumática ou não-
traumática, transfusões ou reações alérgicas. Certos venenos e precipitação de cristais de
ácido úrico ou de sulfa nos túbulos renais)
3. Lesão glomerular aguda grave (por exemplo, GNA)

UREMIA PÓS-RENAL (OBSTRUÇÃO)

1. Obstrução ureteral ou uretral por estreitamentos, cálculos, compressão externa,


tumores pélvicos etc.
2. Tumores da bexiga que causa obstruções; defeitos congênitos na bexiga ou
uretra.
3. Obstrução prostática (tumor ou hipertrofia benigna; causa muito comum em
homens idosos).
As etiologias da uremia pré-renal podem ser divididas em duas categorias principais:
(1) redução do volume sangüíneo ou da circulação renal e (2) aumento na ingestão de proteína
ou no catabolismo protéico endógeno.
Na uremia devida ao excesso de proteínas, algumas das situações clínicas mais comuns
incluem: alimentação por sonda com alto teor de proteínas ou hemorragia do trato gastrintestinal
(GI) (em que a proteína é absorvida do trato GI); dieta pobre em calorias (como, por exemplo,
em pacientes que recebem líquidos intravenosos [IV], resultando em catabolismo das proteínas 84
endógenas); e terapia com esteróides córtico-supra-renais (uma vez que estas substâncias
exercem ação catabólica).
Na redução do fluxo sangüíneo renal, as etiologias incluem: déficit do volume sanguíneo
incapacidade cardíaca de bombear sangue suficiente ou efeitos tóxicos sobre os vasos
sangüíneos. É preciso salientar que a redução do fluxo sangüíneo renal pode produzir uremia
pré-renal sem lesão renal estrutural, embora também possa provocar lesão renal aguda grave
(insuficiência renal aguda, também denominada necrose tubular aguda).
A doença renal primária pode produzir uremia devido a condições destrutivas
primariamente glomerulares ou tubulares ou a destruição difusa do parênquima. Raramente
ocorre lesão glomerular a ponto de produzir uremia grave (5-10% dos casos de GNA), sem
qualquer efeito sobre os túbulos, e vice-versa. Por conseguinte, é preciso correlacionar a uréia
com outros achados clínicos antes de poder interpretar o seu significado. As manifestações
terminais da doença renal crônica não apresentam nenhuma distinção etiológica, e é de suma
importância excluir doenças tratáveis que podem simular o quadro laboratorial ou clínico
urêmico. A na urina (débito urinário <100 ml/24 h) sugere sempre obstrução urinária.
Verifica-se a ocorrência de uremia terminal, algumas vezes para níveis urêmicos nas
últimas horas ou dias numa proporção significativa de pacientes gravemente enfermos,
portadores de diversas doenças, incluindo câncer. Com freqüência, não se detecta nenhuma
causa clínica ou patológica, mesmo a nível microscópico. A densidade da urina pode estar
relativamente boa.

Creatinina Sérica

Conforme descrito anteriormente, a creatinina sérica provém do metabolismo muscular.


Os níveis séricos de creatinina dependem da massa muscular corporal: quanto major a massa
muscular, mais elevado o nível de creatinina tanto no soro quanto na urina. Os valores de
creatinina aumentam após as refeições observando-se elevações maiores (20-50%) após a
ingestão de carne. Existe uma variação diurna, com valores mais baixos em torno das 7 h e
picos em torno de 19 h. Os valores no final da tarde são cerca de 20-40% superiores aos da
manhã. Parte da variação observada pode estar relacionada com as refeições. Os valores de
referência para mulheres correspondem a cerca de 90% dos valores para homens.
Em condições normais, a relação uréia/creatinina sérica é de aproximadamente 10:1. 85
Em condições padrões, a ocorrência de uma redução de 50% na TFG produz um aumento
aproximado de duas vezes no nível de uréia ou de creatinina sérica, verificando-se a situação
inversa quando a TFG está elevada. Todavia, estas relações podem ser alteradas por muitos
fatores, incluindo os que aumentam ou diminuem os níveis séricos de uréia ou de creatinina,
sem afetar um ao outro. As condições que reduzem a produção de creatinina (diminuição
relacionada com a idade, perda muscular e dieta pobre em carne) podem, parcialmente,
mascarar a elevação do nível sérico de creatinina devida a doença renal. O nível sérico de
creatinina possui quase o mesmo significado da uréia, porém tende a aumentar mais tarde. Por
conseguinte, a observação de elevações significativas da creatinina sugere cronicidade, sem
contudo ser diagnóstica.
Metodologia laboratorial A creatinina é mais freqüentemente determinada por um
método químico (reação de Jaffe) que inclui cerca de 20% de substâncias diferentes da
creatinina. A elevação das cetonas e certos antibióticos do grupo das cefalosporinas (cefalotina,
cefoxitina, cefazolina, cefalexina, cefaclor, cefradina) podem produzir elevações falsas da
creatinina no soro ou na urina quando se utiliza reação de Jaffe. Na atualidade, dispõe-se de
vários métodos enzimáticos para a dosagem da creatinina que são específicos e produzem
valores de creatinina inferiores e resultados de depuração superiores aos obtidos com a reação
de Jaffe. Certos medicamentos (cimetidina, probenecida, trimetropim) interferem na secreção
tubular da creatinina, aumentando o nível sérico desta e reduzindo sua depuração.

