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TERAPIA NUTRICIONAL EM DOENÇA NEUROLÓGICA;

AUTOIMUNES; SIDA

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SUMÁRIO
1. NOSSA HISTÓRIA ........................................................................................................................ 2
2. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................. 3
3. Terapia Nutricional em Doenças Neurológicas ............................................................................ 6
a. Síndrome de Wernick-Korsakoff ............................................................................................. 7
b. Epilepsia ................................................................................................................................. 9
c. Adrenoleucodistrofia .............................................................................................................11
4. Dieta cetogênica em doenças neurológicas ...............................................................................12
a. Histórico................................................................................................................................13
b. Mecanismo de Ação ..............................................................................................................14
c. Composição da Dieta Cetogênica ...........................................................................................15
1. ..................................................................................................................................................15
d. Indicações da Dieta Cetogênica .............................................................................................16
e. Efeitos Colaterais e Complicações ..........................................................................................17
f. Dieta Cetogênica no Brasil e na Bahia ....................................................................................18
2. ..................................................................................................................................................18
5. DIETOTERAPIA PARA PORTADORES DE HIV ................................................................................19
a. Definição ...............................................................................................................................20
6. NUTRIÇÃO NAS DOENÇAS AUTOIMUNES ...................................................................................25
a. O Glúten e as Doenças Autoimunes .......................................................................................26
b. Doença Celíaca ......................................................................................................................27
c. Sensibilidade ao Glúten não Celíaca.......................................................................................29
d. Manifestações Autoimunes Extraintestinais Associadas .........................................................30
5.4.1 Patologia Neurológica e Psiquiátrica ..........................................................................30
5.4.2 Patologia Dermatológica ............................................................................................31
5.4.3 Patologia do Fígado....................................................................................................32
5.4.4 Endocrinopatinas .......................................................................................................33
5.4.5 Doença Reumática e do Tecido Conjuntivo.................................................................34
5.4.6 Outros .......................................................................................................................35
e. A Dieta sem Glúten................................................................................................................35
f. O Cloreto de Sódio e as Doenças Autoimunes ........................................................................36
g. O Leite e as Doenças Autoimunes ..........................................................................................39
h. Outros Potenciais Triggers de Doenças Autoimunes ..............................................................40
i. Testes de Sensibilidade Alimentar .........................................................................................41
3. Referências ...............................................................................................................................44

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1. NOSSA HISTÓRIA

A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários, em


atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós-Graduação. Com
isso foi criado a nossa instituição, como entidade oferecendo serviços educacionais em nível
superior.

A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de


conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no
desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de
promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem
patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras
normas de comunicação.

A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e


eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética.
Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de
cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do
serviço oferecido.

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2. INTRODUÇÃO

Doenças neurológicas são aquelas que acometem o sistema nervoso central e


periférico. Envolvem desordens a nível cerebral, medular e nervos periféricos. No
atendimento neurológico torna-se necessário a perfeita integração entre o
neurologista e as especialidades envolvidas com o tratamento paliativo, tais como
Nutrição, Fisioterapia, Terapia Ocupacional, Psicologia, Pedagogia e Fonoaudiologia.
São em grande o número de doenças neurológicas nas quais o tratamento tradicional
envolve apenas intervenção médica com uso de fármacos, porém para parte dessas
doenças, a dietoterapia possui caráter relevante para a remissão de sintomas e/ou
melhora do quadro clínico. Objetiva-se revisar as principais terapias nutricionais nas
doenças neurológicas de caráter nutricional. Pode-se constatar que a dietoterapia é
eficaz na remissão dos sintomas da Síndrome de Wernick-Korsakoff e Epilepsia e
melhora o prognóstico da Adrenoleucodistrofia. Assim, a intervenção dietética deve
ser considerada no tratamento e recuperação dos pacientes portadores dessas
patologias.
A dieta cetogênica tem sido usada de forma ampla e com sucesso para o
tratamento de crianças com epilepsia de difícil controle desde a década de 1920. Mas
foi somente há uma década que a dieta cetogênica deixou de ser vista como um
tratamento alternativo ou de última escolha para estes pacientes e seu uso tem sido
considerado em todo o mundo. Objetiva-se revisar o conhecimento disponível acerca
da dieta cetogênica: mecanismo de ação, eficácia, tolerabilidade, efeitos adversos.
Muitas crianças não respondem satisfatoriamente à terapia farmacológica
convencional, mas sim à dieta cetogênica, uma dieta rica em gordura e pobre em
carboidrato. A dieta cetogênica leva a um aumento do nível dos corpos cetônicos no
sangue e recentes estudos mostram que os corpos cetônicos e seus componentes
tem efeito neuroprotetor para doenças neurológicas agudas e crônicas. Então, a dieta
cetogênica pode ser útil no tratamento de uma variedade de desordens neurológicas.
A introdução da dieta cetogênica requer uma abordagem multidisciplinar. É usada no
tratamento clínico da epilepsia, por provocar uma diminuição da excitabilidade
neuronal. Recentes estudos sugerem que a dieta cetogênica possui ação
anticonvulsivante e antiepiletogênica. E, além de uma diminuição do número de crises,
efeitos cognitivos positivos também têm sido descritos. Os mecanismos de ação não

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são completamente compreendidos, mas ambos os efeitos, anticonvulsivante e
antiepiletogênico, são propostos. Aproximadamente 20 a 30% dos pacientes
epilépticos não respondem adequadamente ao tratamento medicamentoso. Nesta
população, o tratamento com a dieta cetogênica tem sido considerado como um
importante recurso terapêutico, eficaz e seguro. Muitos estudos observacionais e de
revisão atestam os efeitos benéficos da dieta cetogênica.
A síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) tem como seu agente o vírus
HIV, a progressão natural da infecção é caracterizada pela intensa e contínua
replicação viral, resultando na depleção dos linfócitos T CD4, o que leva a alteração
no sistema imunológico. A dietoterapia para estes pacientes deve ser aplicada em
todas as fases da infecção, para que haja uma melhora do quadro nutricional, como
correções fisiológicas e metabólicas que o vírus causa, sendo que estes pacientes
apresentam como característica principal a desnutrição proteico – energético. Em
relação os antirretrovirais foram observados que pacientes que começaram fazer o
uso deste apresentam lipodistrofia, aumento do peso, colesterol elevado entre outras
alterações metabólicas e morfológicas. A terapia nutricional tem como objetivo
oferecer as necessidades de nutrientes e energia estimadas de acordo com grau de
infecção que cada paciente se encontre; minimizar os efeitos colaterais dos
medicamentos; fortalecer o sistema imunológico, para que ele consiga combater
doenças oportunistas e recuperar a perda ponderal do peso corpóreo.
Nos últimos anos tem-se assistido a um aumento dramático das doenças
autoimunes, mais evidente nos países desenvolvidos. Sem negar o papel fulcral da
genética, esta não se mostra suficiente para explicar a epidemiologia das doenças
autoimunes.
Tem-se o objetivo de rever o papel da dieta como fator etiológico das doenças
autoimunes, os efeitos das restrições alimentares e a utilidade dos “testes de
sensibilidade alimentar” neste contexto.
O glúten é o trigger responsável pela doença celíaca. Nas últimas décadas,
inúmeros trabalhos têm revelado que o glúten poderá estar implicado noutras doenças
autoimunes. Dentro desta linha, um novo conceito – sensibilidade ao glúten não
celíaca – foi recentemente aceite pela comunidade médica. A dieta sem glúten
constitui o único tratamento eficaz destas duas entidades. Outros fatores dietéticos
como o cloreto de sódio, proteínas do leite, álcool, glicoalcalóides, entre outros são

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potenciais triggers que a comunidade científica tem vindo a investigar ao longo do
tempo.
Os testes de sensibilidade alimentar determinam IgG/IgG4 específicas para
vários alimentos e aditivos, traduzindo apenas a exposição prévia ao alimento.

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3. TERAPIA NUTRICIONAL EM DOENÇAS NEUROLÓGICAS

O número de desordens neurológicas atinge 1 bilhão de pessoas em todo o


mundo e a tendência é que esse número duplique nos próximos 20 anos à medida
que a população mundial envelhece. No Brasil, poucos estudos demonstram a
incidência atual de todas as doenças neurológicas, porém, dados da DATAPREV,
empresa de tecnologia e informações do Ministério da Previdência Social, mostraram
que foram realizados 13.121 exames médico periciais em neurologia - 4,17% do total
de exames periciais - que gerou um gasto de R$ 97.580,00 para a Previdência Social
no ano de 19962. Um estudo realizado no estado da Bahia, no ano de 2000, constatou
que dos 935 registros de benefícios concedidos para doenças laborais por
incapacidade temporária, 10,9% relacionavam-se a transtornos mentais e
comportamentais.
Patologias neurológicas são as doenças do sistema nervoso central e
periférico, que incluem desordens do cérebro, da medula espinhal, dos nervos
periféricos e da junção neuromuscular. O tratamento dessas doenças envolve a
identificação dos problemas e um planejamento de tratamento global por uma equipe
multidisciplinar composta por neurologistas, enfermeiros, terapeutas ocupacionais e
nutricionistas.
As terapias nutricionais formam um arsenal terapêutico de caráter coadjuvante
que se aplica ao manejo das enfermidades neurológicas, como ocorre na Epilepsia.
Mas existem distúrbios neurológicos em que a dietoterapia é o principal meio de
tratamento, como ocorre na adrenoleucodistrofia e na síndrome de Wernick-
Korsakoff.
Na adrenoleucodistrofia, uma doença genética peroxisomal ligada ao X em que
ácidos graxos de cadeia longa (AGCL) não são peroxidados e geram danos nos
tecidos em que se acumulam a dietoterapia à base de ácido oléico e erúcico (óleo de
Lorenzo) auxilia na diminuição da síntese deAGCLs e minimiza os sintomas. A
síndrome de Wernick-Korsakof é caracterizada por nistagmo, marcha atáxica,
paralisia do olhar conjugado e confusão mental, e está associada à deficiência
nutricional, cuja base terapêutica baseia-se na administração de tiamina que previne
a progressão da doença e reverte as anormalidades cerebrais.
A Epilepsia é caracterizada por hiperatividades dos neurônios e circuitos
cerebrais com descargas elétricas desordenadas, excessivas e recorrentes que

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causam movimentos convulsivos, distúrbio de sensação e perda de consciência. A
dieta cetogênica é o recurso utilizado nos casos de epilepsia fármaco-resistentes6. O
mecanismo de ação desse tratamento não é bem definido, mas sugere-se que os
corpos cetônicos se comportam como neurotransmissores inibitórios possuem caráter
protetor e efeitos anticonvulsivantes.
Assim, considerando que algumas doenças neurológicas possuem a
dietoterapia como parte do tratamento e diante da relevância dessas enfermidades no
quadro de saúde pública atual, tendo como objetivo demonstrar as principais terapias
nutricionais nas doenças neurológicas e sua eficácia na remissão dos sintomas.

a. Síndrome de Wernick-Korsakoff

Existem vários estudos que correlacionam neuropatias com deficiência de


tiamina. Porém, ainda são escassos no país estudos de casos específicos que
descrevem detalhadamente o tratamento dietoterápico na síndrome de Wernick-
Korsakoff.
As causas para a doença variaram de alcoolismo (33%) a complicações pós-
cirúrgicas (67%). Isso demonstra uma nova realidade no diagnóstico da doença, que
é tradicionalmente associada ao alcoolismo, mas que pode manifestar-se em outras
patologias onde a má nutrição possa estar presente como gastroplastias, anorexia,
infecções, neoplasias, dentre outras.
A atenção de nutricionistas, médicos e enfermeiros para a suspeita clínica
desta neuropatia em quadros de má-nutrição estabelecidos, é importante para a
intervenção precoce, visto que a mortalidade é alta e depende do tempo de início da
medicação.
Na tabela 1 está relacionada a dietoterapia (suplementação de vitamina B1)
aplicada, tempo de administração e eficácia do tratamento.

