Você está na página 1de 12

Gustavo Brazão - 2021.

NEMATÓDEOS INTESTINAIS
1. TAXONOMIA
Na classificação tradicional, os principais nematódeos que parasitam o trato digestório de
populações humanas agrupam-se nas Classes:

 Rhabditea: inclui as ordens:


o Ascaridida:
 onde se encontra o gênero Ascaris.
o Strongylida:
 gêneros Ancylostoma e Necator.
o Rhabditida:
 gênero Strongyloides.
o Oxyurida:
 gênero Enterobius.

 Enoplea: inclui a ordem:


o Trichurida:
 gênero Trichuris.
No entanto, ainda não há consenso sobre a posição taxonômica desses nematódeos de
importância clínica.
Como a infecção é adquirida pelo contato com o solo contaminado por formas infectantes, como
ovos ou larvas, Ascaris, Trichuris, ancilostomídeos e strongyloides são coletivamente
conhecidos como geo-helmintos.

2. RESPOSTA IMUNE AOS HELMINTOS


De modo geral, os helmintos tendem a induzir uma polarização da resposta imune do
hospedeiro para um padrão TH2, com níveis elevados de IgE e eosinofilia pronunciada, além
de estimular o desenvolvimento de células T reguladoras.
1 - Células epiteliais do trato digestório entram em contato com as larvas infectantes dos
nematódeos, uma vez quebrada a barreira mucosa.
2 – As células epiteliais liberam Alarminas: IL-25 e IL-33 e a linfopoietina estromal tímica
(TSLP).
3- As alarminas induzem a ação de diferentes células:

 Linfócitos TH2.
 Células linfoides inatas do tipo 2 (ILC2).
 Eosinófilos e basófilos: degranulam liberando proteínas tóxicas.
4 – Células TH2 e ILC2 ativadas liberam IL-4, IL-5, IL-13 e IL-9.
5 - Ação de IL-4, IL-5 e IL-13:

 IL-4 e IL-13: Suprimem a ativação clássica de macrófagos (M1), e estimulam a


ativação de macrófagos M2, que secretam moléculas com potente ação anti-
inflamatória.
 IL-4 e IL-13: estimulam a secreção de muco intestinal e peristaltismo.
Gustavo Brazão - 2021.2

 IL-4 e IL-13: estimulam a produção de anticorpos IgE (Linfócitos B) que favorecem a


degranulação de mastócitos.
 IL-5: possui a capacidade de ativar e recrutar eosinófilos para o local da infecção.
6 - Células dendríticas: os helmintos desencadeiam a liberação de TGF-β e IL-10 por células
dendríticas sob estímulo de seus antígenos solúveis.
7 – TGF-β e IL-10:

 Favorecem a expansão de Treg e TH2 efetoras.


 Suprimirem a diferenciação de células TH1 e TH17 efetoras.
Gustavo Brazão - 2021.2

Mecanismos de Expulsão de Nematódeos Intestinais:


 Granulócitos, células epiteliais e por anticorpos do hospedeiro: liberam proteínas
tóxicas.

 Células caliciformes: produzem mucinas que imobilizam os vermes e facilitam o


revestimento por proteínas tóxicas. (IL-4 e IL-13 estimulam).

 Peristaltismo intestinal: aumenta na vigência de inflamação e termina por expelir os


helmintos. (IL-4 e IL-13 estimulam).

Os Mecanismos de Evasão:
Geralmente os helmintos apresentam tegumentos espessos e são muito grandes para serem
fagocitados. Assim, a ação dos macrófagos fica limitada à liberação de substâncias tóxicas que
visam lesar a membrana dos helmintos.
Além disso, como você pôde ver, os nematódeos desenvolveram uma variedade de mecanismos
para induzir respostas REGULATÓRIAS que favorecem sua sobrevivência no hospedeiro por
longos períodos e reduzem o efeito deletério da inflamação.
As respostas regulatórias induzidas durante a infecção pelos parasitos podem limitar a resposta
imune contra antígenos não relacionados. Podem então suprimir a resposta contra outros
patógenos, aumentando a gravidade de doenças, como hepatites virais, AIDS, tuberculose e
malária.
Gustavo Brazão - 2021.2

3. ASCARIS E ASCARÍASE
Ascaris lumbricoides é geralmente considerado um parasito que infecta exclusivamente seres
humanos, sendo o maior nematódeo do trato digestório. No entanto, há evidências de humanos
infectados por A. suum, um parasita de suínos MUITO SEMELHANTE ao A. lumbricoides.

O A. lumbricoides macho lembra a sobrancelha do Sanji.