Resumo das Provas de Função Glomerular

A depuração, como medida de comprometimento da função renal global, fornece


aproximadamente a mesma informação obtida com a fenolsulfonaftaleína (FSF), tendo na prática
substituído em grande parte esta prova. As provas de depuração mostram-se confiáveis na
detecção de doença renal difusa de grau leve a moderado; todavia, dependem de uma colheita
completa das amostras e do registro exato do momento em que estas amostras foram obtidas,
pressupondo um fluxo sangüíneo renal adequado. Se o paciente tiver incontinência urinária,
deve-se recorrer a um curto período de colheita ou a um cateter, ou a alguma outra prova.
Naturalmente, Se já existir um cateter de Foley, não haverá nenhum problema. Em geral, toma-se
o valor de depuração situado entre os 60 e 80% do normal para indicar a presença de leve
comprometimento difuso da função renal. Os valores situados entre 40 e 60% do normal 86
representam uma diminuição moderada, enquanto os valores entre 20 e 40% do normal são
considerados um indicador de grave comprometimento da função renal, uma vez que cerca da
metade dos pacientes nesse grupo também apresenta níveis elevados de uréia. A maioria (se
não todas) das causas de elevação da uréia também resulta em considerável diminuição da
depuração de creatinina. Quando o nível sérico de creatinina está elevado além da uréia, pode-se
prever com razoável segurança uma taxa de depuração de creatinina de menos de 40 ml/min (e,
em geral, <25 ml/mm) (Fig. 13.1). Por conseguinte, enquanto a uréia estiver significativamente
elevada (exceto em casos excepcionais, quando a elevação da uréia é devida a uma carga
aumentada de proteína). sobretudo se a uremia for acompanhada de níveis séricos elevados de
creatinina, as provas de depuração geralmente não fornecem informações adicionais.
Surge por vezes a questão de estabelecer a necessidade de determinar o valor da urdia
e o nível sérico de creatinina para a triagem da redução da função renal. Em 130 pacientes
consecutivos com elevação do valor da uréia ou do nível de creatinina por ocasião de sua
admissão em nosso hospital, 47% apresentaram elevação de ambos os níveis, 38% só exibiram
elevação da uréia e 15% só apresentaram aumento dos níveis de creatinina.
No caso clássico da doença renal bilateral difusa e crônica, a primeira anormalidade
demonstrável consiste numa redução da capacidade de concentração urinária na prova de
concentração. A medida que a doença progride, a depuração da creatinina torna-se reduzida. A
seguir, a densidade toma-se fixa e verifica-se uma considerável redução na depuração de
creatinina. Por fim, a depuração torna-se acentuadamente diminuída, e o nível de urdia começa
a aumentar, seguido em pouco tempo pelo nível de creatinina sérica.
Surge por vezes a questão de saber o possível grau de elevação da uréia dentro de um
curto período de tempo. Em um estudo, a elevação diária após o início de insuficiência renal
aguda variou de 10 a 50 mg/l00 ml (3,5 a 18 mmol/l) durante a primeira semana, com elevação
diária média de 25 mg/l00 ml (9 mmol/1). Depois da primeira semana, verificou-se tendência a
um menor grau de elevação.
32 PROVAS DE FUNÇÃO PREDOMINANTEMENTE TUBULAR

Incluem densidade, osmolalidade, excreção urinária de eletrólitos, prova de depuração


de água livre e certas substâncias secretadas pelos túbulos renais.
87

Excreção de Fenolsulfoftaleína (PSP)

A fenolsulfoftaleína é excretada principalmente pelos túbulos renais. Em geral, Os


resultados fornecem aproximadamente a mesma informação clínica da taxa de depuração da
creatinina, uma vez que tanto a disfunção glomerular quanto a tubular costumam ocorrer
concomitantemente na lesão renal aguda e crônica. As provas de função da creatinina parecem
ter substituído, em grande parte, as provas de PSP no número relativamente pequeno de
situações em que há necessidade deste tipo de informação.