Tabela 1: Quantidade, tempo e eficácia da administração de tiamina em casos de Wenick-


Korsakoff

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Fonte: Costa et al., 2010

Em todos os casos, os pacientes apresentaram pelo menos dois sinais típicos


da doença, tais como ataxia, nistagmo e/ou confusão mental. A presença da tríade
clássica nem sempre está presente, o que pode tornar tardio o diagnóstico da doença.
As quantidades bem como o tempo de administração de tiamina variaram de
um estudo para outro. Observou-se que em dois dos três estudos analisados, a
administração inicial de tiamina para o tratamento da doença era maior ou igual a 200
mg/dia e, com a reversão dos sintomas, estabelecia-se um valor de 100mg/dia. Em
outro estudo, a quantidade ministrada era de 100mg/dia durante todo o tratamento.
Observa-se, assim, que não há uma conduta unificada devido à falta de um protocolo
oficial tanto na profilaxia quanto no tratamento da síndrome de Wernick- Korsakoff. O
que existe no Brasil, é um Consenso para síndrome de abstinência alcoólica (SAA)
que remete à prevenção de desenvolvimento da Síndrome de Wernick-Korsakoff em
portadores de SAA, através de reposição vitamínica de tiamina intramuscular, nos
primeiros dias e, após este período, 300 mg/dia via oral.
A via de administração variou em intramuscular (33%) e endovenosa (67%) no
período de internação e via oral pós-alta. A escolha pela via de administração inicial
(endovenosa ou intramuscular) considera que a absorção intestinal pode estar
comprometida. A opção pela via intramuscular, conforme literatura clássica médica,
aponta perigos que a tiamina intravenosa pode provocar ao paciente, tais como
alergias, anafilaxia e até colapsos mortais. Porém, um estudo realizado em
ambulatório, com 58 pacientes que receberam infusão de tiamina intravenosa, não
demonstrou alterações dos sinais vitais e os pacientes não se queixaram de qualquer
tipo de reação adversa. Nos artigos analisados nesta revisão, não existiram relatos de
efeitos adversos quanto à administração endovenosa de tiamina.
O tempo de administração diferiu entre todos os estudos, mas observou-se que
os tratamentos duraram no mínimo por 20 dias. Esse resultado demonstra a avaliação
subjetiva que deve ser levada em conta no tratamento desta doença, ou seja, a

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administração da vitamina deve ser realizada de acordo com a resposta do paciente
à terapêutica estabelecida. A educação nutricional global associada ao conhecimento
pelo paciente de alimentos fontes de vitamina B1 também deve ser implementada
como estratégia de recuperação e para evitar reicidivas.
A eficácia da terapêutica com tiamina ocorreu em 100% dos casos, sendo que
em 67% foi total e 33% parcial. No paciente em que a recuperação foi parcial,
observou-se que o tratamento com tiamina iniciou-se cerca de 14 dias após os
primeiros sintomas apresentados (vômitos persistentes). Isso demonstra a
importância do diagnóstico e tratamento precoces para um bom prognóstico.

b. Epilepsia

Todos os pacientes envolvidos nos estudos apresentavam epilepsia fármaco-


resistente, com politerapia anticonvulsivante composta de dois a três medicamentos.
Diante deste quadro, a terapia cetogênica foi a opção de tratamento escolhida.
A abordagem terapêutica tradicional foi utilizada em 100% dos casos, com
proporção 4 gramas de lipídios para 1 grama de proteína/carboidrato (relação 4:1).
Sugere-se que a escolha desse método se deu pelo fato de ser a proporção
cetogênica clássica e por permitir o uso de maior variedade de alimentos (manteiga,
creme de leite, maionese, azeite e óleos vegetais) que podem ser oferecidos aos
pacientes.
Apenas dois estudos referiram a proporção de proteína utilizada nas dietas
(1g/kg/dia). Esse valor também é descrito em estudo, que determina a oferta de
proteína, na dieta cetogênica, entre 0,75-1 g/kg/dia de acordo com idade e estado
nutricional do paciente. Em todo caso, a quantidade estabelecida desse
macronutriente deve garantir o crescimento e a incorporação de massa muscular,
principalmente em crianças. Somente após a determinação da quantidade de lipídios
e proteínas, conforme descrito anteriormente, é que se tem a proporção de
carboidratos que poderá ser ministrada na dieta.
A restrição hídrica foi citada em 75% dos estudos, mas, conforme demonstra a
tabela 2, as quantidades variaram. Porém, há um consenso entre os artigos quanto
ao aporte hídrico diário abaixo do recomendado para idade. Em um metodologia para
o preparo da dieta cetogênica, há a recomendação de 60mL/kg/ dia a 70mL/kg/dia,
distribuídos durante todo o dia, não permitido ultrapassar 120mL a 150mL por hora.

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Diante dessa diversidade de recomendações, o nutricionista deve optar por um aporte
hídrico que esteja abaixo da recomendação diária, mas que não promova a
desidratação do paciente.

Tabela 2: Aspectos nutricionais da dieta cetogênica

------ resultados não relatados


Fonte: Costa et al., 2010

A oferta energética deve atingir 75% da energia recomendada por dia, levando-
se em consideração o peso ideal para estatura, podendo ser alterada conforme a
necessidade de cada paciente. Apesar de uma redução de 25% do aporte calórico
recomendado, não houve déficit pôndero-estatural; em um estudo houve perda de
peso em 33% dos pacientes e observou-se deficiência de estatura para idade. O
planejamento da dieta deve ser individualizado e monitorado pelos profissionais de
saúde para prevenir eventuais danos ao estado nutricional do paciente ou mesmo
corrigir déficits já estabelecidos e, em casos de perda de peso, o valor calórico pode
aumentar de 100 a 150 kcal, levando em conta a cetose orgânica.
A suplementação de vitaminas e/ou minerais ocorreu em todos os estudos.
Esta medida profilática é necessária, uma vez que a dieta à base de lipídios é pobre
nesses micronutrientes.
Os efeitos não desejáveis da dieta cetogênica (DC) variam de sintomas como
diarréia, náuseas, vômitos, obstipação a outros sintomas mais graves, como litíase
renal, infecções e leucopenia. Diante disso, durante a aplicação da DC torna-se
necessário uma equipe multiprofissional que detecte e trate precocemente esses
efeitos e que oriente a família quanto aos possíveis sintomas e da eficácia da DC, a
fim de diminuir a evasão. Dos avaliados, 16%desistiram antes de 6 meses de
tratamento e dentre as causas estavam a presença de sintomas como astenia, diarréia

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ou mesmo por decisão das mães em suspender o tratamento. Por isso, a importância
da participação e das informações para a família sobre todo o processo terapêutico.
A eficácia da dieta foi relatada por 100% dos autores. A maior parte considerava
a diminuição de pelo menos 50% das crises convulsivas como ponto de corte para
eficácia. Com os resultados obtidos, os estudos indicaram a dieta cetogênica como
opção terapêuticaem epilepsias refratárias, até mesmo pela redução dos custos.

c. Adrenoleucodistrofia

A Adrenoleucodistrofia tem sido uma doença extensamente estudada, porém,


em sua maioria, os estudos referentes a essa doença neurológica consistem em uma
compilação de conhecimentos descritos desde a sua descoberta até os dias de hoje.
Em estudos, os autores trazem como principal intervenção nutricional o
tratamento com dietas pobres em ácidos graxos de cadeia muito longa associado ao
uso de Óleo de Lorenzo, uma mistura de gliceroltrioleato (GTO) e
Gliceroltrierucato(GTE) na proporção de 4:17.
Avaliou-se a evolução clínica do grupo de pacientes, em que se objetivava
redução de sintomas com uso do tratamento-padrão descrito na literatura que faz uso
de dietas pobres em ácidos graxos de cadeia longa (AGCL) em combinação com o
Óleo de Lorenzo. Autores foram unânimes em concluir que esse tratamento é capaz
de reduzir os níveis de AGCL, porém ineficiente para impedir ou fazer cessar os
sintomas neurológicos. Ainda, em trabalho realizado em população de japoneses, em
que foi administrado óleo de Lorenzo a pacientes ainda na infância e assintomáticos,
verificou-se que os primeiros sintomas, tais como dificuldades visuais, perturbação de
marcha e personalidade, apareceram já após o uso do óleo.
Em um quarto estudo de caráter experimental, o autor avaliou o nível de
estresse oxidativo no plasma de pacientes sintomáticos com X-ALD tratados e não
tratados com Óleo de Lorenzo. Os resultados das análises bioquímicas realizadas
pelo autor revelaram que o uso do óleo foi incapaz de reverter a formação de radicais
livres no plasma de pacientes com adrenoleucodistrofia e, ainda, a reatividade
antioxidante total não foi alterada tanto para pacientes sintomáticos, quanto
assintomáticos após a utilização do óleo.
A Adrenoleucodistrofia, além de cuidado medicamentoso e médico, exige
atenção multidisciplinar que envolve o profissional nutricionista. Embora os dados

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descritos na ciência não indiquem remissão dos sintomas após o tratamento
dietoterápico, esse se torna fundamental para evitar piora do quadro clínico dos
indivíduos.
As doenças neurológicas, convencionalmente conhecidas como de quadro
clínico irreversível, exigem tratamento médico e nutricional especializados. A terapia
nutricional para pacientes acometidos por essas patologias é, por muitas vezes,
considerada irrelevante ou apenas coadjuvante. Embora para algumas doenças isto
seja uma verdade, há muitas outras, como na Epilepsia e Síndrome de Wernick-
Korsakoff, em que a dietoterapia configura intervenção primordial.
A partir das evidências científicas, há uma responsabilização do nutricionista
quanto à busca por novas alternativas de terapia nutricional e suporte dietético a
serem oferecidas para os pacientes com ALD e demais doenças neurológicas. Para a
ALD, não se reveste de sensatez a crença de que o Óleo de Lorenzo possui papel
imprescindível para melhora de sintomas. Porém, a intervenção nutricional buscando
oferta de dieta restrita em ácidos graxos de cadeia muito longa, é de fundamental
importância para a manutenção dos valores séricos deste ácido que, por caráter da
própria da doença, se mantém em níveis elevados.
A cautela no momento da intervenção dietética, bem como o acompanhamento
individualizado dos pacientes com doenças neurológicas devem ser considerados
quando da abordagem clínica no âmbito nutricional.

 SAIBA MAIS:
Acesse ao link: https://www.youtube.com/watch?v=yiVs4zizf34para saber
mais sobre Epilepsia -Dieta Cetogenica - Nurtricionista Marcela Gregório.