Ciclo Vital e Patogenia:


Fertilização dos Ovos: os ovos precisam ficar em condições favoráveis de temperatura (25°C,
variando de 22 a 30°C), umidade e oxigenação no solo, por cerca de 3 semanas, para tornarem-
se infectantes, após duas mudas das larvas contidas em seu interior -> as larvas se tornam L2 e
depois L3.
Ingestão dos Ovos: sofre um adelgaçamento no suco gástrico e ao passarem pelo intestino
delgado, liberam uma larva L3.
Percurso das Larvas L3:
1. Penetração da Parede: atravessam a parede intestinal, atingindo vênulas ou vasos
linfáticos.
2. Circulação: por meio da circulação portal, acometem o fígado, o coração direito e os
pulmões, aonde chegam entre 1 e 7 dias após a infecção.
3. Saída dos Capilares: rompem os capilares pulmonares e caem no lúmen alveolar.
4. Ascensão para a glote e traqueia: larvas passam pelos bronquíolos e brônquios até a
traqueia e a glote.
5. Deglutição: ao serem deglutidas, chegam ao esôfago, ao estômago e ao intestino
delgado.
Terceira Muda:
1. Início: ocorre na mucosa intestinal, originando larvas L4.
2. Aumento do tamanho: no lúmen intestinal, essas larvas alcançam o comprimento de 1
cm até o momento da muda final, 3 a 4 semanas após a infecção.
3. Transformação em adultos: diferenciam-se em adultos com sexos separados.
4. Ações dos Parasitas Adultos:
 Mecânica: vai contra o peristaltismo para se manter no intestino.
 Espoliativa: rouba nutrientes do hospedeiro.
Gustavo Brazão - 2021.2

 Tóxica: libera substâncias nocivas para o intestino.


 Obstrutiva: impede a passagem adequada das fezes no interior do intestino.
5. Produção de Ovos: os adultos produzem ovos que são detectados nas fezes cerca de 8 a
9 semanas após a infecção.
A longevidade média das fêmeas vai de 12 a 18 meses, e pode chegar a 20 meses.

Ovo Ovo Infértil


eliminado em fezes Ovo Fértil (3 semanas)
Gustavo Brazão - 2021.2

Manifestações Clínicas:
A maioria das infecções humanas envolve menos de dez vermes adultos e é assintomática.
Doença Sintomática:

 Dor abdominal vaga: é o sintoma mais comum.


 Diarreia: Os helmintos produzem discretas alterações inflamatórias na mucosa
intestinal, que por sua vez podem acarretar alterações da secreção e da motilidade
intestinais, resultando em diarreia.
 Redução da absorção de alguns nutrientes: principal vitamina A.
 Intolerância à lactose.
 Perda de apetite.
A gravidade dos sintomas é diretamente proporcional à quantidade de vermes adultos que o
paciente alberga.
As infecções crônicas em crianças, ainda que geralmente assintomáticas, produzem
frequentemente retardo de crescimento físico, especialmente em comunidades em que o acesso
a alimentos é relativamente restrito.

INFECÇÕES MACIÇAS:
Obstrução: infecções maciças, especialmente em crianças, podem causar um bloqueio
mecânico do intestino delgado (especialmente do íleo) por uma grande quantidade de vermes.
Nesses casos, podem ocorrer vólvulo (torção) ou intussuscepção intestinal e obstrução parcial
ou completa do intestino delgado, levando à isquemia e à necrose da parede intestinal.
Migração Anômala: vermes adultos podem passar pelos ductos biliares e pancreático ou pelo
fígado é outra complicação grave de infecções maciças, especialmente quando há febre, que
parece estimular o movimento desses helmintos.

 Ascaríase Hepatobiliar e Pancreática: manifestam-se por cólica biliar, colecistite


aguda, colangite, pancreatite e abscesso hepático.
 Apendicite por Áscaris: vermes adultos podem também alojar-se no apêndice,
produzindo um quadro clínico indistinguível da apendicite aguda.
Em altas quantidades de parasitas, eles podem retornar para as porções iniciais do TGI, até
mesmo saindo pela boca.

Diagnóstico:
É diagnosticada em exames parasitológicos de fezes de rotina ou pela eliminação espontânea
de vermes nas fezes.
Hemograma: evidencia eosinofilia.

Tratamento:
Albendazol, mebendazol e ivermectina são efetivos.
Os casos mais graves de obstrução intestinal por Ascaris frequentemente requerem tratamento
cirúrgico.
Gustavo Brazão - 2021.2

4. SÍNDROME DE LOEFFLER:
Embora a fase de migração pulmonar das larvas seja assintomática na maioria dos pacientes,
alguns (especialmente crianças) apresentam uma pneumonite clinicamente caracterizada por:

 Tosse não produtiva.