Densidade

A densidade é importante na avaliação da doença parenquimatosa difusa crônica


(glomerulonefrite crônica, pielonefrite crônica etc.). A medida que estas condições progridem, a
capacidade tubular de concentrar a urina quase sempre é afetada num estágio relativamente
inicial, diminuindo lentamente ate que a urina tenha a mesma densidade do ultrafiltrado do
plasma. Isto é 1,010. Este processo ocorre geralmente, mas nem sempre, antes da
descompensação renal final. Para que as provas de concentração sejam exatas, o paciente não
deve ingerir água durante longo período de tempo, a fim de excluir qualquer influência de
ingestão anterior. A prova habitual deve ser efetuada durante 16-17 h. Se o indivIduo tiver
recebido anteriormente líquidos, pode ser necessário um maior período de tempo. Este prazo
pode ser impossível em pacientes com cardiopatia, bem como em pacientes com insuficiência
renal, indivíduos idosos ou pessoas com distúrbios eletrolíticos. Nas condições da prova,o
indivíduo médio deve ter uma densidade urinária superior a 1 ,025:e. pelo menos, de 1,020. As
provas de concentração também estão alteradas em pacientes com diabetes insípido, na fase
diurética da necrose tubular aguda e, em certas ocasiões, no hipertireoidismo, em dietas com
restrição estrita de sal e na anemia falciforme. Estas condições podem resultar em incapacidade
de concentrar a urina na ausência de lesão tubular renal reversível. Dez gramas de proteína por
litro elevam a densidade de 0,003; a glicose a 1% eleva a densidade de 0,004. Além disso, os
meios de contraste radiopacos utilizados em pielogramas IV (PIV) aumentam consideravelmente 88
a densidade urinária, e este efeito pode persistir por um a dois dias. A capacidade comprovada
de concentrar a urina não exclui muitos tipos de doença renal ativa, e tampouco ausência desta
capacidade significa necessariamente uma insuficiência renal iminente. Todavia, a capacidade
normal de concentração constitui decididamente uma evidência contra o diagnóstico de doença
renal difusa crônica e grave. Uma manifestação relativamente precoce da doença renal bilateral
difusa crônica consiste no comprometimento da capacidade de concentração (na prova de
concentração), que se torna evidente antes do aparecimento de alterações em outras provas de
função. (Isso se refere ao comprometimento inicial, e não a fixação da densidade.)
Do ponto de vista clinico, a fixação da densidade manifesta-se, em geral, por nictúria e
redução na relação dia/noite da excreção urinária (normalmente de 3:1 ou 4: l) para 1:1. Devem-
se considerar outras causas: diabetes melito e insípido hiperparatireoidismo, síndrome de
acidose renal, insuficiência cardíaca congestiva inicial e, em certas ocasião hipertireoidismo. A
verdadeira nictúria ou poliúria deve ser distinguida da urgência, incontinência ou enurese.
Um dos progressos efetuados no método padrão de concentração consiste em substituir
a privação de água por uma injeção única de tanato de vasopressina (Tanato de Pitressina em
Óleo). São administradas 5 unidades desta preparação de ação prolongada por via intramuscular
no final da tarde; a seguir, são efetuadas colheitas de urina para densidade pela manhã e,
posteriormente, duas vezes a intervalos de 3 h. Este método possui o risco de uma possível
intoxicação hídrica em certos pacientes que recebem quantidades significativas de líquidos e
que, devido a pitressina, são temporariamente incapazes de excretar grande parte deste líquido
(como, por exemplo, os lactentes que recebem urna dieta líquida).

A urina na temperatura do refrigerador pode apresentar uma densidade


falsamente diminuída. Os urodensímetros do tipo com bulbo flutuante exibem uma
alteração da densidade de 0,001 para cada 3°C acima ou abaixo da temperatura de
calibração indicada para o instrumento. O refratômetro também pode ser afetado fora da
faixa de temperatura de 16-38°C.

Osmolalidade

Outra maneira de obter a mesma informação sobre a capacidade de concentração renal 89


consiste em medir a osmolalidade urinária (algumas vezes designada incorretamente pelo termo
de osmolaridade) em lugar da densidade convencional. A osmolalidade é uma medida da forca
osmótica ou do número de partículas ou íons osmoticamente ativos presentes por unidade de
solução. A densidade é definida como o peso ou a densidade por unidade de volume de solução
em comparação com a água. Como o número de moléculas existentes numa solução constitui o
principal determinante de seu peso, é óbvio que existe urna relação entre osmolalidade e
densidade. Como o grau de dissociação iônica é muito importante na osmolalidade, mas não na
densidade, os valores de ambas para a mesma solução nem sempre podem exibir urna estreita
correspondência. A base racional para o uso da osmolalidade urinária reside no fato de a
densidade representar uma observação bastante empírica e não medir a verdadeira capacidade
do rim de concentrar eletrólitos ou outras moléculas em relação a concentração plasmática. Além
disso, certas substâncias possuem pesos moleculares relativamente grandes e tendem a afetar
desproporcionalmente a densidade. A quantidade de água presente pode variar e influenciar os
resultados, mesmo nas provas de concentração.
A osmolalidade é definida em termos de miliosmoles (mOsm) por quilograma de solução.
Pode ser facilmente medida de modo exato ao determinar a depressão do ponto de
congelamento de uma amostra numa máquina especial. (Nos líquidos biológicos, como o soro ou
a urina, a água e responsável por quase todo o peso da amostra; como a água pesa 1 g/ml. a
osmolalidade pode ser clinicamente estimada por valores expressos em miliosmoles por litro, em
vez de quilograma.) Os valores normais da osmolalidade urinária depois de uma prova de
desidratação de 14 h são de 800-1.300 mOsm/l. A precisão da maioria dos osmômetros é de
menos 5 mOsm, de modo que os resultados tem uma aura de exatidão científica que falta no
método relativamente grosseiro da densidade. Infelizmente, a obtenção de um número bastante
preciso e a capacidade de utilizá-lo clinicamente podem constituir duas situações diferentes.
Sem qualquer correlação com a situação clínica, a osmolalidade tem pouco significado, a
exemplo da densidade. Na maioria das situações, a osmolalidade e a densidade da uma tem
aproximadamente o mesmo significado. Ambas variam e dependem da quantidade de água
excretada com as substâncias sólidas na urina. Todavia, em alguns casos - como, por exemplo,
quando a densidade permanece fixa em 1,010—, a osmolalidade urinária após desidratação
pode ainda ser maior que a osmolalidade sérica, sugerindo que se trata de unia determinação
mais sensível. Além disso, a osmolalidade urinária não necessita de nenhuma correção para
glicosúria, proteinúria ou temperatura da urina. Por exemplo, a presença de 200 mg/100 ml de
glicose aumenta a osmolalidade urinária de cerca de 11 mOsm/1. Este grau de alteração é 90
insignificante na urina, urna vez que a osmolalidade urinária em indivíduos normais pode variar
entre 50 e 1.200 mOsm/1 (dependendo do grau de hidratação). Todavia, a adição da mesma
quantidade de glicose (isto é, 200 mg) ao sangue pode aumentar significativamente a
osmolalidade sérica, que, em condições normais, varia de apenas 275 a 300 mOsm/l.

