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INTRODUÇÃO

No âmbito dos esforços empreendidos para reduzir o analfabetismo na província


de Nampula e com base nas directrizes da Estratégia Nacional de Combate ao
Analfabetismo, o Governo da província concebeu o Programa Nampula
Alfabetizada 2011-2015, (PRONA) com a missão de promover, coordenar e
garantir o acesso à alfabetização enquadrada na educação básica para jovens e
adultos, em parceria com vários sectores da sociedade, com vista à redução da
taxa de analfabetismo de 62.3% para 30%, até 2015.

Para o cumprimento dos seus objectivos, o PRONA conta com alguns parceiros,
nomeadamente, Gabinete do Movimento de Alfabetização, Sociedade Civil,
Instituições de Ensino, Sector Público, Sector Privado e pessoas individuais e
colectivas. No âmbito das parcerias com partes interessadas na problemática de
alfabetização, foram instituídos na província diversos programas de
alfabetização tais como Alfa Regular, Alfa Rádio, Programa Família Sem
Analfabetismo e HIV Sida (PROFASA), Alfalit, Reflect, que operam sob tutela do
sector da Educação. Trata-se de programas concebidos, financiados e
implementados pelos próprios parceiros e, muitas vezes, direccionadas para as
mesmas comunidades. É o caso da comunidade de Omalapala, no distrito de
Malema, província de Nampula, onde estão a ser implementados, em simultâneo
quatro programas, tendo como grupo alvo as mesmas pessoas e no mesmo
período lectivo.

O interesse pela temática surgiu, pelo facto de a autora ser formadora do


Instituto de Formação de Educadores de Adultos (IFEA) de Mutauanha, e com o
desejo de compreender em que medida as práticas educativas desenvolvidas
pelos diferentes actores de AEA na Províncias de Nampula contribuem para o
acesso e retenção de adultos no Subsistema de Alfabetização e Educação de
Jovens e Adultos.

A Optou-se por se fazer um estudo de caso, de uma comunidade, a de


Omalapala, no distrito de Malema, por constituir um exemplo típico de
concentração de vários actores de AEA com modelos de alfabetização
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diferentes por um lado, e, por outro lado, sentiu-se, durante as campanhas de


monitoria aos formandos do IFEA, haver um certo desequilíbrio no nível de
concorrência de alfabetizandos, com tendência para a procura de programas de
certos actores em detrimento de outros. Outro factor que influenciou a opção
pela comunidade de Omalapala é o facto de se ter constatado maiores taxas de
desistência de alfabetizandos vinculados ao programa PROFASA, aquando da
avaliação efectuada em 2012.

Face a esta realidade e tendo em conta que cada parceiro usa seu programa e
metodologias diferentes, surge a seguinte questão: De que modo os modelos
de programas de Alfabetização e Educação de Adultos praticados por
diferentes programas contribuem para o acesso e retenção de adultos nos
centros de alfabetização na comunidade de Omalapala no distrito de
Malema?

O estudo teve como objectivo analisar em que medida a implementação de


variedades de programas de alfabetização na mesma comunidade influencia na
aderência e retenção de alfabetizandos.

Especificamente, o estudo tinha em vista:

 Identificar os programas de alfabetização e educação de adultos


aplicados por diferentes actores na comunidade de Omalapala;
 Averiguar os critérios de alocação dos programas às comunidades pelos
gestores do sector de A.E.A. do distrito Malema.
 Verificar as práticas desenvolvidas pelos programas aplicados na
comunidade.
 Analisar os efeitos de cada programa na satisfação e retenção dos
alfabetizandos nos centros de A.E.A. de Omalapala.

O estudo empírico foi orientado no sentido de responder às seguintes


questões de investigação:

 Quais são os programas de AEA que operam na comunidade de


Omalapala?
 Que procedimentos são usados pelos gestores de programas de AEA
para direccionar os programas às comunidades no distrito de Malema?
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 Que práticas são desenvolvidas pelos actores de A.E.A. afectos à


comunidade de Omalapala com vista ao acesso e retenção dos
alfabetizandos nos programas de alfabetização e educação de adultos?
 Em que medida as práticas de A.E.A. desenvolvidas por cada um dos
actores influencia no acesso e retenção dos adultos nos centros de
alfabetização em Omalapala?

A recolha de dados foi feita mediante entrevistas semi-estruturadas aos


beneficiários dos programas de alfabetização em Omalapala e aos técnicos de
AEA do distrito de Malema.

A estrutura desta dissertação conta com quatro capítulos: o primeiro capítulo


descreve todo percurso metodológico da pesquisa, no qual se fez a opção e a
justificativa para cada elemento constantes desta parte do trabalho. O segundo
capítulo versa sobre a reflexão teórica da trajectória da Alfabetização e
Educação Adultos em Moçambique antecedida da breve discussão dos modelos
de educação de adultos. O terceiro aborda a alfabetização e educação de
adultos em Moçambique numa retrospectiva histórica. No quarto e último
capítulo, expõe-se dados empíricos, para além do tratamento e sua análise.
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CAPITULO I: METODOLOGIA E CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTUDO


Neste capítulo, procura-se caracterizar e justificar as opções metodológicas que
orientaram este estudo, dando destaque aos seguintes aspectos: a
fundamentação do estudo, a caracterização da pesquisa, os instrumentos para a
recolha de dados, as bases para a escolha dos sujeitos que participaram no
estudo e os procedimentos de análise e interpretação dos dados.

1.1 Fundamentação do estudo

Entre as questões com que se depara o Sistema de Educação de Moçambique,


o acesso e a retenção dos beneficiários ocupa um lugar de particular
importância, com efeito, estes dois aspectos se configuram como sendo os
elementos fundamentais para o sucesso da educação e exercício da cidadania,
uma vez que, através deles, se assegura a entrada e permanência de crianças,
de jovens e adultos nos programas de educação, em todos os níveis.

No caso específico do Subsistema de Alfabetização e Educação de Adultos, o


acesso e retenção nos programas de AEA é o primeiro pilar da estratégia de
acções do governo moçambicano e visa possibilitar o desenvolvimento de
acções que contribuam para que jovens e adultos não alfabetizados e que não
tenham o ensino primário completo adiram e permaneçam nos programas de
educação de adultos.

Nesse sentido, o esforço a ser empreendido é o de criar condições para que


estes grupos estejam suficientemente motivados para frequentarem os cursos
oferecidos nos programas de AEA e ENF, inserirem-se activamente na sua
família e comunidade, actualizarem-se de acordo com as necessidades e
prosseguirem os seus estudos até elevados níveis de escolaridade e
profissionais adequando-se às exigências sociais. Trata-se aqui de garantir que
os grupos-alvo beneficiem de forma igualitária, das oportunidades, de acordo
com as suas especificidades.
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Para o efeito, o governo de Moçambique conta com a participação de parceiros


nacionais através dos Governos Locais que para além de garantir a articulação e
coordenação lhes cabe o papel de fazer a provisão de recursos e a
implementação dos programas e iniciativas de alfabetização nas suas diferentes
formas, incluindo habilidades para a vida, em parceria com a Sociedade Civil,
Empresas Públicas e Privadas, Programas e Projectos financiados pelos
parceiros de cooperação, tais como, Alfa Regular, Alfa-Rádio, Alfalit, Família
Sem Analfabetismo, Reflect e em línguas locais, e ainda, Confissões Religiosas,
Escolas, Centros de Alfabetização e Educação de Adultos e outras formas de
organização das comunidades.

É da necessidade de verificar em que medida a implementação de diferentes


programas de AEA nas comunidades de Omalapala, distrito de Malema,
contribui para a acesso e retenção de alfabetizandos, o que fez com que se
decidisse realizar a presente pesquisa, cujo objecto é factores que
condicionam o acesso e aderência dos adultos nos diferentes programas
de AEA, tendo como caso a comunidade de Omalapala, no distrito de Malema,
província de Nampula, no norte de Moçambique.

1.2 Delineamento da pesquisa

Esta pesquisa foi fundamentada, predominantemente, na metodologia qualitativa


que se enquadra no paradigma construtivista de pesquisa, e privilegia,
essencialmente, a compreensão dos problemas a partir da perspectiva dos
sujeitos da investigação.

Das inúmeras características que a tornam diferente da pesquisa quantitativa


destacam-se: o facto de na pesquisa qualitativa o trabalho de campo ser fonte
directa de dados e o pesquisador ser o instrumento principal; pelo carácter
descritivo e pôr o significado que as pessoas dão às coisas e à sua vida ser
preocupação do investigador. No entanto, a literatura relativa à pesquisa
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qualitativa mostra que cada autor enfatiza alguns aspectos que a distinguem da
pesquisa quantitativa.

PATTON (1986, apud ALVES, 1991) destaca três características inerentes à


pesquisa qualitativa: visão holística, abordagem indutiva e investigação
naturalística. Segundo o mesmo autor, a visão holística parte do princípio de que
a compreensão do significado de um comportamento ou evento só é possível
em função da compreensão das interpelações que emergem do contexto,
enquanto a abordagem indutiva é aquela em que o pesquisador parte de
observações mais livres, deixando que as dimensões e categorias de interesse
emerjam progressivamente durante o processo de recolha de dados; por último,
a investigação naturalística é aquela em que a intervenção do pesquisador no
contexto observado é reduzida ao mínimo.

Convêm realçar o facto de existir uma multiplicidade de características que nem


sempre representam consenso entre os pesquisadores qualitativos; ALVES
(1991) cita como exemplos LICOLN e GUBA (1985) que apresentam 14
características, e outros como MILES e HUMBERMAN (1984) que questionam
as vantagens de “uma abordagem altamente indutiva”. Contudo, e apesar de
divergências, Alves reconhece a existência de pontos comuns da pesquisa
qualitativa que fundamentalmente a distinguem da pesquisa quantitativa, ou
seja,

se para o positivismo existe uma realidade exterior ao sujeito que pode


ser reconhecida objectivamente, e cujos fenómenos podem ser
fragmentados e explicados através de relações de causa-efeito
amplamente generalizáveis, para os qualitativos a realidade é uma
construção social da qual o investigador participa e, portanto, os
fenómenos só podem ser compreendidos dentro de uma perspectiva
holística, que leve em consideração os componentes de uma situação
em suas interacções e influencias recíprocas o que exclui a
possibilidade de se identificar relações lineares de causa efeito e de se
fazer generalizações de tipo estatístico (1991: 55).

No paradigma positivista busca-se a independência entre o sujeito e o objecto, e


a neutralidade no processo de investigação, enquanto no paradigma qualitativo
o conhecedor e o conhecido estão sempre em interação e a influência de
valores faz parte do processo de investigação.
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MEIRINHO e OSÓRIO (2010) citando STAKE (1990) distinguem a pesquisa


qualitativa da pesquisa quantitativa, focalizando a sua atenção em três aspectos:
a distinção entre a explicação e a compreensão, a distinção entre função
pessoal e impessoal do investigador, e a distinção entre o conhecimento
descoberto e construído. Para aqueles autores, a distinção entre a explicação e
a compreensão implica distinguir a pesquisa qualitativa da quantitativa não com
base na recolha de dados qualitativos ou quantitativos, mas no facto de na
pesquisa quantitativa se destacar a explicação e o controlo, a busca da relação
causa-efeito e na generalização dos resultados. Em contrapartida, na pesquisa
qualitativa procura-se a compreensão das complexas inter-relações que
acontecem na vida real.

Quanto à distinção entre função pessoal e impessoal do investigador, STAKE


(1990) aponta:

Nos modelos quantitativos habituais o investigador exerce um esforço


para limitar a sua função de interpretação pessoal, desde que se inicia o
desenho da investigação até que se analisam estatisticamente os dados.
(…) as perguntas procuram a relação entre um pequeno número de
variáveis. O esforço vai para a operacionalização dessas variáveis e
para reduzir ao mínimo o efeito da interpretação, até que os dados
sejam analisados. Aqui é importante que a interpretação não mude o
rumo da investigação. Por outro lado os modelos qualitativos sugerem
que o investigador esteja no trabalho de campo, faça observação, emita
juízos de valor e que analise, (…) é essencial que a capacidade
interpretativa do investigador nunca perca o contacto com o
desenvolvimento do acontecimento (cit in MEIRINHO e OSÓRIO,
2010:51).
Em relação ao terceiro aspecto que diz respeito à distinção entre o
conhecimento descoberto e construído, na óptica de STAKE, a realidade não
pode ser descoberta, mas sim interpretada e construída, ou seja, “em qualquer
investigação não existe descoberta de conhecimento, como é pretensão da
investigação quantitativa, mas sim a construção de conhecimento”.

A partir do exposto até aqui, fica claro que a abordagem qualitativa enfatiza a
compreensão e admite que a realidade é subjectiva, inatingível e holística, ou
seja, admite uma visão pluralista da realidade de acordo com as interpretações
dos indivíduos que a procuram interpretar.