4. DIETA CETOGÊNICA EM DOENÇAS NEUROLÓGICAS

A Dieta Cetogênica (DC) é uma dieta terapêutica cuja composição é rica em


lipídeos, moderada em proteínas e pobre em carboidratos. Há uma substituição dos
carboidratos por lipídeos que provém uma fonte energética alternativa para o cérebro,
as cetonas, e diminui-se levemente a quantidade de proteínas.
Constitui um tipo de tratamento alternativo para epilepsia de difícil controle além
de patologias relacionadas com a deficiência das enzimas GLUT-1,
piruvatodesidrogenase e defeitos da glicólise cerebral. Em algumas situações podem

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acarretar a piora cíclica, entre elas deficiência de piruvato-carboxilase, carnitina,
doença mitocondrial ou defeitos na oxidação de ácidos graxos. A DC é proposta para
determinados pacientes quando todos os outros procedimentos, como a utilização de
diversos medicamentos, isolados ou em diversas combinações e dosagens, são
ineficazes.
Apesar de ter sua eficácia comprovada, os mecanismos de ação ainda não
foram bem elucidados. Faz-se necessário um enfoque diferenciado a respeito das
terapias anticonvulsivantes uma vez que não foram observados avanços significativos
na eficácia dos agentes anti-epilépticos mais antigos. Além disso, a dietoterapia foi
introduzida na terapêutica da epilepsia de maneira diferente do que a maioria dos
medicamentos, sendo estes selecionados por meio de investigação através de
modelos animais. Recentemente tem-se demonstrado que o uso destes testes pode
limitar a identificação de drogas que tenham novos mecanismos de ação anti-
convulsivante.
Apesar de a indústria farmacêutica ser uma das mais ricas do mundo, com um
número crescente de pesquisas envolvendo novas drogas com ação no sistema
nervoso central, a dieta cetogênica tem despertado o interesse científico e o seu uso
tem-se ampliado a partir da epilepsia intratável para outras doenças neurológicas. É
notável a quantidade de artigos científicos publicados em periódicos abordando os
mais diversos aspectos do uso da dieta cetogênica, desde suas indicações, métodos
de utilização, principais efeitos adversos, custos envolvidos.
Objetiva-se realizar uma atualização sobre uma importante estratégia
terapêutica utilizada desde os tempos bíblicos, que esteve em desuso durante
décadas devido à supremacia da indústria farmacêutica.
a. Histórico

Relatos da dieta acidogênica remontam a época de Hipócrates e do Novo


testamento. Foi usada a primeira vez nos Estados Unidos, no começo do último século
quando um curandeiro BenarrMacfadden e o médico homeopático Dr. Coklin
recomendaram o uso do jejum a um menino com crises. Como modalidade de
tratamento ela existe desde a década de 20, quando Wilder em 1921, propôs uma
dieta que simulasse as alterações bioquímicas associadas aos períodos de jejum,
conhecida como dieta cetogênica. Nas décadas de 40 e 50, com o advento das novas
drogas anti-epilépticas mais eficientes e com maior tolerabilidade, além da

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possibilidade de tratamento cirúrgico em alguns casos, a DC caiu em desuso. Na
década de 70 e mais recentemente nos anos 90, ressurge o interesse pela dieta
cetogênica no tratamento de pacientes epiléticos refratários ao uso de drogas
antiepilépticas, diante da eficácia reduzida destas drogas.

b. Mecanismo de Ação

O mecanismo pelo qual esta dieta leva a redução das crises epilépticas ainda
não está esclarecido. Sugere-se que a oferta excessiva de gordura é capaz de manter
o mecanismo metabólico de inanição, situação onde os lipídeos são usados como
fonte energética, mantendo um estado de cetose. O efeito sedativo dos corpos
cetônicos (acetoacetato e â-hidroxibutirato), sua concentração no plasma, o grau de
acidose, a desidratação parcial, mudanças na concentração lipídica e a adaptação
metabólica do cérebro decorrentes da cetose seriam os principais fatores
responsáveis pelo controle das crises.
O sistema nervoso central é capaz de metabolizar corpos cetônicos, o que
justifica a eficácia da dieta no controle da doença. Corpos cetônicos não apenas
servem como fonte de energia para o cérebro, mas também para constituintes
cerebrais dependentes de glicose (GABA e Glutamato). Como a oxidação dos ácidos
graxos produz grande quantidade de ATP, sugere-se que o aumento das reservas
energéticas cerebrais seja um fator protetor contra as crises. Outro ponto a favor
dessa justificativa é que o cérebro de crianças é mais eficaz na metabolização de
corpos cetônicos do que o de adultos, uma possível explicação para o melhor efeito
da dieta cetogênica em crianças. Sugere-se que uma mudança fundamental da
glicólise ao metabolismo intermediário induzida pela dieta cetogênica é necessária e
suficiente para a eficácia clínica. Esta idéia é apoiada por um número crescente de
estudos indicando que ácidos graxos poliinsaturados, corpos cetônicos e restrição à
glicose podem desempenhar papéis mecanicista possivelmente ao aumentar a
produção de ATP, a respiração mitocondrial e diminuir a produção de oxigênio reativo.
Achados recentes indicam que corpos cetônicos podem reduzir o estresse oxidativo e
que ácidos graxos induzidos por desacoplamento mitocondrial também podem
produzir efeitos protetores similares. Embora os mecanismos subjacentes à ampla
eficácia clínica da dieta cetogênica permanecem pouco claros, há evidências
crescentes de que a dieta cetogênica altera a bioquímica fundamental dos neurônios

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de uma forma que não só inibe a hiperexcitabilidade neuronal, mas também induz um
efeito protetor. Assim, a dieta cetogênica pode vir a ser útil no tratamento de uma
variedade de distúrbios neurológicos.

c. Composição da Dieta Cetogênica


1.
A oferta energética (Kcal) aos pacientes submetidos à dieta cetogênica deve
atingir 75% da energia recomendada por dia e cabe ao nutricionista realizar o plano
dietético levando em consideração o peso ideal para a estatura e a idade, elaborando
um cardápio variado e que esteja de acordo com as necessidades calóricas e com a
proporção adequada para cada paciente. Apesar de ser uma dieta especial ela deve
atender aos princípios gerais da nutrição oferecendo energia, proteínas, minerais
evitaminas, mesmo que por meio de suplementos, visando o desenvolvimento e a
manutenção das condições fisiológicas do paciente. A ceto-dieta é composta de alto
teor de gorduras e baixo teor de carboidratos e proteínas, cerca de 90% e 10%
respectivamente. A proporção mais recomendada é a de 4:1 (gorduras/proteínas e
carboidratos), mas também pode-se usar proporções como 5:1, 3:1 e 2:1.
A gordura é considerada macro-nutrientecetogênico, carboidratos são anti-
cetogênicos e proteínas são utilizadas devido a sua função estrutural. A proporção
sugerida de alimentos cetogênico/anticetogênicos na dieta clássica é de no mínimo
1,5:1, visando produzir acentuada elevação nos níveis de corpos cetônicos no sangue
e urina. O controle das crises geralmente ocorre quando esta proporção é de 3:1. A
proporção cetogênica clássica mais comumente usada é de 4:1. Triglicerídeos de
cadeia média (TCM) são, dentre as gorduras, as mais eficientes em produzir cetose.
A dieta com TCM apresenta cerca de 60% do valor energético total proveniente de
TCM e 11% de gordura saturada, correspondendo a uma proporção igual a 3:1 da
dieta clássica. A oferta protéica pode variar de 0,75g/kg/dia a 1g/kg/dia ou seguir a
recomendação para a idade segundo o RDI (RecomendedDietaryIntake). O restante
da necessidade é oferecida na forma de carboidratos, sendo importante considerar a
quantidade de carboidratos contidos nas medicações administradas. A restrição
hídrica é controversa. Costuma-se permitir 60 mL/kg/dia a 70mL/kg/dia, distribuídos
durante todo dia e não devendo ultrapassar 120 mL a 150 mL por hora. Vitaminas e
minerais devem ser oferecidos na forma de suplementos pois a dieta não consegue
suprir as necessidades diárias. Antes de iniciar a dieta é ideal que o paciente esteja

15
em cetose. Para isso se faz necessário 24 a 48 horas de jejum prévias a dieta para
atingir cetonúria de 160mg/dL.
A DC deve ser dividida em três ou quatro refeições iguais. Dividimos o valor
diário de cada componente da dieta pelo número de refeições. Nas três primeiras
refeições é dado um terço do cálculo total das calorias. Na quarta, quinta e sexta, dois
terços e só na sétima é dado todo o calculado.

d. Indicações da Dieta Cetogênica

A dieta cetogênica para o tratamento de encefalopatias epilépticas refratárias


como uma opção precoce de tratamento em crianças muito jovens, menores que cinco
anos. Tinham mais de 50% de redução das crises e 23,7% estavam livre de crises.
Um estudo examinando fatores que influenciam a evolução da Síndrome de
West para a Síndrome de Lennox-Gastaut demonstrou que o uso da dieta cetogência
ou a terapia hormonal teve um papel importante em prevenir encefalopatia em
pacientes com Síndrome de West. Ou seja, o risco de desenvolver a Síndrome de
Lennox-Gastaut foi significantemente menor nos pacientes que fizeram o uso destas
terapias isoladas ou combinadas. Pesquisadores estão muito interessados em usar a
dieta cetogênica para outras doenças neurológicas, além da epilepsia, como autismo
e tumores cerebrais.
Principais indicações da dieta cetogênica
- Epilepsia de difícil controle
- Espasmos infantis
- Síndrome de West
- Síndrome de Lennox-Gastaut
Eficácia da dieta no tratamento da epilepsia
Analisando a eficácia, tolerabilidade e efeitos adversos da dieta cetogênica em
crianças do Instituto da Criança da USP, chegaram à conclusão de que a dieta é eficaz
no tratamento da epilepsia refratária pela redução da freqüência das crises. Pode-se
observar ainda uma diminuição na dose ou no número de anti-epilépticos nos
pacientes que iniciaram o tratamento com a dieta.
Avaliaram o perfil metabólico, nutricional, efeitos adversos e a eficácia da dieta
em crianças com epilepsia refratária. Quanto a eficácia, ou seja, controle das crises,
pacientes tiveram controle total (100%); outras tiveram muito bom controle (>90%);

16
demais apresentaram bom controle (50%-90%),controle regular (<50%) em outros
com ausência de efeito.