Pielograma Intravenoso (PIV)

O pielograma intravenoso é uma técnica radiológica cuja finalidade é delinear as vias


urinárias superiores e inferiores. Utiliza meios de contraste iodados que, em sua maior pane, são
secretados pelos túbulos. Para que possam aparecer radiograficamente, Os meios de contraste
secretados também devem ser concentrados. Por conseguinte é além de delinear os cálices e o
trato urinário e revelar a presença de obstrução pós-renal, o PIV também fornece algumas
informações sobre a capacidade de concentração renal ou a capacidade de excretar o corante—
isto é, duas funções tubulares. Em geral, a função renal não é suficiente para r visualização se a
uréia for superior a 50 mg/l00 ml (18 mmol/l), quando se utiliza a técnica de PIV comum (padrão).
Pode-se recorrer aos métodos de PIV com infusão por gotejamento na presença de níveis mais
elevados de uréia; todavia, esses métodos não são rotineiros e, em geral, devem ser
especificamente solicitados. Com freqüência, as técnicas radioisotópicas que utilizam a câmara
de cintilação tem a capacidade de demonstrar os rins, quando o PIV é incapaz de faze-lo.

Excreção de Eletrólitos

A excreção urinária de eletrólitos pode ser utilizada como prova de função renal. Em
condições normais, o rim é muito eficiente na sua capacidade de reabsorver o sódio urinário que
é filtrado no glomérulo.Na presença de lesão renal bilateral difusa e grave (aguda ou crônica), a
capacidade do rim de reabsorver sódio encontra-se prejudicada, de modo que a excreção renal
de sódio torna-se fixa e situada entre 30 e 9OmEq/b (mmol/l).Enquanto a excreção renal de
cloreto permanece fixa entre 30 e 100 mEq/l. As concentrações urinárias de sódio ou de cloreto
de mais de 15 mEq/l acima ou abaixo destes limites constituem uma evidência contra a necrose
tubular aguda ou a insuficiência renal, uma vez que sugerem a presença de certa capacidade de
excreção ou reabsorção tubular renal. Verifica-se uma considerável sobreposição entre uremia 91
pré-renal e necrose tubular aguda na região entre 15 e 40 mEq/1 para o sódio urinário. A
excreção urinária de sódio deve ser inferior a 15 mEq/l para ser razoavelmente diagnóstica de
uremia pré-renal. E mais difícil interpretar valores situados entre 40 e 105 mEq/l, visto que
podem ocorrer tanto normalmente quanto na presença de insuficiência renal, dependendo do
equilíbrio corporal do sódio. Na presença de hiponatremia, a avaliação torna-se muito mais fácil.
A hiponatremia impele o rim a reabsorver maior número de íons sódio, resultando normalmente
numa queda do nível urinário de sódio para menos de 15 mEq/l. Na presença de hiponatremia, o
nível urinário de sódio na faixa de 40-90 mEq/l sugere fortemente insuficiência renal. Uma das
principais dificuldades consiste no uso freqüente de diuréticos em pacientes com possíveis
problemas renais, uma vez que estes medicamentos modificam os padrões renais normais de
eletrólitos, podendo aumentar a excreção urinária de sódio acima do esperado na hiponatremia.
Embora possa ser útil, a excreção urinária de sódio não é mais considerada a prova mais
confiável ou de maior utilidade para diferencia na uremia pré-renal da insuficiência renal.

Prova de Depuração de Água Livre

A depuração de água livre baseia-se na função tubular renal que envolve a reabsorção
de líquidos e eletrólitos, com formação de água livre. Esta atividade é uma das últimas funções
renais a serem perdidas. Quando não pode mais ocorrer reabsorção de água, a excreção de
água livre aumenta. Pode-se utilizar a prova de depuração de água livre para demonstrar a
capacidade de concentração renal ao calcular a depuração de partículas osmoticamente ativas
(influenciada pelo conteúdo de eletrólitos e água livre na urina) e ao relacioná-la com a
velocidade do fluxo urinário para obter a fração de água livre excretada.
A faixa de referência para a prova de depuração de água livre é de –20 a –100. Na
necrose tubular aguda ou na insuficiência renal crônica, os valores geralmente aproximam-se de
zero ou são positivos. Todavia, certas outras condições podem produzir valores semelhantes,
incluindo excreção de água em excesso em pessoas com baixa osmolalidade sérica e diurese
em pacientes com osmolalidade sérica e diurese em pacientes com osmolalidade sérica normal
induzida por vários fatores, como diuréticos. Todavia, o valor produzido da depuração de água
livre geralmente não persiste por mais de 24 horas nessas condições, porém o faz em pacientes
com lesão renal grave. A depuração de água livre constitui a prova de função renal de maior
utilidade para diferenciar a uremia pré-renal da insuficiência renal. As principais desvantagens 92
incluem a necessidade de colheitas de urina em horas exatas e a interferência dos diuréticos.

Fração de sódio excretada (FENa) ou Fração filtrada de sódio

Vários registros indicam que os pacientes com uremia pré-renal tendem a reabsorver
mais sódio urinário após filtração glomerular do que os pacientes com lesão renal intrínseca
grave, como necrose tubular aguda ou insuficiência renal crônica. A fórmula utilizada é:

FENa = Na urinário x creatinina sérica x 100 : Na sérico x creatinina urinária

O nível normal ou de uremia pré-renal é considerado inferior a 2,0. Os diuréticos podem


inibir a reabsorção de sódio e produzir valores falsamente elevados.