Outro aspecto característico da pesquisa qualitativa é o facto de ela ser


descritiva, ou seja, “os dados recolhidos são em forma de palavras, imagens e
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não de números”; a pesquisa qualitativa dá primazia às citações feitas com base


nos dados como ilustração. Como afirmam Bogdan e Biklen “na busca do
conhecimento os investigadores qualitativos não reduzem as muitas páginas
contento narrativas e outros dados a símbolos numéricos. Tentam analisar os
dados em toda a sua riqueza, respeitando, tanto quanto o possível, a forma em
que estes foram registados ou transcritos” (1994: 48).

A outra característica marcante da pesquisa qualitativa é a impossibilidade de


generalizar os resultados; de facto, e como afirma o Thiry-cherques (2009: 21),
enquanto “o valor da pesquisa quantitativa reside na capacidade de
universalização dos resultados obtidos, valor da pesquisa qualitativa é função da
adequação dos resultados obtidos a grupos ou indivíduos que guardam
similaridades com os examinados” ou, nas palavras de Alves, assim como o
pesquisador tradicional deve-se preocupar com a validade, generalidade,
fidedignidade e objectividade de seu design, o pesquisador qualitativo precisa
planear o seu estudo de modo a obter credibilidade, transferibilidade,
consistência e confirmabilidade, critérios esses que se conseguem com recurso
à “checagem dos resultados pelos participantes, o questionamento de colegas e
a triangulação” (1991:61).

1.3 Participante no estudo

Ficou claro que em pesquisas qualitativas a preocupação não é a generalização


dos resultados, mas a credibilidade, transferibilidade, consistência e
confirmabilidade; no entanto, relacionado com estes aspectos está a
amostragem; enquanto nas pesquisas quantitativa um dos critérios de validade é
a representatividade da amostra, na pesquisa qualitativa a representatividade da
amostra não é relevante. À este propósito, UTSUMI et al. referem:

Existem diferenças metodológicas entre pesquisa qualitativa e


quantitativa. A pesquisa quantitativa, via de regra, envolve um grande
número de respondentes, utiliza escalas geralmente numéricas que são
submetidas a análises de validação e confiabilidade, utiliza análises
estatísticas ou modelagem matemática. Já na pesquisa qualitativa, a
representatividade da amostra é definida pela experiência e pelo
domínio do pesquisador sobre a população investigada; os dados são
colhidos por meio de entrevistas, via de regra, com perguntas abertas,
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em grupos ou individuais, observação, entre outras técnicas. Os


elementos de ambas as abordagens podem ser usados conjuntamente
em estudos mistos, para fornecer mais informações do que poderia ser
obtido utilizando um dos métodos isoladamente (2007: 87).

Do mesmo modo, FONTANELA, RICAS e TURATO acentuam:

Nos estudos qualitativos, a questão “quantos” nos parece de importância


relativamente secundária em relação à questão “quem” embora na
prática representem estratégias inseparáveis. Afinal, o que há de mais
significativo nas amostras (…) não se encontra na quantidade (…) mas
na maneira como se concebe a representatividade desses elementos e
na qualidade das informações obtidas deles (2008: 29).

Enquanto os pesquisadores qualitativos servem se de fórmulas matemáticas


para determinar o tamanho da amostra, as considerações do tamanho da
amostra na pesquisa qualitativa não são nem de cunho matemático nem
sistemático; contrariamente, eles fazem uma série de decisões não só sobre
quantos indivíduos são necessário incluir no estudo e como seleccionar esses
indivíduos, mas também sobre as condições em que esta selecção tem lugar.

Mesmo que para os estudos qualitativos o estabelecimento da amostra tenha


importância secundária, há que definir claramente quem deve participar no
estudo. NICOLA-DA-COSTA (2007) consente que “os números de participantes
não são estipulados a priori na medida em que o principal critério usado para
determinar os dados recolhidos são suficientes para conferir credibilidade,
transferibilidade, consistência e confirmabilidade a um determinado assunto, é
saturação teórica, saturação de informação, o ponto de redundância ou ainda,
efeito de sublimação.

GLASER e STRAUSS (1967:65) apontam que, na pesquisa qualitativa, no


processo de determinar o número de participantes, a noção fundamental é a de
“saturação teórica” que ocorre quando “Nenhum dado adicional é encontrado
que possibilite ao pesquisador acrescentar propriedades a uma categoria. (...),
isto é, (...) quando o pesquisador torna-se empiricamente confiante de que a
categoria está saturada” (cit in THIRY-CHERQUES, 2009:23).
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Trata-se de um fenómeno que ocorre quando, após um certo número de


entrevistas, o pesquisador começa a ouvir, de novos entrevistados, relatos
semelhantes àqueles que já ouviu, havendo uma carência de informações novas
(COSTA, 2007:68) ou quando, “a partir de um certo momento observa-se que as
informações já obtidas estão suficientemente confirmadas e que o surgimento de
novos dados vai ficando cada vez mais raro, até atingir o ponto de redundância,
a partir do qual não mais se justifica a inclusão de novos elementos” (ALVES,
1991:59).

Entretanto, LEECH (2005) aborda a questão de saturação teórica para advertir


que a amostragem é tão importante tanto nas pesquisas quantitativas quanto
nas qualitativas e com base em autores como MILES &HUBERMAN (1994),
CURTIS et al. (2000), FLICK, (1998), MORSE (1995), STRAUSS &CORBIN,
(1990) e LINCOLN &GUBA, (1985), realçam que a importância da amostragem
nas pesquisas qualitativas prende-se com a necessidade de se fazer as
generalizações: “Para que generalizações analíticas sejam mais ricas, o
pesquisador qualitativo deve coletar dados até que atinja saturação dos dados, a
saturação teórica, ou redundância informacional” (2005:2).

Continuando a sua abordagem LEECH apoia-se em MAXWELL, para definir o


conceito de generalização em pesquisas qualitativas, distinguido a generalização
interna da externa, e escreve:

Coerente com isso, Maxwell (1992) definiu generalização em termos de


pesquisa qualitativa como a extensão em que um investigador
pode generalizar tendo em conta uma situação particular ou da
população, a outros indivíduos, tempos, configurações ou de contextos.
Maxwell diferencia a generalização interna de generalização externa: o
primeiro refere-se à generalização de uma conclusão dentro do
ambiente ou grupo estudado, e a ultima, para além do grupo (2005: 2).

Desta feita, e na óptica de Maxwell, a generalização interna é tipicamente mais


importante para os pesquisadores qualitativos do que é a generalização externa.

A pesquisa qualitativa pode ser conduzida através de diferentes maneiras: sob


forma de estudo documental, sob forma de estudo de caso ou sob forma de
etnografia.
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1.4 Estudo de caso

Uma das modalidades da pesquisa qualitativa é o estudo de caso, e se define


como sendo aquele que “investiga um fenómeno contemporâneo dentro do seu
contexto de vida real, especialmente quando os limites entre o fenómeno e o
contexto não estão claramente definidos e onde se utiliza múltiplas evidencias”
(Yin, 2005: 32-33).

Na vertente desta pesquisa, é considerado caso o acesso e retenção dos


adultos nos diferentes programas de AEA na comunidade de Omalapala, é
importante ressaltar que o estudo de caso não se confunde com a pesquisa
qualitativa, pois existem estudos de caso limitados à evidências quantitativas.

De facto, estudo de caso não é por si só uma metodologia de investigação, mas


um design de investigação que pode ser levada a cabo no quadro de
paradigmas metodológicos bem distintos, como o positivista ou o interpretativo
ou crítico e mediante o uso de diversificados instrumentos de recolha de dados.
Assim, na óptica de Yin (2003), o estudo de caso é a estratégia escolhida ao se
examinarem acontecimentos contemporâneos, mas quando não se podem
manipular comportamentos relevantes.

O estudo de caso conta com muitas das técnicas utilizadas pelas pesquisas
históricas, mas acrescenta duas fontes de evidências que usualmente não são
incluídas no repertório de um historiador: observação direta e série sistemática
de entrevistas. Novamente, embora os estudos de caso e as pesquisas
históricas possam se sobrepor, o poder diferenciador do estudo é a sua
capacidade de lidar com uma ampla variedade de evidências - documentos,
artefactos, entrevistas e observações - além do que pode estar disponível no
estudo histórico convencional. Além disso, em algumas situações, como na
observação participante, pode ocorrer manipulação informal.

GODOY (1995: 25) ressalta que o estudo de caso é adequado à pesquisa que
procura responder às questões “como” e “por que” certos fenómenos ocorrem,
quando há poucas possibilidades de controlo sobre eventos estudados e quando
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o foco de interesse é sobre fenómenos actuais, que só podem ser analisados no


contexto de vida real.

PONTE (2004) aponta três características do estudo de caso: o facto de ter um


forte cunho descritivo, não ser experimental e ser de natureza empírica; o
carácter descritivo do estudo de caso é evidenciado por apoiar-se na descrição
factual, literal, sistemática e tanto quanto possível completa do seu objecto de
estudo; no entanto, o autor não exclui a possibilidade de o estudo de caso ter
outras dimensões, como a analítica, por exemplo; ou seja, o estudo de caso
“pode ter igualmente um profundo alcance analítico, interrogando a situação,
confrontando-a com outras já conhecidas e com teorias existentes”(2004: 3).

O carácter não experimental do estudo de caso reside no facto de este ser um


recurso quando não se tem controlo sobre os acontecimentos e não é possível
ou desejável manipular as potenciais causas do comportamento dos
participantes (MERIRIAM, 1988; YIN, 1984 cit in PONTE, 2004:3).

1.5 Instrumento de recolha de dados

A terceira característica apontada por PONTES é que o estudo de caso é uma


investigação de natureza empírica, ou seja baseia-se fundamentalmente em
trabalho de campo ou análise documental, com recurso a diversos meios de
recolha de dados (observações directas e indirectas, entrevistas, questionários,
registos de áudio e vídeo, diários de campo, entre outros).

Na verdade, o estudo de caso recorre a várias técnicas, próprias da pesquisa


qualitativa, como seja, entrevista, observação, diário de campo, o que permite,
quando estes instrumentos são utilizados em simultâneo, a obtenção de dados
de diferentes tipos, os quais abrem a possibilidade de cruzamento de
informação. Nesta investigação, privilegia-se como técnicas de recolha de dados
a entrevista semi-estruturada.
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1.5.1 A entrevista

A entrevista, de acordo com SEVERINO (2007: 124), é uma técnica que tem por
intuito recolher informações, por meio de sujeitos entrevistados, sobre um
determinado assunto, havendo, portanto, a interacção entre pesquisador e
entrevistado. Neste sentido, “o pesquisador visa apreender o que os sujeitos
pensam, sabem, representam, fazem, argumentam”. Severino distingue dois
tipos de entrevista: a diretiva e a não-diretiva. A entrevista não-diretiva permite a
liberdade do entrevistado em falar o que deseja. O entrevistador mantém-se em
escuta atenta, registando todas as informações e só intervindo discretamente
para, eventualmente, estimular o depoente. Este tipo de entrevista ocorre como
se fosse uma conversa informal (cit in Camurra e Batistela, 2009:6).

Para DUARTE (s/d) as entrevistas são classificadas como abertas, quando são
constituídas por questões não estruturadas; semi-abertas, as constituídas de
questões semi-estruturadas; e fechadas, quando contêm questões estruturadas.
Segundo este autor, as abertas e semi-abertas são do tipo em profundidade, que
se caracterizam pela flexibilidade e por explorar ao máximo determinado tema,
exigindo da fonte subordinação dinâmica ao entrevistado. Na realidade, a
entrevista em profundidade, entre outras qualidades, tem a flexibilidade de
permitir ao informante definir os termos da resposta e ao entrevistador ajustar
livremente as perguntas. Este tipo de entrevista procura intensidade nas
respostas, não-quantificação ou representação estatística. A diferença entre
abertas e semi-abertas é que as primeiras são realizadas a partir de um tema
central, uma entrevista sem itinerário, enquanto as semi-abertas partem de um
roteiro-base.

DUARTE cita autores como ANDER-EGG (1978) e SELLTIZETAL. (1987) que


identificam um tipo especial de entrevista em profundidade, a clínica,
relacionada a motivações, atitudes, crenças específicas do respondente com
base em sua experiência de vida. Apesar dessa distinção, a entrevista clínica é
do tipo aberta, apenas com objectivo relacionado à personalidade e aos
sentimentos de uma única pessoa, buscando beneficiá-la individualmente.
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Cabe salientar que a entrevista fechada é utilizada principalmente em pesquisas


quantitativas, quando, por exemplo, se deseja obter informações representativas
de um conjunto de uma população.

Nesta investigação, opta-se pela entrevista semi-estruturada. A entrevista semi-


estruturada, valendo-se das suas vantagens e sem descurar as suas
insuficiências, foi aplicada ao Técnico Distrital de Educação, Juventude e
Tecnologia, e aos beneficiários.