e. Efeitos Colaterais e Complicações

Os efeitos adversos da DC podem ser agudos ou crônicos. Porém, os efeitos


colaterais à longo prazo ainda não foram amplamente estudados e publicados.
Dentre os efeitos colaterais que ocorrem no início da terapia temos a letargia
(provavelmente pelo efeito sedativo dos corpos cetônicos) e a hipoglicemia. As
reações mais comuns após a fase inicial da DC ocorrem do trato gastrointestinal e
incluem náuseas, vômitos (pelo elevado nível de corpos cetônicos) e dificuldades de
ingestão da dieta. Crianças com grave retardo podem apresentar grave desidratação
e acidose metabólica o que justifica hospitalização. À longo prazo, as complicações
podem incluir litíase renal (pode ser associada à acidúria e queda do ph urinário ou à
restrição hídrica), infecções recorrentes (conseqüência da alteração da função dos
granulócitos), hiperuricemia, hipocalemia, acidose e depleção de carnitina,
hipercolesterolemia, irritabilidade, letargia e recusa de ingestão.
Estudo, observou náuseas e vômitos em pacientes, epistaxe, e como
complicações observou-se infecções recorrentes; e recusa alimentar também. Ainda
foi analisado o perfil metabólico dos pacientes (sódio, potássio, cloro, uréia, creatinina,
cálcio, glicemia, proteínas, ácido úrico, colesterol, triglicerídeos, bicarbonato)
submetidos à dieta e pode-se constatar que não houve mudanças significativas.
Aumento significativo de sódio no grupo de desistentes, maior do que os aderentes
entre o nível pré e um mês pós-dieta foi percebido. Também se verificou elevação
notável do colesterol total, triglicerídeos e uréia entre o período pré-dieta e um mês
pós-dieta. Registrou-se redução significante do bicarbonato sérico e da glicemia pré e
um mês pós-dieta, mas estes não saíram da normalidade. No decorrer do estudo,
houve tendência a normalização do perfil metabólico.
O índice de mortalidade em pacientes com esta dieta ou que já fizeram uso é
de difícil análise, mas estudos de grande série relataram óbitos, que apresentou
pneumonia lipóide, cardiomiopatia e doenças infecciosas graves. Outras séries
também relataram óbitos durante e após suspensão da dieta.
Referem-se que embora não esteja consistemente estabelecida a relação entre
a dieta cetogênica e anormalidades na condução elétrica do coração, a constatação

17
de pacientes com intervalo QT (QTc) prolongado justifica cuidados adicionais sobre a
função cardíaca dos pacientes. A relação entre a deficiência de selênio e as alterações
no feixe de condução do coração de crianças em dieta cetogênica também aguarda
esclarecimentos.
Os principais efeitos colaterais observados são então, sonolência, constipação,
perda de peso, vômitos, refluxo gastroesofágico, febre, hieperlipidemia, dentre outros.
Pode-se ainda, observar como principal vantagem de uma dieta cetogênica o
fato de ser uma terapia alternativa para o tratamento de pacientes com epilepsia
refratária e indicada para crianças por reagirem melhor ao tratamento. Suas
desvantagens incluem a dificuldade de adoção nos estágios iniciais da terapia, a
restrição da alimentação, a segregação da criança da família porque ela é alimentada
separadamente para evitar que solicite alimentos que não pode comer, a alimentação
não palatável o que gera resistência por parte da criança, o uso de alimentos que
podem não ser considerados como nutritivos pela família (maionese, alface).

f. Dieta Cetogênica no Brasil e na Bahia


2.
Em alguns centros especializados em epilepsia de difícil controle,
principalmente no sul do país, há ambulatórios de dieta cetogênica. Na Bahia, no
Ambulatório de Neuropediatria, há um paciente em atendimento com epilepsia de
difícil controle sendo submetido ao uso da dieta cetogênica, uma vez que já não mais
responde a drogas antiepilépticas de última geração. Houve cessação completa das
crises neste paciente que também apresenta atraso do desenvolvimento
neuropsicomotor e baixa visão devido a maus tratos e desnutrição nos primeiros
meses de vida. O uso da dieta teve inicio em maio de 2008 com acompanhamento
neuropediátrico e com nutricionista e realização dos exames laboratoriais
necessários, observando-se alguns efeitos adversos como letargia, flatulência,
obstipação e mudanças no comportamento, mas bem conduzidos pela equipe e pelos
familiares que logo perceberam a melhoria com o uso da dieta e persistiu com a
mesma. A partir desta iniciativa, há o interesse para que novos pacientes sejam
beneficiados com o uso da dieta e maior divulgação deste serviço para profissionais
da área de saúde que atendem pacientes que possam se beneficiar com a dieta
cetogênica.

18
Face aos diversos aspectos apresentados e discutidos no presente estudo,
pode-se concluir que a dieta cetogênica é uma importante opção terapêutica para
pacientes com epilepsia refratária ao uso de drogas antiepilépticas e que não são
candidatos à cirurgia para epilepsia. Contudo, protocolos de pesquisas que discutam
este tema são essenciais para esclarecer o mecanismo de ação da dieta cetogênica
com vistas a se obter novas possibilidades de aplicação da mesma.

 SAIBA MAIS:
Acesse ao link: https://www.youtube.com/watch?v=sQUIHR7UNTc para
saber mais sobre Assistência nutricional nas doenças neurológicas e imunes
- Aula 2.

5. DIETOTERAPIA PARA PORTADORES DE HIV

A síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS/SIDA) tem como seu agente


etiológico um retrovírus denominado HIV (vírus imunodeficiência humana), com
genoma RNA (ácido ribonucleico) que necessita de uma transcriptase reversa para
seu processo multiplicação, ocorrendo à transição do RNA viral em DNA (ácido
desoxirribonucleico).
Os primeiros casos encontrados de AIDS foram em meados da década de 80,
com relatos de doenças oportunistas incomuns associadas a uma depleção da
imunidade celular de homens aparentemente saudáveis.
A infecção por HIV traz consequências para o sistema imunológico, o vírus
invade o núcleo das células CD4+, ocasionando a depleção no número destas células,
os linfócitos T auxiliares são responsáveis pela defesa do sistema imunológico, se

19
ocorre à destruição das células T CD4+, a função delas no organismo também estará
comprometida, causando a diminuição das respostas imunológicas.
O sistema imunológico dos indivíduos que contém o vírus HIV instalado no seu
organismo, fica debilitado, podendo induzir diarreia, febre, náusea, má absorção,
perda de peso, entre outros sintomas, estas pessoas estão sujeitas a várias doenças
oportunistas, como: pneumonia, candidíase, entre outras.
O estado nutricional dos portadores é um aspecto preocupante, pois caracteriza
por baixa ingestão calórico-proteico, alterações metabólicas, além de deficiências de
micronutrientes e interação entre droga e nutriente.
Uma intervenção e avaliação nutricional seriam importantes para dar suporte
aos portadores do HIV em todos os estágios da infecção, proporcionando uma dieta
com todos os nutrientes necessários dando ênfase aos micronutrientes: vitaminas e
minerais, pois estes auxiliam no favorecimento das respostas imunológicas, dando
proteção ao organismo e intervindo na regulação dos processos corporais,
respectivamente, minimizando os efeitos dos antirretrovirais, além de proporcionar
uma melhora na qualidade de vida destes pacientes.
Diante do citado acima, este trabalho tem por finalidade abrandar a progressão
da doença através de uma terapia nutricional, deixando o vírus na fase assintomática,
onde não há manifestações clinicas, para uma melhora do estado nutricional dos
portadores de HIV.
a. Definição

A síndrome da imunodeficiência adquirida é uma doença degenerativa crônica


que tem como característica a perda de peso involuntária maior que 10% do peso
corpóreo, marcada pela desnutrição, tendo origem multifatorial.
Segundo as Nações Unidas, atualização de 2006, o número de pessoas
vivendo com vírus HIV vem tendo um crescimento global, em todas as regiões do
mundo, com o número estimado de novos casos em adultos e crianças de 4,3 milhões.
Dados divulgados pela UNAIDS (programa conjunto das Nações Unidas sobre
HIV/AIDS), em julho de 2014, aponta que o índice de novos infectados pela
imunodeficiência humana no Brasil aumentou para 11% entre 2005 e 2013, neste
mesmo período os números de casos no mundo apresentaram quedas de 27,5%, de
2,9 milhões, em 2005, para 2,1 milhões, em 2013, uma queda de 38%. O relatório

20
destaca que 35 milhões de pessoas viviam com o HIV em 2013, um número um pouco
superior aos 34,6 milhões de 2012.
O indicador inicial da infecção pelo HIV é a perda de peso e a depleção da
massa muscular, estas alterações podem estar associadas a diversos fatores:
ingestão de inadequada dos nutrientes, devido às alterações gastrintestinais como
disfagia, náuseas, vômitos e a diarreia que é um dos principais fatores, quando de
forma extrapolada, leva á anorexia e a perda de peso; ao hipermetabolismo, o
aumento da taxa metabólica basal; má absorção dos nutrientes, ocasionando
deficiências dos micronutrientes.
A avaliação nutricional é um fator de extrema importância aos portadores do
HIV, deve ser feito periodicamente, a fim de monitorar e tentar corrigir as alterações
metabólicas e morfológicas da AIDS.
É necessária a utilização antropometria e bioquímica para uma melhor
avaliação do estado nutricional dos pacientes com HIV. Na antropometria é verificado
o peso, altura, as medidas antropométricas: como cintura, quadril, abdome e pescoço,
circunferência do braço (CB), prega cutânea tricipital (PCT).
Na avaliação química é fundamental a realização do hemograma completo,
para que seja possível acompanhar o quadro de saúde do indivíduo infectado,
observando através deste exame a contagem completa de linfócitos, se o paciente
apresenta alguma deficiência de algum micronutriente, é também monitorar os índices
de glicose, lipídeos e proteínas.
Estudo mostrou que portadores de HIV submetidos a TARV (terapia
antirretroviral) são dislipidêmicos (diminuição do HDL, aumento do LDL e aumento do
triglicérides), e grande parte desta população estão eutróficos. Observaram que antes
da TARV para o tratamento da AIDS, a maioria destes pacientes era acometida pela
desnutrição e com deficiência de minerais e vitaminas.
Pesquisas feitas através de um estudo transversal com pacientes com o vírus
da imunodeficiência em tratamento com TARV, concluíram que a obesidade destacou
como o desvio nutricional mais importante, superando a desnutrição, nesse grupo.
Pacientes portadores do HIV, demostrou em seus resultados que a maioria da
população apresentou eutrofia seguido de sobrepeso, segundo o cálculo de IMC.
Quando analisou a adequação da PCT e da CB o estado de magreza predominou
nessa população.

21
Uma população analisada que faz o uso de TARV, nos exames biológicos a
maioria dos pacientes apresentou triglicérides elevado, o colesterol total apresentou
elevado em todos os grupos. No grupo de controle destes também foram detectada
anemia em pacientes com menos de um ano de diagnóstico de AIDS.
As complicações metabólicas e morfológicas analisadas em pacientes com HIV
são decorrentes da terapia antirretroviral que é composto por duas classes de
fármacos os inibidores da transcriptase reversa (inibe a cópia da fita do RNA viral em
DNA) e inibidores da protease (inibem a clivagem da proteína viral nascente nas
proteínas funcionais e estruturais).
A dislipidemia presente na maioria dos portadores do vírus da imunodeficiência
humana, pode ter relação estreita com o inibidor da protease e o aumento das
triglicérides.
A Organização Mundial de Saúde preconiza que as intervenções nutricionais
façam parte de todos os programas de controle e tratamento da AIDS, pois a dieta e
a nutrição podem melhorar a adesão e a efetividade da terapia antirretroviral.
As recomendações para pacientes com AIDS que não tem nenhum tipo de
complicação são dietas: dieta hipercalórica e hiperproteica; através da ingestão de
carnes bem cozidas, leguminosas, hortaliças e frutas.
As necessidades de proteínas podem ser estimadas também de 0,8 a 1,4 g/Kg
nas fase assintomática e de 1,5 a 2 g/Kg para a fase sintomática.
Os carboidratos devem conter pelo ou menos 50% a 60% da ingestão diária
recomendada, se o indivíduo tiver alguma patologia como resistência à insulina ou
triglicérides alta, deve haver a diminuição dos carboidratos simples e aumentar os
complexos, mantendo o equilíbrio.
A administração do lipídeo pode ser útil, este deve ser incluído de acordo com
a tolerância do indivíduo, se o colesterol e os triglicerídeos estiverem elevado, a dieta
deve conter baixo teor de gordura saturadas e ser utilizada monoinsaturadas, poli-
insaturadas e ácidos graxos ômega 3 (melhora a função imunológica). Em casos de
pacientes que apresentam intolerância a gordura, má absorção dos lipídeos e diarreia
a administração dos lipídeos pode ser restrita.
Em relação às necessidades de líquidos e eletrolíticos em portadores do HIV,
é a necessidade normal dos outros indivíduos de 30 ml a 35 ml/kg por dia, em caso
de perda de peso com diarreia, náuseas, vômitos, entre outras, pode ser adicionado
quantidades de líquidos.