Outras provas

Foram sugeridas duas substâncias como marcadores da função tubular renal. A N-acetil-
beta-D-glicosaminidase (NAG) é uma enzima demasiado grande para ser filtrada pelos
glomérulos, sendo encontrada em altas concentrações no epitélio tubular proximal renal. O
aumento na excreção urinária de NAG indica a sua liberação pelas células tubulares renais e
sugere a presença de lesão celular tubular renal. Esta informação não diferencia entre lesão
focal e difusa, nem entre comprometimento unilateral e bilateral. Diversas etiologias produzem
lesão tubular renal aguda, como redução do fluxo sanguíneo arterial renal (por exemplo, episódio
de hipotensão produzindo necrose tubular aguda), rejeição de transplante renal e toxicidade
medicamentosa (por exemplo, ciclosporina ou aminoglicosídeos). A dosagem desta enzima tem
sido utilizada, em grande parte, como triagem para rejeição de transplante renal. A observação
de uma elevação pronunciada, apesar de não específica, levanta a possibilidade de rejeição.
Outra substância encontrada apenas nas células tubulares proximais é a proteína de
ligação da adenosina-desaminase (PLA ou ABP). A determinação da ABP também tem sido
altamente utilizada para a detecção de rejeição de transplante renal e apresenta a maioria das
vantagens e desvantagens observadas com a NAG.
Existe uma variedade de técnicas de pesquisa que não são geralmente disponíveis, mas
que podem avaliar uma ou outra das numerosas funções renais, incluindo secreção tubular de
várias substâncias, filtração glomerular de materiais não reabsorvidos e fluxo sanguíneo renal 93
através da depuração de substâncias que são filtradas e secretadas.
33 UREMIA (ELEVAÇÃO DO NÍVEL DE NITROGÊNIO URÉICO DO SANGUE) E
INSUFICIÊNCIA RENAL

Muitos autores utilizam o termo “azotemia” como sinônimo de uremia, embora a uremia
seja uma síndrome que deve ser também definida em termos clínicos. Em geral, o valor de cerca 94
de 100mg/dL para a uréia é considerado como limite para separar a categoria geral das uremias
pré-renais agudas reversíveis dos episódios agudos mais prolongados e das uremias crônicas.
Em geral, trata-se de uma distinção exata, embora exista uma minoria pequena, porém
importante, de casos que não obedecem a esta regra. Assim, alguns pacientes urêmicos
parecem estabilizar-se com níveis mais baixos de uréia até o episódio terminal, enquanto alguns
indivíduos com uremia transitória aguda podem apresentar níveis de uréia em torno de
100mg/dL e, raramente, superiores a 125mg/dL que se normalizam rapidamente após o
tratamento do distúrbio sistêmico primário. É preciso admitir que a uremia pré-renal facilmente
corrigível, com elevação apreciável da uréia, está quase sempre superposta a uma perda da
função ou a uma lesão renal subclínica anterior. Embora a lesão anterior possa não ter sido
grave o suficiente para produzir sintomas, a reserva funcional do rim foi eliminada devido a
alterações causadas pela idade, pielonefrite ou distúrbios semelhantes. Em geral, observa-se o
mesmo processo para a uremia de grau leve (30 a 50mg/dL), que ocorre com desidratação, alta
ingesta de proteínas, insuficiência cardíaca e outras situações importantes, mas não
potencialmente fatais. Após a normalização dos níveis de uréia, a determinação da depuração
de creatinina irá permitir uma avaliação adequada do estado renal do paciente.
O início de oligúria levanta sempre a suspeita de possível insuficiência renal. Durante
muito tempo, a oligúria foi considerada um sinal clínico constante de insuficiência renal aguda
(também denominada necrose tubular aguda); todavia, na atualidade, sabe-se que 30 a 50 %
dos pacientes com insuficiência renal aguda não apresentam oligúria. O volume urinário normal
do adulto é de 500 a 1.600ml/24 horas (depende da ingesta de líquidos). A presença de um
volume de menos de 400ml/24 horas é considerada uma indicação de oligúria se toda a urina
produzida tiver sido realmente colhida. A colheita incompleta ou qualquer perda em torno do
cateter podem dar uma falsa impressão de oligúria. Em certas ocasiões, verifica-se o
desenvolvimento de oligúria e uremia progressiva, tornando-se necessário diferenciar a uremia
pré-renal, que pode ser corrigida ao melhorar a circulação do paciente, da necrose tubular renal
aguda. Este problema é observado com mais freqüência após um episódio hipotensivo ou após
cirurgia.
O diagnóstico diferencial da uremia inclui uremia pré-renal, insuficiência renal aguda
(necrose tubular aguda) e insuficiência renal crônica. Existem duas provas: i fração filtrada de
sódio e a depuração de água livre. Em certas condições, estas duas provas são geralmente
capazes de distinguir a uremia renal da insuficiência renal. Em geral, a elevação do nível sérico
de creatinina e da uréia sugere mais uma insuficiência renal do que uremia pré-renal. Todavia, 95
este aspecto supõe que a elevação da uréia tenha sido detectada numa fase muito precoce após
o seu início. Na maioria das condições, a distinção entre uremia pré-renal e necrose tubular
aguda através do nível sérico de creatinina não é suficientemente confiável. Foram propostas
várias outras provas para a mesma finalidade. Estas provas têm sido consideradas úteis por
alguns investigadores, mas não por outros num número suficiente de casos. Parte desta
diferença de opinião provém dos critérios que cada pesquisador utiliza para diferenciar a uremia
pré-renal da necrose tubular aguda. Em geral, quando os critérios das provas são simplesmente
estruturados para permitir uma melhor separação estatística de todos os casos de uremia pré-
renal e necrose tubular aguda, verifica-se um considerável sobreposição entre os dois grupos.
Quando os critérios são deliberadamente estruturados para separar os casos de uremia pré-
renal ou os casos de necrose tubular aguda e o diagnóstico é apenas estabelecido nos casos
restantes. a prova passa a não ser sensível o suficiente. um bom exemplo é a prova que utiliza a
excreção urinária de sódio. Se for utilizado o ponto-limite de menos de 15 mEq/1 (mmol/l) para o
sódio urinário, a confiabilidade da prova torna-se excelente para excluir a necrose tubular aguda.
Entretanto, um pesquisador verificou que 67% dos pacientes com necrose tubular aguda e 63%
dos pacientes com uremia pré-renal apresentavam valores de sódio urinário situados entre 15 e
40 mEq/l (mmol/l). Por conseguinte, se decidirmos utilizar o valor de menos de 15 mEq/1
(mmol/l) como limite diagnóstico para evitar qualquer sobreposição, excluímos 63% dos casos de
uremia pré-renal deste pesquisador, de modo que a prova torna-se pouco sensível para a uremia
pré-renal, a despeito de sua excelente especificidade obtida ao excluir quase todos os casos de
necrose tubular aguda.
Parte do problema reside no fato de que a necrose tubular aguda pode ser oligúrica ou
não-oligúrica. Alguns critérios de prova, que permitem uma boa separação entre uremia pré-
renal e necrose tubular aguda oligúrica, não se mostram tão adequados para distinguir a uremia
pré-renal da necrose tubular aguda não-oligúrica. Se os pontos-limite da prova forem
reestruturados para incluir a necrose tubular aguda oligúrica e não-oligúrica, a precisão global da
prova pode ser afetada.