Em relação ao Técnico Distrital de Alfabetização e Educação de Adultos e ao


Supervisor de Alfabetização e Educação de Adultos, dos objectivos específicos,
foram tomadas em conta as seguintes dimensões de análise patentes no q uadro
1 que a seguir se apresenta:

Quadro 1: Sinopse de objectivos específicos das entrevistas aos


gestores de AEA do distrito de Malema e dimensões de análise
Objectivos específicos das Dimensões de análise
entrevistas
Identificar os programas de AEA Variedade de actores de AEA
implementadas na comunidade de em actividades no distrito de
Omalapala Malema.
Averiguar os critérios de alocação dos Critérios de afectação dos
programas as comunidades pelos programas as comunidades
gestores do sector de A.E.A. do distrito
Malema.
Verificar as práticas desenvolvidas Práticas desenvolvidas pelos
pelos programas aplicados na programas
comunidade.
Analisar os efeitos de cada programa Níveis de acesso e retenção
na satisfação e retenção dos dos adultos nos centros de AEA
alfabetizandos nos centros de AEA de
Omalapala

Em relação aos beneficiários, as entrevistas tinham como objectivos específicos


os seguintes:

 Apurar que práticas são desenvolvidas pelos programas afectos à


comunidade de Omalapala, com vista a retenção dos adultos nos centros
de alfabetização;
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 Analisar as implicações das práticas usadas pelos diferentes programas


de alfabetização e educação de adultos nas comunidades estudadas para
o acesso e retenção dos adultos nos centros de AEA de Omalapala
Destes objectivos foram tomadas em conta as dimensões de análise patentes no
quadro 2:

Quadro 2: Sinopse de objectivos específicos das entrevistas aos


alfabetizandos de Omalapala e dimensões de análise
Objectivos específicos das Dimensões de análise
entrevistas
Apurar que práticas são desenvolvidas
pelos programas afectos a Modelo de alfabetização e
comunidade de Omalapala com vista a Educação de Adultos
retenção dos adultos nos centros de
alfabetização;
Analisar as implicações das práticas
usadas pelos diferentes programas de A relevância dos conteúdos
alfabetização e educação de adultos curriculares dos programas de
nas comunidades de Omalapala para o AEA;
acesso e retenção dos adultos nos Níveis de acesso e retenção
centros de AEA de Omalapala dos adultos nos centros de AEA

1.5.2 Participantes das entrevistas

Quanto ao número de participantes nas entrevistas, vale-se de DUARTE (2002),


que advoga que numa pesquisa qualitativa o número de sujeitos a fazer o
quadro da entrevista dificilmente pode ser determinado a priori, tudo depende da
qualidade das informações obtidas em cada depoimento, assim como da
profundidade e do grau da recorrência e divergência destas informações. Com
efeito, o que importa na entrevista qualitativa é a qualidade da informação
fornecida pelos entrevistados.

FONTANELLA et al. (2008) referem que na pesquisa qualitativa o grupo de


participantes “não poderá ser casualmente escolhido, porque deve corresponder
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ao objecto de pesquisa, (…) a escolha deverá recair sobre o subgrupo que


melhor atender aos objetivos específicos da pesquisa.” Para este caso, a
escolha dos participantes recaiu-se sobre os indivíduos que na opinião
entendem melhor as questões desta pesquisa e os objectivos que orientaram.

Com efeito, participaram das entrevistas o Técnico Distrital e o Supervisor de


AEA com pelo menos três anos de actividade na AEA e os Alfabetizandos da
mesma comunidade que estejam a frequentar os programas há mais de um ano.
Presume-se, pois, que estes sujeitos têm “amplo conhecimento do contexto
estudado” (ALVES, 1991: 59), isto é, acredita-se que três anos de experiência
são, para os técnicos e supervisores de AEA, um tempo suficiente para perceber
com alguma profundidade os procedimentos e o grau de aderência dos
beneficiários nos programas.

De acordo com LICOLN e GUBA (1985, apud ALVES,1991), diferentemente do


que acontece com as pesquisas quantitativas, nas pesquisas qualitativas
frequentemente não é possível indicar quantos e quais serão os sujeitos
envolvidos, embora seja possível indicar alguns, bem como a forma pela qual se
pretende selecionar os demais. Desta feita, participaram da pesquisa os
membros da comunidade de Omalapala que estão a frequentar as aulas de AEA
de um dos parceiros.

A identificação dos alfabetizandos com as características mencionadas nos


critérios de inclusão na pesquisa (estar a frequentar aulas de AEA de um dos
programas de alfabetização de um dos parceiros) baseia-se na técnica de
snowball que consiste em identificar poucos sujeitos com característica desejada
e pedir-lhes que indiquem outros, os quais, por sua vez, indicarão outros, assim
sucessivamente. Como refere WHA (1994),

esta técnica é uma forma de amostra não probabilística utilizada em


pesquisas sociais onde os participantes iniciais de um estudo indicam
novos participantes que por sua vez indicam novos participantes, até
que seja alcançado o objetivo proposto (o “ponto de saturação”). O
ponto de saturação é atingido quando os novos entrevistados passam a
repetir os conteúdos já obtidos em entrevistas anteriores sem
acrescentar novas informações relevantes a pesquisa (cit.in BALDIN
e MINHOZ, 2011: 330).
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Refira-se que a amostra para esta pesquisa considera-se não probabilística, visto
que ela é obtida a partir do estabelecimento de um critério de inclusão e que, por
conseguinte, nem todos os elementos da população-alvo têm a mesma
oportunidade de participar na pesquisa.

1.6 Caracterização dos participantes das entrevistas

O grupo de informantes foi constituído por 8 (oito) alfabetizandos da comunidade


de Omalapala, com pelo menos 2 anos de frequência nos cursos de AEA;
participaram ainda do estudo 2 (dois) gestores distritais de AEA, nomeadamente,
Técnico Distrital de AEA e Supervisor de AEA afecto à comunidade de
Omalapala. Para garantir a confidencialidade, os alfabetizandos foram
codificados por iniciais ‘Alf’ seguido de digito que especifica o número de ordem
de entrevista e iniciais do programa a que está vinculado (vide Quadro 3); em
relação aos gestores distritais de AEA, são apresentados pelas iniciais Tec-AEA
e Sup-AEA para designar técnico e supervisor distritais de AEA respectivamente.

Quadro 3: Caracterização dos alfabetizandos


entrevistados

Alfabetizandos Programa Designação


Alfabetizando 1 CLUSA Alf1-CLU
Alfabetizando 2 PROFASA Alf2-PROF
Alfabetizando 3 Alfa- Regular Alf3-Reg
Alfabetizando 4 CLUSA Alf4-CLU
Alfabetizando 5 PROFASA Alf5-PROF
Alfabetizando 6 UATAF Alf6-AUT
Alfabetizando 7 UATAF Alf7-UAT
Alfabetizando 8 Alfa-Regular Alf8-Reg

Fonte: Adaptado pela autora (2014)


28

1.8 Caracterização do campo de estudo – a comunidade de Omalapala

A comunidade de Omalapala está situada no posto administrativo de Mutuali,


Distrito de Malema, no extremo ocidental da província de Nampula. O distrito de
Malema confinando a Norte e a Oeste com a província de Niassa, através do rio
Lúrio, a Sul com a província da Zambézia através do Rio Ligonha, a Este com os
distritos de Ribáué e Lalaua. Trata-se de um distrito com uma superfície de
6.386 Km² e uma população de 169.034 habitantes (senso de 2007). Com 72%
da população analfabeta, predominantemente mulheres, a taxa de escolarização
do distrito é muito baixa, constatando-se que somente 40% dos habitantes com
5 ou mais anos declaram frequentar ou terem frequentado a escola.

A nível do distrito, apenas 4,8% da população tem acesso a água canalizada e


65% não tem latrina; a nível de habitação, 60,2% vive em casas de adobe,
96,1% das quais são cobertas de capim. O distrito não possui hospital rural, mas
sim 3 centros de saúde e 5 postos de saúde o que perfaz 0,29 camas por 1000
habitantes.

A agricultura é a actividade dominante e envolve a maioria das famílias locais.


As principais culturas alimentares do sector familiar, para consumo e
comercialização são: mapira, milho, arroz, feijão-nhemba, mandioca e
amendoim, em ordem de importância. Hortícolas, algodão, castanha de cajú e
tabaco também são cultivadas, estas três últimas constituem as culturas de
rendimento mais importantes. Na produção de culturas alimentares, os factores
limitantes são má qualidade da terra (mais de 60%), falta de alfaias (40%), de
adubos e fertilizantes, escassez de sementes e a insuficiência de mão de-obra.
(20%).
Não há muito investimento externo na agricultura e, as famílias usam métodos
naturais ou tradicionais e orgânicos (adubação orgânica) para aumentar a
fertilidade dos solos.

1.9 Limitações do estudo


29

Durante a condução da pesquisa, a investigadora confrontou-se com algumas


limitações que foram transformadas em desafios. As que merecem referência
são:

 A condução de algumas entrevista na língua local (Emakua), apesar de a


investigadora ser falante, exigiu o redobrar os esforços na transcrição das
mesmas;
 A localização dos alfabetizandos, visto que as entrevistas foram
realizadas no tempo em que eles estavam de férias;
 A distância até a comunidade estudada fica a mais de 250 quilómetros da
residência da investigadora.
 Impossibilidade de generalizar os resultados por se tratar de um “estudo
de caso”
30
31

CAPITULO II: REVISÃO DA LITERATURA

As actuais políticas da educação de adultos no nosso país, com enfoque na


universalização do ensino, são o reflexo de um quadro mais amplo de
transformações políticas e sociais características do mundo contemporâneo.
Trata-se de transformações marcadas por eventos mundiais, de entre as quais se
destaca a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada pela
Organização das Nações Unidas para a Educação, UNESCO, no ano de 1990,
em Jomtien, Tailândia, onde se constatou que mais de 960 milhões de adultos
são analfabetos, e que o analfabetismo funcional era um problema significativo
em todos os países, particularmente nos países em desenvolvimento.

Em 2000, foi feita a avaliação dos ideais de Jomtien da qual resultou o Marco de
Ação de Dakar, onde a UNESCO voltou a afirmar a visão da Declaração Mundial
de Educação para Todos, apoiada pela Declaração Universal de Direitos
Humanos de 1948 e pela Convenção sobre os Direitos da Criança (1989) de que
toda criança, jovem e adulto tem o direito humano de beneficiar de uma educação
que satisfaça as suas necessidades básicas de aprendizagem, no melhor e mais
pleno sentido do termo, e que inclua aprender a aprender, aprender a fazer,
aprender a conviver e aprender a ser. Trata-se de uma educação que se destina a
captar os talentos e potencial de cada pessoa e desenvolver a personalidade dos
educandos para que possam melhorar as suas vidas e transformar suas
sociedades (UNESCO, 2000). Nessa conferência entre outros, foi definido como
um dos objectivos da educação, assegurar que as necessidades de
aprendizagem de todos os jovens e adultos sejam atendidas pelo acesso
equitativo à aprendizagem apropriada e às habilidades para a vida.

É neste contexto que Moçambique traça a Estratégia de Alfabetização e


Educação de Adultos em Moçambique (2010-2015) com objectivo de

…aumentar as oportunidades para que mais jovens e adultos, com especial


atenção para mulher e rapariga, sejam alfabetizados, com vista à redução do
analfabetismo, através de um conjunto de acções integradas das instituições
governamentais e não-governamentais, que contribuam para promoção da
cidadania e a participação dos diferentes segmentos da sociedade, no processo
de desenvolvimento humano, político-social, económico e cultural do país . CM,
(2011:18)
32

Trata-se de um documento que serve de base para a coordenação inter e intra-


sectorial e para o envolvimento da sociedade civil e sector privado e é resultado
da necessidade de actualizar as orientações e estratégias do subsector de
Alfabetização e Educação de Adultos, em articulação com os esforços do
governo sobre o combate à pobreza, uma vez concluída a implementação da
primeira Estratégia e do seu respectivo Plano de Acção.

1.1 O conceito de adulto

O conceito de adulto para o presente estudo é baseado na visão de OLIVEIRA


(s. d.) na qual, de forma simplificada e resumida, define-o como sendo indivíduo
maduro o suficiente para assumir as responsabilidades por seus actos diante da
sociedade. Entretanto, a maturidade humana apresenta uma certa complexidade
para a definição dos seus limites e, por isso, varia de cultura para cultura.

Com efeito, para a elaboração de um conceito mais completo e objetivo convém


considerar, pelo menos, quatro aspectos da complexidade humana: sociológico,
biológico, psicológico e jurídico.

O aspecto sociológico diz respeito aos padrões que a sociedade estabelece para
reconhecer a independência do indivíduo para assumir a sua responsabilidade
produtiva. É relacionada, portanto, ao plano económico.

O aspecto biológico refere-se à potencialidade de reprodução da espécie. Essa


fase é marcada pela puberdade, ou seja o menino é capaz de ejacular e a
menina de menstruar, o que anuncia a maturidade física, e consequente
capacidade de procriação.

O aspecto psicológico está ligado à independência psíquica do indivíduo. É


caracterizada pela competência auto-administrativa, que permite ao indivíduo
estabelecer seu próprio equilíbrio, resultante dos conflitos cognitivos que são
gerados pelas forças dissonantes e consonantes do seu processo mental.

O aspecto jurídico é relacionado às normas legais para o relacionamento


público do cidadão. Nessa esfera, ele é considerado apto ou não para responder
33

por seus actos que, por ventura, venham a infringir os padrões morais de
convivência social.