22
A suplementação de micronutrientes poderá ser recomendada em situações
especiais devido à má absorção de selênio, zinco vitamina A e as do complexo B, cujo
déficit está associado à piora progressiva da resposta imunológica. Lembrando que a
superdosagem de vitaminas e minerais pode ser tóxicos ao organismo, devendo
estabelecer o limite máximo tolerável.
Na prescrição dietoterápica deve-se levar em consideração se o paciente faz o
uso da terapia antirretroviral e outras drogas para o tratamento das doenças
oportunistas, pois estes podem provocar efeitos colaterais ao serem administrados,
interferindo muitas vezes na absorção dos nutrientes e no estado nutricional do
paciente. Por outro lado uma interação entre drogas-nutrientes no qual um não
interferira na atuação do outro pode ser positivo, dando melhor eficácia no tratamento,
lembrando que devem ser respeitados os horários, pois alguns podem ser absorvidos
com alimentos outros não. Observe o quadro 1.

23
Quadro 1: Antirretrovirais e as restrições alimentres

Fonte: Oliveira et al, 2020

A educação nutricional e o aconselhamento fazem parte da terapia nutricional,


dando ênfase na importância de uma alimentação equilibrada em quantidade e
qualidade de nutrientes, para o fortalecimento do sistema imunológico deste paciente.
Orientar o paciente quando ele observar qualquer mudança fisiológicas e metabolicas
deve informarr ao médico e ao nutricionista sobre essas mudanças.
Com base no citado acima a hipótese e os objetivos foram alcançados no
desenvolvimento, que a dietoterapia é capaz de manter uma boa qualidade de vida
aos portadores do vírus HIV, recuperando a perda de massa muscular, amenizando
os sintomas que o vírus causa no organismo, fortalecendo o sistema inume e
impedindo que doenças oportunistas se instalem no organismo do portador do vírus.
Mostrando que a aplicação da terapia nutricional é importante em todas as fases da
infecção do vírus HIV.

24
A inserção do profissional da nutrição no tratamento da AIDS é fundamental,
posto que esta doença cause profundas alterações fisiológicas e metabólicas. O
tratamento nutricional deve sempre visar à promoção da saúde, minimizando os
efeitos colaterais dos antirretrovirais e as manifestações de doenças oportunistas no
portador do HIV.

6. NUTRIÇÃO NAS DOENÇAS AUTOIMUNES

As doenças autoimunes (DAIs) correspondem a um conjunto de manifestações


ligadas a alterações do sistema imunitário (linfócitos B e T), em que ocorre uma
falência do mecanismo de distinção entre antigénios externos e antigénios do self. O
desenvolvimento da autoimunidade é suficientemente significativo para resultar em
lesão tecidual, que pode cingir-se a uma doença específica de órgão ou resultar numa
doença sistémica.
Nos últimos anos, tem-se assistido a um aumento da prevalência de DAIs,
nomeadamente nos países ocidentais, afetando aproximadamente 5% da população
e, em especial, mulheres.
A patogénese e os fatores etiológicos que alteram a tolerância imunológica
ainda permanecem incertos. Apesar do papel evidente da genética, estudos de
associação ampla do genoma e a discordância entre gémeos monozigóticos
permitiram demonstrar a influência dos fatores ambientais nas DAIs. Dentro destes,
infeções, xenobióticos e a dieta ocidental, característicos de uma civilização em rápida
mudança e evolução, têm sido implicados.
A nutrição tem adquirido, cada vez mais um papel relevante, tanto no
desenvolvimento, como na alteração do percurso das DAI. O estado nutricional é
bastante importante para o equilíbrio do sistema imunitário e, desde cedo, se
relacionou a incidência de doenças específicas com deficiências nutricionais locais.
No entanto, a conexão específica entre fatores dietéticos e o início ou modulação das
DAI é uma aquisição mais recente e ainda mal esclarecida.
Uma alimentação adequada pode ser um fator essencial para melhorar o
prognóstico de DAIs, na medida em que pode ajudar na prevenção de infeções e na
progressão de comorbilidades associadas (ex. doenças cardiovasculares,
metabólicas), bem como reduzir o impacto da iatrogenia de certos tratamentos (ex.
alteração do perfil lipídico devido ao uso corticosteroides). Por outro lado, várias linhas

25
de evidência apoiam o uso de fatores dietéticos específicos para melhorar o decurso
da doença (ex. vitamina D, probióticos, flavonóides).
Para além da abordagem da nutrição como fator protetor da autoimunidade, o
mesmo tem sido alvo de estudos no sentido de identificar possíveis triggers
alimentares para o desenvolvimento ou exacerbação de DAIs. Outros estudos
colocam a hipótese de que reações alimentares, mediadas por imunoglobulinas,
poderão estar presentes em muitas doenças caracterizadas por processos
inflamatórios crónicos. Esta hipótese tem sido a base da utilização de testes de
sensibilidade alimentar para recomendações dietéticas no âmbito de terapêuticas
complementares alternativas aos tratamentos convencionais.
Assim, esta tese é o resultado de uma revisão bibliográfica sobre o papel da
dieta como fator etiológico das DAI, nomeadamente a relação da sensibilidade ao
glúten, do cloreto de sódio e das proteínas do leite com as DAIs. Por outro lado,
aborda-se em que medida a dieta poderá constituir uma ferramenta terapêutica útil na
evolução destas doenças e qualidade de vida dos doentes, nomeadamente no que
respeita ao impacto de restrições alimentares. A pesquisa abrangeu também a
evidência científica atual sobre o uso dos testes de sensibilidade alimentar neste
contexto.
O glúten, a insulina bovina presente no leite e, mais recentemente, o cloreto de
sódio constituem potenciais triggers de doenças autoimunes com forte evidência
clínica. No, entanto, serão necessários consensos para delinear com clareza o seu
papel nestas doenças e mais estudos sobre os efeitos da sua restrição. Os testes de
sensibilidade alimentar não apresentam qualquer utilidade clínica neste contexto.

a. O Glúten e as Doenças Autoimunes

O glúten corresponde à fração proteica dos grãos de trigo, centeio, cevada,


aveia e é constituída por dois principais grupos: uma fração solúvel em álcool, as
prolaminas e outra fração insolúvel, as gluteninas. A porção antigénica do glúten para
os doentes celíacos é constituída predominantemente pelas prolaminas, embora se
sugira que as gluteninas também estejam implicadas. De acordo com o cereal em
causa, a prolamina denomina-se gliadina (trigo), hordeína (cevada), secalina (centeio)
e avenina (aveia). A fração α-gliadina é considerada a porção mais nefasta. Apesar

26
do seu teor em prolaminas e gluteninas, embora baixo, estudos consideram a ingestão
de aveia segura.
A difusão das técnicas agrícolas permitiu aumentar a disponibilidade e o
consumo de trigo, sendo este um dos cereais mais cultivados globalmente. Grande
parte da produção mundial de trigo é consumida após transformação em produtos de
panificação, massas ou, mais especificamente, sob a forma de bulgur e cuscuz no
Médio Oriente e África do Norte. A ampla disponibilidade da farinha de trigo e as
propriedades funcionais das proteínas de glúten fornecem o fundamento lógico para
a sua ampla utilização em produtos alimentares.
O reconhecimento de que as reações ao glúten não se limitam à doença
celíaca levou, em 2012, ao desenvolvimento de uma nova nomenclatura e
classificação com três condições induzidas pelo glúten – doença celíaca (DC), alergia
ao trigo e sensibilidade ao glúten não celíaca (SGNC).

b. Doença Celíaca

A DC é uma enteropatia inflamatória autoimune despoletada pela ingestão de


glúten, em indivíduos geneticamente suscetíveis (HLA-DQ2, HLA-DQ8 e, em menor
frequência, genes não-HLA).
Tanto as prolaminas, como as gluteninas têm uma maior resistência à
proteólise completa pelas peptidases gástricas, pancreáticas e intestinais, devido ao
alto teor de glutamina e prolina das prolaminas e à baixa atividade
prolilendopeptidase. Nos doentes celíacos esta digestão é ainda mais ineficaz e, este
facto, aliado ao aumento da permeabilidade intestinal, explica, em parte, a patogenia
da DC.
Estes peptídeos resistentes à digestão funcionam como substrato para a
enzima transglutaminase tecidual (TGt), que se localiza predominantemente na
regiãoextracelular subepitelial, e desamina os resíduos de glutamina em ácido
glutâmico.
Estes novos resíduos, carregados negativamente, têm uma maior afinidade
para as moléculas HLA-DQ2 e HLA-DQ8 presentes na superfície das células
apresentadoras de antigénios na lâmina própria, nomeadamente macrófagos, células
dendríticas e linfócitos B. A mucosa do intestino delgado dos doentes com DC
apresenta uma população de linfócitos T CD4+ que são ativados por estes peptídeos