Em alguns casos, as provas iniciais indicam que ainda permanece alguma função renal;
todavia, o paciente desenvolve subseqüentemente necrose tubular aguda, devido a progressão
da doença subjacente ou a superposição de algum outro fator.
0 exame de urina pode fornecer informações úteis em pacientes com necrose tubular
aguda. A presença de cilindros hemáticos ou hemoglobínicos sugere glomerulonefrite, 96
endocardite bacteriana subaguda, reação transfusional e doença do colágeno. Os cristais de
ácido úrico podem fornecer uma pista para a nefropatia por ácido úrico. A obtenção de
resultados fortemente positivos nas provas químicas de urina para hemoglobina, na ausência de
números significativos de eritrócitos no exame microscópico, sugere a possibilidade de
mioglobina.
A diferenciação entre necrose tubular aguda e insuficiência renal crônica é
extremamente difícil sem evidência clínica de início agudo. Se o paciente não apresentar níveis
séricos elevados de creatinina, quando examinado pela primeira vez, ou se o ,nível de creatinina
estiver apenas levemente aumentado na ausência de anemia ou de outra evidência de uremia,
existe maior probabilidade de necrose tubular aguda do que de insuficiência renal crônica. As
dificuldades são ainda maiores quando o paciente desenvolve necrose tubular aguda, e surge o
problema de saber se a função renal do paciente pode ser recuperada. Estudos radioisotópicos
com câmara de cintilação podem ser úteis. A observação de captação bilateral deficiente,
trânsito inadequado do córtex para a pelve e redução do fluxo sangüíneo sugere doença renal
difusa crônica. Por outro lado, a captação adequada pelo córtex, o trânsito inadequado do córtex
para a pelve e o fluxo sangüíneo normal indicam mais a presença de necrose tubular aguda ou
de uremia pré-renal. As técnicas isotópicas podem demonstrar uma obstrução pós-renal e quase
sempre são capazes de visualizar os rins quando o PIV falha.

No paciente com uremia crônica, não existe nenhuma maneira satisfatória de


estabelecer o prognóstico através de exames laboratoriais. Na uremia crônica, o grau de uremia
não se correlaciona bem com a evolução clInica, exceto de urna maneira muito geral.

Outros Exames Diagnósticos


A contagem de Addis é utilizado em casos subclínicos suspeitos de glomerulonefrite
crônica, a fim de demonstrar números anormalmente aumentados de hemácias na amostra de
12 h, bem como excreção de cilindros muito pequena para ultrapassar a faixa normal em
exames microscópicos rotineiros de amostras randômicas. Se a amostra de urina randômica
demonstrar a presença de hematúria ou de piúria, e se for possível excluir a possibilidade de
contaminação por cateter ou técnica de colheita limpa, a contagem de Addis não pode fornecer
uma maior contribuição, além de revelar a mesma anormalidade. As contagens de Addis são 97
raramente necessárias com uma boa anamnese e urna avaliação adequada do paciente.
Na atualidade, a biópsia renal é amplamente utilizada. Pode constituir a única maneira
de identificar a doença presente; todavia, deve ser reservada para pacientes cujo tratamento
depende do diagnOstico exato. Utilizando métodos de rotina, é possível estabelecer a categoria
geral na maiona das doenças renais. Devido a natureza randômica da amostra de biópsia renal,
a microscopia óptica revela, com mais freqüência, apenas alterações inespecíficas, que refletem
mais as conseqüências do que a etiologia do processo patológico. Além disso, a biópsia renal d
quase sempre solicitada apenas por razões acadêmicas, e não para finalidades diagnósticas ou
terapêuticas práticas. Nas crianças, as técnicas de microscopia eletrônica e de
imunofluorescência são mais úteis do que a microscopia óptica.
34 O PROBLEMA DA PROTEINURIA