Expandindo o conceito de adulto que apresentamos anteriormente, de acordo


com os quatro aspectos definidos acima, poderíamos recolocá-lo da seguinte
forma: Adulto é aquele indivíduo que ocupa o status definido pela sociedade, por
ser maduro o suficiente para dar continuidade à espécie e, cognitivamente,
autodirigido, que o torna capaz de responder pelos seus actos diante da
sociedade.

Definido o conceito de adulto, iniciaremos a desenvolver a revisão da literatura


fazendo a clarificação de um dos termos-chave deste trabalho, ou seja
“Alfabetização e Educação de Adultos”.

2.2 Alfabetização do Adulto

A temática de alfabetização tem criado divergências relacionadas com o seu


significado, e, por conseguinte, gera diversas interpretações e correntes; de
facto, enquanto para alguns alfabetizado significa quem dá conta de leitura de
um pequeno texto, seja de bilhete, seja de um nome de rua, para outros é
fundamental a inserção da cultura na leitura e na escrita. No entanto, tanto num
como noutro caso, o quadro geral da alfabetização do adulto encontra-se
sempre associado à leitura e à escrita.

Etimologicamente, alfabetizar significa levar alguém à aquisição do alfabeto com


a finalidade de constituir esquemas que possibilitem a representação e
designação de coisas e fenómenos através da leitura. Assim, na óptica de
TFUNI (1995, 14) a alfabetização deve ser considerada “ou como um processo
de aquisição individual de habilidades requisitadas para a leitura e escrita, ou
como um processo de representação de objectos diversos de natureza diversa.”

Fica claro que a alfabetização, vista nesta perspectiva, limita-se à


aprendizagem da leitura e escrita, sem, no entanto, o uso imediato dessas
habilidades, trata-se de aprender por aprender.

Contrapondo a visão anterior, PINTO (2002) defende que a discussão sobre


alfabetização do adulto deve ser feita tendo-se em consideração a necessidade
34

do uso da linguagem escrita no quotidiano dos indivíduos. Assim, para este


autor, o analfabeto é o individuo que não tem a necessidade da leitura e da
escrita no desenvolvimento das suas actividades do quotidiano, pois a leitura e
escrita são primordialmente dois recursos aos quais o individuo recorre para a
execução de um trabalho que não pode ser feito sem esse conhecimento. Trata-
se de uma visão relativista de analfabeto, no sentido de que admite que os que
não sabem ler nem escrever só serão considerados analfabetos na medida em
que precisam dessas ferramentas para resolver os seus problemas de dia a dia.

Já FREIRE e MACEDO (2002) entendem que não pode haver indivíduos que
não necessitam da leitura e da escrita no seu quotidiano, pois todos necessitam
de empawerment individual, social para travar a perpetuação de relações de
repressão e de dominação que só é feita através da consciência critica
desenvolvida, resultante da alfabetização. Nesse sentido, a alfabetização é um
campo de luta ideológica e, ao mesmo tempo, um movimento social que deve
ser alicerçar-se num projecto ético e politico com a finalidade de dignificar e
ampliar as possibilidades de vida e de liberdade humana.

2.3 A Educação de adultos

A educação de adultos surge associada a necessidade de combater o


analfabetismo e à falta de formação dos trabalhadores, visando dar resposta aos
requisitos da revolução industrial, bem como aos decorrentes da implementação
do regime democrático em muitos países.

Em seu sentido mais amplo, a educação de adultos compreende os mais


diversos processos de formação contínua e permanente, formais e informais,
incluindo quase todos os espaços da convivência social. Entretanto, a educação
de adultos tem-se centrado na preocupação de reduzir o elevado índice de
analfabetismo no mundo, na população que não teve oportunidade de acesso à
escola por diversas razões. Na actualidade, a educação de adultos corresponde
a quatro subconjuntos para descrever e abalizar o território da sua prática social,
nomeadamente, alfabetização, a formação profissional, a animação sociocultural
e o desenvolvimento local.
35

2.4 Modelos de Educação de Adultos

Actualmente, as políticas de educação de adultos são definidas conforme três


modelos apresentados por SAN FERNANDEZ (2006), nomeadamente, modelo
receptivo alfabetizador, modelo dialógico social e modelo económico produtivo;
vamos, em seguida discutir o significado de cada um dos modelos na óptica do
autor ora referenciado.

2.4.1 O modelo receptivo alfabetizador

O modelo receptivo alfabetizador dá prioridade, no adulto, à aprendizagem do


uso de códigos de leitura, mais do que aos da escrita, aos códigos de recepção
de mensagens, em detrimento dos códigos de emissão, permitindo às pessoas
adultas descodificar as mensagens literárias que chegam de fora, mais do que
codificar a sua própria experiência através da escrita. Neste modelo é facilitada
ao adulto a memorização, a recordação e o recurso à tradição do que o
pensamento, a criatividade e o diálogo com os textos que lê. Neste contexto,
pode-se afirmar que a alfabetização foi, em muitas ocasiões, um instrumento
mais dominador do que libertador, o perfil do educador de adultos ficou definido
pela figura dominante do professor que ensina pela autoridade do especialista
em letras. O propósito da aprendizagem é directamente académico e
indirectamente social.

Para os que optam por este modelo, a educação de adultos prende-se com a
compensação da escolaridade a que estes não tiveram acesso na idade devida,
descurando a preparação do adulto para as situações do quotidiano. De um
modo conciso, pode-se apontar algumas falhas características do modelo
receptivo alfabetizador:

 por estar centrado na alfabetização, e tendo em vista apenas a promoção


académica, este modelo esquece a dimensão de utilidade social;
 o modelo pretende disciplinar os adultos mais do que estimular a sua
criatividade ao possibilitar o acesso ao conhecimento já construído e
impedir a possibilidade de criar novos conhecimentos.
36

 o modelo é dirigido a pessoas em situação de exclusão social que,


no entanto, não é suficiente para alterar estas situações reproduzindo
apenas a desigualdade existente.
 desvalorização da experiência prévia dos adultos e da aprendizagem
que decorre noutros contextos que não sejam a sala de aula,
partindo-se das deficiências cognitivas dos adultos e não das
competências que estes já possuíam.

1.4.2 Modelo dialógico social

Em oposição ao modelo alfabetizador surge o modelo dialógico social que dá primazia


à consciência crítica, ao pensamento, à participação e gestão social, destacando a
importância das competências sociais que permitem ao adulto enfrentar as diversas
situações que a vida real lhe apresenta. Aqui o formador não ensina pela autoridade,
como no modelo alfabetizador, mas o seu trabalho consiste em reconhecer e potenciar
a continuidade das aprendizagens ao longo da vida, fazendo com que o perfil
dominante deste formador seja o de animador.

Ao contrário do observado no modelo alfabetizador, no modelo dialógico social o


propósito da aprendizagem é essencialmente social e não académico. No âmbito deste
modelo volta aparecer diferentes espaços de aprendizagem, num contexto mais amplo
que o da escola, visto que o uso social que se confere ao aprendido é o que atribui
sentido e valor a essas mesmas aprendizagens.

É neste sentido que se procura, cada vez mais, criar processos que vão ao encontro
das necessidades e procuras dos adultos. É com este intuito que este modelo parte
das necessidades sociais de aprendizagem mais do que dos programas formativos, já
que se pretende que os programas estejam ao serviço das necessidades educativas e
não o contrário. As pessoas adultas não se devem ver forçadas a aprender, optando
entre as diversas ofertas educativas, mas as ofertas educativas é que se devem
adequar à procura dos adultos.

Para responder a algumas das necessidades dos adultos e para os ajudar a interagir
na vida social, a interpretar a vida e a identificar-se com ela, encontramos o movimento
das tertúlias literárias, que mantêm os adultos em processos de formação, fazendo da
37

leitura uma ferramenta social. A leitura é, assim, convertida não num fim em si mesmo
mas num instrumento de participação social.

1.4.3 Modelo económico Produtivo

O modelo económico produtivo concentra-se no ensino de competências relacionadas


com a participação da população activa no sector produtivo. Neste modelo, o papel
dominante do educador é o de gestor de recursos humanos, que selecciona as
aprendizagens em função da rentabilidade. O propósito da aprendizagem é
directamente económico e indirectamente social. Segundo Florentino Sanz Fernández
(2006), o modelo produtivo está muito marcado por formar a velocidade exigida pela
sociedade da informação. Competências sociais como a comunicação, o
desenvolvimento da imaginação e a que antes eram consideradas como um estorvo
para o trabalho em cadeia, são cada vez mais necessárias para um trabalho
organizado em equipa, sendo imprescindível o diálogo e a imaginação criativa.

As habilidades manuais que predominavam numa indústria de manufactura vão sendo


substituídas por habilidades mentais numa nova indústria de mente factura. Porém,
nesta sociedade não só mudam os instrumentos de trabalho e os perfis profissionais,
mudam também as formas de ser, estar e sentir na sociedade, dimensões que este
modelo de formação produtiva não contempla.

Os documentos das Conferências Internacionais de Educação de Adultos da UNESCO


evidenciam a influência destes três modelos, por vezes, num registo de predomínio de
um modelo sobre os restantes, outras vezes, num registo marcado pela coexistência de
vários modelos (CAVACO, 2009, p. 88) apud LOPES (2011).
38

CAPITULO III: ALFABETIZAÇÃO E EDUCAÇÃO DE ADULTOS NO


CONTEXTO DO SISTEMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO EM MOÇAMBIQUE

Para compreender o estado actual do subsistema de educação de adultos em


Moçambique, impõe-se que se dê um olhar aos seus antecedentes, desde os
tempos colonial até aos anos após a independência, olhar esse que revela
claramente a condição a que estava relegado o adulto analfabeto, a
impossibilidade de acesso à educação formal, e a preocupação com a
erradicação do analfabetismo nos diferentes sistemas de ensino no pós-
independência, como evidencia o texto que a seguir se apresenta.

3.1 A educação de Adultos no período colonial

No período colonial, a educação em geral estava reservada aos filhos dos


colonos brancos e um número insignificante de indígenas; com efeito, e
conforme UACIQUETE (2010), a primeira providência legal que visa a
organização do ensino primário no ultramar português é publicada em 1846; dez
anos depois, em 1854, são criadas as primeiras escolas primárias em
Moçambique (na Ilha de Moçambique, no Ibo, Quelimane, Sena, Inhambane e
Lourenço Marques), que na prática não passavam para além do papel.

Como realça GOMEZ (1999, apud UCIQUETE, 2010: 13), com uma população
de 4000 habitantes em 1909, em Moçambique existiam apenas 56 escolas
destinadas a poucas crianças; por outro lado, as poucas escolas existentes
encontravam-se subdivididas em escolas oficiais destinadas aos filhos de
colonos e assimilados, e outras escolas chamadas elementares e destinadas
aos indígenas, evidenciando, assim, o seu carácter discriminatório e
reducionista.

Tratava-se de um sistema de educação criado para justificar a colonização como


missão civilizatória; num contexto em que os moçambicanos eram considerados
selvagens e desprovidos de cultura, era imperioso conceber uma educação para
“conduzir o indígena da vida selvagem para a vida civilizada, formar-lhe a
39

consciência de cidadão português e prepará-lo para a luta pela vida, tornando-o


mais útil à sociedade e a si próprio” (MEC, 1980, apud GOMEZ, 1999).

A instituição de um ensino discriminatório, na altura, foi alvo de muitas críticas


por organismos internacionais e o regime colonial sempre tentou justificar-se.
MAZULA (1995) aponta o Diploma Legislativo nº 238, de 17 de maio de 1930,
que justifica a separação dos dois ensinos: enquanto o ensino indígena, ensino
destinado aos indígenas, tinha por fim elevar gradualmente o indígena da vida
selvagem à vida civilizada dos povos cultos a população autóctone das
províncias ultramarinas, o ensino primário elementar, para os não indígenas,
visava dar à criança os instrumentos fundamentais de todo o saber e as bases
de uma cultura geral, preparando-a para a vida social.

MAZULA refere ainda que, por pressão da Organização das Nações Unidas
para Portugal parar com a educação discriminatória nas colónias, BELCHIOR
justificou a separação nos seguintes termos:

As crianças africanas que vivem integrados em sociedades de tipo


primitivo ou pré-industrial ao chegarem à idade escolar não se
encontram nas mesmas condições das crianças europeias ou
assimiladas da mesma idade e por isso não podem frequentar o ensino
primário elementar. Essas desconhecem não só a língua portuguesa,
mas também vários outros elementos da cultura e da sociedade
evoluída. (…) Discriminação haveria se o africano fosse confinado ao
ensino de adaptação e estivesse impedido de ascender aos outros
degraus de instrução (BELCHIOR, 1965: 649 apud MAZULA,
1995: 79-80)

Em 1931, o então Diretor da Instrução Pública de Portugal defendia que a


separação do ensino para colonos brancos e para indígenas residia no facto de
os povos primitivos não poderem ser civilizados senão pouco a pouco e as
populações da colónia serem compostas por elementos, uns civilizados e outros
primitivos, pelo que foram instituídos dois géneros de ensino primário, um para
europeus e assimilados e outro para primitivos.