27
quimicamente modificados e produzem citoquinas pró-inflamatórias, nomeadamente
interferão-gama (IFN-γ) e fator de necrose tumoral α (TNF-α), acarretando além de
lesão tecidular, a ativação de linfócitos B produtores de anticorpos contra a gliadina,
TGt e endomísio. Contudo, desconhece-se se estes anticorpos são primários ou
secundários ao dano tecidual, porém sugere-se que eles possam estar envolvidos nas
manifestações extraintestinais da DC. O resultado final consiste na inflamação,
hiperplasia das criptas, atrofia das vilosidades, com consequente redução da
superfície de absorção intestinal. Apesar de serem característicos da DC, estas
alterações não são patognomónicas, pois um aspeto semelhante pode ser encontrado
na enterite eosinofílica, na intolerância às proteínas do leite, doença de Crohn, entre
outras. Entretanto, a presença de um aspeto histológico característico, que se
normaliza após o início de uma dieta isenta de glúten confirma o diagnóstico de DC.
Relativamente ao espectro epidemiológico da DC, o conceito de doença
europeia, rara, que ocorre sobretudo na infância, aquando da introdução do glúten,
alterou-se radicalmente. Atualmente, a apresentação na idade adulta é mais frequente
e a maioria dos indivíduos afetados é assintomática ou manifesta um quadro não
clássico (modelo de “iceberg”). Além disso, estima-se que 1% da população mundial
e que entre 1 em cada 100 a 1 em cada 300 indivíduos dos países ocidentais padeça
desta doença, sendo comum na Europa, América, norte de África, sudeste asiático e
Austrália. Deste modo, a DC é considerada a “intolerância” alimentar mais frequente
do mundo.
Classicamente associada a sintomas gastrointestinais (GI) intensos de má
absorção (diarreia, dor abdominal, atraso de crescimento), a maioria das pessoas
afetadas apresenta poucos ou nenhum sintoma GI (forma não clássica). Muitas das
manifestações ou doenças associadas não apontam diretamente para uma patologia
de causa intestinal, dificultando o seu diagnóstico. Contudo, podem ser explicados
pelos défices nutricionais (ex: anemia, osteoporose), por reações imunológicas
glúteninduzidas e/ou partilha do mesmo “background” genético.
Para além do aumento do consumo de glúten e das novas técnicas de
processamento dos cereais, outros fatores como tempo do aleitamento materno,
idadede introdução do glúten ou quantidades da sua ingestão, podem ser
responsáveis pelo aumento da incidência da DC e influenciar a apresentação clínica.
O papel crítico desempenhado pelo glúten é demonstrado quando os
indivíduos com DC iniciam uma dieta sem glúten (DSG), induzindo remissão clínica,

28
serológica e histológica da doença. No entanto, o número de indivíduos que consome
uma DSG parece ser bastante maior do que as estimativas de doentes com DC.

c. Sensibilidade ao Glúten não Celíaca

A proporção de pessoas com sinais e sintomas relacionados com a ingestão


de glúten, sem evidência de DC, foi ganhando visibilidade entre a comunidade médica.
Deste modo, uma nova condição clínica associada ao glúten, denominada
sensibilidade ao glúten não celíaca (SGNC), também descrita na literatura como
hipersensibilidade ao glúten ou intolerância ao glúten e originalmente descrita nos
anos 80, foi recentemente aceite. Esta é caracterizada por sintomas GI ou
extraintestinais comparáveis, em muitos casos, aos da DC. Os sintomas mais comuns
incluem dor abdominal, eczema, rash, cefaleia, “foggymind”, fadiga, diarreia,
depressão, anemia, parestesias e artralgias. Um quadro de SGNC caracterizado por
sintomas GI também pode mimetizar síndrome do intestino irritável (SII) ou uma
doença inflamatória intestinal (DII). Na verdade, um estudo demonstrou recentemente
que 30-40% dos doentes com DII (diagnosticada através dos critérios Roma III) são
doentes com SGNC. Estes manifestavam sintomas GI uma semana após a
reintrodução do glúten Porém, até à data nenhum mecanismo imunológico ou
marcador serológico específico foi identificado para a SGNC. O diagnóstico é feito por
exclusão de DC ou de alergia ao trigo, mediada por Imunoglobulina (Ig)E, e baseia-se
na relação direta entre a ingestão de glúten e o início dos sintomas. Um recente
documento do consenso de Oslo, publicado em 2012, ajuda a clarificar a terminologia
relacionada com a DC (Tabela 3).

29
Tabela 3: Definição de DC e termos associados

Fonte: Garcez, 2014

Contudo, será necessária uma revisão posterior para sistematizar alguns


conceitos menos claros.

d. Manifestações Autoimunes Extraintestinais Associadas

5.4.1 Patologia Neurológica e Psiquiátrica

Evidências sugerem que 10-22,5% dos doentes com DC manifestam alguma


forma de disfunção neurológica. Desde o primeiro estudo publicado em 1966, um
amplo espectro de manifestações neurológicas e psiquiátricas, associadas a DC,
foram relatadas ao longo do tempo. A ataxia e a neuropatia periférica são as condições
mais comumente associadas e podem estar presentes mesmo na ausência de DC.

30
A ataxia por glúten é definida como uma ataxia esporádica induzida pelo glúten,
anticorpos antigliadina positivos e presença ou não de enteropatia à biópsia. A ataxia
por glúten é considerada a causa mais comum de ataxia esporádica idiopática.
Recentemente foram detetados anticorpos plasmáticos contra a enzima
transglutaminase neuronal (TG6), nomeadamente IgG e IgA anti-tTG6, em doentes
com ataxia por glúten independentemente do envolvimento intestinal, bem como a
presença de depósitos cerebelosos destes anticorpos na necrópsia.Deste modo,
alguns autores concluíram que estes anticorpos são dependentes do glúten, sendo
necessário a ingestão de uma DSG para diminuir os seus níveis ou eliminá-los. No
entanto, outro estudo recente afirma que anticorpos anti-tTG6 não são
glútendependentes, permanecendo constantes após instituição de uma DSG. Serão
necessários mais estudos para determinar se estes anticorpos poderão ser usados
como marcador sensível e específico na ataxia por glúten.
A neuropatia periférica associada à DC consiste numa neuropatia
axonalsensitivo-motora e simétrica. Geralmente, apresenta-se por dor e parestesias
nas mãos e pés, com perda sensitiva distal. Estima-se que 34% dos casos de
neuropatia idiopática seja causada pela sensibilidade ao glúten, celíaca ou não.Outros
estudos demonstraram uma maior prevalência de DC nos doentes com epilepsia,
enfatizando a necessidade de incluir esta patologia no diagnóstico diferencial aquando
da investigação etiológica em doentes refratários. No entanto, outros estudos falharam
em demonstrar esta associação.
Foram relatados casos de esclerose múltipla em doentes com DC, no entanto
a associação entre as duas doenças é controversa. Outros casos de encefalopatia e
neuromielite ótica foram referidos como manifestações neurológicas de SGNC.
Quadros psiquiátricos também foram associados à ingestão de glúten,
nomeadamente psicose isolada, esquizofrenia, ansiedade, depressão e autismo,
alguns dos quais responderam rapidamente à dieta restritiva.

5.4.2 Patologia Dermatológica

A dermatite herpetiforme (DH) é considerada uma manifestação dermatológica


da DC. A DH é uma DAI inflamatória caracterizada pela presença de lesões
papulovesiculares pruriginosas e simétricas, especialmente nos joelhos, cotovelos,
dorso, ombros e nádegas. Apesar de apenas 5% dos doentes com DC apresentarem

31
DH, a maioria dos doentes com DH tem alterações da mucosa na biópsia intestinal,
compatíveis com DC, mesmo na ausência de sintomas GI. A prevalência de HLADQ2
e -DQ8 na DH é praticamente a mesma que na DC. Cerca de 90% dos pacientescom
DH expressa HLA e os restantes, DQ8, não existindo diferenças genéticas que
expliquem os dois fenótipos. O diagnóstico pode ser confirmado por
imunofluorescência direta da pele perilesional, onde a deposição de IgA é maior do
que nas áreas lesionadas. O tratamento reside na adesão a uma DSG, podendo
administrar-se dapsona para uma resolução mais rápida das lesões.
Estudos encontraram taxas significativamente maiores de DC em doentes com
psoríase do que na população em geral. Relatos de casos atribuíram a resolução ou
melhoria das lesões na pele à implementação de uma DSG Por outro lado, estudos
afirmam que a eliminação do glúten não parece ajudar no tratamento da psoríase e
que as associações de prevalência encontradas foram mera coincidência.Vários
mecanismos poderiam explicar a associação positiva entre estas doenças,
nomeadamente a deficiência de vitamina D, comummente encontrada na DC e que
predispõe ao desenvolvimento de psoríase, bem como o aumento da permeabilidade
intestinal, verificada tanto na psoríase como na DC.
Encontram-se descritas outras afeções cutâneas potencialmente associadas à
DC, com resposta variável à DSG, nomeadamente alopéciaareata, vitiligo,
dermatomiosite, urticária, eritema nodoso e, mais raramente, líquen plano oral e
doença de Behçet.

5.4.3 Patologia do Fígado

O envolvimento hepático na DC é variável, afetando 15-55% dos doentes.


Pode-se manifestar desde uma elevação inexplicada das aminotransferases, a
maioria das quais, responde favoravelmente à restrição de glúten, até DAIs hepáticas
clinicamente significativas, tais como hepatite autoimune (HAI), cirrose biliar primária
(CBP) e colangiteesclerosante primária (CEP). Este último grupo normalmente não
responde a uma DSG isolada.
A hipertransaminémia ligeira isolada é a forma mais comum de manifestação
hepática da DC, presente em mais de 20% dos indivíduos com diagnóstico de novo e
é uma causa potencial de hipertransaminémiacriptogénica, em 3-4% dos casos.

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A associação entre DC e CBP está bem documentada. Indivíduos com DC
apresentam um risco 3 a 20 vezes superior de ter CBP do que a população em geral,
estando presente em 3% do doentes com DC. Por outro lado, 3-7% dos doentes com
CBP apresentam DC. Também foi referida a associação entre DC e HAI. Pesquisas
que incluíram apenas pacientes pediátricos relataram uma prevalência de DC em HAI
de 11,5-46%. No entanto, a prevalência de HAI em doentes celíacos no geral, é de 3-
6%.
Outra associação descrita tem sido a relação entre DC e CEP. Estudos
estimam uma prevalência de 2-3% de DC em indivíduos com CEP e um risco 4 vezes
superior de CEP entre os doentes celíacos.
Casos de esteatose hepática também foram reportados, no entanto, devido à
elevada frequência de ambas as doenças na população geral, alguns estudos
consideram esta associação uma coincidência.
Apesar de terem sido propostas várias hipóteses, o mecanismo fisiopatológico
subjacente às alterações hepáticas da DC continua por definir. Partilha de fatores
genéticos, aumento da permeabilidade intestinal e circulação de anticorpos anti-tTG
através da veia porta são alguns dos mecanismos propostos para a lesão hepática.
Devido ao envolvimento hepático, relativamente comum nesta enteropatia,
recomenda-se uma avaliação dos níveis de transaminases em todos os pacientes com
DC e uma triagem serológica rotineira de anticorpos IgAanti-tTG em doentes com
alterações da função hepática sem explicação aparente.

5.4.4 Endocrinopatinas

Distúrbios endócrinos autoimunes ocorrem com maior frequência em doentes


com DC do que na população geral, em especial diabetes tipo 1 (DM1), doença de
Addison e tiroidite autoimune.
A doença celíaca afeta pelo menos 10% dos doentes com DM1, em algum
momento das suas vidas, com uma prevalência que varia entre 0,6% -16,4%, de
acordo com diferentes estudos. Menos de 10% dos doentes com DM1 que
desenvolvem DC manifestam sintomas GI, enquanto a maioria das crianças é
assintomática ou apenas ligeiramente sintomática. Estes dados sugerem a
importância do rastreio da DC em pacientes com DM1, no momento do diagnóstico e
posteriormente. Por outro lado, estudos sugerem que o glúten poderá funcionar como

33
trigger para a DM1, mesmo na ausência de DC. Pelo menos um caso, recentemente
reportado, descreve a remissão da doença numa criança diabética, sem DC, através
da manutenção de uma DSG e sem uso de insulinoterapia.
Pacientes com doença de Addison são considerados um grupo de risco para o
DC. Vários estudos relataram alta prevalência de DC entre doentes com esta
endocrinopatia, variando de 5% a 12%. Por outro lado, esta associação também foi
confirmada ao demonstrar-se um risco aumentado de doença de Addison entre
doentes celíacos. Contudo, alguns estudos referem que uma DSG não modifica a
história natural da doença de Addison.
Estima-se que 2-7% dos doentes com patologia autoimune da tiróide (doença
de Graves e tiroidite de Hashimoto) tenha DC, sendo esta a patologia autoimune mais
comummente associada à patologia autoimune da tiróide. O inverso também foi
descrito; até 26% dos doentes celíacos apresenta serologia positiva para doença
autoimune da tiróide e em 10% dos casos foi detetada disfunção tiróidea. Estima-se
que os doentes celíacos tenham um risco 3 vezes superior ao grupo de controlo, para
a doença em causa. Em relação ao efeito da prescrição de DSG sobre a patologia
tiróidea, os estudos revelam resultados contraditórios.