 Febre.
 Dispneia.
Eventualmente com reação de hipersensibilidade levando à obstrução brônquica e sibilância.
Esse quadro é conhecido como síndrome de Loeffler, é autolimitada, pode ocorrer na infecção
por qualquer helminto com ciclo pulmonar, e tem como característica marcante a eosinofilia.
Na ascaríase, ocorre cerca de 10 a 14 dias após a infecção.

5. ANCILOSTOMÍDEOS E ANCILOSTOMÍASE
Os principais ancilostomídeos que infectam o tubo digestório humano são Ancylostoma
duodenale e Necator americanus, que se desenvolvem no trato digestório humano, produzindo
a ancilostomíase.
Os vermes adultos de A. duodenale e N. americanus habitam o intestino delgado humano.

Ciclo Vital e Transmissão:


A morfologia dos ovos eliminados nas fezes não torna possível distinguir entre A. duodenale e
N. americanus, apesar de haver uma pequena diferença de tamanho entre essas espécies.
Ao serem eliminados, os ovos fertilizados estão geralmente em seus estágios iniciais de
clivagem. Os ovos maturam em 1 a 10 dias, quando encontram condições favoráveis no solo,
produzem larvas rabditoides (L1) em seu interior.
Larvas Rabditoides (L1): são liberadas com a eclosão dos ovos. As larvas alimentam-se de
nutrientes do solo e sofrem mais duas mudas para transformar-se em larvas filarioides (L3)
infectantes, cerca de 1 semana depois.
Larvas Filarioides (L3): permanecem no solo por até 6 semanas. Em geral, movem-se
ativamente, como uma serpente, mas não se alimentam.
Infecção humana: se dá pela penetração de larvas filarioides na pele, geralmente dos pés e das
mãos, que entram em contato direto com o solo contaminado com fezes humanas.
Penetração na Pele: leva cerca de 30 minutos e pode produzir prurido intenso. As larvas
atingem as vênulas ou capilares ou ainda vasos linfáticos, iniciando um ciclo pulmonar
semelhante ao de Ascaris. A migração larvária leva cerca de 1 semana, período em que ocorre a
terceira muda, gerando larvas de quarto estágio (L4).
Larvas L4: chegam ao intestino delgado e fixam sua cápsula bucal na mucosa, iniciando a
hematofagia (característica dos ancilostomídeos).
Quarta Muda: ocorre no fim da segunda semana de infecção, no intestino delgado, originando
os vermes adultos (L5), responsáveis por liberar ovos.
Ovos de ancilostomídeos são detectados nas fezes 4 a 8 semanas após a infecção.
Gustavo Brazão - 2021.2

VIA ORAL:
A transmissão de A. duodenale também pode ser por via oral, mediante a ingestão de larvas em
água ou alimentos contaminados. Quando ingeridas, as larvas filarioides de A. duodenale
originam vermes adultos sem passar pela etapa de migração pulmonar.

Patogênese e Achados Clínicos:


Anemia: as manifestações clínicas devem-se principalmente à anemia, devido perda de sangue
no local de aderência no intestino delgado. Dessa forma, em pacientes cujo estado nutricional
não é capaz de compensar a perda sanguínea ocorrem sintomas como:

 Fraqueza.
 Palidez.
Ancilostomose cutânea: uma pápula ou vesícula pruriginosa, pode ocorrer no local de entrada
das larvas na pele.
Larva migrans cutânea: é a manifestação na pele de infestação por ancilóstomo.
Gustavo Brazão - 2021.2

Larva Migrans Cutânea


Fezes: encontram-se frequentemente estrias de sangue ou sangue digerido.
Hipoalbuminemia -> Anasarca: pode ocorrer devido a perda proteica crônica.
Síndrome de Loeffler: pneumonia com eosinofilia pode ser observada durante a migração
larval pelos pulmões, similar à ascaridíase.
Crianças intensamente infectadas podem também apresentar retardo de crescimento, decorrente
de diarreia crônica com redução da absorção de nutrientes, bem como certo prejuízo do
desenvolvimento cognitivo.
As espécies A. caninum e A. brasiliense são exclusivas de cães e gatos e não são infectantes
para humanos, permanecendo limitadas na pele, sendo conhecidas como bicho geográfico.

Diagnóstico:
O diagnóstico é realizado principalmente por:

 Parasitológico de fezes: análise microscópica a partir do observação dos ovos nas


fezes.
 Pesquisa de sangue oculto nas fezes: dada a hematofagia.
 Hemograma: Eosinofilia é um achado comum.

Tratamento:
As drogas são: albendazol, mebendazol ou pamoato de pirantel.

6. STRONGYLOIDES E A ESTRONGILOIDÍASE
A estrongiloidíase é a infecção causada pelo Strongyloides stercoralis, que é o único nematódeo
intestinal cujos ovos eclodem no próprio trato digestório humano, tornando possível ao parasito
multiplicar-se no interior do hospedeiro (autoinfecção).