Desta feita, o ensino indígena, que era fundamentalmente patriótico e prático,


passou, a partir de 1930, a integrar Ensino Primário Rudimentar e o Ensino
Profissional, este subdividido em Escolas de Artes e Ofícios e Escolas
Profissionais Femininas.
40

3.2 O papel da Igreja Católica na educação colonial

Um marco importante da educação em Moçambique é a atribuição do papel da


educação do indígena à igreja católica, nos termos da Concordata e do Acordo
Missionário entre o Governo Português e a Santa Sé, e o preceituado no
Estatuto Missionário, facto formalizado pela lei mãe na época.

O programa missionário Católico estava regulamentado pela


Constituição portuguesa, pelo Acordo Missionário de 7 de maio
de 1940 e pelo Estatuto Missionário de 1941. O acordo
Missionário e o Estatuto detalhavam os princípios e fundamentos
da ação da igreja definidos pela Concordata celebrada entre o
Estado Português e o Vaticano (GOMEZ, 1999: 57).

A concordata entre o governo colonial português e o Vaticano é sinal


incontestável do reconhecimento da Igreja Católica ao império colonial e, em
troca desse reconhecimento, a Igreja ganhou a liberdade de exercício das
actividades que lhes eram próprias, ou seja, fundar e dirigir escolas para
indígenas e europeus. Até então, a actividade da Igreja nas colónias
portuguesas era quase nula; a partir dessa altura, a educação rural destinada
aos africanos não assimilados ficou a cargo das Missões católicas a quem cabia
elaborar os programas de ensino, os exames e os diplomas, facto que perdurou
até aos anos 60 do século XX, altura em que, em consequência da declaração
das colónia portuguesas como “províncias ultramarinas”, as escolas das missões
estavam sujeitas a supervisão pelos inspectores da repartição territorial de
Instrução Pública e a elaboração dos programas ficou sob responsabilidade do
Ministério da Educação em Lisboa.

Com aqueles novos instrumentos políticos, o Estado Português garantiu à Igreja


Católica o livre exercício da sua autoridade na esfera da sua competência. As
Missões Católicas, que eram consideradas instituições de utilidade imperial e
com sentido eminentemente civilizador, ficaram com a liberdade de expansão
para exercerem formas de actividade que lhes eram próprias, nomeadamente,
evangelizar, fundar e dirigir escolas. Os missionários, não sendo funcionários do
Estado, eram considerados como pessoal em serviço especial de utilidade
41

nacional e civilizadora que deviam consagrar-se exclusivamente à difusão da fé


católica e à civilização da população indígena (Garcia, 2001). À este respeito
RODRIGUES afirma:

O contacto dos portugueses com os povos tem nas missões


católicas o seu instrumento típico de ação. Cresce anualmente o
número de instituições missionárias, assim como as escolas e
catequeses onde elas se ramificam. O número de missionários e
seus auxiliares vai aumentando, multiplicam-se o número de
alunos e o melhoramento das instalações. Este ensino é
sobretudo rudimentar, expressamente destinado aos indígenas
(2007: 22).
O mesmo autor ainda continua, dizendo que “as missões, dentro da organização
eclesiástica que se insere dentro da cooperação com o Governo, para um maior
progresso da província, fundaram colégios e escolas em que eram ensinadas as
letras pátria, o catecismo e a moral cristã” (2007: 51).

Importa realçar que, contrariamente, as igrejas cristãs protestantes


desenvolveram uma educação paralela, marginal e reativa em relação aos
interesses coloniais luso-católicos, daí que tiveram pouca simpatia do governo
colonial português a ponto de serem consideradas de “esfera separada da
sociedade colonial”:

Pela sua natureza e organização, as missões protestantes formaram


uma separada esfera na sociedade colonial. […] Como missões
estrangeiras não eram obrigadas ao recurso à língua e à cultura do
colonizador. Na verdade, poderia ser argumentado que a força das
igrejas protestantes, em África como na Europa, veio da sua
familiaridade com a escrita autóctone (HARRIER, 1998: 333 apud
UACIQUETE, 1910)

3.3 A organização e objetivos do sistema de ensino colonial

A escola confiada à Igreja tinha carácter reducionista e discriminatória no sentido


de que havia uma escola para filhos de colonos brancos e indígenas civilizados
e outra para indígenas selvagens. Com efeito, o sistema de educação colonial
estava organizado em dois subsistemas de ensino distintos: um oficial,
destinado aos filhos dos colonos ou assimilados, e outro indígena cujo objectivo
era elevar gradualmente da vida selvagem à vida civilizada dos povos cultos a
população autóctone das províncias ultramarinas (MAZULA,1995).
42

Para além da civilização e cristianização, a escola tinha por objetivo "a formação
de mão-de-obra necessária e adequada às necessidades económicas da
colónia” (GOMEZ, 1999: 58), ou, nas palavras de Mazula, “a formação do
indígena e a criação da figura jurídico-política de 'assimilado' impunha-se como
necessidade de força do trabalho qualificada para a maior exploração capitalista”
(1995:80).

Como realça RODRIGUES,

Foi concebido o sistema de educação exclusivo para formar consciência


de servidão. A comunidade portuguesa transmitiu o modelo cultural para
a educação e civilização dessas comunidades, tentando destribalizar o
que implicou um método autoritário de ensino em que se insistia
sistematicamente na memorização dos conteúdos programáticos, dado
que os indígenas eram incapazes de produzir um conhecimento
científico (2007: 40).

Por outro lado, o objectivo da educação era matar a cultura indígena em nome
da civilização, e impor, a todo custo, a cultura portuguesa, visto que, na óptica
do regime, o indígena era selvagem sem cultura e que, em lugar desta, tinham
usos e costumes que também lhe eram negados a não ser que não fossem
incompatíveis com a moralidade e os dítames da humanidade. Na óptica de
Gomez, “o princípio da moralidade e humanidade, colocado como ponto de
referência para avaliar ‘os usos e costumes’ africanos, não era outra coisa do
que o modelo cultural ocidental, mais concretamente o português e este, ainda,
inserido num contexto moldado por um regime fascista” (1999: 50). É pois nesse
contexto que em 1919 é instituída, sob forma de lei, a figura de assimilado (que
significava civilizado, europeizado ou simplesmente cidadão português), cujo
objectivo era conferir a cidadania portuguesa aos nativos.

Mediante a aprovação numa série de testes e pelo pagamento duma


cota, o moçambicano usufruía dum conjunto de direitos, nomeadamente
a isenção do pagamento de determinados impostos, a possibilidade de
registar os filhos e a isenção do trabalho forçado, entre outros. O
assimilado devia saber ler, escrever e falar português; possuir meios
suficientes para sustentar a família, ter bom comportamento, e
necessária educação e hábitos individuais e sociais de modo a poder
viver sob a lei pública e privada de Portugal (Rodrigues, 2007:39).
43

SUMICH, baseando-se em MONDLANE (1969), O’LAUGHLIN (2000) e


PENVENNE (1982 e 1989), descreve a forma de obter o estatuto de
"assimilado" e os seus privilégios face aos que continuavam "indígenas":

Para se obter o estatuto de assimilado era necessário satisfazer


determinados critérios legais. Os candidatos tinham de jurar lealdade ao
Estado colonial, falar apenas português nas suas casas, adotar hábitos
«europeus», abandonar crenças «bárbaras» e obter um atestado de um
funcionário português que garantisse a sua probidade. Quem cumprisse
estes requisitos recebia, teoricamente, os mesmos direitos legais que os
portugueses. Embora assim não fosse na prática, os assimilados
obtinham de facto uma ampla variedade de privilégios, como a isenção
de trabalhos forçados, o acesso facilitado à residência urbana, à
educação e ao emprego, e um pequeno conjunto de direitos civis,
passando a estar sob a alçada da lei civil, ao contrário dos indígenas,
que estavam sujeitos à lei «consuetudinária» (2008: 325).

Facilmente, se nota que a condição para ascender ao estatuto de assimilado era


o indígena negar o seu “eu” africano e aceitar a cidadania portuguesa.

É evidente que durante o período colonial, a melhor instrução a que a maioria da


populaça podia aspirar não ia além de alguns anos de catecismo na missão
católica local, a troco de emolumentos e de trabalho manual (GÓMEZ, 1999).

3.4 A Educação durante a Luta de Libertação Nacional. As primeiras


escolas para adultos.

A concepção e o desenvolvimento da "educação verdadeiramente


moçambicana" foi um processo intimamente ligado ao desenvolvimento da Luta
de Libertação Nacional desencadeada pela Frente de Libertação de
Moçambique (FRELIMO) em 1964. Logo cedo, a Frente de Libertação de
Moçambique compreendeu a necessidade de fazer da educação uma frente
paralela à da luta armada, por um lado, como reconhecimento de que a
educação em vigor não servia os interesses dos moçambicanos e, por outro, a
carência de quadros formados na Frente de Libertação impunha a necessidade
de aliar a educação à luta, como condição para o sucesso. Como observa
Gomez,

Em toda a história da FRELIMO existe uma constante preocupação,


uma verdadeira obsessão pela formação de quadros. Esta necessidade
decorre da pesada herança colonial no que refere à educação e
formação técnica e científica: poucos eram os moçambicanos formados
44

com nível superior e mesmo com o nível secundário; o ensino primário


abrangeu uma ínfima minoria da população (1995: 131).

Como que reagindo às acções da Luta Armada de Libertação Nacional, em 1964


o governo colonial promulga, por meio do Decreto-Lei n˚ 45908, de 10 de
Setembro, a reforma do ensino primário elementar nas Províncias ultramarinas
(Colónias) e manda funcionar nos estabelecimentos do Ensino Primário cursos
vespertinos ou nocturnos, fora dos tempos normais do horário, para adultos, a
partir dos 15 anos, com duração máxima de 2,30 horas por dia útil; na realidade,
estas foram as primeiras acções educativas direcionadas especificamente para
essa faixa etária.

Na medida em que a luta armada ia ganhando contornos e com o surgimento de


zonas de influência exclusiva da FREIMO, as chamadas Zonas Libertadas, foi-
se moldando um projecto educacional diferente da educação colonial: “De uma
visão de escola ainda ligada à imagem da escola colonial, aos seus métodos e
aos objectivos, e da ideia de uma escola com horizontes apenas nacionalistas, a
FRELIMO foi perfilando um tipo de escola ligada ao povo, às suas causas e
interesses” (1995: 131). Impunha-se a definição clara da conpceção e dos
objectivos da educação, até então não claros, mas com contornos apenas
nacionalistas e “referenciada apenas como uma das tarefas da Frente”, ainda
que ministrada nos moldes do ensino colonial:
Foi em outubro de 1966 a primeira vez que o Comité Central (CC) da
FRELIMO tratou especificamente da educação. (…). Nesta reunião é
afirmado o papel de relevo especial a desempenhar pela educação para
permitir ao povo moçambicano realizar com eficiência as tarefas
importantes da Revolução que, naquele momento era principalmente
estender a luta armada a todas as províncias de Moçambique. (…) Uma
função específica da para a educação: formar quadros necessários para
a ação politica e armada; e para as tarefas de reconstrução nacional, e
em primeiro lugar, as da produção (GOMEZ,1999: 131).

Entre outras decisões, o CC da FRELIMO tomou as seguintes decisões


especificamente relativas à educação: criar uma escola de formação política,
apressar a formação de quadros técnicos, promover uma campanha de
alfabetização e aumentar o número de escolas primárias.

A primeira instituição de educação formal da Frente de Libertação de


Moçambique foi aberta em 1963 sob nome de Instituto de Moçambique em Dar-
es-Salam (Tanzânia) que iria fechar em 1968 na sequência dos distúrbios dos
45

estudantes moçambicanos; na medida que a luta ia se desenvolvendo, surgia a


escola que, segundo MAZULA (1995: 109) citando as resoluções do I e II
congresso da FRELIMO, constituía:

- Centro de Formação da Frente de Libertação de Moçambique;


- Centro de combate aos hábitos da cultura tradicional;
- Centro de difusão de conhecimento científico;
- Centro de formação de combatentes para a exigência da luta; e
- Centro de formação de produtores e dirigentes.
Nos anos 70, a luta armada transformou-se em revolução democrática popular
e, por conseguinte, durante a II Conferência do Departamento da Educação
realizada de 26 de setembro a 3 de outubro de 1970, foi definido o objectivo
central da educação, a “Formação do Homem Novo” livre de concepções
supersticiosas e subjectivas, com plena consciência do poder da sua inteligência
e da força transformadora do seu trabalho na sociedade e na natureza. Outra
inovação na educação durante a Luta Armada de Libertação Nacional é a atitude
face à mulher; de facto, no seu leque de objectivos estratégicos, a FRELIMO
prevê “criar nova atitude na mulher, emancipá-la na sua consciência, e no
homem um novo comportamento e mentalidade em relação à mulher”.Em 1973
realiza-se em Bagamoio, Escola Secundária da FRELIMO, um Seminário
Pedagógico que prepara os estudantes para uma campanha de alfabetização de
adultos nas Zonas Libertadas (NANDJA, sd)

Entretanto, o regime colonial não ficou indiferente ao curso dos acontecimentos.