5.4.5 Doença Reumática e do Tecido Conjuntivo

Estudos referem que a prevalência de DC é maior em doentes com síndrome


de Sjögren do que na população em geral, estimada em 4,5-15%, e que há um grande
risco de progressão para linfoma. Uma DSG pode ter efeitos benéficos sobre a
inflamação, porém, outras investigações não apoiam estes resultados. Por outro
lado,sugere-se a existência de doentes, simultaneamente, com síndrome de Sjögren
e SGNC.
Em relação à artrite juvenil idiopática, estima-se que 2,5-7% dos doentes
padeçam de DC.
A DC também foi associada a síndrome antifosfolipídico e lúpus eritematoso
sistémico (LES). No entanto, os artigos são escassos e, maioritariamente do tipo
“case-report”. Relativamente ao LES, um estudo recente, usando como controlos
indivíduos da população geral, estima que doentes celíacos tenham um risco 3 vezes
superior ao da população geral de ter LES, mas o risco absoluto foi baixo.

34
5.4.6 Outros

Outras doenças foram também associadas à DC, sugerindo-se algum


componente autoimune envolvido, como por exemplo, cardiomiopatia dilatada,
pericardite, sarcoidose, púrpura trombocitopénica idiopática, fenómenos
tromboembólicos, pancreatite e colite microscópica.

e. A Dieta sem Glúten

Atualmente, a manutenção de uma DSG é o único tratamento disponível para


a DC. Na maioria dos doentes, há uma resolução completa dos sintomas e
normalização da serologia, com consequente diminuição da utilização dos cuidados
de saúde.
No entanto, a adesão a uma dieta restritiva nem sempre é fácil e o custo dos
produtos de substituição é maior do que o dos alimentos tradicionais. Por outro lado,
produtos rotulados como “sem glúten” podem não ser obrigatoriamente 100% livres
de glúten. A comissão alimentar CODEX estipulou que a quantidade de glúten nestes
produtos pode ir até 2mg/100g ou 20mg/kg de alimento ou 20ppm. Apesar de ser
considerada uma quantidade segura, estudos relatam casos de doentes que
manifestam sintomas e lesão intestinal mesmo com estas quantidades residuais.
Ademais, possíveis contaminações por glúten durante o processo de fabricação
dos alimentos podem aumentar a probabilidade de transgressões alimentares
involuntárias. Tudo isto pode estar na origem da refratariedade da doença à DSG,
numa proporção significativa de doentes celíacos. Por outro lado, os doentes celíacos
têm maior probabilidade de possuírem outras DAIs que podem não responder à DSG,
como é o caso da doença de Addison e, possivelmente LES. Já a DH tem
praticamente uma resolução completa com a manutenção de uma DSG. Outra
hipótese colocada é de que as DAIs podem ser revertidas em crianças mas não no
adulto.
Como já referido anteriormente, vários estudos avaliaram o impacto da DSG
em doentes com DC e outras DAIs concomitantes, contudo mostrando resultados
controversos. Diagnóstico incorreto, duração da dieta insuficiente ou sintomas

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relacionados com outras patologias não associadas ao glúten são outras causas de
DC refratária aparente.
No caso da SGNC, uma DSG também é a única ferramenta disponível para
prevenir sintomas. Urge a necessidade de estudos multicêntricos para as condições
relacionadas com a ingestão de glúten, incluindo autismo e esquizofrenia, em que a
SGNC tem sido apontada como uma possível causa num subgrupo de doentes.
Além disso, estudos recentes têm dado relevo às dietas baixas em
carbohidratosfermentáveis, mal absorvidos, oligossacarídeos, dissacarídeos,
monossacarídeos e polióis (FODMAP). Uma dieta rica em FODMAP tem sido
associada ao agravamento dos sintomas, pelo menos nos doentes com SII, e
possivelmente nos doentes com SGNC. Esta lista inclui frutanos, galactanos, frutose,
e polióis que estão contidos em vários alimentos, incluindo trigo, legumes e derivados
do leite. Contudo já existemestudos sem evidência de que uma dieta pobre em
FODMAP seja benéfica nos doentes com SGNC. Por outro lado, proteínas do trigo,
nomeadamente os inibidores de amilase-tripsina, também têm sido implicadas.
Apesar de algumas contradições, os resultados sugerem que a SGNC pode não ser
sempre uma condição isolada e pode envolver a interação, potenciação, ou
sobreposição com outro tipo de sensibilidades.

f. O Cloreto de Sódio e as Doenças Autoimunes

A recente identificação de linfócitos Th17 (LTh17), uma terceira linhagem de


células T helper (Th), colapsa com o longo paradigma de que as células Th1 e Th2
medeiam distintamente a imunidade celular e humoral, respetivamente. Esta nova
subpopulação tem demonstrado um papel importante nos distúrbios inflamatórios
autoimunes, além da defesa contra bactérias extracelulares e fungos, particularmente
nas superfícies mucosas.
Os LTh17 foram originalmente descritos em modelos experimentais de
DAIscomo encefalite autoimune, artrite induzida por colagénio e uveíte autoimune,
que antes se acreditava serem mediadas predominantemente por células Th1 e pelas
citoquinas envolvidas na sua diferenciação. Esta nova via de diferenciação Th
começou a ser elucidada com a descoberta da citoquinainterleucina (IL)-23 que,
juntamente com IL-1β e IL-6, pode levar ao desenvolvimento de DAIs, devido à sua
ação pró-inflamatória e indutora da diferenciação de LTh17. O

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transforminggrowthfactor (TGF)-β também promove o desenvolvimento dos LTh17,
quando outros mediadores da inflamação, como IL-6 e -1, estão presentes. Por outro
lado, por ser um supressor potente da diferenciação dos fenótipos Th1 e Th2, esta
citoquina remove o efeito inibidor desses dois subtipos sobre o desenvolvimento dos
LTh17. A diferenciação do fenótipo Th17 é assim inibida pelo IFN-γ e IL-4. A IL-23
parece ser mais importante para a proliferação e manutenção das células Th17 do
que para a sua indução.
Os LTh17 produzem citoquinas IL-22, IL-26 e citoquinas da família IL-17 (A e
F). Estas últimas são potentes indutoras da inflamação, induzindo à infiltração celular
e produção de outras citoquinas pró-inflamatórias. Também podem ser produzidas
pelos neutrófilos, células natural killer, células T (αβ e γδ), entre outras. Sobre
condições não patológicas, os LTh17 existem maioritariamente no intestino delgado e
em pequenas quantidades. A combinação de citoquinas que induzem o
desenvolvimento das células Th17 pode ser produzida não apenas em resposta a
patogéneos particulares, como os fungos, mas também em resposta à microbiota
intestinal, nomeadamente bactérias filamentosas. Antibióticos como a vancomicina
suprimiram eficazmente a população de Th17 do intestino, presumivelmente por
eliminar estas bactérias. Estudos recentes têm explorado potenciais efeitos protetores
dos antibióticos na suscetibilidade à Artrite Reumatóide (AR) em ratos. Sugere-se,
deste modo, que a composição da microbiota intestinalpossa influenciar a quantidade
e o fenótipo das células Th17 no intestino, equilibrando a população de células Th17
com as células T reguladoras (Treg).
Por estar intrinsecamente relacionada, a dieta constitui outra hipótese a
considerar entre os fatores de risco ambientais para DAIs. A título de exemplo, um
estudo verificou que a microbiota intestinal de um grupo de crianças africanas
residentes numa zona rural diferia da de um grupo de crianças europeias. O primeiro
grupo apresentava maiores quantidades de ácidos gordos de cadeia curta do que o
segundo. Dado que a microbiota intestinal parece ter um papel importante na
manutenção da homeostase do intestino e, possivelmente, na prevenção de
autoimunidade, torna-se evidente que os hábitos alimentares dos países menos
desenvolvidos podem explicar a baixa incidência de DAIs nessas populações.
Outros dados recentes sugerem que fatores ambientais, como a concentração
de cloreto de sódio (NaCl) presente na dieta, pode ser responsável, em parte, pelo
aumento da incidência de DAIs. A relação entre o sal e o sistema imunitário não é

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nova e já em 2009 um estudo divulgou que a alimentação de ratos com uma dieta rica
em sal modificava a função dos macrófagos residentes no interstício da pele. Estas
alterações caracterizavam-se pela ativação da proteína TonEBP (“tonicity-
responsiveenhancerbindingprotein”), intrínseca aos macrófagos, com a consequente
secreção do fator de crescimento endotelial vascular do tipo C (VEGF-C). Este
mecanismo foi implicado na regulação do sódio e da pressão arterial, ao estimular a
linfogénese e aumentar a depuração de sal. Por outro lado, a bloqueio do sistema
renina-angiotensina pode modular a resposta imunológica, ao suprimir o fenótipo Th1
e Th17 auto-reativos e estimular a atividade das Tregs, com consequente reversão da
encefalomielite autoimune experimental (EAE).
Estudos mais recentes tentaram averiguar o efeito da concentração de sal nos
linfócitos T CD4+, tanto in vitro (células humanas) como in vivo (ratos). Na primeira
experiência, a criação de um ambiente celular hipertónico, de forma a simular o
interstício de animais alimentados com uma dieta rica em sal, promoveu
acentuadamente a via de diferenciação Th17 e a secreção de IL-17A. Este efeito era
dependente da dose, e a indução óptima de IL-17A foi conseguida através do aumento
da concentração de NaCl para 40 mM e na presença de citoquinas indutoras
(TGFβ1/IL-1β/IL-6/IL-21/IL-23). O TNF-α foi também induzido e níveis adicionais de
NaCl provocaram a morte celular. Procedimentos posteriores confirmaram que a
substância ativa era o catião de sódio (e não o ião cloreto) e que esse efeito era
específico para a via de diferenciação Th17(Figura 1).