A proteinúria em si não constitui urna prova de função renal, mas acompanha quase
invariavelmente a lesão renal grave. A sua intensidade não se correlaciona necessariamente
98
com o grau de lesão do parênquima renal ou com o estado de qualquer função renal ou grupo de
sistemas. A sua presença e a determinação do seu grau podem, em associação a outros
achados, ajudar a estabelecer o diagnOstico de certas síndromes ou entidades patológicas cujos
achados patológicos renais são conhecidos. A proteinúria pode ser secundária a etiologias
benignas ou extra-renais ou, inclusive, a contaminação da amostra.
Uma questão que surge continuamente é a do significado da presença de pequenos
graus de proteinúria. ,O limite inferior da faixa de referência das proteínas urinárias é geralmente
de 10 mg/dL nos livros. Em termos gerais, os valores de até 30mg/dL encontram-se dentro da
faixa normal; a obtenção de níveis de 30-40 mg/dL pode ou não ser significativamente anormal.
E preciso assinalar que os valores de referência em termos de débito urinário total de proteínas
por 24 h podem atingir 100 mg/24 h. Os valores expressos em miligramas por 24 h podem não
coincidir com os valores expressos em miligramas por 100 ml devido a quantidades variáveis de
água. Uma exceção aos valores de referência convencionais é o diabetes melito, em que a
presença de graus menores de albuminúria pode refletir uma lesão renal inicial e sugerir a
necessidade de revisão da terapia. E preciso frisar que a duração da proteinúria é ainda mais
importante do que a sua quantidade, sobretudo na presença de baixos valores. Por exemplo, a
obtenção de um valor de 60 mg/dL pode ser significativo se persistir. Isso se torna evidente ao
examinar a lista das possíveis causas de proteinúria. A doença renal intrínseca está
habitualmente associada com proteinúria persistente, enquanto a proteinúria observada com
muitos tipos extra-renais aparecem rapidamente quando a doença primária é tratada com êxito.
Todavia, isso nem sempre se mostra verdadeiro, e é preciso lembrar que uma doença pode
causar Iesão permanente em mais de um órgão. Por exemplo, a arteriosclerose ou a hipertensão
podem reduzir ou destruir o tecido renal funcionantes através de nefrosclerose arteriolar, embora
os sintomas cardíacos devidos a lesão cardíaca possam encobrir o quadro renal.
Uma situação comum é o paciente que apresenta proteinúria assintomática isolada ou
em associação a uma doença cuja presença não é esperada. A primeira etapa consiste em
repetir a prova depois de dois ou três dias (em indivíduos clinicamente sadios), ou quando a
doença manifesta estiver sob controle (em pacientes hospitalizados), utilizando uma amostra
colhida pela manhã, a fim de evitar a proteinúria ortostática. Esta técnica é importante, uma vez
que a proteinúria ortostática é comum; vários registros indicam que ela constitui a causa em
cerca de 20% (faixa: 15-70%) dos homens jovens sadios com proteinúria no exame de urina de
rotina. Quando a proteinúria persiste e a possibilidade de proteinúria ortostática e afastada, o
relatório do exame microscópico deve ser analisado a procura de sugestões diagnósticas. Deve- 99
se tomar o devido cuidado para evitar a contaminação da amostra de urina, sobretudo nas
mulheres. A presença e o grau de hematúria ou de piúria sugerem diversas doenças. Se urna
delas estiver presente, deve-se procurar cuidadosamente o aparecimento de cilindros hemáticos
ou leucocitários. A obtenção de uma história clínica cuidadosa pode fornecer informações a
respeito de proteinúria ou hematúria anteriores, sugerindo glomerulonefrite crônica, ou de
infecção renal ou cálculos renais anteriores, que indicam pielonefrite crônica. A uremia que
ocorre em conseqüência de doença renal bilateral crônica quase sempre apresenta hipertensão
associada. (Naturalmente, a hipertensão em si pode ser a doença primária e causar lesão renal
secundária extensa.) Além disso, na doença renal difusa crônica e grave, verifica-se quase
sempre o desenvolvimento de anemia de grau baixo ou moderado, normocrômica ou
ligeiramente hipocrômica, sem qualquer evidência de reticulocitose ou de perda sangüínea. A
etapa seguinte consiste em analisar qualquer densidade randômica obtida. Se uma
determinação for normal (isto é, >1 ,020), a função renal está provavelmente adequada. Se to-
das as determinações forem mais baixas, pode-se efetuar uma prova de concentração ou de
depuração da creatinina, visto que as densidades randômicas de baixo valor podem significar
simplesmente uma exceção elevada de água em vez de uma falta de capacidade de
concentração urinária. Se a taxa de depuração da creatinina sofrer uma redução leve ou
moderada, o paciente possui com mais probabilidade uma perda funcional apenas leve ou
possivelmente moderada. Quando a taxa de depuração da creatinina está acentuadamente
anormal e o valor da uréia está normal na ausência de hipertensão ou anemia, o paciente mais
provavelmente apresenta alguma anormalidade renal bilateral difusa grave, mas não uma
doença totalmente no estágio terminal.
Quando a uréia se encontra elevada, mas o nível sérico de creatinina ainda se encontra
dentro da faixa de referência, podem-se efetuar algumas provas, como a depuração de água
livre, para diferenciar a uremia pré-renal da insuficiência renal inicial (aguda ou crônica). Quando
tanto a uréia quanto o nível sérico de creatinina estão elevados na ausência de anemia ou de
hipertensão deve-se efetuar o diagnóstico diferencial de uremia pré-renal ou de insuficiência
renal, embora a primeira seja menos provável. Nos casos em que a uréia e o nível sérico de
creatinina estão significativamente elevados na presença de anemia e outras evidências de
uremia, o prognóstico é geralmente muito sombrio, embora alguns pacientes com uremia
definida possam sobreviver durante anos com terapia apropriada. Existem exceções as
situações anteriormente descritas, mas elas não são muito numerosas. 100
35 O PROBLEMA DA HEMATURIA

0 problema da hematúria é ligeiramente diferente daquele observado com a proteinúria.