Em reação ao desenvolvimento da luta de libertação, houve um relativo
crescimento do ensino nos anos 60, como estratégia do regime para deter o
avanço da guerrilha. No mesmo período registou-se ainda uma acentuada
fiscalização das autoridades coloniais às escolas missionárias rurais:

Na década de 1960, o Estado colonial aumentou drasticamente as


oportunidades educativas ao dispor da população africana, num esforço
para conquistar «o coração e o espírito» do povo, para o dissuadir de
lutar pela libertação, ainda que com escassos resultados práticos:
«Apenas 1% da população — cerca de 80 000 pessoas — tinha ido
além dos quatro anos de ensino básico e a maioria destes eram colonos
portugueses. Em 1973 apenas 40 dos cerca de 3000 estudantes
universitários eram africanos» MINTER (1996: 22, cit in SUMICH,
2008: 334).
46

Passados quase dez anos, o regime colonial, mediante o Decreto-Lei n˚ 5/73, de


25 de Junho, aprova as bases a que deve obedecer a reforma do sistema
educativo, que contemplava, entre outros aspectos, a introdução da modalidade
de ensino para adultos equivalentes aos ensinos básico, secundário e superior e
as actividades de promoção cultural ou profissional destinadas, em especial, aos
adultos, nomeadamente cursos de extensão cultural e de formação,
aperfeiçoamento, actualização e especialização profissional.

3.5 A educação de adultos a partir do ano de 1975

Com a independência de Moçambique, em 1975, o Estado moçambicano definiu


novos objectivos para a educação. Assim, entre outros, a educação constituía
“um instrumento principal de criação do Homem Novo, homem liberto de toda a
carga ideológica e política da formação colonial e dos valores negativos da
formação tradicional, capaz de assimilar e utilizar a ciência e a técnica ao
serviço da Revolução”, num contexto em que o país ainda apresentava uma
estrutura patrimonial, material e humano do sistema colonial, caracterizado
fundamentalmente por insuficiência da rede escolar, escassez de professores e
outros quadros do sector de educação, explosão da população escolar. Segundo
MAZULA (1995), a taxa de crescimento anual dos alunos no 1º Grau do Ensino
Primário, foi de 15,5%, o que corresponde a uma subida de 671.617 em 1975
para 1.363.000 em 1977.

Paralelamente, o Estado promoveu campanhas de alfabetização, cuja


mobilização envolveu os Grupos Dinamizadores (primeiras organizações de
massas constituídas por simpatizantes da FRELIMO provenientes de todas as
camadas sociais) tendo sido mobilizados, de 1974 a 1978, cerca de meio milhão
de alfabetizados das zonas urbanas e semi-urbanas (MINED, 1988: 60, apud
MAZULA, 1995).

Com efeito, em 1974, é criada a Associação Académica, em colaboração com


os Grupos Dinamizadores, inicia-se uma importante campanha de alfabetização
de massas, em regime de voluntariado, e, no ano de 1975, de 16 a 23 de Abril, é
realizado o 1º Seminário Nacional de Alfabetização. Realizado em Ribáuè,
47

Nampula, reunindo delegados de todas as Províncias, no mesmo ano é atribuída


ao então Ministério da Educação a tarefa de organizar e dinamizar todo o
programa de alfabetização e educação de adultos; no mesmo ano é criada a
Direcção Nacional de Alfabetização e Educação de Adultos, com o objectivo de
orientar e controlar o Sistema de Alfabetização e Educação de Adultos,
excluindo a formação profissional.

O III Congresso da FRELIMO realizado em 1977 definiu a alfabetização como


tarefa prioritária e orienta a Alfabetização e Educação de Adultos
prioritariamente para a classe operária, para os veteranos da luta de libertação,
para os quadros do Partido, das organizações democráticas de massas e das
forças de defesa e segurança, para os deputados e para os trabalhadores dos
sectores socializados do campo; de facto, em 1978, foi lançada a 1ª Campanha
Nacional de Alfabetização sob o lema “Façamos do País inteiro uma escola
onde todos aprendemos e todos ensinamos,” como 1º passo para armar
ideológica, científica e tecnicamente o trabalhador moçambicano, rumo ao
desenvolvimento; por outro lado, no mesmo ano são criados Centros de
Formação Acelerada de Trabalhadores (CFAT’s), um em cada Província,
dirigidos aos quadros e trabalhadores de vanguarda dos sectores económicos e
sociais prioritários. Ministravam o EP2 em apenas 6 meses, em regime intensivo
e de internato, a partir do nível de ingresso de 4ª Classe do ensino primário ou
das Campanhas de Alfabetização.

Introdução do Subsistema de Educação de Adultos (SSEA), como componente


do Sistema Nacional de Educação (SNE) para assegurar à população maior de
15 anos uma formação científica geral, equivalente aos diversos graus e níveis
do Subsistema de Educação Geral. São objectivos do subsistema, entre outros,
assegurar o acesso da população trabalhadora à educação, com prioridade para
a classe operária, camponeses cooperativistas e camadas sociais com papel
fundamental no processo político, económico, social e cultural; desenvolver a
consciência patriótica e revolucionária do Homem Novo.
48

A complexidade em que o setor da educação se encontrava na altura e a


necessidade de fazê-la corresponder à natureza da revolução estão na origem
da “consciência de planificar as ações de médio e longo prazo com o
conhecimento profundo da realidade, que se inserissem no projecto político
global e ultrapassassem a dimensão do imediato” (MAZULA, 1995: 151).

No entanto, era prioritário dar resposta aos desafios imediatos e, assim, é


realizada, em Janeiro de 1975, na cidade da Beira, o I Seminário Nacional da
Educação e Cultura que reuniu professores primários secundários com
experiência em educação nas zonas libertadas, com o objetivo imediato de
encontrar mecanismos para implementar nas escolas todos os princípios da
ideologia da FRELIMO e métodos de organização correspondentes. “Foram
analisados os programas até então em vigor, à luz da política educacional e foi
decidido retirar dos programas de ensino tudo que fosse contrário à ideologia da
FRELIMO” (MAZULA, 1995: 151). Em julho de 1975, no âmbito da política das
nacionalizações, nacionaliza-se também o ensino, tendo em vista o controlo das
escolas para a socialização da educação e dar-lhe um sentido revolucionário.
Com esta medida, a FRELIMO proclamava que queria:

- Evitar mais depredação e sabotagens nas escolas particulares;


- Romper com os elementos de desigualdade social;
- Possibilitar a planificação da acção educativa com vista à criação de um
sistema de educação ao serviço das massas, implicando, assim, um novo
tipo de educação.

Por outro lado, via-se a necessidade de, ideologicamente, eliminar aqueles


elementos que entravavam a sua hegemonia política. Com a nacionalização, a
educação escolar deixou de ser um privilégio para alguns, e estabeleceu-se um
ensino desligado da igreja, público e gratuito. O então Ministério da Educação e
Cultura passou a ser o único gestor da educação. A partir de então, o Ministério
da Educação e Cultura concentrou os esforços na reforma curricular, o que
implicou a reformulação dos programas da 1ª à 11ª classe e a alteração dos
conteúdos; disciplinas como História e Geografia de Portugal e Religião e Moral
foram retiradas e substituídas por Historia e Geografia de Moçambique e da
49

África e Educação Política, com forte conotação ideológica; foi intensificada a


reciclagem e a formação de professores, tendo sido criados para o efeito 10
centros de Formação de Professores e 4 Centros de Reciclagem; foram
empreendidos esforços na organização e no desenvolvimento da alfabetização e
educação de adultos; ainda foi dedicado esforço especial à organização geral
das escolas da qual resultou o documento que definia os métodos de trabalho,
tendo sido fornecido um documento sobre Organização Politica e Administrativa
da Escola (OPAE) que definia, entre outros aspetos:

- os métodos de trabalho colectivo;


- os métodos de direcção;
- formas de democratização da e aprendizagem do exercício do poder,
através do colectivo de alunos e professores;
- orientações para a Ligação Escola Comunidade (LEC), visando pôr fim
ao ambiente de desorganização e de liberalismo e à instabilidade que
se vivia nas escolas ( MACHEL, 1979: 17, cit in MAZULA, 1995: 152).

3.6 A alfabetização e Educação de Adultos no Sistema Nacional de


Educação

3.6.1 A Alfabetização e Educação de Adultos na Lei nº 4/83

No III Congresso da FRELIMO, realizado em fevereiro de 1977, foi declarada


uma democracia centralizada com traços de totalitarismo, cujo objetivo principal
era manter a estabilidade da nação, confirmando a tese de Pateman (1992: 11),
segundo a qual em nome da estabilidade do Estado, quando ascenderam à
independência, poucas ex-colónias conseguiram manter um sistema político
democrático nos moldes ocidentais. O congresso definiu um programa de
acções consideradas prioritárias, a curto e longo prazo, para o período de 1977
a 1980 e orientou o Ministério da Educação e Cultura para uma planificação
mais centralizada da educação e um maior controlo de funcionamento das
escolas e para a criação do Sistema Nacional da Educação.
50

Em 23 de Março de 1983 é aprovada a Lei nº 4/83 que institui as Linhas Gerais


do Sistema Nacional da Educação, documento condicionado pelo Plano
Perspetivo Indicativo (PPI) de 1980 e que sintetiza as Linhas Gerais do Sistemas
Nacional da Educação submetido à Assembleia Popular pela resolução nº11/81,
para responder “fundamentalmente aos seguintes objectivos: erradicação do
analfabetismo; a introdução da escolaridade obrigatória; a formação de quadros
para as necessidades do desenvolvimento económico e social e da investigação
científica, tecnológica e cultural.

De acordo com a Lei nº 4/83 in Boletim da República, o novo Sistema Nacional


da Educação é estabelecido com base nas experiências da educação desde a
luta armada até à fase da construção do socialismo e nos princípios universais
do Marxismo Leninismo. Nos seus objectivos gerais, o Sistema Nacional da
Educação declara a educação como: direito e dever de todos, reforço do papel
dirigente da classe operária e a aliança operário-camponesa; instrumento
principal da criação do Homem Novo, liberto de toda a carga ideológica e política
de formação colonial e dos valores negativos da formação tradicional.

Diferentemente do sistema de educação colonial que era fragmentário, o novo


sistema é caracterizado pela articulação e integração, ou seja,

o Sistema Nacional da Educação garante a articulação horizontal e


vertical de todos os níveis de ensino dentro de cada subsistema e entre
estes, de forma a ser sempre possível a passagem ao grau do nível
imediato e complementa a articulação interna com a vinculação com os
setores laborais de modo a impedir vias de formação sem continuidade
(Lei nº 4/83, art. 2º).
Constituem subsistemas do Sistema Nacional da Educação:

- O subsistema do Ensino Geral;


- Subsistema de Educação de Adultos;
- Subsistema de Ensino Técnico-profissional;
- Subsistema de Formação de Professores; e
- Subsistema de Ensino Superior.
Destacam-se, entre outros aspectos do novo Sistema Nacional da Educação
plasmado na Lei nº 4/83, a integração do subsistema de Educação de Adultos;
de facto, à este propósito Debora afirma que a educação de adultos no novo
sistema é vista
51

… como componente do Sistema Nacional de Educação (SNE) para


assegurar à população maior de 15 anos uma formação científica geral,
equivalente aos diversos graus e níveis do Subsistema de Educação
Geral. São o bjectivos do subsistema, entre outros, assegurar o acesso
da população trabalhadora à educação, com prioridade para a classe
operária, camponeses cooperativistas e camadas sociais com papel
fundamental no processo político, económico, social e cultural;
desenvolver a consciência patriótica e revolucionária do Homem Novo
NANDJA (sd, 6)
O primeiro Sistema da Educação foi desenhado num momento caracterizado por
crises e turbulências que então abalavam o país; destaca-se a guerra civil que
quase paralisou o país, associado á crise económica e ao ciclo de secas. Esta
situação contribuiu em grande medida para o não cumprimento dos principais
objectivos do sistema em geral, e, particularmente do Subsistema de Educação
de Adultos.

3.6.2 A Educação de Adultos na Lei nº 6/92

A adopção da nova constituição, em 1990, conduz Moçambique à democracia


multipartidária com impacto na vida social e económica. Na sequência da
mesma, o país adopta o novo sistema da educação que resulta da “necessidade
de reajustar o quadro geral do sistema educativo [anterior] às [novas] condições
sociais e económicas do país, tanto do ponto de vista pedagógico como
organizativo", através da Lei nº 6/92, de 8 de Maio.

Trata-se de um sistema que para além de permitir a participação de outras


entidades no processo educativo, está desprovido dos princípios político-
ideológicos do partido e enfatiza o desenvolvimento social e económico do país.

Desta feita, constituem princípios gerais do SNE plasmados no Artigo 1 da Lei


6/92:

a) a educação é um direito e dever de todos os cidadãos;


b) o Estado, no quadro da Lei, permite a participação de outras
entidades, incluindo comunitárias, cooperativas, empresariais e
privadas no processo educativo;
c) o Estado organiza e promove o ensino como parte integrante da
acção educativa nos termos definidos pela Constituição da
República;
52

d) o ensino público é laico.