Figura 1: Citoquinas requeridas para a indução ótima das células Th17 em meio com alta
concentração de NaCL. Células TCD4+ “naive” humanas foram estimuladas com anti-CD3 e
anti-CD28 e mais as citoquinas indicadas, na presença ou não de 40mM adicionais de NaCL

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Fonte: Garcez, 2014
Análises de “microarrays” permitiram deduzir que condições de alta salinidade
ativavam a via p38/MAPK, envolvendo o fator nuclear de células T ativadas 5 (NFAT5,
também chamado TonEBP) e a proteína quinase regulada pelo soro e pelo
glucocorticóide (SGK1). O silenciamento genético ou a inibição química destas
proteínas evitava a conversão em células Th17, induzida pelo alto teor de NaCl.
Assim, o aumento da ingestão de sal dietético pode representar um fator de risco
ambiental para o desenvolvimento de DAIs em indivíduos suscetíveis, através da
indução do fenótipo patogénico das células Th17.

g. O Leite e as Doenças Autoimunes

Vários estudos epidemiológicos e ecológicos sugerem a associação entre o


consumo de leite bovino (fórmulas infantis láteas convencionais) com a DM1, em
especial quando a exposição a este alimento é precoce e na presença de haplótipos
HLA suscetíveis. Outros estudos demonstraram resultados contraditórios, no entanto,
esta discrepância pode ser explicada pela variabilidade cultural entre países,
nomeadamente no que refere à escolha do primeiro alimento “externo” a ser
introduzido na dieta da criança, bem como ao uso de fórmulas hidrolisadas. Na
verdade, um estudo randomizado efetuado em crianças com haplótipos suscetíveis
verificou que o grupo alimentado com fórmula hidrolisada apresentou uma diminuição
de auto-anticorpos na ordem dos 50 a 60% ao fim de 10 anos, comparativamente com
o grupo alimentado com fórmula convencional.
O mecanismo pelo qual a fórmula hidrolisada pode conferir proteção contra a
DM1 ainda permanece incerto. Um dos mecanismos propostos refere-se à ausência
de insulina bovina. A fórmula com caseína altamente hidrolisada não contém proteínas
intactas, nomeadamente a insulina bovina, que difere da insulina humana em 3
aminoácidos. Estudos demonstraram que crianças com menos de 3 meses de idade
alimentadas com fórmula convencional apresentavam uma resposta imune contra a
insulina bovina, resposta que se vai atenuando ao longo do tempo.
Contudo, algumas crianças, nomeadamente as que manifestavam sinais
precoces de autoimunidade contra células β pancreáticas, não tendiam a desenvolver
tolerância oral à insulina bovina. Deste modo, colocou-se a hipótese que este
fenómeno poderia originar reações cruzadas com a insulina humana e culminar em

39
DM1. Estudos posteriores corroboraram estes resultados e, atualmente, sugere-se
que a introdução precoce de insulina bovina está associada a um aumento de DM1
em indivíduos suscetíveis e resulta da interação com a microbiota intestinal,
permeabilidade intestinal e tolerância imunológica.
A hipótese de uma ligação entre o consumo de leite e esclerose múltipla (EM)
tem sido levantada desde 1970. Mais tarde, estudos epidemiológicos apoiaram esta
hipótese. Foi proposto que esta associação se deve ao mimetismo molecular entre a
glicoproteína de oligodendrócito (presente na baínha de mielina do SNC) e a
butirofilina (a proteína mais representativa da membrana dos glóbulos de gordura do
leite). Um estudo mais recente teve como objetivo verificar a presença de anticorpos
IgG, IgM e IgA contra proteínas do trigo (α e у-gliadina) e leite (α, βcaseína, butirofilina)
em doares de sangue e verificar a reação cruzada com antigéniosneuronais,
nomeadamente peptídeos cerebelosos, descarboxilase do ácido glutâmico (GAD-65),
glicoproteína do oligodendrócito e proteína básica de mielina.
Este estudo concluiu que um subgrupo de doadores de sangue pode reagir e
produzir níveis significativos de anticorpos contra antigénios do trigo e do leite que
reagem de forma cruzada com diferentes antigénios neuronais, com possíveis
implicações na indução de reações neuroimunes.
Mimetismo molecular entre peptídeos do leite e colagénio humano foi outra
hipótese proposta para relacionar a AR com o consumo de leite. Contudo, os estudos
científicos que exploram esta associação e de outras DAIs (por exemplo doença de
Behçet, síndrome de Sjögren) são escassos. Por outro lado, o efeito benéfico de
manipulações dietéticas na AR, por exemplo, dietas vegetarianas, é ainda incerto.
De salientar ainda a associação entre DC e a intolerância alimentar ao leite
devido à diminuição de lactase originada pela atrofia das vilosidades intestinais. Deste
modo, recomenda-se uma restrição de produtos láteos nos primeiros meses da DSG,
sob pena de esta última não induzir uma remissão clínica eficaz nos doentes celíacos.

h. Outros Potenciais Triggers de Doenças Autoimunes

Muitos estudos têm apontado outros fatores nutricionais como possíveis


triggers em DAIs ou doenças inflamatórias crónicas. Um estudo prospetivo associou
o elevado consumo de carne vermelha com o risco aumentado de AR. Contudo,
estudos posteriores não conseguiram confirmar estes resultados.

40
O consumo de glicoalcalóides (α-sonanina e α-chaconina), presentes na batata
e mais concentrados nas batatas fritas, foram implicados na alteração da integridade
intestinal, com consequente agravamento da DII. Estas moléculas estão presentes na
batata como mecanismo de defesa contra fungos, bactérias e parasitas. Em modelos
de ratos com deficiência de IL-10, os alcalóides afetaram a permeabilidade das células
intestinais, porém, o mesmo não se verificou em ratos normais, sugerindo que os
doentes com DII também mostram predisposição a este efeito adverso.
O L-canavanina é um aminoácido não proteico, análogo da L-arginina, com a
diferença de um átomo de oxigénio no lugar de um grupo metileno. Assim,
Lcanavanina pode ser trocada e substituir a L-arginina durante a síntese de proteínas
pela enzima RNAtarginil-sintetase e produzir proteínas não funcionais, incapazes de
formar interações iónicas importantes. A L-canavanina induz apoptose celular e uma
fonte de auto-antigénios pode ser fagocitada e processada por proteases
endossómicas, causando disrupção antigénica.
A associação com LES foi primeiramente descrita num voluntário que
desenvolveu lúpus após ingestão de sementes de alfafa (ricas em L-canavanina) num
ensaio clínico sobrehipercolesterolémia. Estudos posteriores corroboraram esta
associação em macacos alimentados com alfafa, que acabaram por desenvolver LES.
A indução ou exacerbação do LES por comprimidos de alfafa, relatada em alguns
casos, permanece controversa. A incorporação da canavanina pode ser mais eficiente
na presença de inflamação ou outras condições que podem causar deficiência de
arginina. Estudos epidemiológicos sobre a relação entre a alfafa e SLE são escassos.
Muitos estudos já relacionaram o consumo crónico de álcool com alteração da
microbiota e aumento da permeabilidade intestinal. Contudo a associação direta com
o desenvolvimento de DAIs é insustentável. Por outro lado, estudos consideram que
o consumo moderado de álcool pode ter efeitos protetores contra o desenvolvimento
de LES. Assim, a discussão mantém-se acesa.

i. Testes de Sensibilidade Alimentar

A impossibilidade de um tratamento curativo, aliada às crenças dos doentes,


leva-os muitas vezes a recorrer às medicinas não convencionais, intituladas de
“complementares”, cuja atenção é direcionada muitas vezes para a dieta do doente.

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Restrições dietéticas são muitas vezes recomendadas tendo em consideração o
resultado de “testes de sensibilidade alimentar”, muito em voga hoje em dia, apesar
da falta de evidência clínica.
A sensibilidade alimentar é um termo não específico, recentemente utilizado,
para descrever sintomas relacionados com os alimentos. Demarca-se da alergia
alimentar (mediada por IgE, que ocorre de forma reprodutível, aquando da exposição
a antigénios alimentares) por se manifestar de forma menos exuberante e tardia.
Destaca-se também da intolerância alimentar, por se considerar ser mediada pelo
sistema imunitário (nomeadamente por IgG), ao contrário daquela.
As análises laboratoriais de pesquisa de IgG alimentares têm sido também
designadas por "testes de intolerância alimentar”, o que tem criado alguma confusão.
Nestes testes são determinadas IgG/IgG4 específicas para uma bateria muito
alargada de alimentos e aditivos in vitro, através do método ELISA (“enzyme-
linkedimmunosorbentassay”) e FLISA (“fluorescence-linkedimmunosorbentassay”).
Os resultados são depois entregues ao indivíduo num documento onde se encontram
listados vários alimentos por categorias, indicando quais os que deve evitar.
Segundo a Academia Europeia de Alergia e Imunologia Clínica e a Academia
Americana de Asma, Alergia e Imunologia os testes supracitados apenas identificam
a exposição prévia e prolongada ao alimento, constituindo uma resposta fisiológica
normal do organismo. Muitas amostras de soro apresentaram resultados IgG4
positivos em crianças e adultos saudáveis, não se relacionando com a presença de
sintomas. Outros estudos não conseguiram provar uma associação entre os níveis de
IgG/IgG4 com as queixas alimentares de doentes com SII, enquanto outros, a favor
da sua utilidade, foram mal conduzidos.
Relativamente ao seu papel diagnóstico nas alergias ou intolerâncias, este
teste não é considerado relevante e não deve substituir a história clínica, “prick-test”
e o teste de provocação oral. Pesquisas efetuadas nos anos 80, apontaram a IgG4
como possível ativador de basófilos, com consequente libertação de histamina,
sugerindo um papel na resposta alérgica. No entanto, estes resultados não foram
sustentados em estudos posteriores. Outra preocupação inerente prende-se com a
possibilidade de indivíduos com alergias alimentares serem aconselhados
areintroduzir o alergénio em causa, com base no resultado da concentração da IgG
alimentar, que pode não estar elevada em todas as situações.

42
Cada vez mais evidências sugerem que os níveis de IgG4 resultam da atividade
das células Tregs, associadas à libertação de IL-10 e à indução de tolerância
imunológica. Análises recentes apoiam esta ideia ao mostrarem que o
desenvolvimento da tolerância imunológica ao leite bovino em crianças foi associado
a um aumento da concentração de IgG4 correspondente.
Aquelas organizações alertam ainda para as consequências nutricionais,
metabólicas e para o impacto na qualidade de vida dos indivíduos decorrentes das
restrições dietéticas, principalmente em crianças. Uma possível indicação para este
teste é a deteção de IgG contra gliadina na DC, mas apenas na presença de
deficiência de IgA.

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3. REFERÊNCIAS

Isabella Costa, Milena Custódio, Vanessa Coutinho, Rafaela Liberali.Terapia


Nutricional em Doenças Neurológicas - Revisão de Literatura. RevNeurocienc
2010;18(4):555-560.

Érica Pereira, Marion Alves, Thaiana Sacramento, Vera Lúcia Rocha. Dieta
Cetogênica: Como O Uso De Uma Dieta Pode Interferir Em Mecanismos
Neuropatológicos. R. Ci. méd. biol. 2010; 9(Supl.1):78-82.

Natalia Regina Silva de Oliveira et al. DietoterapiaPara Portadores De HIV.


Faculdade Atenas. Disponível em:
http://www.atenas.edu.br/uniatenas/assets/files/magazines/_7___DIETOTERAPIA_P
ARA_PORTADORES_DE_HIV.pdf. Acesso em 07 out 2020.

Daniela Rocha Garcez. O Papel Da Nutrição Nas Doenças Autoimunes. Porto,


Junho de 2014.

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