Cerca de 4% (faixa: 1,2-9%) dos homens assintomáticos com menos de 40 anos de idade
apresentam micro-hematúria com duas ou mais hemácias por campo de grande aumento, em 101
comparação com cerca de 15% (faixa: 13-19%) dos homens clinicamente sadios com mais de 40
anos de idade. E de suma importância considerar o câncer do sistema geniturinário. A hematúria
constitui o sintoma mais freqüente do carcinoma câncer renal, sendo a sua presença registrada
em cercade8O%(faixa: 65-85%) dos casos de carcinoma vesical em cerca de 60-70% (faixa: 32-
80%) dos pacientes com carcinoma renal. A hematúria macroscópica é observada na maioria
dos casos de hematúria no carcinoma vesical e renal. Cerca de 98% dos carcinomas da bexiga e
cerca de 96% dos carcinomas renais (sem incluir o tumor de Wilms da infância) ocorrem depois
dos 40 anos de idade. Registra-se a presença de carcinoma renal em cerca de 1 % (faixa: 0-
2,0%) dos pacientes com menos de 40 anos de idade apresentando hematúria de qualquer tipo,
bem como em cerca de 1,5-2,0% (faixa: 0,4-3,5%) dos pacientes com mais de 40 anos de idade.
Ocorre carcinoma vesical em cerca de 3% (faixa 0,2-8,0%) dos pacientes com menos de 40
anos de idade apresentando hematúria e em cerca de 7-10% (faixa: 0,1-15%) dos pacientes com
mais de 40 anos de idade. Em pacientes mais jovens, vários investigadores constataram a
presença de glomerulonefrite por IgA em 35-40% dos pacientes com hematúria macroscópica ou
hematúria microscópica de grau considerável, nos quais foi efetuada uma biópsia renal. Acima
dos 40 anos de idade, a hematúria macroscópica está mais fortemente associada ao câncer
(embora, com menos freqüência, a neoplasia possa ocorrer com hematúria microscópica e
algumas vezes possa ser detectada com exame de urina totalmente normal). Por conseguinte,
em indivíduos com menos de 40 anos de idade (e, sobretudo, entre 10 e 30 anos de idade) com
hematúria macroscópica, a maioria dos investigadores não espera a presença de câncer e não
indica a realização de uma extensa avaliação, a não ser que a hematúria persista ou que haja
outros sintomas sugestivos de câncer. Todavia, esta opinião não é unânime. Em indivíduos com
mais de 40 anos de idade que apresentam hematúria macroscópica, a resposta padrão deverá
ser, no mínimo, um PIV e uma citoscopia (Se os resultados do PIV forem negativos).
Em indivíduos com menos de 40 anos de idade que apresentam hematúria
microscópica, a maioria dos investigadores questiona a necessidade de exames adicionais, a
não ser que a hematúria persista ou que outros sintomas indiquem câncer. Em pacientes com
mais de 40 anos de idade que só apresentam hematúria microscópica assintomática, sobretudo
se houver um número relativamente pequeno de hemácias, a opinião é dividida quanto a
realização de outras provas e a sua quantidade. A presença de outros sintomas aumenta
acentuadamente a necessidade de outras provas. A observação de números significativos de
hemácias (>10 hemácias por campo de grande aumento) também parece influenciar as opiniões,
embora a maioria dos estudos tenha demonstrado uma correlação bastante deficiente entre a 102
presença de câncer e o número de hemácias no sedimento urinário na presença de micro-
hematúria. Além disso, é preciso não esquecer que o paciente pode apresentar hematúria devido
a um carcinoma renal ou vesical e, ao mesmo tempo, ser portador de outras doenças, como
hipertensão, que constituem causas bem conhecidas de hematúria. 0 achado de cilindros
hemáticos significa que os eritrócitos provêem do rim e que o problema é mais uma doença
médica do que câncer.
Podem aparecer hemácias ou hemoglobina (de hemácias Iisadas) na urina em
conseqüência da contaminação durante a colheita da amostra. As secreções vaginais da mulher
podem conter hemácias, Ieucócitos ou ambos. A presença de número significativo de células
epiteliais escamosas no sedimento urinário (arbitrariamente definido como mais de 10 células
escamosas por campo de pequeno aumento) sugere uma possível contaminação, devendo o
exame ser repetido utilizando uma amostra do jato médio. Pode ser necessário o paciente
receber assistência de um técnico.
REFERÊNCIAS

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http://www.diabetes.org.br/educacao/artigos/art006.php. Acesso em 10 set. 2004.

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GOMES M.B in 13º Congresso Brasileiro de Diabetes, 2002. Disponível em :


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GOODMAN & .GILMAN, As bases farmacológicas da terapêutica, 9. ed., MacGrahan Hill,


1996

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RAMALHO A.C. in 14º Congresso Brasileiro de Diabetes, 2003. Disponível em :


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RAVEN. W. Laboratório Clínico. Guanabara Koogan. 4º edição 1999

SBD. Sociedade Brasileira de Diabetes. Disponível em


http://www.diabetes.org.br/home/index.php , Fiocruz, 2004. Acesso em: 10 set. 2004.

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