Nessa lei a Educação de Adultos é definida como sendo uma modalidade


especial do ensino escolar, organizado para indivíduos que já não se encontram
na idade normal de frequência dos ensinos geral e técnico-profissional (art.31);
por outro lado, a mesma lei define também o ensino extra-escolar como aquele
que engloba actividades de alfabetização e de aperfeiçoamento e actualização
cultural e científica, realizando-se fora do sistema regular de ensino (NANDJA,
sd)

3.6.3 A Educação de Adultos na organização do sistema público de


ensino em Moçambique

Uma análise descritiva do sistema público de ensino em Moçambique revela três


‘categorias’ de ensino, nomeadamente:

 Ensino Pré-escolar, frequentado por crianças com idade inferior a seis


anos, é facultativo e tem por objectivo “estimular o desenvolvimento
psíquico, físico e intelectual das crianças e contribuir para a formação da
sua personalidade, integrando as crianças num processo harmonioso de
socialização favorável ao pleno desabrochar das suas aptidões e
capacidades” (Lei nº 6/92, art. 7º).
 Ensino Escolar, eixo central do Sistema Nacional da Educação, no qual
os níveis e conteúdos constituem o ponto de referência de todo o
sistema. Formado pelo nível primário e nível secundário e frequentado a
partir dos seis anos de idade, e
 Ensino extra-escolar que integra o Subsistema de educação de Adultos

O ensino extra-escolar tem como objectivo permitir a cada indivíduo aumentar os


seus conhecimentos e desenvolver as suas potencialidades como complemento
da formação escolar ou em suprimento da sua carência; fundamentalmente, este
ensino visa:

 Eliminar o analfabetismo literal e funcional;


53

 Contribuir para a efectiva igualdade de oportunidades educativas e


profissionais aos que não frequentaram ou abandonaram precocemente
o ensino escolar;

 Assegurar a ocupação dos tempos livres dos jovens e adultos com


actividades de natureza cultural e de ensino informal, sobretudo aqueles
que não tiveram acesso à escola.

Por outro lado, a Lei 6/92 encara o Ensino de educação de adultos como
modalidade destinada aos indivíduos que não se encontram em idade normal de
frequentar os níveis de ensino geral e técnico profissional e àqueles que não
tiveram oportunidade de ingressar no sistema de ensino na idade normal

Com base na nova leis do Sistema Nacional de Edução, a Educação de Adultos


ganha um novo impulso caracterizado por uma série de eventos e realizações
das quais NANDJA (sd) destaca:

 A criação, em 1992, na Manga, cidade da Beira, do Instituto Nacional de


Educação de Adultos (INEA), instituição de formação de profissionais de EA
vocacionada para a pesquisa, documentação e informação bem como prestação
de serviços e assistência técnico-pedagógica;

 A criação das Associações de Educadores de Adultos em 1993,


resultantes do movimento de Educação de Adultos, nomeadamente, Karibu, em
Nampula, Fumaso, na cidade de Beira e Sê Rixile, em Maputo. Trata-se de
organizações profissionais, não sindicais, que congregam educadores de
adultos, cujo objectivo é apoiar as iniciativas de desenvolvimento das
comunidades através da Alfabetização e Educação de Adultos;

 A criação do Curso de Bacharelato em Educação de Adultos, em 1994,


através da cooperação entre as Universidades Pedagógica (Moçambique) e
Linkoping (Suécia), com 24 estudantes, curso que não teve continuidade.

 Realização do 1º Fórum Nacional sobre Educação Não-Formal,


organizado conjuntamente pelo MINED e Comissão Nacional para a UNESCO,
54

que teve lugar em Maputo, de 12 a 14 de Julho, com objectivos de reflectir sobre


a política de Educação não Formal e estratégias da sua implementação, analisar
e sistematizar as experiências e o desenvolvimento da educação não formal em
curso no país e ainda perspectivar alianças e contribuições da Sociedade Civil
no âmbito de Educação para Todos.

Participaram, no fórum, para além dos quadros das estruturas centrais e


provinciais da Educação, docentes da UEM e UP, representantes das Agências
do Sistema das Nações Unidas e de ONG’s. O Fórum recomendou a criação de
um Grupo de Acção multissectorial para reflectir sobre planos e estratégias e
mobilizar recursos para projectos de desenvolvimento comunitário.

 Graduações dos primeiros 23 Bacharéis em Educação de Adultos do


país, em 1998;
 Recriação, em 2000, da Direcção Nacional de Alfabetização e Educação
de Adultos no Ministério da Educação e o desenho do Plano de Acção para
Redução da Pobreza Absoluta, com uma componente para a redução da taxa de
analfabetismo de adultos;
 Concepção, em 2001, da Estratégia do Subsector de Alfabetização,
Educação de Adultos e Educação não Formal, para o período de 2001-2005,
aprovada pelo Conselho de Ministros, visando aumentar as oportunidades de
acesso à educação básica da população jovem e adulta e que preconiza reduzir
o analfabetismo em, pelo menos, 10% durante a sua vigência; ainda, em 2001, é
introduzido na Faculdade de Educação, UEM, do Programa de Mestrado em
Educação de Adultos, com o objectivo de “formar profissionais que possam
responder às necessidades da sociedade moçambicana em relação à formação
de formadores para o desenvolvimento comunitário rural e/ou urbano, à
profissionalização de adultos no mercado de trabalho através de um vínculo
efectivo entre a teoria e a prática laboral e à formação de profissionais das áreas
de alfabetização e pós-alfabetização de adultos.
55

CAPÍTULO IV: ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO O DE DADOS

Feitas as leituras que constituíram a base teórica deste estudo empírico, no qual
se enfatizaram os modelos de educação de adultos, a alfabetização e educação
de adultos no contexto do sistema nacional de educação em Moçambique,
considera-se formada a base conceptual suficiente e capaz de orientar a
realização do estudo.

Com efeito, e com base na opção metodológica, no plano de investigação, que


descreveu as diferentes actividades realizadas e os instrumentos e técnicas
utilizadas na recolha de dados, apresentados no Capitulo I, passa-se à
apresentação dos resultados a partir da análise dos dados das entrevistas
recolhidos durante o trabalho empírico.

A análise das entrevistas foi feita com recurso à escuta de informações gravadas
em áudio digital na altura da recolha dos dados e transcrição de aspectos
relevantes. Seguiu-se à sistematização, através de categorização e interpretação
da informação, de acordo com as questões comuns ou diferentes também dadas
aos entrevistados. A informação foi posteriormente confrontada com o referencial
teórico para responder ao problema de pesquisa.

Realce-se que a análise dos resultados das entrevistas foi feita em separado,
primeiro dos dados referentes às respostas dos gestores distritais de AEA,
seguido dos de alfabetizandos.

Análise das entrevistas

4.1 Análise dos dados das entrevistas aos gestores distritais de AEA

Nesta parte do trabalho, segue-se a apresentação dos resultados emergentes


das entrevistas aos gestores distritais de AEA, tendo como referência as
seguintes dimensões de análise:

 Programas de AEA que actuam em estudo;


 Modelos de AEA dos programas de Omalapala;
 Critérios de afectação de programas às comunidades;
 Acesso e retenção dos alfabetizandos nos programas de AEA.
56

4.1.1 Programas de AEA que actuam em Omalapala

A primeira das questões colocadas aos gestores de AEA no distrito de Malema


foi: quais são os programas de alfabetização ministrados no distrito de Malema?
O objectivo era identificar os programas que actuam no distrito e
especificamente, na comunidade de Omalapala.

Dos depoimentos recolhidos, tanto do técnico distrital como do supervisor, foram


identificados os seguintes programas: Alfa-Regular, PROFAS, Alfa-Radio,
UATAF e CLUSA, conforme se pode constatar das transcrições que se segue, a
começar pelo do técnico distrital de AEA de Malema:

Aqui no distrito de Malema…são muitos programas, alguns são novos,


outros são antigos, não sei bem...mas a CLUSA é que começou, depois
veio Alfa-regular, a PROFASA, Alfa-Radio…este é do governo…UATAF
também está cá (Tec-AEA).

Os mesmos programas foram mencionados pelo supervisor distrital nos


seguintes termos

Em Malema, são…quase cinco…vamos lá ver… PROFASA, Alfa-radio,


Alfa-Regular, CLUSA e outros, sim…UATAF. (Sup-AEA).

4.1.2 Modelos de AEA dos programas que actuam na comunidade de


Omalapala

No prosseguimento das entrevistas aos gestores de AEA, foi colocada a


seguinte questão: qual é a diferença entre um programa e outro? Esta pergunta
tinha em vista apurar qual é o modelo de alfabetização que cada programa
emprega na comunidade em estudo.

Em resposta a esta questão, foram apurados os seguintes depoimentos:

Diferenças…existem, por exemplo UATAF que significa Unidade de


Assistência técnica de Alfabetização Funcional, está centrado nos
projectos e associações, onde se celebra um contrato com
alfabetizadores identificados nos projectos, mas que sabem ler e
escrever…por sua vez, são capacitados pelo UATAF antes do início das
aulas. Durante as capacitações, eles beneficiam de valores monetários,
57

material didáctico para facilitar o processo de ensino-aprendizagem e


outro para distribuir aos seus educandos…livros, cadernos canetas,
borrachas…estas capacitações são feitas frequentemente, mesmo
durante o processo de leccionação, pois escolhe um período e realiza-
se.
Por outro lado temos Alfa-regular, este é do governo, ai não há projecto,
só os adultos vão ao centro e aprendem leitura e escrita e cálculo…os
alfabetizadores são contratados pelo governo…aqui também é difícil
receber o material…é isso….
Também temos a CLUSA…este é o programa de americanos…este
programa está centrado mais nos projectos e também nas associações…
la celebra-um contrato com alfabetizadores dos projectos…só tem de ser
lá nos projectos.., qua sabem ler e escrever… nas capacitações eles
beneficiam de valores monetários, material didáctico…como no
UATAF…para o ensino…o para os alfabetizandos...

Agora...PROFASA…este só forma alunos para ensinar os próprios pais e


distribui material, assim, cadernos, pastas, canetas …para todos (Tec-
AEA).

As mesmas diferenças nos moldes de actuação, foram evidenciadas pelo


supervisor distrital de alfabetização:

Diferença?...existe sim…mas na Alfa-regular, onde não há projectos e os


alfabetizadores não recebem nada, só aulas…no CLUSA e UATAF, ai
sim…há projectos os alfabetizadores tem subsídios, as associações
recebem formação e são financiados.
No PROFAS são identificados alunos inteligentes na s escolas e capazes
de dar aulas, são capacitados e depois vão dar aulas aos seus parentes,
ou vizinhos, trabalha-se com manuais. A Alfa Regular começa de
Fevereiro a novembro, são contratados alfabetizadores e trabalha-se
com manuais (Sup-AEA)

Nos depoimentos dos gestores de AEA do distrito de Malema, estão patentes


dois modelos de alfabetização e educação de adultos, o modelo receptivo
alfabetizador, praticado pelo programas Alfa-Regular e pelo PROFASA, que se
preocupa fundamentalmente no ensino da leitura e escrita, sem preocupação
pela expressão do pensamento por parte do alfabetizando; trata-se de um
modelo que, segundo SANZ FERNANDEZ (2006) apud DA SILVA (2010) centra-
se na alfabetização, tendo em vista apenas a promoção académica e esquece a
dimensão de utilidade social e ainda, por outro lado este modelo pretende
disciplinar mais do que estimular a sua criatividade, ao possibilitar o acesso ao
58

conhecimento já construído e impedir a possibilidade de criar novos


conhecimentos, entre outras características.

Por outro lado, nos depoimentos está evidente o modelo dialógico social
praticado pelos programas CLUSA e UATAF, modelo este que dá ênfase á
consciência crítica, ao pensamento, á participação e á gestão social, destacando
a importância das competências sociais que permitem aos adulto enfrentar
diversas situações que a vida real lhes apresenta. Aqui, o alfabetizador não
ensina pela autoridade, como no modelo alfabetizador, mas o seu trabalho
consiste em reconhecer e potenciar a continuidade das aprendizagens ao longo
da vida, fazendo com que o perfil dominante deste formador seja o de animador;
de facto, a CLUSA e UATAF estão mais preocupados coma associações ou
projectos já existentes e o objectivo é apoiar os seus membros a atingir os
objectivos por eles definidos.

4.1.3 Modelos de afectação de programas as comunidades

Com a intenção de perceber como os programas chegam às várias


comunidades do distrito de Malema, colocou-se aos entrevistados a seguinte
questão: quem decide sobre a afectação dos programas às comunidades?

Em resposta, os entrevistados afirmaram que são as autoridades do distrito que


decidem onde afectar os programas, em função da taxa de analfabetismo
prevalecente em cada comunidade e com os projectos de desenvolvimento
comunitário existentes.