Tipos de Larvas:
Apenas as Larvas FILARIOIDES são Infectantes, isso vale para todos os Geo-helmintos.

 Os ovos de strongyloides podem gerar larvas 1n, 2n e 3n.


 Larvas 1n: evoluem de rabditoides para machos adultos.
 Larvas 2n: evoluem de rabditoides para fêmeas adultas.
 Larvas 3n: evoluem de rabditoides para filarioides e depois para fêmeas partenogenéticas.
Gustavo Brazão - 2021.2

Ciclo de Vida:
Strongyloides stercoralis possui dois ciclos de vida distintos, um no interior do corpo humano
e o outro de vida livre no solo. Independentemente do tipo de ciclo que as origina, realizam
uma migração pulmonar análoga à descrita para Ascaris e ancilostomídeos.
CICLO NO HUMANO: O ciclo de vida no corpo humano inicia pela penetração de larvas
filarioides infecciosas na pele, geralmente na pele dos pés, e sua migração para os pulmões. As
larvas penetram nos alvéolos, ascendem pelos brônquios e pela traqueia, sendo, então,
deglutidas. No intestino delgado, as larvas transformam-se em fêmeas partenogenéticas, que
penetram na submucosa das vilosidades intestinais e eliminam ovos 25 a 30 dias após o início
da infecção.
CICLO NO SOLO: Quando as larvas rabditoides são liberadas nas fezes e encontram solo
em boas condições de sobrevivência, se desenvolvem em larvas adultas que geram novas
larvas ou diretamente em larvas filarioides infectantes. As larvas filarioides se desenvolvem
obrigatoriamente em larvas adultas fêmeas partenogenéticas que se fixam à submucosa e
produzem ovos. Os ovos geralmente eclodem no interior da mucosa, formando larvas
rabditoides que são eliminadas nas fezes.

Reinfecção: As larvas filariformes também podem sair do ânus e causar uma reinfecção através
da pele perianal. Em pacientes imunocompetentes, esse é um evento incomum, sem relevância
clínica.
Gustavo Brazão - 2021.2

Autoinfecção:
Algumas larvas transformam-se em larvas filárias, que penetram diretamente na parede
intestinal sem deixar o hospedeiro, e migram até os pulmões.
A autoinfecção pode resultar em estrongiloidíase crônica.
HIPERINFECÇÃO: Em pacientes:

 Imunocomprometidos (p. ex.: AIDS e HTLV).


 Com altas doses de Corticosteroides ou Inibidores de TNF.
 Severamente desnutridos.
A autoinfecção pode levar a uma reinfecção maciça com algumas larvas podendo, pela
circulação pulmonar, alcançar a circulação arterial e disseminar-se para muitos órgãos, gerando
consequências muitas vezes fatais.

Patogênese:
Ações do na mucosa que determinam a patogênese podem ser divididas em:
Ação Traumática: irritação da parede abdominal, produção de ulcerações com formação de
tecido fibrótico -> íleo paralítico.
Ação Tóxica: Ativação de polimorfonucleares, complemento e resposta humoral.

Sintomas:
A maioria dos pacientes é assintomática, principalmente os com pequena quantidade de
vermes.
Intestinais: Dores epigástricas antes das refeições, diarreias, náuseas, vômitos, emagrecimento
e mau estado geral do paciente.
Vermes fêmeas adultas presentes na parede do intestino delgado podem causar inflamação
(enterites), resultando em diarreia aquosa, as enterites podem ser:

 Enterite Catarral: inflamação intestinal com produção de muco.


 Enterite Edematosa: inflamação intestinal com edema de submucosa.
 Enterite Ulcerosa: inflamação intestinal com produção de úlceras
Pulmonares: Tosse, expectoração, dispneia, febre, Síndrome de Loeffler.
Pele: pode ocorrer prurido no local de penetração das larvas na pele, larva migrans cutânea,
como observado com ancilóstomos, edemas e eritemas.
Estrongiloidíase crônica: é caracterizada por:

 Dor abdominal intermitente.


 Erupções cutâneas flutuantes.
 Eosinofilia intermitente.
Hiperinfecção: as larvas penetrantes podem causar danos suficientes à mucosa intestinal para
causar sepse por bactérias entéricas, como Escherichia coli e Bacteroides fragilis.
Gustavo Brazão - 2021.2

Diagnóstico:
Diagnóstico Clínico: é pouco preciso, geralmente se associa a pacientes com sinais e sintomas
característicos em uso de corticoides e imunossuprimidos.
Diagnóstico Laboratorial: Parasitológico de Fezes.
Hemograma: eosinofilia elevada.

Tratamento:
A ivermectina é o fármaco de escolha. O albendazol é uma droga alternativa.

Você também pode gostar