O distrito é que faz a distribuição com base na influência populacional…


neste contexto, onde há maior número de pessoas que não sabem ler e
escrever, ai direccionámos os programas que funcionam com projectos
(UATAF ou CLUSA) porque tem maior rigorosidade de controlo na
erradicação do analfabetismo. (Tec-AEA).

O supervisor de AEA de Malema,no entanto, destaca apenas o facto da


prevalência da taxa de analfabetismo como sendo o critério de afectação dos
programas às comunidades.

…primeiro identificamos as comunidades com maior taxa de


analfabetismo e com muita influencia da população e ai encaminhamos
59

programas com maior rigorosidade, pois são estes que são mais
concorridos pelos alafabetizandos (Sup-Alf).

Fazendo uma relação entre os modelos de AEA que cada um dos programas
pratica nas comunidades e os critérios de afetação seguidos pelas autoridades
de AEA no distrito de Malema, facilmente se constata que o modelo receptivo
alfabetizador é direccionado para as comunidades que não possuem projectos
de desenvolvimento próprio, enquanto o modelo dialógico social é direccionado
para as comunidades que se organizam em associações, para desenvolverem
alguma actividade de desenvolvimento.

4.1.4 Acesso e retenção de adultos nos programas de AEA


em Omalapala

Com o objectivo de perceber o nível de aderência aos programas de AEA em


actividade na comunidade de Omalapala, coloca-se a seguinte questão aos
gestores de AEA no distrito de Malema: Quais dos programas são mais
concorridos?

Em resposta, os entrevistados foram unânimes em afirmar que os programas


que usam modelo dialógico social de Alfabetização, ou seja, CLUSA e UATAF
são os mais concorridos, como evidenciam os dependentes.

Como acabamos de explicar na pergunta anterior, é o UATAF e CLUSA.


Porque estes programas, por estarem a funcionar em associações, os
membros têm usufruído de alguns benefícios, fruto dos seus trabalhos e
o acolhimento é maior. Por exemplo, quando um alfabetizando tem
algumas dificuldades de valores monetários para a compra de material
escolar do seu educando ou outro problema, pode pedir empréstimo na
associação, fruto do seu trabalho e algum tempo depois repor, sentindo-
se, assim, mais motivado. (Tec-AEA)

O supervisor distrital de alfabetização adiantou ainda que tem havido


concorrência no acto de ingresso aos programas CLUSA e UATAF, chegando-
se ao ponto de se restringir o acesso, dado o maior número de interessados.

…há confusão na escolha destes programas por causa dos benefícios de


capacitações, materiais didáticos e de criação de associações que
ajudam muito no desenvolvimento da comunidade e individual, como
também na erradicação do analfabetismo que estes dois programas têm
(UATAF e CLUSA), isto quer dizer que tanto os alfabetizadores como os
educadores querem entrar nestes, mas as associações são muito
60

controladas que não há infiltração nem do alfabetizador nem do


alfabetizando. (Sup-AEA)

4.2 Análise das entrevistas aos alfabetizandos

4.2.1 Modelo de Alfabetização e Educação de Adultos

Um dos factores que concorre para o nível de aderência dos adultos aos
programas de alfabetização é a possibilidade que tais programas tem de
provocar impactos positivos imediatos nas suas vidas, ora, mediante o uso do
que aprende para melhorar as suas condições de vida, e isso só é possível se
os conteúdos e actividades estão alinhados às necessidades de aprendizagem.
É prova disso o facto de que os programas que se baseiam no modelo
receptivo alfabetizador são pouco concorridos em relação aqueles baseados no
modelo dialógico social; quando procuramos perceber dos alfabetizadores, com
que facilidade conseguiu se inscrever no programa e a que está vinculado, as
respostam revelam que os programas que associam a alfabetização às
actividades de emponderamento económico e social são mais concorridos e,
por conseguinte difíceis de aceder que aqueles que apenas se cingem no
ensino da leitura e escrita, factos evidentes nos depoimentos dos
alfabetizandos entrevistados:

Eu estou na CLUSA…para entrar foi porque tínhamos associação de


produção e venda de produtos…cebolas, milho, repolho. Então os
dirigentes do distrito vieram e disseram para gente se organizar bem…
para sermos apoiados…assim entrei com meus colegas que estavam
comigo na minha associação…foi assim…mas os outro que não estavam
na associação não foram aceites. Mas até agora querem entrar… (Alf1-
CLU)

UATAF nos chamou para nos ajudar com financiamentos…aprender


como fazer coisas…como cadeiras, mesas…e vender…Só entra lá quem
tem projecto…muitos queriam, mas como não estavam organizados não
conseguiram (Alf6-AUT)

Como se pode constatar pelos depoimentos, a CLUSA e UATAF, por


implementarem uma alfabetização do modelo que promove o desenvolvimento
pessoal e colectivo, contrariamente aqueles que não incluem estas componentes
nas suas práticas e actividades, para além de leitura e escrita como é o caso de
POFASA e Alfa-rádio.
61

Estou no PROFASA…temos um sobrinho que estuda lá na oitava


classe, então ele veio nos convidar para ir na alfabetização…entra que
quiser, basta estar perto do centro pode entrar, somos quase todos
vizinhos, outro não quiseram por causa de machambas… (Alf2-
PROF).

…foi assim, fomos ditos na reunião para matricular e estudar porque é


bom estudar…o filho do nosso vizinho é que nos ensina…lá vai quem
quer…(Alf5-PROF).

Um aspecto que interessou ao estudo é saber em que medida os inscritos no


inicio do ano lectivo de AEA chegam até ao fim, ao que apurou-se que o
PROFASA e Alfa -regular registam muitas desistências que o CLUSA e UATAF;
os que desistem evocam motivos de actividades agrícolas, que muitas vezes
coincidem com a época de alfabetização:

Quando começa há muita gente, mas com trabalhos das machambas


muitos abandonam (Alf2-PROF)
Quando chega o tempo de trabalhar na machamba muitos começam a
faltar muitas vezes…por causa de chuvas quando aproximam…é
necessário ir a machamba (Alf3 -Reg).

Lá na alfabetização só aprendemos a ler e a escrever…temos as nossas


machambas, se não formos trabalhar como vamos viver? …então vamos
à escola quando não temos trabalhos na machamba… (Alf8-Reg).

Contrariamente, a CLUSA e UATAF por associarem a prática de alfabetização e


os trabalhos das associações que lhes rende registam poucas desistências.

4.2.2 Relevância dos conteúdos da alfabetização

Um dos factores que motiva os adultos a aprender é a relevância dos conteúdos


da aprendizagem. Quando os conteúdos da aprendizagem, nas aulas de
alfabetização e educação de adultos, são imediatamente utilizáveis na prática
diária, estes se sentem estimulados para aprender e permanecer nas sessões
de alfabetização. Um modelo cujos conteúdos programáticos estão desfasados
com as práticas diárias dos adultos pode resultar em desistências destes.
62

Como afirma CARRÉ (2001: 51) apud FONSECA (2010: 41) “ o individuo
[adulto] procura formação com o objectivo de obter novos e/ou renovados
conhecimentos que lhe permitam fazer face a alterações ou novas situações da
sua vida quotidiana, social e familiar”, por outro lado, a mesma autora citada
refere que “os adultos esperam uma aplicação prática e imediata do que
aprenderam e manifestam um interesse muito reduzido por saberes que só
serão úteis num futuro distante” ” (QUINTAS, 2008: 22) apud FONSECA
(2010:41) Com efeito, procurou-se saber dos participantes do nosso estudo, em
que medida os conteúdos ministrados nas aulas eram relevantes para as suas
actividades diárias. Em resposta, os alfabetizandos vinculados aos programas
do CLUSA e UATAF revelaram que quase tudo o que aprendem nas aulas de
alfabetização tem aplicação imediata nas suas actividades do dia-a-dia:

Nós aprendemos como preparar terreno para hortas…quando é tempo


de preparar sementeiras, ou viveiros e logo vamos aplicar (…) também
aprendemos como pesar e fazer contas dos nossos produtos, isso
quando é tempo de colheita (Alf1-CLU).

O nosso alfabetizador nos ensina muita coisa, medir, contar, escrever,


usar máquina calculadora…tudo isso vamos aplicar nos nossos negócios
lá na associação (…) às vezes, nós pedimos para nos ensinar como
medir adubo e ele disse para esperar e depois veio, nos ensinou e nós
vamos fazer como ele nos disse… (Alf6-AUT).

Destes depoimentos é evidente a ligação entre os conteúdos da alfabetização


praticada na CLUSA e UATAF com as práticas diárias dos alfabetizandos.
Convém notar também a flexibilidade dos planos curriculares em função das
reais necessidades da aprendizagem dos educandos evidenciada pelo
entrevistado do UATAF quando afirmou que “…nós pedimos para nos ensinar
como medir adubo e ele disse para esperar e depois veio, nos ensinou”. Este
aspecto é realçado por Zabalza, (2007) apud MALTA (2012: 14) ao afirmar que
“construção curricular assenta na ideia que os conteúdos deverão ir ao
encontro das competências a adquirir e das aprendizagens a realizar”.

Entretanto, os entrevistados vinculados ao PROFAS e ao ALFA regular pouco


evidenciaram haver relação entre o que aprendem nas aulas da alfabetização e
o que fazem no seu dia-a-dia; os depoimentos tendem a realçar mais tendência
de seguir um currículo centralmente desenhado com pouca ligação com a vida
dos destinatários:
63

Nós aprendemos a ler e a escrever…contas…fazer limpeza e mais


coisas…e depois fazemos prova…só…aplicamos quando há exame ou
prova (Alf2-PROF)

Às vezes, ele [o alfabetizador] nos diz para aplicar em casa, limpeza,


fazer latrina, coisas assim (Alf8-Reg).

A questão da irrelevância dos curricula de AEA foi mencionada pelo LUIS


(20012: 20), ao referir que “a maioria dos adultos acha frustrante perder de um a
três anos aprendendo apenas a ler e a escrever”.

A importância da relevância do currículo em educação de adultos é também


evidenciada por QUINTAS (2008), ao referir que os adultos sentem-se mais
motivados para aprender quando compreendem as vantagens e os benefícios
de um determinado conhecimento, bem como as consequências do seu
desconhecimento;

Assim, os métodos de ensino a utilizar devem orientar-se no sentido dos


alfabetizandos identificarem quais as lacunas dos seus conhecimentos e
definirem o que necessitam ainda de saber (ou que gostariam de aprender) para
completarem um conjunto de saberes que supram essas suas necessidades.

Feita a análise e interpretação dos dados das entrevistas dirigidas aos gestores
distritais de AEA e aos beneficiários dos programas ministrados por diferentes
actores de alfabetização, é tempo de apresentar as conclusões, assunto que se
vai tratar a seguir.
64

CONCLUSÃO

Compreender melhor em que medida os diferentes programas de alfabetização


que desenvolvem actividades na comunidade de Omalapala, distrito de Malema,
foi a grande motivação que levou a autora a fazer o presente estudo.

O diálogo franco e aberto tido com os gestores de AEA do distrito de Malema e


com os alfabetizandos da comunidade de Omalapala levou a que se inferisse
algumas ideias em relação à influência das práticas da AEA no acesso e
retenção de adultos nos diferentes programas que actuam naquela comunidade.
Nesta parte do trabalho, apresentam-se as conclusões a que se chegou a partir
da análise dos dados recolhidos e interpretados à luz do referencial teórico que
serviu de base do estudo.

Em relação aos programas que actuam na comunidade de Omalapala, constatou-


se que estão em actividade quatro programas, um da gestão do Estado e três de
parceiros do Governo. No entanto, constatou-se que dois dos programas são
similares quanto às práticas de alfabetização que implementam, ou seja, a
CLUSA e UATAF praticam a modalidade de alfabetização do tipo modelo
dialógico social que dá primazia à participação e gestão social por meio de
associações com diversificadas finalidades. Por outro lado, o PROFASA e Alfa-
Regular praticam o modelo receptivo alfabetizador que dá prioridade à
aprendizagem de leitura, mais do que da escrita, com currículos previamente
desenhados.

O estudo constatou que os programas de CLUSA e UATAF são os mais


concorridos e, por conseguinte, condicionam o acesso aos seus projectos,
fazendo associação de tipo socioeconómica, enquanto o PROFASA e Alfa-
Regular não têm nenhum condicionalismo, ou seja estão abertos a qualquer
interessado.

No que diz respeito às práticas desenvolvidas pelos programas afectos à


comunidade de Omalapala e que influenciam a retenção dos adultos nos centros
de alfabetização, o estudo constatou que a CLUSA e UATAF, por alinharem os
seus programas às actividades de rendimento, são os que retêm os
alfabetizandos em relação aos outros programas.
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Tendo em conta que os aspectos constatados no estudo condicionam o acesso e


retenção dos adultos nos programas de alfabetização e educação de adultos, o
estudo recomenda que no distrito de Malema, em particular na comunidade de
Omalapala, seja proliferado o modelo dialógico social, de modo a permitir que
não haja exclusão dos que por ventura não estejam vinculados a uma
associação. Também que sejam os próprios adultos/ alfabetizandos a se
organizarem em associações, como forma de se potenciarem em matérias de
participação e desenvolvimento socioeconómico.
66

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